Ciências Humanas e Sociais Aplicadas - PNLD 2021 – Objeto 2

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Musée Antoine-Lécuyer; Saint-Quentin; Aisne

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).

O homem encontrava unicamente no instinto todo o necessário para viver no estado de natureza; numa razão cultivada só encontra aquilo de que necessita para viver em sociedade. Parece, a princípio, que os homens nesse estado de natureza, não havendo entre si qualquer espécie de relação moral ou de deveres comuns, não poderiam ser nem bons nem maus ou possuir vícios e virtudes, a menos que, tomando estas palavras num sentido físico, se considerem como vícios do indivíduo as qualidades capazes de prejudicar a própria conservação, e virtudes aquelas capazes de em seu favor contribuir, caso em que se poderia chamar de mais virtuosos àqueles que menos resistissem aos impulsos da simples natureza. [...] Não iremos, sobretudo, concluir com Hobbes que, por não ter nenhuma ideia de bondade, seja o homem naturalmente mau; que seja corrupto porque não conhece a virtude; que nem sempre recusa a seus semelhantes serviços que não crê dever-lhes; nem que, devido ao direito que se atribui com razão relativamente às coisas de que necessita, loucamente imagine ser o proprietário do universo inteiro [...] Certo, pois a piedade representa um sentimento natural que, moderando em cada indivíduo a ação do amor de si mesmo, concorre para a conservação mútua de toda a espécie. Ela nos faz, sem reflexão, socorrer aqueles que vemos sofrer; ela, no estado de natureza, ocupa o lugar das leis, dos costumes e da virtude, com a vantagem de ninguém sentir-se tentado a desobedecer à sua doce voz; ela impedirá qualquer selvagem robusto de tirar a uma criança fraca ou a um velho enfermo a subsistência adquirida com dificuldade, desde que ele mesmo possa encontrar a sua em outra parte [...] O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. [...] Ora, nada é mais meigo do que o homem em seu estado primitivo, quando, colocado pela natureza a igual distância da estupidez dos brutos e das luzes funestas do homem civil, e compelido tanto pelo instinto quanto pela razão a defender-se do mal que o ameaça, é impedido pela piedade natural de fazer o mal a alguém sem ser a isso levado por alguma coisa ou mesmo depois de atingido por algum mal. Porque, segundo o axioma do sábio Locke, “não haveria afronta se não houvesse propriedade”. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 251, 252, 254, 259 e 264. (Coleção Os Pensadores.)

PARE e PENSE

Bettmann Archive/ Getty Images

• Segundo Rousseau, por que a sociedade transforma a bondade humana original?

Esses trechos ilustram algumas das ideias defendidas por Rousseau sobre o ser humano em sociedade ou, nas palavras do autor, na sociedade civil, cuja fundação está diretamente associada à propriedade privada. Nesse novo contexto, retirado do seu estado de natureza, os seres humanos passam a manter relações morais e afetivas, mas estas não são mais resultado de inclinações naturais, e sim fruto de convenções e costumes.

A SOCIEDADE E O INDIVÍDUO EM QUESTÃO Nós fazemos a sociedade ou a sociedade nos torna o que somos? Qual é o limite entre nossa vontade individual e aquilo que a sociedade quer que sejamos para fazermos parte dela? Se aceitamos viver em sociedade, sob o domínio de regras e leis comuns, ainda assim somos livres? Quem tem mais poder de decisão sobre os rumos de uma trajetória de vida: o indivíduo ou a sociedade? Tais perguntas trazem questões que estão longe de serem simples de responder. Em torno delas, fundaram-se diferentes linhas de debate nas ciências humanas, resultando em teses escritas pelos mais diversos pesquisadores. Além disso, foi ao redor dessas questões que um campo específico do conhecimento se constituiu: a Sociologia, conforme veremos a seguir, ao retomarmos a contribuição teórica de três pioneiros dessa disciplina.

Émile Durkheim Émile Durkheim (1858-1917),

um dos principais fundadores da Sociologia como campo de conhecimento científico.

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CAPÍTULO 2

O francês Émile Durkheim, que viveu entre 1858 e 1917, foi responsável por atribuir um caráter mais definido ao que viria a ser a Sociologia: um campo de conhecimento científico novo no século XIX e especificamente voltado à compreensão da realidade social. Em sua obra, o autor se inspirou nas ciências naturais para delimitar um conjunto de regras voltadas em particular à observação de seu objeto de estudo – a sociedade – e fundamentar também um método específico para diagnosticar as relações humanas.


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