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ENSAIO

NÃO OLHE PARA CIMA

“Criamos [Patricia e o empresário Alexandre Allard] a Aya Initiative, um hub de soluções para descarbonização da economia, um ecossistema colaborativo em que grandes empresas, instituições e ONGs vão convergir para criar a espinha dorsal da transformação para o baixo carbono no Brasil. Trabalhando em três esferas: convocação e convening; conteúdo e avaliação; e as soluções. Vamos juntar os formadores de opinião e os principais tomadores de decisão para que eles tenham acesso a um conteúdo rico de relatórios e informações sobre a descarbonização e os desafios de cada setor. Lançamos uma parceria com o Pacto Global da ONU, com a Future Carbon, e precisamos juntar mais forças. O Brasil tem que se unir e liderar essa agenda, senão seremos liderados. Quem hoje mais compra crédito de carbono barato na Amazônia? A Amazon. É isso que a gente quer? Não está claro para o empresariado como estamos nos enfraquecendo, é como no filme Não Olhe para Cima – o asteroide já está aqui e estamos brigando por bobagens.”

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UNIÃO SISTÊMICA

“Não quero trabalhar sozinha, queremos estar juntos com os melhores do mundo. Tenho uma enorme admiração pelo impacto que a Systemiq causa e por isso aceitei o desafio de comandar a operação no Brasil. É uma consultoria global com operações no Reino Unido, Holanda, Alemanha, Indonésia e Brasil que se propõe a resolver problemas sistêmicos complexos para uma economia de baixo carbono. Tenho dito, brincando, que entrar de sócia foi a parte mais fácil, difícil foi convencer os europeus de que o Brasil precisa liderar a transformação verde. Montei um plano de negócios para quadruplicar a operação no Brasil nos próximos dois anos, trazendo sócios estrangeiros para cá, investindo pesado na transformação. E eles toparam, aprovaram por unanimidade a minha entrada e o business plan. Foi muito bonito. Pretendemos lançar o maior relatório sobre a Amazônia ainda este ano, na COP27 [Conferência da ONU sobre Mudança do Clima, que acontecerá em novembro, no Egito].”

O CHAMADO

“Sempre fui uma pessoa que recorre à natureza como cura na vida. De tudo. Desde sempre. Minha avó era indígena e meu avô garimpeiro, por parte de mãe. Por parte de pai, meu avô trabalhava em uma fazenda, em Sergipe, e minha avó veio para São Paulo criar 16 filhos às margens do rio Pinheiros. Meu pai, sempre que tinha uma oportunidade, transformava qualquer terreno baldio em horta. Então essa proximidade com a natureza, essa necessidade, é uma coisa muito forte em toda a minha família – imagine que meu avô, aos 78 anos, com esclerose, andou 15 km sozinho e foi morrer dentro de um rio em Uberaba. Na pandemia eu passei por um processo muito desafiador: pessoal, profissional, físico e emocional. Em julho do ano passado, quando as coisas começaram a melhorar, falei para o governador [João Doria]: ‘Preciso de uma semana de folga’. Fui para a Chapada Diamantina (BA) e a conexão com a natureza me tocou muito, fiquei extremamente emocionada. Depois, em outubro, fui para o Acre e atravessei de Rio Branco até Cruzeiro do Sul vendo o desmatamento da Amazônia. Cheguei a uma aldeia dos shanenawas

Patricia Ellen com Luiza Trajano em recente viagem a Nova York e com parceiros para tentar conduzir o Brasil para a economia verde

42 PODER JOYCE PASCOWITCH

“Não tinha ideia que a política podia ser tão territorialista, machista. Me formei em Harvard, mas pessoas estavam preocupadas com meu sobrenome, Da Silva”

FOTOS ARQUIVO PESSOAL e àquele processo de desconectar, de vivenciar a cultura de um povo. Percebi que queria dedicar todo meu tempo, não parte, a esse resgate da sociedade com a natureza. E que talvez fosse a hora de integrar tudo o que eu já fiz na vida, que a melhor forma de contribuir era voltando às grandes empresas, onde passei 20 anos da minha carreira, acelerando o processo de descarbonização.”

SERVIÇO PÚBLICO

“O serviço público te dá senso de propósito. Saí do governo com vários sentimentos. Primeiro, gratidão. Não teve um dia, mesmo nos mais difíceis da pandemia, que eu não me senti grata por estar ali, por estar viva. Fico até emocionada. Acho que a gente, às vezes, tenta esquecer o que passou, estivemos no limite entre a vida e a morte por um período muito longo. Um segundo sentimento vem de dever cumprido. Foi difícil? Sim. Maior desafio da minha vida? Sim. Mas eu estava no lugar certo para ajudar muita gente. Não tinha intenção político-partidária, estava totalmente presente, era a minha escolha. E tinha conhecimento, havia acabado de liderar uma empresa de tecnologia em saúde, por isso teve essa sincronicidade especial. Fui enviada para uma guerra, sem saber que tinha ido para uma guerra, mas confiante porque estava preparada para a trincheira. Saí, sem dúvida, com sentimento de dever cumprido. Foi um enorme privilégio poder executar o verdadeiro significado do serviço público. Ter dedicado três anos sem esperar nada em troca.”

MUNDO CÃO

“Não tinha ideia que a política era tão dura, que podia ser tão territorialista, machista, classista. Me formei em Harvard, mas as pessoas estavam preocupadas com meu sobrenome, ‘Da Silva’. Aí você começa a entender e viver de perto a história da política brasileira, das famílias, que há 20, 30, 40 anos estão ali, possuem fazendas nos mesmos lugares, é tudo muito amarrado. O governador João Doria me deu muita autonomia, confiança, uma relação de muito respeito, mas o entorno era o típico da política, de um estado muito conservador como São Paulo, em todas as formas, que nunca teve sequer uma vicegovernadora mulher.”

VERDE É FEMININO

“Tenho trabalhado muito com a ideia de que o futuro é verde e feminino. Meu objetivo é trazer mulheres para a pauta da descarbonização de uma forma mais técnica. A descarbonização global é um espaço de hegemonia masculina, isso é evidente até na Europa, que está na vanguarda da transformação energética. Precisamos mudar isso. Quando a gente ocupa espaço, criamos um precedente que abre outros espaços para ainda mais mulheres. Porque não adianta apenas ocupar, é preciso mais, é preciso abrir espaços.”

NO CONTRAFLUXO

“A política ambiental do Brasil é um grande desafio para acelerar a descarbonização, um entrave. Ainda mais se compararmos com países europeus que têm avançado bastante na regulação, nos incentivos. Nas minhas viagens, pude perceber como a imagem do Brasil se deteriorou de 2019 para 2021. Mas não temos tempo para lamentar, nem de esperar outra eleição. Por isso tenho me cobrado tanto nesse lugar, em me colocar à disposição para unir o empresariado, mostrar que esse futuro verde já é um presente, é agora, e que o Brasil pode, deve e merece liderar essa transformação com ou sem política pública. É muito grave o que está acontecendo. Cientificamente, a janela global, para a reversão desse processo, é de três a cinco anos. O futuro chegou. E ele é verde.” n

PODER JOYCE PASCOWITCH 43

Com uma carreira premiada como diretor de teatro e novela, Enrique Diaz brilha também como ator com seus múltiplos e cativantes personagens – principalmente os de caráter duvidoso

por AMAURI ARRAIS fotos leo aversa styling ale duprat

Há uma reação comum de fãs de novelas e séries quando veem os personagens de Enrique Diaz: uma certa simpatia natural, como se fossem aquele conhecido boa- praça que sempre consegue nos arrancar um sorriso. Foi assim com o Durval de Amor de Mãe (2019), um pai meio relapso que abandona o lar; e com Plínio, o delegado canalha da série Onde Nascem os Fortes (2018). Ambos são figuras mais fáceis de detestar, mas que conquistaram o público.

O ator e diretor de 54 anos enxerga nessa resposta do público um efeito da sua tentativa de conferir certa humanidade aos personagens, sejam as falhas morais, o excesso de inocência ou mesmo a violência. “A humanidade sempre vai dar vários lados e produzir empatia. Não é uma questão de estratégia, mas de visão de mundo mesmo”, garante.

Enrique reconhece que o humor também permeia as visões de quase todas as figuras que encarnou. A exceção mais recente foi Gil, o marido de Maria Marruá (Juliana Paes), que arrancou elogios da crítica e dos espectadores com uma atuação comovente na primeira fase da nova encarnação de Pantanal. O papel do lavrador que perde o filho e depois é morto no conflito por terra tinha uma carga simbólica para Diaz, que interpretou o filho do personagem, Chico, na novela original da extinta TV Manchete. O ator, que tinha 23 anos à época, diz que reviu cenas da trama, menos para estudar e mais por uma inevitável curiosidade sobre a passagem do tempo. “Tem uma perplexidade de me ver ali 30 anos antes, uma coisa de vida muito bonita.”

Enrique Diaz nunca esteve longe da televisão, embora nos últimos tempos tenha emendado um bom personagem no outro. Depois da participação em Pantanal, está escalado para Mar do Sertão, próxima novela das 6 da Globo, num papel que descreve como uma espécie de João Grilo, o sertanejo trapaceiro e de bom coração de O Auto da Compadecida.

Do outro lado das câmeras, dirigiu as novelas A Regra do Jogo e Joia Rara, vencedora de um Emmy internacional. Essa alternância entre atuação e direção é parte da trajetória de Enrique Diaz, ou Kike, como é também chamado, que diz ter aprendido mais a atuar dirigindo colegas de profissão. “Sinto bastante a presença da minha experiência como diretor. Como ator, eu vou sempre tentar pensar a cena, que é diferente de pensar só no meu personagem. Se a função do meu personagem naquela cena é periférica, entendo isso e me coloco no lugar mais justo.”

Com sua Companhia dos Atores, que fundou e dirigiu durante 24 anos, montou Shakespeare e Tchekhov, além de clássicos da dramaturgia nacional como O Rei da Vela e O Bem-Amado, e arrebatou todos os principais prêmios das artes cênicas do país. Anos antes de fincar seu grupo teatral na Lapa carioca, com apenas 30 anos, foi convidado para dirigir Fernanda Montenegro em outro clássico de Tchekhov, A Gaivota.

Mesmo inseguro no início, chegou a estudar o texto, mas acabou declinando do convite “irrecusável” para atender a um chamado do cinema. “Não me arrependo, acho que eu ia fazer mal o trabalho”, diz, modesto. Foi durante as filmagens do longa Kenoma que conheceu a atriz Mariana Lima, sua companheira há 25 anos. Nos ensaios, os dois atores, que fariam um par romântico, beijaram-se e nunca mais se desgrudaram, como lembrou em uma declaração recente para a amada no seu Instagram.

O encontro, que Diaz chama de “o fenômeno Mariana em minha vida”, rendeu parcerias também na televisão e nos palcos, além de duas filhas, Elena e Antonia, que o casal levou desde cedo em turnês teatrais pela Europa e Estados Unidos. Mas, para além das afinidades e admiração mútua, a relação requer uma sintonia fina. O casal vive hoje em casas separadas, embora, como afirma, essa não seja uma decisão inteiramente assentada.

“A gente está em movimento, experimentando e vendo o que é melhor. Isso [de morar separados] faz parte dessa fase dos últimos anos. Podemos vir a morar juntos de novo, assim como se separar algum dia. Essa escuta permanente é honesta, ajuda a assumir que estar nesse movimento quase arriscado é mais legal do que não ter isso. A gente fica numa dança, é fascinante.”

O casal que prega a liberdade de repensar constantemente o modelo de relação também destoa de muitos colegas no uso das redes sociais para dizer o que pensa. Apesar de deixar claras suas convicções, Diaz afirma não se achar “nem um pouco militante” e diz ter despertado tarde para os impactos da política na vida diária.

Nascido em Lima, no Peru, filho de um funcionário da OEA, a Organização dos Estados Americanos, ele chegou ao Rio de Janeiro com 1 ano de idade. Começou a fazer teatro por influência do irmão, o também ator Chico Diaz, e conta que, até os “20 e tantos anos” não se interessava muito por política, achava que o Brasil, esse conhecido pela classe média, nunca ia mudar.

“Com a Era Lula, com toda sua complexidade, vi uma possibilidade de mudança real que me espantou profundamente. Isso não me fez ficar ligado a nenhuma militância, mas perceber que nosso movimento é vivo e influencia a realidade”, afirma.

Hoje, diz estar mais em sintonia com os meandros da política, mas prefere se expressar por meio do trabalho e considera truculenta a pressão que muitos colegas enfrentam para se manifestar sobre os mais variados temas, sob risco de serem os próximos “cancelados” nos tribunais das redes. “Essa época de cancelamento é muito nociva em vários sentidos. Um convite à conversa é diferente dessa fogueira que se cria para que as pessoas tenham que se manifestar o tempo todo”, conta.

É nos palcos e sets que o ator e diretor manifesta sua resistência aos ataques que a arte e a cultura vêm sofrendo nos últimos anos. Seu mais recente projeto na direção, após um tempo afastado, é um espetáculo protagonizado pelas atrizes Marieta Severo, Andrea Beltrão, Renata Sorrah e Ana Baird, que marca a reabertura das salas do Teatro Poeira, fundado por Marieta e Andrea, no Rio.

“Será um reencontro com o público, com o Brasil, que foi se transformando nessa coisa indigesta, em que artistas e cultura são demonizados”, diz ele, que se considera um otimista, mas um pouco reticente sobre o futuro. “Sou otimista por natureza no sentido de que estamos fazendo o que temos que fazer. Vejo vibrações muito positivas, mas também essa alma tacanha com uma presença muito grande. Torço para esse período não ser longo porque estou ficando velho, quero ter períodos longos e bacanas de delícia.” n

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