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M argaret M ead e as formas de socialização humana
MARGARET MEAD E AS FORMAS DE SOCIALIZAÇÃO HUMANA
Margaret Mead (1901-1978) foi uma antropóloga estadunidense responsável por importantes pesquisas sobre as diferenças culturais entre os povos. Um dos principais focos de seu trabalho foi a análise da relação entre a cultura de uma sociedade e o comportamento e a personalidade de seu povo. Para compreender a forma como determinado povo constituía suas características particulares de vida , a autora percebeu que era crucial investigar como as crianças eram criadas e a maneira como eram ensinadas a se comportar em meio aos seus pares.
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Defensora da pesquisa empírica, Mead dedicou grande parte da vida a viagens pela Oceania e pela Ásia , para conviver diretamente com os povos que ali viviam e, com eles, aprender mais sobre a enorme variedade de modos de vida humana. Essas viagens eram parte de seu trabalho de campo, um método para a produção de conhecimento cujo ponto de partida era a própria experiência em contato com outras pessoas e os dados produzidos com base nessa interação. Quando estava em campo, em meio aos povos das diferentes sociedades que analisou, Mead observava atentamente as relações entre as pessoas, anotava suas impressões, entrevistava os moradores locais, procurava entender quais vínculos havia entre eles, quem era parente de quem, quais hábitos se assemelhavam com os seus como estadunidense e, sobretudo, quais definiam a particularidade daquele novo ambiente em que ela estava inserida. Em seu livro publicado em 1935, intitulado Sexo e temperamento em três sociedades primitivas , Mead analisou de perto as relações entre adultos e crianças em três povos diferentes da região da Papua- Nova Guiné, na Oceania: os Arapesh, os Mundugumor e os Tchambuli. Como resultado dessa sua famosa pesquisa, ela demonstrou, cientificamente, que os temperamentos atribuídos aos homens e às mulheres na Oceania destoavam muito daqueles em meio aos quais Mead havia sido socializada, nos Estados Unidos . Ela descobriu, ainda, que o comportamento esperado de uma mãe em relação aos filhos estava longe de ser universa l.
Diante dos dados produzidos por ela diretamente de sua observação na Oceania, Mead ressaltou que entre os Arapesh tanto homens como mulheres eram igualmente responsáveis pelo cuidado das crianças e, nesse vínculo com elas, mantinham um comportamento dócil e muito cooperativo . Já entre os Mundugumor, a pesquisadora percebeu que homens e mulheres eram muito agressivos e se desenvolviam como indivíduos indisciplinados, tratando as crianças com bastante impaciência e ensinando-lhes desde cedo uma postura bélica. E , entre os Tchambuli, o temperamento de homens e mulheres era proporcionalmente inverso àquele ao qual Mead estava acostumada. Se, por um lado, na sociedade estadunidense , de onde ela provinha, ser mãe significava estar sempre na posição de principal cuidadora dos filhos, ser responsável por sua nutrição e desenvolvimento emocional, entre os Tchambuli a autora viu mulheres impacientes, negligentes e agressivas com as crianças. Para esse povo, o cuidado e o acolhimento gentil das crianças durante seu desenvolvimento não eram, portanto, um papel social das mães, mas uma responsabilidade masculina, dos pais. Com base em seu estudo, bem como no de vários outros antropólogos, aprendemos que a natureza humana é extremamente maleável conforme a cultura e que comportamentos que muitas vezes julgamos naturais são, na verdade, intimamente moldados pelos padrões da sociedade à qual pertencemos. O trabalho de Mead é importante por demonstrar que mesmo aquilo que tomamos como “natural” pode ser produto direto da sociedade em que vivemos e dos comportamentos em meio aos quais nos socializamos.
Nesta foto, de 1953, a antropóloga Margaret Mead conversa com uma interlocutora durante sua pesquisa de campo na
Oceania.
Desde que nascemos, somos ensinados a nos compor- No começo deste capítulo, vimos a história de Jotar e a agir de determinadas maneiras, a nos expressar sefa, a idosa acamada que sobrevive por conta dos em determinada língua. A pesquisa de Margaret Mead cuidados de sua irmã Dulce, que assumiu todo o trabamostra exemplos de como outras sociedades lidam com a lho e responsabilidade envolvidos na manutenção de socialização das crianças, quais temperamentos são ensi- outra vida, ainda que ela mesma fosse idosa e estinados a elas e, ainda, como a responsabilidade sobre nu- vesse sobrecarregada com a tarefa de cuidar dos três trição, carinho e cuidado em Bettmann Archive/Getty Images netos. Nesses momentos relação às crianças é variável de limite da existência de um povo para outro. fisiológica corporal, no
Além disso, se parar- nascer e no morrer, é mos para pensar com mais por meio do vínculo que profundidade nesse assun- estabelecemos com outo, nós nos daremos conta tras pessoas que mantede que o cuidado é tam- mos a existência. E, por bém aquilo que comprova isso, podemos dizer que que não podemos nos ver o cuidado é um ato de como indivíduos isolados. fundamentação da vinAfinal, ao nascermos, nos culação social, o que voldesenvolvemos e chega- ta a nos lembrar de que, mos à independência ape- sozinhos, não somos canas porque, antes, alguém pazes de nos constituir se responsabilizou por nos como indivíduos. alimentar, nos medicar Tendo isso em vista, quando ficávamos doen- ao longo do debate destes, nos embalar até que te capítulo, faremos um pegássemos no sono e até esforço para pensar em mesmo nos ensinar a usar as palavras corretas para Em foto de 1934, enquanto trabalhava na curadoria do Museu Americano de História Natural, Margaret Mead mostra artefatos como todas essas questões agem diretamente pedir ajuda. Somos seres rituais trazidos de sua pesquisa com os povos de Papua-Nova Guiné. sobre nossa vida. Assim, sociais e, desde os primei- iniciaremos uma pesquiros dias, para sobreviver, sa para entender melhor precisamos do cuidado de alguém – uma pessoa que como os vínculos sociais agem na prática. A pergunta será a primeira com quem vamos criar laços sociais. E, na qual vamos nos concentrar nessa pesquisa é: Em em uma situação de fim de vida, pesa também o vínculo seu grupo social, quem foi socializado para ser responcom quem cuidou de nós em nossos últimos dias. sável pelo cuidado? Quem cuida e como cuida?
PESQUISA
HABILIDADE EM13CHS103
BNCC
HABILIDADE EM13CHS502
BNCC
Etapa 1
Iniciaremos agora um percurso de pesquisa que será realizado em três etapas, até o final do capítulo.
O objetivo desta investigação é compreender o lugar do cuidado em seu contexto social e como ele é vivenciado pelos indivíduos. Para isso, vamos nos orientar pelas seguintes questões gerais: Quais são as práticas de cuidado exercidas em seu grupo social? Quais são as normas da sociedade que agem sobre elas? Como essas práticas vinculam os indivíduos?
Buscando inspiração nas investigações realizadas pelas pesquisadoras cujos textos e contribuições estudamos anteriormente, o método que utilizaremos na pesquisa será predominantemente qualitativo, no qual, por meio de trabalho de campo, você vai coletar os dados empíricos a serem analisados. Nesse processo, será adotada a observação participante como técnica de pesquisa.
O diário de campo
Para começar, o primeiro passo é ter em mãos um caderno ou bloco de anotações específico para a pesquisa. Daqui em diante, ele será seu diário de campo. Esse caderno não precisa ter nada de especial; pode ser algum que você já tenha guardado em casa e que nunca usou. Ou, se não houver nenhum, pode ser feito pela junção de várias folhas em branco, presas por um grampo.
O diário de campo é agora seu material de trabalho mais importante. É nele que você vai anotar tudo o que ouvir, ver ou pensar sobre a pesquisa. Ele funcionará como uma espécie de memória escrita de tudo o que acontecer daqui para frente e, lá no meio da pesquisa, quanto mais coisas você tiver anotado, melhor será para a análise dos dados e resultados.
E o que é para anotar? Tudo! Todas as informações que você perceber que têm alguma relação com o
tema da pesquisa são importantes. Nesta fase inicial de trabalho, não é preciso focar um tema muito restrito nem escolher o que vai analisar depois. Apenas reúna o máximo de informações sobre as relações de cuidado que conseguir; é melhor sobrar do que faltar. Não tenha vergonha daquilo que escrever; seu diário de campo é somente seu. Trata-se de um instrumento para conversar consigo mesmo e não deixar a possibilidade de esquecer alguma coisa atrapalhar nesse processo. Por isso, escreva sem economia: anote as informações com riqueza de detalhes, coloque sempre a data em que as coisas aconteceram, o que você viu ou ouviu, quem lhe contou, como contou, no que a situação fez você pensar, por que acha que determinados acontecimentos são importantes para a pesquisa, quais são as relações possíveis entre eles, etc.
Treinando o olhar e a escuta
Qual é a lógica do outro? Ouvir o outro envolve uma postura atenta para tentar compreender a bagagem de vida expressa em sua fala.
O meio social em que vivemos e nosso próprio cotidiano são ambientes que proporcionam uma possibilidade infindável de pesquisa. Mas, para fazer com que nossas observações contribuam para uma análise mais profunda, é preciso que, antes, o olhar e a escuta sejam treinados, o que significa estar pronto para perceber as situações ao redor de um modo novo, atentando a coisas que antes você via ou ouvia, mas não considerava tão importantes.
Ao analisarmos a realidade próxima e cotidiana com o objetivo de realizar uma investigação, depararemos com um lado bom e também com um mais difícil, que precisa da devida atenção. Por um lado, fazer o trabalho em ambientes que conhecemos, com os quais estamos familiarizados, é mais fácil por não exigir dinheiro nem tempo para grandes deslocamentos e, ainda, por não nos expor ao risco de um ambiente desconhecido, como aquele em que antropólogas como Margaret Mead se inseriram. Mas, por outro, a proximidade apresenta o desafio de estranhar aquilo que nos é familiar; ou seja, de estar aptos a desnaturalizar ações, falas e comportamentos que até então nos pareciam automáticos, inquestionáveis. Exige, portanto, que estejamos em um estado muito maior de atenção, em alerta, para vermos o que ninguém mais vê, e prontos para questionar as próprias crenças.
Para isso se concretizar, a postura daqui em diante deve ser a de observar as ações ao redor, tentando compreender o porquê de elas acontecerem, quais são suas origens, suas consequências e, mais importante, os impactos delas sobre as relações.
Além disso, é importante lembrar que treinar o olhar e a escuta significa assumir uma postura de abertura para ouvir as pessoas sem julgá-las. Durante a pesquisa, tente entender quais são a lógica e os pensamentos que conduzem as ações delas no dia a dia. Tente vê-las valendo-se do princípio da alteridade – quando você enxerga o mundo pelos olhos de outra pessoa, não pelos seus. Certamente o modo como cada pessoa age não depende apenas da vontade momentânea dela naquela situação; há uma história, um passado e uma socialização que a ajudam a se posicionar no presente. Seu trabalho de pesquisa é tentar compreender que bagagem de vida é essa que influencia as ações e as relações de seus interlocutores. Olhares e ouvidos abertos, sempre.
Trabalho de campo
Quais são as tarefas de cuidado que vimos até aqui? Além dessas, você se lembra de algum outro tipo de ação que as pessoas põem em prática, sem nenhuma remuneração, para cuidar das outras? Ao seu redor, o que significa cuidar? Quem cuida de quem? É importante levantar primeiro essas questões para poder, então, decidir como iniciar seu trabalho de campo.
Com seu diário em mãos, muitas questões na cabeça e a percepção aguçada, explore quais são os locais possíveis no seu convívio cotidiano para identificar pessoas que assumem tarefas de cuidado. Pode ser na sua casa, na vizinhança, na escola, durante o contraturno da aula, ou em algum outro ambiente em que seja possível estar sempre por perto, sem atrapalhar. Se quiser, pode eleger também mais de um lugar para observar.
Com o local para o trabalho de campo escolhido, o próximo passo será esclarecer aos possíveis interlocutores todos os objetivos da investigação. Uma pesquisa baseada no método de observação participante é, a princípio, uma pesquisa feita coletivamente. O pesqui-
O diário de campo é o principal instrumento de registro das observações de campo. Capriche em suas descrições, anotando tudo o que viu, ouviu e conversou.
Farknot Architect/Shutterstock
sador não consegue chegar aos resultados sozinho, pois seu material de análise só é produzido na relação dele com quem está ao redor, ou seja, é necessário antes de tudo convencer as pessoas que estão em seu campo a querer contribuir com a pesquisa. E, para isso acontecer, é necessário seguir uma conduta ética, falando-lhes sobre suas intenções e perguntando se elas aceitam participar da investigação.
Não é respeitoso observar alguém sem que a pessoa saiba, antes, que está sendo observada e por quê. Por isso, não esqueça: antes de o trabalho de campo começar, converse sobre suas intenções de observação e sobre o que foi discutido neste capítulo e, principalmente, explique que a fala delas e as ações observadas servirão de material de análise, mas que a identidade delas não será revelada. E cumpra essa promessa. Ainda que em seu diário de campo você descreva quem são exatamente as pessoas que está pesquisando, toda vez que for falar sobre os dados da pesquisa com professores e colegas, tome cuidado para não expor informações que possam identificar seus interlocutores. A responsabilidade de garantir o anonimato deles na pesquisa é totalmente do pesquisador, e o objetivo aqui, devemos sabê-lo com clareza, é estudar o fenômeno social do cuidado, e não pesquisar ou avaliar a pessoa X ou Y. Uma boa estratégia é designar pseudônimos para os sujeitos da sua pesquisa.
Em seguida aos combinados, estabeleça diferentes dias e horários para voltar ao mesmo lugar. A cada retorno, tente permanecer o máximo de tempo que puder e observe tudo o que acontece ao redor. Mesmo que haja repetições nas situações observadas, capriche na descrição dos detalhes. Observe e anote: • Quem é a pessoa que está na função de cuidar? • Ela cuida de quem ou do quê? • Quem recebe os cuidados? • Quais são as tarefas que a pessoa faz no intuito de cuidar? • Quais são as tarefas que parecem mais leves e quais parecem ser mais difíceis de realizar? • Qual é o sexo, a cor, a idade, a origem e as condições econômicas das pessoas envolvidas no seu campo? • O cuidador parece feliz com as atividades que realiza? • Quantas horas por dia ele dedica à realização da atividade de cuidado? • Quantas vezes por semana ele executa essa atividade? • Ele trabalha com o cuidado do outro também no final de semana? • Por que a pessoa cuida? • Qual tipo de vínculo a pessoa cuidadora tem com a pessoa cuidada? São parentes? Amigos? Vizinhos?
Todas as questões levantadas acima podem orientar seu olhar durante o trabalho de campo, e você pode perceber ainda muitas outras informações além destas, incorporando-as à sua observação.
Além disso, você pode conversar com os interlocutores e perguntar diretamente a eles sobre as questões da pesquisa. Quando houver essa possibilidade, lembre-se de anotar exatamente o que a pessoa respondeu e como respondeu, escrevendo com as palavras dela mesma, e não com as suas.
Uma dica importante: não tenha medo do ridículo. Toda pergunta daqui para frente será fundamental, pois nada mais pode parecer óbvio. Questione todos os seus princípios e tudo aquilo que até então você consideraria uma resposta “natural”. Na próxima etapa da pesquisa, você deve estar com seu diário de campo lotado de anotações. Mãos à obra!
London School of Economics Library Collections
De roupa branca e no centro da imagem de 1918, nas Ilhas Trobriand, parte de Papua-Nova Guiné, Bronislaw Malinowski senta-se com seus interlocutores de pesquisa. Malinowski é considerado um dos principais criadores da observação participante, método de pesquisa hoje amplamente utilizado nas ciências humanas para a compreensão empírica e qualitativa da sociedade.