Revista Poder | 145

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ISSN 1982-9469

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R$ 19,50

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J U NHO 2 02 1 N.1 45

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PROPÓSITO, INCLUSÃO E ESPERANÇA

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Como a pandemia mexeu – e aqueceu – o setor imobiliário

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ÁREA NOBRE

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CABINE

O ministro LUÍS ROBERTO BARROSO e seu compromisso com eleições livres e limpas

CABECEIRA

A nova companhia aérea brasileira que decola com uma ajudinha da Covid-19

NA PISTA Com a paternidade da vacina e uma gestão diferenciada, JOÃO DORIA corre para conquistar o coração – e os votos – do Brasil

CAUSA PRÓPRIA

O que pensa FABIO ALPEROWITCH, o gestor

de investimentos que inventou o ESG no Brasil

REVIRAVOLTA

DANIEL GOLDBERG, sócio da

Farallon Capital, levanta a lebre: por que nossa política não admite mudança de opinião?

E MAIS

O amanhã segundo a futurista AMY WEBB, as escolhas de MAYA GABEIRA, a elegância de RENZO MONGIARDINO, os lançamentos tech para uma casa inteligente e, afinal, o que faz acabar um casamento como o dos Gates?





AMAR É A PALPITAÇÃO DA ALMA. AMOR, ONDE PALAVRAS SE TORNAM BEIJOS.

ALEXANDRE BIRMAN . BALENCIAGA . BURBERRY . BVLGARI . DIESEL . DOLCE & GABBANA ERMENEGILDO ZEGNA . GOYARD . GUCCI . HUGO BOSS . M MISSONI . MIU MIU MONCLER . TIFFANY & CO . VAN CLEEF & ARPELS . VILEBREQUIN

J K I G U AT E M I . C O M . B R


20 78 OPINIÃO

A advogada Renata Mei Hsu Guimarães enxerga um tempo de ação depois da inércia dos primeiros meses da pandemia

SUMÁRIO 7 8 12

EDITORIAL COLUNA DA JOYCE A HORA DE JOÃO DORIA

5O

54

À LUZ DA RAZÃO

55

31

ESG À BRASILEIRA

Referência no mercado financeiro, Fabio Alperowitch aposta na força das novas gerações

66

OPINIÃO

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COMO SERÁ O AMANHÃ

O CÉU NÃO É O LIMITE

Conheça a Ita, a companhia aérea que nasce botando pra quebrar 44

72 74

ESTÉTICA DA ILUSÃO

PODER VIAJA SOB MEDIDA

As escolhas de Maya Gabeira, autoridade do surfe

ENSAIO

A atriz Mariana Lima destaca a importância da televisão como ferramenta para o debate

OPINIÃO

O arquiteto e designer italiano Renzo Mongiardino criou interiores que deslocaram os padrões estéticos no século 20

Amy Webb, a executiva cuja especialidade é prever o futuro 40

ESPECIAL MERCADO IMOBILIÁRIO

Maristela Mafei analisa o divórcio dos Gates e o que acaba com um casamento

Daniel Goldberg questiona: quem muda de ideia no Brasil? 34

OPINIÃO

Setor prevê alta de 38% no ano, com destaque para imóveis de médio e alto padrão

Luís Roberto Barroso defende “choque de Iluminismo” contra o desconhecimento e o retrocesso 26

26

Para Ciro Pirondi, se quisermos ter uma cidade digna, é urgente inventarmos novos paradigmas

Governador paulista vê espaço entre as candidaturas de centro nas eleições de 2022 20

FILANTROPIA SOCIAL CLUBE

O que move a atuação social dos principais empresários do país

76 78 80

HIGH TECH CULTURA INC. ÚLTIMA PÁGINA

JOÃO DORIA POR MAURÍCIO NAHAS

AGENDA PODER

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PODER EDITORIAL

E

m sua curta vida pública, o governador paulista, João Doria, está invicto. Venceu as duas eleições que disputou, além das prévias do PSDB, o vestibular do partido, digamos. Agora ele quer enfrentar mais uma prévia, em 2021, para, quem sabe, tentar a Presidência em 2022. Doria não explicitou o desejo na entrevista exclusiva a PODER, mas está claro o que vem por aí. É a paternidade da vacina que ele vai levar para a campanha, e esse tema, para ele, seguirá em evidência por conta da necessidade de novas rodadas de imunização. De qualquer forma, o governador deixa uma reforma administrativa, um estado investidor e uma gestão com “cabeça privada”, vitrines que o diferenciam de outros administradores, inclusive no PSDB. Se Doria entrou tarde (nunca é!) na política, Fabio Alperowitch chegou cedo ao ESG. Na verdade, cedo demais. Numa época em que mal havia internet e os relatórios das empresas eram brochuras impenetráveis, ele começou a separar o joio do trigo e decidir em que companhias fazia sentido investir. Hoje sua corretora Fama gere R$ 2,6 bilhões, 80% desse montante vindo de estrangeiros. Luís Roberto Barroso talvez nem desconfiasse que ao acolher ação dos senadores da minoria estivesse dando aval para a CPI mais bafo destes anos, mas o ministro do STF não se tornou inimigo involuntário do círculo presidencial só por isso. Sua tranquilidade em relação às urnas eletrônicas, agora que ele também preside o TSE, é digna de muitas notas. “Meu compromisso é com eleições livres e limpas”, disse à repórter Mari Tegon. Bom que seja assim, pois o deep fake veio pra ficar, atesta a futurista americana Amy Webb, executiva cujo trabalho é antever o dia de amanhã. O que, aliás, tão bem faz no cenário econômico Daniel Goldberg, sócio da Farallon Capital e um dos mais respeitados atores do mercado. Ele é um dos nossos articulistas este mês, junto com a expert Maristela Mafei, que volta aqui nesta PODER para contar o que está por trás da separação de Melinda e Bill Gates. O casal, como se sabe, é benchmark da filantropia mundial, e assim deve seguir – a propósito, falamos de doações no Brasil, e quem anda fazendo a diferença por aqui. Ainda conosco o empresário Sidnei Piva, que fez a Itapemirim literalmente voar, a superatriz Mariana Lima, da série Onde Está Meu Coração, as escolhas da surfista Maya Gabeira, os ambientes menos são muito mais do italiano Renzo Mongiardino e o conforto tech da casa que queremos. Vai que a PODER é sua.

R E V I S TAP O D ER . C O M . B R


UNIÃO INSTÁVEL Está cada vez mais claro que o presidente JAIR BOLSONARO e o seu vice, HAMILTON MOURÃO,

já não comungam pensamentos – ou dividem cama, para ficar nas analogias matrimonias do presidente. O general está correndo em raia própria. Ele tem feito reuniões com políticos e partidos de diversas matizes e pretende se lançar na disputa ao Senado pelo Rio Grande do Sul. A dissonância entre os dois é tamanha que Mourão, que não faz parte da Executiva Nacional do PRTB, bateu o pé para que o seu partido não abrigue Bolsonaro para a disputa do ano que vem.

Um dos personagens mais bem informados e articulados no universo político e membro de todos os governos federais nos últimos 15 anos, GILBERTO KASSAB também tem se colocado frontalmente contra Bolsonaro. Visto como uma bússola entre seus pares, o presidente nacional do PSD indica sempre para onde o vento sopra. Agora ele ameaça abandonar o centrão caso o grupo se mantenha fiel ao Planalto. Tal posição já andou movimentando o tabuleiro em Brasília: Fábio Faria, ministro das Comunicações, está desembarcando do partido de Kassab rumo ao PP. O próximo a deixar o barco pode ser Guilherme Afif Domingos, assessor especial do ministro Paulo Guedes.

FILA DE BANCO

As primeiras semanas de funcionamento da CPI da Covid mostraram que o presidente Bolsonaro terá que se desdobrar para tentar reduzir o desgaste. A avaliação é que a oposição esticará a comissão ao máximo com intuito de deixar o presidente sangrar. Enquanto isso, na Câmara, embora Arthur Lira tenha o compromisso de não colocar pedidos de impeachment para tramitar, a lua de mel com o centrão afundou de vez. Com a CPI o grupo percebeu o aumento da dependência do Planalto e se prepara para cobrar mais caro pelo suporte. No gabinete da ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, onde as cobranças dos deputados acontecem, já tem fila na porta.

8 PODER JOYCE PASCOWITCH

BOUQUET

A família Odebrecht está reformando seu chatô em Busca Vida, no litoral baiano, e ampliando o que já era bastante grande. Fazendo mais quartos e aumentando também a adega. Bom lembrar que EMÍLIO ODEBRECHT é um grande colecionador e conhecedor de vinhos.

FOTOS GETTY IMAGES; MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL; MARCOS OLIVEIRA/AGÊNCIA SENADO; PAULO FREITAS; REPRODUÇÃO TWITTER; REPRODUÇÃO; DIVULGAÇÃO

LOBO DO MAR


NAMORINHO DE PORTÃO

A revelação do encontro entre os ex-presidentes FERNANDO HENRIQUE CARDOSO e LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA e a declaração de FH sobre um eventual apoio ao petista em 2022 causou alvoroço. Além de elevar a pressão interna para que o PSDB acelere a definição do pré-candidato à Presidência da República, também fez ruir, em parte, a popularidade do tucano ao menos no eleitorado feminino. Nas redes sociais, muitas mulheres andaram criticando duramente a atitude do ex-presidente. No mês em que completa 90 anos, o charme de Fernando Henrique parece não ser mais tão inabalável. Pelo visto há controvérsias.

SALTO ALTO

A pouco mais de um ano para as eleições, um grupo de lideranças femininas está articulando nos bastidores contra o partido Novo, uma das maiores surpresas em 2018, quando pôs João Amoêdo no quinto lugar da corrida presidencial. Proporcionalmente, a legenda é a que tem o menor número de mulheres entre seus filiados: apenas 21%. Vale lembrar que somente duas siglas têm mais mulheres do que homens: no Republicanos elas representam 50,5% dos filiados. Já o Partido da Mulher Brasileira (PMB) é o que tem maior número: a cada 100 filiados, 55 são mulheres.

OLHO DE LINCE

Grande empresário, investidor e com olhar muito apurado tanto para novos negócios quanto para obras de arte, PATRICE DE CAMARET, que mora parte do tempo no Brasil e parte em Londres, acabou de dar uma superbola dentro que deve ter lhe rendido muitos milhões de dólares para sua já robusta conta bancária. Há muito tempo investidor de pesquisas no combate da Aids, ele colaborou também para o desenvolvimento da vacina contra a Covid-19 da empresa de biotecnologia americana Moderna. O resultado não precisa nem explicar…

MÉRITO

Realizada pelo cientista político Antonio Lavareda, uma pesquisa inédita encomendada pela Associação Paulista de Magistrados ao Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas) avaliou a visão da sociedade sobre o Judiciário. Entre os números apresentados, a JUSBarômetro revelou que, entre os três poderes da República, a sociedade confia mais no Judiciário. Os dados mostram que enquanto 44% dos entrevistados confiam na Justiça brasileira, apenas 27% confiam no Congresso Nacional. Com relação ao Executivo, 57% não confiam na Presidência da República. PODER JOYCE PASCOWITCH 9


A vida se contrai e se expande proporcionalmente à coragem do indivíduo ANAÏS NIN

3 PERGUNTAS PARA... LIA VAINER SCHUCMAN, SCHUCMAN, professora do departamento de psicologia da UFSC e pesquisadora de psicologia e relações étnicorraciais

A ideia de que quem tem raça é o outro faz parte de como funciona a branquitude. Quando nós vamos pensar as raças, sempre imaginamos negros, indígenas, mas os negros e os indígenas só existem porque foram inventados pelo branco no encontro colonial, que definiu as pessoas nascidas na África como negros, embora elas fossem de sociedades diversas. Essa ideia de classificar todas em uma categoria é uma invenção branca, então a branquitude parte desse lugar de colocar raça nos outros e não se enxergar como raça. O que os estudos críticos vão fazer é aplicar a própria categoria de raça naquele que inventou a ideia de raça e, ao olhar para o branco como racializado, tentar entender como a raça funciona para o branco. POR QUE NÃO HÁ RACISMO REVERSO?

Racismo refere-se à estrutura de poder, ou seja, a estrutura de poder

econômica, de decisão política, de produção de subjetividade, na mão de um grupo. Isso não quer dizer que uma pessoa negra não tenha preconceito com brancos. Todos os grupos e todos os indivíduos podem ter preconceito um contra o outro e por isso, no direito, injúria é injúria, preconceito é preconceito e racismo é racismo. Existe a possibilidade de que as pessoas sofram preconceito sendo brancas? Sim, pode ser que as chamem de branquelas azedas, mas isso não faz com que elas sofram na vida ou que a polícia as mate. Não há uma estrutura social que legitima aquela fala, então ela se perde, vira algo que não terá efeito na sua vida. Quando a gente discute raça e racismo, é uma forma de dar significado a relações de poder porque, se não houver relações de poder, ser branco não significa nada. Não se tem poder por causa da pele branca e ninguém nunca sofreu na vida porque tem melanina na pele, o que faz as pessoas sofrerem são relações de poder. Uma pessoa não sofre porque ela é negra, mas porque há racismo.

719%

Foi o aumento nas pesquisas de voos para os Estados Unidos em maio, em comparação ao mês anterior. O crescimento coincide com o “turismo da vacina”, viagem para imunização contra a Covid-19. Os EUA são o país com maior número de doses compradas no mundo.

10 PODER JOYCE PASCOWITCH

O QUE É LETRAMENTO RACIAL CRÍTICO?

Letramento racial é a aprendizagem sobre raças, algo que todo mundo tem, mas o problema é que nosso letramento racial é racista. As pessoas aprendem a ser racistas olhando o mundo e o letramento racial crítico seria uma certa prática de leitura do mundo a partir da ideia de raça. A prática pressupõe que se reconheça que há um lugar simbólico e material de privilégio em ser branco e se entenda o racismo como um problema atual que se constrói através de práticas raciais. É uma construção a partir de relações históricas e de poder e, com o letramento racial crítico, a pessoa poderá ir deixando de reproduzir o racismo. FOTOS GETTY IMAGES; DIVULGAÇÃO

O QUE SIGNIFICA O TERMO BRANQUITUDE?


EM JUNHO A MULHER E O HOMEM DE PODER VÃO... APROVEITAR o tempo frio para pesquisar novos vinhos biológicos pelo mundo afora COMEMORAR os 80 anos de Erasmo

ACOMPANHAR o U. S. Open de golfe, um dos quatro majors do calendário. No Torrey Pines Golf Course, em San Diego. O americano Dustin Johnson é o atual líder do ranking mundial

Carlos ao som de A Banda dos Contentes. O álbum clássico de 1976 traz sucessos como “Queremos Saber” e “Análise Descontraída” MARATONAR documentários e

séries sobre alimentação. Entre eles Amazônia em Chamas (Takeout), no Telecine Play, e Que Raio de Saúde (What the Health), na Netflix

INVESTIR

em bitcoin verde com mineração de energia limpa

SABOREAR os queijos da Pardinho

Artesanal, como o delicioso cuesta, elaborados a partir do leite cru das vacas gir criadas a pasto na Fazenda Sant’Anna, no interior de São Paulo

ASSISTIR ao

FOTOS ROMULO FIALDINI/DIVULGAÇÃO; REPRODUÇÃO; DIVULGAÇÃO

Tour de France, a mais nobre competição do ciclismo mundial: 21 etapas e 3.500 km percorridos em 23 dias. A largada acontece no dia 26 em Brest, na região da Bretanha, com a tradicional chegada na Avenida ChampsÉlysées, em Paris DESEJAR a bicicleta dobrável mais leve do mundo. Feita de fibra de linhaça, o lançamento é da marca inglesa Hummingbird, mas ainda não está à venda. A estimativa de preço? R$ 23 mil (modelo sem marchas)

ADENTRAR as instalações da nova Estação Espacial Chinesa através de plataforma virtual da CSS (na sigla em inglês). A construção, que foi batizada como Tiangong (Palácio Celestial, na tradução livre), entrará em funcionamento em 2022 LER o novo livro de memórias do expresidente Fernando Henrique Cardoso, Um Intelectual na Política (Cia. Das Letras), no qual ele revisita suas origens para discutir os efeitos de sua atuação como chefe da República VISITAR a exposição

recém-inaugurada que homenageia a família Gomide Graz, pioneira na introdução de composições geométricas abstratas no Brasil. Desafios da Modernidade – Família Gomide-Graz nas Décadas de 1920 e 1930 está em cartaz no MAM-SP

CONFERIR a 23ª edição do Festival

Amazonas de Ópera (FAO). A programação on-line contará com óperas e concertos gravados, recitais transmitidos ao vivo, webinars, masterclasses, entre outras atrações ENTENDER a teoria,

REVISITAR a obre de Jaime Lerner,

arquiteto e urbanista, ex-governador do Paraná que morreu no mês passado OUVIR o single “Casa que Era Minha”, fruto da união inédita de três grandes nomes da música brasileira: Ivan Lins, Joyce Moreno e Marcos Valle

a história e a prática do impeachment no Brasil com o livro Como Remover um Presidente (Cia. Das Letras), do jurista Rafael Mafei

com reportagem de dado abreu, nina rahe e paulo vieira PODER JOYCE PASCOWITCH 11


LOCOMOTIVA

A HORA DE JOÃO DORIA

Sem explicitar ambição presidencial, governador paulista acirra discurso contra Bolsonaro e vê espaço para trafegar por “larga avenida” das candidaturas de centro nas eleições de 2022. Responsável por levar vacina a milhões de brasileiros, crê que a Covid-19 seguirá como assunto ano que vem, o que, paradoxalmente, pode eclipsar seus bons resultados no Bandeirantes POR PAULO VIEIRA FOTOS MAURÍCIO NAHAS

P

ergunte a qualquer brasileiro a que cargo o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), pretende concorrer em 2022, e a resposta será: “presidente”. Mas caso você faça essa pergunta diretamente a ele, como fez PODER em entrevista exclusiva no palácio dos Bandeirantes, numa sexta-feira de maio, a resposta é: “Por enquanto, nenhum. Continuarei sendo gestor aqui do governo do estado de São Paulo”. “Dois mil e vinte e dois é para ser pensado em 2022. Ano ímpar é ano de gestão”, justificou, para em seguida expor uma contradição ao defender a definição do concorrente do PSDB ao Planalto por meio de eleição interna em 2021. “Não há a menor hipótese de você ter um candidato competitivo com prévias em 2022, o vencedor não terá tempo suficiente de articulação com os demais partidos de centro.” Embora não afirme sua candidatura, João Doria já deu mostras de que tem pressa para se tornar o ungido de seu partido. A tentativa do governador de se tornar presidente da sigla, em fevereiro, e, uma vez dominada a máquina, expulsar o correligionário Aécio Neves, gerou reação. Presidentes de todos os diretórios estaduais, os sete senadores e 2/3 da bancada de deputados federais do PSDB barraram sua pretensão, reconduzindo ao comando tucano o ex-deputado federal Bruno Araújo. Ato contínuo, como que por geração espontânea, começaram a pipocar outros presidenciáveis na sigla, como o governador gaúcho Eduardo Leite e o senador cearense Tasso Jereissati. Como um comentarista de rede social, o ex-presidente e cardeal do PSDB Fernando Henrique Cardoso disse então que “o

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PODER JOYCE PASCOWITCH 13


apressado come cru, melhor é comer cozido” (leia outras opiniões de FHC sobre Doria no box). João Doria confia nas prévias, as eleições internas do PSDB, não apenas por seu desempenho pregresso – venceu as duas que disputou, assim como as eleições propriamente ditas, em 2016 e 2018 –, mas porque São Paulo conta com o maior número de filiados, o que lhe dá estamina e votos para contrapor- se à resistência a seu nome. Havia uma discussão em torno desse processo, com Doria a advogar um modelo com voto direto, sem restrições, e Leite preferindo a aplicação de pesos diferentes para proporcionar “equilíbrio federativo”. Em 31 de maio o partido aprovou um documento que, se referendado, define o sistema com pesos desiguais, diferentemente do que Doria queria. O episódio mostrou que o governador não tem força – por ora, ao menos – de chegar chegando e bagunçar o PSDB. Pelo Brasil, o partido tem visões plurais, digamos, sobre diversos temas, notadamene sua adesão – ou não – a Jair Bolsonaro, o antípoda do governador. Doria gostaria de ver 100% do PSDB na oposição a quem chama de “mito da mentira”, mas há parlamentares tucanos muito próximos do Planalto, caso dos senadores Roberto Rocha (MA) e Izalci Lucas (DF), que chegou mesmo a ser vice-líder do governo no Senado em 2019. Há muito tempo o PSDB é caracterizado com ironia na imprensa e no circuito político como um partido em que seus integrantes são desprovidos do poder de decisão. Alguns poderiam chamar isso de “democracia”, mas a verdade é que a sigla tem poucos nomes com o peso – ou com os ativos eleitorais – de Doria, o que torna uma indecisão em relação a 22 pouco justificável. Ter-se tornado o político que conseguiu vacinar a primeira brasileira contra a Covid-19 e até meados de maio fornecer, por conta exclusiva de seus esforços, duas em cada três doses das vacinas aplicadas no país, é um supertrunfo, especialmente quando comparado ao que seus prováveis adversários tucanos têm a ofertar: uma reforma administrativa, no caso de Leite; e uma suposta capacidade de diálogo, no caso de Tasso, cujos acólitos buscam fazer pespegar ao parlamentar cearense o carimbo de “Joe Biden brasileiro”. João Doria tem apenas quatro anos de vida pública e está invicto em eleições, o que não quer dizer nada. Surfou na antipolítica e levou já no primeiro turno para prefeito de São Paulo, em 2016; dois anos depois,

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sofrendo rejeição na capital paulista por abandonar precocemente a prefeitura, venceu a acirrada disputa para governador do estado. Vê-se como alguém de “cabeça privada”, setor onde esteve por quatro décadas, “na política”. “Continuo tendo esse sentimento privado na gestão pública, por isso montamos aqui um secretariado de nível de ministério. Há várias pessoas que vieram do setor privado e oito ex-bons ministros de Estado que ajudam a fazer um governo descentralizado, operativo, corajoso, o único entre os estados a fazer uma reforma administrativa que reduziu despesas, para que pudéssemos ter a condição fiscal adequada que hoje temos, de R$ 21 bilhões em 2021, mais do que o governo federal tem para investir.” Mesmo com esse verdadeiro discurso proferido numa única resposta ao repórter de PODER, tudo isso parece ser verdade, à parte a reforma administrativa solitária, uma vez que também feita por Eduardo Leite, no Rio Grande do Sul. Apresentar a gestão “AAA” seria uma boa ideia em 2022, já que Doria não deve deixar uma vitrine de grandes obras – naipe expansão do metrô paulistano, conclusão do Rodoanel e até mesmo o “people mover” do aeroporto de Guarulhos – para ostentar. O problema é que tudo isso pode ser uma quimera, até mesmo a despoluição do rio Pinheiros, tema que passou batido por décadas de gestões tucanas em São Paulo e que Doria decidiu enfrentar. A discussão em 2022 tem tudo para estar, como se diz no futebol, em outro patamar, e contrapor-se a Bolsonaro pode ser a verdadeira língua franca, a única a fazer sentido na campanha. E aí Doria terá um problema. Tendo muito para mostrar em sua administração ou não, o governador não vai conseguir se desvencilhar de uma imagem crucial de sua história política, que tende a roubar a cena na campanha eleitoral, na TV e na internet. É que para vencer a disputadíssima eleição para governador contra Márcio França (PSB), em 2018, Doria criou o neologismo “BolsoDoria”, e literalmente vestiu a camiseta amarela com essa inscrição, em manobra para aproveitar a popularidade do candidato a presidente pelo PSL. O “namoro” entre João e Jair, para usar uma expressão cara ao presidente, não duraria muito, mas teve cenas memoráveis. Em junho de 2019, Bolsonaro veio a São Paulo e Doria se deixou fotografar fazendo flexões abdominais em sua companhia (Bolsonaro ergueu os ombros). O gover-


FOTOS GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO; FOTOARENA/FOLHAPRESS

Ao lado, Doria anuncia aportes do Mercado Livre no estado; no sentido horário, com a enfermeira que se tornou a primeira a receber vacina contra Covid no Brasil; e, em 2019, em tempos de namoro com Jair Bolsonaro

nador ainda foi ao Twitter para se justificar: “Presidente mandou pagar 10, a gente paga neh?”. E marcou @jairbolsonaro. Daí em diante tudo mudaria, e faltaria hoje verossimilhança à obra do romancista que tentasse reproduzir os fatos políticos dos últimos três anos no Brasil da maneira estrita como eles se desenrolaram. Em novas viagens a São Paulo, Bolsonaro evitou Doria, passou a atacá-lo sistematicamente, atrasou a compra pelo Ministério da Saúde – o grande palco da batalha entre os dois – da vacina CoronaVac, que teve em junho uso emergencial reconhecido pela OMS, e começou a desdenhar do governador, chamando-o de “calça apertada”. Em resposta, Doria passou a não perder uma oportunidade de criticar o presidente. Sem apelar a apelidos ginasianos, usa suas aparições públicas para chamar Bolsonaro de “incompetente”, “negacionista”, “displicente”, alguém a quem “falta compaixão”. “O governo Bolsonaro é um desastre completo em todas as áreas”, disse a PODER. “Um governo negacionista, que por falta de determinação e por excesso de ideologia, levou o Brasil ao fim da fila no combate à pandemia, e contribuiu, lamentavelmente, para que o Brasil até o momento tivesse mais de 428 mil mortes [o número no dia do fechamento desta edição chegou a 463 mil].

A UNÇÃO DE FHC

A foto que abalou o PSDB em 21 de maio, o aperto de mão pandêmico entre Lula e FHC na casa de Nelson Jobim, e a declaração do ex-presidente de que apoiaria Lula caso seja ele o candidato a enfrentar Bolsonaro no segundo turno em 2022, gerou barulho no partido, e FHC teve de emendar seu posicionamento. Ele, que já havia admitido que o PSDB poderia abrir mão da candidatura majoritária diante da necessidade de encontrar um nome consensual de centro, disse a PODER, por e-mail, que “um partido do tamanho do PSDB precisa ter candidato presidencial, e deve ser um bom candidato”. João Doria, para ele, “tem acumulado serviços positivos à frente de São Paulo e isso contará para sua eventual candidatura”. FHC não comunga com a tese de ACM Neto e vê em Doria alguém “capaz de agregar”. O governador foi rápido em tentar cabalar o apoio de FHC, chamando-o para uma visita ao Bandeirantes poucos dias depois da foto polêmica vir a público. O ex-presidente, a propósito, parece ter gostado de ser cortejado, e também, segundo revelou o jornal Folha de S.Paulo, conversou com o governador gaúcho Eduardo Leite, virtual adversário de Doria dentro do PSDB. Embora os círculos dos dois governadores dissessem que FHC apoiava os dois modelos de prévias propostos por ambos adversários, em 31 de maio o partido aprovou um documento que, se referendado, define o sistema com pesos desiguais, diferentemente do que queria Doria. PODER JOYCE PASCOWITCH 15


AVENIDA LARGA As pesquisas eleitorais têm sido duras com o governador. No mais recente Datafolha, divulgado em meados de maio, seu nome aparece na estimulada com 3% da intenção de votos, atrás de Lula (41%), Bolsonaro (23%), Sergio Moro (7%), Ciro Gomes (6%) e até do ‘não sai de cima’ Luciano Huck (4%). Apesar disso, vê uma “avenida larga” para uma candidatura de centro como a sua, uma terceira via entre Lula e Bolsonaro, que ele ambiciona trafegar. “Uma faixa expressiva, 40%, ainda não tomou sua decisão, e administrará a possibilidade de votar num candidato de centro, que seja capaz de trazer esperança, de recuperação do Brasil. Não há caminho estreito, há uma avenida larga”, disse. Especialistas em marketing político próximos do governador veem duas grandes dificuldades para ele transpor. Transcender as fronteiras de São Paulo e conseguir provar-se autêntico, justamente a “qualidade” observada em Bolsonaro. As lágrimas vertidas ao anunciar a eficácia da CoronaVac, a vacina “chinesa do Doria”, na definição de 2020 do “PR”, ou a

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emoção de protagonizar a imunização da primeira brasileira, uma enfermeira negra escolhida a dedo, em 17 de janeiro, podem não ser cenas suficientemente persuasivas diante da imagem da infame camiseta amarela. Contra isso, Doria tem tentado um antídoto – a admissão do erro. “Eu, como milhões de brasileiros, confiei também no discurso liberal de Paulo Guedes; acreditei que o convite feito a Sergio Moro [representasse] também um compromisso com a Lava Jato, com as medidas punitivas às más condutas, à irresponsabilidade e aos atos criminosos de gestão de dinheiro público. Mas errei, assim como milhões de outros brasileiros. Não vou errar pela segunda vez.” O governador sustenta, como se vê, que o convite a Moro se deu antes de 28 de outubro, dia do pleito de Bolsonaro contra Fernando Haddad. Doria também alegou a PODER que, por não ter sido parlamentar, e, com isso, “não ter convivido com Bolsonaro no Congresso”, não poderia conhecê-lo suficientemente. Por esse raciocínio, eleitor nenhum poderia conhecer Bolsonaro suficientemente. Mais defensável é o

FOTOS GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO; RONNY SANTOS/FOLHAPRESS; EDUARDO SARAIVA/AZIMG/DIVULGAÇÃO

João Doria em passeio pelo rio Pinheiros, que ele quer ver despoluído em 2022, desafio que nenhum governador antes encarou; o Rodoanel Norte, obra do PSDB paulista que caminhou lentamente com ele; e em em ação de marketing quando prefeito


‘‘Tenho sentimento privado na gestão pública. Há várias pessoas que vieram do setor privado e ajudam a fazer um governo operativo, corajoso, que reduziu despesas” terceiro argumento, de “que não havia nenhuma possibilidade de apoiar o PT”, força em que Doria sempre bateu em sua curta carreira política. Pelo que se depreende da conversa com o governador, apagar o BolsoDoria só talvez seja possível se ele conseguir afirmar claramente sua paternidade na vacina contra a Covid e, com ela, sua defesa intransigente pela vida de milhões de brasileiros. O tema, na opinião do governador, vai estar em voga em 2022 por conta das mutações do vírus Sars-CoV-2 e da necessidade de novas rodadas de imunizações. E sim, tudo isso tende a eclipsar, paradoxalmente, a gestão “privada” na política, o bom ambiente de negócios, a capacidade de investimento e as soluções inovadoras que imprimiu à gestão. Para o consultor político e cientista social Ney Figueiredo, Doria foi “vítima de uma milícia digital bolsonarista que abalou sua imagem de político inovador”, e não o vê com chances numa eleição presidencial – exceto compondo uma chapa como vice. “Governador do maior estado do Brasil que apresentou resultados razoáveis na pandemia, que trouxe a CoronaVac, responsável maior pela vacinação, e que não tem acusações de corrupção”, elenca, entre diPODER JOYCE PASCOWITCH 17


O REALIZADOR

“O grande paradoxo é que João Doria faz um bom governo, especialmente em saúde e educação, mas ele não constrói aliados políticos, e isso é fundamental para ganhar uma eleição”, disse a PODER o cientista político Fernando Abrucio, para quem o governador corre sérios riscos até numa disputa pelo Bandeirantes, caso enfrente o ex-governador Geraldo Alckmin. Para Abrucio, Doria será “lembrado daqui a dez anos” como o “cara que conseguiu fazer Jair Bolsonaro comprar vacina”. “Imagina quantas mortes mais seriam?” O governador vem atuando em diversas frentes, tendo recentemente sancionado o Bolsa do Povo, com recursos de R$ 1 bi, e que vão beneficiar até 500 mil pessoas, segundo o governo estadual, algumas recebendo cerca de R$ 500; em outra frente, segue a buscar investimentos para o estado, e em maio anunciou aporte de R$ 4 bi da empresa Mercado Livre. É o maior investimento privado num único ano em São Paulo, com possível abertura de 5 mil postos de trabalho. Boa parte da capacidade de geração de recursos, segundo o governador, está atrelada à reforma administrativa “difícil” feita em 2020, aprovada na Assembleia Legislativa após dura negociação – e que previa cortes que caíram, como a da verba da Fapesp, de incentivo à pesquisa científica. Com tudo isso, São Paulo cresceu 0,4% ano passado, segundo dados do estado, contra a queda de 4.1% do PIB brasileiro. Na última semana de maio, Doria voltou a falar sobre a Fapesp, dessa vez para anunciar um aporte de R$ 580 milhões para a fundação.

versos senões. Outra possibilidade admitida por Figueiredo e por um pequeno círculo político seria uma tentativa de um segundo termo para o Bandeirantes, uma saída difícil, já que o vice-governador paulista, Rodrigo Garcia, foi instado a trocar o DEM pelo PSDB justamente para concorrer ao Bandeirantes em 2022, fechando o caminho no partido para o ex-governador Geraldo Alckmin. A virada de casaca de Garcia gerou atrito com ACM Neto, presidente do DEM, e afastou a sigla, ao menos por ora, de uma composição nacional com o PSDB. ACM usou palavras fortes para atacar Doria no mesmo dia da filiação de Garcia. “A postura desagregadora do governador de São Paulo amplia o seu isolamento político e reforça a percepção do seu despreparo para liderar um projeto nacional”, escreveu em seu Twitter. “O momento pede grandeza e compromisso dos homens públicos com o país.” Em resposta, Doria disse a PODER que o “DEM não está fora do jogo” e que “grandeza tem de ser de todos”. “Para vencer os extremos, teremos de ter capacidade de diálogo. Tudo a seu tempo deverá se ajustar para termos uma candidatura fortalecida de centro que terá um enfrentamento difícil com Lula e Bolsonaro.” O caminho promete ser duro para Doria. n

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‘‘Eu confiei no discurso liberal de Paulo Guedes, acreditei no compromisso com a Lava Jato. Errei, como milhões de brasileiros”


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URNA

À LUZ DA

RAZÃO

Diante da tentativa de retorno ao voto impresso no Brasil, uma das cruzadas em curso no Planalto, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral e ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, defende um “choque de iluminismo” contra o desconhecimento e o retrocesso

L

POR MARI TEGON

PODER: COMO PRESIDENTE DO TSE, A QUE O SENHOR ATRIBUI A DESCONFIANÇA, POR PARTE INCLUSIVE DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, COM RELAÇÃO À URNA ELETRÔNICA? RECENTEMENTE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA FOI HACKEADO. ISSO INDICARIA ALGUM TIPO DE FRAGILIDADE DE SISTEMAS ELETRÔNICOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA? LUÍS ROBERTO BARROSO: Nos últimos anos, a urna eletrônica e o sistema eleitoral brasileiro, como

um todo, estão entre os principais alvos de campanhas de desinformação. Hoje, ninguém está imune a ataques de hackers. Por isso concebemos um sistema em que a urna jamais entra em rede. Logo, ela não é passível de ataques remotos. O máximo que conseguiram foi obter alguns dados de juízes e servidores. Não tem como chegar nas urnas. Ou seja, o resultado não pode ser fraudado. Sempre lembrando que há a impressão do boletim de urna ao fim da votação e que

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FOTO DIDA SAMPAIO/ARQUIVO PESSOAL/TSE

ançado há 25 anos, o sistema eletrônico de votação brasileiro, que tem como principal elemento a urna eletrônica, nunca registrou nenhum caso de fraude. Zero. À vista disso, a inserção do voto impresso no atual processo eleitoral seria um enorme retrocesso na visão do presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso. “Meu compromisso não é com um específico modelo de votação, mas com eleições livres e limpas. O discurso pela volta do voto impresso faz parte da retórica de certos segmentos políticos. É a lógica do ‘se eu perder houve fraude’”, diz o ministro nesta entrevista exclusiva a PODER, na qual ressalta a segurança, transparência e auditabilidade do processo eleitoral brasileiro, segundo ele “provavelmente o melhor sistema de apuração do mundo”, comenta as declarações e ataques do presidente Jair Bolsonaro, critica duramente a Lei de Segurança Nacional e clama por um choque de iluminismo frente ao avanço do obscurantismo.


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“O poder emana do povo, e não dos juízes. Tudo o que o Brasil não precisa é judicializar o resultado das eleições”

PODER: POR QUE A AUDITORIA ELETRÔNICA É MAIS CONFIÁVEL QUE UMA SIMPLES RECONTAGEM DE VOTOS IMPRESSOS? LRB: Em primeiro lugar, em razão do custo de sua

implementação. Antes da pandemia e da alta do dólar, nós já falávamos no custo de R$ 2 bilhões para a introdução do voto impresso. Em segundo lugar, pelo risco ao sigilo do voto, motivo que levou o STF a declarar a sua inconstitucionalidade. É bom lembrar que esse é o país em que até o painel de votação sigilosa do Senado Federal foi violado. Em terceiro lugar, há um risco de judicialização das eleições. Nos Estados Unidos, o expresidente Donald Trump propôs mais de 50 ações judiciais questionando o resultado das eleições. Nenhum juiz se dispôs a dar uma decisão favorável. Eu não tenho a mesma certeza de que isso aconteceria no Brasil. Em 2020, tivemos mais de 400 mil candidatos. Imagina se um percentual pequeno desse vasto universo resolver impugnar o resultado, pedir recontagem, contratar os melhores advogados eleitorais para achar alguma inconsistência, solicitando a suspensão das eleições ou a anulação de posse? Esse é um risco que vamos introduzir com o voto impresso. O poder emana do povo, e não dos juízes. Tudo o que o Brasil não precisa neste momento é judicializar, também, o resultado das eleições.

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PODER: O BRASIL TEM O SISTEMA ELEITORAL MAIS TECNOLÓGICO DO MUNDO. NO ENTANTO, ESTÁ SENDO CONTESTADO POR AUTORIDADES QUE DEFENDEM O VOTO IMPRESSO E, CURIOSAMENTE, FIZERAM CORO AO EXPRESIDENTE TRUMP CRITICANDO FRAGILIDADES DO VOTO IMPRESSO NOS EUA. NÃO É UMA CONTRADIÇÃO? LRB: Em uma democracia, nenhum tema é tabu, tudo

pode ser discutido à luz do dia. E o Congresso Nacional é o lugar próprio para o debate. Como, desde 1996, nunca tivemos qualquer problema relevante, não vejo razão para mexer num time que está ganhando. Como presidente do TSE, estou à disposição para receber de qualquer pessoa qualquer elemento de prova de que há fraude em nosso sistema. Meu compromisso não é com um específico modelo de votação, mas com eleições livres e limpas. Portanto, se alguém trouxer qualquer indício de fraude, nós imediatamente apuraremos. Mas a volta do voto impresso, além de todos os inconvenientes, seria inútil, relativamente ao discurso da fraude. O discurso da fraude faz parte da retórica de certos segmentos políticos. É a lógica do “se eu perder houve fraude”.

PODER: O PRESIDENTE BOLSONARO JÁ DECLAROU QUE “SE NÃO TIVER VOTO IMPRESSO, NÃO TERÁ ELEIÇÃO” E “QUEM FOR CONTRA [O VOTO IMPRESSO], OU ACREDITA EM PAPAI NOEL OU ESTÁ DO LADO DO BARROSO, OU SABE QUE PODE TER FRAUDE E ACHA QUE IRÁ SE BENEFICIAR”. COMO ESSE TIPO DE RETÓRICA PODE SE DESDOBRAR EM FUTUROS PROBLEMAS JUDICIAIS E DEMOCRÁTICOS?

FOTO MARCELO CAMARGO/AGÊNCIAS BRASIL

o resultado da totalização feita no TSE sempre pode ser conferido. O sistema eleitoral brasileiro é auditável do primeiro ao último passo, são tantos os mecanismos que dá para perder a conta.


LRB: Não é o meu papel polemizar com o presidente da

República, que tem o direito de pensar e de se expressar como a ele pareça bem. Assim é na democracia. Nas ditaduras é que existem donos da verdade, por isso eu as abomino. Nós cuidamos apenas de demonstrar o que é e como funciona o processo eletrônico de votação. A verdade é que o Tribunal Superior Eleitoral cumpre a Constituição, a lei e as decisões do STF. Por isso, o meu papel e o papel do TSE é demonstrar como o sistema funciona, a sua segurança e transparência. O resto é política, que tem uma retórica e uma lógica próprias. Eu lido com fatos e provas.

PODER: ENXERGA UM MESMO PADRÃO DE COMPORTAMENTO ENTRE OS QUE DEFENDEM O VOTO IMPRESSO E AQUELES QUE ATACAM O DESENVOLVIMENTO DE VACINAS? LRB: Acredito que a defesa do voto impresso decorre

do desconhecimento sobre como o sistema funciona e em razão das campanhas de desinformação. Acho que esses fatores também são determinantes para o movimento anti-vacina. A verdade é que o desenvolvimento das vacinas erradicou ou controlou uma série de doenças, muitas delas fatais. Isso faz com que muitas pessoas, notadamente as mais jovens, nem sequer se deem conta da sua importância. É por essas e outras que gosto de dizer que o país precisa de um choque de Iluminismo. Iluminismo significa razão, ciência, humanismo e progresso.

PODER: COMO LIDAR COM A AGRESSIVIDADE DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA AO SENHOR, AO TSE E AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E SEUS COLEGAS MINISTROS? LRB: Eu cumpro a missão da minha vida, em defesa da

democracia, da justiça, do bem e da verdade possível. Nem crítica nem elogio me desviam desse caminho. A vida me deu muitas oportunidades e procuro desfrutálas sem arrogância, com compreensão pelas dificuldades alheias. Vivo para um país melhor e maior. Meu slogan é: “Não importa o que esteja acontecendo à sua volta; faça você o melhor papel que puder”.

PODER: O PAÍS VIVE UM PERÍODO DE FORTE POLARIZAÇÃO. O SENHOR ACREDITA QUE ELA É SAUDÁVEL PARA A DEMOCRACIA OU PREFERIRIA OUTRAS VIAS? LRB: No mundo sempre houve polarização entre as

diferentes visões políticas. Minha geração conviveu com as tensões entre socialismo e economias planificadas, de um lado, e capitalismo e economias de mercado, de outro. A democracia tem lugar para conservadores, liberais e progressistas. E a alternância no poder é parte do modelo e uma coisa saudável. O problema atual, agravado pelas redes sociais, ou antissociais, é a grosseria, a agressividade, a

incapacidade de tratar o outro com respeito e consideração. O que nós precisamos é tornar a divergência civilizada. A intolerância é uma derrota do espírito. Todo país, independentemente das divisões políticas, precisa de uma agenda mínima, patriótica, com denominadores comuns, capazes de aglutinar todas as pessoas. Sugiro alguns itens: um pacto de integridade, combate à pobreza, prioridade para a educação básica, investimento em ciência e tecnologia e um sistema tributário mais justo. PODER: O STF NUNCA FOI TÃO ACIONADO PELA SOCIEDADE. ÀS VEZES, ATÉ A RESPEITO DE TEMAS QUE NÃO SÃO EXATAMENTE DE SUA COMPETÊNCIA. POR QUE? LRB: É preciso fazer uma distinção importante entre

judicialização e ativismo. No Brasil, uma constituição abrangente permite que quase tudo seja levado à discussão perante o Poder Judiciário e, notadamente, perante o Supremo Tribunal Federal. Mas o Supremo, no mais das vezes, tem uma atuação de autocontenção e não de ativismo. São poucas as decisões que eu considero ativistas: uniões homoafetivas, aborto de feto anencefálico e criminalização da homofobia. Todas essas decisões atuam em defesa de minorias e eu as qualifico de iluministas. Embora dividam a sociedade, elas não provocam choro e ranger de dentes como as decisões criminais. E, na minha visão, é a competência criminal do STF que nos faz mal e dá ao tribunal um protagonismo e uma visibilidade indesejáveis. Acho que não deveríamos tê-la nessa extensão. Durante a pandemia, e em face de uma postura muitas vezes negacionista das autoridades, o Supremo precisou ser um pouco mais proativo, em defesa dos direitos constitucionais à vida e à saúde.

PODER: A LEI DE SEGURANÇA NACIONAL, UM LEGADO DA DITADURA MILITAR, TEM SIDO CADA VEZ MAIS UTILIZADA E DEFENDIDA PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, JUÍZES E ATÉ MINISTRO DO STF. ELA JÁ DEVERIA TER SIDO EXTINTA? LRB: Já passou da hora de se banir a LSN. A própria

expressão “segurança nacional” foi superada historicamente. Essa é uma lei de outra época, com claros resquícios ditatoriais. Há muitos pontos da lei, inclusive, que estão sendo objeto de utilização, que são inconstitucionais e não devem ser aplicados. Uma lei que coíbe manifestações e blinda autoridades públicas contra críticas é inaceitável. Quem se dispõe a estar no espaço público, como parlamentar, ministro ou chefe do Executivo, precisa estar exposto à crítica pública. Isso faz parte da vida democrática. O que é preciso coibir são grupos organizados e financiados que atuam para destruir as instituições. n PODER JOYCE PASCOWITCH 23


UM TIME DE PESO POR CAROL SGANZERL A

FOTO FERNANDO TORRES

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o cenário de incertezas econômicas do momento e diante da dificuldade que muitas empresas enfrentam para superar a crise, muitas delas venderam parte de seus ativos ou mesmo fizeram a venda total para empresas maiores, provocando um aquecimento no mercado de M&A – sigla em inglês para fusões e aquisições – que só tende a crescer em 2021. Em operação há quase um ano e meio, a SOLSTIC ADVISORS, boutique de M&A focada em empresas nacionais do segmento middle market – negócios de médio porte com faturamento anual de até R$ 500 milhões –, acaba de concluir 15 operações desde sua abertura e projeta um crescimento de 20% ainda este ano. Oferecendo também serviços de valuation (avaliação de empresas), captação de recursos e reestruturação financeira, um dos principais diferenciais da Solstic Advisors é ter um conselho consultivo formado por executivos C-Level, empreendedores e grandes nomes do mercado com sólida experiência em gestão. “Desde o primeiro contato, avaliamos com o cliente qual a melhor opção para seu negócio; se uma venda parcial, entrada de investidor, sócio-estratégico ou mesmo uma venda total, com um olhar de negócio e não apenas com viés financeiro”, explica Flávio Batel, sócio-fundador e CEO da Solstic Advisors. “Ter um expert de cada área que possa falar com propriedade sobre cada seg-

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mento, sem representar custo adicional para o cliente é oferecer a ele uma consultoria muito diferenciada. Fui buscar pessoas em quem confiava para trazer insights e me ajudar na gestão, passando credibilidade e segurança ao cliente. Sabemos muito bem o que vamos fazer com cada projeto”, enfatiza. Ex-CEO da Bayer no Brasil e fundador da startup NatuScience, Theo van der Loo é um dos membros do conselho convidado a contribuir com negociações ligadas à área da saúde, mas não apenas. Conhecido pela gestão humana com que conduziu seus times, ele sempre conseguiu equilibrar os resultados das empresas pelas quais liderou com o ambiente de trabalho e já falava sobre inclusão e diversidade muito antes dos temas entrarem na pauta. “Sou uma pessoa voltada a pessoas e isso ajudou muito na minha trajetória”, diz. “O universo do venture capital é muito racional e resistente a se engajar de forma genuína, os fundos de investidores costumam ser focados nos resultados. Mas acredito que existem outras formas de fazer isso, até porque você pode acabar destruindo muito capital intangível.” Van der Loo enxerga nos processos de M&A a oportunidade de analisar os lados de ESG [Governança Ambiental, Social e Corporativa] de cada empresa e entender como isso funciona nessas companhias. “É uma oportunidade de fomentar o ESG”, diz. A sigla que hoje passou a ser assunto central no comando das

empresas já faz parte da rotina de Marly Parra, sócia da iHub Investimentos, conselheira da Solstic Advisors e membro do Comitê de Ética em Governança do IBGC. A empresária traz na bagagem seu profundo conhecimento em marketing, comunicação e governança corporativa. Ela vê um cenário atual rico em oportunidades para a companhia. “A pandemia acelerou a transformação digital e o Brasil tem muitos unicórnios e empreendedo-


Da esq. para a dir., membros do conselho consultivo da Solstic Advisors: Marly Parra, Fabio Fernandes, Dionísio Freire, Flávio Batel (sentado), Luiz Menezes, Stephane Kaloudoff e José Loureiro

res visionários, o que é um prato cheio para a Solstic. Fazemos a parte de fusão e aquisição, e pesquisar quais são os setores promissores, desenvolver essa análise de mercado em tempo real e verificar o que está ou não crescendo para que a gente possa ter uma transformação é muito bacana. Além de M&A, damos consultoria para as empresas se prepararem para um IPO, ou mesmo se estabilizarem para um M&A. Tudo tem que ser bem pen-

sado, temos muitas oportunidades em todos os estados. É importante não olhar só para São Paulo, mas abrir a cabeça para todo o Brasil.” Empreendedor, Head Global das Unidades Lide, presidente executivo do Lide Ribeirão Preto e fundador do Walking Together, plataforma de conhecimento e negócios com o foco fora dos grandes centros, Fabio Fernandes traz a expertise e o networking de quem está em contato diário com pequenos

e médios empresários do interior do país. “A Solstic tem muita sinergia com meus negócios, o tempo todo empresas me procuram para se consultar sobre o que fazer, como questões com sucessão, expansão dos negócios. Isso nas áreas do agro, saúde, inovação, tecnologia, então, de acordo com o perfil da empresa, aceno para o Flávio mostrando o que pode ter potencial”, diz Fernandes, um dos membros do conselho consultivo. PODER JOYCE PASCOWITCH 25


INVESTIMENTO VERDE

ESG À BRASILEIRA

Para Fabio Alperowitch, sócio-fundador da Fama Investimentos, gestora pioneira no Brasil em investimentos sustentáveis, as novas gerações irão atropelar as empresas sem responsabilidade social. Referência no mercado financeiro e conselheiro de diversas entidades do terceiro setor, ele defende a importância do tema ESG, mas ressalta que o combate à desigualdade e ao racismo deve ganhar maior protagonismo na agenda do país

I

POR POR SERGIO LEO

nteressado por finanças desde adolescente, estudante de administração da FGV e estagiário em uma multinacional, Fabio Alperowitch tinha 20 anos quando, em 1993, sem capital próprio, uniu-se a um colega de escola e trabalho, Mauricio Levi, coletou US$ 10 mil com outros funcionários da firma e fundou a Fama Investimentos. Gestora hoje responsável por ativos de R$ 2,6 bilhões, 80% dos quais de investidores internacionais, a Fama só apoia empresas com valores ambientais, de sustentabilidade e de governança, o tal ESG, desde os tempos em que os dois sócios tinham de buscar informações em bibliotecas e arquivos de jornais. “Como poderia colocar meu dinheiro e o de meus clientes em empresas sem ética, que tratam mal outras pessoas, com produtos nocivos aos seres humanos, que sonegam imposto? ”, argumenta Alperowitch. Há quase três décadas, ao anunciar seus planos à família, teve de ouvir uma palestra “de três horas” do pai, advertindo contra os perigos do mercado financeiro. Hoje, ele é referência no mercado, convidado frequente para falar sobre investimentos responsáveis. Nesta entrevista, Alperowitch ressalta a importância das questões ambientais e de igualdade de gênero para os projetos de desenvolvimento de um país, ou das empresas, mas, sem temer a polêmica, argumenta que a ênfase nessas questões é “importada”, e defende que, em um país como o Brasil, o combate à desigualdade social e ao racismo deve ganhar maior protagonismo.

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PODER: AINDA HÁ MUITA GENTE QUERENDO APENAS DAR UM “VERNIZ” AMBIENTAL A SEUS NEGÓCIOS, O CHAMADO GREENWASHING, COM MAIS PROPAGANDA DO QUE COMPROMISSO REAL? FABIO ALPEROWITCH: Ainda que as pessoas errem, achem

que empresas estão fazendo greenwashing quando há um compromisso genuíno, o simples fato de pararem para pensar e refletir se as companhias estão ou não comprometidas com o social e o planeta já é um ponto muito favorável. Mas nem chegamos a esse ponto ainda: as pessoas nem percebem que existe greenwashing. A capacidade de crítica, até de profissionais do mercado, não evita que aceitem qualquer coisa como verdade. E há uma sutileza, o greenwashing nunca é mentira, sempre tem verdade, é uma distorção de fatos, uma verdade parcial às vezes omitindo fatos. PODER: PODE DAR UM EXEMPLO? FA: Uma marca de roupa lança dois produtos: uma

camiseta feita com algodão sustentável e um tênis de plástico recolhido dos oceanos. É superbacana, um produto legal. Mas quanto por cento da receita da empresa esses produtos representam? Ela, de fato, está comprometida com sustentabilidade? Outras questões são relevantes ou o fato de ela ter lançado esses produtos é insignificante perto de tudo que faz? Outro exemplo: um banco anuncia que será “carbono neutro” (não colaborará


FOTO DIVULGAÇÃO

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na geração de gases que aumentam o aquecimento global). Claro que é positivo. Mas se o banco quer ser amigo do clima, tem de parar de investir em empresas de óleo e gás, em carvão, em setores controversos. PODER: MUDAR O FOCO? FA: A principal atividade do banco não é conceder crédito,

investir? Se não faz mudança estrutural, é greenwashing. Diferente de uma fraude no balanço, o greenwashing é complicado porque é feito de meias verdades, quase uma ilusão de ótica. Te faz olhar para um lado enquanto faz o que não deve do outro.

PODER: QUEM FORAM SEUS PRIMEIROS INVESTIDORES? FA: Nós trabalhávamos em uma multinacional, com pessoas

do departamento financeiro, e cada um deu um pouco de dinheiro. Fazendo uma analogia bem tosca para o mundo atual, deve ser mais ou menos como um jovem dizendo: “Quero investir no mundo cripto [moedas virtuais baseadas em blockchain], comprar bitcoin, vender dodgecoin, NFT...”. As pessoas mais velhas não têm ideia do que seja, não sabem fazer isso sozinhas e falam: “toma um dinheiro aí, se der certo deu, se não der...”.

PODER: QUAL FOI A LÓGICA AO MONTAR A PRIMEIRA CARTEIRA DE INVESTIMENTOS? FA: Lembro que tinha essa questão de ética muito

forte. Mas era um mundo muito diferente. Não existia internet, o acesso a informação era muito restrito. Hoje, se você é cliente de um banco recebe relatório; na época esses relatórios eram escassos e nós não operávamos em nenhuma corretora que tivesse relatório, éramos pequenos demais. Íamos à biblioteca e ficávamos lendo edições anteriores da Gazeta Mercantil, íamos nos supermercados entrevistar pessoas... Os investimentos sempre foram muito qualitativos.

PODER: O QUE DEFINE UMA EMPRESA DE QUALIDADE? FA: É muito subjetivo. Gostamos de empresas que tenham

consistência. Errar faz parte, todos erram, mas que tenham consistência em todos os sentidos: crescimento, margem, posicionamento, ética e uma cultura corporativa que esteja voltada aos stakeholders e não só aos acionistas. As melhores companhias são as que não olham só para seu umbigo, mas para a boa relação com fornecedores e clientes, colaboradores, a comunidade do entorno, o poder público. Essas acabam construindo relações mais duradouras e se tornam menos vulneráveis.

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PODER: EMPRESAS E CONSUMIDORES AMEAÇAM CRIAR RESTRIÇÕES A PRODUTOS BRASILEIROS QUE NÃO ATENDEM A ESSES PRINCÍPIOS. VOCÊ ACHA QUE SÃO AMEAÇAS REAIS? FA: O raciocínio anterior era: “a responsabilidade da

matéria-prima é do meu fornecedor, a do uso é do meu cliente e só é minha responsabilidade a manufatura do produto até eu colocar ele na gôndola”. Essa lógica tem sido desafiada cada vez mais e algumas empresas já perceberam, sabem que é uma responsabilidade grande monitorar fornecedores. Vale para questões de pegada de carbono, questões sociais, como saber se a matéria-prima advém de trabalho análogo ao de escravo ou infantil, por exemplo. Para as companhias que não entendem isso, quem entenderá é o mercado consumidor. Nos mercados europeus, a preocupação hoje é o desmatamento, mas haverá outras preocupações em outros mercados. PODER: AS EMPRESAS AINDA ESTÃO MUITO PREOCUPADAS COM RESULTADOS E APENAS UMA MINORIA PARECE ATENTA A ISSO? FA: São minoria, mas tem crescido rápido. Durante 40

anos, nós, a sociedade civil, empurramos com a barriga um problema alertado pelos cientistas, a questão da mudança climática. Chegou em um ponto que não é mais mudança, é emergência climática. Se nos próximos anos algo bem radical não for feito, comprometerá a vida do planeta. E essa consciência bateu em governos, reguladores, algumas empresas, consumidores, investidores. Vemos uma mobilização grande em busca de regulação de mercado, transparência. Foi muito rápido, de dois a três anos para cá muita coisa mudou. Um segundo ponto importante é a mudança geracional. Essa geração Z consome de um jeito diferente. Tem valores muito fortes sobre, por exemplo, crueldade animal, racismo, homofobia, pegada de carbono. As empresas que não entenderem isso terão dificuldade de atrair e reter talentos. Não podemos esquecer também que essa geração tem ainda pouco poder discricionário de consumo. À medida em que o tempo avança, ela ocupará postos de liderança, participará do debate público, será consumidora, investidora. A mudança vai ser rápida e as empresas que acharem que vão vender para o mesmo público que vendem há 30 anos serão atropeladas.

PODER: EM QUANTO TEMPO ESSA PRESSÃO SERÁ INCONTORNÁVEL? FA: Em breve. Dois anos atrás, e isso é ontem, quando eu

queria me informar sobre meio ambiente, tinha de buscar publicações especializadas. Nós falávamos sobre economia


“Se o ESG fosse nascido no Brasil, provavelmente estaríamos dando mais valor para a inequidade social e racial”

e a questão da sustentabilidade passava reto. Hoje, não tem um dia em que não sejamos impactados por artigos, colunas, matérias. Paralelamente, temos a mudança para um capitalismo mais de stakeholder, que obviamente não se dá de maneira uniforme, e temos essa mudança geracional, que ajuda nesse debate.

ILUSTRAÇÃO FREEPIK

PODER: AS EMPRESAS TÊM AVANÇADO MAIS NA QUESTÃO DA DIVERSIDADE DO QUE NA AMBIENTAL? FA: A pauta ESG vem importada da Europa, e a

valor de face. Se o ESG fosse nascido no Brasil, provavelmente estaríamos dando mais valor para a inequidade social e racial. Como é importado, os temas predominantes acabam sendo a mudança climática, na área ambiental, e empoderamento feminino, na área social. Mas a realidade brasileira tem muitos outros problemas, precisamos ter um pouco de visão crítica e tratar dos problemas que também são nossos.

PODER: DE QUE FORMA? FA: Não diminuo a importância

do debate climático, nem da equidade de gênero, mas temos de incluir outras questões fundamentais: somos um dos países mais racistas do mundo, com 56% de negros, e cadê essas pessoas nos cargos de liderança, na convivência nos bairros mais chiques? Brasil é o que mais mata transexuais, extremamente homofóbico, tem a sétima maior desigualdade social do mundo. No G20 é o que mais mata em acidentes de trabalho. São questões nossas, não europeias. Não adianta as empresas entenderem os problemas do mundo através das lentes estrangeiras.

PODER: QUAIS COMPROMISSOS DEVEM SER ASSUMIDOS PELAS EMPRESAS? FA: Quando o presidente Jair Bolsonaro, por

exemplo, diz que vamos acabar com desmatamento ilegal até 2030...tinha de acabar hoje. Se é 2030, PODER JOYCE PASCOWITCH 29


“O mercado consumidor e o investidor ainda não conseguem separar quem engana e quem leva a sério” POLÍCIA FEDERAL SUSPEITO DE ACOBERTAR MADEIREIROS ILEGAIS, ENQUANTO O LEGISLATIVO APROVOU UMA LEI SOBRE FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL CRITICADA PELOS AMBIENTALISTAS. QUE SINAL ISSO DÁ AO PAÍS? FA: Está muito claro como o governo pensa. Até a década

PODER: NO MÊS PASSADO O MINISTRO DO MEIO AMBIENTE, RICARDO SALLES, FOI ALVO DE UMA OPERAÇÃO DA

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PODER: VOCÊ É OTIMISTA EM RELAÇÃO A ESSA AGENDA MAIS RESPONSÁVEL? FA: Ainda há caos no curto prazo. Empresas enganam,

consumidores não exigem, poderes Executivo e Legislativo jogam contra. Mas, quando olho dez anos para frente, vejo uma luz forte no fim do túnel. A questão geracional é importante, a nova geração será a catalisadora de grandes mudanças nos mercados de trabalho, de consumo e de investimentos. Claro que tem greenwashing, mas há legitimidade nas agendas. Empresas que estão incorporando a pauta de sustentabilidade são empresas dominantes, que acabam seguidas pelos pares. É um processo que não é rápido, mas, olhando mais à frente, a percepção é positiva. n

FOTO DIVULGAÇÃO; ILUSTRAÇÃO FREEPIK

quais os passos a serem adotados, quais metas de curto prazo? Jogar meta lá para frente sem dizer como cumprir é dizer que não é importante. Empresas fazem o mesmo, Bolsonaro não é nada original. Várias prometem uma agenda de clima para 2050, para tirar pressão do mercado investidor e consumidor. Provavelmente, vai chegar em 2049, quando o dono não vai estar lá, o board não estará, e não cumpriram as promessas. Não é compromisso, é enganação. O mercado consumidor e o investidor ainda não conseguem separar quem engana e quem leva a sério.

de 1980, a Amazônia era vista como inimiga, entrave ao desenvolvimento, homem versus a natureza. Este governo tem um pouco dessa cabeça. Não é questão do ministro, da pessoa, é do modelo. Não fosse o Ricardo Salles haveria um João da Silva. Hoje, esse debate está nas manchetes, tem pressão de investidor, o presidente da maior potência mundial cobrando mudanças. Deu tempo para reflexões, e, se não houve mudança, é porque não existe vontade. E não é restrito ao Executivo. A Câmara aprovou esse projeto 3729, uma questão muito séria: travestido de desburocratização, acaba na prática com licenciamento ambiental, passam a ser gigantes as chances de desastres ambientais.


OPINIÃO

QUEM MUDA DE IDEIA NO BRASIL? POR DANIEL GOLDBERG

ILUSTRAÇÃO FREEPIK

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arço de 2020. Boris Johnson, recém-eleito primeiro-ministro do Reino Unido, vai à televisão dizer: “Preciso ser sincero com vocês. Muitas, muitas famílias ainda irão perder entes queridos antes da sua hora”. O governo entendeu cedo o tamanho do problema – e sabia que os lockdowns seriam necessários. Ainda assim, o medo da “fadiga comportamental” fez com que o governo tentasse evitar o uso “prematuro” de quarentenas e recomendasse que apenas os vulneráveis ficassem em casa. Pouco tempo depois, mudou radicalmente de posição e colocou o Reino Unido em lockdown: “É vital atrasar a infecção (...) de forma simples, se muita gente ficar doente ao mesmo tempo, o sistema de saúde (NHS) não será capaz de lidar com os casos”. No fim de 2020, diante da dificuldade de acelerar o programa de vacinação, o governo britânico provocou nova polêmica ao anunciar uma mudança na política da segunda dose: em vez de esperar três semanas (criando a necessidade de reservar uma segunda dose para cada vacinado), um espaçamento de até três meses – essencialmente dobrando a velocidade de cobertura. Essa abordagem, muito criticada por alguns, terminou validada por diversos estudos – uma simula-

ção estimou ao menos 26 vidas salvas para cada 100 mil habitantes. Agora, de forma mais ousada, o Reino Unido estuda o “mix and match”, permitindo a combinação da primeira dose de uma vacina, por exemplo AstraZeneca, com a segunda dose de outra, como a da Pfizer. A despeito de tantas reviravoltas na política de vacinação, Boris Johnson recuperou boa parte de sua popularidade e seu partido conquistou uma bela vitória nas urnas no mês passado nas eleições locais e regionais. Por aqui, continuamos com o debate terrivelmente politizado, um governo federal contra lockdowns de todo tipo, uma CPI focada no uso da cloroquina e com o Ministério Público

so juridicamente. Se um novo gestor tenta mudar a política no Ministério da Saúde, quase consigo escutar o consultor jurídico dizendo: “Se você anunciar que a evidência demonstra que a política anterior estava errada, vai ter que se explicar para o TCU, CGU, MP...”. Isso nos traz de volta à calamidade da crise sanitária nacional. A explicação de que “o governo é negacionista e não segue a ciência” não basta para entender o tamanho do nosso buraco. Por aqui, continuamos a não compreender a natureza do serviço público. O Brasil não consegue gerar sequer um Boris Johnson. Nossa política não admite a mudança de opinião. Nosso público não gosta de incertezas. Nossos

afirmando que vai “investigar a compra de remédios sem eficácia”. Por que no Brasil é tão difícil ver governantes mudando de política quando as evidências mudam? Por que começamos tão próximos ao Reino Unido e terminamos tão distantes? Nas bandas de cá, mudar de ideia não é apenas letal politicamente, é perigo-

órgãos de controle não gostam de erros. Como resultado, vivemos em um mundo de fantasia em que riscos não existem. E como riscos não existem, não é necessário geri-los. O resultado está aí. n Daniel Goldberg é gestor e sócio da Farallon Latin America e foi secretário de direito econômico do Ministério da Justiça

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SAFRA SOCIOAMBIENTAL Iniciativa da Bayer visa apoiar agricultores na adoção de boas práticas em busca de ganhos sustentáveis e de produtividade

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“Um futuro de carbono zero para a agricultura é possível, mas requer uma mudança transformacional” Eduardo Bastos, diretor de sustentabilidade da Bayer para América Latina

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udanças climáticas, segurança alimentar e biodiversidade são temas desafiadores para a humanidade. Neste contexto, a agricultura tem um papel essencial para o desenvolvimento de soluções que equilibrem a crescente demanda por alimentos com a necessidade de produzir de forma mais eficiente e sustentável, preservando a biodiversidade dos recursos naturais. Com o apoio da Bayer, o agro tem agora a oportunidade de gerar novas soluções sustentáveis graças a um projeto recém-lançado pela companhia. A Iniciativa Carbono Bayer, inédita no setor, é resultado de anos de trabalho rumo à validação de uma metodologia de mensuração de captura de carbono transparente e baseada em ciência. A proposta é oferecer apoio técnico e tecnologia a produtores rurais para melhorar a sustentabilidade das fazendas, quantificar dados e, posteriormente, comercializar créditos de carbono no mercado financeiro. “Não temos dúvidas que o agro é parte da solução quando o assunto é mudança climática”, afirma Eduardo Bastos, diretor de sustentabilidade da Bayer para América Latina. “E o produtor rural se destaca nesse protagonismo já que seu desejo é deixar suas terras e nosso planeta em melhor forma para as futuras gerações continuarem produzindo cada vez mais e melhor.” Um dos parceiros técnicos da Bayer


na Iniciativa é a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Com início na safra de soja e milho 2020/21, o projeto selecionou mais de 400 produtores espalhados por 15 estados, o que garante a presença de diferentes biomas nas análises. Unindo teoria e prática no campo, todos recebem assistência para adotar boas práticas agronômicas, com foco em produtividade com baixo impacto climático e com ganho de sustentabilidade. Além de ter perfil aberto

a inovações e engajamento com sustentabilidade, os produtores participantes precisam ser usuários da plataforma de agricultura digital Climate FieldView, uma ferramenta importante para as medições, acompanhamento e implementação do programa. Ao longo de todas as etapas da Iniciativa, os produtores têm como benefício a mensuração do carbono em suas áreas e a experiência para o acesso ao mercado de carbono, quando estabelecido no Brasil.

Eduardo Bastos, diretor de sustentabilidade da Bayer (acima), e a produtora rural Maira Lelis, ao lado do filho, participante da Iniciativa com foco na preservação para futuras gerações

Em Guaíra, no norte de São Paulo, na Fazenda Santa Helena, a agricultora Maira Lelis aderiu à Iniciativa no ano passado. Adepta de longa data de práticas sustentáveis, a produtora de soja, milho, sorgo e feijão conta que o pacote tecnológico oferecido pelo projeto serviu para consolidar uma série de cuidados com a preservação. “É como se a Bayer pegasse na mão do produtor e dissesse: ‘O caminho você já conhece, agora eu vou te ajudar a caminhar’”, explica. “Nós temos que ter a consciência de que a nossa empresa é à céu aberto e nosso tesouro é o solo.” A proposta da Iniciativa Carbono é parte de um conjunto maior de ações da Bayer voltadas a práticas socioambientais sustentáveis. A companhia possui o compromisso global de zerar suas emissões internas até 2030; avançar para uma agricultura carbono zero e reduzir em 30% as emissões de gases de efeito estufa (GEE) emitidos no campo; produzir melhores cultivos com menos recursos naturais e insumos; e capacitar mais de 100 milhões de pequenos agricultores em países em desenvolvimento por meio de projetos educativos, produtos e parcerias. Para o diretor de sustentabilidade da empresa, alimentar uma população global em crescimento sem exaurir os recursos naturais do planeta é um dos maiores paradoxos da agricultura em nosso tempo. “Embora isso possa ser visto como um desafio impossível, os produtores podem realmente contribuir muito para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, otimizando a captura e armazenamento de carbono no solo e sendo recompensados por isso. A cooperação no combate às mudanças climáticas é fundamental, os produtores em todo o mundo são o foco dessa cooperação, e a Bayer, como empresa líder na agricultura, está comprometida em fazer parceria com eles e enfrentar desafios para um futuro de carbono zero na agricultura”, conclui Bastos. PODER JOYCE PASCOWITCH 33


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QUIMERA

COMO SERÁ

O AMANHÃ

Para Amy Webb, a executiva que é considerada uma das mulheres mais importantes e influentes da atualidade e cuja principal especialidade é prever o futuro, tomar ações sobre o amanhã é um ato radical POR ANDERSON ANTUNES

FOTO GETTY IMAGES

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m uma época em que muitas profissões estão simplesmente sumindo do mapa e pessoas ao redor do mundo são forçadas a repensar suas carreiras, a americana Amy Webb reina absoluta como um norte para aqueles que simplesmente não sabem o que o futuro lhes trará. Sua profissão, aliás, é relativamente antiga: como futurista, um termo usado para definir os profissionais cuja principal função é ponderar sobre o dia de amanhã e visto pela primeira vez em 1842 no dicionário de inglês Oxford, Amy não escolheu ganhar seu pão fazendo algo novo. Mas ela nunca esteve tão em alta, ao mesmo tempo em que a conjuntura atual se mostra a mais complexa quando comparada aos outros momentos dos últimos quase 180 anos nos quais os futuristas foram tão ouvidos quanto os religiosos. Nascida em East Chicago, uma cidadezinha com menos de 30 mil habitantes onde o futuro parece teimar em chegar, Amy se interessou pela música na adolescência e chegou a estudar clarinete na prestigiada Jacobs School of Music, fundada em 1921, em Indiana. Sua curiosidade em relação a temas, digamos, mais complicados, acabou a tornando uma estudante de ciências políticas e econômicas na Indiana University Bloomington, onde ela se formou em 1997. O curso tinha um diferencial, que no caso era uma especialização em teoria dos jogos que definitivamente mudou a visão de mundo de Amy. Depois de algumas passagens pelas redações de grandes jornais como o The Wall Street Journal, para os quais escrevia artigos sobre quase tudo, mas sempre pensando lá na frente, fundou, em 2006, o Future Today Institute, uma empresa de consultoria PODER JOYCE PASCOWITCH 35


‘‘Imagine você no futuro, mesmo que ele te assuste. Tomar ação sobre esse futuro é um ato radical” cujos serviços prestados incluem até mesmo a previsão de quais segmentos de cada indústria sobreviverão às mudanças do cotidiano em períodos que podem somar 30 anos. De certa forma, Amy “joga” com suas previsões para atender sua clientela, que aliás a adora e, claro, não pensa duas vezes para desembolsar os milhões de dólares que ela cobra. Considerada uma das mulheres mais importantes e influentes da atualidade, a futurista também já atuou como consultora do gigante de streaming americano Hulu (a série The First, sobre uma fictícia e inaugural missão humana para Marte nos anos 2030, tem o dedo dela) e hoje em dia sempre é chamada para os grandes painéis nos quais os assuntos discutidos em geral têm a ver com a nova realidade humana pós-pandemia de Covid-19. Sobre isso, por sinal, vê mais oportunidades do que desafios. “O momento para as grandes marcas e empresas se reposicionarem no mercado é agora”, Amy disse em uma live

3 TENDÊNCIAS QUE IRÃO MOLDAR O FUTURO DA COMUNICAÇÃO 1. O fim da medição de popularidade virtual por métricas de atenção Atualmente, todos aqueles com uma considerável presença on-line, sejam grandes marcas ou indivíduos de certa fama, controlam seu próprio “ibope” usando os algoritmos que lhes traduzem quem é o seu público. O problema é que muito desse movimento é feito por bots e robôs. No futuro, garante Amy, anunciantes e produtores de conteúdo serão forçados a desenvolver novas tecnologias para tornar essa visão menos deturpada. 2. Os deepfakes vieram para ficar Os novos aplicativos que permitem mesclar áudios e vídeos “fakes” com imagens de pessoas reais, apesar de aparentemente inofensivos, estão cada vez mais presentes nas redes sociais e não deverão sumir de cena tão cedo. Para Amy, isso significa um avanço da inteligência artificial, que aos poucos vai definindo essa nova interação entre homem e máquina. Traduzindo: novos personagens e, quem sabe, até novas celebridades virtuais terão cada vez mais espaço no futuro. Se isso é algo bom ou ruim, só mesmo o tempo dirá. 3. #Fiqueemcasa e surja como um holograma por aí Sim, as gravações de campo de luz que eram sinônimo de tecnologia uns dez anos atrás voltarão com tudo, ainda mais nestes tempos de pandemia. Com as pessoas trancadas em casa para se protegerem, uma forma de compensar essa ausência seria reproduzindo as imagens delas com luz, tal como era moda nos filmes de ficção científica dos anos 1990. A novidade ficará por conta da combinação desses hologramas com outras formas de mídia sintética já existentes, a fim de dar um ar de maior realidade ao que refletem.

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ainda no comecinho da pandemia. Redefinir estratégias e, principalmente, prestar atenção nas novas tendências também são duas coisas que ela recomenda nesses encontros nos quais é ouvida com interesse especial. Como na última edição do South by Southwest (SXSW), em março. Amy apresentou dois tipos de cenário de futuro: o catastrófico e o transformador. No primeiro, em algumas décadas não existirão mais consultas médicas como conhecemos: seu corpo será monitorado 24 horas, em tempo real, por implantes e dispositivos inteligentes; planos de saúde poderão monitorar seus hábitos e, a partir deles, definir o custo do pacote; e de olho na produtividade, camas inteligentes impedirão a soneca da tarde aumentando a temperatura do colchão. Já no cenário transformador, e mais plausível, as grandes organizações tomarão decisões com base em modelos analíticos que apontem para o futuro e, com base neles, produtos e serviços serão lançados mediante análise de impacto social a longo prazo. “Este momento de transformação é sobre você”, disse Amy. “Imagine você no futuro, mesmo que ele te assuste. Tomar ação sobre esse futuro é um ato radical.” Ela é autora de vários livros, seu mais famoso é Data, A Love Story, publicado em 2013. A obra foi baseada em sua própria experiência nos aplicativos de namoro, mas sempre sob seu olhar analítico e com muito de sua paixão pelos números e estatísticas e dicas suas sobre como viver o agora, o que em seu caso pode até soar como uma contradição. O resultado foi considerado “criativo e inventivo” pela Booklist, publicação da Associação dos Bibliotecários Americanos, e resultou em 7 milhões de cópias vendidas. Amy também tem chamado atenção pelas críticas cada vez mais fortes que faz ao grupo de empresas de tecnologia que classifica como G-MAFIA, em alusão às americanas Alphabet (Google), Microsoft, Amazon, Facebook, IBM e Apple, além das chinesas Baidu, Alibaba e Tencent. Todas, segundo a expert, têm em suas mãos basicamente o futuro da inteligência artificial, que por sua vez é o que ela acredita também ser o futuro da humanidade. Se não nos cuidarmos e adotarmos uma postura de maior cobrança na hora de lidar com essas megacorporações, podemos ter um futuro ainda mais sombrio do que a atual realidade possa parecer, segundo Amy, que não fala nada sem antes saber bem o que está dizendo e não costuma errar muito quando faz uma previsão. n


A DOENÇA SILENCIOSA

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eurologista e mestre em neurociências pela Unifesp, doutora Aline Turbino alerta que enxaqueca é a segunda doença mais incapacitante do mundo e precisa de tratamento adequado. A seguir, entrevista realizada em parceria com o laboratório Lilly Brasil.

PODER: PODE NOS EXPLICAR O QUE É A ENXAQUECA? ALINE TURBINO: É uma do-

ença genética que produz substâncias inflamatórias no cérebro, gerando o que chamamos de quadro típico: dor de padrão latejante, que muda de lugar na cabeça, intolerância à luz e a barulho e, em alguns casos, náuseas, vômitos, pontos brilhantes na vista e formigamentos pelo corpo.

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PODER: O QUE A DESENCADEIA? AT: Antes se culpavam fatores

como alimentação errada ou uma noite maldormida. Hoje, sabemos que a maioria desses sintomas é o que chamamos de pródromo, ou seja, é o início da alteração cerebral antes da fase de dor. Muitas vezes a vontade de comer um alimento mais doce ou o sono ruim já são o início da doença, não a causa. Agora, existem gatilhos para pacientes que já têm o gene da enxaqueca como o álcool, a falta de hidratação, jejum por mais de três horas, estresse emocional, alimentos embutidos, cafeína – e não só café, mas chocolates, refrigerantes e alguns chás que contêm cafeína.

PODER: COMO DIFERENCIAR UMA ENXAQUECA DE UMA DOR DE CABEÇA? AT: Dor de cabeça, ou cefa-

leia, é qualquer quadro de dor nessa parte do corpo. Existem mais de 200 tipos de dor de cabeça contempladas na classificação internacional de cefaleia – uma delas é a enxaqueca. Para se enquadrar em enxaqueca, é preciso ter essa dor pulsátil, que muda de local na cabeça, com duração acima de quatro horas e ser uma dor de moderada a grave, ao contrário de uma dor leve.

dois a quatro anos volta para um novo ciclo. Mas também existem pacientes mais graves que têm que usar remédio por um tempo contínuo.

PODER INDICA

PODER: A ENXAQUECA ACOMETE MAIS MULHERES DO QUE HOMENS? AT: Sim. De três a cinco vezes

mais mulheres que homens e isso por conta do estrogênio. Até os 9 anos, a doença tem a mesma prevalência em meninos e meninas. A partir daí, por causa da produção do hormônio, a mulher vai ter mais dor de cabeça na vida, com maior incidência entre os 30 e 39 anos. PODER: A DOENÇA TEM CURA? AT: Não, mas os pacientes po-

dem viver bem, com pouca ou nenhuma dor, se realizado o tratamento adequado. Como a hipersensibilidade está embutida no DNA, ele não vai ficar a vida inteira sem dor, mas é possível diminuir a frequência, a intensidade e sintomas como náuseas e vômitos. Muitas vezes, o paciente passa por blocos de tratamento – ele melhora e recebe alta. Depois, de

PODER: POR QUE A ENXAQUECA É SUBESTIMADA? AT: Porque o diagnóstico é

PODER: QUAL O PROBLEMA DA FALTA DE DIAGNÓSTICO? AT: Um estudo mostra

clínico, não é baseado em exames. Como os exames se apresentam normais, como a ressonância, tomografia, os pacientes não enxergam uma doença. Mas, para o diagnóstico de enxaqueca, os exames precisam estar normais. E sempre acham que a dor de cabeça deriva do estômago, do fígado, de alimentos com glúten ou com lactose, mas nunca do cérebro. O paciente não acredita que não tem nada além da enxaqueca. Acham que têm um tumor ou algo do tipo.

que os pacientes com enxaqueca demoram, no Brasil, até 17 anos para chegar em um tratamento médico adequado. Não tratar a dor de cabeça coloca você num grupo de risco de aumento de taxas de depressão, ansiedade e bipolaridade. Essas pessoas têm um impacto não só na vida social, como no trabalho. A enxaqueca é a segunda doença que tem mais anos perdidos por incapacidade no mundo.


AMAZÔNIA

SUSTENTÁVEL

ona de uma carreira de sucesso, Joanita Maestri Karoleski é o nome à frente do Fundo JBS pela Amazônia, programa que fomenta iniciativas voltadas para a conservação da floresta e o desenvolvimento das comunidades. “Os seis primeiros projetos que receberão os recursos do Fundo JBS pela Amazônia têm o propósito de desenvolver uma bioeconomia na região que ajude a agregar valor aos produtos naturais, por meio do desenvolvimento científico e tecnológico, gerando renda para as comunidades e preservando a floresta.” A seguir, conheça o caminho traçado por essa executiva e mais detalhes sobre o maior fundo privado para a Amazônia. PODER: VOCÊ NASCEU NO INTERIOR DE SANTA CATARINA E SE TORNOU UMA LIDERANÇA NA JBS. ONDE COMEÇA A SUA TRAJETÓRIA?

Minha família sempre deu valor aos estudos. Minha mãe era dona de casa e meu pai tinha uma pequena empresa de transportes. Aos 14 anos, eu queria trabalhar e substituí uma professora da escola, dava aula para crianças de 7 a 10 anos. Trabalhei como balconista, datilógrafa e me formei em tecnologia e processamento de dados, já em Blumenau. Fui digitadora em uma fábrica de tecidos e migrei para a antiga Ceval, do grupo Hering, em que comecei a construir minha carreira. Primeiro como digitadora, depois virei supervisora e passei a liderar times. A Bunge

JOANITA MAESTRI KAROLESKI:

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foi comprada pela Ceval e assumi a área de negócios. Como era sempre a única mulher, precisava me provar o tempo todo. Fiquei na Bunge até 2013, quando o Gilberto Tomazoni [atual CEO global da JBS] foi para a JBS e me chamou para trabalhar na Seara, que tinha sido recém-comprada. Um ano depois, me convidaram para ser CEO. PODER: COMO RECEBEU O CONVITE PARA LIDERAR O FUNDO JBS PELA AMAZÔNIA? JMK: O projeto Fazer o Bem Faz Bem

[programa de responsabilidade social da JBS que investiu, no ano passado, R$ 400 milhões no combate à pandemia de Covid-19], que comandei, provou que a iniciativa privada pode ajudar na transformação do Brasil. A sustentabilidade é um desafio e está em ebulição constante. Sabiam que eu queria trabalhar com sustentabilidade, me chamaram e aceitei.

PODER: QUAL A FINALIDADE DO FUNDO E A QUEM SE DESTINA? JMK: O Fundo JBS pela Amazônia pretende fomentar o desenvolvimento da Amazônia, promover a conservação e o uso sustentável da floresta e a melhoria da qualidade de vida das populações do entorno, aliada ao uso de ciência e novas tecnologias. A gente entende que é possível o desenvolvimento socioeconômico das comunidades mantendo a floresta em pé. O grande desafio é trabalhar em um projeto contínuo. A JBS vai investir até R$ 500 milhões, mas estamos buscando captação extra no mercado por meio de stakeholders, bancos e

fundos de investimento. Nossa meta é chegar a R$ 1 bilhão em 2030. Pelo site, qualquer um pode inscrever seu projeto, pessoa física, organizações... Também buscamos projetos por meio de pesquisas feitas pelos nossos conselheiros. PODER: O FUNDO TAMBÉM É GERIDO POR OUTRAS DUAS MULHERES (ANDREA AZEVEDO E ROSANA BLASIO). QUAL A IMPORTÂNCIA DA LIDERANÇA FEMININA? JMK: A ideia é trazer diversidade, um

pensamento mais humanizado. Não dá para criar um fundo de impacto ambiental, econômico e social e não ter a inclusão de mulheres em sua composição. O mundo está clamando por isso.

PODER: PODE NOS DAR EXEMPLOS DE PROJETOS QUE FORAM SELECIONADOS PELO FUNDO JBS? JMK: O Projeto Pesca Justa e Sustentá-

vel, desenvolvido pela Asproc [Associação dos Produtores Rurais de Caraua-

FOTO DIVULGAÇÃO FOTOS GETTY IMAGES; MARCELO REZENDE/DIVULGAÇÃO

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ri], fortalecerá a cadeia do pirarucu com a compra de uma embarcação para processamento do pescado. A Amaz [Aceleradora & Investimentos de Impacto], primeira aceleradora amazônica de negócios com foco no impacto socioambiental, receberá um aporte de R$ 2,5 milhões para apoiar 30 startups em cinco anos a alavancar negócios da floresta, além de estimular o ambiente empreendedor nos projetos da cadeia da biodiversidade.

“A JBS vai investir até R$ 500 milhões, mas buscamos captação por meio de stakeholders, bancos e fundos de investimento. Nossa meta é chegar a R$ 1 bilhão em 2030” PODER: VOCÊ TAMBÉM TRABALHA NA MENTORIA DE MULHERES. POR QUÊ? JMK: Por querer ver mais mulhe-

PODER: HÁ INICIATIVAS COM O FOCO VOLTADO PARA A GERAÇÃO DE RENDA DAS MULHERES? JMK: Nas comunidades de Baili-

que e Beira Amazonas, no Amapá, o Programa Economias Comunitárias Inclusivas prevê a qualificação de jovens e mulheres para atuar na atividade do açaí, que será fortalecida com o investimento de R$ 15,9 milhões em três anos, ampliando a renda de 240 famílias locais. O pla-

Joanita Maestri Karoleski, presidente do Fundo JBS pela Amazônia

no comporta a construção de fábrica própria para produção de polpa, a ampliação da gama de produtos de maior valor agregado, além da construção de escolas.

res em posições de comando. Tenho doado meu tempo como conselheira consultiva no Instituto Mulheres do Varejo, que busca aumentar a participação das mulheres da indústria. Quando uma mulher é convidada para uma posição, ela pensa: “Será que estou pronta?”. Já o homem aceita, confiante. Precisamos trabalhar nossa autoconfiança. Para ver mais mulheres nos conselhos, temos que ter mais mulheres em posições executivas. Só assim teremos um olhar mais diverso nas empresas e uma sociedade mais ampla e justa. PODER JOYCE PASCOWITCH 39


DANDO ASAS

O CÉU

NÃO É O LIMITE No mesmo momento em que o setor aéreo começa a se recuperar lentamente do crash da pandemia, surge a Ita, a nova companhia brasileira, que nasce botando pra quebrar POR PAULO VIEIRA

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e onde menos se espera, daí que não vem nada mesmo. A frase famosa do Barão de Itararé cabe para muita coisa no Brasil, mas não para este pequeno milagre que a pandemia operou. No momento em que todo o fluxo de viagens foi ao chão, a Avianca deixou de operar no Brasil e a Latam pediu recuperação judicial nos Estados Unidos, surge uma nova aérea no país, acelerando um planejamento estratégico de cinco anos justamente por causa da Covid-19. A Ita, o nascente braço aéreo da viação rodoviária Itapemirim, aproveitou-se justamente da diminuição abrupta dos voos no mundo para negociar contratos de leasing de aviões, que ficaram ociosos. A companhia foi planejada entre 2016 e 2017 para ser regional, numa parceria com a Bombardier canadense, como contou a PODER o presidente da Ita, Sidnei Piva de Jesus, e desfeita a possibilidade de parceria, acabou por ganhar, curiosamente, mais ambição. Agora Piva espera contar com 50 aviões já em 2022, atingindo 35 destinos dentro do Brasil. É, sob todos os aspectos, um arranque ousado, ainda mais com os diferenciais que Piva promete transformar em padrão da aérea. Mais espaço interno para o passageiro e uma bagagem de até 23 quilos despachada de graça. E preço competitivo, apesar disso. A equação algo mágica, palavra que o executivo refuta, se dá, segundo ele, pela transferência do benefício de redução de impostos, como os que incidem sobre o preço do combustível em alguns estados. No caso das bagagens, o peso não teria impacto no consumo de combustível da aeronave, uma vez que apenas muda de posição. “Vejo a entrada da Ita com muito bons olhos. Dados da Anac [a agência de regulação e fiscalização do setor] mostram que apenas 4% da população do Brasil usa avião. E os voos das próprias companhias já existentes decolam com 88% a 93% de ocupação. O público vai ter agora mais oportunidade de escolha, de horários e destinos.”

RODOVIÁRIAS

No primeiro governo Lula, nos anos 2000, houve o que ficou conhecido como “ascensão da classe C”, o infame preconceito social brasileiro se manifestou claramente quando vieram os chistes dos aeroportos que mais pareciam rodoviárias. A Ita, que não preten-


Sidnei Piva, presidente da Ita

de atuar como empresa low cost, algo que aliás nunca existiu propriamente no Brasil, pode dizer que tem intimidade com rodoviárias, já que o grupo Itapemirim atua no transporte rodoviário há quase sete décadas e hoje atinge 2.700 cidades. Há a ideia, também, de criar complementaridade entre os modais, trazendo agilidade e conforto para quem precisar ser atendido por ônibus a partir de um determinado ponto da viagem – pensa-se num traslado próprio

entre aeroportos e rodoviárias, além de integração de horários e do sistema de reservas em mil cidades. “Nosso passageiro, que faz uma jornada de 36 horas, vai precisar viajar talvez oito”, diz. A Ita começou a comercializar passagens em maio, poucos dias antes de o mercado especular fortemente sobre a compra do braço brasileiro da Latam pela Azul, o que valorizou em 11,31% as ações da empresa fundada por David Neeleman em um único dia. Sem PODER JOYCE PASCOWITCH 41


No “cineminha”, evolução da frota de ônibus da Itapemirim, companhia que agora ganha os céus sob o nome Ita, e tem novo grupo controlador, que precisou ir à Justiça para homologar o negócio com os fundadores

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indicar que a Ita irá um dia se tornar uma companhia aberta, Piva vem divulgando a capitalização da empresa com dinheiro de investidores diversos, como fundos do Catar, que injetaram US$ 0,5 bilhão na empresa. Na entrevista a PODER, ele falou como se o céu fosse o limite, ou melhor, como se não houvesse limite, e que uma expansão internacional, com aberturas de uma Ita Europa e uma Ita America – os nomes são dele – já se viabilizasse a partir de 2023. Tudo isso, aparentemente, sem necessidade de IPO. A conversa parece mesmo estar na ordem do fantástico, a se ter em conta que a Itapemirim acaba de passar por recuperação judicial (RJ, no jargão), que Piva chama de um “case” de sucesso da Justiça. “No Brasil, a gente normalmente espera de uma empresa que entra em RJ que no fim vá à falência, não que cresça e crie 4 mil empregos.” O parto da Ita foi feito a fórceps, após brigas na segunda instância entre herdeiros da família capixaba Cola, fundadora da Itapemirim, e o grupo de Piva. Uma decisão judicial, revertida depois, chegou a afastar Piva e sua sócia, Camila Valdívia, do comando da empresa, restituído temporariamente à família Cola. O administrador judicial também foi trocado no mesmo pacote. Depois houve briga entre Piva e Camila. No acordo de RJ não entrou uma dívida de R$ 2,2 bi com o Fisco. A frota da Ita será exclusivamente de Airbus A319 e A320, e a idade média dos aviões, segundo Piva, de cinco a oito anos – o primeiro a chegar, mais velho, tem 15 anos. A estreia dos voos comerciais é em 30 de junho e os hubs da companhia são Guarulhos, Galeão (Rio) e Confins (BH). O site de reservas, no fechamento desta edição, tinha ofertas para julho como Guarulhos a Porto Seguro por R$ 421 (ida e volta). n

FOTOS REPRODUÇÃO; DIVULGAÇÃO

“Só 4% da população do Brasil usa avião, e agora vai ter mais oportunidade de escolha de destinos”


Ornare se prepara para desembarcar em Dubai, no icônico Opus Building

PODER INDICA

FOTOS LAURIAN GHINITOIU/DIVULGAÇÃO; DIVULGAÇÃO

ESTILO SEM FRONTEIRAS Entre as lições trazidas pela pandemia, a importância de um lar confortável e completo ficou evidente. Com o home office uma realidade e os encontros impossibilitados, muitas pessoas passaram a investir na transformação dos ambientes de suas casas, optando por mobiliários inteligentes e exclusivos. Em sintonia com as principais tendências do mercado, ORNARE, uma das mais sofisticadas marcas internacionais de mobiliário sob medida de alto padrão, anunciou a próxima etapa de seu plano de expansão. Os novos showrooms internacionais em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e Brooklyn e Greenwich, nos Estados Unidos, fazem parte de uma estratégia da companhia de mirar os mercados mais exigentes do mundo e conquistar ainda mais público interessado em viver com design, beleza e conforto. “O consumidor passou a investir ainda mais em seus ambientes, aumentando o conforto e a beleza dos espaços por passarem mais tempo em casa”, explica Esther Schattan, sócia-diretora Ornare. “Observamos esse movimento no ano passado e começamos a traçar estratégias para atender às exigências de um público triple A que está sempre em busca de exclusividade. ” Novas coleções de cores e materiais, além de móveis que se adaptam a situações como pequenos offices, com a linha Vanity, fazem parte das inovações do portfólio. A marca também desenvolveu em todos os seus showrooms novas possibilidades de projetos em 3D, visíveis com óculos de realidade virtual, com intuito de atender o público de altíssimo pa-

Dubai e Estados Unidos: Ornare foca nos mercados mais exigentes do mundo

drão recebido diariamente nos espaços, como clientes, arquitetos e designers. Brasileira, mas referência internacional no setor, Ornare, além de Dubai, conta atualmente – e por enquanto – com seis unidades nos endereços mais charmosos dos Estados Unidos: Miami, a primeira, inaugurada em 2006, além de Nova York, Los Angeles, Houston, Dallas e, mais recentemente, desembarcou na badalada Hamptons, em Long Island, morada de herdeiros famosos, celebridades e profissionais de Wall Street. No Brasil, a marca tem showrooms em São Paulo, Brasília, Salvador, Ribeirão Preto, Cuiabá, Goiânia, Belo Horizonte, Curitiba e Florianópolis. + ORNARE.COM.BR


ENSAIO

ESPELHO DA VIDA

Em cena no streaming com Onde Está Meu Coração, que retrata o drama da dependência química, a atriz Mariana Lima destaca a relevância da televisão como ferramenta para debater assuntos necessários do cotidiano por dado abreu fotos jorge bispo edição de moda felipe veloso beleza vini kilesse


Terno Dolce & Gabbana, brinco Sara Joias


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nde está o seu coração? O da atriz Mariana Lima está atento aos outros, batendo silenciosamente em modo escuta. “Estamos atravessando um momento de solidão muito dolorido, sofrido, vivendo o luto sem poder enterrar nossos amigos, sem poder abraçar. Por isso tenho ficado atenta em ser um coração que ouve. Neste momento todos nós precisamos de afeto”, lamenta. Com a mesma intensidade e profundidade que costumam marcar as suas interpretações, Mariana está no ar com Onde Está Meu Coração, série do Globoplay escrita por George Moura e Sergio Goldenberg. Na trama, interpreta a mãe de uma médica dependente química, vivida por Letícia Colin, que busca na droga, o crack, o alívio para as angústias e a pressão do dia a dia. Uma triste realidade comum a todos os níveis sociais. “A série, as novelas, são exercícios de crônica que espelham a nossa vida. A quantidade de mensagens que eu tenho recebido, de pessoas se sentindo retratadas, é enorme. E como atriz eu me sinto agraciada em poder ser um canal para abordar assuntos tão necessários, porque são questões que precisam ser enfrentadas”, diz ela, que é mãe de duas adolescentes, Elena e Antônia, e levou o tema para a mesa de jantar – a atriz é casada há mais de 20 anos com o ator Enrique Diaz. Além de Onde Está Meu Coração, Mariana está atualmente envolvida em vários outros projetos – só não está nos palcos, seu habitat mais natural, em razão da pandemia. Para os próximos meses prepara o lançamento do livro de sua premiada peça CérebroCoração, pela editora Cobogó, e aguarda a estreia de três filmes já rodados que estão em fase de finalização: Ela e Eu, de Gustavo Rosa, A Ruptura, de Marcos Saboya, além de 4x4, o primeiro longa-metragem do diretor João Wainer. Também está escalada para a próxima novela das 9, Um Lugar ao Sol, escrita por Lícia Manzo, na qual interpreta uma ex-modelo de 50 anos que revê seu casamento ao se apaixonar por outra mulher. O folhetim pretende levar ao público mais pautas que trazem debates cercados de tabus e preconceitos, como homoafetividade e gordofobia. “É surpreendente que ainda hoje certos assuntos sejam considerados delicados”, observa. “Precisamos nos defender desse ataque conservador. Não existe padrão de conduta, embora queiram nos impor um. É urgente que a gente tenha mais compaixão e respeito com aquilo que é diferente.” n


Blazer e calça NK Store, brinco Sara Joias


“É urgente que a gente tenha mais compaixão e respeito com aquilo que é diferente”

Terno Dolce & Gabbana, brinco, pulseira e anel Sara Joias, sandália Schutz Direção criativa e produção executiva: Ana Elisa Meyer Arte: David Nefussi Assistente de styling: Rafael Ourives Assistente de fotografia: fotografia: Nathalia Atayde


OPINIÃO

EM BUSCA DO TERCEIRO TEMPO POR RENATA MEI HSU GUIMARÃES

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Estados Unidos, Portugal, Espanha, Inglaterra e Uruguai. Tais mudanças acarretam, a depender da jurisdição escolhida, desde providências relativas aos pactos de casamento e união estável existentes até a compatibilização com as regras sucessórias então aplicáveis, passando algumas vezes pela reestruturação patrimonial e constituição de veículos externos, a exemplo de sociedades estrangeiras, trusts, fundações de direito privado, fundos sediados no exterior e estruturas outras. O fato é que, com maior ou menor dificuldade, o torpor dos primeiros meses de pandemia cedeu lugar a decisões acerca dos relacionamentos conjugais, providências relativamente à inexorável realidade da morte, escolhas sobre onde, com quem e como viver. Essas escolhas e decisões constituem um segundo tempo, marcado pela ação, pelo fazer, bastante diverso dos primeiros meses de inércia da pandemia, mas entendo que haverá um futuro e terceiro momento, este sim determinante de como se estabelecerão as relações familiares e do real impacto da pandemia sobre todos nós. n Renata Mei Hsu Guimarães é advogada na área de família e sucessões

ILUSTRAÇÃO GETTY IMAGES

assado mais de um ano do início da pandemia e sem clareza acerca do seu fim, são duas as constatações: não mais se justifica postergar determinadas decisões e a forma de viver está definitivamente modificada. Além da constante e física presença da morte. Nesse contexto a advocacia de família e sucessões, área do direito particularmente sensível ao momento atual, apresenta uma crescente e grande demanda de trabalho, marcada pelo número elevado de testamentos, tanto a revisão das disposições daqueles que já o tinham quanto a elaboração desse documento para pessoas que nunca o fizeram ou cujas preocupações sucessórias não eram prementes e tampouco parte do cotidiano. No âmbito das reflexões acerca do falecimento, crescente não apenas a lavratura de testamento, mas também, e sobretudo, o planejamento familiar e sucessório como

um todo, que implica organização da base patrimonial e das relações familiares, inclusive governança da empresa familiar (acordo de sócios) e governança da família (conselho familiar, protocolo familiar), bem como providências para o caso de incapacidade civil (vida sem condições cognitivas, um coma por exemplo), transmissão de parte do patrimônio em vida (doações) e assim por diante. Igualmente crescente o número de divórcios e dissoluções de união estável, eis que se agravaram as dificuldades dos casais que, antes de pandemia, já vivenciavam uma situação de crise e, submetidos ao intenso convívio imposto pela quarentena, só viram aumentar as divergências e situações de conflito, não mais se justificando aguardar o fim (incerto...) da pandemia para formalizar seu afastamento. A elevada mortalidade também trouxe o aumento dos inventários e respectivas partilhas de bens entre os herdeiros, nem sempre convergentes, sendo certo que atualmente todos têm em seus círculos de convívio pessoas próximas falecidas. Por fim, em face da grave crise, alguns empresários, especialmente aqueles que venderam sua empresa e que possuem patrimônio preponderantemente formado por ativos financeiros e investimentos, decidiram deixar o Brasil e se estabelecer em outro país, notadamente

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LEGADO

FILANTROPIA SOCIAL

CLUBE Solidariedade, empatia e tradição familiar. Quais são as motivações que têm estimulado a atuação social de alguns dos principais empresários do país durante a pandemia? POR DENISE MEIRA DO AMARAL

Sonia Hess, vice-presidente do Grupo Mulheres do Brasil e presidente do Instituto Duda e Adelina

Qual causa te mobiliza nestes tempos tão difíceis? Unidos pela Vacina, movimento da sociedade civil que começou com o Grupo Mulheres do Brasil, com liderança da Luiza Helena Trajano, e está trabalhando para que 70% dos brasileiros estejam vacinados até setembro. Ele conseguiu mapear as principais necessidades de cada município para a chegada da vacina. Tudo é feito por meio de uma plataforma na qual empresas dão match com o que prefeituras precisam – pode ser um espaço físico, computadores, wi-fi ou geladeiras.

Daniel Castanho, presidente do Conselho da Ânima Educação Para onde você está doando? Tenho um instituto familiar, o Cast5, e o conselho sou eu, minha esposa e meus três filhos, de 15, 13 e 11 anos. Fazemos inclusive reuniões para decidir para onde vai o dinheiro. Por meio do instituto, apoiamos entidades como a Gerando Falcões, quando realizamos projetos como Um Sonho de Natal, e distribuímos mais de 2 mil brinquedos junto com o Magazine Luiza. Doamos ainda mais de 160 mil máscaras, 350 mil unidades de EPIs nas regiões em que atuamos. Quando você dá uma flor para alguém, o perfume fica na sua mão. É legal receber, mas é muito mais maravilhoso fazer para o outro. Pedro de Godoy Bueno, presidente do Grupo Dasa O ato de doar é capaz de dar outro significado ao dinheiro? O dinheiro é uma energia realizadora. E como qualquer energia, pode ser usada de forma positiva ou negativa. A solidariedade é um exemplo disso e, neste momento atípico que estamos vivendo, o ato de doar reforça e realiza nosso propósito de cuidar integralmente das pessoas. Isso é o que nos move todos os dias. Em tempos extremos, a união, a responsabilidade social, o cooperativismo, entre todos, é essencial. Acredito que esse possa ser um grande legado da pandemia, pois vi no Brasil uma solidariedade inédita dos empresários e das empresas.


Elie Horn, fundador do

FOTOS ANGELA REZÉ/DIVULGAÇÃO; CLAUDIO BELLI/DIVULGAÇÃO; WELLINGTON NEMETH/DIVULGAÇÃO; LEO DRUMOND/DIVULGAÇÃO; DIVULGAÇÃO

grupo Cyrela

Geyze Diniz, membro do Conselho de Administração da

Península Participações, cofundadora do UniãoSP e apoiadora do Movimento Panela Cheia

Qual a sua causa nesta pandemia? Sempre atuei em diferentes causas filantrópicas motivada pela vontade de mudar e impactar vidas. Na pandemia, nossa família decidiu criar um fundo de R$ 50 milhões para quatro frentes de combate aos efeitos da crise: fome, saúde, educação e fomento a micro e pequenos empresários. Direcionei meus maiores esforços para a frente da fome e, junto com a Ana Maria Diniz, ajudei a criar o UniãoSP, que já doou mais de 700 mil cestas básicas. No caminho, nos conectamos com pessoas profundamente conhecedoras das favelas e com essa proximidade também lançamos o Movimento Panela Cheia. Queremos ajudar 2 milhões de famílias a se alimentarem. É uma meta ousada e grandiosa, mas se cada um fizer um pouco, acreditamos que iremos conseguir.

O ato de doar é capaz de dar outro significado ao dinheiro? Você espiritualiza a matéria. O dinheiro é papel, vil, mas pode ajudar a salvar pessoas, tornando-se nobre. Acredito na filantropia porque sou uma pessoa inteligente. Quem não sente nada pelo outro é um robô, não humano. Estou doando para cerca de 200 ONGs no total, gosto muito da Instituição Amigos do Bem, no sertão do Nordeste, uma obra maravilhosa da Alcione Albanesi que toma conta de mais de 70 mil pessoas. Se mais pessoas fossem como ela, o mundo estaria bem melhor. Rubens Menin, presidente do conse-

lho de administração das empresas MRV, Log, Banco Inter e CNN Brasil

Como você vê a reação da sociedade com relação às doações durante a pandemia? Participo do Movimento Bem Maior e temos uma meta de incentivar a população a doar mais. Queremos que passe de 0,2% do PIB para pelo menos 0,4%. Nossos focos são duas causas principais: o sistema prisional e a educação. Queremos colocar mais pessoas nesse grupo de filantropia. Nos Estados Unidos as doações são dez vezes mais que no Brasil. Só vamos vencer com solidariedade e fraternidade no dia em que todo mundo se mobilizar.

Bruno Garfinkel, presidente do Conselho de Administração do Grupo Porto Seguro Qual causa tem te mobilizado? Nossa família possui uma longa tradição de engajamento em causas sociais. Atuamos tanto na dimensão empresarial, por meio de projetos do Grupo Porto Seguro, quanto no pessoal, por meio da Family Office, e nos concentramos na área da educação tendo como foco a Associação Crescer Sempre, de Paraisópolis. A doação é um dos atos ligados à generosidade e uma sociedade só se desenvolve quando os recursos são repartidos entre todos. Por isso defendo o conceito de renda universal, especialmente num momento em que o mundo vive uma transição tecnológica que vai afetar muitas pessoas e muitas profissões que, simplesmente, deixarão de existir. + ACESSE revistapoder.com.br e leia mais depoimentos de grandes empresários sobre suas atuações sociais durante a pandemia


QUANDO A BELEZA VIRA CASE DE MARKETING

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os 28 anos, separada, com uma filha de 2, uma sociedade desfeita e R$ 90 mil em dívidas, NATALIA MARTINS não viu outra solução para dar a volta por cima senão continuar a fazer o que sabia: micropigmentação. O que ela não imaginava era que quatro anos depois o faturamento do seu negócio, que teve início em uma casinha alugada de 30 m², chegaria ao patamar dos milhões. “Também nunca imaginei, nos meus melhores sonhos, que teria filiadas em Dubai, Japão, China, Argentina, Itália, EUA, Colômbia, Suíça e Barcelona”, diz a CEO do Grupo NB, um verdadeiro império da beleza com mais de 80 filiadas espalhadas pelo mundo – com expectativa de chegar a 100 até o fim do ano – e uma matriz em São Paulo, na avenida Rebouças, em um imóvel de mil m². A veia empreendedora de Natalia nasceu na necessidade de ajudar os negócios da família, um restaurante em Santana de Parnaíba. Quando se casou, ela decidiu abrir uma clínica de estética em São José do Rio Preto em sociedade com o marido, mas, por conta de um casamento conturbado, a separação foi inevitável e a empresa desfeita. “Voltei para a casa dos meus pais com uma mão na frente e outra atrás. Não tinha um centavo e meu nome estava sujo. Então, a micropigmentação se tornou meu ganha pão: comecei a atender na casa dos clientes. Em uma semana juntei R$ 12 mil. Foram sete dias trabalhando das 9 da manhã à meia-noite”, lembra a empresária. Desde então, o foguete Natalia, que como ela mesma diz “nunca vai para trás”, decolou alto. Hoje, a Natalia Beauty, além de oferecer diversos tratamentos com nanopigmentação, ministra cursos da técnica, tem loja com produtos de marca própria e encerrou 2020 faturando milhões de reais. “Sempre quis compartilhar meus erros e minhas conquistas e por isso, quando idealizei o negócio, decidi incluir o braço acadêmico para poder dividir as inúmeras demandas da vida profissional e pessoal de uma mulher empreendedora. Assim, os cursos oferecidos pela NB não se resumem apenas à parte técnica da evolução da micropigmen-

tação, mas também estimulam as alunas a liderar suas próprias empresas, ensinando sobre finanças, investimento, marketing e gestão, tudo de uma forma descomplicada”, conta Natalia, que já formou mais de 15 mil especialistas na técnica de nanopigmentação desenvolvida por ela e batizada de NanoBlading. Uma das metas da empresária é devolver a autoestima das alunas não só com capacitação, mas também de clientes que tiveram câncer de mama e passaram por mastectomia ou pessoas que nasceram com lábio leporino – o espaço oferece gratuitamente tanto a reconstrução da aréola quanto dos lábios. “É minha forma de retribuir tudo que recebi até hoje. Quero poder ser um agente transformador na vida dessas mulheres.” O Grupo NB produz próteses de aréola para doação em hospitais, clínicas, ONGs e pessoas físicas. A expectativa é a de distribuir mais de 100 mil aréolas em 2021. “Criamos um canal exclusivo para poder distribuir as próteses. Por enquanto, após o cadastro aprovado, elas podem ser retiradas na nossa unidade em São Paulo, porém, em breve, teremos uma forma de enviar para o mundo todo.” A prótese areolar é feita com pele sintética e é aplicada no seio com uma cola especial. Fica fixa na pele durante 40 dias e oferece a liberdade para a mulher ir à praia, à piscina, tomar banho, molhar e ter uma vida normal. Após esse período é só reaplicar a cola e usar a mesma prótese. “Muitas mulheres têm vergonha de falar sobre esse assunto e sei disso porque converso com elas pelas redes sociais e vejo o quanto isso vai mudar a vida delas”, explica Natalia. Além da ação de doação de prótese, o Grupo NB oferece, sem custos, a reconstrução da aréola por meio da nanopigmentação. “Já reconstruímos a aréola de mais de 2 mil mulheres nos últimos cinco anos e não pretendemos parar nunca. Ajudar e curar o próximo de alguma forma é curar a nós mesmos. É uma corrente do bem que preenche a alma, proporciona plenitude e nos traz paz” finaliza a CEO. +@NATALIABEAUTY


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PODER INDICA


CIDADE: CONVÍVIO,

SOBREVIVÊNCIA

E IGUALDADE POR CIRO PIRONDI

A

s cidades foram feitas também pelo inesperado. A pandemia é o inesperado deste tempo, que pode nos deixar mais loucos ou sábios. A cidade é um dos mais significativos artefatos construídos pelo homem. Amparar o convívio e a sobrevivência em dimensões de igualdade é o seu horizonte. O convívio e a sobrevivência estão condicionados a fatores sociais, educacionais, culturais e ambientais. A exclusão, por exemplo, tão presente em nossos espaços urbanos, fere um dos princípios fundamentais, pelos quais instituímos as vilas, as comunidades e finalmente as cidades. O princípio do convívio, do encontro, são fatores fundamentais para a longevidade da vida, segundo estudos recentes da neurociência. O preconceito é outro fator totalmente contrário à ideia de cultura na cidade. A cultura só pode ser, se for múltipla, dinâmica e navegar na liberdade. A cidade é para todos ou então não é cidade, mas fortificação. Cidade e natureza são binômios inseparáveis, com os quais construímos uma civilização. Tem sido assim desde quando começamos a caminhar. No entanto, a partir do advento da indústria e consequentemente da aglomeração em burgos, transformamo-nos, por ignorância ou egoísmo, em inimigos da natureza. A “pandemia urbana” revelou de maneira transparente o quanto nos-

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sas cidades foram construídas a partir de um desenho desumano. Uma cidade feita apenas para favorecer o automóvel individual e o escoamento mais veloz possível da mercadoria. Os gregos diziam que a lentidão do corpo acelera a rapidez do pensamento. A engenharia de tráfego é a principal secretaria da gestão pública da cidade que se diz moderna, como na sublime música de Milton Nascimento “dizia o cego ao seu filho”.

termos a coragem e a inteligência de reconhecer os erros e usar todas as competências das mais diversas áreas do conhecimento para esse propósito: desenharmos e construirmos espaços públicos para a vida. A cidade pós-pandemia será outra, se apontarmos nossos vetores para outros horizontes possíveis e desejáveis. Por certo será mais bela com espaços mais generosos, públicos e amigáveis, onde finalmente perceba-

Tenho a impressão que estamos distraídos ou muito espantados com a cidade. Sempre esperamos um líder que em quatro anos resolva os problemas, que seria o trabalho contínuo de uma civilização, e não sujeito ao “soluçar” de partidos e políticos, quase todos, interessados na reeleição. A questão de reconhecermos nossa condição histórica colonial, e um sistema exploratório de ocupação do território, nos identifica de uma forma significativa, mas não deve nos imobilizar ou afastar dos ideais de construção de cidades mais humanas, da ocupação dos territórios de maneira mais inteligente, menos predatória e capaz de nos desviar da rota de colisão com a natureza. É urgente, pós-pandemia, assumirmos e agirmos com essa consciência. Inventarmos novos paradigmas,

mos que a própria felicidade depende de tudo que a circunda. Nessa cidade utópica, mas possível, nossa rápida passagem pela vida poderá assim ser feita de maneira lenta, onde possamos ser senhores do nosso tempo, do espaço do nosso habitar, pois que será temporário porque cada vez mais somos nômades, mas felizes. G. Vico há muito tempo nos dizia: “O mundo ainda é jovem”. Se quisermos ter uma cidade digna, é imperativo estabelecer um acordo quanto a necessária precedência do bem-estar da comunidade sobre o individual, e se optamos, no meio da crise, por ficarmos mais lúcidos e criativos, o que sinceramente espero, ou mais loucos e egoístas. n Ciro Pirondi é arquiteto e diretor da Escola da Cidade

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OPINIÃO


ESPECIAL

MERCADO IMOBILIÁRIO

Com mais tempo em casa e a percepção de que espaço é primordial, a procura por lares mais confortáveis aumentou significativamente durante a pandemia. Setor imobiliário prevê alta de 38% em 2021, com destaque para imóveis de médio e alto padrão


ESPECIAL

REVOLUÇÃO TOWER Estamos vivendo uma época de mudanças profundas. Nossa rotina foi totalmente alterada e muitas percepções mudaram, sobretudo sobre o lar e o nosso jeito de morar. Nada será como antes, sequer a sua casa

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POR NIVALDO SOUZA

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reconhecimento facial não é tecnologia nova. Mas o aumento da sua demanda em prédios residenciais durante a pandemia chamou a atenção do síndico profissional Alessandro Paris, que administra 28 condomínios das classes A à D em São Paulo. “Nós temos condomínios de alto padrão e do Minha Casa Minha Vida que adotaram essa tecnologia. Isso tem tudo a ver com a pandemia, porque as pessoas têm medo de usar a mão para abrir uma porta”, conta. O comportamento mostra como inovações ganharam escala no setor imobiliário, impulsionadas pelo distanciamento social, resultando em novos serviços e produtos. A pandemia aflorou também novos desejos no jeito de morar. E se há um sonho oriundo do isolamento pandêmico, seu nome é espaço. O setor entendeu o recado. “O mercado está sempre atento às tendências. Mas esse movimento se exacerbou em 2020, quando começamos a entender que a pandemia seria algo de longo prazo e traria consequências maiores do que imaginávamos”, observa o presidente do Secovi-SP, Basilio Jafet. O setor encomendou a pesquisa “Um novo imóvel para um novo consumidor” à consultoria Brain Inteligência Estratégica, visando entender como potenciais compradores de oito capitais vão adquirir seu imóvel, a partir da reclusão doméstica. O estudo revelou algo prosaico: o brasileiro sonha com mais banheiros e varandas. As incorporadoras terão de caprichar na oferta de suítes e remodelar as varandas gourmet, vistas como brinde de luxo. A área externa foi excluída da maioria dos empreendimentos porque o m² é até 50% mais barato que nos cômodos. Mas as varandas passaram a ser desejadas por 80% dos consumidores. “O normal era pensar a varanda como espaço gourmet. Agora, se entendeu que ela tem múltipla função:

virou local de trabalho no home office, para tomar sol, de mesa para refeição e lugar do churrasco. A varanda ganhou um novo sentido em design, layout e comunicação [de marketing nos folders] para atrair os consumidores”, afirma o diretor da Brain, Fábio Tadeu. A culinária como hobby foi a descoberta de 79% das pessoas, que agora desejam cozinhas maiores. Já um espaço doméstico para trabalhar é cobiçado por 87%, sendo que os mais jovens preferem áreas híbridas, como parte da sala ou da varanda como opção para o home office. Caberá aos arquitetos apresentarem soluções atraentes para fisgar os clientes. Até porque, pesquisa da KPMG com 361 executivos indicou que, pós-pandemia, 87% das empresas manterão um modelo misto de trabalho a distância e presencial. As novas percepções espaciais tendem a limitar ainda o avanço dos studios de 15 m² a 42 m², realidade recente em centros urbanos. “Nos últimos dois anos, a participação desse segmento chegou perto de 34% dos lançamentos, com 20 mil unidades na cidade de São Paulo. A nossa percepção é de que essa modalidade vai cair e se estabilizar de 15% a 20% em novos empreendimentos”, avalia Tadeu.

ERA DOS SERVIÇOS A automação predial também foi potencializada. Soluções como aplicativos para gerenciamento das portarias sugiram, reforçando o papel dos condomínios como ambientes de serviços. É o caso da organização do delivery. O aumento na chegada de pacotes lotou as portarias. Surgiu daí um sistema de armários controlados por aplicativo pelos moradores, no qual o entregador ou porteiro coloca a encomenda em lockers – depois, o destinatário recebe um QR Code para abri-lo. Houve ainda edifício instalando pequenos elevadores para transportar alimentos da portaria ao apartamento. E a função de porteiro estaria com os dias contados? A portaria eletrôniPODER JOYCE PASCOWITCH 57


ca conquistou terreno. Ela permite ao morador informar uma central a quilômetros de distância o dia de chegada, o horário e o documento de um visitante. Ao chegar, a visita se identifica via interfone com a central, que libera sua entrada. Até o tradicional mural de recados foi repaginado digitalmente. O anúncio de locação de vaga na garagem passou a ser feito por aplicativo acessado por todos os condôminos. Na SKR criou-se um app com algumas dessas funcionalidades. “Estamos negociando o uso do aplicativo em 300 condomínios”, diz o gerente Carlos Castro.

A varanda ganhou múltipla função (acima) e a tecnologia redefiniu as portarias (abaixo)

INOVAÇÃO INC.

A experiência de comprar imóveis mudou na pandemia com o fechamento de estandes de vendas. As visitas virtuais são a nova forma de conhecer quartos, salas, cozinhas. Já as plantas em 3D rejuvenesceram as tradicionais maquetes. A regulamentação da assinatura eletrônica de contratos de compra e venda arejou o ambiente de negócios. “Estamos fugindo das garras da burocracia”, brinca Jafet, do Secovi-SP. A impressão 3D em obras deu passo experimental e inédito no país, a partir da construção da primeira casa em concreto com a tecnologia, na região metropolitana de Natal (RN). Feito da startup universitária 3D HomeConstruction. É cedo para afirmar como pode evoluir. China e Estados Unidos apostam na sua viabilidade econômica daqui a pelo menos dez anos. Foi promissor, contudo, que estudantes da Universidade Potiguar realizassem a primeira obra em 3D da América Latina. O match das startups com as construtoras, aliás, é fruto da pandemia. A Yuny optou por investir na aceleração na InBuilt, que criou um aplicativo por meio do qual é possível ver na tela do celular em realidade aumentada elementos “escondidos” – como as tubulações de água, esgoto, gás e os fios elétricos. “Isso simplifica muito a vida de quem precisa fazer uma reforma ou a manutenção do imóvel”, resume o diretor da incorporadora Rafael Castelli.

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‘‘O normal era pensar a varanda como espaço gourmet. Agora ela tem múltipla função e virou local de trabalho no home office” Fábio Tadeu, diretor da Brain Inteligência Estratégica

ASSINATURA E MULTIPROPRIETÁRIOS O jornalista esportivo e youtuber Thiago Asmar aderiu ao aluguel por assinatura quando se mudou este ano do Rio de Janeiro para a capital paulista, onde apresenta o programa Canelada, da Jovem Pan. A modalidade custa mais que locar um apartamento, mas atraiu o apresentador pelas comodidades como a internet rápida, coworking, sala de reuniões, minimercado, academia de ponta e a oferta de bicicleta elétrica. “É muita facilidade para a pessoa que quer evitar o gasto de mobiliar um apartamento do zero”, compara. Asmar optou por uma unidade da Housi, empresa da incorporadora Vita-


‘‘A gente já via as pessoas fazendo investimento em casas no interior. Mas havia a impossibilidade de rotina de trabalho e estudos dos filhos, e isso foi quebrado pela pandemia” Thiago Alonso de Oliveira, CEO da JHSF

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Fazenda Boa Vista, em Porto Feliz, a 160 km de São Paulo: empreendimento tem residências a partir de 370 m² e terrenos acima de 3 mil m²

con. O CEO Alexandre Frankel afirma que o modelo por assinatura permitiu potencializar no mercado brasileiro outra novidade: o multifamily properties (propriedade compartilhada). O sistema em que várias pessoas são donas do mesmo imóvel é comum nos Estados Unidos para investimentos. Isso agora é possível por aqui. Segundo Frankel, quem deseja ter um apartamento de R$ 1 milhão e não tiver o valor para investir passou a poder aplicar cerca de R$ 170 mil em uma cota do imóvel, por exemplo. O investidor recebe como renda parte do valor de locação. “Trouxemos esse modelo há dois anos e meio, fracionando um apartamento em seis cotas. Uma pessoa pode comprar uma cota ou as seis, recebendo seu provento [parte do valor de locação] conforme a participação”, diz o executivo.

FUGA DA URBE A bióloga Bruna Soares de Oliveira e o cientista de dados Vitor Zago Paciello aproveitaram o teletrabalho para fugir do barulho urbano. Pais do pequeno Ícaro, de apenas 1 ano, eles viam como problema ao desenvolvimento do filho a falta de uma varanda no apartamento alugado de 70 m² na zona sul. Os três se mudaram em maio para Jundiaí, cidade a 60 km de São Paulo. Vitor continuará de home office por tempo indeterminado, mas agora vivendo num sobrado com 90 m² e condomínio com piscina, quadra poliesportiva e, o mais importante, quintal para Ícaro dar os primeiros passos. “No apartamento sem varanda e com barulho, ele não tinha espaço para gastar energia. Ele tem dormido melhor agora”, conta a mãe. O próximo passo da família será comprar um terreno em condomínio

fechado na região para construir o imóvel próprio. Eles não estão sozinhos nesse movimento. As casas voltaram à preferência dos consumidores depois de terem sido preteridas por apartamentos. CEO da JHSF, Thiago Alonso de Oliveira explica que clientes de alto padrão já haviam mirado a bússola de desejo por espaço para o interior, favorecendo empreendimentos em cidades a um raio médio de 150 km de São Paulo, onde a oferta de serviços é similar à da capital. Mas a pandemia será um divisor de águas, especialmente se o ensino escolar evoluir para um modelo misto (presencial e remoto). “A gente já via as pessoas fazendo investimento em casas no interior maior que na capital, o que traduzia um desejo de estar mais tempo naquele lugar. Só havia a impossibilidade de rotina de trabalho e estudos dos filhos, mais isso foi quebrado pela pandemia”, afirma. A empresa reforçou a aposta no complexo Fazenda Boa Vista, em Porto Feliz, a cerca de 160 km da capital. O empreendimento tem residências a partir de 370 m² e terrenos acima de 3 mil m², com infraestrutura e lazer que inclui campo de golfe, spa, restaurante e unidade de campo do Hotel Fasano. Em 2020, a JHSF comprou o terreno adicional com 6,6 milhões de m² para ampliar o complexo. A aquisição custou R$ 134 milhões e visa atender à demanda crescente. “Ir para um local onde se possa contar com os confortos de uma cidade grande passou a ser um imperativo”, diz Oliveira. n PODER JOYCE PASCOWITCH 59


ESPECIAL

Com mais tempo em casa e a percepção de que o espaço é primordial, a procura por lares mais confortáveis – e com mais natureza e opções de lazer – aumentou significativamente. O impulsionamento do mercado imobiliário de alto padrão fez dobrar o valor dos imóveis luxuosos na cidade e no campo POR NINA RAHE

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UM ANDAR ACIMA


uando a pandemia chegou no Brasil, em março do ano passado, Renata Firpo, corretora na Coelho da Fonseca e uma das principais especialistas do mercado de imóveis de alto padrão do país, teve muito medo só de pensar em como o mercado reagiria. “Quem tem 10, 15, 20 milhões para investir em um imóvel se não sabe o dia de amanhã? Já passamos por diversas crises e o mercado imobiliário é sempre o primeiro a ser atingido”, diz. O que ela não imaginava, no entanto, é que na outra ponta do segmento estariam pessoas como Priscila Miguel, influenciadora de beleza que se viu confinada em um apartamento de 150 m², “que não é pequeno”, mas sem espaço para lazer, piscina, luminosidade e outros atrativos que se tornaram imprescindíveis com mais tempo em casa. Assim que decidiu iniciar a procura por uma cobertura em São Paulo, Priscila, que achava que os preços estariam mais baixos por conta da retração econômica, também se viu diante de uma surpresa: ela não era a única em busca de um espaço mais confortável. Achar a cobertura de 300 m² no bairro de Moema, desse modo, só foi possível após bater muita perna. “O que me chamou mais atenção é que agora eu tenho uma vista ampla e não me sinto presa”, conta, sem esconder a felicidade que lhe custou R$ 2,7 milhões. “O crescimento do mercado imobiliário no segmento de alto padrão foi exorbitante, batemos recordes de venda em números de comercialização em 2020 e neste ano também. Nunca vendemos tanta casa e cobertura como nesse período da pandemia”, comemora a corretora da Coelho da Fonseca, onde as

‘‘Entre 2009 e 2019, em uma cidade como São Paulo, os imóveis valorizaram igual à taxa Selic. Por que não usufruir então daquele bem que está valorizando?”

Luiz França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) vendas de cifras altas, com casas no valor de 10, 15 e 25 milhões, tornaram-se frequentes. “Todo mês atingimos números muito altos, com três, quatro, cinco terrenos nesses valores”, conta Renata. Na opinião de Luiz França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), há impulsionadores no mercado imobiliário que justificam o aumento de 13% em 2020 nas vendas de imóveis de luxo e superluxo, entre eles as taxas de juros abaixo de dois dígitos, o que reduz as opções de investimento e torna o mercado imobiliário como excelente alternativa para alo-

cação de recursos. “Fizemos uma regressão de 2009 a 2019 e verificamos que, em uma cidade como São Paulo, os imóveis valorizaram igual à taxa Selic. Por que não usufruir então daquele bem que está valorizando? Se for comprar para alugar, a taxa será ainda superior”, afirma. “E agora, particularmente, com taxas de juros negativas, há maior atratividade.” Como resultado do aumento da demanda, há uma valorização natural dos imóveis, mas essa não é o único motivo para a disparada de valores e o boom vivenciado no mercado imobiliário. Uma das razões que explicam a alta, de PODER JOYCE PASCOWITCH 61


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man, presidente da empresa. “Já existia uma demanda para apartamentos maiores e modernos e acredito que a pandemia acelerou esse processo.” Para Alexandre Villas, CEO da Imóvel A Luxury Homes, especializada no mercado de luxo, o número de negócios quase dobrou entre 2019 e 2020, com aumento triplicado na procura por casas. “Se em 2017 uma casa custava R$ 7 milhões no Jardim Europa, bairro mais caro de São Paulo, hoje custa R$ 11 milhões.” Para contornar a escassez de oferta, a imobiliária lançou o projeto Retrofit Chic, uma parceria com arquitetos e designers, como Leo Shehtman e Marília Veiga, para reformar ou decorar imóveis, modernizando o espaço e aproveitando o pé-direito alto das casas antigas. “Faltam ofertas nos bairros nobres e o consumidor comum não tem sempre habilidades para vislumbrar uma reforma, é preciso oferecer o produto final”, diz. Uma casa no valor de R$ 3,5 milhões, após o retrofit, pode ser revendida por R$ 12 a 14 milhões. “O preço da reforma é o segredo do negócio”, conta Villas, que se tornou parte das estatísticas ao decidir se mu-

Alexandre Villas, CEO da Imóvel A Luxury Homes

dar para Florianópolis e trocar a cobertura de 160 m² na cidade litorânea por uma casa de 600 m². “Em 50 minutos estou em São Paulo. Hoje as pessoas preferem morar mais distantes, ter conforto sem precisar se deslocar tanto no horário de pico e isso foi percebido no mercado de luxo”, justifica.

CASINHA DE SAPÊ

Como Villas, muitos outros optaram por esse movimento, o que fez explodir o valor dos imóveis nos condomínios ao redor da cidade de São Paulo, principalmente em destinos de campo, como Quinta da Baroneza, Fazenda Boa Vista, Haras Larissa e Boa Vista Village. A mudança no perfil dos compradores, inclusive, fez com que imobiliárias com atua-

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acordo com o vice-presidente de Incorporação e Terrenos Urbanos do Secovi-SP, Emilio Kallas, está ligada ao fato de que “há muito tempo se constrói pouca habitação de luxo em São Paulo”. Segundo ele, “existem poucos lançamentos com maior conforto, o que gera uma demanda reprimida que uma hora chega, e chega mais forte”, explica. A projeção dentro da Secovi para este ano é manter o mesmo patamar de 2020, com cerca de 65 mil unidades lançadas e vendidas. “O segmento que mais deve crescer em percentual é o de alto padrão”, conclui Kallas. Seu apontamento, inclusive, justifica o fato de empreendimentos como o Alameda Jardins, da Tishman Speyer, com inauguração prevista para dezembro deste ano, já ter 80% de suas unidades vendidas. Além do projeto contar com obras de artistas renomados, como Raul Mourão, Laura Vinci, Athos Bulcão, os apartamentos partem da metragem de 91 m² e chegam a 266 m². “Quando começamos, existia um direcionamento para fazer apartamentos muito pequenos, mas sempre olhamos para produtos que se sustentem a longo prazo”, diz Daniel Cher-

‘‘Hoje as pessoas preferem morar mais distantes, ter conforto e não precisar se deslocar tanto no horário de pico”


ção nos bairros nobres da capital expandissem a sua atuação para o interior de olho na procura dos clientes. Casas de alto padrão dobraram de valor. Na Fazenda Boa Vista, as residências mais simples, de 370 m², que eram comercializadas, em 2019, no valor de R$ 4 milhões, hoje valem R$ 9 milhões. A incorporadora JHSF, que faturou no ano passado cerca de R$ 850 milhões com vendas na Fazenda Boa Vista e outros quase R$ 300 milhões no Boa Vista Village, investiu em um terreno de 6,6 milhões de m² vizinho aos dois empreendimentos. A decisão, de acordo com o CEO da companhia,

‘‘Para ajudar uma pessoa a viver melhor não precisa algo que custe caro. Projeto não custa caro, custa tempo e bom senso”

André Czitrom, CEO da Magik JC

HUMILDE RESIDÊNCIA DE LUXO

Para quem não pode arcar com condomínios de alto padrão ou casas e coberturas na cifra dos milhões, a palavra luxo não necessariamente deve ser excluída do vocabulário. É o que mostram os empreendimentos da incorporadora Magik JC que, desde 2017, vem desenvolvendo projetos destinados a famílias de baixa renda, financiados pelo programa federal Casa Verde e Amarela (antigo Minha Casa Minha Vida) em parceria com arquitetos renomados. “Para ajudar uma pessoa a viver melhor não precisa algo que custe caro. Projeto não custa caro, custa tempo e bom senso”, explica André Czitrom, CEO da Magik. No prédio Bem Viver Marquês de Itu, de frente para o Minhocão, Isay Weinfeld partiu da ideia de que qualquer projeto é “resultado da equação de fatores”: decidiu arredondar as quinas do edifício para que as unidades, de 30 m², pudessem ter vista e ventilação, e transformou a cobertura, que seria reservada para equipamentos de infraestrutura, em área comum. “Um projeto importantíssimo no nosso portfólio”, diz Isay, que realizou pela primeira vez uma habitação social. A essa e outras moradias de grife, nos próximos dez meses, somam-se outras cinco, assinadas desta vez por escritórios como MMBB e SIAA.

Magik JC desenvolve projetos para famílias de baixa renda em parceria com arquitetos renomados como Isay Weinfeld

Thiago Alonso de Oliveira, não foi motivado pela pandemia, mas pela visão de médio a longo prazo sobre o desenvolvimento da área. “Olhamos a velocidade com que os projetos estavam se realizando e entendemos que existia ali uma alternativa para a recomposição dos estoques da companhia dentro daquela mesma região geográfica.” No caso dos moradores, a procura pela área possui um componente psicológico. A demanda

por mais espaço e natureza, aliada à segurança e infraestrutura, deve-se também ao fato de todos terem descoberto, no home office, as vantagens da flexibilidade de não ter que estar presencialmente no escritório. “As pessoas começaram a ter consciência de que moram mal e a relação delas com o espaço está mudando. Esse é um fenômeno global que não podemos perder de vista”, finaliza Oliveira. n PODER JOYCE PASCOWITCH 63


Imagina poder andar pelo metrô de Nova York e se deparar com figuras em escala real do artista brasileiro Vik Muniz, cerca de 30 mosaicos com personagens anônimos que vão de um senhor com crianças e balões a um sujeito vestido de tigre de pelúcia? A possibilidade de ver uma obra desse porte, em meio à pandemia de Covid-19 parece distante não só geograficamente, mas pode, na verdade, estar bem perto da realidade. No projeto residencial Alameda Jardins, da incorporadora americana TISHMAN SPEYER, o artista assina um painel de 20 metros de comprimento por 2,5 de altura, que será instalado na cobertura do edifício, ao lado de uma piscina aquecida de 25 metros com borda infinita e vista única para a capital paulista. E Vik não será o único: o espaço contará com

fotografias de Cássio Vasconcellos no hall de elevadores de cada andar; duas esculturas cinéticas de caráter interativo criadas por Raul Mourão; e instalação de Laura Vinci com folhas fundidas em latão e banhadas a ouro que simulam o efeito de uma ventania. Para completar o time, haverá um painel de 17 metros assinado por Athos Bulcão, artista morto em 2008 que integrou a equipe de construção de Brasília ao lado de Oscar Niemeyer – a curadoria das obras foi realizada por galerias de arte tradicionais do mercado, como Carbono e Nara Roesler. Mas se o residencial Alameda Jardins consegue transformar as áreas comuns em espaços de contemplação, as peças de arte não são o único elemento que contribuem para isso: o paisagismo

do empreendimento, da californiana Pamela Burton em parceria com Sergio Santana, será composto por 600 m2 de praças e alamedas. A arquiteta e paisagista, amplamente conhecida por sua abordagem interdisciplinar entre espaços públicos e privados, não poderia representar melhor a vocação do projeto, cujo acesso será através de uma alameda, trazendo exclusividade e sofisticação ao residencial. Ao redor, além do novo shopping, CJ Shops, com grifes internacionais, são muitas as alternativas de restaurantes de chefs renomados e galerias de arte. E toda essa oferta pode ser desfrutada de bike, já que o empreendimento é o primeiro da cidade a realizar uma parceria com a marca de bicicletas elétricas Lev, que irá disponibilizar oito delas personalizadas

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PARA MORAR E CONTEMPLAR


PODER INDICA

Acima, perspectiva ilustrada do lobby com painel de Athos Bulcão e praça com escultura de Raul Mourão. Abaixo, academia com equipamentos de tecnologia My Wellness by Technogym. Na pág. ao lado, rooftop com piscina aquecida de 25 metros, borda infinita e mural assinado pelo artista Vik Muniz

para uso colaborativo dos residentes. “Há um desejo das pessoas de viver em imóveis com espaços privativos de qualidade e áreas que proporcionem bem-estar, integração com o entorno e a cidade. Essas características valorizam o empreendimento e criam um diferencial importante no momento da escolha sobre onde morar”, afirma Daniel Cherman, presidente da Tishman Speyer. Do primeiro ao 210 andar, os apartamentos de 91 m2 e 178 m2 têm, respectivamente, duas e três suítes. Já

do 22o ao 27o pavimento, as unidades contam com quatro suítes distribuídas em uma área de 266 m2. Nas áreas comuns, o arquiteto Carlos Rossi, que trabalha há mais de 25 anos com design de interiores, também buscou ressaltar o caráter único dos detalhes do empreendimento com materiais que trazem a sensação de conforto, como madeira e pedra de alta durabilidade. No Alameda Jardins, tudo é diferenciado, das louças e metais da marca americana Kohler ao chuveiro

Moxie que será entregue nos banheiros da suíte master, com caixa de som embutido. São pequenos detalhes que fazem a diferença – e tudo isso, ainda, com certificação Green Building. SHOWROOM: RUA CHABAD, 126 JARDINS, SP

“Memorial de incorporação do empreendimento registrado em 24/08/2018, sob o R.2, na matrícula nº 101.314, do 13º Cart. de Registro de Imóveis de São Paulo. Todas as imagens e perspectivas contidas neste material são meramente ilustrativas, podendo sofrer alterações, inclusive quanto à forma, cor, textura e tamanho. As vistas são referências e fotomontagens. As unidades e áreas comuns serão entregues conforme as especificações constantes do memorial de incorporação, que prevalecerá em caso de conflito com qualquer outro material ou informação relativa ao empreendimento. Endereço do empreendimento: Av. Rebouças, 1.145 - Jardins - São Paulo. Os móveis, equipamentos e utensílios utilizados nas perspectivas ilustradas são mera sugestão de decoração e não fazem parte do contrato de compra e venda. Essas áreas serão entregues conforme memorial descritivo de acabamentos e plantas anexas ao contrato. O apartamento poderá sofrer pequenos ajustes decorrentes do desenvolvimento dos projetos executivos de arquitetura, estrutura e instalações. Medidas dos ambientes são de face a face das paredes ao revestimento.”


OPINIÃO

O DIVÓRCIO DOS GATES: O QUE ACABA COM UM CASA MENTO? POR MARISTEL A MAFEI ILUSTRAÇÃO DAVID NEFUSSI

O

que os homens de extrema direita têm em comum com as mentes brilhantes de pensadores liberais mais avançados? Há algo rasteiro e decepcionante que una homens de posições políticas conflitantes? E que permeia também os que se declaram defensores dos direitos humanos, intelectuais, políticos, artistas, mesmo aqueles que têm um pensamento político fortemente alinhado à esquerda? Sim, há. Podemos nomeá-lo de várias formas, mas talvez o mais apropriado seja o comportamento questionável que têm com as mulheres em muitas ocasiões ou, por que não dizer, de uma maneira geral. O desrespeito às esposas e namoradas fica no topo da lista, que aumenta com relacionamentos paralelos, “gracinhas” e “cantadas” a outras mulheres e vista grossa aos atos de outros homens

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acusados de assédio. Parece que tudo lhes é permitido, que são dotados de uma “taradice” histórica, “frutos” de sua época, autorizados a agir sem empatia com suas companheiras, que obviamente não foram consultadas, alinhadas, e são pegas, na maior parte das vezes, de surpresa, devastando a vida delas. A história está cheia de homens considerados geniais com a biografia manchada pelo machismo. Mas o que dizer quando Bill Gates, pioneiro da computação pessoal, bilionário e filantropo, reputação intocável, uma vida publicamente devotada também à sua mulher, Melinda French Gates, desponta no noticiário como um desses homens? Decepção total. O

comportamento do gênio colocou fim ao casamento de 27 anos com Melinda, em uma iniciativa tomada por ela e anunciada por ambos em maio último. Os sinais de rompimento começaram a vir há pouco mais de dois anos. No documentário O Código Bill Gates, lançado pela Netflix em 2019, Gates coloca Melinda em um pedestal em vários momentos. No terceiro e último episódio, ao ser perguntado sobre o que diria se morresse de repente, ele responde: “Obrigado, Melinda” e silencia. A separação estava em andamento. Melinda consultou advogados cerca


ILUSTRAÇÃO FREEPIK; FOTO GETTYIMAGES

de dois anos antes de pedir o divórcio, afirmando que seu casamento estava “irremediavelmente rompido”, segundo o The Wall Street Journal. Um dos motivos do rompimento, apontado ao jornal por um ex-funcionário da Fundação Bill e Melinda Gates, teria sido a aproximação de Gates com Jeffrey Epstein, financista condenado por tráfico sexual de meninas menores de idade. Melinda não gostava dessa amizade, mas Gates continuou visitando e se hospedando na casa de Epstein em Manhattan. Quando estava cotado a receber o Prêmio Nobel da Paz, em 2013, Bill Gates foi acompanhado por Epstein

em uma visita ao então presidente do comitê do prêmio, Thorbjørn Jagland, segundo a revista norueguesa Dagens Næringsliv. Mas em setembro de 2019, após o suicídio de Epstein, Gates disse ao WSJ que o conhecia, mas não tinha relação de amizade. Comportamento questionável no ambiente de trabalho foi outro motivo. Em 2018, Melinda não aprovou o modo como o marido lidou com uma denúncia de assédio sexual contra Michael Larson, seu antigo assessor financeiro. Bill Gates decidiu tratar do problema confidencialmente e manteve Larson no cargo. Melinda insistia numa investigação externa. Complicando a situação, Gates teve um caso com uma engenheira de software da Microsoft por quase 20 anos. O conselho de administração da empresa considerou a relação inapropriada e contratou, no fim de 2019, um escritório de advocacia para investigar o episódio. Durante o processo, membros do conselho teriam decidido que Gates deveria ser afastado. Em março de 2020, ele renunciou ao cargo. Resumindo, Bill Gates seguiu o padrão de alguém que faz o que quer, não importa se vai expor, magoar ou de-

sestruturar a vida de outra pessoa, no caso, de sua mulher. Se tivessem combinado um casamento aberto, não estaríamos aqui falando sobre isso, até porque essa não é uma questão moral, mas de confiança. Pelo visto, não houve acerto prévio. O que se vai combinar agora é a partilha de um patrimônio estimado em US$ 130 bilhões, um dos maiores do mundo. Os Gates não tinham acordo pré-nupcial, mas tudo indica que vinham negociando há algum tempo a divisão da fortuna, que inclui mansões, participações em empresas – além de uma fatia de US$ 25 bilhões da Microsoft –, investimentos, aviões e impressionantes 98 mil hectares de áreas próprias para a agricultura. A grande diferença entre essa separação e outras semelhantes é o comportamento de Melinda. Enquanto o marido jogava para sua plateia particular, reproduzindo o estereótipo do conquistador, a cientista da computação e cogestora da Fundação Bill e Melinda Gates investia em ações voltadas à equidade de gênero e condição feminina. Em 2015, Melinda criou a Pivotal Ventures, uma empresa de investimento e incubação focada na igualdade de oportunidades para homens e mulheres, com o objetivo de promover o progresso social nos Estados Unidos. E, em abril de 2019, lançou seu livro, O Momento de Voar, em que aborda o empoderamento feminino como meio de mudar o mundo. O que pressupõe mudar também, e principalmente, o comportamento masculino. n Maristela Mafei é fundadora do Grupo Máquina PR, atual Máquina Cohn & Wolfe, e autora de Comunicação Corporativa: Gestão, Imagem e Posicionamento e Assessoria de Imprensa: Como se Relacionar com a Mídia (ambos da ed. Contexto)

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Lee Radziwill e sua filha Anna Christina em sua casa em Buckinghamshire, Londres, em 1966

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DESIGN

ESTÉTICA DA ILUSÃO

Com a erudição de um estudioso e a imaginação de um artista, o arquiteto, cenógrafo e designer italiano Renzo Mongiardino criou interiores que deslocaram os padrões estéticos vigentes no século 20

FOTOS REPRODUÇÃO

O

POR ANA ELISA MEYER

minimalismo com certeza não é um conceito que podemos usar para descrever os projetos de Renzo Mongiardino. Utilizando romantismo exuberante e referências clássicas, ele foi responsável pela decoração dos ambientes das casas de alguns dos nomes mais importantes da alta sociedade europeia e americana do século 20. Nascido em Gênova, em 1916, e filho único de Giuseppe Mongiardino, um empresário de teatro que introduziu a televisão a cores na Itália, Mongiardino cresceu em um palazzo do século 18 onde, certamente, começou a nutrir seu fascínio pelos suntuosos interiores. Aos 20 anos ele se mudou para Milão para estudar arquitetura na Universidade Politecnico di Milano. E, a partir de 1945, iniciou sua carRenzo Mongiardino em reira multifacetada focando principalmenseu estúdio em Milão te na criação de espaços residenciais, cenografia para teatro e direção de arte para cinema. Preferindo o título de “criador de ambiente” ao de “decorador”, Mongiardino teve como clientes não apenas algumas das personalidades da elite financeira do mundo, mas também alguns dos mais cultos. Sua lista incluía a condessa Cristiana Brandolini d’Adda, as socialites Lee Radziwill e Marie-Hélène Rothschild, os estilistas Valentino e Gianni Versace, entre outros. Como eram pessoas com inclinação estética singular, a atenção que dedicava ao aprendizado sobre suas vidas, combinada com a própria erudição nas questões de estilo, fez dele uma figura muito influente e poderosa. Iniciava os seus projetos perguntando: “Qual é a sua paleta de cores favorita, e PODER JOYCE PASCOWITCH 69


Acima, hall da casa de Londres da socialite e filantropa Drue Heinz. Abaixo, casa do estilista Gianni Versace e cena de Romeu e Julieta (1968) do diretor italiano Franco Zeffirelli

o que você coleciona?” – sabia que colecionadores consumados geralmente estariam mais interessados em exibir dramaticamente os seus tesouros do que detalhes arquitetônicos. Assim, a compreensão das características da sua clientela se tornou fundamental para a organização de seus esquemas decorativos. Um exemplo foi o projeto da suntuosa residência parisiense no Hôtel Lambert, de Guy e Marie-Hélène de Rothschild, onde foi desafiado a desenhar algo que exibisse as volumosas coleções de arte e objetos do casal da alta sociedade francesa. “A casa de uma pessoa é uma escolha de vida, uma cidadela – agradável e desarmada, mas equipada para deter aqueles que não são bem-vindos e para abraçar aqueles que são amigos”, escreveu em seu livro Roomscapes: The Decorative Architecture of Renzo Mongiardino, lançado em 1993. Tendo o Renascimento e a própria cultura italiana como seus maiores

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guias, trazia em muitos de seus interiores a opulência bizantina romântica, caracterizada pelos tons das joias, os infinitos padrões de desenho dos tapetes persas, painéis de parede de couro, o excesso de superfícies de

mármore e mosaico. O que nem todos sabiam é que muitos desses materiais, vistos como suntuosos, eram simplesmente falsos. As paredes de couro da propriedade rural inglesa de um industrial, por exemplo, eram na


FOTOS REPRODUÇÃO; DIVULGAÇÃO

verdade papelão habilmente pintado e envelhecido. Isso era parte da impressionante encenação do designer que sempre se interessou pelo efeito que suas escolhas produziam para a atmosfera dos ambientes, e que foi aprendido em uma carreira paralela como cenógrafo para diretores como Franco Zeffirelli e Gian Carlo Menotti A distinta carreira de Mongiardino nas artes cênicas incluiu a produção de óperas como Tosca, encenada em 1964 e dirigida por Franco Zeffirelli, e La Traviata, de 1972, dirigida por Giancarlo Menotti. Renomado restaurante Da Giacomo, No cinema, criou os cenários para os filem Milão, projetado mes Romeu e Julieta (1968), A Megera Dopor Mongiardino mada (1967) e Irmão Sol, Irmã Lua (1972) À época de sua morte, em janeiro de 1998, Renzo do diretor italiano Zeffirelli. Por esses dois últimos trabalhos foi indicado ao Oscar. Certamente, Mongiardi- Mongiardino estava trabalhando em dois grandes no levou suas habilidades na criação de ilusões e drama projetos. Um deles era uma proposta urbanística de visual para seus projetos residenciais. A prática de em- criação de uma cidade ideal, dentro da tradição urpregar modelos em maquetes, permitindo que visuali- banística de Urbino ou Pienza, para a qual ele tinha zasse de forma plena a dinâmica espacial, as relações o apoio de um grupo de empresários italianos. Outro proporcionais junto com a circulação e o jogo de luz ao era a reconstrução fiel da casa de ópera La Fenice, em longo do dia e da noite. Esses foram aspectos centrais Veneza, que pegou fogo em 1996, e estava sendo restaurada pela arquiteta Gae Aulenti. n para o seu processo criativo.

CONSUMO POR ANA ELISA MEYER

LENÇO Dior preço sob consulta dior.com ABAJUR Cris Bertolucci Estúdio R$ 3.135 cristianabertolucci. com.br

BLAZER Ermenegildo Zegna preço sob consulta zegna.com

ANEL Antonio Bernardo R$ 18.250 antoniobernardo. com.br

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PODER VIAJA POR ADRIANA NAZARIAN

AQUI TEM A Costa Rica segue aberta para os brasileiros e, entre seus refúgios no meio da natureza, o Kasiiya está no nosso radar. Localizado na Península Papagayo, tem apenas sete bangalôs cercados pela mata, praias desertas e uma série de experiências que aproveitam o melhor da vida à beira-mar. A lista inclui aulas de surfe, caiaque, caminhadas, aulas de ioga embaladas pelo barulho das ondas e mergulho. +KASIIYA.COM

VIZINHO

Os new yorkers em busca de um respiro já têm lugar marcado neste verão: a praia de Rockaway, no Queens, mais precisamente o Rockaway Hotel. O clima remete à cultura de praia dos anos 1960 e à vocação surfer do destino. Com vista para o mar, tem rooftop, piscina e restaurante, mas também uma notável coleção de arte que privilegia nomes da cena local. Mimos como produtos de beleza, carta de cerveja e até aulas de surfe levam em conta a missão de representar o despretensioso lifestyle de Rockaway.

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+THEROCKAWAYHOTEL.COM

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BAÚ DE MEMÓRIAS

Um dos endereços mais icônicos da Itália, o San Domenico Palace, tem reacendido a chama dos viajantes apaixonados pela Sicília. Isso porque o hotel, que há anos ocupa um convento dominicano do século 14, agora carrega a bandeira do Four Seasons. Entre jardins fabulosos e o Mar Jônico, o endereço ganha ainda mais pompa: o spa, a academia e a piscina de borda infinita seguem como ponto alto, e a lista de experiências agora tem programas customizados como o passeio de iate particular até a Isola Bella e a Grotta Azzurra. +FOURSEASONS.COM

SEM FRONTEIRAS

Aos fãs de aventuras, atenção: a Quark Expeditions acaba de anunciar seu novo e revolucionário navio de expedição. Foram cinco anos de trabalho até chegar ao Ultramarine, pensado nos mínimos detalhes para explorar os lugares mais inexplorados das regiões polares. A novidade é equipada com dois helicópteros bimotores, suítes mais espaçosas, experiências exclusivas e uma série de cantinhos perfeitos para a observação da vida selvagem. Tudo isso com soluções sustentáveis que já se tornaram item essencial na wishlist dos viajantes mais exigentes +QUARKEXPEDITIONS.COM

EXCLUSIVE HOUSE NAS MONTANHAS

Único hotel de montanha do Brasil membro da associação Relais & Châteaux, o CASTELO SAINT ANDREWS , localizado em Gramado (RS), divulgou uma programação especial para os próximos meses de olho na temporada de inverno. Há passeios em cidades vizinhas, como Bento Gonçalves e seus roteiros especiais de uva e vinho, além dos jantares à luz de velas preparados nos jardins do castelo e experiências como o Krug Experience e o Fondue Suisse. Encravado em meio à vegetação exuberante, o Saint Andrews é referência em hotelaria de alto padrão na Serra Gaúcha. Possui 19 suítes exclusivas e comodidades únicas como mordomos, café da manhã com horário livre, traslado privativo do aeroporto de Porto Alegre, Canela ou Caxias do Sul com chofer em carro próprio, helicóptero ou avião fretado. +SAINTANDREWS.COM.BR

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SOB MEDIDA POR FERNANDA GRILO

MAYA GABEIRA

Ela é um dos maiores nomes do esporte brasileiro e autoridade do surfe feminino – foi eleita seis vezes pela WSL a melhor atleta da temporada. Integrante da seleta categoria dos “big riders”, dos destemidos surfistas que encaram ondas gigantes, Maya detém desde setembro de 2020 o recorde de maior onda domada por uma mulher em toda a história: 23,5 metros de altura (73,5 pés), na Praia do Norte, em Nazaré, a capital portuguesa do surfe e também a sua casa. LUGAR PREFERIDO NO MUNDO: O mar. O QUE NÃO PODE FALTAR NO SEU CAFÉ DA MANHÃ:

Café preto.

MOMENTO DE MAU HUMOR:

Quando estou com fome. UM ARTISTA: O ator Anthony Hopkins. UMA INQUIETUDE:

Ficar longe do mar.

SONHO DE INFÂNCIA: Ser a

melhor no que eu fizesse.

Ser realizada e ajudar ao próximo. MEDO: Tenho vários, entre eles de altura. COM O QUE SE PREOCUPA:

Com o aquecimento global e os oceanos. COMO SOBREVIVER À PANDEMIA: Tendo paciência e

sendo gentil comigo mesma. SEU ESTADO MENTAL NESTE MOMENTO:

Em constante trabalho.

O SEU DESEJO PARA O FUTURO: Que possamos

melhorar como sociedade e seres humanos.

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FOTOS GETTY IMAGES; FREEPIK; DIVULGAÇÃO IED; DIVULGAÇÃO

SER BEM-SUCEDIDA É:


PESSOA QUE TODOS DEVERIAM CONHECER:

Minha mãe [Yamê Reis, estilista e empresária].

ONDE E QUANDO É MAIS FELIZ:

PEÇA DE ROUPA:

MELHOR HORA DO DIA: Nascer do sol.

Casaco.

OCUPAÇÃO PREFERIDA: Assistir

Surfando.

Netflix no sofá com as minhas cachorras, Naza e Stormy.

MELHOR FILME: Este ano foi

The Father [Meu Pai].

PECADO GASTRONÔMICO:

MANIA:

Brigadeiro.

QUAL A ONDA DA MAYA GABEIRA?

ÍDOLO: Meu pai [Fernando Gabeira, jornalista e ex-deputado federal].

Nazaré [em Portugal].

De limpeza. UM SOM:

Do rapper Jay-Z.

LIVRO: Gosto

O QUE NUNCA FALTA NA SUA CASA: Lenha.

de biografias. Uma muito boa é a do Andre Agassi [tenista].


HIGH-TECH POR FERNANDA BOTTONI

A CASA TÁ ON

Já imaginou o quanto a sua vida seria mais prática – e divertida – com aparelhos como um closet inteligente que cuida das suas roupas ou um robô que faz limpeza pesada e passa pano pela casa? Bem-vindo ao seu novo futuro

CLOSET INTELIGENTE

A necessidade de descontaminar ambientes e objetos levou a LG a projetar o Styler, closet inteligente equipado com tecnologia TrueSteam que gera ondas de vapor capazes de eliminar até 99,9% de bactérias e alérgenos das roupas. Além disso, faz desaparecer amassados, odores e poluentes movimentando as peças até 180 vezes por minuto por meio de um cabideiro móvel. O closet também tem um compartimento para calças sociais, garantindo vincos precisos. Quer mais? A função Night Care mantém as roupas aquecidas dentro do aparelho que tem painel touch. PREÇO: A PARTIR DE R$ 18.999 (ACABAMENTO BRANCO) LG.COM

ROBÔ PASSA PANO

Robôs aspiradores se tornaram um dos eletroportáteis mais desejados para a limpeza do lar. Mas o Jetbot Mop VR6000, da Samsung, faz mais. O produto é o primeiro da marca asiática com o foco em passar pano, fazendo isso com ajuda de duas pás circulares na base. São oito programações para limpeza, como a de movimentação randômica e automática (sensores evitam a colisão com móveis), além de controle remoto onde o usuário direciona o robô. É possível usá-lo também para limpar paredes ao segurá-lo pela alça superior.

PREÇO: R$ 2.800 SAMSUNG.COM/BR

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AIR ORCHESTRA

Ninguém precisa ficar entediado em casa, certo? Certo. E este wearable de áudio veio para garantir isso. Interativo, ele utiliza recursos de realidade aumentada para evoluir a nossa relação com a música. É simples. Você coloca o dispositivo no pulso e ele transforma os movimentos dos seus braços em sons de guitarra, bateria ou violoncelo, por exemplo. Ou seja, você pode fazer música mesmo que nunca tenha tocado qualquer instrumento. O wearable é conectado ao smartphone, de onde saem os sons, por bluetooth. O produto está em desenvolvimento e arrecada contribuições pela plataforma Indiegogo. PREÇO: R$: 800 (PRÉ-VENDA) MICTIC.COM

* PREÇOS PESQUISADOS EM MAIO, SUJEITOS A ALTERAÇÕES .

PREÇO: R$ 500 COUCHCONSOLE.COM

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SOFÁ DIGITAL

Por que sair da cama ou do sofá? Este console resolve tudo para você. Com sistema de giroscópio, o portacopos adaptável garante que o copo, ou a caneca, permaneça em posição vertical, independentemente do quanto você se movimente sobre as almofadas. Há ainda compartimento para snacks (o que limita a propensão por devorar todo o pacote do que quer que seja), plug USB para conectar seu dispositivo a qualquer bateria externa que você tenha e um espaço para guardar cabos, baterias ou itens como garrafas, por exemplo. Para facilitar ainda mais a vida, o Couch Console é modular, ou seja, você pode personalizar o layout como quiser.


CINE CAMA

Se você acha que tem um quarto equipado, talvez ainda não tenha visto esta cama. A HiBed, que faz jus ao nome, foi projetada pela HiInteriors com design do italiano Fabio Vinella. Ela tem um projetor 4K embutido que pode ser sincronizado com uma série de dispositivos para assistir a filmes/TV em uma tela retrátil de 70 polegadas. Para completar, tem sistema de som surround embutido com alto-falantes invisíveis para transformar a cama em uma sala de cinema privativa e, não fosse o bastante, também tem funções high tech para monitorar seu padrão de sono ou ajustar a temperatura de acordo com suas preferências. Quer mais? A HiBed ainda pode registrar seu peso corporal, a qualidade do ar e o nível de ruído do ambiente para verificar como anda a sua saúde. Por fim, tem um sistema de alarme inteligente para despertá-lo com notícias e informações sobre o clima. O produto pode ser personalizado e já está em fase de pré-reserva. PREÇO: SOB CONSULTA HI-INTERIORS.COM

ASSISTENTE PESSOAL

Fãs da saga Star Wars pensarão estar diante de um autêntico (ou quase) R2-D2, mas este robozinho é o ARC BOT, desenvolvido pelo VLND Studio para o portal de internet NAVER Labs, que já o utiliza em sua sede, em Bundang, na Coreia do Sul. Capaz de servir até quatro bebidas ao mesmo tempo, ele dirige de forma autônoma utilizando sensores e uma série de câmeras. Para evitar pequenos acidentes com as bebidas, o robô tem um sistema de suspensões. Já imaginou seu chocolate quente vindo até você por meio desse simpático e moderno ajudante?

ORGÂNICA E ELETRÔNICA

Ter uma horta orgânica onde quer que você esteja pode ser muito simples com o Smart Garden 9. O sistema que permite o plantio de até nove tipos de plantas oferece rega automática e dosagem ideal de luz e quantidade de nutrientes e oxigênio. Para facilitar o plantio, a Click & Grow disponibiliza mais de 60 opções de saches de plantas já semeadas, mas, se você preferir, também pode utilizar suas próprias sementes. A fabricante ainda oferece um aplicativo que transforma qualquer amador em expert em jardinagem. PREÇO: R$ 1.250 CLICKANDGROW.COM

PREÇO: INDISPONÍVEL VLNDSTUDIO.COM

NA MODA

Com a pandemia e o isolamento social, muitas pessoas arregaçaram as mangas, compraram farinha e puseram as mãos na massa. Mas a onda de fazer pão em casa pode ser mais prática. A SD-YD250, da Panasonic, possui dez modos de cozimento diferentes e um temporizador permite que a máquina seja programada com até 13 horas de antecedência para que você possa desfrutar de um pão fresquinho no seu café da manhã ou jantar. O dispensador de fermento YeastPro libera automaticamente a levedura no momento adequado, o que ajuda a garantir o ponto perfeito. E para quem não quer abandonar o hobby da panificação, a máquina também oferece opções manuais de preparo. PREÇO: R$ 1.800 PANASONIC.COM

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CULTURA INC.

Artista multimídia, Luiz Zerbini lança livro com monotipias de plantas e prepara exposição inédita para o Masp em 2022

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á três anos, Luiz Zerbini ganhou de cinco diferentes amigos o mesmo presente de aniversário: o livro A Vida das Plantas, do filósofo italiano Emanuele Coccia. O artista paulistano radicado no Rio tinha interesse pelos vegetais fazia tempo. A publicação trouxe uma perspectiva nova: longe de serem coisas inanimadas, as plantas sentiam, comunicavam-se, expressavam-se. Zerbini lança agora em junho o livro Botanica Monotypes, pela Fundação Cartier (320 págs., R$ 590,28). É uma seleção de trabalhos de impressão de monoti-

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pias de folhas, flores, galhos, cuja transferência para o papel permite encontrar seus detalhes, suas texturas, suas formas. Nos últimos quatro anos ele já criou mais de 300 monotipias de vegetais. O interesse pela botânica é antigo. Na adolescência, Zerbini frequentava em Osasco (SP) a casa de Gilda Vogt – que também viria a ser pintora. Lá a mãe dela, paisagista, mostrava as muitas espécies que tinha nos seus viveiros. Quando se mudou para o Rio, ele foi morar em frente à porta do Jardim Botânico, onde também expôs trabalhos ligados às plantas.

“Quando a Benedita [filha] era pequena, eu ia ao Jardim Botânico praticamente todos os dias com ela. Era o nosso playground”, lembra o pintor. Ali começou a fotografar as espécies para, depois, levá-las aos quadros pelo pincel. Mais recentemente, Zerbini passou a usar folhas como matriz para fazer as impressões de monotipia. No ateliê, na Gávea, ele cultiva palmeira, bromélia, orquídea, pitanga, jabuticaba, filodendro, paubrasil, de cujas folhas tira a matéria-prima para a monotipia. O uso da técnica de impressão sobre o papel não é apenas uma variedade trivial de forma. O sentido da obra é outro, já que a própria planta assume o lugar de artista. “Quando eu era criança, achavam que os animais não pensavam, que o protagonismo do homem era total. Agora, sabem também que as plantas se comunicam, que mandam informações para outras plantas, por baixo da terra estão todas conectadas e trocam informações pelas raízes”, conta. Essas ideias foram trocadas em uma conversa com o próprio Emanuele Coccia, em Paris, durante a exposição itinerante Trees, da qual Zerbini participa e que chega em julho a Xangai, na China. O papo com Coccia fez Zerbini perceber que a impressão para o papel não era mais um trabalho solo, mas uma parceria entre o homem e a planta. “Era uma afirmação radical, que parecia absurda, mas que para mim faz todo o sentido”, diz.

FOTOS EDURADO ORTEGA/DIVULGAÇÃO; PAT KILGORE COURTESY FORTES D’ALOIA & GABRIEL; DIVULGAÇÃO

VIDA EM SILÊNCIO

POR LUÍS COSTA


PODER É BRASIS Itamar Vieira Junior, autor do celebrado romance Torto Arado – vencedor dos prêmios Leya, Oceanos e Jabuti –, torna a tratar de questões sociais e da tradição literária brasileira em Doramar ou a Odisseia (Todavia, R$ 39,92). O livro traz um conjunto de histórias que articulam tradição e contemporaneidade para dar conta da multiplicidade de culturas que formam o país.

As monotipias de folhas, flores, galhos que ilustram o livro do artista

Zerbini – que expõe até junho obras dos anos 1990 no Galpão Fortes D’Aloia & Gabriel, em São Paulo – agora prepara uma exposição inédita para o Masp (Museu de Arte de São Paulo), prevista para abril de 2022. Entre a série de trabalhos, estão releituras de quadros históricos, como A Primeira Missa no Brasil, de Victor Meirelles, e a recontagem de episódios como o massacre de Haximu, de 1993, que matou 16 índios ianomâmis em Roraima, assassinados por garimpeiros. “É tanto absurdo acontecendo, que me sinto na obrigação de fazer. A história tem uma necessidade de ser recontada. É uma chance que a gente tem de reinterpretar os fatos históricos”, diz. n

CINEMA DE RUA Ricardo Calil assina a direção de Cine Marrocos, que estreou nos cinemas em 3 de junho. O documentário mostra brasileiros sem-teto, imigrantes latino-americanos e refugiados africanos – moradores do histórico cinema de São Paulo – que recriam cenas de filmes clássicos, apresentados mais de 60 anos antes no local. Fechado em 1994, o Cine Marrocos – inaugurado em 1951 e considerado o melhor e mais luxuoso cinema da América Latina – era, em 2015, abrigo de cerca de 2 mil sem-teto de 17 países. Com a ajuda dos moradores, a equipe do filme reabriu o cinema e os convidou para uma oficina de teatro. O longa venceu o festival É Tudo Verdade em 2019. PARA OUVIR MELHOR Para quem quer se aprofundar nas obras e artistas que estão na programação do Theatro Municipal de São Paulo, um podcast da instituição ajuda a entender melhor conceitos, biografias e estilos de música clássica. Lá estão episódios sobre Beethoven, Alberto Nepomuceno, Carlos Gomes, as maiores cantoras líricas do Brasil, como Bidu Sayão, entre outros temas. O mais recente episódio trata do legado do compositor russo Igor Stravinsky (1882-1971). O conteúdo está disponível nos principais agregadores de podcasts. PODER JOYCE PASCOWITCH 79


A quantidade de prêmios do arquiteto PAULO MENDES DA ROCHA é inversamente proporcional ao de destinos em que deixou sua marca e suas ideias. Nesse sentido, ele poderia ser o anti-Niemeyer, tão visto no exterior quanto nossas novelas. O capixaba Mendes da Rocha brilhou quase exclusivamente em sua aldeia, São Paulo, para onde veio menino, e os dois, Paulo e Oscar, são os únicos brasileiros a ganhar o Pritzker, o Nobel da Arquitetura. Mendes da Rocha absorveu o brutalismo, desgarrou-se de Vilanova Artigas e se tornou um emérito representante da escola paulista. Aos 29 anos, ao projetar o ginásio do clube Paulistano, irrompeu, ganhando prêmio na Bienal de São Paulo de 1961. O “desprezo pelo supérfluo”, característica fundamental de sua obra na visão do crítico Francesco Dal Co, jamais o abandonou, assim como um senso de medida pouco visto numa categoria de profissionais de superergos hipotrofiados. “A primeira e primordial arquitetura é a geografia”, dizia, para desespero de tantos pares. Aos paulistanos, que o veem cotidianamente nas linhas contidas e duras do MuBE, do Sesc 24 de Maio e da marquise da praça do Patriarca, e também na incrível transformação da Pinacoteca, cabe o consolo da permanência. Fumante por décadas, Mendes da Rocha morreu aos 92 anos, de câncer do pulmão.

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FOTO EDUARDO KNAPP/FOLHAPRESS

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