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A sociedade e o indivíduo em questão
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).
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O homem encontrava unicamente no instinto todo o necessário para viver no estado de natureza; numa razão cultivada só encontra aquilo de que necessita para viver em sociedade.
Parece, a princípio, que os homens nesse estado de natureza, não havendo entre si qualquer espécie de relação moral ou de deveres comuns, não poderiam ser nem bons nem maus ou possuir vícios e virtudes, a menos que, tomando estas palavras num sentido físico, se considerem como vícios do indivíduo as qualidades capazes de prejudicar a própria conservação, e virtudes aquelas capazes de em seu favor contribuir, caso em que se poderia chamar de mais virtuosos àqueles que menos resistissem aos impulsos da simples natureza. [...]
Não iremos, sobretudo, concluir com Hobbes que, por não ter nenhuma ideia de bondade, seja o homem naturalmente mau; que seja corrupto porque não conhece a virtude; que nem sempre recusa a seus semelhantes serviços que não crê dever-lhes; nem que, devido ao direito que se atribui com razão relativamente às coisas de que necessita, loucamente imagine ser o proprietário do universo inteiro [...]
Certo, pois a piedade representa um sentimento natural que, moderando em cada indivíduo a ação do amor de si mesmo, concorre para a conservação mútua de toda a espécie. Ela nos faz, sem reflexão, socorrer aqueles que vemos sofrer; ela, no estado de natureza, ocupa o lugar das leis, dos costumes e da virtude, com a vantagem de ninguém sentir-se tentado a desobedecer à sua doce voz; ela impedirá qualquer selvagem robusto de tirar a uma criança fraca ou a um velho enfermo a subsistência adquirida com dificuldade, desde que ele mesmo possa encontrar a sua em outra parte [...]
O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. [...]
Ora, nada é mais meigo do que o homem em seu estado primitivo, quando, colocado pela natureza a igual distância da estupidez dos brutos e das luzes funestas do homem civil, e compelido tanto pelo instinto quanto pela razão a defender-se do mal que o ameaça, é impedido pela piedade natural de fazer o mal a alguém sem ser a isso levado por alguma coisa ou mesmo depois de atingido por algum mal. Porque, segundo o axioma do sábio Locke, “não haveria afronta se não houvesse propriedade” .
ROUSSEAU, Jean-Jacques . Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Abril Cultural , 1983. p. 251, 252, 254, 259 e 264. (Coleção Os Pensadores.)
PARE e PENSE
• Segundo Rousseau, por que a sociedade transforma a bondade humana original?
Esses trechos ilustram algumas das ideias defendidas por Rousseau sobre o ser humano em sociedade ou, nas palavras do autor, na sociedade civil, cuja fundação está diretamente associada à propriedade privada. Nesse novo contexto, retirado do seu estado de natureza, os seres humanos passam a manter relações morais e afetivas, mas estas não são mais resultado de inclinações naturais, e sim fruto de convenções e costumes.
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A SOCIEDADE E O INDIVÍDUO EM QUESTÃO
Nós fazemos a sociedade ou a sociedade nos torna o que somos? Qual é o limite entre nossa vontade individual e aquilo que a sociedade quer que sejamos para fazermos parte dela? Se aceitamos viver em sociedade, sob o domínio de regras e leis comuns, ainda assim somos livres? Quem tem mais poder de decisão sobre os rumos de uma trajetória de vida: o indivíduo ou a sociedade? Tais perguntas trazem questões que estão longe de serem simples de responder. Em torno delas, fundaram-se diferentes linhas de debate nas ciências humanas, resultando em teses escritas pelos mais diversos pesquisadores. Além disso, foi ao redor dessas questões que um campo específico do conhecimento se constituiu: a Sociologia , conforme veremos a seguir, ao retomarmos a contribuição teórica de três pioneiros dessa disciplina.
Émile Durkheim (1858-1917), um dos principais fundadores da Sociologia como campo de conhecimento científico.
Émile Durkheim
O francês Émile Durkheim, que viveu entre 1858 e 1917, foi responsável por atribuir um caráter mais definido ao que viria a ser a Sociologia: um campo de conhecimento científico novo no século XIX e especificamente voltado à compreensão da realidade social. Em sua obra , o autor se inspirou nas ciências naturais para delimitar um conjunto de regras voltadas em particular à observação de seu objeto de estudo – a sociedade – e fundamentar também um método específico para diagnosticar as relações humanas.
Para ele, a sociedade seria como um corpo, um organismo, e cada instituição funcionaria como um órgão na composição desse todo mais completo. Assim, por mais que não desprezasse a existência de indivíduos dentro de uma sociedade, o que importava para Durkheim era perceber as leis, as normas e as instituições que agiam sobre esses indivíduos, criando coesão entre todos eles. Tais dimensões da sociedade , que têm o poder de agir sobre os indivíduos e moldá-los como parte de um grupo particular, são o que o autor denomina fatos sociais: fenômenos coletivos que acontecem de modo independente das vontades individuais e são, portanto, coercitivos, pois prescrevem como os indivíduos devem agir. Como apontou Durkheim, não há uma única sociedade nem um único modo de a sociedade agir sobre os indivíduos. Dedicando parte de sua obra a analisar dados sobre povos que viviam em lugares remotos e distantes da Europa, o autor também comparou o funcionamento de diferentes sociedades. Dessas pesquisas, mostrou que, em algumas, as relações entre os indivíduos se davam por meio de uma solidariedade mecânica (entre populações pequenas, ligadas por fortes crenças e valores comuns, com menor espaço para a expressão de individualidades), em contraste com a solidariedade orgânica das sociedades industriais (gerada pelo aumento populacional, em que as funções exercidas pelos indivíduos são complexas e interdependentes e onde prevalece um código jurídico comum).
Mas uma coisa era certa : para Durkheim , ainda que houvesse sociedades diferentes entre si, tais diferenças não excluíam a característica fundamental e comum a todas elas, isto é, a definição de que a sociedade seria algo acima e para além da soma dos indivíduos – um sistema que já está em funcionamento antes de um indivíduo nascer e que, portanto, também continuará em funcionamento depois que ele morrer.
Max Weber
Nascido na Alemanha, Max Weber viveu entre 1864 e 1920 e foi um influente jurista, economista e pensador político de sua época, tendo atuado como um dos delegados de seu país no Tratado de Paz de Versalhes (assinado após a Primeira Guerra Mundial) e como conselheiro na redação da Constituição da República de Weimar.
Em sua obra, Weber dedicou especial atenção aos fundamentos de uma teoria da ação social , ou seja, buscou analisar as ações e os comportamentos que tinham sentido individual, mas que eram influenciados por outras pessoas ou grupos sociais. Parte de suas pesquisas fizeram-no perceber que as ações das pessoas em um contexto social poderiam ser motivadas por quatro diferentes fatores: motivações racionais visando a um fim específico; motivações em defesa de determinados valores ou crenças; atos decorrentes do estado emocional do de determinados valores ou crenças; atos decorrentes do estado emocional do sujeito; ou, por fim, ações tradicionais, quando alguém age com o propósito de sujeito; ou, por fim, ações tradicionais, quando alguém age com o propósito de seguir e repetir algo que faz parte dos costumes do seu grupo.
Seu método de pesquisa ficou conhecido como sociologia compreensiva, pois era em decorrência da compreensão sobre os sentidos que os indivíduos atribuíam às suas ações que Weber pretendia enxergar a sociedade, observando os elementos culturais compartilhados que davam base às ações individuais e às conexões entre os sujeitos.
Mas esse seu olhar voltado à compreensão da ação social , ao mesmo tempo, diz muito também sobre o modo como Weber encarava a relação entre indivíduo e sociedade. Ao contrário de Durkheim, que via a sociedade como uma entidade externa e acima dos indivíduos, Weber percebia os nexos causais que resultavam em transformações históricas. Esse foi o caso, por exemplo, de seu trabalho A ética protestante e o espírito do capitalismo, no qual analisou como a influência de certas práticas e valores religiosos de determinadas sociedades impulsionou a mudança do comportamento econômico das pessoas durante o desenvolvimento do capitalismo e na relação Max Weber (1864-1920), economista e pensador político alemão que fundamentou parâmetros específicos delas com o trabalho, o dinheiro e o consumo. para a pesquisa sobre ação social.
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Karl Marx (1818-1883), filósofo alemão cujo trabalho, mesmo antes de a Sociologia ser instituída como uma disciplina científica específica, já contribuía para a análise das relações sociais e da sociedade.
O filósofo alemão Karl Marx viveu entre 1818 e 1883, e sua obra exerceu influência sobre muitas gerações de cientistas sociais, economistas e filósofos. influência sobre muitas gerações de cientistas sociais, economistas e filósofos. Para ele, o conceito de sociedade é sempre relacional, vinculando-se não só ao conceito de indivíduo, mas também ao de natureza. Sua análise é só ao conceito de indivíduo, mas também ao de natureza. Sua análise é muitas vezes chamada de materialista, pois o autor busca compreender a sociedade e as relações sociais com base no mundo material e na forma como ele é apropriado pela ação humana , ou seja, pelo trabalho humano de transformação da natureza. Marx, em suas análises, busca compreender como a força de trabalho humano é organizada para, a partir desse ponto, compreender a sociedade. Para ele, o entendimento do fenômeno social depende diretamente de analisarmos primeiro a organização dos meios de produção e o modo como as pessoas reproduzem sua vida diante das condições materiais. É certo que, para Marx, essas condições materiais e as bases econômicas podem sempre mudar ao longo da história, assim como a sociedade está sempre aberta a transformações. Porém, tais transformações são decorrência direta de conflitos. Aliás, para Marx, a sociedade é uma grande arena de disputas e tensões. Para o filósofo, sociedade e indivíduo se constituem reciprocamente e em constante contradição. De um lado, a sociedade organiza as condições de vida dos indivíduos e, ao mesmo tempo, impõe os limites do que uma pessoa pode ser. De outro, uma pessoa também pode reverter a situação que a sociedade lhe impôs, agindo para romper com esses limites. Assim, a relação entre indivíduo e sociedade, para Marx, é uma via de mão dupla e, sobretudo, tensa. Daí ser possível dizer que a teoria desenvolvida por esse filósofo parte de um paradigma de conflito: o intuito dele está em demonstrar não apenas a relação entre indivíduo e sociedade, mas igualmente as configurações de poder que tensionam essa relação. No caso de sociedades baseadas na organização capitalista da
PARE e PENSE produção, foco da maior parte da obra do filósofo, o conflito social é essencialmente de classes: há a disputa de poder entre burguesia 1. Identifi que semelhanças e diferenças entre o pensamento de Émile Durkheim e o de Max Weber. (grupo que detém os meios de produção, o controle sobre a força física e o tempo de trabalho dos outros) e trabalhadores (grupo que vende sua força de trabalho para poder sobreviver). Do ponto de vista marxista, não há indivíduo que não pertença às relações de 2. Como Karl Marx caracterizou a poder e dominação que organizam a sociedade. Mas, ao mesmo sociedade capitalista? tempo, a sociedade é também resultado do processo histórico conduzido pelos indivíduos com base na luta de classes.
PESQUISA
HABILIDADE EM13CHS103
BNCC
HABILIDADE EM13CHS502
BNCC
Etapa 2
Chegou o momento agora de organizar o material produzido pela observação participante.
Em sala, individualmente, você deve retomar seu diário de campo e lê-lo com atenção. Durante a leitura, preocupe-se em perceber quais são as ações observadas que se repetem com mais frequência, quais informações lhe parecem mais relevantes para pensar as questões da pesquisa e quais foram as mais esclarecedoras ou inesperadas . Nesse processo de leitura, é essencial tentar criar uma forma de organizar as informações que você produziu. Uma dica é marcar com cores diferentes cada tipo de informação importante, tentando gerar uma espécie de classificação entre elas. Por exemplo, sublinhe de amarelo as anotações do diário que respondam à pergunta sobre o perfil dos cuidadores, sua história de vida e suas opiniões. De vermelho, sublinhe todas as anotações que possam responder a outras questões que você se
Leonor Calasans/IEA-USP
Falta essa foto,
José Guilherme Cantor Magnani (1944-), antropólogo brasileiro que baseou suas pesquisas em diversos trabalhos de campo ao longo de sua trajetória intelectual. É um grande defensor da etnografia como forma de produção de conhecimento sobre as relações sociais.
Foto de 2017.