Revista J.P | Edição 170

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MEMÓRI A

AS LIÇÕES DE CONTARDO Para Contardo Calligaris, a felicidade, “esse ideal dominante”, não era uma aspiração. O que ele queria era uma vida sem covardias, na qual pudesse aproveitar, da forma mais plena possível, o que “desse e viesse”. Nascido em Milão, o psicanalista, escritor e dramaturgo, morto em março deste ano em decorrência de um câncer, em 72 anos, escreveu 13 livros, atendeu centenas de pacientes, assinou uma das colunas semanais mais lidas do país e contabilizou oito casamentos. A ele, não faltou coragem. Desfrutou de uma vida fértil e soube como ninguém desvendar o comportamento humano. Selecionamos alguns de seus pensamentos em artigos, palestras, livros e entrevistas. POR NINA RAHE

“Cheguei à conclusão de que, ao longo da vida, nossa ideia da felicidade muda: 1) quando a gente é criança ou adolescente, a felicidade é algo que será possível no futuro, na idade adulta; 2) quando a gente é adulto, a felicidade é algo que já se foi: a lembrança idealizada (e falsa) da infância e da adolescência como épocas felizes. Em suma, a felicidade é uma quimera que seria sempre própria de uma outra época da vida - que ainda não chegou ou que já passou.”, 2010

“[...] quem estigmatiza categorias universais, como ‘os homossexuais’, ‘os sadomasoquistas’, ‘os exibicionistas’ etc., é um atacadista, enquanto a psicanálise trabalha no varejo: a fantasia e o desejo só encontram seu sentido nas vidas singulares.” , 2021

“Ter uma vida interessante significa viver plenamente. Isso pressupõe poder se desesperar quando se fica sem alguma coisa que é muito importante para você. É preciso sentir plenamente as dores: das perdas, do luto, do fracasso. Eu acho um tremendo desastre esse ideal de felicidade que tenta nos poupar de tudo o que é ruim.”, 2019

42 J.P MAIO 2021

“Eu casei várias vezes. Acho a monogamia mais interessante do que ter muitas aventuras amorosas. Uma relação é uma coisa tão delicada que é mais interessante se dedicar a ela enquanto dure do que ter um monte de aventuras que, no geral, são bastante chatas e rasas. O problema é colocar no casamento todas as nossas expectativas. E forçar o outro a ser aquela coisa que você sempre quis, mesmo que isso não tenha nada a ver com ele. Deveríamos baixar nossas expectativas.” , 2015

FOTOSMAX CALLIGARIS/ARQUIVO PESSOAL; GETTYIMAGES

“Meu ideal de vida é a variedade e a intensidade das experiências, sejam elas alegres ou penosas. Há indivíduos que pedem para ser medicados preventivamente, de maneira a evitar a dor de um luto iminente. É o contrário do que eu valorizo [...]”, 2011


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