PAULYSSÉA ILHADA

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PAULYSSÉA ILHADA SONNETTOS TOPICOS



GLAUCO MATTOSO

PAULYSSÉA ILHADA SONNETTOS TOPICOS


Paulysséa ilhada: sonnettos topicos © Glauco Mattoso, 2022 Revisão Lucio Medeiros Projeto gráfico Lucio Medeiros Capa Concepção: Glauco Mattoso Execução: Lucio Medeiros ________________________________________________________________________ FICHA CATALOGRÁFICA ________________________________________________________________________ Mattoso, Glauco PAULYSSÉA ILHADA: SONNETTOS TOPICOS/Glauco Mattoso São Paulo: Casa de Ferreiro, 2022 146p., 21 x 21cm ISBN: 978-85-98271-28-4 1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.

B869.1


NOTA INTRODUCTORIA Originalmente publicado em 1999, este foi o segundo volume da trilogia iniciada naquelle anno com o livro CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS e completada por GELÉA DE ROCOCÓ: SONNETTOS BARROCOS. Todos sahiram pela collecção "Livros do Cão" do sello Sciencia do Accidente, editado por Joca Reiners Terron. A trilogia inaugurava a producção poetica de Mattoso na phase cega, que comprehende milhares de sonnettos e centenas de mottes glosados, alem de madrigaes, limeiriques, trovas, haikais e outras estrophações. Neste volume os sonnettos eram numerados de 109 a 222, como apparescem na catalogação geral do archivo SONNETTUDO ou OPERA INSOMNIA. Commentarios mais detalhados estão no final desta edição. A numeração das notas corresponde à dos sonnettos. Outro adspecto peculiar desta edição reside na reestrophação de muitos sonnettos, com dois versos addicionaes e tercettos transformados em quartettos, processo que justifica a designação de "dissonnetto". Em alguns casos, os quartettos são convertidos em duas oitavas. Aquelles que não foram dissonnettizados tiveram seus quattorze versos compactados numa unica estrophe.



PAULYSSÉA ILHADA: SONNETTOS TOPICOS

SONNETTO RECORRENTE [0109] Metamorphoseado de baratta, foi Kafka alvo de estudos e de appreço. Depois de cego, penso que meresço ao menos attenção, mesmo que ingrata. Comparam-me a uma ameba meio abstracta, mixtura de alga e verme, um gene advesso. Em vida, decomponho-me e appodresço, à espera, emfim, de Quem de facto macta. Adspiro a ser, no minimo, concreto e ver reconhescido meu papel de bicho subhumano, escravo abjecto. Por isso deito aqui de novo o fel no vaso destes versos que sonnetto, ao penis serviçal e ao pé fiel.

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DISSONNETTO PAULOPOLITANO [0110] Alguns passos alem do Marco Zero a cathedral da Sé, quasi accabada, resume em neogothico a salada humana e deshumana onde me gero. No leste nordestino ja bambino da rural Villa Nasci, porem, na Lapa, à toca dum poeta que é

fui vero Hinvernada. que é pegada panthero.

Elyseos, Campos, Braz, Bixiga e Mooca, Belem, Limão, Carrão, Pary, Moema, Jardins, Villa Mariana, Villa Ema: Qual minha casa, cova, taba, toca? Não fosse eu paulistano tão da gemma! Até sinto saudades da malloca! Na rua Lavapés me desembocca a lingua, que alli lave, goze e gema!


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DISSONNETTO BIZARRO [0111] Coprophilo é quem gosta de excremento. Pedophilo só trepa com creança. Defuncto fresco em paz jamais descansa nos braços do necrophilo sedento. Voyeur assiste a tudo, sempre attento ao exhibicionista, que até dansa. O fetichista transa até com trança, e o masochista adora soffrimento. Libido, pelo jeito, é mero lodo. A sensualidade faz sentido conforme a morbidez sob a qual fodo. O sexo quasi sempre é reprimido, mas, claro, não me privo o tempo todo. Não basta o pé, precisa ser fedido. Si tenho de excolher, pois, um appodo, serei um podosmophilo assumido.

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DISSONNETTO OBSTIPADO [0112] Prisão de ventre é drama não descripto em prosa ou poesia, desde Homero. Por isso metter meu bedelho quero no bojo deste tão tacito mytho. Quem tem seu intestino assim constricto defeca sob exforço tão severo que rompe internamente o tubo "entero" para externar um "copro" que é ja "litho". Cagada semanal ou quinzenal, sem ter, em garantia, certo um dia, é como um parto sem anesthesia em que o bebê não quer nascer normal. Emquanto a tripa inchada se allivia, o pobre constipado lê, fatal e inexoravelmente, seu jornal, absorpto na secção de economia.


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DISSONNETTO OPTIMISTA [0113] Ainda somos bons de futebol. A taxa de inflação cae anno a anno. A nova inundação não causou damno. A meteorologia prevê sol. O incendio não chegou até o paiol. Brazil vae dar asylo ao rei cubano. Na ONU ja se falla o castelhano. Achado o fugitivo da Interpol. Noticia desse typo anima a gente e em aguas mais serenas ja navego. "Nem tudo está perdido", pensa o cego. "Si melhorar, estraga", acha o vidente. Mas sou teimoso, e os ponctos nunca entrego. No escuro, permanesço descontente e medo do porvir a gente sente. Si outrora tropeçava, hoje excorrego.

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DISSONNETTO PESSIMISTA [0114] Ja não se fazem craques como dantes. Dinheiro cada dia compra menos. Ha mortos, mas os damnos são pequenos depois das tempestades allarmantes. Queimadas na Amazonia são gigantes. Em Cuba adubam fumo com venenos. A CIA negocia shows obscenos. Genebra é capital dos trafficantes. "Virão dias peores!", diz o povo. "A Terra accaba!", a bruxa ja annuncia. O proprio Nostradamus não previa tão cedo esse admiravel mundo novo. E eu, cego, faço minha prophecia assim como Colombo fez num ovo: Ja sou imperador, e me commovo por ser de surdos subditos o guia.


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DISSONNETTO PEÇONHENTO [0115] Venenos são assumpto perigoso. Cicuta? Ou estrychnina? Ou formicida? É multipla a substancia prohibida! Curare, cogumello, humor aquoso... Ha Ha Ha Ha

quem quem quem quem

prefira arsenico a ter gozo. com cyanureto se suicida. mixtura soda na comida. receia a lingua do Mattoso.

Por mais mithridatismo que se invente, as coisas estão feias, vez mais cada: ninguem se põe a salvo da piccada de aranha, escorpião, ou da serpente. Mas a lingua do Glauco, tão fallada, mau thema à discussão de toda a gente, se torna inoffensiva e obediente, servindo de flanella na engraxada.

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DISSONNETTO DISSONANTE [0116] Palacios, almofadas de setim, caramanchões, perfume de alfazema, diamante em preciosissimo diadema, manjares, vinho, essencia de jasmim. Malaria, convulsão, pedra no rim, gangrena, diabetes, emphysema, bronchite, typho, lepra, cancro, edema, glaucoma, raiva, cholera... Ai de mim! Você que lê, sentiu-se incommodado? Achou que eu coisas sempre extranhas pincto? Então ja percebeu como me sinto, um cego porco em solo immaculado. Até que meu grunhido seja extincto, terei mais coisas 'inda versejado. Serei saliva immunda no solado de quem pisa soalho tão distincto.


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DISSONNETTO PARADOXAL [0117] O sadomasochismo é um paradoxo, reflexo de outros tantos que ha no mundo, bons versos sobre thema vagabundo, prophano revestido de orthodoxo. Assim se concilia o meu e o nosso, o amor procreador e o sexo immundo, o orgasmo eterno dentro de um segundo. Sim, sou omnivolente e nada posso. Ser cego e versejar contrarios são, si for o verso oraculo, propheta e, ao mesmo tempo, o chulo que se veta. Cegueira, por seu turno, é maldicção. Comtudo, de todas é o cego lambendo

a incoherencia mais completa que são themas do povão se humilhar ao olho são, o pé de quem não é poeta.

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DISSONNETTO SIONISTA [0118] Por meio de Isaias, Deus garante (está em quarenta e nove, vinte e trez) triumpho do Judeu sobre outros reis, que escravos lhe serão dalli por deante. Submissos a Sião, terão semblante prostrado em terra, aos pés de quem lhes fez passar maior vergonha e sordidez: lamber o sujo pó de hebreu pisante. Assim será o futuro de Sião, ainda que por sangue e duras vias, segundo o testemunho de Isaias: gentios e nações render-se-ão. E a mais particular das prophecias é minha, do propheta sem visão que tracta de prostrar-se rente ao chão: "Teus pés lamberei ja, Judeu." Sabias?


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DISSONNETTO VEROSIMIL [0119] Verdade Mentira As taes alem de

dóe, é rude, impiedosa. piedosa é trahição. meias-verdades nada são deslavada, molle prosa.

Si é toda reticencia duvidosa, si a peta pede só condemnação, qual deve ser, então, a solução que desmascare a farsa cor-de-rosa? Fallar abertamente não compensa. Quem viboras cotuca arranja enguiço. A serio, sem rebuços, o feitiço reverte ao feiticeiro a desadvença. Dois meios só, p'ra dar um jeito nisso tirando a falsidade e o tom de offensa: a ludica, poetica licença, brincar e versejar, sem compromisso.

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DISSONNETTO HUMANOIDE [0120] Arrocto, expirro, tosse, esgar, pigarro, soluço, rhoncho, engulho, gargarejo, bruxismo, trismo, vomito, bocejo, meteorismo, orgasmo, espasmo, excarro. Saliva, esperma, bilis, puz, catarrho, gaz, flatos, fezes, fetido despejo... Em bagos o suor da tez porejo, sentado na privada emquanto narro. Aqui vou defecando e gargalhando, zombando do tom serio, falso, uffano, das manifestações do ser humano: signaes vitaes de humor, de quando em quando. Inutilmente sabio e puritano, tentando se exhibir com voz de mando, não passa elle de liquido e quejando: muxiba extrebuchante envolta em panno.


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SONNETTO DRAMATURGICO [0121] Si Shakespeare fosse vivo, qual seria seu genero de peça preferido? Tragedia? Nô? Theatro do opprimido? O besteirol rasteiro de hoje em dia? Sem palco, sem platéa, sem coxia? Ou luxuoso, superproduzido? Maldicto, clandestino, prohibido? Ou entretenimento à burguezia? Independentemente da montagem, arrisco sem receio meu palpite: Daria o Mestre um emphase à mensagem. O proprio texto impresso no convite poria algum Ionesco em desvantagem: "OS CEGOS TAMBEM CHUPAM! Nos visite!".

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SONNETTO MELODRAMATICO [0122] "Os brutos tambem amam" foi cinema. "Os ricos tambem choram" foi novella. Tambem quero propor, em palco ou tela, um titulo bem claro e que não tema: Que exponha sem vergonha o meu problema, mostrando que a cegueira é como a cella perpetua, sem janella, video ou vela, sem luz no fim do tunnel, pena extrema. "Os cegos tambem chupam" é um bom nome, que cae como uma luva no meu drama, pois pão nenhum é mau p'ra boa fome. Quem não enxerga atola-se na lama, emquanto quem enxerga lhe diz: "Tome!". E o cego se adjoelha, toma e mamma.


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DISSONNETTO SURPREHENDENTE [0123] Um dia, numa loja de calçado, entrou a linda moça endinheirada. Seu pé depositou na mão suada e tremula do timido empregado. Quiz elle ardentemente haver beijado aquelle pé de pelle admaciada e pallida, pequeno pé de fada. Atteve-se a calçal-o, comportado. A moça, então, pergunta assim lhe fez: "Você, qual é seu numero, rapaz?" O moço da surpresa se refaz e emfim responderá: {Quarenta e trez...} Casados hoje estão, e a moça faz massagem, sem pudor nem timidez, alem da manual, vejam vocês, de lingua no pezão, suado, aliaz.

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SONNETTO FABULOSO [0124] A bota do soldado discutia, no fundo da appertada sapateira, c'o lepido escarpim da companheira, p'ra ver quem tem de amor maior fatia. Diz ella: "Meu pé beijas todo dia; o teu, porem, só soffre de canseira, marchando ou sentinella a vida inteira..." Responde elle: {Você nem desconfia! Só marcho sobre a cara do inimigo, que a sola me sustem, de bocca aberta, a lingua alli rallando, de castigo!} Emquanto a discussão se desaccerta, o macho ama descalço, e ella comsigo. Moral: "Cada qual sabe onde lhe apperta..."


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SONNETTO INCRIVEL [0125] Commenta-se que o tennis do burguez exhala odor mais fetido e malsão que a bota do operario em construcção ou mesmo o borzeguim do camponez. Será possivel tanta estupidez? Quem diz tal coisa incorre em prevenção, pois nem todo politico é ladrão, nem todo ladrão falla economez, nem todo economista é um impostor, nem todo impostor visa sempre o mal, nem todo maleficio causa horror. Convem cheirar o tennis como egual à bota e ao borzeguim no seu fedor. O resto é discriminação nasal.

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SONNETTO PHANTASTICO [0126] O realismo magico é ficção, mas faz da vida a critica ciphrada. Funcciona quando ha pedra em meio à estrada e entraves ao direito de expressão. Transforma em paraiso uma prisão e o céu numa cadeia disfarsada; Faz do tyranno sacco de pancada e do coitado heroe, embora em vão. Desculpem, mas magia de verdade não é litteratura, e sim cegueira, ou seja, a vida em tal calamidade. Não romanceio: fallo de cadeira. Heroico é o verso cego e fan de Sade, que um pé de meio metro chupa e cheira!


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SONNETTO EXTRAORDINARIO [0127] Assumpto comezinho e habitual é o coito euphemizado como "amor", assim como "attemptado ao pundonor" é tudo, da enrabada ao sexo oral. "Abuso sexual" virou normal, em vez de "curra" ou seja la o que for, e logo vão chamar o estuprador de "incommodo aggressor" ou coisa egual. Commigo não exsiste essa frescura. Sou reles, baixo, chulo, vil, vulgar. Não digo "erecção", digo "picca dura". Mas ao logar commum posso excappar, pois muitos consideram que é loucura chupar do pollegar ao calcanhar.

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SONNETTO DIALECTICO [0128] A synthese do advanço consciente é aquelle velho methodo sagaz que preconiza dar um passo attraz a fim de dar dois passos para a frente. A these se appresenta incoherente, mas a contradicção ja se desfaz em face da estrategia, que é de paz, embora lembre a marcha combattente. Antithese do advanço é o retrocesso, a todo obscurantismo associado, e nesse poncto exacto me interesso. Questão de ordem eu faço deste dado: Tão logo fiquei cego, o passo meço; Tropeço, mas não caio: addeanto o lado.


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SONNETTO INESCRUPULOSO [0129] Podendo, todo mundo tripudia por cyma do inimigo derroptado. Torcidas hostilizam o outro lado. Alumno e professor se digladia. [sic] Debaixo de algazarra e de alegria na praça o povo lyncha algum tarado. Heteros excarnescem do veado e a puta engole offensa todo dia. Policia abusa às custas do bandido. Bandido usa requincte no refem. Politico abbandona seu partido. Só o cego não se vinga de ninguem. Supporta o desafforo pelo ouvido e, pela bocca, o penis e o desdem.

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SONNETTO DISCRECIONARIO [0130] Ouvindo "Chupa aqui!", o cego cede. "Assim que eu gosto!", escuta, em tom de ralho. A lingua sente o gosto do caralho. Narinas perceberam que elle fede. Sebinho accumulado expalha, adrede, a glande na saliva, e dá um trabalho que a propria chupeteira, no serralho, recusa, mesmo quando o freguez pede. O cego, todavia, não excolhe. Vergado, vae chupando e se engasgando, até que a porra excorra e o gogó molhe. Offega e geme, em vão, de quando em quando. Por fim, seu aggressor o pau recolhe, dizendo: "Aqui sou eu que enxergo e mando!"


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SONNETTO EPIGONO [0131] Indagam-me em qual idolo me espelho, si em Sade ou si em Masoch, Artaud, Rimbaud, Jarry, Villon, ou certo auctor pornô com fama de trepar feito coelho. Pergunta embaraçosa! Estou vermelho, temendo parescer muito retrô. Mas não venero um Pae, venero o Avô, perante o qual não passo dum fedelho. Me orgulho si chegar-lhe a ser pimpolho. Ja basto-me, porem, sendo bastardo e ao limbo dos herdeiros me recolho. Camões é meu modello como bardo, até porque tambem perdeu seu olho. Perdi dois: só lhe sou maior no fardo.

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SONNETTO MONSTRUOSO [0132] Quasimodo é platonico na marra. A fera, sem a bella, é só uma fera. O Hyde e o Frankenstein tambem. Pudera! Qual virgem quer beijar uma boccarra? Ja o sapo se deu bem, a lenda narra: virou gatto e casou c'uma panthera. Até o patinho feio recupera, ja cysne, a mesma estima da cigarra. Destino ingrato é ser defeituoso! Qualquer metamorphose só peora: É cego hoje quem foi glaucomatoso. Em vez duma princeza, beijo agora a bota do bandido a quem dou gozo chupando, pois não mamma quem não chora.


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SONNETTO BOCAGICO-CAMONICO [0133] Ó luz, ó forma, ó cor que te partiste, tão cedo, te fazendo em mim ausente! Repouso ja não tenho, eternamente, e vivo, rosto em terra, sempre triste. E tu, que vês, e sobre mim subiste, si ainda teu capricho assim consente, não te exquesças da minha bocca ardente que sob o teu solado duro viste. E si vires que pode merescer-te alguma coisa a dor, que me ficou na lingua, temerosa de perder-te, me fode, si teu pau não encurtou, até o fim da garganta, que, sem ver-te, com sebo e porra sabe o que levou.

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SONNETTO AMERICANO [0134] Imperio, de outro imperio que é oriundo, em vez de imperador, tem presidente. Paiz que é continente e, não contente, contende, sem derropta, em todo o mundo. Ao som do mar e à luz do céu profundo, fulgura de verdade, e não somente em versos de feição grandiloquente que enfeitam hymno bellico e iracundo. Gigante pela propria natureza, la tudo é tamanhudo e documento, do arranhacéu à voz da negra obesa. Eu ia amenizar, mas não me aguento: O pé do americano é, com certeza, seu mais irresistivel monumento!


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SONNETTO ENTREGUISTA [0135] Attire pedra quem não tem peccado. Capone; Mussolini; Messalina; Sylverio; Calabar; a cafetina; A bruxa; Franco; Nero; um deputado. Persigam o bandido mascarado! Metralhas; Mancha Negra... A guilhotina ja tem fila de espera até na exquina. O Zorro; o Judas; papas; o Mercado. Na historia humana só dá criminoso! Comtudo, nenhum delles sobrepuja o Demo; Belzebuth; Satan; Tinhoso. E a fim de que do assumpto não se fuja, Accuso mais um réu: Glauco Mattoso. Sou cego e chupador de rolla suja.

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36 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO CRIMINOLOGICO [0136] O estado nos enquadra, acto por acto, delictos por acção ou ommissão: a prevaricação, a concussão, a usura, o estellionato, o peculato, o estupro, o vilipendio, o assassinato, o plagio, o latrocinio, a opinião, injuria, perversão, diffamação, parodia, irreverencia, desaccapto... Si o cidadão commum é patrulhado, calcule-se um poeta, o que padesce, cercado de censor por todo lado! Mais rezo, mais phantasma me apparesce! Si o cara, alem de cego, for veado, poema é mea-culpa, não é prece.


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DISSONNETTO SEPTECENTISTA [0137] Durante a execução do regicida a praça ficou cheia de curioso e, nas sacadas, nobres tinham gozo, chupados por mulheres de má vida. Na França isso se deu e, na torcida, estava Casanova, ja garboso, alem de Sade, ainda não famoso, e todos de caceta enrijescida. O réu foi torturado longamente e as cortezans chuparam p'ra caralho, emquanto a multidão ria, fremente, curtindo do carrasco o bom trabalho. Agora retornamos ao presente e eu, cego, condemnado ao meu borralho, masturbo-me lembrando do incidente: Valeu aquelle réu mais do que valho.

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DISSONNETTO ONANISTA [0138] Na bronha, posso tudo que quizer. Sou xeique, sou calipha, sou sultão. No meu harem não falta occupação: p'ra cada artelho tenho uma mulher. Punheta diuturna é meu mester insomne, na diurna escuridão. Mas nunca me masturbo com a mão: de bruços, vou no emballo aonde der. Ó gueixas, odaliscas, fellatrizes! (Florbella, assim tambem és! Ou não és?) Desejo vocês todas aos meus pés, chupando-me e se dando por felizes! Em cocegas, massagens, cafunés, ja se especializaram. Mas, actrizes que são (Não é, Florbella? Assim o dizes!), são frigidas, fingidas, todas dez.


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DISSONNETTO OROEROTICO (ou OROTHEORICO) [0139] Conforme especialistas, a chupeta depende da attitude do chupado: si o pau recebe tudo, accommodado, ou fode a bocca feito uma boceta. Practica "irrumação" o e foda a bocca até ter Practica "fellação" si e a bocca executar uma

pau que metta exporrado; for mammado punheta.

Ambos os casos, dupla a conclusão. Primeira, a reacção que não expanta: O esperma ejaculado na garganta destino certo tem: degluttição. Segunda conclusão: de nada addeanta negar que a bocca soffra humilhação às ordens de quem curte tal tesão, pois, só de pensar nisso, o pau levanta.

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DISSONNETTO REVOLTADO [0140] Os homens condemnam e mesmo o caudilhos

abominam tyrannias, dictaduras de direita socialismo não acceita que arremedam monarchias.

Torcendo por David contra Golias, dizendo não aos lideres de seita, assim a Humanidade desrespeita os mandos e desmandos dos maus guias. Mas mais cruel, covarde e prepotente, com sua psychopathica mania, é o Deus Omnipotente que nos cria a fim de judiar, unicamente. Foi Elle quem, à minha revellia, cegou-me e fez de mim um penitente que em planos infernaes sempre se sente e appenas desabbafa em poesia.


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DISSONNETTO CONFORMISTA [0141] Os homens auctorizam tyrannias, approvam dictaduras de direita e mesmo o socialismo não rejeita caudilhos que arremedam monarchias. Acclamam generaes os mais caxias, endeusam loucos lideres de seita. Assim a Humanidade se subjeita aos mandos e desmandos dos maus guias. Mas é o que tão

mais servil, covarde e supplicante gesto humano aos pés daquelle Deus tem a voz egual à dos plebeus, sancto, que não ha quem o supplante.

Castiga em nós os proprios erros Seus Aquelle que é meu Pae, meu semelhante, que traz tristeza egual no seu semblante e os olhos tem tão cegos quanto os meus.

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DISSONNETTO EPICO [0142] Eneidas ou Iliadas são lidas por syllabas, por notas, pelo ouvido. Livradas dos limites, seu sentido transcende a narração de heroicas lidas. Não lido com aquillo que tu lidas, embora tantos livros tendo lido. Em vez de mero Homero, tenho sido a reencarnação de nullas vidas. De heroico já me basta o metro antigo que tu me deste em sonho, como forma passivel de exercicio ou de reforma e, assim, compromettido estou comtigo. Sonnetto, oitava, nona, nada é norma. Tercettos em quartettos eu abrigo. Mas a sagacidade do que digo em saga da cegueira se transforma.


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DISSONNETTO HYGIENICO [0143] Si, anal, um orificio é um olho cego, que pisca e vae fazendo vista grossa a tudo que entra e sae, que entalla ou roça, trez vezes cego sou. Que cruz carrego! Porem não pela mão me prende o prego, mas pela lingua suja, que hoje coça o cu dos outros, feito um limpa-fossa, e as pregas, como esponja escrota, exfrego. O "beijo negro" é um ultimo degrau desta degradação em que mergulho, maior humilhação que chupar pau. Vestigios com a lingua alli vasculho, em busca dalgo analogo ao cacau. Subjeito-me com nausea, com engulho, ao paladar fecal e ao cheiro mau e, juncto com a merda, engulo o orgulho.

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SONNETTO TUPYNIKIM [0144] Pelé na bolla, Senna no volante. Cascudo em seu folklore. Em rock, a Ritta. Noel num samba. Glauber numa fita. No quadro, um Portinari ou Cavalcanti. Fernão Dias Paes Leme é bandeirante. Cangaço é Lampeão e sua Bonita. No boxe, um Eder Joffre é quem se cita. A esquerda em Prestes teve um commandante. Um Niemeyer numa architectura. Numa publicidade, um Olivetto. Um certo Alleijadinho na esculptura. O genio do Gonzaga no "Assum preto". Machado na melhor litteratura. E um tal Glauco Mattoso no sonnetto.


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SONNETTO VEGETARIANO [0145] O reino vegetal é um bom retracto das sabias intenções da Natureza, pois, si de um lado exsiste a framboeza, dum outro está o giló, morbido pratto. Caroço de mammão é um troço chato. No entanto, o amendoim faz boa mesa. Caju não causa nojo ou extranheza. Ja a baba do quiabo paga o pato. Noz, broccoli, alcachofra, couveflor, cebolla, tamarindo, carambola... Varia a opinião como o sabor. Eu gosto de verdura, mas na sola dum cara que é carnivoro, o fedor me faz ser fan do queijo gorgonzola.

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46 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO JACTANCIOSO [0146] Não é que eu seja genio. São os criticos que à altura não estão dos meus defeitos. Si os homens ja são seres imperfeitos, poetas são ainda mais rhachiticos. Estão, porem, os criticos graniticos naquella jumentice. São subjeitos mental e moralmente mui estreitos, até mais que os primatas paleolithicos. Louvor em bocca propria é vituperio. Não quero me gabar, mas... Que remedio? Tambem vou ser granitico em meu predio! Do que é evidente não se faz mysterio. Poetas, como eu, nivel teem é medio. Não temos que seguir, mesmo, um criterio. Occorre que ninguem se leva a serio e a sisudez da critica dá tedio.


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SONNETTO HUMANISTA [0147] Em tudo que é regime socialista ha pena capital e lei summaria. Extranho é, pois, que a esquerda libertaria em defender bandidos tanto insista. Não é direito humano. Qual a pista? Só sabotagem, tactica primaria de anarchizar a ordem, ja precaria, duma democracia pluralista. A esquerda quer aqui o que não fará na hora em que tiver poder na mão. Pena de morte, então, não será má. Impunidade aqui; la, paredão. Dois pesos, duas medidas, alli e ca. Assim é que se faz revolução!

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48 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO CASEIRO [0148] Poema é como um plagio involuntario, evoca alguma coisa que foi dicta sem ter na consciencia que repita chavões tradicionaes do adagiario. Si digo que sou falso plagiario, ninguem na panellinha me accredita. Mas, si paraphraseio alguma cita, daquillo ja me julgam proprietario. Idéa não tem dono, só inquilino. Si exsiste estellionato do intellecto, na lei do inquilinato me vaccino. Ja residi num predio de concreto. Morei tambem num motte fescennino, mas hoje não mottejo, só sonnetto.


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DISSONNETTO CARINHOSO [0149] Piau, catiripapo, belliscão, rasteira, tranco, tapa, bofetada, sopappo, cacetada, bordoada, biaba, peteleco, pescoção. Trompaço, murro, soco, saphanão, tabefe, trolha, cocre, trauletada, pattada, coice, latego, porrada, cotovellada, relho, repellão. Pisão, solada, chute, ponctapé, sensorialização, cama-de-gatto, mordaça com funil, merda no pratto, do-in, xodó, massagem, cafuné. Bolinação, erotico contacto, relaxamento, tractos de polé, orgia, bacchanal, auto de fé, dor, estrangulamento, assassinato.

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50 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO TROPICALISTA [0150] Uma anthropophagia, até tardia, tornou a nossa musica salada de fructa, nacional ou importada, naquella tropicalia de alegria. Sessenta foi a decada do dia: solar, viva na cor, illuminada. Creou-se como não se cria nada. Valia tudo e tudo, então, valia. Caetano, Gil, Mutantes, circo e pão. Modernantiga guarda, esquerdireita. Forró com folk. Eclectica receita. Barroco'n'roll. Mambossa. Rumbaião. Eu era adolescente e, certa feita, em meio à colorida multidão, senti num festival que uma canção é lettra, e tudo nella se approveita.


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SONNETTO SEPTENTISTA [0151] Septenta foi a decada do escuro, contra a liberação que a precedia. Emquanto a precedente foi do dia, a dictadura attinge o grau mais duro. Regime militar detraz do muro da lei de segurança e covardia. Cercada, a intelligencia se escondia e o cidadão pensava estar seguro. Não me exsilei, mas fiz opposição dum modo pamphletario original, mixtura de vanguarda com calão. Fanzine de poesia marginal foi precursor da midia, desde então, no que esta tem de forma e de informal.

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52 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO QUINHENTISTA [0152] Em epocha que faz descobrimento criticam-se os logares onde a gente não tinha perspectiva, e um mundo ausente projecta-se, ideal, no pensamento. Erasmus, no "Elogio", teve intento de ver loucura em toda a humana mente e Morus, na "Utopia", vae à frente, colloca o louco la, (em) seu elemento. Pasargada, Aruanda, Shangri-La. Oasis, Eldorado, Chanaan. É um ser errante, aonde quer que va. Ja viu que a fuga é sempre busca van, mas, cego, quer fugir donde hoje está, no affan de ver, alhures, admanhan.


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DISSONNETTO OITOCENTISTA [0153] Nosso Segundo Imperio teve estylo como nenhum paiz americano. Deploro Deodoro e Floriano, pois juncto aos monarchistas me perfilo. Com parlamentarismo a distingüil-o, Dom Pedro foi tranquillo soberano. Temperamento opposto ao do tyranno, jamais diria: "Fil-o porque quil-o!" O toque mais charmoso, alem do bonde, da classica graphia, ainda activa, é o grau, de que a republica me priva: barão, duque, marquez, visconde, conde. Mas eis que, aggraciado pelo Piva, que vivo permanesce, não sei onde, recebo o que melhor me corresponde: Ja sou Conde Mattoso! Salve! Viva!

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54 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO DECADENTE [0154] Exsiste uma nobreza no declinio que só quem é maldicto reconhesce. Tal como haver peccado numa prece ou arte, como em Quincey, no assassinio. Requincte e perversão é meu dominio. O conde anão que até a sargeta desce. A cortezan que manda e que obedesce. O senador que explora o lenocinio. Alcovas. Vinhos finos. Poesia. Bocage, Botto e Piva à cabeceira. Chamemos de luxuria a putaria! Um tal contexto é sopa p'ra quem queira deitar-lhe o mel da tara que o vicia: o sadomasochismo na cegueira.


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DISSONNETTO MACHISTA [0155] O verdadeiro macho é feio e duro, principalmente duro de cinctura. Esgrima e natação ja são frescura. Porrada e futebol são tesão puro. Novella não assiste nem seguro. Só guerra, crime e filme de tortura. Mulher alheia é puta; esposa é pura. Politico não senta sobre o muro. Honesta só será sua mulher. Caseira e carinhosa tem que ser. Carinho elle não faz, deixa fazer. E ai della si carinho não fizer! Fidelidade só não é dever p'ra elle, quando fode quem quizer, do modo mais folgado que puder, e até sobre outro macho tem poder.

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56 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO SUSPEITO [0156] Poetas sempre fallam a verdade e quem a falla não meresce pena. Chorar do crocodillo e rir da hyena: é assim que se interpreta a realidade. O vate dissimula (à) sua vontade e muda logo um angulo da scena. Tem odio ou adversão, mas finge pena. Poetas nunca fallam a verdade. Machista, satyriza a bicha em si. Marxista, tece a these da direita. Espirita, a catholica ala acceita. Carnivoro, destrincha o abacaxi. Meu caso é symptomatico: approveita a humilhação dos olhos que perdi, subjeita-se ao algoz, que lhe sorri, da lingua faz palmilha, e se deleita.


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SONNETTO ONOMASTICO [0157] Às vezes o Pessoa era Caeiro ou Alvaro de Campos, mais bemvindo. Poeta Lagartixa foi Laurindo. Ja Socrates, Jobim, são Brazileiro. Dom Pedro, antes de Quarto, foi Primeiro. Renato ficou Bento, não tão lindo. Por que será que o Sylvio vive rindo? Porque trocou de nome e tem dinheiro. Torelly foi Barão de Itararé. Gonzaga foi Dirceu e Alceu, Tristão. Julinho, sinão Chico outro não é. Qual é meu appellido de plantão? Si for Glauco Mattoso, é o fan do pé, ou não me chamo Pedro, o Podre, então.

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58 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO AUTOCRITICO [0158] Auctor que cita critico é inseguro. Os criticos se citam mutuamente, pois um nunca está certo si outro mente. Respaldam-se p'ra não passar appuro. Isso é parasitismo, e não atturo. Só cito outros auctores como a gente, que são meu repertorio e que, na mente, presentes sempre estão, mesmo no escuro. Não posso ler, mas lembro de um por um. Dos criticos não lembro nem desdenho. Me são indifferentes, salvo algum. Mas não vou citar nomes, porque tenho certeza de que são gente commum, pois sou egual àquelles que resenho.


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SONNETTO SAUDOSISTA [0159] No Rio exsiste um bairro sobre o morro, antigo, arborizado, todo urbano. Alli, em septenta e septe, o melhor anno vivi desta vidinha de cachorro. Não é Sancta Thereza que percorro. Agora sou de novo um paulistano. Ja cego, vejo o mundo de outro plano. Em sonho, deixo o corpo, mas não morro. Viajo pelas ruas sobre o trilho. O bonde aberto corre, beira o abysmo. Sou livre, não me escondo nem me humilho. Mas volto ao meu exsilio quando scismo que posso ter deixado alli meu filho, dum tempo em que amor livre era anarchismo.

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60 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO MELANCHOLICO [0160] Um dia, conhesci no Rio a Sandra, garota loira, esqualida e sardenta. Foi la em Sancta Thereza, nos septenta. Appellidei-a Sandra Salamandra. Não era de favella, mas malandra. Não era de alta classe, mas luxenta. Com ella tive um filho. Ou ella inventa? Sei la. Nem foi assumpto de cassandra. Passou-se o tempo, e agora sou poeta, depois de masochista, cego e usado, e a Sandra, tão sapeca, hoje está quieta. Pergunto-me que fim terão levado. Disseram-me que a Sandra ja tem netta. Meu filho ou não, o cara foi levado.


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SONNETTO MALLOGRADO [0161] Tentei, fiz o possivel, mas não deu. Não foi por má vontade, podem crer. Emfim, por que me iria arrepender? Faltou, talvez, maior exforço meu. Valeu o sacrificio? Sim, valeu. É tarde. Seja agora o que ha de ser. Sahida alguma ja não posso ver. Os céus escuresceram que nem breu. Cegueira, allegoria do fracasso. Peor do que a velhice, a solidão, que um analphabetismo, um pão excasso. Tirar a alguem, de subito, a visão é como interromper o astro no espaço, cappar o pau no instante do tesão.

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SONNETTO PASSAGEIRO [0162] Noventa e trez foi anno de anxiedade. Ja quasi sem visão, em Londres tento buscar num oculista algum alento, mas tudo em vão. La vem fatalidade! Sem rei nem roque, andei pela cidade e, em vez dum quadro lugubre e cinzento, vi cores, da abbadia ao parlamento. Vi parques e palacios pela grade. Um omnibus vermelho, em dois andares, levou-me à extranha feira na avenida e ao pub, em nada egual aos nossos bares. Na feira, comprei bota ja lambida. No bar, bebi cerveja com meus pares, pessoas que uma vez só vi na vida.


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SONNETTO CHAPMANIACO [0163] Curiosa coincidencia me accontesce: Um mez antes do facto (Que idiota!), parei defronte à porta do Dakota, mas não peguei autographo. Annoitesce. E logo Nova York estava em prece. O Central Park, em lucto, o povo lota. Em choro, cantam juncto a mesma nota. John Lennon lembra sonho, e não se exquesce. Turista entristescido, fui ao predio em que o gorilla enorme trepa e morre. A torre gemea, o Empire State, o tedio. Só tem arranhacéu aqui! Que porre! Sem Lennon nem gorilla (Que remedio?), que um poster dos dois, pois, meu quarto forre.

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64 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO TRAVESSO [0164] O mano. O primo. O filho da vizinha. Menor. Pettiz. Gury. Piá. Menino. Fedelho. Molequinho. Pequenino. O junior. O escoteiro. O coroinha. O lider da turminha. O colleguinha. Abbandonado. Filho adulterino. Carente. Infractor. Fructo do destino. Um orpham. Um pivete. Um trombadinha. Não tem reformatorio bom p'ra mim. Prisão será a cegueira, mas me arranjo. Fui prodigo e prodigio, e tudo manjo. Serei superdotado ou curumim? Precoce, ja appromptava. Não fui anjo. Não fui nem cherubim nem seraphim. Lambi pé de moleque: o amendoim e o propriamente dicto, do marmanjo.


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SONNETTO ARACHNIDEO [0165] A gente nunca apprende, mas estuda, da mygala à tarantula, as maneiras, que podem ser selvagens ou caseiras. O mundo é um aranhol, ninguem se illuda. Da simples pappamoscas mais mehuda, passando pelas lepidas epeiras e pelas aggressivas armadeiras, até a caranguejeira cabelluda. A teia envolve o globo num abbraço, raiada em parallelos, meridianos, e ja se ramifica pelo espaço. Pullulam no meu sonho ha muitos annos. À noite, teem mais perna do que braço. De dia, são normaes seres humanos.

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66 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO OPPORTUNISTA [0166] A paremiologia tem dictados p'ra situações contrarias, a calhar. Pergunta-se: a verdade é peculiar? Sectaria? Relativa? Ou são furados? Responde-se que os réus são sentenciados porque cada juiz tem seu olhar. Segundo alguns, você pode falhar. Pros outros, innocentes são culpados. Um diz: "Cada cabeça, uma sentença." Diz outro: "...tem cem annos de perdão." E um outro diz que "O crime não compensa." Assim, tambem eu tenho meu refrão, que applico com poetica licença: "Versão de occasião faz o ladrão."


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SONNETTO JORNALISTICO [0167] Alli o Legislativo faz a lei. O Executivo, aqui, a applica ou não. E quanto ao Judiciario, a applicação só vale si o juiz se julga um rei. Alem dos trez poderes, ha, bem sei, um quarto, que é o poder da informação, e quem a manipula tem razão. Só erra quando diz: "Jamais errei!" Noticia é quando um homem morde um cão e não quando o cachorro morde a gente. Noticia é quando alguem perde a visão e, alem de ser mendigo ou indigente, embora lamba a sola e beije o chão, sonnetta, lança livro e segue em frente.

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68 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO CARNAVALESCO [0168] A mascara é a attracção da phantasia, que empresta vida dupla a quem se esconde. Vampiro vagabundo vira conde e o conde uma condessa na follia. No sadomasochismo, a theoria é que os papeis se invertem facil. Onde estava um dominante, ja responde o escravo dominado: "Me judia!" Confetti, serpentina, corpos nus. Rei Momo, trio electrico, marchinha. Corrente, couro, açoite, dor, cappuz. Si der, qualquer mulher é uma gallinha. Si dóe, todo christão goza na cruz. Si attrae, o macho é a sadica rainha.


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SONNETTO SACA-MASOCA [0169] Leopold Von "Sácher-Másoch", ou Masoque, (entendam a pronuncia como queiram) é um cara mysterioso, dos que beiram o typo ficcional da belle époque. Assim como Oscar Wilde, e até Sherlock, são chiques, mas no sordido se exgueiram. Em publico são flor; em casa, cheiram. Quem pensa que são sanctos leva um choque. É facil perceber si um cavalheiro tem vida dupla ou cumpre seus papeis: Bastava conferir seu companheiro. Si um outro é feio e tem enormes pés e o cavalheiro é cego e sapateiro, vi com quem andas, ja direi quem és.

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DISSONNETTO MYTHOLOGICO [0170] Nas lendas, ou é oito ou é oitenta. Cyclope tem um olho, ou Argos cem. Sacy uma perna só. Sereia é sem. A midia diminue. O povo augmenta. Trabalho de escriptor nada accrescenta. A tradição oral vae muito alem. Superstição é estimulo, tambem. Maior o medo, mais a fé fomenta. Tem gente que alimenta a propria lenda, plantando situações que não viveu, fingindo ser Sansão dum philisteu, e sei de um escriptor que não se emenda. O gajo não é nobre nem plebeu. É cego e se diz conde sem commenda. Não faz tudo que aos outros recommenda. Tarado e phariseu, esse sou eu.


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DISSONNETTO PHYSIOLOGICO [0171] Quem disse que a politica não fede? O exgotto do Congresso é prova disso. Parlamentar que quer mostrar serviço bem sabe donde a practica procede. Do vaso, e não das urnas, vem e mede tamanho e proporção dum trem rolliço. E quem quizer metter o dedo nisso esteja onde o governo tem a sede. Ministros e exercem no espaço Despacham

ja installaram gabinete patriotica missão mais propicio a tal funcção: no recesso da retrete.

Quem faz, por outro lado, opposição critica a fedentina do tolete e, em breve, novos ventos nos promette, propondo obrar com força e rectidão.

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72 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO ANTHOLOGICO [0172] As phrases memoraveis da Republica deviam ter, na pedra ou voz gravada, registro, qual legenda advaccalhada num filme de comedia ou scena lubrica. "Prometto que agirei na vida publica da mesma forma que ajo na privada!" Ou: "Fil-o porque quil-o!", tão surrada. Ou: "Não me deixem só!", suprema supplica. Tambem vou proferir, eu que não minto, a perola immortal de quem adora mandatos, completado o quarto ou quincto: "Da vida partidaria saio agora. Ja fiz o que devia, e allivio sinto. Caguei, limpei a bunda, e vou-me embora!"


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DISSONNETTO ONTOLOGICO [0173] Não sei si o ser é somos ou estamos, si somos ser somente estando em vida, ou si ja está de facto resolvida a maxima questão: "Para onde vamos?" Si depender do sabio Nostradamus, a vida sobre a Terra é destruida. Mas, para algum propheta, algum druida, é bom que as esperanças não percamos. Questão não é "to be or not to be" nem "penso, logo exsisto" sem lazer. Questão é termos crença de não ser inutil que estejamos por aqui. Não é coisa difficil de entender: Quer seja alguem que chora, alguem que ri, o pensamento é valido por si. Pensamos que exsistimos. Resta crer.

[druída]


74 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO BESTIALOGICO [0174] Senhoras e senhores! Caros caras! Causar-vos-ia mal meu privilegio de protagonizar o espicilegio por entre poesias tão preclaras? Não, colendos collegas tabajaras! Fui procer proclamado no collegio! Insolito não seja o sortilegio de haver estro sublime em minhas taras! Só quem detem desdem maledicente verá nos meus poemas despauterio! Os outros me honrarão, logicamente! Meu unico e supremo desiderio, inconstitucionalissimamente, indubitavelmente, é não ser serio!


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DISSONNETTO DEMONOLOGICO [0175] Alguem tem dom de pôr o crente em panico. É o Anjo Mau; é o Bode; é o Belzebuth; É o Lucifer; é o Principe; é o Exu... Como denominar o Ente Satanico? Diversos gestos teem poder xamanico. Diversas liturgias são tabu. Mas no Sabbath se beija bem no cu, que é o poncto donde sae o odor titanico. Fazendo a algum bom senso ouvido mouco, as bruxas ao inferno vão de Dante. Do "beijo negro" ja fallei ha pouco, um acto que envilesce o executante, mas deixa quem o ganha quasi louco. A propria fellação, sempre excitante, capaz de provocar gemido rouco, não é, para Satan, tão importante...

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76 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO THEOLOGICO [0176] Si exsiste Deus, de onde é que vem o mal? Si não exsiste, de onde vem o bem? Resposta: exsiste o Demo, e Deus tambem, e aqui reside o poncto principal. Divide-se o poder de egual p'ra egual e omnipotente ja não é ninguem. Colloca-se o dilemma: orar a quem? Quem vae nos proteger do seu rival? O jeito é accender vela para os dois, uma p'ra cada um, sinão dá briga, e piccuinha a gente não instiga. O resto a gente deixa p'ra depois. Na hora do suspiro, é fazer figa, orando sem dar nome, em vão, aos bois, p'ra que o placar nos seja dois a dois e que ninguem de fora faça intriga.


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SONNETTO PHARMACOLOGICO [0177] A pillula não doura, mas adora aquelle que põe fé ferrea na bulla. Tem quem engula pillulas com gula. Lourenço Mutarelli corrobora. Collateraes effeitos elle ignora. Pras contraindicações não capitula. Qualquer posologia elle especula, trocando os comprimidos de hora em hora. Alli, superdosagem é placebo. Não vou dizer, porem, que o nosso amigo como usuario chronico concebo. Meu caso sim, é vicio, ja que sigo receita, via oral, de porra e sebo, p'ra não fallar no mijo, que é castigo.

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78 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO ASTROLOGICO [0178] No azar do tempo, cancer é meu signo. Meu ascendente é signa, com certeza. As chartas, ja marcadas, sobre a mesa só rezam que ao destino me resigno. Como estigmatizado, me persigno. Meu mappa astral não dá qualquer defesa. Ser pato no zodiaco é dureza. Si feio, então, não tem futuro digno. Na tal constellação do Caranguejo, com seu formato tetrico e grottesco, está um buraco negro gigantesco, origem do glaucoma malfazejo. Só mesmo um kosmo novo, ainda fresco, reserva-me outra vida que, antevejo, a toda saturnal vae dar ensejo, regida por horoscopo momesco.


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DISSONNETTO PHILOLOGICO [0179] Latim é lingua mãe, da qual procede, de mater, madre, mère, e a nossa mamma. Um outro radical attenção chama: pes, pedis, que vem dar pé, pie, pied, piede. Quanto ao inglez, tem foot, termo que mede a sola dos sulistas no Alabama, o tennis dos britannicos na grama e a legua desta lingua, que lhe excede. Ja podo vem do grego, onde se cria o grosso do glossario da sciencia: philosopho suppõe alguem que pense-a; podolatra suppõe podolatria. Philologos não teem maledicencia. Linguistas tambem curtem poesia. Nenhum delles jamais me accusaria de pôr lingua no pé sem ter fluencia.

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SONNETTO PATHOLOGICO [0180] Qualquer deformidade de nascença desperta o commentario sentencioso: "Foi Deus que te marcou, Glauco Mattoso!" Commigo levo à cova essa sentença. Ja cego, me toquei que não compensa sanar na poesia o tom queixoso, pois meu leitor commum acha gostoso me ver soffrendo a dor que elle dispensa. Na jaula do zoologico sou fera mantida em captiveiro para o riso daquelle que alleijão me considera. Até fizeram placa deste adviso: "Quadrumano ceguinho rastaquera. Não come com a mão. Lambe no piso."


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DISSONNETTO CALLEJADO [0181] Escrupulo é o recheio, em pedregulho, num justo travesseiro sem a fronha. Alguem vae se orgulhar de ter vergonha ou vae se envergonhar de ter orgulho. É o caso do leitor que faz barulho quando o poeta abusa da peçonha, ou do paulista timido, que sonha si o nove egualará o quattro de julho. Assume o moralista a palmatoria, encarna a caretice o phariseu, emquanto o nobre finge ser plebeu, mas ambos querem ser censor da Historia. Papel mais transparente é o que faço eu, que sei do meu logar em meio à escoria, sem medo ter de imagem illusoria, onde "Escreveu, não leu, o pau comeu."

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82 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO TRIPATETICO [0182] Folengo, Pitigrilli, Pirandello. Paresce que o humorismo vem da Italia. Mas a litteratura é uma migalha, si olharmos todo o sacco de farello. O Gordo e o Magro, o Abbott e o Costello, Cantinflas, Chaplin, Chaves, a gentalha, Vanguarda, Modernismo, Tropicalia, Lobato, Villa Sesamo, Castello. Por toda parte está a piada e o sarro, da satyra à parodia, no epigramma, do chulo ao fescennino, no bizarro. Exsiste humor até na minha cama: Emquanto em pesadellos me desgarro, você me goza, e a minha bocca mamma.


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DISSONNETTO RETAGUARDISTA [0183] Recurso ao palavrão é jogo scenico: Caralho, porra! Puta que o pariu! Do cu, ja a suja bocca desistiu: a lingua eguala alli o papel hygienico. Mais proprio do latino que do hellenico, cunnette é o acto orgiaco mais vil. A bunda é preferencia no Brazil, porem o cu só serve ao prazer penico. Sim, "pênico", eu fallei, e não penico. O accento importa tanto quanto o assento e a picca vae mais fundo do que o picco. Por isso ser mais graphico nem tento. Qualquer fraqueza anal eu justifico. Phobia de injecção tem fundamento. Si a merda é tão nojenta quanto o chico, devia um cunnilingua ser nojento.

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84 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO DISSIDENTE (I) [0184] Drummond, quanto às palavras, considera que luctam contra nós, ou nós com ellas. Mas, quanto a mim, sustento que as querellas são contra o diccionario, a lei severa. Synonymo de reles, "rastaquera" no Aurelio é "rico"! Agora é que são ellas! E ja que é p'ra zelar pelas mazellas, "desiderato" tem quem desidera. Diabos! Sempre achei que é "desiderio"! Accusam-me de usar italianismo. Às favas esse Aurelio e seu imperio! Do lexico p'ra praxis ha um abysmo. Emquanto os mentirosos fallam serio, poetas sabios fazem humorismo.


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SONNETTO POSTIÇO [0185] No tempo de Bilac ou de Camões ficava favoravel ao poeta, por traz da amavel ordem indirecta, brilhar na confraria dos chorões. Jorrava inspiração aos borbotões, mas tudo convergia à mesma meta: fazer do seresteiro que sonnetta palhaço das perdidas illusões. Poetas, seresteiros, namorados, posavam todos elles de infelizes. Quem lia, commovia-se: "Ai, coitados!" {Imploro-te, sorrindo, que me pises!}, diria um pobre Glauco, em baixos brados, aos pés da menos linda das actrizes.

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86 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO CLASSISTA [0186] Differe um escriptor dum excretor. Um excretor se explica: só dejecta. Um escriptor appenas se punheta na penna, que virou computador. Depende Testado aquelle aqui ou

um escriptor do seu leitor. está que em terra analphabeta que sonnetta é bom poeta, no exterior, seja onde for.

Subtil, porem, é outra differença, que toca alguns mellindres e pudores: Emquanto se fabricam escriptores, alguns são escriptores de nascença. Resalva-se a cegueira, cujas dores augmentam quanto mais o cego pensa, usando de poetica licença, naquillo de que gozam seus leitores.


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DISSONNETTO CLASSICISTA [0187] Os gregos e latinos são modello e herança do poeta gozador. Difficil não nos é fazer humor; difficil é deixarmos de fazel-o. Partindo de Aristophanes, que fel-o em phase de apogeu e de exsplendor, passando a Juvenal, onde o sabor piccante em Marcial ganha cabello... A satyra é fatidica ao poeta, tal como oppor um alvo frente a um missil. E si me perguntarem si é difficil fazer a poesia mais directa, direi que são os ossos do meu vicio, encargos duma tara mais abjecta. De duas, uma: ou facil seja a meta, ou é quasi impossivel nosso officio.

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88 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO GLAUQUIANO [0188] O proprio no sentido figurado: Mattoso quer dizer interiorano ou louco, no entender dum italiano, e Glauco quer dizer exverdeado. Na lenda tem assento reservado. Foi celebre entre os deuses do oceano. Ao dom da prophecia era prophano, mas por Apollo foi presenteado. Foi Circe, a feiticeira enciumada, quem não deixou que Glauco amasse Scylla, a linda nympha, em monstro transformada. Mas este Glauco é cego, e não vacilla na triste condição que lhe foi dada de, mesmo monstruosa, preferil-a.


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SONNETTO OBVIO [0189] O cego viu que o rei se achava nu, emquanto alguem que tem dever de ver colloca-se a serviço do poder, levando, sem gemido, o pau no cu. Verdades evidentes são tabu. Paresce que a peneira deve ser cortina para o sol escurescer. O cego, indifferente, falla cru: Hypothese é a sciencia de quem chuta. Defende-se melhor quem contraattacca. Modello é uma mulher que se disputa. Só baba o puxasacco que é babaca. Não deda a deputada que é só puta. Sem Rio, é o carioca appenas caca.

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90 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO REDUNDANTE [0190] Pediram-me um escandalo, e é p'ra ja. Malversação de fundos? Nada disso. O seio da modello, que é postiço, tambem ja não excita a lingua má. A droga nas escholas? Ninguem dá a minima importancia ao desserviço. Sequestro de empresario? Algum sumiço? Remedio adulterado? Qua! Qua! Qua! A fraude eleitoral virou roptina. As comptas no exterior não causam pasmo. Não é baixo calão iconoclasmo. Ninguem extranha o cheiro da latrina. Até Mathusalem ja tem orgasmo! Até machão convicto tem vagina! Só resta a commentar, em cada exquina, que o cego é chupa-rolla... Um pleonasmo!


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DISSONNETTO DESVIRTUADO [0191] Mulher nenhuma foi, como Justine, usada e 'inda abusada tantas vezes, por monges, por bandidos, por burguezes. Quem mais lhe chegou perto foi Pauline. A "Historia de O", porem, melhor define escravas femininas como rezes treinadas a chicote. Esses francezes! Não ha no mundo quem os recrimine! Tractar mulher a relho é uma delicia somente comparavel ao puddim de leite condensado, ou à caricia da lingua sobre o penis. Quanto a mim, sonhei que, attraz das grades da policia, a natta dos ladrões me tracta assim, com sarro, com abuso, com sevicia, e, claro, não achei nada ruim.

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92 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO FLATULENTO [0192] O peido, gostoso, da parte emquanto

mais que o arrocto, inspira o riso desbragado, gargalhado, de quem pode ter peidado, os outros fazem mau juizo.

Com base no meu caso é que analyso, pois, mesmo estando a sós, enclausurado, gargalho appós os gazes ter soltado e adspiro meu fedor, feito um Narciso. Me ponho a imaginar de alguem affeito a do typo mais esnobe colhido de surpresa

a reacção normas de ethiqueta, e mais ranheta, ante o rojão.

Meu sonho era peidar fumaça preta na mesa dum banquete, desses tão formaes e, appós a explicita expulsão, deixar que a gargalhada me accommetta.


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SONNETTO DISSIDENTE (II) [0193] A briga contra o Aurelio continua. "Cunnette" é "cunnilingua" só alli. Em fontes mais precisas sempre li que o som de "conna" em "cu" se desvirtua. Cunnette é a bocca anal alli na rua, logar em cuja lingua está o gibi, a ladra, a puta, a bicha, o travesti, e "adonde" "pelladona" é mulher nua. Desistam, seus Aurelios, pois no chulo vocês 'inda teem muito o que apprender! Ainda fazem fé que cu é "culo"! Pisar é outro sentido de foder. Por isso p'ra vocês não capitulo: só quem na lingua pisa tem poder!

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94 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO CHULINARIO [0194] Cozinha nova é parca e muito cara. Chineza enjoa logo, embora boa. A brazileira é boa, mas enjoa. A lusa à do Brazil nem se compara. A syria é das arabias, tá na cara. A japoneza é extranha e até destoa. A grega não meresce muita loa. A mexicana queima quem prepara. Fartura e gosto, mesmo, só naquella que abusa de formaggio e pommarolla, que inventa o minestrone e a mortadella! A massa, na italiana, é o que extrapola! Mas meu amor ao pé se refestela no aroma de chulé do gorgonzola!


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DISSONNETTO QUEBRA-GALHO [0195] As bellas são beijadas pelos bellos. Os bellos são chupados pelos feios. Os feios, pelos cegos, sem os freios impostos pela esthetica aos magrellos. O povo diz que não faltam chinellos surrados p'ra comforto dos pés cheios de callos, e os ceguinhos são recreios na falta de preguinhos pros martellos. A bocca do ceguinho attura tudo aquillo que lhe impor alguem quizer: sebinho, porra, mijo, o que vier, caralho diminuto ou tamanhudo. Emquanto isso, a boquinha da mulher, que emitte som agudo ou de velludo, recebe o beijo doce, quente e mudo, o mel offerescido de colher.

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96 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO LUCIDO [0196] Poetas populares fazem media, depois de serem feitos pela midia. Immunes às denuncias de desidia, pretendem repensar a encyclopedia. Escandalo, transformam Malandros, minimizam a Um delles na politica, São magos demagogos na

em comedia. perfidia. preside-a. tragedia.

Poetas delirantes, como o cego que soffre seu vexame e não reclama, não querem fazer media com a fama, dinheiro, auctoridade, ou o seu ego. Ja sabem que seu nome está na lama. Meu caso desses é, sim, nunca nego. Porem, no meu delirio, só sossego suppondo o pau que minha bocca mamma.


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DISSONNETTO LUDICO [0197] Sou cego, mas não fui desde menino. Sabia que o tamanho do meu pincto não ia muito alem do dedo quincto e que a partir dalli cresce o pepino. Agora me masturbo, me examino e a duvida fatal ainda sinto. E os outros cegos, quando, no recincto privado, se perguntam: "Grosso ou fino?" "Anão ou gigantão? Sou macho ou não? Exsistem proporções dictas normaes? Como checar meu pau e o dos demais sem aggarral-os todos com a mão?" E surgem outras duvidas fataes que mexem com a mente do povão: Será que a mão do cego dá tesão? Si dá, na certa a bocca dará mais.

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98 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO APOLLINEO [0198] Poeta é sobretudo um racional. Deduzo que, si dois e dois são quattro e não faço politica ou theatro, sou frio, calculista, cerebral. Vae ter na architectura de Cabral a grande poesia exemplo farto de como harmonizar arte com parto, o céu e a rigidez da cathedral. Cegueira é um bom thermometro do grau da ferrea disciplina da memoria, perdida na deriva duma nau. A consciencia tem funcção censoria, impõe limitação no instincto mau, que o cego sabe appenas illusoria.


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SONNETTO DIONYSIACO [0199] A tal da intelligencia emocional é pincto comparada com o genio poetico, na aurora do millennio da consciencia kosmica immortal. Instado pelo instincto do animal, cobaya da utopia por convenio divino, este é o poeta astral. Condemne-o à eterna indecisão do bem ou mal. Na lyra do delirio fui jogado, não tanto pelo genio da poesia, mas pelo olhar do cego embriagado. Debatto-me, portanto, na phobia durante os pesadellos, lado a lado co'a lucida libido na philia.

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100 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO AO PÉ DA LETTRA [0200] Mulheres são mulheres. Traduzindo, são como as traducções: si são fieis não são bellas; si bellas, infieis. E quanto ao traductor, nenhum é lindo. Algumas bellas damas vivem rindo. Appenas desempenham seus papeis. Teem sempre varios homens a seus pés, mas cada um chupando um dedo mindo. E os outros dedos, quem os E a sola, tão sedosa, quem Quem banho de saliva nella E o peito? O tornozello? O

vae chupar? lambeu? deu? calcanhar?

De minha parte, digo: não sou eu. Não sou de bellas damas desdenhar, mas, mais do que a Julieta, acho o meu par nos pés advantajados do Romeu.


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SONNETTO AO MILLÔR [0201] Não quiz reescrever uma Odysséa, mas, si reescrevesse, brilharia. Deu peso de brilhante à ninharia. Refiro-me ao philosopho do Meyer. Vão Gogo, comediante sem platéa, seu publico o invejava quando o lia. Sommou a gozação à rebeldia e um fan ganhou aqui na Paulicéa. Ja que a justiça farda mas não talha, resolvo retractal-o, em homenagem quadrada, trez por quattro, uma antiqualha. Sonnetto, prum philosopho, é bobagem. Não passa de academica migalha a quem faz humorismo com coragem.

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102 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO AO HIPPIE [0202] O flower power viu você crescer e sua juba, à mesma proporção. De São Francisco a Londres, a noção de paz e amor irá permanescer. Tune in, turn on, drop out tentou dizer: Viagem, syntonia, sacação. Na decada da droga era o bordão e o mundo viu o sonho accontescer. Mas, como um optimista assim não sou, e, como todo sonho tem um fim, a roupa colorida desbotou e agora você é pae dum outro teen, careta, que nem curte rock'n'roll. Seu pé, porem, ainda tem p'ra mim um cheiro de amor livre under the toe e typicas geléas in between.


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DISSONNETTO AO PUNK [0203] No mundo sem futuro, você quiz levar o seu protesto até o extremo. Em termos de anarchismo foi supremo, alem dos estudantes de Paris. Ao som dos progressivos não deu bis. Não fez nenhum fingido culto ao demo. Lançou, no estylo "faça você memo", fanzines tão zoneiros quanto fiz. Qual paz! Qual amor, nada! Qual yoga! A paz dos sessentistas foi ballada, às vezes abballada pela droga. Você creou podreira mais porrada. Seu sujo visual, ainda em voga, mais rude que o dos hippies, mais me aggrada: Me faz lamber seu pé depois que poga! Chulé não tem egual na molecada!

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DISSONNETTO AO RAPPER [0204] De cor, mulato, pardo, negro, preto. O branco é simplesmente branco, e só. Você quer mais respeito, não quer dó. Quer ser um cidadão, não quer o ghetto. No Sul, no Pellourinho, no Soweto, luctando contra o falso status quo da mascara, a gravata e o paletó: A lettra é mais comprida que um sonnetto. A sua voz se vinga da senzala. Seu canto ja foi blues, quasi ballada. Foi soul, foi funk e reggae. Agora é balla perdida em tiroteio de emboscada. Xerife do xadrez, você não cala: leva a peripheria p'ra parada, de sola entra no som da minha salla, pois esta lingua aqui quer ser pisada.


PAULYSSÉA ILHADA: SONNETTOS TOPICOS

DISSONNETTO AO SKINHEAD [0205] Você diz ter orgulho sendo odiado. Em ultraviolencia faz enfoque. A bota e o suspensorio dão o toque de classe ao visual abbrutalhado. Alguns não sabem bem qual é seu lado, si o estylo está no ska, si toca o rock. Racista ou não, seu caso é causar choque e nunca parescer bemcomportado. Bem poucas differenças considero: Careca no Brazil chamado foi, por causa da fatal machina zero e pelo mesmo grito, ou som: Oi! Oi! Cerveja, futebol, fervor severo ao culto do operario pé-de-boi: Você calça o cothurno que mais quero lamber, 'inda que em mim elle destoe.

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SONNETTO AO STRAIGHT EDGE [0206] O opposto às outras tribus você diz na hora em que condemna sexo e droga. Não abre mão do som, mas cataloga só bandas que endireitam seus perfis. Na mão você desenha enorme "X", mostrando que no coppo não se affoga. No pratto você põe o vega em voga, trocando a carne por folha e raiz. Va ser careta assim na "conchinchina"! Em vez de churrascada e bacchanal, você faz verdurada e poupa a mina! Não usa couro, não fede "animal", mas, quando lambo e tiro sua botina, seu pé tem chulezinho vegetal.


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SONNETTO AO SEVERINO [0207] O auctor dos "Versos intimos" é filho da fertil Parahyba, mãe de alguem que em vida conhesci, mas é do alem. Ficou-me da sua lavra um estribilho. "Olhos brilhando medo" lembra o brilho. "Te lambo como cão" me assenta bem. "Me arranhas como gatto" o traço tem do "olhar endurescido" ao qual me humilho. Fallando da "baratta no bidê", seu typico haikai materializa a "saudade medonha de você". Dos Anjos e do Ramo, uma pesquisa distante aos olhos nus de quem não vê mas rente à sola nua que me pisa.

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SONNETTO ROCKEIRO (REMIXADO) [0208] Podolatra é, tambem, no rock a tara. Um classico é, no genero, exemplar, dizendo "Você pode me jogar no chão e pisar bem na minha cara!" Num outro, a vocalista ja declara que "as botas foram feitas para andar e qualquer dia desses vão passar por cyma de você todinho, cara!" Agora que estou cego, só me occupo curtindo som em meio a muita bronha, sonhando ser o roadie de algum gruppo. Prefiro a banda podre, que me ponha debaixo do cothurno, emquanto chupo na sola seus excarros de maconha.


PAULYSSÉA ILHADA: SONNETTOS TOPICOS

SONNETTO PHARAONICO [0209] Vencidos por egypcios, os mais fraccos são feitos prisioneiros e zoados. Em gruppos, uns aos outros admarrados, levados vão em fila, qual macacos. Hirsutos, que parescem ter casacos, inspiram brincadeiras aos soldados. Nas barbas pentelhudas são currados e as boccas ficam sendo outros buracos. São estes os hittitas. Norman Mailer descreve a scena em seu "Noites antigas", que o Glauco vê num sonho, como um trailer: Estava em meio às hostes inimigas. Mas sou domado e viro um... Rottweiler, que chupa os pés egypcios, e suas vigas.

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SONNETTO DESBOTTADO [0210] No Rio é morto Botto, e hoje exquescido. Mas foi em vida lido e elogiado, não só por se assumir como veado, mas pelo grau de genio, merescido. Não tem elle o charisma do bandido. Estheta, se confessa entediado. Mas resta especular um outro lado, do sadico e machista resentido: "Sei appenas que nunca sei mentir e que sinto a excaldar nas minhas veias o desejo sangrento de aggredir!" São versos delle e, sem maiores peias, a um joven diz que a esposa va zurzir e a traga aos pés, no relho e nas correias!


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SONNETTO MARXISTA [0211] Os russos, cujo pé não é pequeno, fizeram a cabeça do Fradim, levaram seu regime até Peking, pisaram nos nazistas sobre o Rheno. Lembrando do cubano e do chileno, entre um artigo e outro do PASQUIM, defendem os peões no botequim um socialismo ethylico e moreno. Indigenas exigem, nada ingenuos, do proletariado a tyrannia, mas só os caciques teem poderes plenos. E eu digo que utopia preferia: Capitalismo é coisa de somenos. Mais vale um pé na mão que a mais-valia.

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112 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO SEISCENTISTA [0212] Gregorio é conterraneo do Botelho, poeta que não citam hoje em dia. A nova geração nem desconfia que as fructas tropicaes são seu conselho. Diz elle, entre o arassá e o caju vermelho: "Alem das fructas que esta terra cria, tambem não faltam outras na Bahia..." No amor ao coco, nada lhe é parelho. "Outras fructas dissera, porem basta", conclue o nosso bardo, arremactando: "das que tenho descripto a varia casta." Concordo quanto ao coco, mesmo quando, ainda verde, a polpa é como pasta, pois lembra o sebo que eu vou degustando.


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SONNETTO JOYCEANO [0213] É de Jacintho Pincto Aquino Rego a mais famosa phrase do idioma: "Nem sempre quem tem bocca vae a Roma, mas quem tem cabo nunca pede arrego." Estavas, linda Ignez, posta em sossego, [cf. Camões] mas eis que te recordas do axioma: "Glauco Mattoso é alguem que tem glaucoma.", vocabulo vernaculo, mas grego. Dialogo entre a branca e o escravocrata: -- Eu sou da lyra, não posso negar! -- O teu cabello não nega, mulata! Dialogo entre o cego e o militar: -- O teu regime escuro me maltracta! -- Teu caso até nem é p'ra lamentar!


114 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO AO MAIOR [0214] Maior é o sentimento que o sentido. Maior é a solidão do que a saudade. Maior é a precisão do que a vontade. Maior é Deus, segundo o desvalido. Maior é o sabichão do que o sabido. Maior é a servidão que a magestade. Maior é o masochismo do que Sade. Maior é o meu poeta preferido. Quem faz muito sonnetto, cedo ou tarde accaba produzindo uma obra-prima, comtanto que não faça muito allarde. Por traz da mera metrica ou da rhyma esconde-se a coragem do covarde e o medo, que jamais me desanima.


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SONNETTO AO MENOR [0215] Menor é qualquer nota, no instrumento. Menor é qualquer musica da Yoko. Menor é a producção do dorminhoco. Menor é o pollegar, no comprimento. Menor é a Ursa, la no firmamento. Menor é o rococó do que o barroco. Menor é o bemestar do que o suffoco. Menor é o bandidão, quando detento. Quem faz muito sonnetto está subjeito a ter alguns menores, comparados aos sordidos, que teem maior effeito. Os meus dependem muito dos peccados aos quaes cada leitor é mais affeito. Tarados tambem teem tons variados.

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116 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO AO METALLEIRO [0216] Você fez da guitarra um trovejante machado na cruzada contra o Bem. O peso levantou como ninguem e o negro vae da roupa até o pisante. Seu som ficou maccabro e electrizante, mas nada de dar panico, porem. Appenas performatico armazem dos infernaes clichês cheirando a Dante. Barulho por barulho, sou simplista: prefiro um rockabilly sem frescura, sem palco nem platéa, pose ou pista. O poncto positivo em sua postura é a bota, que não sae da minha vista, e o cheiro, cuja falta me tortura.


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DISSONNETTO AO RUDE BOY [0217] Seu berço é na Jamaica, no verão, mas seu hinverno typico é londrino. Ao ghetto acculturado, de menino, mesclou a moda mod e o mundo cão. Seu reggae, mais veloz na marcação. Gravata e paletó, seu figurino. No pé, sapato baixo, bicco fino, e os oculos escuros, noite ou não. Você foi invejado por galleras que menos tradição na scena tinham e em gangues de suburbio se engalfinham. Fez fama accyma desses, meras feras. Os criticos, porem, nem adivinham você na minha lista de paqueras, naquellas mais podolatras chimeras, por compta dos pezões, que me expezinham.

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118 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO AO MARTINELLI [0218] Por mim, quasi a barão foi promovido o tal commendador que o projectara. O caso é que o gigante é joia rara, ao combinar quadrado com comprido. Por outras altas torres escondido, ja foi obra a que nada se compara. São Paulo teve nelle nova cara, appós moderno esthetico ruido. Janellas empilhadas, vis à vis. Mansardas européas de castello. Mixtura de Manhattan com Paris. Ja sem poder rever, por elle zelo. Ao menos na memoria, sempre quiz gravar esta paixão que martinello.


PAULYSSÉA ILHADA: SONNETTOS TOPICOS

DISSONNETTO AO PARQUE [0219] Oasis de verdura no concreto. Cantheiro de graminha na calçada. Assim paresce o parque, da sacada da typica babel beirando o tecto. Em meio ao quente chaos, um logar quieto. Pelo Ibirapuera, a caminhada. Rente ao Jardim da Luz, uma fachada, projecto inaccabado do architecto. Ao Horto Florestal falta avenida. Trianon, Acclimação, a Canthareira. Transspira uma metropole trahida. Em tudo tem que ser sempre a primeira? Na pura polluição, vive hoje a vida que um dia viveria a Terra inteira. Não ha pioneirismo sem sahida. Sem arvore está a praça da paineira.

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120 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO AO VIADUCTO [0220] Pelo Anhangabahu, monumental, na perpendicular se allarga o Cha. Está o Sancta Ephigenia mais p'ra la, como uma torre Eiffel horizontal. Divide-se a cidade em chão normal e um outro patamar, que a cobrirá do feio centro velho ao Jaraguá, emmaranhando pontes num varal. Será a avenida como outras serão? Será passar por cyma a sua signa? Que raio de cidade sem vazão, escrava do motor a gazolina! Mas quem só falla mal não tem razão, pois sob o viaducto ja germina uma população de pé no chão, capaz de se expressar, contra a buzina.


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DISSONNETTO AO METRÔ [0221] Wagão de um olho só, rosto cyclopico. Ao viaducto o tunnel faz espelho. Si caranguejo é o transito, em vermelho, ao Capricornio irá o metrô do tropico. Ter toda a malha urbana é quasi utopico. Ja crer no velho trem é bom conselho. O trilho subterraneo 'inda é fedelho. No picco é a ferrovia effeito topico. Não ha por que fazer errados testes. Em luxo, estylo e astral, ninguem compara uma estação da Luz ou Julio Prestes à Sé ou ao terminal do Jabaquara! Mas a cidade obstenta novas vestes. Não é mais européa a sua cara, pois nella pisam todos os nordestes e todos os sertões. Sinão, tomara!

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DISSONNETTO AO FIM E AO CABO [0222] Ao cabo de alguns annos bengalando, decoro cada pedra do caminho, o poncto onde alguns galhos com espinho exbarram-me na cara emquanto eu ando. Ao cabo de alguns mezes sonnettando, compor passa a processo comezinho, tal como encher o coppo com mais vinho sabendo, em plenas trevas, quanto e quando. A forma do sonnetto é o quarteirão ao qual, por annos, dando a volta vim trilhando o chão que sinto tão ruim, sem guia ou companhia de outro cão. Caminhos nunca mudam para mim. Só muda a caminhada, ja que não mais prendo-me aos quartettos. Assim vão mudando meus sonnettos. Chego ao fim.


[NOTAS] [0133] Allusivo ao seguinte sonnetto de Camões: SONNETTO 19 Alma minha gentil, que te partiste Tão cedo desta vida descontente, Repousa la no céu eternamente, E viva eu ca na terra sempre triste. Si la no assento ethereo, onde subiste, Memoria desta vida se consente, Não te exquesças daquelle amor ardente, Que ja nos olhos meus tão puro viste. E si vires que pode merescer-te Alguma cousa a dor, que me ficou Da magoa, sem remedio, de perder-te; Roga a Deus, que teus annos encurtou, Que tão cedo de cá me leve a ver-te, Quão cedo de meus olhos te levou.


[0187] O sonnetto reapproveita phrases de 1977 no JORNAL DOBRABIL que, sob o titulo "Entrevista minimalista", comporia um poema para o livro PORCARIAS AOS PEROLEIROS, que não chegou a sahir. ENTREVISTA MINIMALISTA -----

É difficil fazer humor? Não. O difficil é não fazer humor. É difficil ser poeta? Ou é muito facil ou é impossivel.

[0210] Allusivo aos versos abbaixo, de Antonio Botto, dentre os quaes GM reapproveita justamente os decasyllabos. [A sombra dá coragem a quem foge! Não sei si ainda vivo nem interessa!... De onde venho? Quem sou? Quantos são hoje? Sei appenas que nunca sei mentir E que sinto a excaldar nas minhas veias O desejo sangrento de aggredir! Mas isso era um trabalho complicado E eu fujo à revisão de ser chamado Para explicar a origem do meu fim!]


[O casamento convem. E aqui fica o meu parescer Porque desejas ouvil-o: Si algum dia desejares, Bem de perto, conhescel-a, -- Casa... E na penumbra do amor Deverás reprehendel-a De qualquer falta, instruil-a Sem uma palavra feia, Sem um grito violento... Appenas si teimar e não souber Comprehender e fixar Teu simples ensignamento, Pega num junco flexivel E zurze todo o seu corpo, Mas de modo que não saibam Que a zurziste sem temor... Depois, lança-a no caminho E passa como quem és: -- Ella, escravo. E tu, senhor.]


COMMENTARIO DE RICARDO ALEIXO A resenha abbaixo sahiu no jornal O TEMPO, de Bello Horizonte, em 13/10/1999, e vae transcripta na orthographia original. Glauco Mattoso é um caso único na literatura brasileira. A extrema novidade da presença dele é rara mesmo quando confrontada com a produção literária de outras épocas. Seus principais traços distintivos: vontade de superação da oposição dicotômica vida/texto; problematização do controle social do corpo masculino e ao mesmo tempo da "identidade gay"; erudição não-acadêmica; preparo técnico-formal; visão histórica da poesia; sensibilidade para o visual (a primeira fase de sua produção é marcada por uma série de incríveis artefatos tipográficos, construídos só com a letra "o" de uma máquina de escrever elétrica) [NOTA: A máquina era manual]; ouvido apto a captar da zoeira das megalópoles as mínimas filigranas lingüísticas. É ao "ouvido musical" de Glauco que devemos seu retorno à poesia, depois de dez anos só escrevendo prosa e, principalmente, depois de ter ficado cego em decorrência do glaucoma que lhe valeu o nome literário. Fazer sonetos -- índice, há muito, de conservadorismo estético -- tem tudo a ver com esse iconoclasta que sempre se apropriou com habilidade de outros gêneros poéticos transformados em fórmulas ou fôrmas poéticas, como o haicai, o poema concreto etc. A trama, agora, é envenenar o soneto, despejar sobre sua monotonia rítmica


e suposta nobreza a matéria viva, suja e fétida do cotidiano. Mais novo sócio de um clube que tem Homero como sóciofundador e membros ilustríssimos como John Milton, Swift, Joyce e Borges (de quem se tornou tradutor), Glauco Mattoso vocaliza sonetos também por causa dos aspectos mnemônicos, portanto conservadores do gênero. Cego e de novo poeta, pode-se dizer que ele incorporou a cegueira enquanto elemento composicional, ao invés de render-se a uma fatalidade. Nem bem chegou às livrarias o livro CENTOPÉIA: SONETOS NOJENTOS & QUEJANDOS (já comentado nesta coluna), primeira reunião de textos da nova fase do poeta paulistano, sai, também pela Edições Ciência do Acidente, uma nova fornada de poemas: PAULISSÉIA ILHADA: SONETOS TÓPICOS. O título reclama, inequivocamente, a vinculação mítica a que fiz menção linhas acima: em PAULICÉIA, o uso de dois "esses" em lugar de "c", na palavra criada por Mário de Andrade para falar de São Paulo, remete a Odisseu/Ulisses, em sua faina pelo mundo (narrada na ODISSÉIA, ou, em português, ULISSÉIA), enquanto "ILHADA" é nada menos que a grafia trocadilhesca de ILÍADA. Claro que a crítica especializada (em "comer moscas", ou pior, em caçar "moscas por papagaios", como diria Oswald) perderá essa e outras dicas que o poeta habilmente espalha ao longo do livro. A voz, em


PAULISSÉIA ILHADA, é (assume ser) a de um cego e, segundo Paul Zumthor, o grande estudioso das poéticas da oralidade, a cegueira de muitos cantores, em inúmeros contextos e épocas, "num regime arcaico do imaginário coletivo, pode revestir-se de um forte valor ritual e social". Zumthor lembra, ainda, que "os gregos das primeiras gerações da escrita, nos séculos 5, 4, 3, interpretavam o nome 'Homero' como significando o 'Cego'". Homero é a "persona" de que se vale Glauco Mattoso para compor sua PAULISSÉIA ILHADA. Bem entendido: à semelhança de Millôr Fernandes, a quem dedicou um soneto, Mattoso também "Não quis reescrever uma Odisséia". Não é essa a questão. Tanto que outros assuntos (a coprofagia, a morte de Lennon, a evocação de um caso de amor em Santa Teresa, Rio) foram igualmente submetidos a golpes de soneto & sarcasmo & auto-ironia. Ocorre que o melhor do novo livro está mesmo, acho, nos poemas que enaltecem as batalhas nas quais se lançam novos e velhos componentes da mitologia urbanopaulistana deste fim de século careta e asséptico: "rappers", "rockeiros", "punks", "skinheads" ("Racista ou não, seu caso é causar choque") e outros que tais. Homero certamente gostaria de ouvi-los.


COMMENTARIO DE MARIA LUCIA DE BARROS CAMARGO O estudo abbaixo sahiu no primeiro numero da revista BABEL [REVISTA DE POESIA, TRADUCÇÃO E CRITICA], de Sanctos, em 2000, e vae transcripto na orthographia original. A poesia brasileira vem dando mostras de muita vitalidade. Longe de se cumprirem previsões apocalípticas, assistimos a uma efervescência poética que se pode acompanhar através de muitos sinais: grande número de novas revistas literárias dedicadas à poesia, publicações recentes de antologias poéticas com boa repercussão na crítica, publicações de novos livros de poemas, tanto de poetas já nossos velhos conhecidos como dos recém-chegados à cena literária, além de vários eventos, que vão dos variados e muitas vezes festivos lançamentos e saraus poéticos às discussões acadêmicas sobre a poesia contemporânea. Nesta vasta e estimulante produção, não encontramos uma nova "moda" poética, ou um "movimento" estético de tipo vanguardista, mas um rearranjo do campo literário que permite a convivência aparentemente pacífica, e até mesmo num mesmo autor, de tendências diversas que foram, em tempos não muito distantes, antagônicas. Neste espaço feito de distensões, pluralista nas muitas vozes e dicções que abriga, pode-se reconhecer o que vem sendo chamado pela crítica de "recuperação do rigor", ou de "reestetização" do espaço poético, contrapostos à


desintelectualização, ao espontaneísmo e ao centramento no ego que marcaram boa parte da poesia nos anos 70. Contraposição, diga-se, que se dá sem enfrentamentos, sem colocação de barricadas que demarquem os lados de uma luta que parece não mais existir. É nesse contexto que encontramos PAULISSÉIA ILHADA, o livro de sonetos -- sim, livro de sonetos, o velho soneto -- de Glauco Mattoso, nascido Pedro José Ferreira da Silva, aliás Pedro, o Podre, seu outro pseudônimo menos conhecido. PAULISSÉIA ILHADA é o segundo livro de uma trilogia, inaugurada com CENTOPÉIA: SONETOS NOJENTOS & QUEJANDOS, que interrompe um longo silêncio poético de quase vinte [sic] anos. Glauco teve atuação marcante na cena poética brasileira dos anos 70, especialmente através de seu JORNAL DOBRABIL, folheto satírico em que, pela via da paródia, usando a citação apócrifa, o plágio, muito humor, irreverência e transgressões de vários tipos, mesclava a experimentação construtiva com a marginalidade editorial típica da década, através da criatividade gráfica, do trabalho artesanal na máquina de escrever e da distribuição postal desse produto. É o próprio poeta quem nos conta, em entrevista ainda inédita concedida nos idos de 1985: "Fiz uma coisa bem informada, quer dizer, intencionalmente satírica. Tomei por base a REVISTA DE ANTROPOFAGIA, o movimento Dadá, a imprensa alternativa que existia na época, que era muito combativa, os jornais tablóide e a própria poesia dos poetas


marginais, desinformada. Juntei tudo aquilo, fiz uma grande paródia, por isso eu punha poemas meus, poemas de outros, comentários sobre poemas, frases assim genéricas, satíricas e tal e dei a fisionomia de um jornal. Como eu queria também satirizar a grande imprensa, e o JORNAL DO BRASIL era o mais importante veículo do Rio, dei o nome JORNAL DOBRABIL -- um título que satirizava o do jornal e, ao mesmo tempo, era 'dobrável', porque eu pegava a folha, dobrava, fazia uma carta, e aí entra o princípio da arte postal que era minha forma de veicular. Eu tirava até 100 cópias, colocava em cartas e mandava pelo correio." Durante cerca de quatro anos, naquela segunda metade dos anos 70, período de efervescência poética similar ao que vivemos hoje, Glauco enviou seu JORNAL ao "pessoal que fabrica cultura, que forma os conceitos de cultura neste país", chegando a tiragens bem maiores que os até 100 exemplares iniciais. No momento em que a repercussão de seu trabalho exigia uma profissionalização, já que o esquema, digamos, "caseiro" não dava mais conta da demanda, Glauco reúne as folhas soltas num álbum e faz uma edição luxuosa do JORNAL DOBRABIL, que contou com a assessoria de poetas concretistas e lançamento festivo no Pirandello, à época um "point" cultural paulistano. Como outros desdobramentos do JORNAL DOBRABIL, edita ainda alguns livros com seus poemas e lança uma revista (que teve apenas dois números editados), a DEDO MINGO, em mais uma alusão satírica e paródica ao JORNAL DO BRASIL e sua REVISTA DE DOMINGO. A profissionalização, no entanto, implicava custos e, sem apoio editorial, todas essas atividades encerraram-se, por volta de 1981. [sic]


Se o início da década de 80 assistiu à entrada dos então chamados "poetas marginais" no circuito editorial, especialmente através da Editora Brasiliense na coleção Cantadas Literárias, este novo espaço não abrigou, todavia, poetas como Roberto Piva e Glauco Mattoso. A falta de apoio nas grandes editoras para a veiculação de sua poesia era atribuída, pelo autor, à forte temática sexual e à irreverência que constituíam, como constituem ainda, sua principal marca: "uma temática muito forte em termos de sexo, quer dizer, uma coisa muito voltada pros padrões de pudor, de nojo, de sexualidade, de moralismo e tal. E entra a censura de marketing deles. Tanto a Ana Cristina, como Chico Alvim, como Chacal, como Cacaso, como o próprio Paulo Leminski, que é a grande vedete atual da Brasiliense, são autores que se amoldam facilmente aos esquemas deles [dos Editores] (...). O trabalho deles [dos poetas] já é levemente irreverente, mas não tem aquela irreverência contundente de você mexer realmente com a classe média, com os padrões morais da família que é quem, afinal, constitui a massa dos compradores de livro." A liberalização dos costumes e a abertura política então em curso não abriram as portas das grandes editoras para a poesia de Glauco Mattoso. O poeta, que optou por não fazer concessões editoriais no campo da poesia, fica todo esse tempo fora de circulação, mantendo-se fiel, contudo, às tradições e princípios que a constituíam e que não se confundiam, por exemplo, com a pouco consistente "poesia pornô" que se fazia, então, no Rio de Janeiro:


"A minha irreverência passava pelo sexo, mas não ficava só no sexo; ela ficava, também, nos padrões de higiene, na escatologia. O meu grande tema sempre foi a merda, mas foi uma merda muito consciente, quer dizer, uma merda dentro de todo um contexto de você mexer, inclusive, com valores literários. Metaforicamente, eu estava falando que muita coisa que se faz por aí é uma merda. (...) É tudo uma grande sátira. Muita gente interpretou de mil outras maneiras: uns achavam que eu era um poeta marginal igual aos outros, outros achavam que eu era um crítico literário que estava brincando (...). Agora, se alguma coisa eu me considerei durante todo esse tempo, além de poeta, é humorista. (...) A poesia e o humorismo não são incompatíveis, ao contrário, se encontram com muita freqüência. (...) No meu caso, além de satírica, a poesia era fescenina, um gênero satírico voltado especialmente para aquilo que é, vamos dizer, transgressor do ponto de vista da moral, que é o sexo e tal, aquela brincadeira. E existe toda uma tradição de poesia fescenina que vem desde Marcial, passando pelos poetas medievais, pelo pessoal todo até chegar, na nossa língua, em Gregório de Matos, Bocage, Laurindo Rabelo, aos nordestinos que fazem aquelas décimas, aquelas glosas. Tem o mote e tem a glosa, que geralmente são sobre os temas sexuais, é muita sacanagem, tudo com métrica e rima, uma coisa que vem, com estrutura rígida, muito bem feita." Certamente poderíamos pensar que o poeta fala de seus últimos livros, ou, especialmente, de PAULISSÉIA ILHADA. E o que teria mudado nesses anos que nos separam daquelas primeiras participações do poeta Glauco Mattoso na cena cultural brasileira? Sem dúvida, nem o país nem


o poeta são exatamente os mesmos. Se a democracia e a liberdade finalmente se instauraram, ao que tudo indica, por um tempo mais duradouro, as crises econômicas, sociais e ético-políticas se aprofundaram no processo paradoxal de globalização e apartheid econômicos. A editora Brasiliense já não é mais a mesma, e o poeta vê o glaucoma que lhe inspirou o pseudônimo roubar-lhe definitivamente a visão, ao mesmo tempo que parece terlhe dado outra vez o prazer e a amargura de poetar, ou de sonetar, com a mesma dose de irreverência, humor, amargura, transgressão e paródia contundentes que lhe são peculiares. Pode-se dizer que a poesia que lemos nessa PAULISSÉIA ILHADA mantém o teor moralmente transgressivo das produções anteriores, agora sob vestimenta clássica. Nele encontramos o humor, o tom satírico, a filiação inequívoca à tradição fescenina, o tributo a Gregório de Matos e, pelo soneto, a Camões, com as referências eruditas mescladas à irreverência generalizada do erotismo fetichista, podólogo assumido, com o elogio ao fedor talvez aguçado pela cegueira, nova condição do eu que se enuncia nesses sonetos. São 114 sonetos em precioso decassílabo, com medidas e acentuação pra nenhum poeta clássico botar defeito. Mas, por que o soneto, hoje? O sentido mais evidente talvez seja o exercício de uma resistência explícita ao modelo já canônico da estética modernista centrada no verso livre, na forma desamarrada da intenção. Podemos pensar também na sátira à reestetização em vigor, ou a um certo retorno ao sublime, como já apontado pela crítica.


Afinal, Glauco opera a forma clássica perfeita do "estilo elevado" para tratar do "baixo", atuando ao mesmo tempo com a tradição e contra ela. Com a tradição clássica, contra a moderna tradição contemporânea. Nesta "paulisséia", assim, com os dois ss em destaque -- reminiscência de odisséia na paulicéia que já não é a desvairada de Mario, nem a dos irmãos Campos, estes campos cheios de concreto por onde o poeta confessa ter andado --, nesta "paulisséia" o poeta, ilhado em sua cegueira, ativa a visão da memória e adentra pela paisagem urbana em seus encontros e desencontros, suas formas políticas, seus ícones, contemporâneos ou longínquos, num passeio que é também reflexão corroída pelo deboche. Fazem parte desta odisséia as homenagens ao Millôr Fernandes, ao hippie, ao punk, ao rapper, ao skinhead, ao straight edge, ao Severino do Ramo, ao rockeiro, ao metaleiro, ao rude boy, lembranças de Londres, de Nova York, e da São Paulo do metrô, do parque do Ibirapuera, do Viaduto do Chá, do Edifício Martinelli, assim como as muitas estações da tradição poética. Afinal, "o mundo é um aranhol, ninguém se iluda", adverte-nos o "Soneto Aracnídeo". E neste aranhol, nesta urbe decadente, o ato de poetar é matéria privilegiada desse conjunto de sonetos, em que a chave de ouro quase sempre se torna a chave do asco. Produto paradoxal, comparado ao sadomasoquismo, em tom de antítese quinhentista, nesses sonetos reina a ambigüidade e a língua é sempre e ao mesmo tempo veículo da criação poética e veículo do prazer transgressivo,


ao mesmo tempo instrumento de crítica e de humilhação; a "língua suja" o é tanto pelo vocabulário chulo que a compõe, como pelos lugares por onde roça: "Há quem receia a língua do Mattoso.//Mas a língua do Glauco, tão falada,/se torna inofensiva e obediente,/servindo de flanela na engraxada..." (Soneto Peçonhento). Assim como o sexo e o ato de poetar, a cegueira é outra presença forte nestes sonetos; de fato, uma onipresença. Poucos são os sonetos que nenhuma referência fazem às bizarras preferências sexuais pelos pés -- fedidos, diga-se --, e à cegueira. Elemento autobiográfico? Sim e não: "Tem gente que alimenta a própria lenda,/plantando situações que não viveu,/e sei de um escritor que não se emenda.//O cara não é nobre nem plebeu./É cego e se diz conde sem comenda./Tarado e puritano, esse sou eu." (Soneto Mitológico). Se as referências autobiográficas são evidentes, também é evidente a consciência do ato de poetar como ato de construir com a linguagem, de produzir um artifício, neste artefato extremamente propício que é o próprio soneto. A transformação da cegueira em "topus", em fonte poética, faz dela um elemento importante na construção de um eu poético cuja auto-imagem é dura, amarga, cínica, irônica, altiva e debochada, sempre muito contraditória: "Ser cego e sonetar contrários são,/pois a poesia é oráculo e profeta;/cegueira, por seu turno, é maldição.//Contudo a incoerência mais completa/é o cego se humilhar ao olho são,/lambendo o pé de quem não é poeta..." (Soneto Paradoxal). A vivência da sexualidade transgressiva


e da cegueira parecem transformar-se em experiência eliciadora da poesia, em matéria poética. A busca do prazer como maldição, que se equivale muitas vezes à cegueira, a sabedoria decorrente de um outro tipo de visão, a amargura e o asco que corrompem o erótico, produzindo, em vez de excitação, distanciamento, o humor que vai do lúdico ao corrosivo, tudo isso faz com que esse novo livro de Glauco Mattoso peça um leitor que não busca a espetacularização da sexualidade transgressiva transformada em mercadoria. É preciso mais que o mero efeito, porque "Quem faz muito soneto está sujeito/a ter alguns menores, comparados/aos sórdidos, que têm maior efeito.//Os meus dependem muito dos pecados/aos quais cada leitor é mais afeito./Tarados também têm tons variados." (Soneto ao Menor). A relação forte e explícita com determinadas tradições poéticas, como a fescenina e, neste livro, com a dos sonetistas, é constitutiva da poesia de Glauco Mattoso, que há tempos deu o devido adeus às angústias da influência: "Idéia não tem dono, só inquilino./Se existe estelionato no intelecto,/na lei do inquilinato me vacino.//Já residi num prédio de concreto./Morei também num mote fescenino,/mas hoje não motejo, só soneto." (Soneto Caseiro). Nestas releituras da tradição, em que devemos incluir a tradição popular dos provérbios e ditos, Glauco passa pelos estereótipos, desmistifica, atualiza pela dissonância com as "últimas modas": usa formas clássicas, mas corrompe a idéia de beleza -- mesmo


a escolha do objeto erótico vem acompanhada de abjeção e repulsa; resiste ao politicamente correto, como no "Soneto Desvirtuado" (desviado ou sem virtudes? ou ambos?), busca produzir o incômodo em todas as formas e especialmente pela forma: o abandono à visualidade enquanto opção formal é muito mais do que conseqüência do advento da cegueira -- é radicalização da crítica a seu próprio tempo. Afinal, para Glauco, "Enquanto os mentirosos falam sério,/poetas sábios fazem humorismo..." (Soneto Dissidente). Quem puder, agüente!


SUMMARIO SONNETTO RECORRENTE [0109]..........................9 DISSONNETTO PAULOPOLITANO [0110]...................10 DISSONNETTO BIZARRO [0111].........................11 DISSONNETTO OBSTIPADO [0112].......................12 DISSONNETTO OPTIMISTA [0113].......................13 DISSONNETTO PESSIMISTA [0114]......................14 DISSONNETTO PEÇONHENTO [0115]......................15 DISSONNETTO DISSONANTE [0116]......................16 DISSONNETTO PARADOXAL [0117].......................17 DISSONNETTO SIONISTA [0118]........................18 DISSONNETTO VEROSIMIL [0119].......................19 DISSONNETTO HUMANOIDE [0120].......................20 SONNETTO DRAMATURGICO [0121].......................21 SONNETTO MELODRAMATICO [0122]......................22 DISSONNETTO SURPREHENDENTE [0123]..................23 SONNETTO FABULOSO [0124]...........................24 SONNETTO INCRIVEL [0125]...........................25 SONNETTO PHANTASTICO [0126]........................26 SONNETTO EXTRAORDINARIO [0127].....................27 SONNETTO DIALECTICO [0128].........................28 SONNETTO INESCRUPULOSO [0129]......................29 SONNETTO DISCRECIONARIO [0130].....................30 SONNETTO EPIGONO [0131]............................31 SONNETTO MONSTRUOSO [0132].........................32 SONNETTO BOCAGICO-CAMONICO [0133]..................33 SONNETTO AMERICANO [0134]..........................34 SONNETTO ENTREGUISTA [0135]........................35 SONNETTO CRIMINOLOGICO [0136]......................36


DISSONNETTO SEPTECENTISTA [0137]...................37 DISSONNETTO ONANISTA [0138]........................38 DISSONNETTO OROEROTICO (ou OROTHEORICO) [0139].....39 DISSONNETTO REVOLTADO [0140].......................40 DISSONNETTO CONFORMISTA [0141].....................41 DISSONNETTO EPICO [0142]...........................42 DISSONNETTO HYGIENICO [0143].......................43 SONNETTO TUPYNIKIM [0144]..........................44 SONNETTO VEGETARIANO [0145]........................45 DISSONNETTO JACTANCIOSO [0146].....................46 SONNETTO HUMANISTA [0147]..........................47 SONNETTO CASEIRO [0148]............................48 DISSONNETTO CARINHOSO [0149].......................49 DISSONNETTO TROPICALISTA [0150]....................50 SONNETTO SEPTENTISTA [0151]........................51 SONNETTO QUINHENTISTA [0152].......................52 DISSONNETTO OITOCENTISTA [0153]....................53 SONNETTO DECADENTE [0154]..........................54 DISSONNETTO MACHISTA [0155]........................55 DISSONNETTO SUSPEITO [0156]........................56 SONNETTO ONOMASTICO [0157].........................57 SONNETTO AUTOCRITICO [0158]........................58 SONNETTO SAUDOSISTA [0159].........................59 SONNETTO MELANCHOLICO [0160].......................60 SONNETTO MALLOGRADO [0161].........................61 SONNETTO PASSAGEIRO [0162].........................62 SONNETTO CHAPMANIACO [0163]........................63 DISSONNETTO TRAVESSO [0164]........................64 SONNETTO ARACHNIDEO [0165].........................65 SONNETTO OPPORTUNISTA [0166].......................66


SONNETTO JORNALISTICO [0167].......................67 SONNETTO CARNAVALESCO [0168].......................68 SONNETTO SACA-MASOCA [0169]........................69 DISSONNETTO MYTHOLOGICO [0170].....................70 DISSONNETTO PHYSIOLOGICO [0171]....................71 SONNETTO ANTHOLOGICO [0172]........................72 DISSONNETTO ONTOLOGICO [0173]......................73 SONNETTO BESTIALOGICO [0174].......................74 DISSONNETTO DEMONOLOGICO [0175]....................75 DISSONNETTO THEOLOGICO [0176]......................76 SONNETTO PHARMACOLOGICO [0177].....................77 DISSONNETTO ASTROLOGICO [0178].....................78 DISSONNETTO PHILOLOGICO [0179].....................79 SONNETTO PATHOLOGICO [0180]........................80 DISSONNETTO CALLEJADO [0181].......................81 SONNETTO TRIPATETICO [0182]........................82 DISSONNETTO RETAGUARDISTA [0183]...................83 SONNETTO DISSIDENTE (I) [0184].....................84 SONNETTO POSTIÇO [0185]............................85 DISSONNETTO CLASSISTA [0186].......................86 DISSONNETTO CLASSICISTA [0187].....................87 SONNETTO GLAUQUIANO [0188].........................88 SONNETTO OBVIO [0189]..............................89 DISSONNETTO REDUNDANTE [0190]......................90 DISSONNETTO DESVIRTUADO [0191].....................91 DISSONNETTO FLATULENTO [0192]......................92 SONNETTO DISSIDENTE (II) [0193]....................93 SONNETTO CHULINARIO [0194].........................94 DISSONNETTO QUEBRA-GALHO [0195]....................95 DISSONNETTO LUCIDO [0196]..........................96


DISSONNETTO LUDICO [0197]..........................97 SONNETTO APOLLINEO [0198]..........................98 SONNETTO DIONYSIACO [0199].........................99 DISSONNETTO AO PÉ DA LETTRA [0200]................100 SONNETTO AO MILLÔR [0201].........................101 DISSONNETTO AO HIPPIE [0202]......................102 DISSONNETTO AO PUNK [0203]........................103 DISSONNETTO AO RAPPER [0204]......................104 DISSONNETTO AO SKINHEAD [0205]....................105 SONNETTO AO STRAIGHT EDGE [0206]..................106 SONNETTO AO SEVERINO [0207].......................107 SONNETTO ROCKEIRO (REMIXADO) [0208]...............108 SONNETTO PHARAONICO [0209]........................109 SONNETTO DESBOTTADO [0210]........................110 SONNETTO MARXISTA [0211]..........................111 SONNETTO SEISCENTISTA [0212]......................112 SONNETTO JOYCEANO [0213]..........................113 SONNETTO AO MAIOR [0214]..........................114 SONNETTO AO MENOR [0215]..........................115 SONNETTO AO METALLEIRO [0216].....................116 DISSONNETTO AO RUDE BOY [0217]....................117 SONNETTO AO MARTINELLI [0218].....................118 DISSONNETTO AO PARQUE [0219]......................119 DISSONNETTO AO VIADUCTO [0220]....................120 DISSONNETTO AO METRÔ [0221].......................121 DISSONNETTO AO FIM E AO CABO [0222]...............122 [NOTAS]...........................................123 COMMENTARIO DE RICARDO ALEIXO.....................126 COMMENTARIO DE MARIA LUCIA DE BARROS CAMARGO......129


Titulos publicados: A PLANTA DA DONZELLA ODE AO AEDO E OUTRAS BALLADAS INFINITILHOS EXCOLHIDOS MOLYSMOPHOBIA: POESIA NA PANDEMIA RHAPSODIAS HUMANAS INDISSONNETTIZAVEIS LIVRO DE RECLAMAÇÕES VICIO DE OFFICIO E OUTROS DISSONNETTOS MEMORIAS SENTIMENTAES, SENSUAES, SENSORIAES E SENSACIONAES GRAPHIA ENGARRAFADA HISTORIA DA CEGUEIRA INSPIRITISMO MUSAS ABUSADAS SADOMASOCHISMO: MODO DE USAR E ABUSAR DESCOMPROMETTIMENTO EM DISSONNETTO DESINFANTILISMO EM DISSONNETTO SEMANTICA QUANTICA INCONFESSIONARIO DISSONNETTOS DESABRIDOS SONNETTARIO SANITARIO DISSONNETTOS DESBOCCADOS RHYMAS DE HORROR DISSONNETTOS DESCABELLADOS NATUREBAS, ECOCHATOS E OUTROS CAUSÕES A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO MANIFESTOS E PROTESTOS LYRA LATRINARIA DISSONNETTOS DYSFUNCCIONAES O CINEPHILO ECLECTICO A HISTORIA DO ROCK REESCRIPTA POR GM SCENA PUNK CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO CANCIONEIRO CIRANDEIRO SONNETTRIP THANATOPHOBIA DESILLUMINISMO EM DISSONNETTO INGOVERNABILIDADE PEROLA DESVIADA O POETA PORNOSIANO BREVE ENCYCLOPEDIA DA TORTURA CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS RAYMUNDO CURUPYRA, O CAYPORA


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