ZEZÃO PEZÃO

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ZEZÃO PEZÃO



Glauco Mattoso

PROEZAS, TORPEZAS E EXPERTEZAS DE ZEZÃO PEZÃO

São Paulo Casa de Ferreiro


Zezão Pezão © Glauco Mattoso, 2024 Revisão Lucio Medeiros Projeto gráfico Lucio Medeiros Capa Concepção: Glauco Mattoso Execução: Lucio Medeiros ______________________________________________________________ FICHA CATALOGRÁFICA ______________________________________________________________ Mattoso, Glauco ZEZÃO PEZÃO/Glauco Mattoso São Paulo: Casa de Ferreiro, 2024 48p., 14 x 21cm CDD: B896.1 - Poesia 1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.


NOTA INTRODUCTORIA No livro FACA CEGA ja contei o caso de Zezão Pezão, que gay não era, mas fodia algum ceguinho, algum velho cacique do mesquinho reducto dos politicos, alem das putas que compunham seu harem. Em summa, aquelle experto gigolô rendeu, em verso, um cyclo bem pornô. Agora raccontada, aquella bella historia mais redonda se revela nos versos accrescidos ao sonnetto que embasa as adventuras que commetto sem pejo, pois veridico o que conto garanto ser aqui, poncto por poncto. Só falta à saga, para que complete seu cyclo, se editar como plaquette.



[1] PROEZAS (1/10) [1121/1130] (1) Pequeno ainda, eu tinha como esporte fazer outros meninos de cavallo. Montava-lhes no lombo e, nesse emballo, curvavam-se à vontade do mais forte. Um delles, sem amigo que o comforte, é a victima ideal: posso tractal-o do jeito que quizer. Tudo que fallo, fará, pois seu azar é minha sorte. Ceguinho elle não era, mas perdeu a vista ha pouco tempo. Mais gostoso ainda, deante do olho bom, que é meu. De quattro, elle rebella-se, queixoso, mas lembra que é Sansão, e o philisteu aqui sou eu: importa só o meu gozo. (2) De corpo, elle era até maior, e tinha mais peso que meu physico franzino. Mas cego appanha facil, e o menino levava soco, chute e “paulistinha”. Cansei de cavalgar. Elle engattinha, agora, à roda, emquanto disciplino seu lombo com um latego bem fino, que não viu mão mais habil do que a minha. Ja prompto a adjoelhar, fica defronte à rolla que lhe empurro bocca addentro. Ou chupa, ou toma o tapa que o ammedronte. Si a lingua não mexer emquanto eu entro e saio, {Vae comer}, lhe digo, {um monte!} Se empenha elle, e no orgasmo me concentro.

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(3) Mudei-me do suburbio, duma casa para um appartamento, em cujo predio não faltam chances para um bom assedio a alguma menininha que me appraza. Aquella que namora uma “rapaza” ficou marcada, e a turma macta o tedio pegando-a. Meu pau ella pega e mede-o: centimetro a centimetro, o acha, em braza. Um dia, a surprehendemos no terraço, transando com a outra: ou ella dava p’ra todos nós, ou deda-se... e um abbraço! Assim, nas duas demos foda brava! De chota enchi-me! Emfim, perdi o cabaço! Eis como um molecote se deprava! (4) Da lesbica a familia se mudou, mas uma solteirona, da janella, me vê batter punhetas loucas. Ella tambem vae fazer parte do meu show. Sorrio. Ella me accena, chama. Vou ao seu apê, mostrar que um magricella tem fogo e auctoridade. Ella me fella na marra: vae saber quem é que eu sou! Emquanto meu bimbão lhe cala a voz, pergunto: {Que tal, thia? Gosta disso?} E logo imponho um codigo entre nós: Eu mando, ella obedesce. Só lhe piço a chota appós chupado. Sempre a sós nos vemos, e ella é grata ao meu chouriço.

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(5) Assim funcciona: quando eu quero, ligo, e a dona solteirona me recebe. Eu tomo seu conhaque. Ella não bebe, excepto succo e porra. Entro e ja digo: {Me tira o tennis! Fica de castigo ahi, cheirando a meia!} Ella percebe que a classe media está servindo à plebe: {Si não me obedescer, vae ver commigo!} Depois que se humilhou, deixo que metta na bocca a rolla suja. Então decido si gozo-lhe na lingua ou na boceta. Jamais no predio alguem tinha comido aquella dona como este cappeta! Ja lava até meu tennis encardido! (6) Um dia, entediado, variei, levando dois amigos ao apê da dona, de surpresa. Ella nem crê naquillo que está havendo. Ahi, fallei: {Você vae dar pro Bruno e o Claudiney emquanto eu fico olhando! Ai de você si não collaborar! Faço um auê damnado!} E uma vez mais dictei a lei. Os dois fizeram della uma cachorra: foi posta de gattinhas, enrabada, fodida em sanduiche... E tome porra! Até documentei a surubada filmando no apparelho! Quem percorra a rede virtual não perde nada!

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(7) Mudou-se, tambem. Fico sem a escrava. Fazer o que? Descompto e vandalizo o muro, o elevador... “Não tem juizo? Moleque semvergonha!” A bronca é brava. Quem falla é o zelador, mas eu estava na minha: {Cala a bocca! Só lhe adviso que aqui sou seu patrão! Ainda piso na sua bocca!} E foi mandado à fava. Joguei na sua cara o que eu sabia de podre a seu respeito. Elle se dobra: “Você ganhou! Você manda, chefia!” E teve que provar: se fez de cobra e fiz que rastejasse. A serventia da lingua é minha bota: mãos à obra! (8) Primeiro, elle hesitou: “Não! Isso não! Não lambo essa botina! Tenha dó!” {Não lambe? É bom lamber, ou vae ver só! Si o syndico souber, é demissão!} Só falta elle chorar! Meus pés estão bem perto do seu rosto. Vendo o pó do couro, elle recua. {Vae, bocó! Engraxa a bota! E sirva de licção!} Emfim a lingua sordida se espicha e molha a superficie do calçado. Poeira grossa adhere àquella lixa. De nada addeantou ter se humilhado, pois foi mandado embora: sua ficha sujou, mas nada sobra pro meu lado.

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(9) Cresci, mas continuo magro e fracco. Na mente é que, porem, a gente é forte, alem da picca dura. Minha sorte é tanta, que não falta algum buraco. Agora é uma casada em quem eu tacco cacete: seu marido tem um porte de athleta, mas na mão deixa a consorte fogosa, e ella me accossa, me enche o sacco. Pois sabem o que armou a bella dama? Deixou que no flagrante elle pegasse nós dois em plena foda! Explico a trama: Sacando que elle é frouxo, em sua face joguei a condição: ou elle mamma meu pau e é corno manso, ou perde a classe. (10) Temendo algum escandalo, elle topa o chifre e até se assume como bicha: dou logo foda em ambos, e a salsicha de porra as boccas, cus e chota ensopa. Percebo que ella bebe e elle se dopa, mas pouco estou ligando: elle capricha si mando me chupar, e a galla exguicha na buça, onde ha logar para uma tropa. Assim, gigolotando, levo a vida até que novo officio me apparesça. Quem olha o meu jeitão, até duvida. Magrello, pé maior do que a cabeça, nariz e orelhas grandes... mas comida não falta, nem que um velho me offeresça.

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[2] TORPEZAS (11) DISSONNETTO DO BOM EXEMPLO [1134] Um dia, na tevê, passava a scena de alguem sendo lynchado. {Batte, vae!}, gritei, me enthusiasmando. {Olha, papae}, chamei, {vem ver como esse cara pena!} Notando que eu não tinha a menor pena da victima, meu velho extranha: “Uai, moleque, e ‘cê ‘tá rindo?” Hoje me cae a ficha: nunca amei a coisa amena. Não tarda, pincta a chance, e então proponho à turma: {Ei, quem que a gente vai zoar?} Alguem suggere: “A filha do Totonho!”, pois era a retardada do logar. Meu tom, ao responder, foi enfadonho: {Que nada! A mongoloide não vai dar! Sae sempre com o pae!} E o mais tristonho do bairro, um alleijado, é quem dá azar.

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(12) DISSONNETTO DO ESPORTE COLLECTIVO [1119] É facil judiar dum cego: a gente, barrando-lhe a passagem, a bengala lhe toma. Elle protesta, mas se cala, tombando, rasteirado, à nossa frente. Sabendo que um chutão lhe quebra o dente, resolve cooperar. Então se eguala ao cão, ao gatto, ao porco, e a gente falla: “De quattro! Agora deite! Rolle! Sente!” De costas, sente o tennis sobre o rosto e a sola com a lingua “lê”, em voz alta, no Braille do relevo, a contragosto. Capacho, excarradeira... Que mais falta? Mictorio, ora! Mas antes elle é posto, sem pena, p’ra chupar o pau da malta. Um mijo de moleque salga: é gosto que só mesmo um masoca audaz exalta.

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(13) DISSONNETTO DA LICÇÃO DE VIDA [1135] Talvez seja por causa do cegueta (que a gente, alli no bairro, de escravinho fazia) que hoje gozo si expezinho algum deficiente que eu submetta. Comi, ja, desde a thia até a nympheta, mas nunca alguem, mais facil que o ceguinho, propicio me surgiu ao excarninho brinquedo, e que ‘inda renda uma gorgeta. O cego é vulneravel e, indefeso, faz tudo que eu quizer. É só ter jeito, tractal-o com maldade e com desprezo. Tapão dou no focinho do subjeito, obrigo que me chupe si estou teso. O cara se revolta, mas eu, feito carrasco, faço que elle sinta o peso do azar e, rindo, tiro meu proveito.

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(14) DISSONNETTO SEM DOR NEM DÓ [1071] {Ficou cego? O problema não é meu! A minha vista é boa! Eu approveito a vida como quero! Foi bem feito você perder a pose! Se fodeu! Tá achando tudo escuro que nem breu? Tem mais é que soffrer! Eu me deleito sabendo que não tenho esse defeito nos olhos! Cê que chore o que perdeu! Emquanto eu vejo o mundo livremente, você tem que chupar a minha rolla calado! Como a Monica ou a Lola! Engula! Si eu gozar, você que aguente! E tire da cabeça a idéa tola de que outros vão ter dó! Cê ‘tá impotente! Não pode ver, não pode achar que é gente! Quem pode põe-lhe a picca, e eu posso pol-a!}

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(15) DISSONNETTO FOLGADO [1103] Eu gosto é de batter em quem não tem defesa nem excappa do castigo! O cego é um bom exemplo do que digo: sem venda nem algema, appanha bem! Que seja covardia! Não ‘tou nem ahi! Supplique, implore, que eu nem ligo! Compare um cara invalido commigo: eu gozo da visão, e elle ‘tá sem! Que soffra! Vae levar relho no lombo, emquanto eu vou ficando de pau duro! Assim é meu melhor orgasmo, juro! Si o cego ja viu antes, mais eu zombo! Pergunto: {Quem mandou ficar no escuro?} Então mando: {Ou me chupa, ou eu lhe arrombo o rabo!} Na rasteira dou-lhe o tombo e empurro o pé no dente: é tesão puro!

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(16) DISSONNETTO DA BOA VIDA [1146] Emprego? Isso eu não tenho nem procuro! Me viro é mais no bicco e no trambique! E quando pincta chance p’ra que eu fique à toa, não sou trouxa de dar duro! {O trouxa é só você, que ‘tá no escuro p’ra sempre! Justo agora dou um clique e ligo essa tevê, que não é chique mas custa no seu bolso, a prazo, o juro! Assisto meus programmas, puxo fumo e deixo ahi você, chupando o dedo do pé! Do meu pezão! Sou foda e assumo! Sossego não terá você tão cedo emquanto eu não fizer o que costumo: Eu fico no sofá. Você, eu concedo que rolle pelo chão: assim arrhumo um tecto, um pratto, um judas e um brinquedo!}

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(17) DISSONNETTO DA VIDA DURA [1147] {Você não passa fome, mas é pobre: dindim de apposentado é micharia! E, como me sustenta, deveria pedir esmolla, p’ra que algum me sobre! Agora que seu tecto tambem cobre o cara que lhe zomba da agonia, você vae, desde ja, durante o dia, p’ra exquina do metrô! Não acha nobre? E nada de queixar-se a algum extranho, ‘tá ouvindo? Eu que te pegue! A quem pergunta, sou seu irmão mais novo e te accompanho! De tarde, um bom trocado você juncta e eu pego! Tá pensando que me accanho? Papae sumiu! Mamãe ja ‘tá defuncta!} De lingua no pau, quando um banho ganho, eu gozo! Quem se fode é quem bem uncta!

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(18) DISSONNETTO DO SEXO OPPOSTO [1148] A mina que eu namoro não quer nada mais serio, nem eu quero compromisso. Tambem ella me chupa, mas submisso é o cego, quando a rolla está ensebada. A minha ja nasceu p’ra ser chupada e a Sulla se mostrou tão boa nisso que até supera a Amelia num serviço puxado: é bocca funda que me aggrada. Caminhoneiro é assumpto de outra Sulla, mas esta mamma em mim como si eu fosse um idolo, e meu ego só estimula. Me sinto parescendo um picca-doce mas, como a porra é louca e grande a gula, a rolla até ao cegueta accostumou-se. O cego, nem que chore, capitula ao sebo que na rolla accumulou-se.

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(19) DISSONNETTO DO SERVIÇO SUJO [1149] Nem só de chupetinha vive um cara carente que nem eu: tambem de abbraço, massagem, cafuné, beijo... e, si passo um tempo sem a mina, alguem repara: O cego, em quem descompto minha tara emquanto ella não volta. Ensebadaço então fica o caralho, que arregaço e mando elle limpar o que junctara! Precisa ver a cara do subjeito sentindo o cheiro podre do sebinho! {Tá duro de engolir?}, digo, {Bem feito!} A lingua tem trabalho até tudinho tirar do vão da pelle, bem estreito, mas serve-me, na falta do carinho da minha namorada, do seu jeito macio de mammar devagarinho.

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(20) DISSONNETTO DA CURIOSIDADE FEMININA [1150] Contei, um dia, à Sulla como eu uso as habeis mãos do cego no meu pé: {O cara é massagista, Sulla, e até me cura, quando solta um parafuso!} “Massagem faz tão bem?”, em tom confuso pergunta minha mina. “Mas não é pro corpo relaxar?” Respondo: {Ué, do pé vae p’ra cabeça! É tudo incluso!} Sullinha se interessa e a levo em casa, fallando ao cego: {Mostra como a sola da gente centraliza! Manda braza!} O cego se perturba, mas controla seu follego, escondendo que se arrasa. Se aggacha aos pés da mina, e a coisa rolla tal como numa clinica, que embasa prazeres, da sciencia, em boa eschola.

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(21) DISSONNETTO DA SESSÃO SOLENNE [1151] Ja bem accommodada, Sulla appoia seu pé delicadinho na almofada. O cara acchega o rosto e, sem ver nada, encosta a bocca, beija aquella joia. {Não baba no pé della!}, brinco, {Ei, óia só como o cego gosta!} Ella se aggrada que as mãos, alem da sola, appalpem cada dedinho. O cego é besta? Uma pinoia! Curtindo o cego está, mas mais deleite é aquillo que ella sente, se expalhando no corpo. Nem me expanta que approveite. Aos poucos, Sulla assume até o commando: “Assim! Isso!” E reclina até que deite. Saphado! O cego em mim não é tão brando! Mas, como o meu pezão não é de enfeite, na cara delle irá, depois, pisando.

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(22) DISSONNETTO DA BOTA BATTIDA [1142] Usei, por algum tempo, uma botina com sola de “peneu”, que dava um cheiro damnado nos meus pés. O dia inteiro na rua andei calçado, era a roptina. De volta, pego o cego que, na exquina, pediu esmolla, e embolso-lhe o dinheiro. Chegando em casa, mando que, primeiro, descalce-me. O restante elle imagina. Relucta, mas eu cuspo-lhe na cara, na bocca, e meu excarro o persuade: engole o desafforo e se prepara. Tirada a bota, ponho-me à vontade: sandalias hawaiianas, que eu deixara jogadas, são mais trampo que o degrade. Terá que, tambem ellas, lamber para que percam, quasi nada, a sujidade.

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(23) DISSONNETTO DO CHINELLO LARGADO [1143] Terá que, rastejando, ir à procura do fetido chinello e até trazel-o na bocca, feito um cão. No desmazello, nem lembro onde o deixei, e a busca dura. Emfim, o cego o encontra. Elle segura as tiras entre os dentes. Rio ao vel-o voltando, até roçar meu tornozello e achar o pé suado. Que figura! Prestando-se ao ridiculo, elle tenta, usando só o focinho, ao vão do dedo levar minha hawaiiana fedorenta. Accaba accostumando-se ao que fedo e perde o nojo. Um pé mais que quarenta a lingua appalpa, docil, ja sem medo. Sentindo um chulezinho pela venta, degusta, no dedão, cascão azedo.

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(24) DISSONNETTO DA PERFEITA PARCERIA [1133] {Ficamos combinados: o que eu posso você não pode. Como não bastasse, não devo o que você me deve. Passe aqui toda essa grana, ou eu engrosso! O que era seu é meu, mas não é nosso aquillo que pertence a mim. À classe mais baixa não é dado ver a face de quem está por cyma e traça o troço. Emquanto eu vejo e exploro, você implora: é cego e pede esmolla, vae à lucta e eu fico no bembom, a fazer hora. De tudo que ganhou, só quem desfructa sou eu, que não trabalho e mando: agora engula meu caralho e não discuta, seu puto! Ou quer levar porrada? Bora chupar! Ou quer lamber um pé que chuta?}

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(25) DISSONNETTO DA EXPLORAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL [1117] Um cego não discute: chupa picca de velho, de moleque, de quem for. Appanha, si preciso, ou quando a dor dá gosto ao marmanjão que o sacrifica. Às vezes, nem surrar se justifica, mas mesmo assim eu fico, com vigor, brincando de açoitar, para lhe impor da seria obediencia a clara dica. Um cego solitario está, portanto, às ordens dum folgado que, de dia, o faz pedir esmolla e embolsa o quanto. De noite, o cego exhausto ‘inda sacia o pau deste malandro, que de sancto me finjo entre os vizinhos, como um guia. Por isso ninguem vejo com expanto olhando-nos passar em companhia.

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(26) DISSONNETTO DA CEGUEIRA ASSISTIDA [1136] Bem commodo é meu caso: à vizinhança paresço o “irmão” que adjuda e que accompanha o cego pela rua. Alguem extranha que auxilio dê ao mais velho o mais creança? No maximo, imaginam que a uma herança pauperrima este adspira e que não ganha alem de pão e tecto. Minha manha funcciona: o relho canta e o cego dansa! Em casa, elle me entrega a esmolla toda que accaba de pedir. Mesmo cansado, terá de abrir a bocca p’ra que eu foda! Reclama, mas dá compta do recado, chupando até eu gozar. Inda que exploda a raiva, passa logo: é conformado. Vae ver que elle bem ama a voz pornô da maneira como fallo ou como brado.

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(27) DISSONNETTO DO BRIO PASSAGEIRO [1137] Às vezes, o ceguinho me ammeaça: “Bandido! Vae ver só! Peço soccorro e accaba essa mammata!” Mas eu morro de rir: {Pedir soccorro! Tinha graça!} Um tapa dou-lhe e obrigo que me faça, alli mesmo, a chupeta: {Seu cachorro! Engole! Sente o gosto!} O grosso jorro da porra enche-lhe a bocca, e a raiva passa. Na hora de sahir com minha mina, adviso: {Volto tarde, hem? Emquanto isso você pensa no “irmão” que te domina!} Eu saio e o cego admitte que é submisso ao “mano”. Appós cheirar minha botina, delira, afflicto, e a lingua entra em serviço. Lamber um borzeguim até culmina no orgasmo, si encarar o compromisso.

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(28) DISSONNETTO DA LICÇÃO DE CASA [1138] É sempre assim: o cego só sossega depois que cumpre aquillo que eu lhe disse: {Emquanto eu não voltar, não desperdice o tempo: use bem essa lingua cega! Engraxe a minha bota!} Elle se nega, de inicio; logo appós, como si ouvisse a voz do Alem, percebe que é tolice descrer que um cego é bicho e, então, se entrega. Assim que eu saio, toma-se de insano impulso de fazer tudo que eu queira. Fareja a bota, a encontra. Cheira o cano por dentro. Beija o couro da biqueira. O labio sente o pó do meio urbano. A lingua vae e vem nessa poeira até que limpe tudo e, antes que o “mano” regresse, ja lambeu a bota inteira!

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(29) DISSONNETTO DA PROVA ORAL [1139] {Assim que eu gosto! A bota até ja brilha! Lambeu tambem na sola? Muito bem! Me tira, agora, o tennis! Mas é sem usar a mão! Se abbaixa ahi! Se humilha! Está difficil? Foda-se!} Elle rilha os dentes no cadarço. {Faz que nem cachorro! Morde e puxa!} O tennis vem sahindo em sua bocca. Eis que a palmilha se solta e cae no chão. {Pega na bocca e encaixa no logar! Que foi? Tem nojo? Tá forte o meu chulé? Foi coisa pouca! Peor é o vão do dedo!} E elle no bojo do tennis mette a fuça, entra, cavouca. {Agora a meia!} E torna ao chão, de rojo. Dum cego nunca a bocca ficar oca eu deixo: sempre enchi dalgum despojo.

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(30) DISSONNETTO DA MORAL DA HISTORIA [1140] A meia está molhada de suor e o cego leva um tempo até tiral-a. Passado o calcanhar, a lingua ralla na sola e o panno solta-se melhor. {Fedida, né? Problema seu! É mor barato ver você fuçando! Falla verdade: ser um cego não te eguala ao bicho? É isso ahi, tá na peor!} O cego nem resmunga. Emquanto lambe, remoe a sua baixa condição e acceita que decaia e que descambe. Eu fico olhando o cara alli no chão, debaixo do meu pé. Que se excolhambe! {O mundo é dos que enxergam, meu irmão!} Quem perde que rebolle, né? Que sambe, que danse, que padesça que nem cão!

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[3] EXPERTEZAS (31) DISSONNETTO DA ASCENÇÃO SOCIAL [1154] Perdi minha boquinha quando um lance de droga me appartou do cego otario. Embora eu fosse appenas réu primario, não tive, na Justiça, a menor chance. Disseram-me: “Sujou? Você que danse!” Puxei cadeia curta, mas fiz vario contacto e, ja aqui fora, o promptuario que tenho mais augmenta que um romance! Me envolvo em cada puta assumpto brabo! Até com gente rica, da alta casta! Agora de politicos sou cabo, laranja e até assessor! É pouco, ou basta? De ser tão abusado é que eu me gabo! Tem gente que me manja e que se affasta, mas outros me bajulam, dão o rabo: comi quem nem se achava pederasta!

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(32) DISSONNETTO DO PISTOLÃO [1155] O cara é do partido governista e em tudo uma influencia elle traffica. Praquelle gabinete alguem me indica e brilha seu olhinho, mal me advista! Percebo que emplaquei outra conquista: me tracta friamente, até que fica difficil disfarsar que minha picca deseja, mas eu quero que elle insista! Sim, para mim, são sempre facil presa e eu curto provocar esses veados! Não tarda, estou sentado à sua mesa, vestindo terno, e appoio os pés cruzados no braço da poltrona, de surpresa! Só falta elle os sapatos engraxados lamber até lustrar! A rolla tesa divide seu olhar com meus solados!

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(33) DISSONNETTO DO PROPINODUCTO [1156] Tomando liberdades, sou bem franco: {Prefere me chupar, lamber meu pé ou leva no cuzinho?} O cara até duvida: “Ja comeu antes um branco?” {Estou accostumado! Eu piso, expanco, enrabo, mostro seu logar qual é...} “Então me mostre agora, seu José! Me foda, e vae ter saldo la no banco!” E desde aquella data lubrifica de cuspe meu cacete antes que eu faça com elle o que meresce: levar picca! De bruços sobre a mesa, que elle abbraça, supporta o pau calado e justifica: “Depois gozo chupando, e a dor ja passa!” Então eu digo: {Cara, agora fica mammando de joelho, seu reaça!}

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(34) DISSONNETTO DO CEREMONIAL [1157] Às vezes, eu nem tiro o paletó e o laço da gravata nem desapto: somente appoio a perna e, em meu sapato, se nota nem haver signal de pó. A calça nem abbaixo: eu abro só na frente e o pau ja pulla que nem gatto! Na bocca do politico outro jacto de porra vae jorrar! Fodo sem dó! Empurro de proposito a piroca até la, bem no fundo da garganta, sabendo que isso nauseas lhe provoca! Mas quero que o doutor, que sempre canta victoria ao trambicar um troca-troca, se toque: a auctoridade não é tanta! Na minha frente é que elle se colloca, chupando de joelho: o pau levanta!

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(35) DISSONNETTO DA REVIRAVOLTA [1158] Pisei mesmo, obriguei-o até a dar brilho, de lingua, em meu sapato social! Assim do preconceito racial agora me desforro e desvencilho. O facto é que não peço e não me humilho: os outros é que um tracto especial me devem, e o doutor Pedro Leal me mima muito mais que um pae ao filho. Mas, como tudo accaba, a coisa muda depois das eleições: trocam partido na cupula, e demittem quem me adjuda. Perdeu Pedro Leal: foi perseguido por seus oppositores, e a polpuda boquinha tambem perco: estou sumido dos chiques gabinetes, da classuda politica, da sordida libido...

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(36) DISSONNETTO DA REFAZENDA [1159] Não sou mais “assessor”, nem sou “laranja”: appenas “da pesada” (ou “da pezada”) voltei a ser, depois da derroccada da turma do Leal, que foi p’ra extranja! Não é que estar fichado me constranja, mas, para não ser sacco de pancada, é mais acconselhavel que eu me evada emquanto, no exterior, o Pedro exbanja. Si volta, si não volta, isso eu não sei; só sei que estou na rua, me virando de novo e até porteiro já virei! Num desses condominios vou levando a vida, pois dos biccos sou o rei! No predio, finjo andar na linha e, quando alguma solteirona ou algum gay dá sopa, eu, um mandado, inverto e mando!

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(37) DISSONNETTO DO SAPO ENGOLIDO [1160] Meu turno é mais à noite, quando sae ou chega o balladeiro, o gay poeta, o syndico bohemio, a velha, o athleta, o typico casal, o homem que trae. Às vezes, um filhinho-de-papae implica com meu jeito, e não se acquieta até que me colloque na correcta e humilde posição, que me decae. Um desses buzinou demais, parado na porta da garagem, e eu retardo p’ra abrir quando um boyzinho está folgado! Azar: elle é um branquello e eu sou um “pardo”! Terei de ouvir offensas e, calado, no emprego ‘inda julgar-me felizardo! Assim, engulo sapos, um boccado, e quero me livrar, ja, desse fardo!

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(38) DISSONNETTO DO GATTO E DO SAPATO [1161] “Por que demorou tanto, seu malaco?” Eu tento argumentar, mas elle insiste: “Da proxima, te ferro!” E o que é mais triste é ouvir “malaco” e achar que foi “macaco”! Não posso reagir, e um cara fracco, mettido, sacaneia-me, faz chiste da minha cara: “Sempre que me adviste, abbaixe essa cabeça!” E um odio applaco. Sai dando uma risada e, doradvante, me encara rindo, sempre com um gesto de foda, me enrabando, provocante. Si passo perto, o tennis ergue, e presto a maxima attenção nesse pisante de griffe, emquanto o meu é tão modesto. {Um dia, ainda calço um que garante comforto!} Mentalmente é que eu protesto...

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(39) DISSONNETTO DA GATTUNAGEM ORGANIZADA [1162] Cansei de olhar a sola do marrudo moleque sorridente, que levanta o pé, finge pisar-me na garganta com golpes marciaes de valetudo. Disposto a me vingar, já que não mudo meu modo de viver, calculo quanta coisinha de valor alli me encanta: um roubo no local planejo e estudo. A dica passo aos manos e, na hora que chegam pro arrastão, lhes facilito a entrada. Appós o assalto, dou o fora! Emquanto alguem dá queixa no districto, a gente compta a grana e commemora: livrei-me do garoto, esse maldicto! Comprei um tennis novo, que melhora as dores no pezão, e é bem bonito...

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(40) DISSONNETTO DA VIDA REVIVIDA [1163] Assim, eis-me de volta ao meu terreno, a marginalidade! Seja em bando ou seja por mim mesmo, vou levando e mais vezes eu gozo do que peno! Si, ao lerem, não acharam muito ameno aquillo que contei, procurem brando versinho noutro cantho, pois eu mando à puta que pariu quem diz “Condemno!” Si o pau que nasce torto morre torto, meu pé fica maior quanto mais pisa, e eu piso mesmo, até que esteja morto! Não tenho sola fina, sola lisa nem limpa, mas pisar é meu desporto! Você, que me critica, só precisa dum pé no seu focinho! O descomforto que causo só o sonnetto suaviza!

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SUMMARIO [1] PROEZAS (1/10) [1121/1130]

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[2] TORPEZAS (11) DISSONNETTO DO BOM EXEMPLO [1134]...........................14 (12) DISSONNETTO DO ESPORTE COLLECTIVO [1119]............15 (13) DISSONNETTO DA LICÇÃO DE VIDA [1135].........................16 (14) DISSONNETTO SEM DOR NEM DÓ [1071]............................17 (15) DISSONNETTO FOLGADO [1103]............................................18 (16) DISSONNETTO DA BOA VIDA [1146]......................................19 (17) DISSONNETTO DA VIDA DURA [1147].................................. 20 (18) DISSONNETTO DO SEXO OPPOSTO [1148]...........................21 (19) DISSONNETTO DO SERVIÇO SUJO [1149]............................ 22 (20) DISSONNETTO DA CURIOSIDADE FEMININA [1150]....... 23 (21) DISSONNETTO DA SESSÃO SOLENNE [1151]...................... 24 (22) DISSONNETTO DA BOTA BATTIDA [1142]........................... 25 (23) DISSONNETTO DO CHINELLO LARGADO [1143].............. 26 (24) DISSONNETTO DA PERFEITA PARCERIA [1133]................ 27 (25) DISSONNETTO DA EXPLORAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL [1117]............................................................................... 28 (26) DISSONNETTO DA CEGUEIRA ASSISTIDA [1136]............... 29 (27) DISSONNETTO DO BRIO PASSAGEIRO [1137].................... 30 (28) DISSONNETTO DA LICÇÃO DE CASA [1138].........................31 (29) DISSONNETTO DA PROVA ORAL [1139]............................... 32 (30) DISSONNETTO DA MORAL DA HISTORIA [1140]............... 33

[3] EXPERTEZAS (31) DISSONNETTO DA ASCENÇÃO SOCIAL [1154].................... 34 (32) DISSONNETTO DO PISTOLÃO [1155]................................... 35 (33) DISSONNETTO DO PROPINODUCTO [1156]....................... 36 (34) DISSONNETTO DO CEREMONIAL [1157]............................ 37 (35) DISSONNETTO DA REVIRAVOLTA [1158]............................ 38 (36) DISSONNETTO DA REFAZENDA [1159]................................ 39 (37) DISSONNETTO DO SAPO ENGOLIDO [1160]...................... 40


(38) DISSONNETTO DO GATTO E DO SAPATO [1161]................41 (39) DISSONNETTO DA GATTUNAGEM ORGANIZADA [1162].................................................................................................... 42 (40) DISSONNETTO DA VIDA REVIVIDA [1163].......................... 43



São Paulo Casa de Ferreiro 2024




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