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Retailtechs – Varejo: sempre um negócio de gente
Varejo: sempre um negócio de gente
Mais que inovação tecnológica, falar em Varejo e Serviços no Web Summit é falar em tornar melhor a vida das pessoas
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Textos por:
• Marcos Luppe, professor da EACH/USP • Fabiana Estrela, diretoraproprietária da Estrela Franquias • Gerson Charchat, sócio líder de Consumer Markets a
Agribusiness da PwC Brasil • Lucas Hahn, coordenador de
Mercado e Varejo do Sebrae/PR • Tiago Mello, CEO da DWZ e FFX Group
Em 2019, o Web Summit nos falava que toda a empresa deveria ser uma fintech. Em 2020, Carlos Cashman, CoFounder e Co-CEO da Thrasio, empresa que compra e desenvolve negócios na Amazon e se tornou o novo unicórnio de comércio eletrônico mundial em 2020, nos diz que “tecnologia é tudo. Toda empresa tem que ser uma tech company hoje em dia.”
A Inteligência Artificial (IA) é a “nova eletricidade” e veio com tudo para transformar as nossas vidas. Cashman diz que “conhecimentos únicos e decisões são criados a partir de IA.” Essa empresa, assim como muitas outras, está utilizando a IA para redefinir tudo: operação logística, mix de produtos, o produto em si, criação, preços, formatos e conteúdo de anúncios, fotos dos produtos ou da comunicação no e-commerce e assim por diante. Já na Levi’s, tanto para indústria quanto para varejo, a IA está sendo utilizada para melhorar o sortimento das lojas, tornar as lojas mais inteligentes, menores e com variedade personalizada, além de eliminar práticas não-sustentáveis na indústria e uso de componentes químicos. Na área de comunicação, o youtuber Caspar Lee citou
o uso de IA para escalar microinfluencers e tornar mais assertive essa forma de comunicação e conexão com os clientes.
Mas tudo isso só faz sentido se a cultura das organizações for cada vez mais centrada nas pessoas. Estratégias e decisões do negócio precisam estar voltados para um mesmo foco: tornar a vida das pessoas melhor. No fundo, é algo bem simples. Ou sua marca, seja de produto ou serviço, agrega valor à vida das pessoas e as ajuda a viver melhor, ou ela não tem razão de existir. Precisamos manter as pessoas no centro de todo o varejo, indústria e automação, porque, no fim, é sobre melhorar a vida de todos.
A marca precisa ter um propósito claro e que faça sentido para seus consumidores e colaboradores, ou perderá completamente seu valor e influência sobre as decisões de consumo. Decisões que estão cada vez mais conscientes, sustentáveis e focadas em qualidade de vida e auto-cuidado.
Portanto, quem esperava ouvir falar somente de tecnologia num super evento de inovação como o Web Summit se surpreendeu e muito, porque, no final das contas, é muito mais um evento sobre Humanização, tendo a Cultura da Marca e a Tecnologia como meios, e o ser humano como inicio e fim de toda e qualquer inovação.
Falando em humanos…
Outros pontos muito ressaltados durante o evento foram a importância da empatia para criar soluções de valor para o público interno e externo; da inteligência emocional para otimizar as relações produtivas; e da liderança ética para lidar com todo o poder que emana da diversidade e das inovações tecnológicas.
A empatia é essencial para gerar conexão real com nossos colaboradores e clientes. Por meio dela, conseguimos de fato entender suas jornadas e onde existem demandas que nossos produtos e/ou serviços podem suprir. Ela dá sentido e significado às novas tecnologias que selecionaremos para agregar valor ao nosso negócio. Cal Henderson, CoFounder da Slack Technologies, afirmou que “realmente aprendemos o valor da inteligência emocional durante essa pandemia”. A inteligência emocional, fortalecida pelo enfrentamento das situações de crise durante a pandemia, nos ajudará a usar melhor nossas emoções nas relações com nossos times e também com nossos consumidores. Nunca valorizamos tanto a inteligência emocional e a resiliência
como nesse momento de crise. E elas serão essenciais para que possamos fazer o melhor uso das inovações tecnológicas.
Já a Liderança Ética é imprescíndivel para que utilizemos os avanços tecnológicos para potencializar nossa luz como humanidade, ou seja, para ampliar a nossa capacidade de resolver problemas e demandas de forma sustentável para o planeta e para todos nós.
O valor da diversidade
A diversidade foi destacada como essencial para o processo de inovação, seja ele incremental ou disruptivo. Estamos valorizando a diversidade cada vez mais nas relações humanas, sejam de trabalho ou de consumo, mas precisamos de fato, como seres humanos e como organizações, encarar um compromisso com a equidade de gênero, com a acessibilidade e com a inclusão das minorias. Somente assim seremos inovadores de fato. Somente assim criaremos inovações que melhoram a vida do maior número de pessoas possível. Para vários cases apresentados, como Pour Les Femmes e Etsy, o empoderamento econômico das minorias está no centro do propósito. Ampliar a consciência social e co-construir oportunidades para que as pessoas possam viver como merecem é, sim, um papel das empresas e de cada um de nós. Além disso, a valorização da diversidade é a base da empatia de verdade. Só veste de fato os sapatos do outro quem sabe o que é usar aquele sapato com aqueles pés. Portanto um time diverso tem muito mais condições de ser criativo e assertivo na construção de soluções.
Tanto em 2019 quanto em 2020, sustentabilidade foi a bola da vez. E não é por menos: precisamos crescer como negócios, mas de olho na qualidade de vida de todos nós e no impacto de nossas decisões sobre o planeta. Um termo chamou muito a atenção de todos, principalmente da indústria da moda, super impactada quando se fala em preservar o planeta e reduzir poluição: Sustentabilidade Viável. Não dá mais para separar Sustentabilidade e Moda. Reuso, reciclagem e uso de tecnologia em toda a cadeia produtiva e logística para evitar desperdícios e uso de poluentes são essenciais. Comunicar os passos que sua marca está construindo em direção a uma estratégia sustentável é tão essencial quanto operacionalizar as ações de sustentabilidade em si. Mostrar que sua marca tem pensamento sustentável na estratégia e que está buscando ações que preservem o planeta e sejam compatíveis com o que seu público espera, valoriza e está disposto a pagar.
A Burberry tem investido em rastreamento dos produtos e acompanhamento de toda a cadeia produtiva e na compensação automática de carbono nos checkouts das lojas. Para a marca, sustentabilidade é um valor estratégico e permanente. Um compromisso, muito mais que uma vantagem competitiva. Já a Levi’s está focada na lógica de reuso, reciclagem e upcycling, tanto que lançou um e-commerce oficial para a venda de peças usadas. A Pour Les Femmes tem utilizado somente embalagens de material reciclável e biodegradável, mas ressalta que somente a atuação conjunta de todas as empresas gera um impacto positivo real no planeta e na vida de cada um de nós.
Nicola Kilner, CEO da marca de beleza Deciem, ressalta que “se as pessoas acreditam que seu produto é sustentável, se preocupa com seus colaboradores ao longo da cadeia produtiva e tem qualidade, elas estão dispostas a investir um pouco mais por isso.”
Outra tendência identificada em 2020, em termos de comportamento do consumidor, é o foco em Auto-Cuidado. Está acontecendo uma transformação cultural para o cuidado consigo mesmo e com o outro, mais conexão emocional e proximidade com o digital como meio para facilitar esse processo. A beleza ganhou espaço dentro do Web Summit, já que o auto-cuidado e o foco nas pessoas passa por esse tema. O assunto apareceu pela constatação de que houve uma migração do papel de opressão pela beleza para a tendência do auto-cuidado com foco em viver mais e melhor, aumentar a auto-estima, usar saúde e beleza para expressar suas potências únicas e valorizar a diversidade e a beleza autêntica de cada um.
A partir de agora, produtos e serviços precisam comunicar sua autenticidade. É isso que gera as conexões emocionais mais fortes com o público. Não é sobre se tornar digital, é sobre fluidez entre mundo físico e digital, é sobre usar tudo que a tecnologia oferece para que possamos tomar melhores decisões sobre os rumos que nossos serviços e produtos tomarão. E sobre como, de fato, fazer a diferença na vida das pessoas.
Por isso, é de extrema importância estar atento às tendencias de comportamento, que estão cada vez mais focadas em qualidade de vida.
Crentes e fãs das marcas
Todo esse trabalho de propósito e alinhamento com tendências de comportamento faz ainda mais sentido quando queremos criar uma Comunidade de Believers! Sim, uma comunidade de crentes e fãs da nossa marca, tanto no nosso público interno, quanto no externo. Para isso, servir com autenticidade a sua Comunidade de Believers (consumidores) é essencial. A Dra Barbara Sturm, fundadora da marca de beleza que leva seu nome, ressaltou o quanto isso começa na estratégia da marca e deve permear todas as decisões de características e diferenciais do seu produto ou serviço, direcionando também a autenticidade de conteúdo no processo de comunicação.
A Etsy, Marketplace global de produtos exclusivos e criativos, criou uma comunidade de compradores em torno dos seus valores e se consagra com alto índice de Net Promoter Score (NPS). Realmente, tecnologia é meio, não fim. Todos seremos tech companies, como ressaltou Carlos Cashman, mas cada tecnologia colocada em funcionamento nas nossas empresas terá que trazer soluções diretas, claras e alinhadas com propósito, tanto para os talentos que trabalham na organização, quanto para os clientes.
Quando a compra é um jogo
Social Selling, Omnichannel e Games representam muito do que se está construindo em termos de adaptabilidade no varejo para este ano e os próximos. A venda por meio do relacionamento com consumidores via redes sociais veio para ficar e fazer parte da rotina de todo varejista. A tecnologia só aproxima mais ainda mais a vida das pessoas, trazendo fluidez ao longo da cadeia de suprimentos e atendimento ao cliente, desde a produção e abastecimento até a comunicação e usabilidade entre meios digitais e pontos de venda físicos.
Tudo para que o cliente compre se relacionando ou brincando. Sim, porque os games também vieram pra ficar dentro desse contexto: relacionamento, rede social, mas trazendo aquela pitada de ludicidade que só um jogo consegue dar. O lúdico conecta-se diretamente com nossas emoções e influencia diretamente nossas decisões de um jeito fluido e leve. O jogo atrai e motiva as pessoas, pois as tira de uma situação formal e sem sentido e as leva a um mundo mágico de possibilidades
e ganhos. A gamificação dá uma forma mais divertida e leve ao processo de construção de conexão com marcas, conteúdo, propósito e produtos.
Claro que o jogo ou ambiente gamificado por si só não garante toda a conexão, mas tem se mostrado um meio de ótimos resultados. Marcas de moda como Burberry e Louis Vuitton estão reinventando sua relação com o cliente utilizando games e computação gráfica. A Burberry está colocando os produtos da marca em games, reforçando a relação com consumidores via redes sociais e levando as vendas para um próximo nível no online.
Tudo isso serve de inspiração para que possamos rever as estratégias do nosso negócio, o alinhamento com as tendências de comportamento dos consumidores e com nosso propósito para reajustar as velas e seguirmos firmes, acompanhando e liderando a transformação cultural em nossos segmentos. Finalizo ressaltando que precisaremos rever os indicadores de avaliação de sucesso no Varejo. Jessica Tan, Co-CEO do Ping An Group, disse: “precisamos olhar para novas métricas nos negócios, tais como tráfego digital de clientes; e como traduzir isso em receita e finalmente em lucro.” O bom e antigo fluxo de clientes na loja, agora acrescido do fluxo de clientes nos meios digitais, e esses conectados de forma fluida com a emoção de nossos consumidores, gerando conversão em vendas, e lucro e valorização da marca como consequência de tudo isso.
Vale ainda destacar, por fim, a frase de Josh Silverman, CEO da Etsy: “em uma época de automação crescente, é nossa missão manter a conexão humana no centro do comércio.”