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A saga de Nã Agontimé Anamô Soares

a Saga de Nã agoNtimé

Anamô Soares

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Apresentação

Quando soube que a “Chama das Histórias” realizaria esta publicação, busquei escutar a mim mesma e as vozes que eu sentia serem imprescindíveis para pensar um Brasil contado por mulheres. Escolhi recontar a história de Nã Agontimé, porque ela traz a beleza da condição humana com suas luzes e sombras. A batalha constante entre traição e verdade, medo e coragem. Por trazer a superação de uma mulher preta que sofreu perseguição e toda sorte de maldades.

Hoje, a mulher que vejo no espelho, caminha para frente à revelia de tudo que grite a sua volta. É nesse caminhar que os meus passos se encontram com os de Nã Agontimé.

Para escrever esta versão, revirei meu baú de memórias das conversas com minhas tias maranhenses, há muito tempo, num tempo ainda sem internet. Agora, no momento em que estou, tive sede de buscar. Encontrei caminhos na internet e os segui, site a site, até compreender a grandiosidade da Casa das Minas. Dessa forma reconstruí os caminhos trilhados por Nã Agontimé em sua saga, e compartilho aqui com vocês.

Esta é uma história cercada de mistérios, coragem e valentia, que aconteceu na Ilha de São Luís do Maranhão. Nesta cena, Nã Agontimé, uma mulher formidável que é nada menos que um dos alicerces da Casa das Minas, da nação Candomblé Jeje no Brasil.

De saias rodadas, sandálias e torso na cabeça, ela figura entre as heroínas da luta do povo preto que vive a diáspora no mundo. Como armas: sua astúcia, visão estratégica, liderança e força.

Nasceu no Vilarejo de Tendji, no Reino de Daomé, no século XVIII. Agontimé — uma das oito esposas do Rei Agonglo — foi mãe aos 20 anos, dando à luz ao Principe Gakpe. Entretanto, o futuro lhe reservava outras cores e nuances para uma nova história…

Durante o reinado de Agonglo, Ifá enviou uma revelação de que seu herdeiro e sucessor ao trono, Adandozan, seria um desastre para o reino Daomé devido ao seu temperamento e falta de senso de justiça. O rei elegeu, então, Gakpe, seu filho com Agontimé, para sucedê-lo.

O rei morreu muito jovem, aos 31 anos de idade, e contra a vontade póstuma do pai, Adandozan sobe ao trono. Incompetente como rei e cruel como homem, temendo uma reação contra à traição ao seu irmão, vendeu Agontimé como escravizada a um traficante, dando ordem que a rebatizassem para que jamais fosse encontrada novamente.

Durante muito tempo, perdeu-se o paradeiro de Agontimé nos registros históricos do Daomé. Gakpe, filho de Agontimé, fugiu para o exílio, retornando a Daomé somente anos depois, quando prendeu seu irmão traidor e subiu ao reino. Imediatamente, enviou uma expedição em busca de sua mãe nas Américas. Ele a nomeou como Kpojito — Rainha Mãe.

Nã Agontimé foi fundamental para a fundação da Casa das Minas no Brasil e como esta tradição secular ganhou força em São Luís do Maranhão, vocês agora saberão:

Durante sua vida como escravizada, pareciam longas as noites, envolvidas pelo véu do medo, do cansaço por tantas lutas travadas. Mas toda ameaça tem um dia seu tempo de esvair. Para o pulso forte de Nã Agontimé, era chegado o tempo de virar a mesa e dar um fim naquela dança perigosa de exploração, abusos e escravidão.

Iluminada à luz do candeeiro numa palafita, após anos sem notícias da família e sofrendo a opressão de seu senhor, Nã Agontimé fugiu para um quilombo. Fundou um reino que resistiu à escravidão e ao tempo, ensinando o culto tradicional aos voduns daomeanos, mantendo vivas as tradições espirituais na diáspora. Embevecida pela determinação, ecoou de forma altiva: o cativeiro acabou!

No que todas as mulheres da Casa das Minas foram repetindo numa espiral: — O cativeiro acabou!

Maria Jesuína, como foi rebatizada pela maldade do filho de Agonglo, é Vondunsi de Toi Zomadônu, considerada o Vodun mais importante do povo Fon. Ela retorna ao Daomé, deixando raízes no Brasil onde fundou o culto de tradição Ewe-Fon.

O legado da rainha Nã Agontimé está vivo nas africanas e africanos que cultuam seus ancestrais na diáspora brasileira. Por suas lutas e por sua força de espírito é reconhecida até hoje como a Rainha de Dois Mundos.

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