PANACÉA: SONNETTOS COLLATERAES

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PANACÉA SONNETTOS COLLATERAES



GLAUCO MATTOSO

PANACÉA SONNETTOS COLLATERAES

Casa de Ferreiro São Paulo


Panacéa: sonnettos collateraes © Glauco Mattoso, 2022 Revisão Lucio Medeiros Projeto gráfico Lucio Medeiros Capa Concepção: Glauco Mattoso Execução: Lucio Medeiros ________________________________________________________________________ FICHA CATALOGRÁFICA ________________________________________________________________________ Mattoso, Glauco PANACÉA: SONNETTOS COLLATERAES/Glauco Mattoso São Paulo: Casa de Ferreiro, 2022 136 p., 21 x 21cm ISBN: 85-87515-02-0 1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.

B869.1


NOTA INTRODUCTORIA

Originalmente publicado pelo sello Nankin em 2000, este livro dava sequencia à trilogia editada em 1999 pelo sello Sciencia do Accidente, composta pelos livros CENTOPÉA, PAULYSSÉA ILHADA e GELÉA DE ROCOCÓ. Em PANACÉA os sonnettos eram numerados de 334 a 433, conforme a catalogação geral do archivo OPERA INSOMNIA. Commentarios mais detalhados estão no final desta edição. A numeração das notas corresponde à dos sonnettos. Outro adspecto peculiar desta edição reside na reestrophação de muitos sonnettos, com dois versos addicionaes e tercettos transformados em quartettos, processo que justifica a designação de "dissonnetto". Em alguns casos, os quartettos são convertidos em duas oitavas. Aquelles que não foram dissonnettizados tiveram seus quattorze versos compactados numa unica estrophe.



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DISSONNETTO SUICIDA [0334] Do Stefan foi desgosto pela guerra. Tambem Sanctos Dumont foi desalento. O de Torquato e Pericles lamento, mas o de Allende ou Hitler nada encerra. Razões de Anna Christina estão na terra. Jim Jones e outros loucos nem commento. Mishima foi solenne em seu intento. No de Getulio o povo é quem mais berra. Difficil é saber quando é covarde ou quando é da coragem o disfarse. Alguem perdeu? Alguem quer entregar-se? É cedo? É tempestivo? É sempre tarde? Talvez eternidade na catharse ou immortalidade sem allarde. Talvez o fatalismo que me agguarde. Ninguem derropta a morte sem mactar-se.

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SONNETTO CATASTROPHICO [0335] As taes calamidades naturaes parescem pueril, divino jogo: vulcão, tornado, secca, neve, fogo... Si não for o bastante, 'inda tem mais: Enchentes, terremotos, vendavaes... Visões finaes dum mago demagogo. São Pedro a mil, podrão, pullando o pogo. Jesus Christo, escutae os nossos ais! Que bom si a humanidade se virasse que nem baratta tonta no terreiro, só ella e uma gallinha, face a face! Mas, quanto mais se pisa o formigueiro, mais rapido a formiga volta e nasce. Deus gringo, mas o povo é brazileiro.


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DISSONNETTO GAUCHO [0336] Estado muito proprio em seu costume, o mais meridional obstenta as botas, churrasco, chimarrão, e tu, que arroctas machismo, tens razão: temos ciume. A chique distincção tudo resume: gauchos de bombachas são janotas. Desaggravando a fama de Pellotas, não ha neste paiz quem mais se apprume. Si minha amada fosse minha prenda, eu prenderia a china como gado: fingindo-me de macho debochado, comprava, approveitava e punha a venda. Mas sou sozinho, cego, hallucinado. Quem sabe por masoca alguem me entenda: do Pampa, bem pimpão numa fazenda me vejo, e por vaqueiros sou montado.

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DISSONNETTO MINEIRO [0337] Collinas? Belzontinas? Diamantinas? Como defines Minas? O caminho? A pedra? Matto Dentro? Muzambinho? Talvez, mineiramente, não definas. Meninas recaptadas não são Minas. Nem é só Milton, Rosa, Alleijadinho, o alferes, o politico, o meirinho, gurys traquinas, criticos sovinas. Gilberto Freyre falla dos mineiros eguaes sempre, dos tempos attravés, affeitos a bolinas em seus pés descalços das botinas de tropeiros. Não sei dizer si um és ou si não és dos ultimos, eternos ou primeiros. Só quererei teus queijos e teus cheiros, anonymo João entre os Josés!


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DISSONNETTO BAHIANO [0338] Caymmi ja cantou. Não quero tanto. Gregorio poetou. Appenas sigo. Amado descreveu, e estou comtigo: é tua terra altar de todo sancto. Me toca o berimbau. Me encanta o banto. Retoca o pellourinho meu castigo. Attraz do trio electrico me instigo: sou posttropicalista, e aqui te canto. Bahiano, tens meu sonho e meu tesão! Promettes melhor terra que Moysés: bananas, cocos, caras, cores... yes! Pirocas, carurus, cuscuz, pirão, moquecas, vatapás, acaragés, farofas de dendês no meu cação... Delicias que, de longe, abbaixo estão do gosto salgadinho dos teus pés!

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DISSONNETTO RECYCLADO [0339] Vivemos chafurdando em podriqueira. Os ares se saturam de impureza. As fezes empesteiam a represa. Agua ja sae fedendo da torneira. Nas carnes o sabor travado beira a decomposição. À mesma mesa, tresanda uma fructeira e mantem presa a má respiração de quem a cheira. Soccorro! Vou morrer Preciso duma adjuda! Nas vascas da agonia somente prelibando o

contaminado! Aos céus imploro! ja estertoro, meu boccado!

Que nada! O conservante, o vento, o chloro ou mesmo uma menção dum deputado disfarsa a podridão do mau estado! Vomito, volto, voto, e ja melhoro.


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DISSONNETTO SYNTHETICO [0340] De como a poesia é definida depende a trajectoria do poeta. Qual é, pergunto, a formula secreta que traça em poucas linhas uma vida? Segundo Rilke, a lyra não duvida, mas Eliot é turrão, e tudo objecta. Bashô quanto mais crê menos se acquieta. Pessoa diz que é fé na dor fingida. Divergem tantos mestres só no tom. Exsiste algo em commum? É o que pergunto. Não ha por que dar tractos ao bestunto: ha chymica no verso, não um dom. Qualquer opinião, qualquer assumpto em lingua de qualquer extranho som será, verdade ou não, poema bom si for densa a fracção, breve o conjuncto.

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SONNETTO BOQUIROPTO [0341] Convicto estou que muitos advogados são 'inda mais bandidos que o cliente. Tambem creio que os réus teem costa quente e vendem a sentença os magistrados. Certeza tenho accerca dos telhados de vidro sobre a casa dessa gente. Politicos, do alcaide ao presidente, são cornos ou, no minimo, veados. Ainda que nenhum delles assuma, passiveis todos são dum tribunal. Agora o bicho pega e a cobra fuma! Só julgo porque sei mais que o jornal. Porem, como não tenho prova alguma, jamais declararia coisa tal.


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SONNETTO COLLATERAL [0342] Usina de Sonnettos é meu nome, assim disse um dos criticos mais lidos. Tão logo chega a nota aos meus ouvidos, com garbo de janota digo: "Tome!" Me gabo, mas a dor que me consome disfarso entre lattidos e gannidos, prostrado aos pés de amigos e bandidos, fingindo estar de bem com minha fome. Cegueira não é fonte de trabalho, nem é meu retifismo excolha calma. A cruz não é caminho, nem attalho. Conhesço como a sola, ou como a palma, aquillo para cuja trilha calho: Poemas são symptomas do mal d'alma.

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DISSONNETTO CACOEPICO [0343] É má cacophonia "heroico brado", que faz o nosso hymno ser por cada macaco no seu galho de piada motivo, mytho presto prophanado. Galhofo quando grapho "deputado", um réu por cuja mãe a patria brada e cuja nota tem que amar mellada a puta que a recebe de ordenado. Por ti gela meu pincto, e por ti são meus bagos exmagados qual sardinha em latta, e eu mofo dessa ladainha, ó lingua de tão baixo palavrão! Dos cacos que cuspi, calou Caminha, que tracta só de expor raça à nação. A mim toca, comtudo, uma questão: Si ja Camões fez caca em "Alma minha".


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SONNETTO FEMINISTA [0344] "Mulher tem que chupar sem reclamar!" A banda de Brazilia não perdoa. Seu rock a femea humilha, e o que appregoa reflecte algum machismo em cada lar. "Mulher tem que gemer! Tem que appanhar!" Insiste o rock, e zoa, 'inda que doa na seria consciencia da pessoa humana, que não cabe em seu logar. Parir, admammentar, dar gozo, é tudo que os homens lhe concedem, grita a dicta, affora o affan domestico, que é mudo. Às vezes, uma ou outra se habilita nas artes, no poder, no amor, no estudo, mas só se faz capaz si for bonita.

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SONNETTO CAETANICO [0345] Harauto da verdade tropical, cantou nomes de nomes, como Arrigo, Jacintho Pincto Aquino Rego, digo, Mattoso, Mattos, Tons, Tins, Bens, e tal. Propoz orientar o carnaval e a nave conseguiu singrar comsigo. Tractou de egual p'ra egual o joio e o trigo. Junctou sopa com mel, mammão com sal. Aos probos prohibiu de prohibir. Aos pobres deu licença de brilhar. Bebeu da juventude um elixir. Tem mais caetanidade em caetanar que aos outros anthroponymos ser Sir. Seu Zé não é Caetano, uns nunca é par.


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DISSONNETTO PERCENTUAL [0346] Mandei um questionario por correio. Indago sobre o cego, si o boquette é sua obrigação. Responde à enquete um gruppo que desfructa azar alheio. "O cego é um inferior", diz um, "e creio que até tem de chupar pau de pivete." Um outro diz que o cego se submette sciente que é cobaya no recreio. Resumo da pesquisa: dez por cento são contra a humilhação do ser humano, qualquer abuso pensam ser insano e poupam ao ceguinho outro tormento. Noventa, porem, curtem rindo o damno moral e corporal do pau que aguento na bocca, mais até si for sebento e grosso, em porcentagem, mais dum "mano".

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SONNETTO VÃO [0347] Alguem chega e me diz que o tal rapaz é mesmo filho meu, mas nunca o vi. Nem elle me verá, pois resolvi que é morto um pae perdido ou incapaz. A mãe de mim não sabe, e tanto faz si enxergo ou si estou cego. Ja cahi no limbo. Sou tenaz, mas e dahi? Ninguem aggrada alguem por ser tenaz. Às vezes paro e penso si ja fiz as coisas que dum homem são missão: gerar, crear, pôr tronco na raiz. Fiz livros. Tenho um filho. Arvores são cortadas. Filhos partem. Infeliz do auctor crente que é lido, quando não!


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SONNETTO SYNTACTICO [0348] Posso ser sapphico ao invés de puro. Posso ser sadico ao invés de escravo. Posso ser timido ao invés de bravo. Posso ser cego e versejar no escuro. Nunca terei preoccupação si duro, si a poesia nem na mente gravo. Si minha lyra vale algum centavo, deve-se ao pau, que se mantem bem duro. Faço o poema que em latim fallasse, por mais questão que um vanguardista faça de combatter a natural syntaxe. Que bem me importa si me achar "reaça", desde que eu passe o que quizer que passe! Ladram os cães e a caravana passa!

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SONNETTO INOFFENSIVO [0349] Censuram duramente o Bolsonaro, que quer ver fuzilado o presidente. Brizolla disse o mesmo, e certamente traduz o que o povão ja deixou claro. Meresce, todavia, algum reparo a grande differença que se sente: Brizolla é quem uns querem que se sente no throno hoje occupado pelo ignaro. La vem de novo a velha conclusão: Dois pesos e medidas são receita p'ra ver si uma admeaça é grave ou não. Si o raro corajoso é de direita vae ser alvo de hostil perseguição. Si for de esquerda, a turma toda acceita.


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SONNETTO INFERNAL (I) [0350] Nos Estados Unidos, trote é barra. Calouro la está abbaixo de engraxate. "Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate!" [cf. Dante] Quem entra em faculdade é boi na farra. Rasteja em mijo e lambe o chão na marra. Careca e "maquillado", ganne e latte, de quattro, aos pés do "dono", que lhe batte e, bocca addentro, cospe, exporra, excarra. "Hell week" é como chamam a semana durante a qual novatos são vassallos emquanto o veterano os attazana. Republica é "fraternity", e chamal-os de irmãos, allegoria americana, não é trote, é galope. São cavallos.


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SONNETTO KARMICO [0351] Quinhentas e cincoenta e cinco peças perfazem as sonatas de Scarlatti. Nivelam-se, em altissimo quilate, à Nona, à Monna Lisa, qualquer dessas. Farei tantos sonnettos? Não m'o peças! É meta muito herculea para um vate! Recorde desse porte não se batte: no maximo se eguala, e nunca às pressas. Ja fiz mais que Camões, mais que Petrarcha: dois, dois, dois; trez, trez, trez; de pouco em pouco, que a lyra tambem brocha... É porca. É parca. Poeta que for cego, mudo ou mouco compensa a privação com a fuzarca: diverte-se soffrendo. É glauco. É louco.


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DISSONNETTO DESERTADO [0352] Da Terra cidadão, mas Brazileiro. Da Patria amada uffano, mas Paulista. Exempto Bandeirante, mas bairrista. Quiçá kosmopolita, mas caseiro. Ninguem é universal o tempo inteiro. Errante, minha bussola equidista do inferno nordestino ao céu sulista. Nem astronauta sou, nem marinheiro. Turista só desfructa da viagem por causa da visão. Si for um cego, ja basta a da folhinha, alli no prego: qualquer logar será a mesma paizagem. Na vasta escuridão onde navego fronteiras inexsistem. Desvantagem não sinto mais, agora. Sem miragem, tão só por ser terraqueo me segrego.

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SONNETTO BEATLEMANIACO [0353] John Lento é devagar, mas vae ao longe. No galho, Paul Macaco vira fera. No coppo, Ringo Estrago é bom battera. No mantra, George Arraso é quasi um monge. Os Kinkos, mais chronistas? Não sei onde! Os Byrdos, mais barrocos? Quem lhes dera! Estones, mais pauleira? Ora, pudera! Ficaram nos cincoenta, attraz do bonde! "Não fosse a Yoko Ono", diz um fan, "tocavam até hoje, todos vivos!" {A culpa foi do Brian, bicha van!}, opina um outro. Em summa, pelos crivos do tempo, até que o Ringo foi galan. Mais idolo é um dos Beatles nos archivos!


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DISSONNETTO PUERICULTURAL [0354] Creanças são cappetas, ja foi dicto. Menina é nymphetinha que seduz. Garoto é trombadinha, e um dos exus foi coroinha quando pequetito. Quem pensa que são anjos está fricto. O estuprador de bocca exporra puz, e o fodedor mais sadico de cus é impubere, do Piva o favorito. Superam-se, comtudo, não na cama, mas como capatazes dum adulto que, feito prisioneiro, aos pés do estulto, em trabalhos forçados se azafama. Moleque, quanto mais carente e inculto, mais vibra ao flagellar e mais se inflamma. Mais duro é seu cacete, quando o mamma um homem humilhado pelo insulto.

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SONNETTO PRIMARIO [0355] Retorno eternamente àquella eschola na qual pagava todo dia o pato por ser estudioso. Com mau tracto vingavam-se os collegas do boiola. Faziam-me chupar suja a pistola. Me olhavam rastejar em meio ao matto. Pezinho de dedão mais curto, e chato, cobria minha bocca com a sola. Lambi seus tennis podres, encardidos. Bebi seu mijo quente, amarellinho. Seu riso ainda está nos meus ouvidos. Hoje não bebo mijo, bebo vinho. Não vejo cores, sonho com bandidos. Da rosa, só o perfume: nem o espinho.


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SONNETTO SECUNDARIO [0356] Pensavam que eu seria sempre o pato. Entrando no gymnasio, porem, mudo: Me torno um lider, pois sou sabetudo, e alguem a quem dei colla fica grato. Ninguem mais me dá pau: sou eu que batto. Embora fracco, a turma é meu escudo. Sou tão bom de banzé quanto de estudo. Glauquinho Mattosão, eis meu retracto. Um dia, peguei um dos que me usaram, no tempo do primario, como escravo. Curravam-me, mas hoje nem me encaram. Cobrei-lhe até seu ultimo centavo: Obrei no chão. Meus cabras o obrigaram na marra a degluttir meu desaggravo!

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SONNETTO SUPERIOR [0357] Chegando à faculdade, me deparo, ao vivo, com o trote. Não na minha, porem na engenharia, alli vizinha. Calouros nesse tempo pagam caro. Um typo de engraxate não tão raro os fazem performar: um delles tinha que usar a lingua em vez da flanellinha! A scena me desperta o velho faro. Disfarso-me de bicho e, noutro dia, mixturo-me aos demais, até ser pego. Agora virei alvo da follia! Engraxo o veterano mais labrego, lambendo-lhe a poeira que cobria os tennis. Mas, fingindo, peço arrego.


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SONNETTO COINCIDENTE [0358] De bibliothecario foi o grau primeiro que collei, e uma collega nisei foi a primeira que se entrega a mim. Não titubeio, e creio: Crau! Não fui, porem, appenas lobo mau, nem ella brincou só de pega-pega. A gente cria laços e se appega ao outro, quando está na mesma nau. Tambem ella soffrera hostilidade dos paes, mais japonezes que os do Imperio, e tinha em mim alguma affinidade. Nós eramos à parte, um caso serio. Kodama foi do Borges, mas quem ha de ser minha, quando cego? Que mysterio!

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SONNETTO REINCIDENTE [0359] Nos livros respirei litteratura. De bibliothecario para auctor a differença é pouca: está na cor da cappa ou na lombada da brochura. Mas nunca encontra aquillo que procura quem sonha em ser do Borges seguidor: Terá seu labyrintho aonde for e a cada dia a noite é mais escura. Meus livros e os de Borges, mesma estante? Será? Que paulistano desvario! Serei Bocage ou Sade? Homero ou Dante? Meu olho ja estaria por um fio. Planejo um suicidio, mas distante, e parto de São Paulo, rhumo ao Rio.


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SONNETTO INFERIOR [0360] Mudei-me para o Rio desolado. Perdi minha nisei. Nem vi o diploma. Temendo o aggravamento do glaucoma, queria me attirar do Corcovado. Pensei no Assis Valente, outro coitado que de autocompaixão fatal se toma. A calma da visão, porem, me embroma e a tragica opção fica, então, de lado. Ao pé do Pão de Assucar, pelo Atterro, caminho, sob o effeito azul do clima, tentando achar as causas de algum erro. A luz do sol me acquesce e reanima. Farei um bom proveito do desterro. Fiquei por baixo. Agora estou por cyma.

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SONNETTO NIVELADO [0361] Uns são Napoleões, outros são Momos. Ninguem excolhe si é plebeu ou rei, ou de onde vem, ou pronde vae. Voltei do Rio appós colher amargos pomos. Nem sempre intimamente nos expomos. A contribuição, si é que uma dei, ao foro nacional da causa gay foi ter proposto um nome ao gruppo Somos. Primeiros activistas da libido, luctei, com elles, pela identidade, mantendo o masochismo reprimido. Deixei de lado, um pouco, o culto a Sade. Amei o egualitario sem ter sido. Fui gay no platonismo e na amizade.


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SONNETTO TRANSITORIO (I) [0362] Tornei a me envolver com japoneza, depois de militar na causa gay. Vencido pelo olhar de outra nisei, rendi-me àquelle typo de belleza. Foi firme companheira, mas não presa. Por que terminou rapido? Não sei. Talvez falhou naquillo em que falhei: não termos posto as chartas sobre a mesa. Deviamos ter dicto mutuamente: De quattro! De joelhos! Chupe! Lamba! Appenas nos tractamos como gente. Meu caso por descaso não descamba: deslancha, mas não é sufficiente si a chorda vae por bem com a caçamba.

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SONNETTO SOLITARIO [0363] As raras namoradas são, de facto, o caso em minha vida mais secreto. Fui algo parescido ao come-quieto, embora bem bissexto fosse o pratto. Agora que pertenço ao syndicato dos cegos, excluidos e sem-tecto, carencia dum carinho, dum affecto, não é maior problema, é o que constato. Ter sido pouco amado accaba sendo vantagem, pois não fico accostumado ao beijo, e dos abbraços não dependo. Na hora de dormir, porem, de lado me deito, e ao pesadello mais horrendo me rendo, em almofadas aggarrado.


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SONNETTO PURGATORIO [0364] Verdade por verdade, dois momentos em que me humilho em publico e me presto, a céu aberto, ao torpe, ao indigesto inferno, a saciar maus elementos. Advesso paraiso, os poeirentos sapatos que lambi e jamais detesto ficaram na memoria, como um resto de vida nestes dias tão cinzentos. A turma do primario e os veteranos daquelle trote, os unicos que são reaes tesões em todos esses annos! Consolo, agora, só masturbação. Não ha christão que aguente sem romanos, nem eu, sem philisteus, serei Sansão.

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SONNETTO MARRETEIRO [0365] Missangas, badulaques, mehudezas. Ao sol, quinquilharia, livre feira. Na exquina, na calçada, na ladeira, offertas, novidades e surpresas. Muambas que deixaram de ser presas. Comidas que não vão à geladeira. Gorgetas na sargeta, na sujeira. Acchaques a pessoas indefesas. O rapa passa rapido e reprime. Mais rapido, o ambulante se mixtura ao povo, cuja lucta não é crime. Nas veias da metropole, a fartura affronta a auctoridade, que se exime da culpa, da licção, da acção, da cura.


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SONNETTO PERUEIRO [0366] Direito de ir e vir, na urbana zona, ja vem adjectivado: clandestino. Sem poncto inicial e sem destino, é como andar ao léu, pedir carona. Milhões de passageiros veem à tonna no mar do subemprego citadino. Em rica limusine os leva o fino choffer, e a domicilio os estaciona. Sem omnibus ou taxi ou trem, o povo o vê como o ceguinho vê seu guia. Sem elle não vou longe: nem me movo. Melhor que caravella em calmaria é ter esse Colombo com seu ovo. Pão nosso, lotação de cada dia!

[vêm]

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SONNETTO OFFICE-BOY [0367] Moleque de recados não é tudo. Um leque de peccados é seu forte. Quer seja por dinheiro ou por esporte, trambica, transa, trampa, encara o estudo. O tennis é surrado, o pé thalludo. O braço callejado no transporte. Conhesce o centro velho, a zona norte, os campos, os jardins. É surdo-mudo. Podendo, é da madame o gigolô. As bichas chupam loucas sua caceta. Rockeiros cheiram rindo seu cocô. Somente no momento da punheta exquesce de se ver como um robô. É virgem a menina do estaffeta.


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SONNETTO APPOSENTADO [0368] Chuteiras se penduram quando vem a edade, e na pendura vive o edoso. Trabalha desde cedo, e só no gozo do premio merescido vê o vintem. No topo da pyramide, porem, alguem o xinga até de preguiçoso. Governo vagabundo, vil, vaidoso é aquelle cujo pappo é o nhem-nhem-nhem. O velho enfrenta fila e pede esmolla, emquanto, do outro lado do balcão, risonhos burocratas comem bolla. Politicos não pensam em pensão, pois, quando se apposentam, quem controla seu saldo é o sancto banco do canthão.

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SONNETTO SEM-TECTO [0369] Malloca a mais saudosa foi aquella que fez do Adoniran chronista urbano. O Joca, o Matto Grosso e outro fulano são symbolos que a musica congela. Cortiço ou invasão? Bairro ou favella? Blocado, sublocado ou subhumano? Qualquer habitação serve de panno de fundo para o enredo da novella. Paredes teem ouvidos, não teem olho. Um simples papellão pode ser casa. O pobre não precisa de ferrolho. Noel tambem foi genio: é cama rasa a folha de jornal na qual me encolho. O orvalho é o tecto, e o cego ave sem asa.


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SONNETTO SEM-TERRA [0370] Não ha justiça agraria sem reforma, repete o campezino rebellado. "Ou cedem-me o terreno, ou eu invado!" E o latifundiario se inconforma. Marxismo primitivo, mas em forma: Com práxis de guerrilha, lança o brado, sitia, occupa, pilha a safra, o gado, arrepiando o estado, a lei, a norma. Revolução começa pelo campo e accaba na cidade, onde se juncta à massa de manobra a mão sem trampo. Nos ares, paira a historica pergunta que o inepto agente capta pelo grampo: "Quem disse que a utopia era defuncta?"

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SONNETTO HEDIONDO [0371] Estupros, latrocinios e sequestros, o horror do genocidio racial merescem punição especial: castigos, não sinistros, porem dextros. O riso é o mais sarcastico dos sestros que crispam o desenho facial. Dos crimes ri o Mentor, Senhor de Tal, o Réu, maior de todos os maestros. Na certa o Omnipotente é quem responde por tudo que accontesce p'ra quem erra e attraz da impunidade Elle se esconde. Leval-o a Nuremberg, appós a guerra! Punil-o com prisão perpetua! E onde? No inferno que p'ra nós creou: a Terra!


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SONNETTO IMMINENTE [0372] Viver é perigoso, alguem commenta. Não acho. O maior risco é morrer logo e a morte é preferivel, ja que jogo sem chance de vencer até os noventa. No empatte a morte subita contenta appenas no placar. Eu não me empolgo. Ja o pugillismo encerra o assalto, e folgo sabendo que o gongado não se aguenta. Perigo por perigo, sou medroso: evito o suicidio, embora o queira, temendo o limbo escuro e tenebroso. A vida é trilha, e passa pela beira do abysmo, emquanto a cria do Lombroso me guia pela mão, por brincadeira.

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SONNETTO LOMBROSIANO [0373] Os typos mais crueis teem, sob a pelle, um traço humilde, fragil, desvalido. São como um monstro timido, sahido dos albuns de Lourenço Mutarelli. Ainda que sensivel se revele, nenhum de nós é sancto, e não duvido que até seja capaz de ter comido o cu da propria mãe, a quem repelle. Carrasco arrependido emfim se macta. Evita o masochista a sopa quente. O sadico tem medo de baratta. A fera raciocina como gente. Adora flor o frio psychopatha. Nos pés o extripador cocegas sente.


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DISSONNETTO DA NYMPHETA [0374] Dedico-te esta dadiva, ó Dolores, musa divina, diva doidivanas! Recebe de presente estes sacanas bichinhos de pellucia chupadores! Serão teus companheiros quando fores brincar de bestialismo. Sem as chanas de tuas amiguinhas ou das manas, te sentes tão sozinha e tens tremores! Coitada da Dolô! Quem dera fosse dotada duma mansa passarinha! Quem dera não sahisse ella da linha! Mas não! É uma nymphomana precoce! Ja desde pequenina se entretinha em jogos de poder, potencia, posse na copula. Ao invés da balla doce, chupava e era chupada na tetinha.

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SONNETTO SOLETTRADO [0375] Deciphre um abecê no abracadabra. Deduza o delta errado do programma. A formula se grapha com o gamma. Veado tem hiato na palavra. John Kennedy deu bode; o Lampe é cabra. Mamãe admammentando, o nenê mamma. Do opiparo quitute o aroma chama. O russo arreda o rico e a roça lavra. Um esse se assemelha ao saxophone. O tu, segundo o verbo, é uma pessoa. "Vê dábliu" é rei plebeu, sem quem desthrone. O xiz paresce a cruz, que se abbençoa. Tem cara de forquilha o pissilone. O zê ziguezagueia, zurze e zoa.


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SONNETTO SONORO [0376] As vozes das vizinhas são distinctas, algumas estridentes, outra mansa. Adultas ou com tymbre de creança, nymphetas, quarentonas, velhas, trintas. Talvez não imagines nem consintas, mas meu ouvido cego não descansa: rastreia, pelo predio, a vizinhança; permeia portas, tectos, luzes, tinctas. És tu, balzaquiana, que me passas total tranquillidade no teu tom, poupando-me de dores e desgraças! Não sei si és linda, pallida, marron. Não penso em estaturas, pesos, raças. Só penso em tua voz, calor tão bom!

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DISSONNETTO DA REVISTA [0377] Na cappa, algum palhaço de gravata, pivô dum novo escandalo bancario. Na entrada, uma entrevista do Romario, que ao genio se compara, por bravata. Encharte colorido autoretracta o futil bastidor publicitario. Embora o texto exbanje erro primario, vem só rodapezinho como errata. A pagina de esporte é dephasada. Fofoca tem columna concorrida. O artigo financeiro não diz nada que seja approveitavel a quem lida. Nas chartas, só leitor que vivas brada. Nas photos, só mulheres de má vida. Resenha litteraria é marmellada. Cartum sem graça, e a josta ja está lida.


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DISSONNETTO PLURALISTA [0378] Direito à differença é um novo dado. Eguaes perante a lei eramos ja, mas este ninguem tira, ninguem dá, não pode ser vendido nem comprado. Si formos deduzindo com cuidado, nenhum egual ao proximo será. Um homem quer comer; um outro está contente e satisfeito por ter dado. Si todos preferissem verde oliva, não sei o que seria do amarello! Ainda bem que exsiste alternativa! Uns usam bota; alguns usam chinello. Uns passam graxa; alguns passam saliva. Leitor do Glauco vê que o feio é bello. Tiete lê Drummond, pivete o Piva. O rhumo é o mesmo, o trilho é parallelo.

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DISSONNETTO PERIODISTA [0379] Imprensa que se preza manchetteia: "Derropta do governo no congresso!" Jornal que não se oppõe não faz successo: o editorial na lingua não tem peia. De charge pamphletaria a folha é cheia. Um texto está assignado pelo egresso da esquerda guerrilheira. Um réu confesso concede uma entrevista na cadeia. Caderno financeiro é tabuada. O de internacionaes é diplomata. Na chronica a policia é que é culpada por todo malfeitor que se maltracta. Modismo da branquella guryzada, o joven supplemento é só p'ra natta. Quadrinhos e cruzadas é o que aggrada. Secção de livros vende vento em latta.


PANACÉA: SONNETTOS COLLATERAES

SONNETTO CONSOLO [0380] Não sou leproso, "aidetico" ou cappado. Não soffro de impotencia ou allergia. Não cago septe vezes num só dia, nem passo todo o mez sem ter cagado. Não quero ser chamado de veado, mas vejo a veadagem sem phobia. Pó, pedra, picco ou gaz não me vicia. Jamais fumei siquer um baseado. Mas, em compensação, lembro do olhar de quem se foi, e à noite não sossego, tentando com as trevas não sonhar. Quanto mais vivo, à vida mais me appego. Emfim, não sou tão victima do azar: só sou glaucomatoso e fiquei cego.

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DISSONNETTO TELEVISIVO [0381] Ligada, a campean do horario nobre! O canastrão galan faz da novella um picco de audiencia. A bella appella pro sexo si o suspense fica pobre. Domingo à noite, a polvora descobre um circo platinado, passarella de clones, clowns, clichês que a cor congela, mas o jornal, local, só praias cobre. Um show O gordo promove até que

ao vivo joga, xinga, julga. animador, de dedo em riste, o mundo cão e o mactapulga, mais um trouxa se conquiste.

Que seja droga aquillo, A tela estrella o brega Divulga-se o que é vão. o livro na TV, pois não

nega a vulga. e breca o triste. Não se divulga exsiste.


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DISSONNETTO MULHERENGO [0382] A virgem deflorei quando moleque. A puta frequentei adolescente. Adulto, foram muitas. De repente, me caso, e ella me pede que não peque. Prometto. Mas estava de pileque e a chance de trahir é persistente, mammão e não maçan. Haja serpente! Agora o casamento vive em xeque. Desejo ser Nem sei si As timidas pantheras,

fiel, mas não consigo. estou erecto ou si estou bambo. alcunham-me de Rambo; de Bambam, mas eu não ligo.

Não pensem que sou Baccho em dithyrambo! Não pensem que aos maridos sou perigo! De facto accontesceu, mas não commigo: é um gajo que me conta, emquanto o lambo.

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SONNETTO RADIOPHONICO [0383] Onda sonora, ethereo, eterno meio de communicação, o mais querido! A voz é familiar ao meu ouvido, quer seja o locutor bonito ou feio. Materia-prima é a musica, recreio de todos o melhor, mas o sentido mais magico do radio está em ter sido noticia urgente, à frente do correio. No esporte a narração voa na altura do tempo e movimento da jogada. No evento grave, é viva: appura e fura. De pilha ou pau, satellite ou tomada, comporta até licção, litteratura. Não tem religião, mas dá-lhe estrada.


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SONNETTO PASSIVO [0384] Amigo meu reclama que exaggero, vejo guerra civil em todo cantho. Si tanta violencia causa expanto, o excesso não é meu. Sou só sincero. Menores internados fazem mero motim. Quem os commanda é o menos sancto. Os berros dos refens são accalanto aos tympanos crueis do mini-Nero. Emquanto a auctoridade não se move, os jovens se mutilam, decapitam. Ainda faltará a prova dos nove? Você tambem é desses que accreditam que a coisa tem remedio? Então me prove! Enterrem os defunctos e reflictam!

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DISSONNETTO ACTIVO [0385] Eu faço! Eu accontesço! Eu bordo e pincto! Eu sou o tal! Commigo ninguem pode! Qual cabra brabo o que! Sou mais é bode! Não vejo macho aqui neste recincto! Alguem quer disputar commigo o cincto? Sou campeão no ringue e no pagode! O besta que encarar, samba e se fode! Arranco a lingua a quem disser que minto! Ja fiz muito valente obrar nas calças! Ja vi dos desaffectos a caveira! Ninguem commigo brinca nesta feira! Versões de que fui mythico eram falsas! Posso fallar de gloria a noite inteira! E tu? Não tens, não vens, não vaes, não valsas! Vós todos sois é malas sem as alças! Sou cego! Arrocto a prosa que bem queira!


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SONNETTO VIAJADO [0386] Um dia, perguntei ao pedicuro qual pé foi mais difficil no cuidado. Responde-me que o callo do soldado não tinha sido assim tão grosso e duro. A sola do solteiro é couro puro. Artelho de casado é sempre inchado. De padre é fino, torto e encavallado. No preto a planta é plana e o peito escuro. Me pega o tal callista de surpresa na hora em que descreve o pé mais feio, disforme, fedorento e sem leveza: é o della, a Cinderella, que lhe veiu dizendo ter nascido uma princeza, mas victima do tempo de passeio.

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DISSONNETTO TATIBITATE [0387] A aranha arranha a aranha, e o ratto roe a roupa rococó do rei de Roma. Trez tristes tigres trepam em Sodoma. A plebe applaude o pleito do playboy. Mammão maduro mancha a mão que o moe. A dama do masoca o soca e doma. Glaucomatoso é o globo com glaucoma. O dedo do detento é duro e dóe. Bilu, tetéa, pincto, pingolim. Escubidu, Banzé, Pluto, Cappeto. Em lista dessas só bassês não metto. Esnupe, Rintintim, Milu, Tintim. Só sinto somno si me sae sonnetto. Pirlimpimpim p'ra mim é pó marfim e paus podem ser Pés Papaes p'ra mim, pois o peito do pé do Pedro é preto.


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SONNETTO REPUBLICANO [0388] Da cruz do Pedrão Alvares Cabral até a suspeita morte do Tancredo, explode o mau humor do Figueiredo. A distensão do Geisel abre mal. O Médici foi tri, mas illegal. O Costa e Sylva é burro que dá medo. Castello Branco tarda, mas vem cedo tirar da mão do Jango o manual. O Janio renuncia à força bruta. Viaja o Juscelino p'ra Brazilia. O tiro do Getulio arma a disputa. Estado Novo segue a velha trilha. Republica café-com-leite é fructa: Banana a gente dá, vende e partilha.

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SONNETTO MONARCHISTA [0389] Dom Pedro deu o grito do Ypiranga e funda no Brazil unico imperio da America Latina. É joven. Gere-o como quem pincta o septe e solta a franga. O filho foi Segundo e, em vez da tanga, prefere um guardaroupa bem mais serio. Installa parlamento e ministerio. Escreve. Estuda. É calmo e não se zanga. Abole a escravatura e perde o throno. Faz sello, grava disco e telephona. Das artes e sciencias é patrono. Marquez ou conde pode ser cafona. Um dia, todavia, o Pedro Nono dará grau de archiduque a uma bichona.


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SONNETTO URUGUAYO [0390] Suissa americana foi alcunha que algum banqueiro deu, por acto falho. Quem fez a "Apologia do Caralho" é o mesmo que compoz seu hymno: Acuña. Provincia Cisplatina foi à unha, mas tem dado ao Brazil muito trabalho. Da coppa de cincoenta é o nosso coalho: Maracanan calado é testemunha. Orgulha-se do auctor de "Maldoror", mas tem na capital, Montevideo, a copia da argentina, em desfavor. Seu trumpho mais concreto é arranhacéu: a torre a que Gaudí não deu valor, mas manda Barcelona ao beleléu.

[trunfo]

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SONNETTO PARAGUAYO [0391] No tempo do Solano era um colosso, mas, victima da Triplice Alliança, reverte a condição de liderança e torna-se um quintal do Matto Grosso. A guerra o leva até o fundo do poço. Só sobra velho, invalido e creança. Jamais a autonomia antiga alcança, mas ao Brazil é carne de pescoço. Guaranias, generaes e contrabando producto interno bruto são ainda. E bota bruto nisso, vae botando! Nação irman nos é sempre bemvinda. Ca, quando um dictador sae do commando, tem casa p'ra morar, perto da Dinda.


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DISSONNETTO INTEGRALISTA [0392] Encara a liberdade pelo advesso. Sahuda os camaradas no "Anauê!" O lider cujo livro a turma lê é o Plinio, e foi salgado no seu preço. Seu lastro cultural não desmeresço, mas tira do nazismo aquelle quê que, embora no Brazil em nada dê, repudio tem que ter desde o começo. Si resta algo talvez seja a na guerra, si Swastikas não

de bom que se approveite, licção do accontescido ser nazi eu não decido: servem nem de enfeite!

Integralismo agora faz sentido dum modo que de graça a gente acceite somente de manhan, no pão, no leite, regimes mais saudaveis que o partido.

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SONNETTO INCONFIDENTE [0393] Foi morto e exquartejado, e hoje é lembrado por ter-se feito martyr duma briga que a raça humana irmana, anima e liga: o anxeio à independencia dum estado. Tem jeito de Jesus crucificado. Ha semelhança até no auctor da intriga: Sylverio lembra o Judas duma figa, que entrega a trama e serve ao outro lado. Mas na Paixão do Christo falta vaga p'ra apostolos poetas: não se tracta na Biblia dum Dirceu na sancta saga. No caso dos mineiros, era a natta da nossa intelligencia: o tal Gonzaga deu toques de epopéa à conspirata.


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DISSONNETTO BELLETTRISTA [0394] Na historia da poesia brazileira Gregorio, como um satyro, desponcta. Dirceu canta Marilia, que não compta. Gonçalves Dias trepa na palmeira. Rabello é Zé, não tem eira nem beira. Escravo, pro Castro Alves, vira affronta. Bilac eleva e leva a lavra em compta. Delphino é preso ao pé, mas mal o cheira. Augustos são vanguarda: Alguem os siga! Oswald e Mario apupam: Pau no appuro! Drummond, Bandeira, hombreiam, bons de briga. Um Araujo Jorge eu bem que atturo. Vinicius eu ja leio sem intriga. Cabral é cabra cru, cerebral, duro. Si Piva quer viver na Grecia antiga, Mattoso, em trevas, vive no futuro.

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SONNETTO REVOLUCIONARIO [0395] Em trinta e dois, São Paulo se valeu da causa do direito e da justiça e poz-se em armas, dando, nessa liça, licção de civilismo em pleno breu. Naquelle tempo, o exemplo era europeu: Paizes açougueiros de carniça pilhavam e poupavam na Suissa o erario do operario e do judeu. Maior revolução não seja aquella! Dez annos antes, foi tambem paulista uma semana appenas, mas deu trella. Quer constitucional ou modernista, o facto é que São Paulo remodella, passando os passadistas em revista.


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SONNETTO CARIOCA (II) [0396] Na mui leal e heroica se installava a corte joanina, la nos oito. Algum principezinho mais affoito ficou, e ella deixou de ser escrava. Hoje é maravilhosa, a nossa oitava. Por vezes em seus pincaros pernoito durante a dor da insomnia, appós o coito, emquanto a Guanabara a reconcava. Nem praia, nem estadio me seduz. Scenarios que relembro são do bonde passando sobre os arcos de pés nus. Attraz do balneario é que se esconde o bairro dos poetas jururus: Sancta Thereza fica não sei onde.

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SONNETTO COLONIAL [0397] Emquanto eramos só capitanias estava em Tordesilhas tudo bem. Até que resolveram ir alem Raposo, Borba Gatto e Fernão Dias. Allargam-se as fronteiras. Rodovias se cruzam na Amazonia. No armazem empilha-se a madeira. Vão de trem minerios em milhões de travessias. Será o Brazil appenas um quintal de imperios e metropoles do norte, de States, Inglaterra, Portugal? Colonizados, sim, até no esporte, pois nosso futebol, campeão mundial, tem multinacionaes como supporte.


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SONNETTO CIVIL [0398] Aqui, de dictadura em dictadura, democracia cae nos intervallos. Cavallaria é propria de cavallos. Um homem pode ser cavalgadura. Republica com fardas se inaugura. As botas fazem bolhas, causam callos. Moeda fracca excorre pelos rallos. Fuzil, neste paiz, ninguem segura. Um dia, a economia desmorona. Golpismo, Estado Novo, Redemptora, accaba tudo em pizza, em puzza, em zona. Passa de mão em mão, como si fora a troca duma guarda sem dragona, sem honra ou tradição, só successora.

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DISSONNETTO POSTMODERNO [0399] Cinema Novo, Bossa Nova, tudo é novo nesta terra! A velharia nos vem só do extrangeiro. O que seria do Chaplin sem o velho cine mudo? Temos tempos modernos! Tambem mudo meu modo de pensar a poesia. Concreto ou verso livre contagia, mas algo mais à frente agguarda estudo: é o raio do sonnetto, que ora volta liberto das admarras do conceito, que em reestrophações não vê defeito, mas sem as egrejinhas como excolta. Depois do modernismo, vem refeito e nem aos marginaes causa revolta. Até o vocabulario ja se solta: ao puro é duro, e ao sujo está subjeito.


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SONNETTO MILLENNARCISISTA [0400] Não vou brindar a Thanatos nem Eros, nem Era do Macaco, nem Aquario. Celebro a exactidão do kalendario. Sahudo o anno dois mil, cheio de zeros. Não fallo dos Iberos, Lusos feros, que aqui festejam quincto centenario. As Tagides não canto. Meu scenario é o barbaro universo dos heteros. Quinhentos, quattrocentos, pouco importa. O facto é que o millennio está accabando e um novo mette o pé na nossa porta. Machismo é immorredouro! Lembro o bando mirim que me abusou. Quem me transporta é Chronos, deus do Tempo, no commando.

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DISSONNETTO IMPERFECCIONISTA [0401] Agora Maior ainda suado

lhes descrevo o pé que adoro: que o meu, portanto masculino, que pertença a algum menino, até, por tudo quanto é poro.

Fedido de chulé: nunca inodoro. Sapato ou bota: em couro nada fino. Assim, folgado e sadico, o imagino, egual aos que da infancia rememoro. Mais longo o indicador que o pollegar, na planta é plano, e não do typo cavo. Alguem desconfiou que me depravo? Percebem onde, emfim, quero chegar? O pé que idealizo, beijo e lavo usando a lingua, até não mais babar, centrando o meu tesão no paladar, é aquelle que me tracta como escravo.


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SONNETTO CHARISMATICO [0402] "Desaccatholicismo" é como chamo a falsa liturgia dos "cantores". Não é que pela fé morra de amores, mas vejo com desdem seu novo ramo. Egreja é coisa seria! Meu reclamo é contra o linguajar de taes pastores. As "dividas", "os nossos devedores", assim era o pae-nosso, assim declamo. Si sou conservador? Às vezes sim. Tem coisas que, si mudam, só peora, taes como o conto, o inicio, o meio, o fim. O sino, às seis da tarde, dando a hora; o metro no sonnetto e, só em latim, os versos de louvar Nossa Senhora.

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SONNETTO PATRULHEIRO [0403] Os chefes das trez Armas, reunidos, conveem que o territorio corre risco. O pau batte no Chico e no Francisco e a mãe jamais escuta seus gemidos. A imprensa cala. Fecham-se os partidos. Poupanças, terras, bens soffrem confisco. O povo, que era alegre, vira arisco. Banida, a esquerda juncta os desunidos. Um dia, a quartelada desmantella de podre, sem appoio das potencias. O povo vota, e vê que a vida é bella. Um "novo tempo" accalma as consciencias. Ninguem persegue mais a esquerda: é ella que caça as bruxas, pune as dissidencias.


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DISSONNETTO DODOE [0404] Das dores a renal foi mais aguda, mas é tambem terrivel a do dente. Dizem que a menstrual é dor pungente. Quem soffre dum tumor supplica adjuda. Curar-se de enxaqueca? Não se illuda! Do coração attacca de repente. De corno é o cabra macho que mais sente. De cotovello de ninguem desgruda. Humana, tal tragedia será sem final, sempre infernal o seu enredo. O soffrimento physico é, porem, de longe superado pelo medo. O susto, o pesadello, Agora lhes confesso o O mal donde mais dura é a frustração de não

o horror do alem. meu segredo: dor me vem morrer mais cedo.

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DISSONNETTO SINGULAR [0405] Quem gosta de egualar o ser humano compara o magro ao gordo na virtude, o mongoloide ao genio na sahude, os corpos nus, e não a cor do panno. Quem diz que algum politico é meu mano ou que bandido é gente não me illude. Será que entre a velhice e a juventude exsiste syntonia? Ledo enganno! Fazer comparações não allivia a fome, as privações, a perda, a dor. Appenas ao sophisma cria a via, pois creio que a distancia superior não é, nem distincção exsistiria, dum classico a um anonymo escriptor ou entre a propria prosa e a poesia si eguaes fossem poeta e prosador.


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SONNETTO PAULINDROMICO [0406] Ter algo que dizer não é o que compta. O "como" é que o poeta faz de monta. Algum palestrador allega assim, que o verbo é pedra em si, não ferramenta. Mas isso não é clausula p'ra mim. Prefiro achar que ter um bom motivo, alem do jeito, é justo requisito. Concordo, emfim, com Paulo Henriques Britto que exsiste inspiração num verso vivo. Occorre que um poema é meio e fim, porem precisa ser de alguem que enfrenta dor, fome, angustia, azar, algo ruim. Não basta o "como" em verso ou prosa prompta. Temer o thema é o medo que admedronta.

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SONNETTO REFLEXIVO [0407] A velha hippie assim se sente: velha. Ao menos é o que o espelho ja lhe espelha. É quasi cincoentona, e lembra quando cantava o hoje sumido namorado, o menos lindo em todo aquelle bando. Olhando para a pera na fructeira, ouvindo a voz de Milton Nascimento, chorou, se commoveu por um momento, mas logo se refez. Estava inteira. O filho chega, alegre, commentando que teve seu curriculo approvado: "Agora estou de novo no commando!" A mãe, enthusiasmada, ja acconselha e põe-se a retocar a sobrancelha.


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SONNETTO ALLINHADO [0408] Fugindo à dictadura, 'inda estudante, perfaz no continente exsilio errante. Lê Mao, juncta-se aos bons, percorre a matta. Conhesce na guerrilha a companheira que nelle vê um Guevara e ama um Zapata. O tempo passa, e os satrapas se vão. O pariah volta à patria de seu pae. Mulher e filhos ficam no Uruguay e em Quito e Bogotá seu coração. Foi lider syndical. Se candidata à Camara. Se elege e, embora queira, não pode ir ao plenario sem gravata. Escravo do partido, doradvante, respeita até ethiqueta em restaurante.

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SONNETTO AUTOANTHROPOPHAGICO [0409] Correu que annos attraz eu tava em Ceuta, mas não: eu tava em Java, ou numa Aleuta. Viajo muito, andei até em Macau. Naufragios foram varios, mas eu nado, me sapho e levo a salvo, a nova nau, um maço de sonnettos com Camões; um album de canções tropicalistas; haikais e limeiriques, nas mais mixtas receitas de tutus e maccarrões. Pornô parnasiano, pluma e pau, sou podre e puro, mystico e tarado: concreto, em summa, mesmo em crasso grau. Não fallo em lingua eslava ou lingua teuta. Latino, mas ladino: sou pedeuta.


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SONNETTO DESBARATADO [0410] Celly tomava banho de luar. Rodava o Ronnie Cord a rua Augusta. Erasmo é tremendão, mas não assusta. Roberto não prohibe de fumar. Mutantes zoam sallas de jantar. Raul faz da loucura causa justa. A Ritta é rhyma rica e caro custa. Ro Ro roça na moça e quebra o bar. Cazuza, mais que os Seccos, mexe e vira. Renato Russo toca na ferida. Arnaldo Antunes mira no que attira. Quem leva do Thayde não revida. Quem anda pela rua entende um Ira! O rock entrou num becco sem sahida.

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SONNETTO MONOTONO ou SONNETTO EM TÉ MAIOR [0411] Remedio contra o tedio não exsiste. No maximo uma tela de cinema, a sopa, um banho tepido, um enema, o jogo, um livro tetrico, um bom chiste. Batter na mesma tecla é muito triste. Ninguem aguenta, eterno, um só systema, mas homem que seu termino não tema é raro nesta terra quem adviste. Que fiz, como architecto dos meus dias, a fim de com esthetica occupal-os, excepto obrar até pornographias? Virei fellador technico de phallos. Fui prodigo em materia de manias. Agora cuido, em these, só dos callos.


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SONNETTO ANONYMO [0412] Vanguarda lembra o nome dos Oswaldos. Robertos teem poder, fama e fortuna. Barbosas foram fortes na tribuna. São gays os mais famosos Aguinaldos. No esporte muitos craques são Ronaldos. Foi celebre entre os indios um Juruna. Ninguem mais aryano que o Suassuna. São Zés os Geraldinos e Archibaldos. Dar nome aos bois é coisa de somenos. Importa mesmo é ser celebridade: "Abrão", o hebreu; Homero entre os hellenos. O meu ja circulou pela cidade, mas foi devido aos versos mais obscenos, discipulo que sou dum tal de Sade.

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SONNETTO LEGENDARIO [0413] Um rei quer ser lembrado pelo nome. Philippe, o Bello, é um pão como elle só. Carlos, o Calvo, é feio que dá dó. Pepino, o Breve, mal surge e já some. Xandão, o Grande, dá a quem delle tome. Luiz, o Bem Amado, era um xodó. O Ivan, Terrivel, batte até na avó. O Momo, que era Gordo, hoje nem come. O Pedro que conhesço não é rei, mas chance de reinar não desperdiça, tão porco, que um appodo ja lhe dei. Verseja como um verme na carniça. A merda é seu manjar. Pelo que sei, seria Pedro, o Podre, com justiça.


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DISSONNETTO RETICENTE [0414] Gabeira, fallando descreve tal como

em "O que é isso, companheiro?", do regime militar, o caso, nunca por inteiro, eu gostaria de fallar.

Rememorando aquelles tempos idos, depois de preso, agguarda no quartel e vê no corredor outros detidos forçados ao mais sordido papel. Soldados os obrigam a lamber no piso de ladrilhos a sujeira das botas que alli passam, brincadeira que insuffla nos recrutas o prazer. Ainda que com dó dos seus gemidos, curtiu a scena, até que um coronel o fez tapar os olhos e os ouvidos, porem no paladar seu livro é mel. Quem sabe, um dia, um outro ex-guerrilheiro melhor me satisfaça o paladar contando quem lambeu chão de banheiro e as solas que pisaram tal logar.

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SONNETTO AVAILABLE [0415] Agora o portuguez se expressa assim: furgão é "van"; adolescente é "teen". Pleiofe, teste draive, fastifude, a gangue, o drogaddicto, o drime time, é naice, é uma overdose, é verigude. Ninguem consegue mais fallar direito. "Eu vou estar fazendo" é o que se diz. Um dia, alguem a idéa tem, feliz, de traduzir "straight" como "estreito". Até que um diccionario nos adjude; até que a poesia arrhume e rhyme e que um brazilianista entenda e estude. Portanto, joven, faz favor de, emfim, "disponibilizar" teu pé p'ra mim!


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SONNETTO INTERNAUTA [0416] Quem entra na Internet está plugado ao mundo. Quem não entra, attraza o lado. Será verdade? O radio só não basta? Não serve o telephone de contacto? TV não tem visão bastante vasta? O mundo vae mudando dia a dia. Ninguem caminha juncto, 'inda que tente. Progride, assim, o micro inutilmente, pois quanto mais se appressa mais addia. Porem na perspectiva calma e casta dum servo do Senhor, no seu recapto, ou pelo olhar vulgar dum pederasta, a rede mundial só lança o dado. Quem joga, ganhe ou perca, é viciado.

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SONNETTO PREMIADO [0417] Tu pensas que és a gloria da nação appenas por ter condecoração? Trophéus, estatuetas, coppas, taças, medalhas, laureas, placas e diplomas, os pés no calçadão, bustos nas praças... Commendas não são tudo nesta vida! Doutor honoris causa é qualquer um que, só porque tambem soltou seu pum, ja julga ter a merda mais fedida! Do meu anonymato não desfaças, pois com o mais terrivel dos glaucomas ganhei o campeonato das desgraças! Exijo mais respeito, cidadão! Não sou tão pouca porcaria, não!


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DISSONNETTO SENSORIAL [0418] Dos planos do sentir pouco sabemos. Sensiveis todos somos, mais ou menos, mas nunca attingiremos os extremos. São seres sensitivos só os pequenos. Alem das dimensões ha que suppor? Sentir é propriedade material. A gente sente a forma, o peso, a cor, aromas e calores, doce ou sal. Philosophos entendem que a verdade não passa de illusão. Pensamos nella appenas como quem adspira, anhela: delirios dum recluso attraz de grade. Tambem são mensuraveis odio, amor? Sentir é perceber o que é real, mas é tambem querer, seja o que for, alguem ou algo, intenso, especial. Espirito é vital para que amemos? Si somos sensuaes, quem sabe é Venus, ou falta ainda ouvir os nossos demos? Serão sentimentaes somente os plenos.

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SONNETTO CULATRA [0419] Em meio à escuridão, sou telepatha. Alguem do alem no sonho me contacta. Me advisam que o invejoso me deseja terriveis coisas, dores e doença. Fracasso meu é prece em sua egreja. Até paresce que hoje sou feliz, indifferente ao fardo da cegueira! Será que quem quer ver minha caveira não sabe quantos fazem o que fiz? Coitado, é inutil! Onde quer que esteja, verá que o maleficio não compensa, terá seu mal de volta na bandeja. Serei poupado, emquanto, em breve data, que a mesma praga sobre elle se abbatta!


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SONNETTO REFORMADO (I) [0420] Se chama Gil Gama. Foi commandante dum centro de tortura em tempo não muito distante. Tirou do guerrilheiro a confissão. Da esposa, filha e irman tirou a candidez. Capacho de outros rostos brincando elle fez. E deu por encerrada a sua missão. Agora não ha o que levante sua picca outrora dura. Veste elegante pyjama na cama.

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SONNETTO PANORAMICO [0421] Meu quadro de São Paulo é o duma ilha que quanto mais se attulha mais brilha. É vasta e de longe se advista, mas de perto tem a face dupla, multipla, mixta. Quem topa suar tem campo à pampa, pois Sampa trampa do sol ao luar. Na avenida Paulista trombadinha quando nasce contrasta com torres, contrista. No centrão a janella faz pilha, muralha ante a gentalha maltrappilha.


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SONNETTO PLAUSIVEL [0422] Mactaram o banqueiro endividado. Levantam-se os suspeitos e o motivo. Parentes? Um credor? Queima de archivo? A cada dia surge um novo dado. Policia não tem pistas. No senado propõem-se commissões: algo lesivo aos cofres da nação requer um crivo. Até que, de repente, entra o culpado. "Fui eu!", confessa o joven depoente, dizendo-se choffer do velho morto. "Mactei porque me fez coisa indecente!" O réu tem cara horrivel, corpo torto. Convence-se o paiz de que elle mente. Mal sabem que ha quem ame o descomforto!

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DISSONNETTO PERVERSIVO [0423] No sexo, tudo vale e tudo fede. Um penis, uma chota, e está completo o coito, si é politico e correcto, mas quem corrige o sexo? Quem o mede? Na mente, ja suppuz que me controlo. Nem tudo, todavia, no tesão, se rege por sciencia ou protocollo. Trepada não é só penetração. Uns gozam quando cheiram um sovaco. Pentelho na saliva é estimulante. E mesmo bananeiras ha quem plante si o clima entre dois corpos está fracco. Tesão acho entre a sola e o proprio solo. Em mim, fica debaixo do pisão, na planta onde esta immunda lingua exfollo, a fonte da mais louca excitação. Pois é, minha libido pouco pede. Um tennis, uma bota, sem affecto: assim é meu orgasmo predilecto, ainda que, na bronha, se arremede.


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SONNETTO POLYLITHICO [0424] A pedra pode ser fundamental ou mero e banal calculo renal. Sapphiras, amethystas e rubis. Opalla, turmalina, agua-marinha. O exmero da esmeralda é seu matiz. Pedrisco, pedregulho, pedra dura. Granito, ardosia, marmore, a primeira. A Gavea ganha o Pão, rocha rockeira, e grava, engasta, incrusta, até que fura. Aqui, lapidação pede apprendiz. Na Arabia é uma tortura egual à minha, que agguardo, cego, a lapide de giz. A pedra pode ser philosophal. O Pedro, mais philosopho, é de cal.

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SONNETTO FAN-FARRÃO [0425] Telephonema anonymo. "É o Mattoso?" Confirmo. O cara brinca com a voz. Primeiro imita bicha e affina. Appós, engrossa, offende e zoa em tom raivoso. "Ja li seu livro! É lindo!", diz, baboso. E logo se transforma em meu algoz: "Você não é um careca como nós! Seu noia! Cheira-meia! Trava! Bozo! Vem ca, vem! Vem lamber! Me lambe a bota! Vem ca chupar meu pau! Seu porco! Puto!" Vomita zorra bruta e a raiva arrocta. Não corto nem respondo. Attento, escuto, até que elle desliga. Foi um ota. Mal sabe que do abuso oral desfructo!


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SONNETTO TORRESMISTA [0426] Não basta a dictadura que ja dura e vem a dictadura antigordura! Sahimos do regime militar, cahimos no regime do regime. Censuram-nos até no paladar! Trabalho, horario, imposto, compromisso. Orgasmo não se tem como se quer. Só sobra o bom do garfo e da colher e os nazis nariz mettem até nisso. Maldicta seja a midia, sempre a dar espaço à medicina que reprime! Gestapo da "sahude" e "bemestar"! Resista! Coma! Abbaixo a dictadura! A lucta tem um symbolo: FRICTURA!

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SONNETTO PREGUICISTA [0427] Não basta a dictadura da injustiça e vem a dictadura do magriça! Cahimos no regime do exercicio, egressos do regime militar. Censuram a poltrona como vicio! Dever, serão, cobrança, obrigação. Mal temos um tempinho de lazer e os nazis o nariz querem metter, impondo-nos esporte e malhação. O tempo é precioso. Desperdice-o! Sinão a gente ainda vae parar num eito, num presidio ou num hospicio! Resista! Durma! Assuma esta premissa: A lucta tem um symbolo: PREGUIÇA!


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SONNETTO FICTICIO [0428] Um mago é convidado a elucidar um crime mysterioso e singular. Actriz é assassinada em plena rua, na frente de dezenas de passantes. Ninguem se mette: pensam que ella actua. Com tanta testemunha, não se viu a cara do assassino, que se evade. Agora é procurado na cidade e cobra-se a policia no seu brio. O mago acceita o caso, mas recua depois de meditar por uns instantes e ter a atroz visão que a culpa é sua. Mactou-a noutro tempo, outro logar. Aquillo é repeteco. Elementar.

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DISSONNETTO PRECIPUO [0429] Poetas não escrevem por dinheiro. Actrizes sempre teem a mesma cara. Modello é meretriz mas não declara. Rockeiro sem chulé não é rockeiro. Jeitinho é profissão do brazileiro. Jeton é gorgetinha em língua clara. Juiz não diz-que-diz: profere, exara. Baratta é voto nullo em gallinheiro. As coisas teem que ser como ellas são e não como alguns querem que ellas sejam. Alguns de elite são, outros rastejam, sinão não tinha graça nem tesão. Dos cegos só se espera que não vejam. Do Glauco todos fazem gozação, até com olhos livres o lerão. Emquanto alguem padesce, outros festejam.


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SONNETTO SOBRENATURAL [0430] Historia de terror não é tão feia. Vampiro, lobishomem, nada disso. Me deixa arrepiado só o feitiço que sae duma pessoa quando odeia. Caveira, sexta-feira, lua cheia me comptam pouco, e os pellos nem eriço. Extranhas vozes, passos, um sumiço não teem mysterio, embora haja quem creia. De facto, o que preoccupa e mette medo é o tal do sentimento negativo, inveja, odio, rancor, humor azedo. Um inimigo é como um morto-vivo. Mas tenho contra elle meu segredo: Moeda egual. Devolvo o mal. Me exquivo.

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DISSONNETTO SURREALISTA [0431] Nonsense é mesmo a historia do Japão, paiz onde convivem, lado a lado, futuro e tradição, micro e mikado, o monstro e a miniatura, anjo e dragão. "Mulheres de comforto" exemplos são da extrema crueldade do soldado durante a occupação dum outro estado, escravas prostitutas que serão. Distinctas serão sempre essas camadas de classe nas piadas divertidas: Esposas, mães e filhas são tiradas do seio das familias e mantidas na zona, para curras e chupadas! Brinquedos militares, suas vidas se tornam surreal conto de fadas. Venturas ao contrario, haicahidas.


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DISSONNETTO SUPERDOTADO [0432] O mytho do caralho grande é foda! Si dependesse disso, cem por cento dos homens tinham pincto de jumento a fim de procrear. Que triste moda! Convem que executemos uma poda no excesso desse estupido argumento. Um pau menor exporra sem tormento, na bocca e na boceta se accommoda. Tamanho é documento? Nada disso! Quanto mais curto, allonga-se o tesão. Importa é ficar firme e ter serviço. Mais vale ter um duro pincto, não um grosso, longo e flaccido linguiço. Meus dotes todos sabem bem quaes são: um phallo diminuto, um cu castiço e lingua de dois palmos num pezão.

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SONNETTO SONNETTOMANO [0433] A gente quer parar, mas não consegue. Sonnetto é vicio bravo, como a droga, o fumo, a compulsão de alguem que joga ou bebe, até o diabo que o carregue. A cada qual que accabo, outro se segue e os versos anteriores não revoga. Tentei esporte, spa, dieta, yoga, mas é feito uma fé que o crente cegue. Passei dos quattrocentos, e outros tantos não sei si attingirei. São muitos centos! Opero mais milagres do que os sanctos! Primeiro, em CENTOPÉA, fiz nojentos. Depois, em PAULYSSÉA, cantei canthos. GELÉA não bastou. Quantos tormentos!


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[NOTAS] [0374] Allusivo ao seguinte poema da phase visual de GM. CERA & NATTA PARA DESDEMONA (para não dizerem que não canto as femeas) Oh minha doce amada, minha goyabada, tão conspicua quão conspucia, inconstante e mammada, desnaturada e desnattada! Oh minha desdenhosa, divina, demoniaca diva doidivanas, como amo tuas anas quando me envenenas com teus ventos; tuas chanas planas e plenas de corrimentos; tua prepucia que não posso arregaçar e teu regaço que não passo sem cabaçar!


110 GLAUCO MATTOSO [0406] O formato deste poema (e de alguns outros do livro PANACÉA) foge ao molde classico do sonnetto. Seu eschema estrophico, disposto em um unico quartetto central, dois tercettos e dois distichos, foi suggerido por Paulo Henriques Britto, donde o trocadilhesco titulo. Na correspondencia com GM, Britto levantava (em charta de 14/03/2000) a seguinte questão, que Mattoso glosa neste sonnetto: "Não posso concordar com o pensamento do Robbe-Grillet que li hoje no IDÉAS: algo no sentido de que o auctor não tem que ter nada a dizer, que é só pelo modo de dizer que elle se impõe. Não sei não, mas acho que si não tivessem nada a dizer a gente não estaria até hoje lendo Dante, Dostoievski, Pessoa e Proust, para não sahir do D e do P. E acho que o que faz com que o Robbe-Grillet seja tão datado é justamente o facto de elle não ter nada vezes nada a dizer. Ou você não compartilha com mais essa superstição minha?" [0429] Este e outros do livro PANACÉA, bem como dos trez volumes anteriores que compõem a trilogia CENTOPÉA / PAULYSSÉA ILHADA / GELÉA DE ROCOCÓ, foram musicados no CD intitulado MELOPÉA (2001), cujos participantes teem diversas origens e destinos: trez ja fallescidos (Ithamar Assumpção, Rodrigo Leão e Claudia Wonder), dois que se tornaram actores globaes (Eriberto Leão e Alexandre Nero) e outros ja cultuados, como Arnaldo Antunes ou Humberto Gessinger. Segue commentario do extincto site official de GM por occasião do lançamento do disco. Em 2001 Glauco Mattoso lança, pelo sello Rotten Records (gravadora independente da qual é socio, juncto ao batterista Portuguez, ex-Garotos Podres), um projecto


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proprio na area musical: uma anthologia em CD de seus sonnettos, em differentes rhythmos e arranjos, interpretados por representantes de diversos sectores da scena artistica, "feras" mais ou menos "indomaveis", de Falcão a Lobão. O conceito do disco é uma releitura anthropophagica dos sonnettos, cada um excolhido e musicado livremente por algum nome provocador e polemico em sua praia (caso de Falcão, Humberto Gessinger, Wander Wildner ou Claudia Wonder), alguma banda com historico na scena punk (caso dos Innocentes, dos Devotos ou da 365) ou compositores de perfil independente e obra peculiar (caso de Arnaldo Antunes, Ithamar Assumpção, Ayrton Mugnaini, Tato Fischer, Madan ou Edvaldo Sanctanna), alem de gruppos de expressão dirigida a determinado estylo tribal, como os mods da Laranja Mechanica, os rockabilleiros da Billy Brothers e os funkeiros fusionistas da Elefunk. A principio se pensava em evitar duplicidade de excolha (até porque GM tinha ja, na occasião, composto metade de seus mil sonnettos), mas depois que Arnaldo Antunes (sempre surprehendente) mudou sua excolha na ultima hora e resolveu gravar um sonnetto ja musicado pela Laranja Mechanica (sem saber da gravação anterior), Mattoso se deu compta de que era aquillo mesmo: differentemente da lettra de musica (feita especialmente para a "sua" melodia), o poema prompto funcciona como um "readymade cantabile", passivel de innumeras (e dispares) leituras,


112 GLAUCO MATTOSO bem de accordo com a noção de "obra aberta" ecoesca ou do "ver com olhos livres" oswaldiano. De resto, um typo de incidente com precedentes: Paulo Leminski é exemplo de poeta com obra musicada por dois (si dependesse delle, até trez ou mais) interpretes. Dahi a occorrencia de outro caso de excolha coincidente (aliaz bom thermometro para acquilatação de alguns sonnettos mais palataveis) entre a Elefunk e Claudia Wonder, o que vem reforçar o conceito de anthologia anthropophagica e o espirito tropicalista que costurou o repertorio, sob o titulo de MELOPÉA: SONNETTOS MUSICADOS. O CD, cappeado por Lourenço Mutarelli, propõe a audição da suite na seguinte ordem: [1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] [8] [9] [10] [11] [12] [13] [14] [15]

TATO FISCHER Tropicalista INNOCENTES Preguicista ARNALDO ANTUNES Confessional HUMBERTO GESSINGER Revista DJ KRANEO Utopico (fragmento) EDVALDO SANCTANNA Bellico GUEDES & STEFANI Pacifista (versão demo) ELEFUNK Virtual (versão demo) WANDER WILDNER Ensaistico DJ KRANEO Utopico (fragmento) 365 Desertado AYRTON MUGNAINI Flatulento BILLY BROTHERS Escatologico DEVOTOS Dercy Gonçalves (versão demo) DJ KRANEO Inescrupuloso (fragmento)


PANACÉA: SONNETTOS COLLATERAES [16] [17] [18] [19] [20] [21] [22] [23]

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FALCÃO & ERIBERTO LEÃO Precipuo ELEFUNK Virtual (versão memo) ALEXANDRE NERO Manifesto Obsoneto LARANJA MECHANICA Confessional DJ KRANEO Inescrupuloso (fragmento) MADAN Ao Maior ITHAMAR ASSUMPÇÃO & RENATA MATTAR Amelia & Emilia CLAUDIA WONDER & EDSON CORDEIRO Virtual

O primeiro bloco abre com dois antigos amigos de Mattoso, que os convidara em 1988 para um seminario sobre poesia e rock nas Officinas Culturaes Oswald de Andrade: Tato Fischer e Clemente, lider dos Innocentes; seguem-se dois nomes de peso vindos do rock mas com trajectoria pessoal e versatilidade na applicação da propria voz: Arnaldo Antunes e Humberto Gessinger. Appós a intervenção carioca do teimoso e mysterioso DJ Kraneo (pseudonymo de Rodrigo Leão], sobrevivente de desastres, disturbios e dyslexias, entra o segundo bloco, com dois são-miguelenses da Zona Leste (e do Nordeste), Edvaldo Sanctanna e Luiz Roberto Guedes, cantando dois sonnettos gemeos na thematica; depois, o "jungle beat" (ao estylo Diddley) da Elefunk e o "jingle-jangle" do renovado Reedylan gaucho, Wander Wildner (ex-Replicantes). Mais um bloco, com a 365 novamente na formação original e Finho a 120 por hora, seguido do desconcertante Ayrton Mugnaini, do debochado Bambam com seus Billy Brothers e dos agguerridos punks recifenses da Devotos, capitaneados pelo feroz Cannibal.


114 GLAUCO MATTOSO No bloco seguinte entra o (dode)cafonico (de)predador Falcão, excoltado pelos joviaes Cavalleiros Mascarados, seguido da Elefunk em dose mais pesada, do experimental paranaense Nero com sua Machinahyma e da não menos antipasti-cheira Laranja Mechanica. O ultimo bloco fecha com o mais refinado folk-menestrel dos poetas actuaes, Madan; com o mais personal & temperamental dos deuses do Olympo Afro-Dionysiaco, Ithamar Assumpção; e com a mais "walker on the wild side" da bohemia paulistana, Claudia Wonder, assistida pela mais lyrica das vozes populares, Edson Cordeiro. Sergio Sampaio abbençoa a todos na sahida. Evohé! Do samba-enredo ao techno-samba, passando pelo sambacanção; do rock-ballada ao punk-rock, passando pelo rockabilly; do bluejazz à beatlevada, passando pelo folkaypyra, o repertorio cobre (e destampa) um pouco do caldeirão vegetariano e carnivoro da musicalidade tupynikim, respaldando o eclectismo lexico-semantico dos versos mattosianos. Detalhe curioso fica por compta dos fragmentos de sonatas que antecedem cada faixa do disco: sem que os interpretes conhescessem toda a obra de Scarlatti, propuzeram arranjos que parescem coincidir magneticamente com a sonata cujo numero corresponde ao do sonnetto excolhido. Mais uma prova de que o "espirito" dithyrambico presidiu o clima geral de MELOPÉA. MELOPÉA teve tiragem limitada e distribuição extracommercial. Estudou-se a possibilidade de que a edição fosse reprensada por um sello commercial para venda em mais larga escala, dependendo da demanda.


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Dada a diversidade de parceiros-interpretes que poderiam ter entrado nesta edição e que, por uma ou outra razão, não chegaram a participar (caso de Lobão, Lenine, Tom Zé, Chico Cesar, Roger, Laura Finocchiaro, Arrigo Barnabé, Communidade Ninjitsu, Skamundongos, entre tantos), ficara programmado um segundo volume sem previsão de prazo. COMMENTARIO DE FERNANDO BONASSI A materia abbaixo sahiu na FOLHA DE S. PAULO em 21/07/2001 e vae transcripta na graphia original. "GLAUCO MATTOSO UNE MÚSICA À INTELIGÊNCIA" "MELOPÉIA": Álbum traz 23 sonetos do poeta interpretados por convidados que vão de Itamar Assumpção a Inocentes Os poetas frequentemente testemunham os esgares dos editores diante de seus originais. A explicação desses espasmos hepáticos costuma ser circunstanciada por nossos "publicadores" na forma daquele anúncio de biscoito: "não edito poesia porque não vende", enquanto os escritores fazem o coro da outra parte do roteiro, qual seja: "não vende porque não se edita". Quem terá razão? Razão tem a ver com essas coisas? Vai saber... Por outro lado, poucas culturas apresentam tanta diversidade musical quanto a nossa, e, aí, a poesia é sim muito bem-vinda e valorizada. Aliás, talvez não exista outra tradição tão sólida em nosso país como


116 GLAUCO MATTOSO o casamento da palavra com a música. O quilate das criações de Donga, Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues, Cartola, Nelson Cavaquinho (para ficar apenas entre alguns exemplos de nossos sofisticadíssimos pré-beatniks) fez da língua cantada brasileira uma experiência artística única, profunda e verdadeiramente formadora daquilo que (se de fato tivermos...) poderia ser chamado "nossa alma". Que o lugar de atração da poesia no Brasil, pelo menos em termos de grande público, é a música, resta pouca dúvida. Porém, levando em conta o tamanho da indústria cultural em questão, não é muito comum vermos poetas do texto transitarem para o disco. Para cada Paulo Leminski, Antonio Cícero ou Arnaldo Antunes, há inúmeros escritores produzindo versos ainda divorciados de suas possibilidades cancioneiras. Tudo isso é escolha de quem escreve, de quem compõe e de quem torna o resultado público, claro, mas a permeabilidade entre as duas áreas parece sempre ficar aquém das nossas potencialidades expressivas. É uma pena para os nossos espíritos... Mas parte desse déficit está sendo sanado neste momento. O melhor seria dizer insana e deliciosamente sanado. Um encontro explícito entre a poesia e a música está à disposição dos ouvidos antenados: trata-se do CD "Melopéia", de Glauco Mattoso. Glauco -- que é um desses "penetrantes" transitando por diversas áreas, com o nome sempre associado a canções e à própria história da MPB -- produziu 23 sonetos, interpretados pelas mais


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variadas vozes/arranjos da música brasileira, de Itamar Assumpção a Inocentes, passando por Humberto Gessinger, Falcão e Arnaldo Antunes. O espectro de sonoridades é amplo e o mesmo acontece com o alcance dos textos. Se a palavra soneto faz você lembrar de alienadas velharias parnasianas, "Melopéia" pode ser uma revelação. Despudor, sarcasmo e, o mais importante, culhões de observar e sublinhar o país que nos tornamos, com suas xoxotas embaladas a vácuo, fuzis de repetição e políticas de interesses escusos. O Brasil que Glauco passa a limpo é escatológico, injusto, perverso e autodestrutivo. Nada mais verdadeiro, para quem mantém um índice mínimo de abertura de olhos. Numa tradição de gênios, mas que também comporta muito lixo, "Melopéia" representa a unção da inteligência crítica, senso de humor e suingue. Uma porrada adorável. Melhor que isso, só mais disso. COMMENTARIO DE RICARDO CORONA A materia abbaixo sahiu em 13/08/2001 no jornal curitybano GAZETA DO POVO e vae transcripta na graphia original. "COMENDO AS CONSERVAS" O soneto, mesmo que tenha sido abandonado pelas vanguardas do início do século (expressionismo,


118 GLAUCO MATTOSO futurismo, cubismo, dadaísmo, surrealismo, concretismo), sempre foi uma modalidade poética bastante estudada, discutida e praticada. Por isso não serei repetitivo e tratarei apenas de dimensionar o mais recente trabalho de Glauco Mattoso, o disco MELOPÉIA, SONETOS MUSICADOS (SP, Rotten Records, 2001), dentro de um contexto genérico, contemporâneo e no qual tem peso maior a política da forma. "Melopéia" é um termo cunhado por Pound para classificar um tipo de poesia "na qual as palavras estão carregadas, acima e além de seu significado comum, de alguma qualidade musical que dirige o propósito ou tendência desse significado". O disco reúne uma antologia de poemas -- em diferentes arranjos e ritmos -- que são interpretados por vários artistas. Segundo o próprio Glauco, trata-se de uma releitura antropofágica dos sonetos publicados nos livros CENTOPÉIA: SONETOS NOJENTOS & QUEJANDOS, PAULISSÉIA ILHADA: SONETOS TÓPICOS, GELÉIA DE ROCOCÓ: SONETOS BARROCOS (Ciência do Acidente, 1999) e PANACÉIA: SONETOS COLATERAIS (Editora Nankin, 2000). Nunca a forma fixa esteve tão bem (ou mal) acompanhada, com bandas e cantores que vão do punk ao samba, do rockabilly ao blues, do jazz ao funk, do folk ao techno -- além de samplers de sonatas para cravo (de Scarlatti) introduzindo cada faixa do disco. Cada trecho é da sonata cujo número corresponde ao de um soneto. Por exemplo: o disco abre com um trecho do início da sonata 150, para introduzir o soneto 150.


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Somente com essa mistura de universos, Glauco já estaria posicionado na contramão da caretice que rodeia a dita forma fixa. Mas o autor paulista escancara que o soneto não é a camisinha da poesia e que o tema "law" [sic] -escatologia, homossexualidade, fetiche etc. -- sempre serviu bem à literatura de todos os tempos e estirpes, demonstrando o engodo que pode ser a mera demonstração de ginástica formal. Dialogando com o que há de mais vivo na tradição, os sonetos investem contra o mau uso da forma, servindo como antídoto contra todo tipo de conservadorismo. Em Glauco respiram e conspiram Gregório de Mattos e Bocage -- para citar apenas dois de uma vasta linhagem de rebeldes. Por isso, uma das importâncias fundamentais desse disco de sonetos musicados é a possibilidade de se perguntar o quanto as formas poéticas são também políticas. Por trás de pergunta tão simples, pode-se chegar a respostas que envolvem a própria criação poética ou, mais especificamente, a sua liberdade de linguagem. Como já disse, não se trata aqui de patrulhar o soneto, metendose a julgar a importância de fazê-lo ou não, mas avaliar as diferentes intenções dos praticantes de hoje, que vão desde um poeta conservador como Alexei Bueno, até um libertário maldito como Glauco Mattoso. Não restam dúvidas que a fama de forma rígida, facilmente atribuída ao soneto, pode ser usada como bandeira para cruzadas conservadoras, chamando para si a tarefa de elevar a


120 GLAUCO MATTOSO "baixa" produção de uma época. Contudo, dependendo da visão de mundo do autor, de seu comprometimento com a inserção da poesia no seu tempo, etc., a mesma fama pode contribuir para um efeito contrário, de extrema consciência política, estética e comportamental. É o caso do poeta paulista Glauco Mattoso. Talvez porque sempre transitou pela forma fixa com inventividade e rigor libertários, fazendo haicais urbanos e limericks nordestinos, por exemplo. Neste caso, chegando a produzir uma verdadeira obra-prima: LIMEIRIQUES & OUTROS DEBIQUES GLAUQUIANOS (Edições Dubolso, 1989). Limeirique, segundo Glauco, é um híbrido de limerick (forma justa inglesa, composta de versos metrificados em 10/10/5/5/10) e Zé Limeira (cantador do Nordeste, conhecido como poeta do absurdo). Glauco misturou poesia popular nordestina -- via Bráulio Tavares -- com poesia inglesa tradicional, transformando o limerick em limeirique. Uma apropriação "abrazileirada" e abusada da tradição. Glauco parece não se contentar em simplesmente mudar o rótulo do pote de conserva ou somente trocar a sua água. Também parece não se render ao pudor de comer a iguaria para ficar conservando-a indefinidamente até a sua putrefação. Sabe o quanto é bom e necessário comê-las. COMMENTARIO DE SYLVIO ESSINGER A materia abbaixo sahiu em 15/07/2001 no JORNAL DO BRAZIL (Rio de Janeiro) e vae transcripta na graphia original.


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"O SOM DE OUTRAS VISÕES POÉTICAS" Lançando disco com sonetos seus musicados, Glauco Mattoso enfrenta a cegueira com arte, transgressão e humor Mito da chamada poesia marginal daquele Brasil dos cinzentos anos 70, o paulistano Pedro José Ferreira da Silva, 50, acabou conhecido pelo grande público em 1984, quando Caetano Veloso o citou no meio da torrente verbal que é a letra de "Língua", faixa do LP VELÔ. Não pelo nome de batismo, mas pelo de Glauco Mattoso, "pseudônimo-trocadilho" que adotou por causa do glaucoma que lhe roubaria a visão por completo em meados da década de 90. Depois de envolvimentos com quadrinhos, tradução e produção fonográfica (para o selo punk Rotten Records), ele volta ao campo que mais divulgou seu nome: o da canção popular. Pela Rotten, ele acaba de editar o CD MELOPÉIA, em que diversos nomes mais e menos conhecidos do pop brasileiro musicam os sonetos que começou a traçar nas noites de insônia provocadas pela cegueira. "Como não podia escrever, ia guardando tudo na memória", conta. A escalação do CD tem de Arnaldo Antunes ("Confessional"), Humberto Gessinger (líder dos Engenheiros do Hawaii, em "Revista") e o metabrega Falcão (ao lado do ator Eriberto Leão em "Precípuo") aos punks Inocentes ("Preguicista") e Devotos ("Dercy Gonçalves"), o punk-brega Wander Wildner ("Ensaístico") e o inclassificável Itamar Assumpção (com Renata Mattar


122 GLAUCO MATTOSO em "Amélia & Emília"), passando pelos undergrounds Billy Brothers ("Escatológico"), Laranja Mecânica ("Confessional") e DJ Krâneo (fragmentos de "Utópico" e "Inescrupuloso"). Com capa do quadrinista Lourenço Mutarelli e interpolações de música barroca, o CD, segundo Glauco, reúne artistas que, como ele, se pautam pela transgressão. Ou não é transgressor um adorador de pés masculinos que já escreveu o MANUAL DO PODÓLATRA AMADOR e, desbravador da língua, já criou o DICIONARINHO DO PALAVRÃO? Tradução de Borges - Nos sonetos, Glauco descobriu o rigor que evitava quando ainda conseguia enxergar algo. "Naquela época, minha poesia era muito livre, concretista, e dependia muito do visual", explica, lembrando-se do tempo enorme que levava montando poemas concretos em sua máquina de escrever. A produção de sonetos, que ele acabou lançando nos livros GELÉIA DE ROCOCÓ: SONETOS BARROCOS (1999) e PANACÉIA: SONETOS COLATERAIS (2000), foi a responsável por salvá-lo da depressão depois de sucessivas cirurgias oculares que, como ele faz questão de repetir, "acabaram se revelando infrutíferas". Quando as trevas começaram a roubar seu mundo, ele ainda se empenhou na tradução, junto com Jorge Schwartz, do livro FERVOR DE BUENOS AIRES, estréia do escritor (cego) argentino Jorge Luis Borges - acabou ganhando um Prêmio Jabuti pelo trabalho. "Acho que, espiritualmente, Borges me passou alguma coisa", diz Glauco. Alguns desses sonetos ele mandou para compositores, que aceitaram o desafio de musicá-los. "Achei que esse disco ia levar uns dois, três anos para


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ficar pronto. Mas os pedidos foram atendidos com o maior interesse e o disco saiu em nove meses. Foi um parto", diz o poeta. Glauco considera a forma do soneto pouco maleável para a música, e achava que só as bandas punks, atropelando os versos, poderiam cumprir a tarefa. Longe de ser punk, Humberto Gessinger compôs de um dia para o outro a melodia para "Revista". "Essa visão dos meios de comunicação me atraiu bastante", conta Gessinger. "O que achei mais legal é que, apesar da linguagem coloquial, o poema é formalmente rigoroso. Quanto mais rígida a letra, mais flexibilidade ela dá à música." Glauco Mattoso acha que nos dias de hoje não há mais como dissociar poesia da música: "Depois de Vinicius, Chico e Caetano, os poetas ou já são letristas ou são músicos. E, além do mais, fazer um CD tem sido mais barato do que fazer um livro." Subproduto - Não é por acaso que MELOPÉIA tem uma capa que parodia a de TROPICÁLIA OU PANIS ET CIRCENSIS, o disco-manifesto do tropicalismo. "Sou um subproduto do tropicalismo", admite. "Nós, os poetas marginais, absorvemos essa salada, essa noção de descontração nada acadêmica." Além disso, lembra Glauco, os tropicalistas se reportavam muito ao modernismo, que está na base de sua poesia. Mas ainda teve aquela força de Caetano Veloso em "Língua", não? "Meu nome já circulava antes de ele ter me citado. A música não chegou a alterar minha trajetória, só ajudou um pouco em termos de mídia", minimiza ele, admitindo uma afinidade com Caetano, mas


124 GLAUCO MATTOSO ressalvando que o baiano é "muito mais clean". "Minha matriz é Gregório de Matos e Bocage. Por uma opção estética, há uma série de palavras que Caetano não usa nas músicas", explica. Simpatizante do movimento hippie na década de 70, Glauco chegou a morar um tempo no Rio na meca do paz e amor, o bairro de Santa Teresa. "Era um lugar onde se respirava paz, subir o morro de bondinho era uma espécie de conto de fadas. Fico muito chateado quando ouço hoje histórias como a daquela mulher que foi estuprada e morta lá", diz. Anos mais tarde, seu inconformismo o levou ao punk, dentro do qual encontrou uma grande paixão: os skinheads. Paixão gerada por causa do rock que os skins ouviam e da estética, de cabeças raspadas, que ele passou a adotar. Sadomasoquismo - O gosto pelos carecas vem de 1985, quando o poeta escreveu o livro O CALVÁRIO DOS CARECAS, não sobre skins, mas sobre as vítimas de trote nas universidades. Certa vez, ele chegou a se fingir de calouro só para passar pelas humilhações e dar vazão às suas tendências sadomasoquistas. Fundador em 1979 de um dos primeiros grupos gays do Brasil, o Somos - Grupo de Afirmação Homossexual, Glauco diz ter ficado revoltado quando carecas mataram um homossexual na Praça da República, em São Paulo, em fevereiro do ano passado: "Aquilo foi coisa de desequilibrado!" Hoje, os dias de isolamento de Glauco em seu apartamento no bairro de Vila Mariana, em São Paulo, ficaram para trás. A ajudá-lo há seu companheiro e o sistema DOS Vox, desenvolvido pela UFRJ, que permite que ele escreva seus textos e até mande e-mails sozinho.


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Aposentado por invalidez pelo Banco do Brasil em 1991, Glauco ganha apenas o necessário para o sustento. "Mas sou um ser econômico. Aqui em casa já existia o apagão", debocha. Dependendo do sucesso da primeira prensagem de MELOPÉIA, ele pensa em batalhar por uma edição comercial. Um segundo volume já está sendo preparado, com sonetos musicados por Arrigo Barnabé, Chico César, Comunidade Nin Jitsu, Laura Finocchiaro e Tom Zé. Logo também devem estar sendo relançados a coletânea do JORNAL DOBRABIL (folheto satírico que editava nos anos 70) e o MANUAL DO PODÓLATRA AMADOR. Depois de tanta treva, enfim um pouco de luz sobre Glauco Mattoso.



SUMMARIO DISSONNETTO SUICIDA [0334]......................... 9 SONNETTO CATASTROPHICO [0335]..................... 10 DISSONNETTO GAUCHO [0336]......................... 11 DISSONNETTO MINEIRO [0337]........................ 12 DISSONNETTO BAHIANO [0338]........................ 13 DISSONNETTO RECYCLADO [0339]...................... 14 DISSONNETTO SYNTHETICO [0340]..................... 15 SONNETTO BOQUIROPTO [0341]........................ 16 SONNETTO COLLATERAL [0342]........................ 17 DISSONNETTO CACOEPICO [0343]...................... 18 SONNETTO FEMINISTA [0344]......................... 19 SONNETTO CAETANICO [0345]......................... 20 DISSONNETTO PERCENTUAL [0346]..................... 21 SONNETTO VÃO [0347]............................... 22 SONNETTO SYNTACTICO [0348]........................ 23 SONNETTO INOFFENSIVO [0349]....................... 24 SONNETTO INFERNAL (I) [0350]...................... 25 SONNETTO KARMICO [0351]........................... 26 DISSONNETTO DESERTADO [0352]...................... 27 SONNETTO BEATLEMANIACO [0353]..................... 28 DISSONNETTO PUERICULTURAL [0354].................. 29 SONNETTO PRIMARIO [0355].......................... 30 SONNETTO SECUNDARIO [0356]........................ 31 SONNETTO SUPERIOR [0357].......................... 32 SONNETTO COINCIDENTE [0358]....................... 33 SONNETTO REINCIDENTE [0359]....................... 34 SONNETTO INFERIOR [0360].......................... 35


SONNETTO NIVELADO [0361].......................... SONNETTO TRANSITORIO (I) [0362]................... SONNETTO SOLITARIO [0363]......................... SONNETTO PURGATORIO [0364]........................ SONNETTO MARRETEIRO [0365]........................ SONNETTO PERUEIRO [0366].......................... SONNETTO OFFICE-BOY [0367]........................ SONNETTO APPOSENTADO [0368]....................... SONNETTO SEM-TECTO [0369]......................... SONNETTO SEM-TERRA [0370]......................... SONNETTO HEDIONDO [0371].......................... SONNETTO IMMINENTE [0372]......................... SONNETTO LOMBROSIANO [0373]....................... DISSONNETTO DA NYMPHETA [0374].................... SONNETTO SOLETTRADO [0375]........................ SONNETTO SONORO [0376]............................ DISSONNETTO DA REVISTA [0377]..................... DISSONNETTO PLURALISTA [0378]..................... DISSONNETTO PERIODISTA [0379]..................... SONNETTO CONSOLO [0380]........................... DISSONNETTO TELEVISIVO [0381]..................... DISSONNETTO MULHERENGO [0382]..................... SONNETTO RADIOPHONICO [0383]...................... SONNETTO PASSIVO [0384]........................... DISSONNETTO ACTIVO [0385]......................... SONNETTO VIAJADO [0386]........................... DISSONNETTO TATIBITATE [0387]..................... SONNETTO REPUBLICANO [0388]....................... SONNETTO MONARCHISTA [0389].......................

36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64


SONNETTO URUGUAYO [0390].......................... SONNETTO PARAGUAYO [0391]......................... DISSONNETTO INTEGRALISTA [0392]................... SONNETTO INCONFIDENTE [0393]...................... DISSONNETTO BELLETTRISTA [0394]................... SONNETTO REVOLUCIONARIO [0395].................... SONNETTO CARIOCA (II) [0396]...................... SONNETTO COLONIAL [0397].......................... SONNETTO CIVIL [0398]............................. DISSONNETTO POSTMODERNO [0399].................... SONNETTO MILLENNARCISISTA [0400].................. DISSONNETTO IMPERFECCIONISTA [0401]............... SONNETTO CHARISMATICO [0402]...................... SONNETTO PATRULHEIRO [0403]....................... DISSONNETTO DODOE [0404].......................... DISSONNETTO SINGULAR [0405]....................... SONNETTO PAULINDROMICO [0406]..................... SONNETTO REFLEXIVO [0407]......................... SONNETTO ALLINHADO [0408]......................... SONNETTO AUTOANTHROPOPHAGICO [0409]............... SONNETTO DESBARATADO [0410]....................... SONNETTO MONOTONO ou SONNETTO EM TÉ MAIOR [0411].. SONNETTO ANONYMO [0412]........................... SONNETTO LEGENDARIO [0413]........................ DISSONNETTO RETICENTE [0414]...................... SONNETTO AVAILABLE [0415]......................... SONNETTO INTERNAUTA [0416]........................ SONNETTO PREMIADO [0417].......................... DISSONNETTO SENSORIAL [0418]......................

65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93


SONNETTO CULATRA [0419]........................... 94 SONNETTO REFORMADO (I) [0420]..................... 95 SONNETTO PANORAMICO [0421]........................ 96 SONNETTO PLAUSIVEL [0422]......................... 97 DISSONNETTO PERVERSIVO [0423]..................... 98 SONNETTO POLYLITHICO [0424]....................... 99 SONNETTO FAN-FARRÃO [0425]....................... 100 SONNETTO TORRESMISTA [0426]...................... 101 SONNETTO PREGUICISTA [0427]...................... 102 SONNETTO FICTICIO [0428]......................... 103 DISSONNETTO PRECIPUO [0429]...................... 104 SONNETTO SOBRENATURAL [0430]..................... 105 DISSONNETTO SURREALISTA [0431]................... 106 DISSONNETTO SUPERDOTADO [0432]................... 107 SONNETTO SONNETTOMANO [0433]..................... 108



Titulos publicados: A PLANTA DA DONZELLA ODE AO AEDO E OUTRAS BALLADAS INFINITILHOS EXCOLHIDOS MOLYSMOPHOBIA: POESIA NA PANDEMIA RHAPSODIAS HUMANAS INDISSONNETTIZAVEIS LIVRO DE RECLAMAÇÕES VICIO DE OFFICIO E OUTROS DISSONNETTOS MEMORIAS SENTIMENTAES, SENSUAES, SENSORIAES E SENSACIONAES GRAPHIA ENGARRAFADA HISTORIA DA CEGUEIRA INSPIRITISMO MUSAS ABUSADAS SADOMASOCHISMO: MODO DE USAR E ABUSAR DESCOMPROMETTIMENTO EM DISSONNETTO DESINFANTILISMO EM DISSONNETTO SEMANTICA QUANTICA INCONFESSIONARIO DISSONNETTOS DESABRIDOS SONNETTARIO SANITARIO DISSONNETTOS DESBOCCADOS RHYMAS DE HORROR DISSONNETTOS DESCABELLADOS


NATUREBAS, ECOCHATOS E OUTROS CAUSÕES A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO MANIFESTOS E PROTESTOS LYRA LATRINARIA DISSONNETTOS DYSFUNCCIONAES O CINEPHILO ECLECTICO A HISTORIA DO ROCK REESCRIPTA POR GM SCENA PUNK CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO CANCIONEIRO CIRANDEIRO SONNETTRIP THANATOPHOBIA DESILLUMINISMO EM DISSONNETTO INGOVERNABILIDADE PEROLA DESVIADA O POETA PORNOSIANO BREVE ENCYCLOPEDIA DA TORTURA CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS RAYMUNDO CURUPYRA, O CAYPORA PAULYSSÉA ILHADA: SONNETTOS TOPICOS PRANTO EM PRETO E BRANCO GELÉA DE ROCOCÓ: SONNETTOS BARROCOS MADRIGAES TRAGICOMICOS PANACÉA: SONNETTOS COLLATERAES


São Paulo Casa de Ferreiro 2022




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