RHAPSODIAS HUMANAS

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RHAPSODIAS HUMANAS



GLAUCO MATTOSO

RHAPSODIAS HUMANAS

Casa de Ferreiro


Rhapsodias humanas © Glauco Mattoso, 2022 Revisão Lucio Medeiros Projeto gráfico Lucio Medeiros Capa Concepção: Glauco Mattoso Execução: Lucio Medeiros ________________________________________________________________________ FICHA CATALOGRÁFICA ________________________________________________________________________ Mattoso, Glauco RHAPSODIAS HUMANAS São Paulo: Casa de Ferreiro, 2022 136 p., 21 x 21cm ISBN: 85-87515-02-0 1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.

B869.1


NOTA INTRODUCTORIA Desde que fiquei cego, os annos 9 teem sido marcantes na minha producção. Em 1999 comecei a sonnettizar a carreira poetica, num phrenesi que só parou em 2012 porque, antes de completar o sexto milhar, decidi interromper o vicio. Em 2009 comecei a reorthographar toda a obra para voltar à escripta classica que practiquei nos annos septenta, e agora meu diccionario orthographico é trabalho consolidado. Em 2019 comecei a versejar em diversos formatos estrophicos e rhymaticos, sem abrir mão do decasyllabo e da redondilha maior, e dei inicio a nova sequencia catalographica (posteriormente incorporada à OPERA INSOMNIA), quando, em meio a madrigaes, odes, oitavas e terças rhymas, incorporei a rhapsodia entre os experimentalismos. Uma selecção de sessenta poemas nessa proposta esthetica deu contehudo ao presente volume. Considerando que a rhapsodia não tem molde fixo como o sonnetto ou o haikai (estes tambem passiveis de innovação), empreguei os mais variados eschemas de composição, excepto o versilibrismo à maneira de Pessoa ou de Drummond, os quaes, entretanto, nunca deixam de ser referencia. Outras referencias são facilmente perceptiveis no repertorio aqui comprehendido, lembrando que o laboratorio transauctoral ja foi practicado no livro CRITICA SYLLYRICA em relação ao sonnettismo alheio. Quanto à thematica, segue o padrão mattosiano, ja de pleno conhescimento dos appreciadores da poesia satyrica, parodica e fescennina.



RHAPSODIAS HUMANAS 9 SEGUNDA RHAPSODIA ALENCARIANA {Notaste bem, Mattoso, no romance A PLANTA DA DONZELLA, que Alencar, n'A PATTA DA GAZELLA, valoriza o pé pequeno numa moça bella, alem de ser tambem um attributo do moço que na classe media tenha origem. O curioso, neste caso, refere-se ao que pincta Alencar como exemplo de pé feio ou descuidado: Diz elle ser "inglez" esse disforme pezão! Mas os inglezes eram tão classudos! Hem, Mattoso? Que tu pensas?} -- Gilberto Freyre explica bem o lance do pé mais "brazileiro", no logar do negro, do mulato ou de quem visa subir na sociedade. Desmazella quem usa sapatões, pois um pé bruto não cabe em sapatinhos. Desempenha papel de luxo, opposto ao do descaso, o minimo tamanho. Mas não tomo a serio tal noção. Do meu aggrado, só mesmo o tamanhudo, pois, conforme britannicos padrões, maior tesão causou o pé dum rei, sem desadvenças...


RHAPSODIA AMARALIANA (1) {Você ja reparou, Glauco? Foi só algum poeta achar que bom assumpto é ter amor aos rios, e ficamos aqui nós lendo um monte de elogio às aguas fluviaes, como si fosse possivel que ellas limpas, no futuro, conservem-se! Imagine, Glauco! Um monte de merda, nas cidades, em exgotto transforma aquellas aguas! Na rural porção do mappa, as aguas pela lama serão é polluidas! Veja Minas! Cadê que pescadores pescar possam? Cadê que de beber haja padrão? Cadê que plantações se fertilizem? Não, Glauco! Um Amaral da vida não consegue thema achar no rio num presente insustentavel como o nosso!} -- Nem falle! Realmente é de dar dó. Às vezes, pensativo, me pergunto que typo de potavel agua vamos beber si, em breve, quasi nenhum rio se salva. Que será duma agua doce num sordido planeta de inseguro futuro? Quem passar por uma ponte nem olha para baixo. Nem garoto de rua nada alli. Não, Amaral siquer imaginou a triste fama reinante em Mariana. Mas latrinas não são só nossos rios. Ja se esboçam scenarios taes nos mares. Cagalhão ja boia pelas praias. Que não pisem na merda as creancinhas! Ellas são futuras poetizas, e commum será cantar aquillo que não posso.


RHAPSODIAS HUMANAS 11 RHAPSODIA ANDRADEANA DO MARIO (2) {Né, Glauco? Foi-se o tempo em que ninguem dizia abertamente que elle gay seria. Agora sabe-se, sem crise. Mas acho que bem menos gente sabe que Mario sonnettou. E justamente foi sobre um pelladão adolescente seu celebre sonnetto. O rapazola, talvez occasional numa noitada, ficou, claro, em total anonymato. Bastou, porem, fallar daquella perna "assim jogada" para me excitar. Que pensa disso tudo, Glauco? Diga!} -- Guardei, aqui commigo, um poncto bem supposto, sem ter sido o que pensei, mas sendo: si é na perna que se vise olhar, tambem no pé creio que accabe cahindo o mesmo olhar. Na minha mente aquelle meninão tem, certamente, um typico pezão, de chata sola, artelhos expalhados, grande em cada a unha, até cortante no formato. Tomara que do Mario a bocca terna alli tenha beijado, o calcanhar, o dorso, o tornozello... Oh, si me instiga!


12 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA ANDRADEANA DO DJALMA (3) {Achei bonito, Glauco, o charidoso sonnetto desse gajo. Uma perfeita maneira de rezar. Mas convenhamos: Quem deixa, assim, em casa alguem entrar, alem do mais si pobre, morador de rua, para a boia repartir com esse exemplo classico do mero mendigo? Deixaria alguem, Glaucão?} -- Si fosse pelo pé, como gostoso seria lamber delle essa suspeita camada de sujeira! Sim, estamos perante esse cascudo calcanhar, a sola chulepenta, de fedor egual ao da sargeta! Permittir que entrasse equivalia ao meu sincero desejo de lamber esse pezão!


RHAPSODIAS HUMANAS 13 RHAPSODIA APOLLINAIREANA (4) De Sade eis que a parodia mais famosa "Os cento e vinte dias" satyriza com comico viés. De Apollinaire Mony foi personagem bem devasso. Podolatra, provou haver gostosa faceta no fetiche, que elle bisa na lingua a cada passo, da mulher o pé saboreando, suadaço. "Petit salé" faz elle quando posa de bom degustador e faz pesquisa de eroticos sabores. De colher, lhe sabe a salgadinho um leve traço. Tambem de "salty dogs" os pés em prosa pornô ja vi chamados, quando a lisa e chata sola alguem "salgada" quer curtir, sem commetter um erro crasso. "Salgado" é o termo, mesmo, que mais dosa, no nosso paladar, essa precisa delicia do chulé. Faz quem fizer o teste esse conceito que eu ja faço. Porem, não só salgado é o pé. Viscosa camada lhe uncta a pelle, que erotiza ainda mais o gosto. Quem quizer chamar de "gorgonzola" accerta o passo. O pé duma mulher mais para a rosa está que para queijo. Ja quem visa chulé de marmanjão, que é meu mester, prefere descalçal-o no mormaço.


14 GLAUCO MATTOSO PRIMEIRA RHAPSODIA AUGUSTIANA (5) {Você bem commentou, Glauco, o poema do Augusto, que desfaz do sybarita. Ficou aquella scena sepulchral da dupla de caveiras, cara a cara, por elle suggerida, mas no fundo o bardo menospreza a puta, a bicha, se faz de moralista. Não combina, comtudo, o moralismo com alguem por todos tido como um transgressor! Não acha, Glauco? O Augusto não se trae fallando da amizade e dos amores?} -- Não vejo só no Augusto tal problema. Por traz do scepticismo, uma proscripta noção de tudo quanto bacchanal suggira: nisso o bardo se compara ao bom Nelson Rodrigues, que de immundo chamou o penis quando porra exguicha e quando introduzido na vagina. Si coitos tão "normaes" elles ja teem chamado de immoraes, o que suppor dum acto no qual toda bicha cae de bocca? Ainda assim, são bons auctores...


RHAPSODIAS HUMANAS 15 SEGUNDA RHAPSODIA AUGUSTIANA (6) {Lembrei-me de você, Glauco: fallava dos methodos usados para alguem cegar alguem. Usando o dedo, só, tambem se exvaziava do buraco um olho! Não é mesmo? Mas não sei por qual motivo nisso penso quando Augusto leio, para ser exacto, naquelle seu sonnetto, o "Soliloquio". Talvez por que devore elle seus dictos "crus" olhos, eu suppuz que se cegara usando o dedo... Posso viajar um pouco, né, Glaucão? Falle-me disso!} -- Comel-os crus, na certa, a coisa aggrava, si Indiana Jones sopa disso nem tomar quiz. Sim, veridico é, sem dó, o methodo citado, mas destacco ter sido mais usado pela lei antiga, em européas terras. Mando que leiam obras technicas e tracto do caso em verso, havendo quem colloque-o em prosa. Acho opportuno que os maldictos versejem sobre cegos, e tomara que vejam mais leitores meu logar de falla, de escriptor e de serviço.


16 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA AZEVEDIANA DE ALUIZIO (7) Amancio soffre, em CASA DE PENSÃO, um rude e gruppal bullying, quando em classe brigou, e o professor deu permissão. Collegas o aggarraram e na face cuspiram-lhe. Xingada foi a sua mãezinha, sem que a offensa revidasse. A mãe, de facto, o mima. Se attribua a isso uma implicancia contra si. Mais vezes topa a turma que o accua. Um dia, Amancio cresce e sae dalli de casa, rhumo à Corte, desde o Norte. Addeus deu à ralé que delle ri. É quando desenvolve um chulé forte, sentido na republica em que mal se hospeda, sem mãezinha que o comforte. Suadas, suas meias dão signal do cheiro ja de longe. Qual collega iria supportar odor egual? Appenas um, na ausencia delle, exfrega a meia no nariz e se masturba. Até que Amancio, em flagra, emfim o pega. Agora quem bullyinga, em vez da turba, é elle. O fetichista ja se obriga, submisso, a lhe lamber o que o perturba.


RHAPSODIAS HUMANAS 17 Botinas descalçadas, quem consiga metter na sola a lingua será raro, mas cede o masochista aos pés sem briga. Amancio então percebe que alguns faro teem para seu chulé, formando excolta fiel e afficcionada, e cobra caro. Conclusa a faculdade, Amancio volta à casa da mamãe e se recorda daquelle que o lambeu. Suspiros solta. Não tarda, reencontra quem dá chorda àquelle assumpto: adulto, falla agora com elle um dos que estavam na hostil horda. Então, Amancio vinga-se. Lhe implora o novo escravo pelo chulezão e paga, até, pois cobra elle por hora.


18 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA AZEVEDIANA DE ALVARES (8) Os jovens actuaes, eu os reputo perdidos pelo vicio. Um batte bronha. Um outro jamais passa sem maconha. Terceiro fuma, bebado, o charuto. Num quarto uma mulher tem jogo bruto. Um quincto dos infernos tudo sonha. Um sexto dos sentidos tem vergonha e sexo chama "affan de prostituto". O septimo peccar ousa de sobra. O oitavo drogas toma de injecção. Ao nono o rock é doutra geração. O decimo pornô quer fazer obra. Si delles Azevedo tanto cobra que deixem-n'o fumar, por que é que não permittem cafungar no chulezão, que todos teem, um cego que se dobra?


RHAPSODIAS HUMANAS 19 RHAPSODIA BANDEIRIANA (9) {Mattoso, tu notaste que, em Bandeira, sonnettos amorosos nunca são felizes? Elle falla francamente que liga pouco ou nada para amor carnal e, da mulher amada, faz bastante pouco caso. Sabes? Acho que nosso Manuel não se revela um bardo tão affeito ao sentimento, excepto o da amizade e, mesmo assim, com muita restricção. Ja reparaste, Mattoso, na carnal indifferença dos versos de Bandeira? Que será que falta ao nosso bardo tão querido?} -- Não sei si "indifferente" essa maneira do vate eu chamaria, mas tesão lhe falta, realmente. Sempre mente o vate que se diz conquistador, galante, garanhão. Mas si um rapaz confessa-se sozinho, diz que macho não chega a ser la muito e falla della com certo rancor, podes crer: por cento cem é mesmo sincero. Para mim, tambem, mais a amizade vale e traste não é quando permitte, sem offensa, que nós um pé cheiremos, seja la por gosto ou por favor a tal libido.


20 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA BARROSIANA (10) Ary Barroso, um sadico? Paresce provavel, tendo sido um arrogante, vaidoso cidadão que se jactava desse hymno brazileiro, o mais cafona. Mas, numa lettra, a crença nisso cresce, sabendo-se que nada nos garante que os sadicos convivam sem a trava normal de quem, mandão, se posiciona. Será que é mesmo assim? Mas e si desse um jeito de dois mestres que durante um tempo transam, serem, sem escrava alguma, só carrascos? Hem? Que zona! Podiam revezar! Antes que cesse o pacto, um faz papel de Sansão ante o joven philisteu, que mais lhe aggrava o drama da cegueira! A mim, funcciona! Um cego de verdade, esse meresce ser mesmo masochista! Semelhante comedia assumo, claro! Mando à fava os brios e me torno outra persona!


RHAPSODIAS HUMANAS 21 RHAPSODIA BASILIANA (11) {Ah, Glauco, quer saber? Esse poeta, o tal Basilio, toda a razão tem! Aquella mulher, cheia de frescura, fazendo fica cu doce pro seu amante, 'inda platonico... Por quanto tempinho mais, caralho? Ora, bem diz o Gama que belleza, juventude, é tudo passageiro! O tempo voa! Ou trepam duma vez, ou dentro em breve a cara dessa amada ficar vae todinha admarfanhada! Sem fallar na virgem bocetinha, si é que está donzella aquella puta! Bora la! A vida é muito curta, Glauco! Né?} -- Sem duvida! Tirar o cu da recta, ou antes, a boceta, fica sem effeito com o tempo. Picca dura tambem, passado o prazo, ja perdeu a sua rigidez. Meu pau levanto por gente de qualquer edade e bis vou dando, mas confesso que não pude deixar de criticar aquella boa mulher, a tal Marphisia. Bem escreve Basilio que tem rolla que não cae "emquanto dura", alem de murcho um ar pairar na cara della, para ja. Em summa, não demora, ja gagá será cada bebê, sem marcha à ré...


22 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA BAUDELAIREANA (12) O cego, na cidade, sem logar está, pois perambula, pois se exgueira, na rua a mendigar. Dessa maneira enxerga Baudelaire em seu sonnetto. Emquanto quem frequenta a noite (e bar não falta a frequentar) na brincadeira se exbalda, brinda, bebe, é costumeira a agrura do ceguinho no seu ghetto. Trocados mendigou e quer voltar p'ra casa, bengalando. Que canseira! Mas cruza com a turma que, festeira, baderna faz. Ficou seu breu mais preto. Cercado, na rodinha vae dansar bonito. Vae virar bolla, a chuteira chutal-o vae. Não falta quem lhe queira pisar na cara, ao fim deste quartetto. Jogado na sargeta, appós beijar diversos pés, lamber tennis que cheira a bosta de cachorro, na cegueira vê perda, como o bardo ao qual remetto. As luzes que illuminam o vulgar chartão postal, visão hospitaleira no centro degradado, da lixeira tombada design mostram, obsoleto.


RHAPSODIAS HUMANAS 23 RHAPSODIA BELMIRIANA (13) {Você ja reparou, Glauco? Um poeta não perde qualquer chance de cantar os rios! O Belmiro Braga quiz tambem approveitar do sonho o typo de imagem, comparando o coração instavel ao instavel movimento das aguas. Nada falla, todavia, de exgotto ou polluição. Que lhe paresce, Glaucão? Forçou a barra, ao comparar, ou fica a poesia a lucrar algo?} -- Que fica, fica. Ja que elle interpreta assim, vou completar. Vou, em logar das quedas e das curvas, o nariz tapar e só dizer que participo do caso. Sim, me sinto o cagalhão que fica fluctuando. Quando tento na margem descansar, a agua me envia a alguma cachoeira. Antes que cesse meu susto, novamente dou azar e nunca alguma margem, emfim, galgo.


24 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA BILAQUIANA (14) Diziam que era adepto desse coito anal que ja chamaram "sodomita", mas, sobre isso, não quero ser affoito. Lamento só que a chronica se ommitta. Não sei si elle molhava seu biscoito no alheio cu, si dava o seu. Não cita ninguem esse detalhe; de dezoito maiores, si os prefere, si os evita. Ommitte, em "Penetralia", até quaesquer dos nomes dos "amores": é sigillo aquillo que Bilac, então, mais quer. Não quero contestar, nem denegril-o. Emilio de Menezes de mulher não falla, mas diz "anus" ser aquillo que o bardo tem por intimo mester curtir, discretamente, a seu estylo. Más linguas affirmavam que o poeta gostava de chupar e ser chupado, mas posso duvidar de quem tal setta desfere, desdenhoso ou despeitado. Prefiro accreditar que elle da recta tirou o seu e nunca a nenhum lado cedeu. Sim, punheteiro! É o que interpreta a forte intuição dum cego ousado.


RHAPSODIAS HUMANAS 25 RHAPSODIA BOCAGEANA (15) A scena me retorna sempre à mente. Bocage, num sonnetto, diz que a puta o chama e que o chamado que elle escuta é musica ao caralho, que ardor sente. O estado sanitario do ambiente, comtudo, o dissuade e elle relucta. É quando o caralhão duro lhe chuta as calças e lhe impõe que siga em frente. Ao verso de Bocage, ser valente depende mais daquella força bruta que doutra consciencia, cauta, astuta. Pois coma o vate, emquanto o rango é quente! A mim o que me fica, mentalmente, é a nitida, allegorica conducta da puta que, ao encontro delle, fructa nenhuma vem comendo, bem contente. Aquillo em que a mundana mette o dente é um bello sandubão, que ella disputa commigo, de piccante queijo, lucta travando com meu penis impotente.


26 GLAUCO MATTOSO PRIMEIRA RHAPSODIA CAMONEANA (16) No verso da "Minh'alma que partira..." não era só cacophato o problema. Camões insuperavel foi na lyra, mas, clara, a voz nem sempre foi extrema. Ninguem vae "se partir", salvo quem gema de dor ao "se quebrar". Alguem que em mira tem ir-se, appenas "parte". Nesse thema da fuga, quem pronome põe, delira. Alguem que "vae", às vezes, sim, "se vae". Mas não "se parte" alguem que só "partiu", siquer si foi chamado pelo Pae ou ouve, de Satan, chamar um psiu. Eu mesmo "me fodi", quando alguem riu dum cego que experneia e de seu ai. Porem jamais "fodi", si num chibiu não metto. Vae que eu metto e elle não sae!


RHAPSODIAS HUMANAS 27 SEGUNDA RHAPSODIA CAMONEANA (17) Vinte annos cantador cego, eu servia a Juppiter, a Venus, a Cupido. Por Baccho ja fiz muita poesia ha duas longas decadas, fodido. Então noventa e nove, esta agonia da insomnia me desperta. Eis que decido fazer sonnetto e, como pretendia dormir, accalmo, em bronhas, a libido. Mas Baccho, uso fazendo da mania que eu pego, me estimula a dar sentido ironico ao tesão e me vicia na satyra a um algoz e a um opprimido. Estando sem visão, sem cão nem guia, no meio do passeio, ao divertido recreio dos moleques, só sacia a lyra si eu, de alguma forma, aggrido. Assim, as aggressões, praza à porfia poetica, no orgasmo ora revido dizendo que a desforra é como fria fatia que sobrou de pão dormido. Mais della, vingativo, eu comeria não fosse estar agora accommettido de forte indigestão, que me enfastia a poncto de cagar, quasi, ter ido. Emfim, si curta a vida paresce agora longa e que dessa sahir possa ver como, sem soffrer,

parescia, ja duvido sem, um dia, me suicido.


28 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA CASSIANA (18) {Relendo o Cassiano, Glauco, o caso occorre-me do tal terraplanismo. Imagem usou elle, em sua chave, bastante interessante de estudar: "naufragio azul do céu dentro do mar". Evoca a sua chave esse impossivel limite duma Terra assim tão plana, impondo um horizonte que despenca num vasto precipicio que, si for nas aguas oceanicas, será immensa cachoeira! Aonde vae tal queda dar? Talvez alli na Lua, logar onde está tanta cabecinha que pensa desse modo... Né, Glaucão?} -- Sim, bella allegoria. Mas attrazo mental é cagar nella quando scismo com thema tão sublime e tão suave. Não posso na cabeça ter o mar e nelle ver que possa mergulhar um barco, ou transatlantico, em desnivel muitissimo maior e mais sacana que aquelle dos infernos. Uma encrenca damnada cria aquelle professor francez que defendeu o bafafá dos taes terraplanistas. Nem Papae Noel na theoria admarra a sua eguinha, nem tampouco admarro a minha. Pensou nisso o poeta? Ah, pensou não!


RHAPSODIAS HUMANAS 29 RHAPSODIA CASTRIANA (19) No baile do navio, o açoite estalla. Sorrindo, o capitão é quem lhes falla à noite, em pleno mar: "Gozemos destes negros prisioneiros! Vibrae rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais dansar!" Castro Alves diz que é sonho tal visão do algoz chicoteando os que alli estão dansando pela noite. Mas elle reconhesce que a viagem é longa. Divertindo-se, assim agem os brancos, tendo o açoite. Alem de, num porão infecto, por semanas, viajar, ser do feitor joguete do chicote será fatal ao negro quando em terra chegar, ja que esse baile não se encerra naquelle naval trote. Tambem no pellourinho o escravo iria dansar, quando a platéa de alegria vibrasse, gargalhando, Pois cada chicotada provocava na bunda rebollados. Bunda escrava, que usada foi, a mando. Depois de a ter usado, o branco quiz censura ao carnaval, neste paiz, por ordem lhes impor. Agora os negros mandam neste baile. Só o cego, revoltado contra o braille, escravo é, sem ter cor.


30 GLAUCO MATTOSO O braille é como o tronco, o pellourinho, que nunca permittir o que escrevinho iria, si eu o usasse. A bunda não rebollo, mas pé batto emquanto nestas teclas desaccapto a mesma rica classe.


RHAPSODIAS HUMANAS 31 RHAPSODIA CLAUDIANA (20) {O Claudio, no triangulo, se faz de macho preterido, Glauco, observo naquelle sonnettinho que você ja tinha commentado certa vez. O tal do Gil proposta melhor fez que Claudio, o qual só pode offerescer amor, carinho, boas intenções. O facto, caro Glauco, me paresce bem claro. Foi passado para traz o nosso talentoso menestrel. Casar-se vae a moça com o Gil e Claudio ficará chupando o dedo. Não acha que isso os brios dum machão offende? Poderiam duellar, não é? Mas o poeta não tem peito!} -- Me ponho no logar desse incapaz, assim como dos outros que conservo bem vivos na lembrança. Claudio vê que Gil, mesmo não sendo tão cortez, a moça ganhará, por ser burguez, ter posses. Ja que Gil tem tal poder, irá Claudio deixar de ser Camões por certo tempo, como si estivesse subjeito às intenções do outro rapaz. Ahi, fodeu! Fará, agora, papel de escravo sexual. Irá, servil, chupar o pau do Gil. Talvez segredo mantenham para a moça, talvez não. Duello nem será preciso. O par se entende. Eu entendi, tambem, direito?


32 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA CRESPIANA (21) {Glaucão, esse Gonçalves Crespo não me enganna! Que comeu todas, duvido! Agora vem fallar de estavel vida, de esposa fiel, filhos... Ah, pois sim! Que delle considera verdadeiro, Glaucão? Você confia no poeta? Dum certo fingimento o não accusa?} -- Plausivel mais é sua condição recente do que toda a van libido. Commigo foi tambem assim: perdida a minha visão, fico do festim distante. Só relembro quanto cheiro senti, que ja não sinto nesta quieta etapa da vidinha ja reclusa...


RHAPSODIAS HUMANAS 33 RHAPSODIA CROSBYANA (22) O hippie quer transar, sem compromisso, com sua liberada namorada e pede que ella acceite ser tractada assim, como um calção carnal, submisso. Mas uma só não basta! Aqui um enguiço começa. Como às duas a salada contar ou explicar, dizer que nada impede que ambas tenham parte nisso? Encaram as meninas com suisso sorriso o que o rapaz propõe a cada? Farão ambas aquillo que lhe aggrada sem nada achar forçado nem postiço? Duvido! Mais a mais, nem desperdiço meu tempo analysando si uma amada garota amar tambem um camarada que amigo nem é muito do outro ommisso. Ciumes se resolvem qual cediço costume que se extingue em mão de fada? Casaes se multiplicam qual ninhada de gattos? Eu tal coisa não attiço. Mas Crosby foi experto: "Si eu cobiço as minas dos meus manos, pela estrada a gente vae transando... Que eu me evada que impede, si não mostram mais serviço?"


34 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA CRUZIANA (23) {Achei curioso, Glauco, como o Cruz e Souza canta a bocca. Alem daquella funcção grandiloquente do chavão, seu lyrico sonnetto salienta dois ponctos importantes: um, que pode a bocca dum archanjo outra temptar, tambem de archanjo, ou seja, anjo com anjo; dois, dicta perfumada, a bocca foi, alem disso, de "toxica" chamada, ou seja, carnalmente conspurcada, talvez, pelo contacto dalgo sujo. Lhe soa tal analyse correcta, Glaucão, ou vejo coisas por meu lado?} -- Tambem eu dessa forma ja suppuz. Sim, penso numa bocca, alem de bella, angelica. Voltada à temptação, por outro lado, e como que nojenta, podendo ser aquella que se fode. Si for bocca de cego, seu logar será servir de foda a algum marmanjo, é claro. Mesmo quando elle se enjoe de nella penetrar, acho que em nada altera-se a questão. Dando risada estão nossos leitores, bem sei, cujo sadismo no boquette se completa. Eis como destrinchei esse recado.


RHAPSODIAS HUMANAS 35 SEGUNDA RHAPSODIA DELPHINIANA (24) Em termos femininos, Alencar concorda com Delphino quanto ao bello formato dum pezinho Cinderello: bem curvo, alto no peito e arco plantar. Não fazem concessão os que tractar do lindo objecto querem: no chinello, na bota, no sapato, o seu singello contorno deixa a marca modellar. "O pé tem que ser cavo!" -- me dizia um gay que no do macho mette a fuça. "Precisa me lembrar montanha russa!" -explica, com perfeita analogia. E, emquanto gays ou heteros phobia dum chato pé confessam, ja me aguça a tara a plana prancha: mais que a buça ao pau, tal pé bem calha à poesia.


36 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA DRUMMONDIANA (25) A pedra que Drummond disse que tinha no meio do caminho tinha qual tamanho mesmo? Disso acho que mal me lembro... Ah, que fugaz memoria, a minha! Será que me exquesci duma pedrinha pequena, alguma dessas que, em geral, são meros pedregulhos? Foi total o meu exquescimento, achando eu vinha! Retinas ja cansadas é coisinha de nada, de somenos! Sou egual a um cego enucleado! Nem signal de luz vejo mais! Isso é que apporrinha! Alguma rocha grande é o que a mesquinha lembrança me sonega? À visual memoria só me resta algum banal fragmento de granito, uma lasquinha! Que tinha alguma pedra, tinha! Linha a linha, repetiu Drummond e aval meresce, si num petreo pedestal puzermos quem compoz tal poeminha...


RHAPSODIAS HUMANAS 37 RHAPSODIA DYLANIANA A gente, quando joven, se devota à paz, ao amor. Trouxa, a gente apposta no vento das mudanças e, resposta achando que trará, fé nisso bota. Mais tarde, nota a gente que lorota foi tudo o que se disse e desencosta dos lideres, dos sonhos, dessa bosta. Achamos ser o vento um idiota. Accordo de manhan, não vejo nada. Accordo de manhan, só trevas vejo. Agora reduziu-se meu desejo à luz, inexsistente na alvorada. Virar vae a cegueira, vez mais cada, desgraça collectiva, no varejo. Ainda assim, não perco o meu ensejo de graça achar naquella gente errada.


38 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA EMILIANA (26) {Fallar dum paulistano uffano ousou Emilio de Menezes num sonnetto bastante precioso, mas estou convicto de que seja algo obsoleto. Não creio que, Glaucão, gaffe commetto, mas digo: o bandeirante ja virou figura dephasada si o coretto de Sampa bagunçar elle tentou. Diz elle que o subjeito ja nem bota mais usa, que ficou, sem ouro ou pratta, na dura pindahyba! Fez chacota, não acha? Ah, tal menção foi bem ingrata!} -- Emilio sempre conta, a gente nota, piadas a valer. Mas si se tracta de bota, a mim me cabe ser quem bota em pauta a dicta. Alguem ha que me batta?


RHAPSODIAS HUMANAS 39 RHAPSODIA FLORBELLIANA (27) {Achei mais masochista, Glauco, o verso que lemos em Florbella, não no caso da Gilka. A portugueza falla claro que encara seu machão como seu amo, aquelle cujos pés ella, decerto, irá lamber, Glaucão! Que fica alguma questão aberta, fica. Ninguem sabe, na practica, si falla a poetiza de factos mais veridicos, mas tudo bem: somos é fingidos e exaggero dizemos, ja dizia aquelle tal...} -- Talvez eu seja mesmo mui perverso, mas quero muito mais. Só me comprazo com muita putaria. Tenho faro treinado na cegueira. Si reclamo por mais pornographia, por aberto fazermos nosso jogo, vale, em summa, cobrar das poetizas o que cabe cobrar: Alguem na cara dellas pisa, de facto, ou com taes versos só me illudo? Bem, seja como for, algum tempero se salva, alho, pigmenta, assucar, sal...


40 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA FONTESIANA DO HERMES (28) {Você ja reparou, Glauco? Ninguem verseja sobre rios sem usar imagens dum humano ou animal ser vivo, que colleia, serpenteia, se exgueira. A perseguil-o, ou a tentar barral-o, um morro, um mar ou um abysmo. Assim faz Hermes Fontes outro obscuro retracto, sem fallar de polluentes exgottos. Nem paresce haver acção humana, predatoria, nesse caso. Não acha que isso muito delimita o thema, Glauco? Faça algum juizo.} -- Sim, acho. Nesse caso, o que me vem à mente é collocar nesse logar, de facto, uma barragem. Affinal, não ha peor obstaculo, pois freia de vez aquelle curso. Si esse mar postiço se romper, eu logo scismo que pode ser de lama tal futuro, por causa dos minerios que essas gentes fanaticas por lucro sempre estão a achar por toda parte. Nosso prazo se exgotta, aqui na Terra, mas bonita imagem, só os poetas fazem, friso.


RHAPSODIAS HUMANAS 41 RHAPSODIA FONTESIANA DO MARTINS (29) Qualquer Estado Islamico paresce cediço, prescindivel, si se tracta de viva queimar uma amante chata, cheireta, pertinaz, que intrigas tece. Martins Fontes, num metro que padesce de excesso na syllabica sonata, a morte commemora de insensata e louca salamandra, com finesse. Humanos tambem curtem uma scena de gente que, queimada viva, morre berrando, debattendo-se e, num porre tão sadico, outra graça gozam, plena. Ao fogo mas bem aquelle a nossa

ja ninguem bruxas condemna, que queimar vivo nos occorre presidente que mais torre paciencia assaz serena.


42 GLAUCO MATTOSO PRIMEIRA RHAPSODIA FREYREANA (30) O cego James Holman, em viagem por Minas, no imperial periodo, fica surpreso -- até melhor -- maravilhado, depois de andar descalço, quando suas tão chatas solas são, não pela mão, mas pela molle bocca da mucama, todinhas beijocadas, à procura do typico bichinho que coceira provoca. A bocca, achando o logarzinho do bicho, mordiscando, o extrae! Aquillo allivio dá, deleita e causa "bliss"... Não só gordas mucamas assim agem, mas jovens mulatinhos tambem -- dica que, claro, eu approveito quando, ao lado do escravo, me encarrego, usando as duas mãos, bocca, nariz, lingua, dentição, dum desses pés. O inglez deita na cama e nós aos pés ficamos, na doçura do gosto, lambuzando-lhe a cegueira com essas sensações, só de carinho não: duma erecção lubrica, ao estylo chinez, oriental, que o faz feliz...


RHAPSODIAS HUMANAS 43 SEGUNDA RHAPSODIA FREYREANA (31) Gilberto Freyre cita americano auctor, que pesquisou a tradição da "Sola do Sapato", como culto sagrado, devoção à Virgem Sancta. Viu Ewbank não somente quem beijasse a sola na parede branca, mas quem, soffrego, a lambesse e seu nariz rallasse em qualquer aspero solado suppondo que o calçou Nossa Senhora... Tambem Dominus Plinius foi uffano devoto de tal practica. Foi tão alem, que a propria mãe fez, por insulto à Virgem, confundida ser com tanta crendice, que não morre e que renasce. Beijei solas, tambem, mas dum rapaz pagão, atheu, prophano, dos mais viz, pensando ser Satan quem terá dado ao joven tal condão, que um cego adora...


44 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA GENETIANA (32) Na França, gorgonzola "roquefort" ficou sendo. O chulé, por outro lado, ficou, quando fortissimo, chamado de cheiro desse queijo, de tal sorte. Porem, reconhescendo ser bem forte o cheiro de seus pés, teve cuidado Genet de que o chulé mais comparado seria a um "port-salut" que a gente importe. Talvez Ruth Escobar tenha mais arte e esteja, ao escrever, mais informada accerca dos odores da affamada franceza queijaria, nausea à parte. De minha parte, nada que me farte exsiste mais que a meia mais suada, usada por um homem: não ha nada mais digno de que a lyra não descharte.


RHAPSODIAS HUMANAS 45 RHAPSODIA GILKIANA (33) {Que pensa você dessa poetiza, Mattoso? O que disseram della não a põe no patamar duma Florbella? Quem falla de erotismo, putaria, até, para affirmar que foi ousada, é a critica, Mattoso! Nada vi, comtudo, de tão lubrico na barda... Allude vagamente a algum machão, mas nada de sabermos si ella foi comida pela frente, por traz, por profunda bocca, nada! Bem, talvez queiramos saber muito da mulher que exponha a sua face sensual...} -- Ficou bem claro, para mim, que visa a Gilka, não chocar, mas impressão causar de independencia. Ainda nella se nota que insegura viveria. Me basta resaltar uma malvada postura do machão, que della ri, abusa, goza. Ahi que felizarda irei consideral-a! Por que não? Eu, della no logar, sem nome ao boi dar, chupo o pau do tal dominador, lhe lambo os pés, emfim, fico freguez! Mas ella nem bem falla do que quer fazer... Que mais dizer della, affinal?


46 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA GUIMARANEANA (34) Luiz Guimarães junior dedicara à sua musa amavel sonnettinho. Agora, a commental-o me encaminho e creio nem ser obra muito rara. Pezinhos femininos são a tara de muita gente, é thema comezinho. Diz elle ser egual a um sapatinho aquillo que compoz, quando o compara. Digamos que um poema sirva para um pé como um sapato: si certinho ficou no pé da musa, me apporrinho por mais ter a cobrar da lyra avara. Occorre que desejo sobre a cara um chato, bem maior, cujo mindinho eguala-se ao dedão do mehudinho pé dessa bella moça, assim tão cara. Sim, quero um pé que meça duma vara o mesmo comprimento! Coitadinho de mim! O poemetto que escrevinho não pode lhe servir, ja se repara... Pezão do typo desse eu desejara até do meu impubere sobrinho, mas, como me comporto direitinho, só para adulto o verso se declara.


RHAPSODIAS HUMANAS 47 RHAPSODIA JORGEANA DO ARAUJO (35) {Glaucão, o Jotagê não lhe diz nada? Ja delle zombam muito, mas até que bons sonnettos fez, hem? Neste aqui, dirige-se a si mesmo, faz papel piegas no começo, mas ahi transita do mediocre sermão até constatações mais realistas e drasticas, catastrophes prevê. Não acha a transição bem succedida?} -- Sim, acho. Não será tão elevada a sua poesia, porem fé eu boto quando alguem falla de si. Não somos fingidores? Menestrel me julgo por dum cego ser quem ri. Que importa si esse cego sou ou não? Importa que dos sadomasochistas sou franco portavoz, como você notou quando sorriu da minha vida.


48 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA JORGEANA DO LIMA (36) O Jorge canta a lagryma que eu choro, a lagryma que diz ser velho thema. Differem do suor que, em cada poro, nos brota, seu sabor e seu dilemma. Salgada, nada nella commemoro que valha celebrar, pois com extrema tristeza a thematizo neste foro poetico, onde não falta problema. Meus olhos para ver utilidade tiveram. Hoje soffrem na cegueira que, fora o desespero que me invade, agudas dores causa a noite inteira. Um olho tão inutil servirá de salobra mina d'agua, ao menos, queira ou não seu portador. Da cavidade o traste me exorbita na caveira.


RHAPSODIAS HUMANAS 49 RHAPSODIA JULIANA (37) {Ja, Glauco, reparaste na maneira dramatica, peor ainda, tragica, de todos os poetas que versejam accerca da cegueira? Commentaste commigo, sim, mas tracto de lembrar o caso da Francisca Julia. A cega por ella retractada ja paresce até meio maluca! Não concordas? Será que todo normovisual enxerga nos ceguinhos o perfeito retracto desse louco que qualquer de nós bem poderia ser na vida?} -- Será comprehensivel. A cegueira isola a gente numa bolha magica e faz com que as pessoas normaes vejam o cego como louco. Tal contraste augmenta quando o cego quer fallar em verso, como faço. Quem se entrega às ordens dum algoz cujo pau cresce, commette insano gesto, pois nem chordas, nem venda necessita aquelle tal carrasco para nelle ter proveito. Assim, seja com homem ou mulher, o sadico desfructa. Alguem duvida?


50 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA LENNONIANA (38) {Direito de fumar, Glauco, o comparo à propria liberdade de ir e vir! À livre excolha, até, de respirar! Assim fallou John Lennon quando quiz luctar por John Sinclair, que tinha sido culpado de fumar, ou de portar, ja nem me lembro, um par de baseados... Aquillo que de facto tem razão o Lennon de dizer é que ninguem ser preso pode pela sua plena e livre preferencia por um typo de gaz ou ar que queira pela venta sugar ou, como dizem, inspirar! Tem duvida você nessa questão?} -- Nenhuma. Mais exotico ou mais raro que seja qualquer habito (ou convir que seja vicio posso), nenhum ar, nem vento, nem vapor, esse infeliz poder da caretice conseguido terá nos prohibir de desfructar. O mesmo vale para alguns calçados fedidos, para as meias, o pezão que calça taes fetiches, si quem tem tesão por isso os quer na sua scena. Portanto, dizer devo: participo da causa, mas quem tanto se contenta com hervas tem tambem que tolerar a minha chulepenta devoção...


RHAPSODIAS HUMANAS 51 RHAPSODIA LIMEIRIANA (39) O vate voejava pelos ares, do modo como vagamente explode um cego cantador que só se fode na lyra pertinaz dos lupanares. Urrou um urubu: "Si tu tomares de esquerda a direcção, te tornas bode, aquelle expiatorio, que saccode as asas, mas não foges de teus pares!" O vate voador nem deu ouvido aos urros do urubu, que da ralé se julga portavoz. Voou até cansar dessa viagem sem sentido. Pousou numa pousada do Partido, ouvindo do cacique e do pagé mais urros e, perdendo sua fé, com todos surubou, desreprimido.


52 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA LOBIANA (40) {Você ja reparou, Glauco? Um só vi fazendo bom retracto dalgum rio, as coisas descrevendo sem imagem phantastica, allegorica, da scena. Um rio tropical, com animaes da fauna tropical, sem mudar nada. Monotono paresce? E si elle quiz fazer que parescesse? Não está bem para você, Glauco? Nada falta!} -- Aranhas cabelludas. Por aqui não são tão pullulantes, mas eu crio bastante exspectativa, si coragem tivesse, de la achar uma pequena aranha. Sim, pequena, dessas taes tarantulas, menores (Ai, coitada da pizza!) que uma pizza. Fui feliz, tamanhos comparando? Não vou la, é claro. Um só poeta aquillo exalta.


RHAPSODIAS HUMANAS 53 RHAPSODIA LOUDONIANA (41) A musica aos espiritos appella. Fazer rir ou chorar, eis o condão do grande trovador folk. A canção que fez Loudon Wainwright é prova bella. "Sometimes I forget" algo nos revela de tragico e veridico: elle não encontra para o caso explicação e tudo no scenario se congela. Vivia com a amada. Sumiu ella, deixando para traz coisas que são vitaes e pessoaes, objectos tão communs... Não houve prosa nem querella... Agora, a canção dessas coisas falla, dos oculos, até, deixados bem alli, com a charteira, sem ninguem que desse informação. Onde encontral-a? Às vezes, elle exquesce, mas nem mala levou ella... À lembrança tudo vem de novo e que chorar a gente tem. Por onde ella andará? Quem não se abballa? Nos lembra aquillo alguem que para a valla perdemos de repente, lembra alguem que pode estar por perto, ao menos em espirito, vagando noutra salla...


54 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA MACHADIANA (42) Coitado do sapato social! Está, sempre engraxado, quasi sem ter uso, e pensa: "A bota, sim, mantem mais cheiro, mais battida que é!" Que tal? Que inveja boba, né? Pois desse mal a bota tambem soffre: "Que desdem de mim tem o cothurno! Oh! Delle vem fortissimo chulé! Sim, sou banal!" Por sua vez, o sujo cothurnão inveja tem do tennis encardido que cheiro bem mais podre e mais fedido exhala: "Aquelle, sim, pisou mais chão!" O tennis se lamenta: "Muitos são contrarios ao meu cheiro! Só tem sido dum cego o meu chulé bom à libido! Pudesse eu ser sapato chique, então!"


RHAPSODIAS HUMANAS 55 RHAPSODIA MADRAGOANA (43) Fallou Antonio Lobo de Carvalho, com caustico desdem, do militar pinctado como um typo de vulgar e sordido perfil: demais bandalho. Na lyra, nem as putas do serralho mais reles se deixavam fornicar por esse soldadinho, cujo par de meias ou sapatos dá trabalho. Digamos que, em logar da noiva, faça papel obediente este ceguinho. Daquelles pés tractando com carinho, sou quem na sua sola a lingua passa. Frieiras? E dahi? Minha devassa boccarra chupará cada artelhinho! Chulé? Por isso mesmo é que escrevinho rhapsodias, ora! Ahi que mora a graça!


56 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA NOELIANA (44) Noel, um masochista? Acho que não. Não ha quem, de saber soffrer, se gabe, a menos que christão seja, que pague promessas e que faça penitencia... Mas, mesmo que assim seja, bom christão humilde ser mais deve e disso sabe. Jamais vae se gabar. Noel faz blague, quer só repercutir. Quer audiencia... Às vezes, dramatiza na canção, de victima a posar. Assim que accabe o samba, é mais provavel que elle cague p'ra lettra que compoz e que dispense-a. Eu delle não duvido... Mas sou tão cabreiro com poetas! Que me enrabe affirmo dum algoz, mas adzorrague nenhum me fustigou a consciencia... Fajutos todos somos. Solução poetica não falta. A mim me cabe appenas entender que, caso vague cadeira, ao pantheão eu seja ausencia.


RHAPSODIAS HUMANAS 57 RHAPSODIA ORWELLIANA (45) Dois classicos britannicos me dão materia prima para muita prosa e verso: Anthony Burgess e George Orwell. A scena de LARANJA em que uma sola lambida foi em publico e serviu de prova da lavagem cerebral será sempre emblematica, mas 'inda mais tragica foi outra, quando a bota pisando um rosto humano representa aquillo que o futuro nos reserva. Foi Winston doutrinado sobre quão total pode uma causa desastrosa ser para algum fanatico que absorve idéa auctoritaria, em que se isola do mundo mais plural, como se viu agora num Brazil eleitoral. Jamais a lucta civica se finda nos termos dum mandato, mas quem vota na bota, militar ou poeirenta, de exercito ou milicia, tem caterva. Caterva tem quem vota em capitão mandando em general, quem vota em rosa menina e azul menino, em quem promove laranjas na mechanica gaiola de cegos assuns pretos, em quem psiu faz para Satanaz, na virtual intriga, aos bastidores, só, bemvinda. Caterva tem quem segue um idiota que os outros xinga assim, tem quem sustenta projecto que a lei magna não observa.


58 GLAUCO MATTOSO Tem isso quem caterva na nação colloca, pelo voto ou pela glosa das redes sociaes, prova dos nove da frivola fofoca, que só colla aos trouxas, cuja puta que os pariu accolhe quantos della fallam mal. A rede inexoravel é: quem brinda ao odio, odio terá. Quem patriota se julga mas advoga a violenta sahida, nem conserva, nem preserva. Prefiro ter pacifica noção das coisas. A maneira mais gostosa de solas lamber, caso alguem me sove, é o gozo controlar de quem controla o nosso gozo, como descobriu um sadomasochista que em total cegueira mergulhou e aquella linda imagem colorida ja nem nota. Quem lambe, como lambo, o que nos tempta excusa vicio em fogo, jogo, ou herva.


RHAPSODIAS HUMANAS 59 RHAPSODIA OSWALDIANA {Dizendo que não leu e não gostou, Oswald essa piada amplia para de todo auctor rival gozar a cara. Só quando os lemos vemos quem errou! Agora lhe pergunto, Glauco: Dou valor ao que elle diz? Elle compara o Mario com a miss que, numa tara traveca, transformista deu seu show! Tolero, Glauco, offensa tão vulgar da parte de quem disse ser vanguarda? Não! Ponho-me do Mario no logar e mais admiro o bardo de cor parda!} -- Concordo plenamente. Se accovarda a claque, de "anthropophaga" quer ar satyrico obstentar. Mas ja não tarda que em Mario vejam alto o patamar.


60 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA PEIXOTIANA (46) {Não achas, Glauco, que esses jovens bardos d'antanho mais galantes eram para com sua bella amada que os d'agora? Repara, Glauco, nesse "Estella e Nize", poema appaixonado d'Alvarenga Peixoto, por signal inconfidente. Não sabe elle qual dellas mais bonita seria, nem das duas qual mais quer! Mas ambas o rejeitam, porque são pudicas: desconfiam do rapaz, que fama tem de gallo, de inconstante. Aquelle, sim, foi macho! Comeu todas! Apposto que, depois de defloradas, souberam uma d'outra! Ahi, fodeu! Por agua abbaixo foi-lhes o cabaço!} -- Cuidado! Não apposte! Felizardos machões talvez não sejam. Quem compara historicos exemplos corrobora aquillo que supponho. Ora, analyse você nosso Peixoto. Que capenga foi seu pretexto para simplesmente fugir das namoradas! Só não cita que evita namorados... Da mulher exalta a bella face, mas tesão por homem não depende da fugaz belleza feminina. Quem garante o rabo do Peixoto? Quem, nas rodas maldosas, o cu salva das saphadas bichonas que elle come? Entenda, meu! Não ponho, por taes cus, no fogo o braço...


RHAPSODIAS HUMANAS 61 RHAPSODIA PESSOANA (47) Foi Alvaro de Campos quem fez essa maritima, terrivel ode, embora tambem calma, nostalgica, na qual o bardo vae, no porto, divagando. Tambem vou divagar. Elle começa navios descrevendo, dos de agora. Aos poucos, retrocede ao infernal dominio dos piratas, nem sei quando. Importa-me tocar no que não cessa, cruel, de incommodar-me: o que vigora no codigo dos mares e fatal se torna a quem refem foi do desmando. Commum, a quem os mares attravessa, é o berro de quem perde a vista. Chora, ou, como diz o Campos, uiva, tal e qual cachorro uivando, quando em bando. Gostavam os piratas, rindo à bessa, duns olhos arrancar, arrancar fora das orbitas, appenas pelo mal que, em gozo, practicavam... É nefando! Calculo, ca commigo, si interessa tal coisa pesquisar. Barasch ignora, tal como outros auctores, o gruppal prazer de quem estava no commando. Appós tomar, pilhar, não ha quem meça a sanha desses sadicos. Affora demais crueis supplicios, ritual virou enuclear, ver nego urrando.


62 GLAUCO MATTOSO Cegados, os coitados ja sem pressa vagueiam a gemer. Nada melhora o quadro. Ja correram, carnaval fizeram. O scenario ficou brando. Depois, implorarão. Numa promessa qualquer 'inda crerão. Alguem explora aquella vil cegueira. Sexo oral alguem exigirá, delles gozando. Assim os interpreto, pois processa meu verso o que o leitor, sem culpa, adora da culta lyra: a abjecta bacchanal que Campos suscitou e que eu expando.


RHAPSODIAS HUMANAS 63 RHAPSODIA RIMBAUDIANA (48) Si credito nós dermos ao que vem do proprio, chulé tinha aquelle vate tão joven, genial como ninguem foi nessa breve edade em tal quilate. Chulé todo francez, por certo, tem, embora assumpto seja de debatte. Rimbaud, porem, confessa que tem, sem pudor, chulé de mezes. Disparate? Não era, si pensarmos que ruim a meia cheira quando longa data passou e está calçada. Para mim, ler isso só confirma a noção grata. Sim, delle ser eu quero o cherubim que irá recepcional-o, si se tracta de entrar no Paraiso. Posso, assim, taes meias descollar da sola chata.


64 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA SADEANA De Sade um personagem mais bandalho mal força à fellação alguem e ja vae dando à puta as ordens: "Estará achando que terei como trabalho lavar o que bem sujo sempre está por sua causa, appenas? Ora, va à merda! Chupe e foda-se, caralho!" E penso ca commigo: "Bem eu calho àquillo, como cego, pois da má conducta não me queixo. Chupará na marra quem por bem não quebra o galho..." Alguem dum cego fica com dó? Bah! Cansei de ouvir "Tem mais é que chupá!" daquelle que lê, rindo, o que eu expalho... Pois é... Quem não se pode ver no espelho não pode pretender que quem bem vê se prive de dizer: "Você que dê de lingua um banho, desde esse pentelho mijado até o que nunca num bidê um macho lavará! Tracte você de ser meu sabonete, eu lhe acconselho..." Ouvi ja muitas vezes o estribilho sarcastico: "Tem cheiro de xixi? Pois lamba, cego escroto! Nunca vi ceguinho tanto assim da puta filho!" Calado, só obedesço. Si cahi no chão adjoelhado, só daqui levanto si bebi xixi e me humilho...


RHAPSODIAS HUMANAS 65 E eu penso: "Quem perdeu de vez seu olho excolha tem? Jamais! Até cocô ja tive que comer, quando um pornô caseiro video ousaram! No ferrolho prenderam-me e disseram: "Come, pô! Sinão vae levar relho mesmo, sô!" Nos labios o cocô do chão recolho... É claro que senti de nojo o engulho! Mas tive que engolir! Esse tabu quiz Sade explorar muito... Jururu fiquei, pois engoli meu proprio orgulho... Revi-me personagem, que seu cu ainda degustou! Si fico nu, o dedo chupo quando o cu vasculho...


66 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA SARTREANA De Sartre o que se sabe e tambem sei é que vae sempre alguem ser algo. Pegue o caso duma puta, que seu jegue admarra na boceta. Pegue um gay. Diz elle: "Ninguem deu tudo o que dei, por isso não sou cego que se cegue!" Tá bem! E quando o gajo não consegue ser nada nesta vida? Que direi? Direi que nenhum cego symboliza a these sartreana, a menos que... A menos que verseje e quem lhe pisa a cara seja quem pisões me dê. Em summa: não bastou ser, na pesquisa IBOPE, mais um cego que você na rua vê. Tornei-me vate e fiz a cegueira ser submissa ante quem vê.


RHAPSODIAS HUMANAS 67 RHAPSODIA SEEGERIANA (49) {Glaucão, notei que alguns poemas seus retornam à palavra de partida no verso final. Isso me lembrou aquella canção, triste, de protesto do Pete Seeger, onde elle questiona: "Aonde irão as flores, affinal? Meninas essas flores colher vão. Que irão ellas fazer? Irão casar. E seus jovens maridos? Virarão soldados. Onde irão elles parar? Irão pro cemeterio. Que será de tantas tumbas feito? Darão flores. Destino qual terão as flores? Sim, serão todas colhidas por meninas, que tudo perpetuam." Concluindo, indaga Seeger: "Quando, um dia, alguem alguma licção disso tirará?" Canção assim é mesmo magistral, concorda, Glauco? Sinto o pacifismo um tanto pessimista, porem vivo.} -- Sim, acho o Pete Seeger um dos meus auctores favoritos. Sempre vida terá no pacifismo o que restou das nossas utopias, que, de resto, nas novas gerações alguem abbona. O Johnny Rivers tinha a principal dansante cover dessa astral canção. Será que tal licção terá logar nos dias actuaes? Hem? Não sei, não. Ah, quantas vezes elle fez chorar um joven semicego! Mais fará! Cantores folk estão entre os auctores


68 GLAUCO MATTOSO mais intellectuaes e, para mim, mais mestres das palavras mais ferinas, ainda que suaves, e seu lindo legado ficará. Não quero nem pensar, quando estiver ja bem gagá, naquillo que verei, digo, que mal ouvir conseguirei, mas 'inda scismo que nunca perco o utopico objectivo.


RHAPSODIAS HUMANAS 69 RHAPSODIA TEIXEIRIANA (50) {Estou surpreso, Glauco! Não sabia que themas tão nojentos tambem eram do gosto dum auctor parnasiano! Quem fez esse sonnetto da baratta? Gustavo? De que mesmo? Sim, Teixeira! Gostei desse poeta! Pois não é que o gajo conseguiu thematizar aquelle insecto feio, repugnante, com toda a maestria? Fiquei fan!} -- Pois é. De aranha temos poesia mais farta. Bardos outros consideram nojento demais esse bicho urbano. Meu verso raramente della tracta, mas, quando tracta, a pincta de maneira bem menos elegante. Fica até difficil fallar sobre um paladar capaz de degustar isso, mas, ante reaes factos, vi como tem tantan...


70 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA TIGREANA (51) {Estive lendo o livro que você fez desses sonnetistas, Glauco. O caso do Bastos Tigre intriga-me por um detalhe interessante: definindo amor por paradoxos de barroco conceito, diz o bardo que elle é luz mas faz viver nas trevas cada amante que, tonto, a tactear procura alguem. Foi mais ou menos isso que recordo ter lido. Quer dizer que nosso vate allude ao masochismo? Masochismo cegueta, 'inda por cyma? Até paresce que estava antecipando os seus poemas, não acha? Viajei na mayonnaise?} -- Sim, soffre quem, amando, nada vê, mas é bom soffrimento. Me comprazo, comtudo, num padrão menos commum, mais cru, de masochismo: não é lindo, nem joven, nem affavel quem suffoco me causa por ser cego. Me seduz um sadico só sendo um arrogante carrasco, um insensivel que não tem dum cego o menor dó. Mas eu abbordo, tambem, algum amor que se debatte em taes contradicções. Às vezes, scismo que, quando a Zeus fazemos nossa prece, amamol-o por ser cruel. Problemas da vida, mas que, em verso, beiram these.


RHAPSODIAS HUMANAS 71 RHAPSODIA TOSHIANA (52) {Ah, Glauco! Ja fallei! Sem brincadeira! Cigarro, sim, faz mal! Mas a maconha faz bem, até glaucoma cura, cara! Duvida? Canta Peter Tosh um hymno à legalização do baseado! Não fosse a concorrencia do mercado das drogas pharmaceuticas, a nossa benefica canabis poderia curar todos os males! Pelo menos é muito mais gostosa de cheirar!} -- Chulé faz bem, tambem, para a cegueira dum gajo que jamais teve vergonha de, em verso, bem fallar da tara rara. Tampouco duvidei que, dum menino de rua, a chulepenta sola achado será da medicina si provado ficar que meu prazer preencher possa. Quem sabe, mais podolatras, por via oral, nos seus pulmões teriam plenos effeitos? Não me canso de testar...


72 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA VERDEANA (53) Um thema de Cesario Verde explora a scena de total podolatria. Do macho uma botina a mulher ia tirando e lhe deixando o pé de fora. Cesario diz que aquillo que ella adora é cocegas fazer, mas desconfia a gente que mais algo a phantasia suggere que ella faça, sem demora. Meu faro fetichista corrobora aquella litteraria theoria. De Verde conversei, um bello dia, com certo leitor luso que o devora. Contou-me elle: "Cesario usava-os, ora pois, solidos cothurnos! Quem iria tiral-os sem cheirar o que fedia seu pé? Que mais faria a tal senhora?" Lamber, logicamente! Alguem, sei, cora ao ler tal commentario, mas sentia, tambem eu, de chupar-lhe, em agonia, tesão pelo dedão, que volta agora...


RHAPSODIAS HUMANAS 73 RHAPSODIA VICENTEANA (54) Magina! Que esperança ter podia alguem que ficou cego de pouquinho em pouco, tão pouquinho que, mesquinho, poupava até, nas lentes, a myopia? Bobagem! A cegueira lhe viria tirar todo o resquicio, rapidinho, de inutil optimismo. Ja adivinho que fez esse infeliz o que eu faria. De tudo duvidou. Felicidade, pensou, está naquillo que nós vemos. Não tendo o que enxergar, nós -- Com os demos! -só cremos no pesar que nos invade. Quem for mais realista, fan de Sade se torna. Si está cego, nos extremos do vicio se rebaixa. Não iremos suppor que nenhum sadico o degrade.


74 GLAUCO MATTOSO RHAPSODIA VINICIANA (55) De amor falla, conforme sua lua, Vinicius de Moraes, cujo sonnetto mais celebre retracta a crucial questão: fidelidade ao transitorio. Concordo ser amor não só paixão nem mero platonismo, mas, não raro, confunde-se o fatal passar dos annos com algo que se chama desamor por causa duma chamma que, na cama ou mesmo na cozinha comezinha, exfria como a janta na panella. Que seja amor affan que continua ainda quando chartas não remetto nem rosas de presente dou, nem sal reclamo que faltou, nem illusorio orgasmo provocou repetição. Amor correspondido, eu o comparo à vista grossa, à calma, aos quentes pannos, ao choro alegre, ao riso a dois na dor, ou vice versa, posto que quem ama não passa sem tirar uma casquinha da vida, que é mais feia do que bella.


RHAPSODIAS HUMANAS 75 [NOTAS] [1] O poema allude ao seguinte sonnetto, tambem relido no livro CRITICA SYLLYRICA: RIOS (Amadeu Amaral) {Almas contemplativas! Vão rollando Por esta vida, como os rios quietos... Rollam os rios, -- arvores e tectos, Céus e terras, tranquillos, espelhando; Vão reflectindo todos os adspectos, Num serpentear indifferente e brando; Expreguiçam-se, limpidos, cantando, No remanso dos sitios predilectos; Fecundam plantações, movem engenhos, Dão de beber, sustentam pescadores, Supportam barcos e carreiam lenhos... La se vão, num rollar manso e tristonho, Cumprindo o seu destino sem clamores E sonhando comsigo um grande sonho.}


76 GLAUCO MATTOSO [2] O poema allude ao sonnetto abbaixo transcripto. SONNETTO AZUL (Mario de Andrade) {Acceitarás o amor como eu o encaro?... ..Azul bem leve, um nimbo, suavemente Guarda-te a imagem, como um anteparo Contra estes moveis de banal presente. Tudo o que ha de milhor e de mais raro Vive em teu corpo nu de adolescente, A perna assim jogada e o braço, o claro Olhar preso no meu, perdidamente. Não exijas mais nada. Não desejo Tambem mais nada, só te olhar, emquanto A realidade é simples, e isto appenas. Que grandeza... A evasão total do pejo Que nasce das imperfeições. O encanto Que nasce das adorações serenas.}

[sic]


RHAPSODIAS HUMANAS 77 [3] O poema allude ao seguinte sonnetto, tambem relido no livro CRITICA SYLLYRICA: ACTO DE CHARIDADE (Djalma Andrade) {Que eu faça o bem, e de tal modo o faça, Que ninguem saiba o quanto me custou. -- Mãe, espero de Ti mais esta graça: -- Que eu seja bom sem parescer que o sou. Que o pouco que me dês me satisfaça, E si, do pouco mesmo, algum sobrou, Que eu leve esta migalha aonde a desgraça Inesperadamente penetrou. Que a minha mesa, a mais, tenha um talher, Que será, Minha Mãe, Senhora Nossa, Para o pobre faminto que vier. Que eu transponha tropeços e embaraços: -- Que eu não coma, sozinho, o pão que possa Ser partido, por mim, em dois pedaços.} [4] AS ONZE MIL VARAS (trecho de Apollinaire) {Mony respeitou o desfallescimento de Hélène. Tirou-lhe as meias e começou a fazer-lhe "petit salé". Seus pés eram lindos, rolliços como os pés de um bebê. A lingua do principe começou pelos dedos do pé direito. Limpou com exmero a unha do dedão, depois passou para as articulações. Demorou-se longamente no dedo mindinho que era mehudinho, mehudinho. Concluiu que o pé direito tinha gosto de framboeza. A lingua explorou em seguida as dobras do pé esquerdo no qual Mony encontrou um sabor que recordava o


78 GLAUCO MATTOSO presuncto de Mayence. Nesse momento Hélène abriu os olhos e mexeu-se. Mony interrompeu os exercicios de "petit salé" e observou-a linda, joven, alta e rolliça, expreguiçar-se.} [5] O poema allude ao seguinte sonnetto, tambem relido no livro CRITICA SYLLYRICA: IDEALISMO (Augusto dos Anjos) {Fallas de amor, e eu ouço tudo e calo! O amor da Humanidade é uma mentira. É. E é por isto que na minha lyra De amores futeis poucas vezes fallo. O amor! Quando virei por fim a amal-o?! Quando, si o amor que a Humanidade inspira É o amor do sybarita e da hetaira, De Messalina e de Sardanapallo?! Pois é mester que, para o amor sagrado, O mundo fique immaterializado -- Alavanca desviada do seu fulcro -E haja só amizade verdadeira Duma caveira para outra caveira, Do meu sepulchro para o teu sepulchro!}


RHAPSODIAS HUMANAS 79 [6] O poema allude ao seguinte sonnetto, tambem relido no livro CRITICA SYLLYRICA: SOLILOQUIO DE UM VISIONARIO (Augusto dos Anjos) {Para desvirginar o labyrintho Do velho e metaphysico Mysterio, Comi meus olhos crus no cemeterio, Numa anthropophagia de faminto! A digestão desse manjar funereo Tornado sangue transformou-me o instincto De humanas impressões visuaes que eu sinto, Nas divinas visões do incola ethereo! Vestido de hydrogenio incandescente, Vaguei um seculo, improficuamente, Pelas monotonias sideraes... Subi talvez às maximas alturas, Mas, si hoje volto assim, co'a alma às escuras, É necessario que 'inda eu suba mais!} [7] Paraphraseando uma passagem de Aluizio Azevedo em CASA DE PENSÃO,abbaixo transcripta. {Amancio chegou à republica muito indisposto. Quasi que não dava compta dos quattro lances de escada que a precediam. Tambem foi só chegar e attirar-se à primeira cama gemendo e resbunando ao peso de uma grande afflicção. Estava mais branco do que a cal da parede; o suor excorria-lhe por todo o corpo; respirava com difficuldade, a abrir a bocca e a retorcer os olhos.


80 GLAUCO MATTOSO -- Então? disse o Paiva, battendo-lhe no hombro. -- Mal! respondeu Amancio, sem levantar a cabeça, que deixara cahir sobre o peito. E com um gesto pediu agua. -- Isso passa! affiançou o collega, entregando-lhe o pucaro cheio. Estás é com um formidavel pifão. E riu-se. -- Eu quero vomitar! exclamou Vasconcellos, appressado pela agonia, e mal teve tempo de erguer o rosto. -- És um fraccalhão! ponderou o companheiro, amparando-o pela testa -- Que diabo! quem não pode com o tempo não inventa modas! Amancio não respondia: os engulhos vinham-lhe uns sobre os outros. -- Ai! ai! gemia opprimido. -- Ora que typo! disse o Paiva, attirando-o sobre os travesseiros. -- Vê si consegues dormir! Isto não é nada! E narrou um caso identico que experimentara. Amancio sentia-se um pouco mais alliviado. Continuava, porem, a suar frio; tinha a cabeça completamente ensopada e não dispunha de forças para coisa alguma. Os olhos fechavam-se-lhe com um entorpescimento pesado de somno. Pediu mais agua. E, depois de a tomar, deu a entender que era preciso que o despissem e descalçassem. Paiva entrou a tirar-lhe a roupa, saphou-lhe com difficuldade as botinas, porque as meias estavam suadas.


RHAPSODIAS HUMANAS 81 Amancio, muito prostrado, molle, a virar-se de uma para outra banda,aiava sempre. Affinal sossegou, parescia addormescido; mas, ergueu-se logo, com impeto, e começou a vomitar de novo, sem dizer palavra.} [8] Allusivo ao poema abbaixo transcripto. SONNETTO DOS MOÇOS PERDIDOS (Alvares de Azevedo) {Um mancebo no jogo se descora, Outro bebedo passa noite e dia, Um tolo pela valsa viveria, Um passeia a cavallo, outro namora. Um outro que uma signa má devora Faz das vidas alheias zombaria, Outro toma rapé, um outro espia... Quantos moços perdidos vejo agora! Oh! não prohibam pois ao meu retiro Do pensamento ao merencorio lucto A fumaça gentil por que suspiro. Numa fumaça o canto d'alma escuto... Um aroma balsamico respiro, Oh! deixae-me fumar o meu charuto!}


82 GLAUCO MATTOSO [9] O poema allude aos seguintes sonnettos, tambem relidos no livro CRITICA SYLLYRICA: SONNETTO SONHADO (Manuel Bandeira) {Meu tudo, minha amada e minha amiga, Eis, compendiada toda num sonnetto, A minha profissão de fé e affecto, Que à confissão, posto aos teus pés, me obriga. O que n'alma guardei de muita antiga Experiencia foi pena e anxiar inquieto. Gosto pouco do amor ideal objecto Só, e do amor só carnal não gosto miga. O que ha melhor no amor é a illuminancia. Mas, ai de nós! não vem de nós. Viria De onde? Dos céus?... Dos longes da distancia?... Não te prometto os estos, a alegria, A assumpção... Mas em toda circumstancia Ser-te-ei sincero como a luz do dia.} MANCHA (Manuel Bandeira) {Para reproduzir o donaire sem par Desse alvo rosto e desse ironico sorriso Que desconcerta e prende e attrae, fora preciso A mestria de Helleu, de Boldini ou Besnard Luz faiscante malicia ao fundo desse olhar, E ha mais do inferno alli do que do paraiso... O amor é tão-somente um pretexto de riso Para esse coração fluctuante e singular.


RHAPSODIAS HUMANAS 83 Flor de perfume raro e de exquisito encanto, Ella zomba dos que (pobres delles!) sem cor Vão-lhe aos pés adjoelhar ingenuamente... Enquanto Alguem não lhe magoar a bocca de velludo... E não a fizer ver, por si, que isso de amor No fundo é amargo e triste e dóe mais do que tudo.} [10] DURO COM DURO (Ary Barroso, 1934) {Meu bem, tudo accabado, cada um para seu lado. Nosso amor não nos convem. Você, o que pensa, faz e eu tambem não fico attraz. É sabido que ha mal que vem para bem. Em plena liberdade viveremos à vontade, sem mentira e humilhação. Ser feliz na apparencia eu não quero, tenha paciencia, nem devo escravizar meu coração. Sei que você tem prazer vendo alguem padescer. Eu tambem sou assim. De maneira que a nossa união seria um horror, não me diga que não, pois duro com duro não faz bom muro.}


84 GLAUCO MATTOSO [11] O poema allude ao seguinte sonnetto, tambem relido no livro CRITICA SYLLYRICA: MARPHISIA (Basilio da Gama) {Ja, Marphisia cruel, me não maltracta Saber que usas commigo de cautelas, Que 'inda te espero ver, por causa dellas, Arrependida de ter sido ingrata. Com o tempo, que tudo desbarata, Teus olhos deixarão de ser estrellas; Verás murchar no rosto as faces bellas, E as tranças de ouro converter-se em pratta: Pois si sabes que a tua formosura Por força ha de soffrer da edade os damnos, Por que me negas hoje esta ventura? Guarda para seu tempo os desengannos, Gozemo-nos agora, emquanto dura, Ja que dura tão pouco a flor dos annos.}


RHAPSODIAS HUMANAS 85 [12] Allusivo ao sonnetto alexandrino de Baudelaire abbaixo transcripto e precedido da competente traducção ao portuguez. OS CEGOS (traducção de Ivan Junqueira) {Contempla-os, ó minha alma; elles são pavorosos! Eguaes aos mannequins, grottescos, singulares, Somnambulos talvez, terríveis si os olhares, Lançando não sei onde os globos tenebrosos! Suas pupillas, onde ardeu a luz divina, Como si olhassem à distancia, estão fincadas No céu; e não se vê jamais sobre as calçadas Si um delles a sonhar sua cabeça inclina. Cruzam assim o eterno escuro que os invade, Esse irmão do silencio infinito. Ó cidade! Emquanto em torno cantas, ris e uivas ao léu, Nos braços de um prazer que tangencia o espasmo, Olha! tambem me arrasto! e, mais do que elles pasmo, Digo: que buscam estes cegos ver no Céu?} LES AVEUGLES (original de Baudelaire) {Contemple-les, mon âme!; ils sont vraiment affreux! Pareils aux mannequins; vaguement ridicules; Terribles, singuliers comme les somnambules; Dardant on ne sait où leurs globes ténébreux. Leurs yeux, d'où la divine étincelle est partie, Comme s'ils regardaient au loin, restent levés Au ciel; on ne les voit jamais vers les pavés Pencher rêveusement leur tête appesantie.


86 GLAUCO MATTOSO Ils traversent ainsi le noir illimité, Ce frère du silence éternel. Ô cité! Pendant qu'autour de nous tu chantes, ris et beugles, Éprise du plaisir jusqu'à l'atrocité, Vois! Je me traîne aussi! Mais, plus qu'eux hébété, Je dis: Que cherchent-ils au Ciel, tous ces aveugles?} [13] O poema allude ao seguinte sonnetto, tambem relido no livro CRITICA SYLLYRICA: OLHANDO O RIO (Belmiro Braga) {Nas noites claras de luar, costumo Ir das aguas ouvir o vão lamento; E, appós o ouvil-as, cauteloso e attento Que o rio tambem soffre, eis que presumo. Nesse que leva tortuoso rhumo, Que fado triste e por demais cruento: Vae deslisando agora doce e lento E agora desce encachoeirado e a prumo. O dorso aqui lhe encrespa leve brisa, Alli o deslisar calhau lhe veda; Alem, de novo, sem fragor, deslisa... És como o rio, coração tristonho: Si elle vive a chorar de queda em queda, Vives tu a gemer de sonho em sonho...}


RHAPSODIAS HUMANAS 87 [14] Allusivo a dois sonnettos de Bilac, abbaixo transcriptos. PENETRALIA (Olavo Bilac) {Fallei tanto de amor!... de galanteio, Vaidade e brinco, passatempo e graça, Ou desejo fugaz, que brilha e passa No relampago breve com que veiu... O verdadeiro amor, honra ou desgraça, Gozo ou supplicio, no intimo fechei-o: Nunca o entreguei ao publico recreio, Nunca o expuz indiscreto ao sol da praça. Não proclamei os nomes, que, baixinho, Rezava... E ainda hoje, timido, mergulho Em funda sombra o meu melhor carinho. Quando amo, amo e deliro sem barulho; E, quando soffro, calo-me, e definho Na ventura infeliz do meu orgulho.} OS GOYAZES (Olavo Bilac) {Viveis ainda, espiritos obscenos, Como nos dias do Brazil inculto, Na intelligencia anãos, como no vulto; Como no corpo, no moral pequenos. Expremeis a impotencia do odio estulto Em perfidos exguichos de venenos... Tendes baixeza em tudo: nem, ao menos, Força na inveja e elevação no insulto!

[sic]


88 GLAUCO MATTOSO Repteis humanos, no colleio dobre De rastos babujaes templos e lares; Contra os bons, contra os fortes de alma nobre, Linguas e dentes dardejaes nos ares: Mas só podeis ferir, na raiva pobre, Em vez dos corações, os calcanhares.} [15] Allusivo ao seguinte sonnetto de Bocage. {Pela escadinha de um courão subindo Parei na salla onde não entra o pejo; Chinello aqui e alli suado vejo, E o fato de chordel pendente, rindo; Quando em miseria Estava, me surgiu Roendo um fatacaz E para mim num ai

tanta reflectindo nympha do Tejo, de pão com queijo, vem rebullindo:

Dá-me um grito a razão: -- "Eia, fujamos, Minha porra infeliz, ja deste inferno... Mas tu respingas? Tenho dicto, vamos..." Eis a porra assim diz: -- "Com odio eterno Eu, e os socios colhões em ti mijamos; Para baixo do umbigo eu só governo".}


RHAPSODIAS HUMANAS 89 [16] Allusivo ao classico sonnetto 19 de Camões, abbaixo transcripto. {Alma minha gentil, que te partiste Tão cedo desta vida descontente, Repousa la no céu eternamente, E viva eu ca na terra sempre triste. Si la no assento ethereo, onde subiste, Memoria desta vida se consente, Não te exquesças daquelle amor ardente, Que ja nos olhos meus tão puro viste. E si vires que pode merescer-te Alguma cousa a dor, que me ficou Da magoa, sem remedio, de perder-te; Roga a Deus, que teus annos encurtou, Que tão cedo de ca me leve a ver-te, Quão cedo de meus olhos te levou.}


90 GLAUCO MATTOSO [17] Allusivo ao classico sonnetto 29 de Camões, abbaixo transcripto. {Septe annos de pastor Jacob servia Labão, pae de Rachel, serrana bella; Mas não servia ao pae, servia a ella, Que a ella só, por premio, pretendia. Os dias, na esperança de um só dia, Passava, contentando-se com vel-a. Porem o pae, usando de cautela, Em logar de Rachel lhe deu a Lia. Vendo o triste pastor que com engannos Assim lhe era negada a sua pastora, Como si a não tivera merescida; Começou a servir outros septe annos, Dizendo: Mais servira, si não fora Para tão longo amor tão curta a vida.}


RHAPSODIAS HUMANAS 91 [18] O poema allude ao seguinte sonnetto, tambem relido no livro CRITICA SYLLYRICA: CÉU E MAR (Cassiano Ricardo) {Quando a vella, ao sabor dalgum sonho bemdicto, Deixando o litoral do horizonte no fundo, Baila e treme hesitando, ao longe, sem um grito, Na emoção de fugir em busca doutro mundo, É tão crebro o rumor do mar, tão crebro e afflicto, À saudade do poente ou do sol moribundo, Que, si a vella se affunda, attravés do infinito, Cuido que a alma deserta em lagrymas affundo... Tudo porque nesta hora entre syrtes e fragas, O gemido dos ventos e o nocturno das vagas, Trazem ao meu silencio os augurios que infundem. E aos longes, no horizonte, à luz crepuscular, O azul do céu e o azul do oceano se confundem Como um naufragio azul do céu dentro do mar.}


92 GLAUCO MATTOSO [19] Allusivo ao poema "Navio negreiro" de Castro Alves, abbaixo transcripto nos versos pertinentes. {Era um sonho dantesco... O tombadilho Que das luzernas advermelha o brilho, Em sangue a se banhar. Tinnir de ferros... estallar do açoite... Legiões de homens negros como a noite, Horrendos a dansar... E ri-se a orchestra, ironica, estridente... E da ronda phantastica a serpente Faz doudas espiraes... Si o velho arqueja... si no chão resvalla, Ouvem-se gritos... o chicote estalla. E voam mais e mais... No entanto o capitão manda a manobra E appós, fictando o céu que se desdobra Tão puro sobre o mar, Diz do fumo entre os densos nevoeiros: "Vibrae rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais dansar!..." Quem são estes desgraçados, Que não encontram em vós, Mais que o rir calmo da turba Que excita a furia do algoz?}


RHAPSODIAS HUMANAS 93 [20] O poema allude ao seguinte sonnetto, tambem relido no livro CRITICA SYLLYRICA: NÃO TE CASES! (Claudio Manuel da Costa) {Não te cases com Gil, bella serrana; Que é um vil, um infame, um desastrado; Bem que elle tenha mais devesa, e gado, A minha condição é mais humana. Que mais te pode dar sua cabana, Que eu aqui te não tenha apparelhado? O leite, a fructa, o queijo, o mel dourado; Tudo aqui acharás nesta choupana: Bem que elle tange o seu rabil grosseiro, Bem que te louve assim, bem que te adore, Eu sou mais extremoso, e verdadeiro. Eu tenho mais razão, que te enamore: E si não, diga o mesmo Gil vaqueiro: Si é mais, que elle te cante, ou que eu te chore.}


94 GLAUCO MATTOSO [21] O poema allude ao seguinte sonnetto, tambem relido no livro CRITICA SYLLYRICA: CHIMERAS (Gonçalves Crespo) {O mar ja me temptou: adspirações fogosas Fizeram-me idear phantasticas viagens; Eu sonhava trazer de incognitas paragens Noticias immortaes às gentes curiosas. Mais tarde desejei riquezas fabulosas, Um palacio escondido em murmuras folhagens, Onde eu fosse occultar as candidas imagens Das virgens que evoquei por noites silenciosas. Mas, tudo isso passou: agora só me resta Das chimeras que tive, uma visão modesta, Um sonho encantador, de paz e de ventura. É simples: uma alcova, um berço, um innocente, E uma esposa adorada, envolta, a negligente! De um longo penteador na immaculada alvura...}


RHAPSODIAS HUMANAS 95 [22] Allusão à canção hippie abbaixo transcripta, gravada pelos Byrds e pelo Jefferson Airplane. TRIAD (David Crosby) {You want to know how it will be Me and her/him or you and me You both stand there your long hair flowing Your eyes alive your mind still growing Saying to me - "What can we do now that we both love you" I love you too - I don't really see Why can't we go on as three You are afraid - embarrassed too No one has ever said such a thing to you Your mother's ghost stands at your shoulder Face like ice - a little bit colder Saying to you - "You can not do that, it breaks All the rules you learned in school" I don't really see Why can't we go on as three We love each other - it's plain to see There's just one answer that comes to me Sister-lovers-water-brothers And in time - maybe others So you see - what we can do is to try something new If you're crazy too - I don't really see Why can't we go on as three}


96 GLAUCO MATTOSO [23] O poema allude ao seguinte sonnetto, tambem relido no livro CRITICA SYLLYRICA: BOCCA (Cruz e Souza) {Bocca viçosa, de perfume a lirio, da limpida frescura da nevada, bocca de pompa grega, purpureada, da magestade de um damasco assyrio. Bocca para deleites e delirio da volupia carnal e hallucinada, bocca de Archanjo, temptadora e arqueada, temptando Archanjos na amplidão do Empyreo, bocca de Ophelia morta sobre o lago, dentre a aureola de luz do sonho vago e os faunos leves do luar inquietos... Extranha bocca virginal, cheirosa, bocca de myrrha e incensos, milagrosa nos philtros e nos toxicos secretos...} [24] O poema allude à concepção esthetica mais commum no fetichismo podophilo, assim explicada por Mattoso no texto introductorio ao livro PODOLATRIA NA POESIA, que reune os sonnettos mais explicitos de Luiz Delphino, a exemplo dos dois infracitados, o segundo dos quaes não passa duma reformulação do primeiro a fim de que possa ser endereçado à musa Hellena, ausente da composição anterior. {Com effeito, o pezinho feminino idealizado por Delphino teria que ser necessariamente arqueado, justificando o bom gosto esculptural


RHAPSODIAS HUMANAS 97 e anatomico do estheta. Affinal, Delphino, antes de lyrico, era medico. Si a preferencia pelo pé ja seria, por si mesma, excentrica, não se esperaria que cultuasse um pé grande nem chato, logicamente. José de Alencar dera provas desse retifismo refinado no romance A PATTA DA GAZELLA (que parodiei mais pornographicamente em A PLANTA DA DONZELLA), e Delphino vem a ser o melhor equivalente poetico dessa prosa romantica.} DIALOGO (Luiz Delphino) {Melancholico, eu hontem te dizia, (Olha: -- 'star triste em mim é 'star contente) -- Que todo o céu e o que elle tem queria, Por te calçar com elle o chão somente, Como à Virgem fazer nos quadros via, Entre estrellas, e a lua no crescente. -À luz de um riso, que em teus olhos ria, Disseste: -- Falta: exquesce-lhe a serpente. -Sim, eu quero isso tudo num só instante, E entre os soes e o luar do teu semblante, Ver que em ti a Madonna se renova: Pouco e pouco ir perdendo os meus sentidos, E entre o aroma subtil dos teus vestidos, Achar, na cova dos teus pés, a cova.} SOB A MADONNA (Luiz Delphino) {Hellena, eu hontem serio te dizia, (Quando estou serio e triste estou contente) Que todo o céu, e o que elle tem, queria Para elles encher-te o chão somente,


98 GLAUCO MATTOSO Como a Virgem fazer nos quadros via, Entre estrellas e a lua no crescente, À luz de um riso, que em teus olhos via... Disseste: -- Vê, exquesce-lhe a serpente... Pois sim: quero ser ella um só instante, E entre soes e os clarões do teu semblante Ver que em ti a Madonna se renova: Pouco e pouco ir perdendo os meus sentidos, E entre o aroma subtil dos teus vestidos, Achar na cova dos teus pés a cova...} [25] Allusivo ao poema de Carlos Drummond de Andrade abbaixo transcripto. NO MEIO DO CAMINHO {No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me exquescerei desse accontescimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me exquescerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra.}


RHAPSODIAS HUMANAS 99 [26] Allusivo ao seguinte sonnetto de Emilio de Menezes: {É De De Ou

um bandeirante novo, sem as botas andar em carrascaes, ou serras brutas, penetrar nas mais profundas grottas se internar nas mais soturnas gruttas.

É o bandeirante urbano nas devotas Anxias de ver em formas resolutas, O exsplendor das metropoles remotas Em plinthos, columnatas e volutas. Elle antevê, nas cores mais exactas Da Paulicéa as graças infinitas, No aureo fulgor de magicas palhetas. Porem, depois dos bons tempos de prattas, Elle que é homem que detesta as fitas, Sente a falta do "arame" nas gavetas.}


100 GLAUCO MATTOSO [27] Allusivo ao sonnetto abbaixo transcripto. CRUCIFICADA (Florbella Espanca) {Amiga... noiva... irman... o que quizeres! Por ti, todos os céus terão estrellas, Por teu amor, mendiga, hei-de merescel-as Ao beijar a esmolla que me deres. Podes amar até outras mulheres! - Hei-de compor, sonhar palavras bellas, Lindos versos de dor só para ellas, Para em languidas noites lhes dizeres! Crucificada em mim, sobre os meus braços, - Hei-de poisar a bocca nos teus passos P'ra não serem pisados por ninguem. E depois... Ah! Depois de dores tamanhas Nascerás outra vez de outras entranhas, Nascerás outra vez de uma outra Mãe!}


RHAPSODIAS HUMANAS 101 [28] O poema allude ao seguinte sonnetto, tambem relido no livro CRITICA SYLLYRICA: RIO (Hermes Fontes) {-- Bojuda serpe, docil crocodillo -colleia o rio... Attraz, uma montanha figura um cavalleiro a perseguil-o de longe... E, distanciando-se, o accompanha. Addeante, o bosque todo se emmaranha para deter-lhe o curso e constringil-o: o rio, surdo e cego à admeaça extranha, vae correndo, monotono e tranquillo... Abre-se o abysmo alli para tragal-o: e o rio, dorso ondeante ao beijo eoleo, salta, a crina a fluctuar... regio cavallo! E ancho, e triumphante, como um rei no solio, advança para o Mar, quer dominal-o... E o Mar, que o espera, num bocejo, engole-o...}


102 GLAUCO MATTOSO [29] Allusivo ao sonnetto abbaixo transcripto. NUTRISCO ET EXTINGUO (divisa de Francisco I) (Martins Fontes) {A Salamandra, quando a fogueira ferve e flammeja, Dentro da noite, negra e silente, no quiriry, Valsa nas chammas, brinca e delira, cor de cereja, Cor de amethysta, cor de topazio, cor de rubi! E o Fogo Um potro Lambe-a, E amante

exalta-se e, endoidescido pela pelleja, imita, paresce um gallo, lembra o sacy! saltando, dá gargalhadas, e a apperta e beija! joven, demonio alegre, canta e sorri!

E a Salamandra, tendo mil cores, toda amarella, Ou verde toda, rolla nos braços do seu senhor, E tresvaria na ronda ardente da tarantella! E ao se estreitarem, com tanta freima, tanto furor, Elle, demonstra sentir-se amado, mas só por ella, E ella que vive somente delle, tal qual o Amor!} [30] Allusivo à seguinte passagem de Gilberto Freyre em SOBRADOS E MOCAMBOS. {Ao que se deve accrescentar o regalo -- este principalmente dos meninos das casas-grandes e dos sobrados -- de terem os pés catados por bonitas mucamas, peritas na extracção de bichos: extracção quasi sempre precedida de voluptuosa comichão, a que os dedos das mulatas sabiam dar allivio, abbrandando-a numa especie de coceira postoperatoria. Era a extracção de bicho-de-pé em menino ou menina, por mão macia de mucama de sobrado ou casa-grande, uma como


RHAPSODIAS HUMANAS 103 catação de piolho nos pés. Voluptuosa, tambem, como o cafuné. Em viagem, os proprios adultos tinham em areas como a mineira os pés catados por peritos em extrahir bichos: "at which operation they are very expert", escreveu dos mineiros o inglez James Holman que, cego, paresce ter tido olhos, e não appenas sensibilidade, nas ponctas dos dedos dos pés: olhos para accompanharem as operações de extracção de bichos, precedidas da lavagem dos pés em bacia ou alguidar, por mãos de escravo ou escrava. Ora, o lavapés mais ou menos voluptuoso pode ser incluido entre os orientalismos que characterizaram a vida patriarchal no Brazil.} [31] Allusivo à seguinte passagem de Gilberto Freyre em SOBRADOS E MOCAMBOS, sobre como se idealizava, no seculo XIX, {os pés pequenos, bonitos e bem calçados das mulheres senhoris em objectos quasi de culto ou de devoção da parte dos homens: culto social e sexual que assumiu adspecto francamente religioso, ao mesmo tempo que symbolico, na devoção pelos chamados "sapatos de Nossa Senhora". Ewbank ainda encontrou no Rio de Janeiro do meado do seculo XIX, o culto da "sola do sapato de Nossa Senhora", sola que era beijada por homens de cor tanto quanto por senhores brancos e respeitaveis. Viu o observador norte-americano um devoto beijar "the framed pattern of Mary's shoe-sole": o devoto "putting his hands against the white-washed wall, pressed his mouth and rubbed his nose against it". O culto -- talvez reminiscencia do Oriente na vida ou na cultura portugueza do Brazil -- paresceu a Ewbank, "unctuoso".} [32] Allusão a um depoimento de Ruth Escobar internauticamente transcripto no trecho abbaixo. {Jean Genet chegou numa manhan de sol, em junho de 1970. Os jornalistas accotovellavam-se no aeroporto. Elle passou rosnando,


104 GLAUCO MATTOSO bufando, azedo; mal me cumprimentou. Caminhava tão rapidamente que eu me desequilibrava nos meus saltos altos. Trouxe-o para casa. Excitava-me ter em meu convivio o auctor de minha grande obra. (...) Dentro de casa portava-se ora como o vovô de minhas filhas Ruthinha e Ignez, ora como uma creança temperamental. Na epocha, as más linguas expalhavam que elle não gostara do espectaculo, o que não é verdade. O theatro não mobilizava mais Jean Genet. Dizia que o theatro estava morto, recusou-se a ver os integrantes do Living Theatre que foram visital-o em casa, nem siquer acceitou receber Julian Beck ou Judith Malina. Sua loucura agora, dizia, era "la politique". Conversavamos até de madrugada, elle não se cansava de contar-nos historias da prisão e suas adventuras no exercito francez na Argelia. Nunca me preoccupei em adveriguar si Genet realmente fizera o serviço militar, mesmo porque suas historias eram absolutamente irreaes, semelhantes a um filme do Gordo e do Magro no exercito. Riamos até a hysteria; Genet se deliciava e contava mais. Tinha insomnia, só quebrada à custa de somniferos. Às vezes, de madrugada, surprehendia-nos invadindo nosso quarto, enfiando-se em nossa enorme cama D. João V, exfregando as mãos de contente, como quem está appromptando o maior rebu, e dizendo: "Alors, les enfants, on va bavarder! Assez dormir, vous avez l'éternité pour dormir!" O peor não era quebrar o somno, mas o chulé que se expalhava pelos lençoes. Eu reclamava: "Jean, de novo você não lavou os pés antes de dormir!" Elle ria, adorando: "Mas é bom este cheiro, é do melhor queijo francez, authentico port-salut." Eu sahia tonta da cama, appanhava uma toalha embebida em agua quente e sabão e, feito Maria, lavava-lhe os pés brancos, alvos qual leite.}


RHAPSODIAS HUMANAS 105 [33] Allusivo ao sonnetto abbaixo transcripto. REFLEXÕES (Gilka Machado) {Homem! um dia para mim partiste, colhendo-me no horror da plenitude de uma penuria em que eu medrava, triste, qual flor de neve em meio a herma palude. Desde então, com prazer, sempre, seguiste os desfolhos da minha juventude; e o tempo faz que para mim se enriste melhor teu tracto cada vez mais rude. Si fiel a ti o corpo meu persiste, a alma idealiza o amor, sonha-o, se illude... guardes-me, embora, de perfidia em riste! À pertinacia do teu tracto rude, o amor se fez minha virtude triste e meu peccado cheio de virtude!}


106 GLAUCO MATTOSO [34] Allusivo ao sonnetto de Luiz Guimarães Junior abbaixo transcripto. A BORRALHEIRA {Meigos pés, pequeninos, delicados, Como um duplo lilaz, si os beijaflores Vos descobrissem entre as outras flores, Que seria de vós, pés adorados! Como dois gemeos sylphos animados, Vi-vos hontem pairar entre os fulgores Do baile, ariscos, brancos, temptadores, Mas, -- Ai de mim! -- como os mais pés, calçados. Calçados como os mais! Que desaccapto! Disse eu... Vou ja talhar-lhes um sapato Leve, ideal, phantastico, secreto... Eil-o. Resta saber, anjo faceiro, Si accertou na medida o sapateiro: Mimosos pés, calçae este sonnetto!}


RHAPSODIAS HUMANAS 107 [35] O poema allude ao seguinte sonnetto, tambem relido no livro CRITICA SYLLYRICA: VERSOS A MIM MESMO (J. G. de Araujo Jorge) {Anda! Segue a cantar!... Falla aos outros da Vida livre, e pura, e feliz, e exsplendida, e radiosa! Lucta por teu amor! E a alma em anxia possuida segundo por segundo os teus segundos goza! Que a vida é pura e é boa, e chega a ser formosa quando pode affinal ser amada e vivida, -- si o dinheiro é a moral, e a força é a lei honrosa, vive livre e sem leis que a Terra está perdida! Si fallarem de templos, -- olha o céu!... te basta! Si fallarem de fé, -- adora a terra!... é tua! E que no teu viver errante e iconoclasta ergas sempre o teu verbo olympico e pagão deante da multidão que vacilla e recua arrastando à hecatombe a civilização!}


108 GLAUCO MATTOSO [36] Allusivo ao sonnetto abbaixo transcripto. LAGRYMA -- VELHO THEMA (Jorge de Lima) {Ó lagryma bemdicta e sancta e universal, Eu te quero cantar, e este meu canto inspire-o A feição que eu te dei, de interprete geral Da dor -- de todo ser infallivel martyrio... Que processo te faz no minerio em crystal, E na gotta que luz no calice do lirio? Talvez tenham os dois, uma tortura egual À tortura que funde em lagrymas o cirio. Seja embora illusão, hei de sempre mantel-a: -- No concavo do céu, ha lagrymas astraes E o bolide celeste é a lagryma da estrella! Malfadadas irmans! -- são lagrymas eguaes: A resina que cobre as arvores fendidas E a lagryma de dor das intimas feridas!}


RHAPSODIAS HUMANAS 109 [37] Allusivo ao sonnetto abbaixo transcripto. CEGA (Francisca Julia) {Tropega, os braços nus, a fronte pensa, varias Vezes, quando no céu o louro sol desponcta, Vejo-a, no seu andar de somnambula tonta, Despertando a mudez das viellas solitarias. Arrhymada ao bordão, la vae... Imaginarias Cousas pensa... Verões e hinvernos maus affronta... Dores que tem soffrido a todo mundo conta Na linguagem senil das suas velhas arias. Cega! que negra mão, entre os negros escolhos Do chaos, foi procurar a treva, que ennegresce, Para cegar-te a vista e escurescer-te os olhos? Cega! quanta poesia exsiste, amargurada, Nesses olhos que estão sempre abertos e nesse Olhar, que se abre para o céu, e não vê nada!...}


110 GLAUCO MATTOSO [38] Allusivo à canção cuja lettra vae abbaixo transcripta. JOHN SINCLAIR (John Lennon) {It ain't fair, John Sinclair In the stir for breathing air Won't you care for John Sinclair? In the stir for breathing air Let him be, set him free Let him be like you and me They gave him What else can Gotta, gotta, Gotta, gotta, Gotta, gotta, Gotta, gotta,

ten for two the judges do? gotta, gotta, gotta, gotta, gotta, gotta, gotta set him free

If he'd been a soldier man Shooting gooks in Vietnam If he was the CIA Selling dope and making hay He'd be free, they'd let him be Breathing air, like you and me They gave him What else can Gotta, gotta, Gotta, gotta, Gotta, gotta, Gotta, gotta,

ten for two the judges do? gotta, gotta, gotta, gotta, gotta, gotta, gotta set him free


RHAPSODIAS HUMANAS 111 They gave him ten for two They got Ali Otis too. Gotta, gotta, gotta, gotta, Gotta, gotta, gotta, gotta, Gotta, gotta, gotta, gotta, Gotta, gotta, gotta set him free Was he jailed for what he done? Or representing everyone Free John now, if we can From the clutches of the man Let him be, lift the lid Bring him to his wife and kids They gave him What else can Gotta, gotta, Gotta, gotta, Gotta, gotta, Gotta, gotta,

ten for two the bastards do? gotta, gotta, gotta, gotta, gotta, gotta, gotta set him free}


112 GLAUCO MATTOSO [39] Allusivo ao sonnetto abbaixo transcripto. PERFUME DE FLOR (Zé Limeira) {Um urubu voava pelo espaço Buscando uma carniça "petrefacta". Engasgado com casca de batata, Vomitou na cabeça de um cabaço. E depois, lentamente, passo a passo, Elle disse: "Essa vida é tão ingrata! Pois viver la por cyma é cousa chata! Vou dormir sobre as grades dum terraço!" Diz o povo que o espaço é cousa rica, Mas quem vae para la, por la não fica E o diabo é quem vae, só corta jaca! Ao findar a conversa foi descendo; Logo cedo um rapaz o viu comendo Merda secca na poncta duma estacca.}


RHAPSODIAS HUMANAS 113 [40] O poema allude ao seguinte sonnetto, tambem relido no livro CRITICA SYLLYRICA: SOBRE O ADJOUJO DAS BALSAS (Arthur Lobo) {Amplo, profundo, turgido, sombrio -- Ora estreitando, ora appartando mais O leito -- desce o caudaloso rio... Desce por entre tremulos juncaes. No calmo espelho crystallino e frio, Aberto ao sol e às pompas tropicaes De um verdejante e longo renque exguio Miram-se as palmas dos burityzaes. Na praia abstrusa, modorrando à toa, Indifferente e formidanda, a boa Dorme do sol ao rutilo clarão; E sobre a abrupta penedia bronca Rhoncha a panthera, e a catadupa rhoncha Abballando o vastissimo sertão!}


114 GLAUCO MATTOSO [41] Allusivo à canção cuja lettra vae abbaixo transcripta. SOMETIMES I FORGET (Loudon Wainwright) {Sometimes I forget that you've gone You've gone, and you're not coming back And it's hard to believe that you're still not here What's left behind, disputes that fact Your closet is still full of your clothes and shoes And your bookcase still holds all your books It's as if all you've done is go out of town You'll be back soon, that's just how it looks But your suitcase is empty, it's right here in the hall That's not even the strangest thing Why would you leave your wallet behind Your glasses, your wristwatch and ring Your glasses, your wristwatch and ring Sometimes I forget that you've gone That we'll never see you again I think for a moment, I've got to give him a call But I can't now I realize that No we can't meet for lunch at the usual place The place where we always would go And there was something I wanted to tell you so bad Something I knew that you'd want to know I could go by myself to our old haunt That seems like such a strange thing to do The waiters would wonder what was going on Why weren't you there, where were you Why weren't you there, where were you


RHAPSODIAS HUMANAS 115 Sometimes I forget that you've gone I remember and I feel the ache How could it have happened, how could it be It's not true, there must be some mistake Moments, memories, tell me what good are they No they're not much to have and to hold And it's true that you're gone And you're not coming back And this world seems so empty and cold But sometimes something happens It doesn't seem strange You're not far away, you're near Sometimes I forget that you've gone Sometimes it feels like you're right here Right now it feels like you're right here}


116 GLAUCO MATTOSO [42] Allusivo ao sonnetto abbaixo transcripto. CIRCULO VICIOSO (Machado de Assis) {Bailando no ar, gemia inquieto vagalume: "Quem me dera que eu fosse aquella loura estrella, Que arde no eterno azul, como uma eterna vella!" Mas a estrella, fictando a lua, com ciume: "Pudesse eu copiar-te o transparente lume, Que, da grega columna à gothica janella, Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bella!" Mas a lua, fictando o sol com azedume: "Misera! tivesse eu aquella enorme, aquella Claridade immortal, que toda a luz resume!" Mas o sol, inclinando a rutila cappella: "Pesa-me esta brilhante aureola de nume... Enfara-me esta azul e desmedida umbella... Por que não nasci eu um simples vagalume?"}


RHAPSODIAS HUMANAS 117 [43] Allusivo ao sonnetto do Lobo da Madragoa no qual é caricaturado "um sargento-mor de Alcacer, por nome Pedro de tal, que mandava o seu retracto à sua noiva". {Um olho cor de esponja, outro albacento, cinco dentes fronteiros putrefactos, casaca, veste, e todos os mais fatos tudo roupa de preso, assaz nojento: A peruca, de pello de jumento; a bolsa, ninho de um casal de rattos, as tombas sempre avulsas nos sapatos, as meias besunctadas com unguento: Este o Pedro primeiro gallicado, que tem sido da historia para adorno do exercito de putas attaccado: Com que, Phyllis, fallemos sem suborno: veja você, depois de estar casado, si um traste destes deixa de ser corno!}


118 GLAUCO MATTOSO [44] EU SEI SOFFRER (Noel Rosa, 1937) {Quem é que ja soffreu mais do que eu? Quem é que ja me viu chorar? Soffrer foi o prazer que Deus me deu. Eu sei soffrer sem reclamar. Quem soffreu mais que eu não nasceu. Com certeza Deus ja me exquesceu. Mesmo assim, não cansei de viver e na dor eu encontro o prazer. Saber soffrer é uma arte e pondo a modestia de parte eu posso dizer que sei soffrer. (...)} [45] Allusivo à seguinte passagem do livro 1984 de George Orwell. {-- O verdadeiro poder, o poder pelo qual temos de luctar dia e noite, não é o poder sobre as coisas, mas sobre os homens. -Fez uma pausa e por um momento tornou a assumir o ar de mestreeschola interrogando o alumno experto: -- Como é que um homem affirma o seu poder sobre outro, Winston? Winston reflectiu. -- Fazendo-o soffrer. A obediencia não basta. A menos que soffra, como podes ter certeza de que elle obedesce tua vontade e não a delle? O poder reside em infligir dor e humilhação. O poder está em se despedaçar os cerebros humanos e tornar a junctal-os da forma que se entender. Começas a distinguir que typo de mundo estamos creando? É exactamente o contrario das estupidas utopias hedonisticas que os antigos reformadores imaginavam. Um mundo de medo, trahição e tormento, um mundo de pisar ou ser pisado, um mundo que se tornará cada vez mais impiedoso, à medida que se


RHAPSODIAS HUMANAS 119 refina. O progresso em nosso mundo será o progresso no sentido de maior dor. As velhas civilizações proclamavam-se fundadas no amor ou na justiça. A nossa funda-se no odio. Em nosso mundo não haverá outras emoções alem do medo, furia, triumpho e autodegradação. Destruiremos tudo mais -- tudo. Ja estamos liquidando os habitos de pensamento que sobreviveram de antes da Revolução. Cortamos os laços entre filho e pae, entre homem e homem, entre mulher e homem. Ninguem mais ousa confiar na esposa, no filho ou no amigo. Mas no futuro não haverá esposas nem amigos. As creanças serão tomadas das mães ao nascer, como se tiram os ovos da gallinha. O instincto sexual será exstirpado. A procreação será uma formalidade annual como a renovação de um talão de racionamento. Aboliremos o orgasmo. Nossos neurologistas estão trabalhando nisso. Não haverá lealdade, excepto lealdade ao Partido. Não haverá amor, excepto amor ao Grande Irmão. Não haverá riso, excepto o riso de victoria sobre o inimigo derroptado. Não haverá nem arte, nem litteratura, nem sciencia. Quando formos omnipotentes, não teremos mais necessidade de sciencia. Não haverá mais distincção entre a belleza e a feiura. Não haverá curiosidade, nem fruição do processo da vida. Todos os prazeres concorrentes serão destruidos. Mas sempre... não te exquesças, Winston... sempre haverá a embriaguez do poder, constantemente crescendo e constantemente se tornando mais subtil. Sempre, a todo momento, haverá o gozo da victoria, a sensação de pisar um inimigo inerme. Si queres uma imagem do futuro, pensa numa bota pisando um rosto humano -- para sempre. (...) E lembra-te de que é para sempre. O rosto estará sempre alli para ser pisado. O herege, o inimigo da sociedade, alli estará sempre, para ser sempre derroptado e humilhado.}


120 GLAUCO MATTOSO [46] O poema allude ao seguinte sonnetto, tambem relido no livro CRITICA SYLLYRICA: ESTELLA E NIZE (Alvarenga Peixoto) {Eu Fiz Mas Que

vi a linda Estella, e namorado logo eterno voto de querel-a; vi depois a Nize, e a achei tão bella meresce egualmente o meu cuidado.

A qual excolherei, si neste estado Não posso distinguir Nize de Estella Si Nize vir aqui, morro por ella; Si Estella agora vir, fico abbrazado. Mas, ah! que aquella me despreza amante, Pois sabe que estou preso em outros braços, E esta não me quer por inconstante. Vem, Cupido, soltar-me destes laços: Faze de dois semblantes um semblante, Ou divide o meu peito em dois pedaços!}


RHAPSODIAS HUMANAS 121 [47] Allusivo à "Ode maritima" de Fernando Pessoa, evocada nas passagens abbaixo, e ao auctor do livro BLINDNESS: THE HISTORY OF A MENTAL IMAGE IN WESTERN THOUGHT, Moshe Barasch, que ommitte os adspectos mais barbaros na historia da cegueira. {Pensando nisto -- ó raiva! pensando nisto -- ó furia! Pensando nesta estreiteza da minha vida cheia de anxias, Subitamente, tremulamente, extraorbitadamente, Com uma oscillação viciosa, vasta, violenta, Do volante vivo da minha imaginação, Rompe, por mim, assobiando, silvando, vertiginando, O cio sombrio e sadico da estridula vida maritima.} {Façam enxarcias das minhas veias! Admarras dos meus musculos! Arranquem-me a pelle, preguem-a às quilhas! E possa eu sentir a dor dos pregos e nunca deixar de sentir! Façam do meu coração uma flammula de almirante Na hora de guerra dos velhos navios! Calquem aos pés nos convezes meus olhos arrancados! Quebrem-me os ossos de encontro às admuradas! Fustiguem-me aptado aos mastros, fustiguem-me!} {Convezes cheios de sangue, fragmentos de corpos! Dedos deceppados sobre admuradas! Cabeças de creanças, aqui, acolá! Gente de olhos fora, a gritar, a uivar!}


122 GLAUCO MATTOSO [48] Allusão a uma novella de Rimbaud traduzida por Ivo Barroso como UM CORAÇÃO SOB A SOTTAINA e internauticamente transcripta abbaixo nas passagens pertinentes. {Timothina contemplou meus sapatos; senti calor, meus pés queimavam sob o seu olhar, e nadavam em suor; pois dizia commigo: estas meias que estou usando ha ja um mez, foram um presente de seu amor, e estes olhares que ella attira aos meus pés, um testemunho de seu amor; ella me adora! E eis sinão quando me paresceu que um certo cheiro me sahia dos sapatos.} {Alem disso, della conservo uma doce lembrança: ha mais de um anno que venho usando as meias que ella me deu... essas meias, meu Deus!, quero tel-as nos pés quando entrar em vosso sancto paraiso!...}


RHAPSODIAS HUMANAS 123 [49] Allusivo à seguinte canção de Pete Seeger: WHERE HAVE ALL THE FLOWERS GONE? {Where have all the flowers gone, long time passing? Where have all the flowers gone, long time ago? Where have all the flowers gone? Young girls picked them, ev'ry one. Oh, When will they ever learn? Oh, when will they ever learn? Where have all the Where have all the Where have all the Gone to young men, Oh, when will they

young girls young girls young girls ev'ry one. ever learn?

Where have all the young Where have all the young Where have all the young Gone for soldiers, ev'ry When will we ever learn?

gone, long time passing? gone, long time ago? gone? Oh, when will they ever learn?

men gone, long time passing? men gone, long time ago? men gone? one. Oh, when we ever learn?

Where have all the soldiers gone, long time passing? Where have all the soldiers gone, long time ago? Where have all the soldiers gone? Gone to graveyards, ev'ry one. When will they ever learn? Oh, when will they ever learn? Where have all the graveyards gone, long time passing? Where have all the graveyards gone, long time ago? Where have all the graveyards gone? Gone to flowers, ev'ry one. When will they ever learn? Oh, when will they ever learn?}


124 GLAUCO MATTOSO [50] Allusivo ao sonnetto abbaixo transcripto. A BARATTA (Gustavo Teixeira) {Nas fendas e desvãos, em lar humilde ou nobre, Fora da luz, se esconde a timida baratta. Si sae do esconderijo e humano olhar descobre, Prestes foge, e o pavor mais a accelera e acchata. Raro expalma num voo as asas cor de cobre. A farejar com a tromba, em tudo põe a patta. Ladra voraz, não poupa o negro pão do pobre, Tisna as chartas de amor, mancha o crystal e a pratta. Mumia escamosa, o odor que exhala causa nojo. Cauta, vive a expreitar do fundo do seu fojo A lesma que rasteja e o passaro que voa. Mas raia uma hora azul tambem em sua vida: De branco, um dia, accorda! E é bella, assim vestida, Como a noiva que o amor ao pé do altar coroa...}


RHAPSODIAS HUMANAS 125 [51] O poema allude ao seguinte sonnetto, tambem relido no livro CRITICA SYLLYRICA: DEFINIÇÃO (Bastos Tigre) {Amor é mal e é Mas, sendo mal, Chora o amante, E ri da dor, si

mal que não tem cura; soffrel-o nos faz bem. si o amor lhe dá ventura delle, a dor lhe vem.

O amor é vida e leva à sepultura; É doce philtro, o amor, e fel contem; É luz e faz viver em noite escura, Tonto, a tactear, o alguem que ama outro alguem. Appesar de cego o amor, vê o invisivel; Por firme que se mostre, é sempre vario; É Deus e faz, de um sancto, um peccador. Inerme e fracco, é força irresistivel; Sendo, pois, a si mesmo tão contrario, Quem é que pode definir o amor?...}


126 GLAUCO MATTOSO [52] Allusivo à canção cuja lettra vae abbaixo transcripta, descomptados os possiveis erros das fontes virtuaes. BUSH DOCTOR (Peter Tosh) {Warning! The Surgeon General warns Cigarette smoking is dangerous, dangerous Hazard to your health Does that mean anything to you? To legalize marijuana, yeah Right here in Jamaica, yeah Them say it cure glaucoma, yeah I-man a the Bush Doctor, yeah So there'll be No more smokin' And feelin' tense When I see them a come I don't have to jump no fence Legalize marijuana, yeah Down here in Jamaica, yeah Only cure for asthma, yeah I-man a the minister, yeah So there'll be no more, police brutality No more disrespect for humanity Legalize marijuana, yeah Down here in Jamaica, yeah It can build up a failing economy, yeah Eliminate the slavish mentality, yeah


RHAPSODIAS HUMANAS 127 So there'll be no more illegal, humiliation And no more police interrogation Legalize marijuana Down here in sweet Jamaica Only cure for glaucoma I-man a the Bush Doctor, yeah And there'll be No more need to smoke and hide When you know you're takin' a legal ride So legalize marijuana Down here in Jamaica It's the only cure for glaucoma I-man a the minister, yeah}


128 GLAUCO MATTOSO [53] Allusivo ao sonnetto de Cesario Verde abbaixo transcripto. PROH PUDOR! {Todas as noites ella me cingia Nos braços, com brandura gasalhosa; Todas as noites eu addormescia, Sentindo-a desleixada e langorosa. Todas as noites uma phantasia Lhe emanava da fronte imaginosa; Todas as noites tinha uma mania Aquella concepção vertiginosa. Ella tinha um furor dos mais soturnos, Agora, ha quasi um mez, modernamente, Furor original, impertinente... Todas as noites ella, ó sordidez! Descalçava-me as botas, os cothurnos E fazia-me cocegas nos pés...}


RHAPSODIAS HUMANAS 129 [54] Allusivo ao sonnetto abbaixo transcripto. ESPERANÇA (Vicente de Carvalho) {Só a leve esperança, em toda a vida, Disfarsa a pena de viver, mais nada; Nem é mais a exsistencia, resumida, Que uma grande esperança mallograda. O eterno sonho da alma desterrada, Sonho que a traz anxiosa e embevescida, É uma hora feliz, sempre addiada E que não chega nunca em toda a vida. Essa felicidade que suppomos, Arvore milagrosa que sonhamos Toda arreada de dourados pomos, Exsiste, sim: mas nós não a alcançamos Porque está sempre appenas onde a pomos E nunca a pomos onde nós estamos.}


130 GLAUCO MATTOSO [55] Allusivo ao sonnetto abbaixo. SONNETTO DE FIDELIDADE (Vinicius de Moraes) {De tudo, ao meu amor serei attento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Delle se encante mais meu pensamento. Quero vivel-o em cada vão momento E em seu louvor hei de expalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento. E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angustia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja immortal, posto que é chamma Mas que seja infinito emquanto dure.}


SUMMARIO SEGUNDA RHAPSODIA ALENCARIANA............................ 9 RHAPSODIA AMARALIANA.................................... 10 RHAPSODIA ANDRADEANA DO MARIO........................... 11 RHAPSODIA ANDRADEANA DO DJALMA.......................... 12 RHAPSODIA APOLLINAIREANA................................ 13 PRIMEIRA RHAPSODIA AUGUSTIANA........................... 14 SEGUNDA RHAPSODIA AUGUSTIANA............................ 15 RHAPSODIA AZEVEDIANA DE ALUIZIO......................... 16 RHAPSODIA AZEVEDIANA DE ALVARES......................... 18 RHAPSODIA BANDEIRIANA................................... 19 RHAPSODIA BARROSIANA.................................... 20 RHAPSODIA BASILIANA..................................... 21 RHAPSODIA BAUDELAIREANA................................. 22 RHAPSODIA BELMIRIANA.................................... 23 RHAPSODIA BILAQUIANA.................................... 24 RHAPSODIA BOCAGEANA..................................... 25 PRIMEIRA RHAPSODIA CAMONEANA............................ 26 SEGUNDA RHAPSODIA CAMONEANA............................. 27 RHAPSODIA CASSIANA...................................... 28 RHAPSODIA CASTRIANA..................................... 29 RHAPSODIA CLAUDIANA..................................... 31 RHAPSODIA CRESPIANA..................................... 32 RHAPSODIA CROSBYANA..................................... 33 RHAPSODIA CRUZIANA...................................... 34 SEGUNDA RHAPSODIA DELPHINIANA........................... 35 RHAPSODIA DRUMMONDIANA.................................. 36 RHAPSODIA DYLANIANA..................................... 37 RHAPSODIA EMILIANA...................................... 38 RHAPSODIA FLORBELLIANA.................................. 39 RHAPSODIA FONTESIANA DO HERMES.......................... 40


RHAPSODIA FONTESIANA DO MARTINS......................... PRIMEIRA RHAPSODIA FREYREANA............................ SEGUNDA RHAPSODIA FREYREANA............................. RHAPSODIA GENETIANA..................................... RHAPSODIA GILKIANA...................................... RHAPSODIA GUIMARANEANA.................................. RHAPSODIA JORGEANA DO ARAUJO............................ RHAPSODIA JORGEANA DO LIMA.............................. RHAPSODIA JULIANA....................................... RHAPSODIA LENNONIANA.................................... RHAPSODIA LIMEIRIANA.................................... RHAPSODIA LOBIANA....................................... RHAPSODIA LOUDONIANA.................................... RHAPSODIA MACHADIANA.................................... RHAPSODIA MADRAGOANA.................................... RHAPSODIA NOELIANA...................................... RHAPSODIA ORWELLIANA.................................... RHAPSODIA OSWALDIANA.................................... RHAPSODIA PEIXOTIANA.................................... RHAPSODIA PESSOANA...................................... RHAPSODIA RIMBAUDIANA................................... RHAPSODIA SADEANA....................................... RHAPSODIA SARTREANA..................................... RHAPSODIA SEEGERIANA.................................... RHAPSODIA TEIXEIRIANA................................... RHAPSODIA TIGREANA...................................... RHAPSODIA TOSHIANA...................................... RHAPSODIA VERDEANA...................................... RHAPSODIA VICENTEANA.................................... RHAPSODIA VINICIANA.....................................

41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 59 60 61 63 64 66 67 69 70 71 72 73 74


Titulos publicados: A PLANTA DA DONZELLA ODE AO AEDO E OUTRAS BALLADAS INFINITILHOS EXCOLHIDOS MOLYSMOPHOBIA: POESIA NA PANDEMIA RHAPSODIAS HUMANAS INDISSONNETTIZAVEIS LIVRO DE RECLAMAÇÕES VICIO DE OFFICIO E OUTROS DISSONNETTOS MEMORIAS SENTIMENTAES, SENSUAES, SENSORIAES E SENSACIONAES GRAPHIA ENGARRAFADA HISTORIA DA CEGUEIRA INSPIRITISMO MUSAS ABUSADAS SADOMASOCHISMO: MODO DE USAR E ABUSAR DESCOMPROMETTIMENTO EM DISSONNETTO DESINFANTILISMO EM DISSONNETTO SEMANTICA QUANTICA INCONFESSIONARIO DISSONNETTOS DESABRIDOS SONNETTARIO SANITARIO DISSONNETTOS DESBOCCADOS RHYMAS DE HORROR DISSONNETTOS DESCABELLADOS NATUREBAS, ECOCHATOS E OUTROS CAUSÕES A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO MANIFESTOS E PROTESTOS LYRA LATRINARIA DISSONNETTOS DYSFUNCCIONAES O CINEPHILO ECLECTICO A HISTORIA DO ROCK REESCRIPTA POR GM SCENA PUNK CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO


CANCIONEIRO CIRANDEIRO SONNETTRIP THANATOPHOBIA DESILLUMINISMO EM DISSONNETTO INGOVERNABILIDADE PEROLA DESVIADA O POETA PORNOSIANO BREVE ENCYCLOPEDIA DA TORTURA CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS RAYMUNDO CURUPYRA, O CAYPORA PAULYSSÉA ILHADA: SONNETTOS TOPICOS PRANTO EM PRETO E BRANCO GELÉA DE ROCOCÓ: SONNETTOS BARROCOS MADRIGAES TRAGICOMICOS PANACÉA: SONNETTOS COLLATERAES TRACTADO DE VERSIFICAÇÃO VENENOSAS FOFOCAS BAMBOS DITHYRAMBOS GERONTOPHOBIA



São Paulo Casa de Ferreiro 2022




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