ENTRE LENÇÓIS POR ROBERTA SENDACZ
Às vezes tendemos a achar o mundo dividido entre Oriente e Ocidente. Isso é bom: um diferencial, e vale a diferença sempre circunscrita no geral, no entorno, atuando com ou contra ele. Essa moldura do entorno se chama transgressão. Ou se transgride ou não. Assim, qualifica-se um perto ou um longe do outro. Porém, existe aquilo que chamamos de universalidade, o que aproxima os dois mundos, diminuindo suas diferenças ou não. Vamos acioná-la por ora. O universal, a exemplo do tema deste mês, trata de um casal heterossexual praticando sexo masoquista como se vê em vários filmes: Romance, Lies, Baise-moi. Talvez alguma cena de Império dos Sentidos, de acordo com Tanya Krzywinska em Sex and the Cinema, e de Os Idiotas, de Lars Von Trier. Este último mostra pessoas desajeitadas na sociedade vivendo papéis de outsiders. Já o filme sul-coreano Lies (1999/2000) começa com a aproximação de um casal que se conhece pelo telefone. A partir daí, são 90 minutos de sexo sadomasoquista: abrem uma maleta cheia de chicotes e se divertem no que, para nós, parece ser loucura. Acham-se malucos, pois não conseguem cessar a atividade. E mais: quando decidem se separar por exaustão, e não há sentimento entre eles, a personagem feminina conta que irá para o Brasil. Que loucura! Como poderíamos afirmar, há a “comunhão dos corpos”, de acordo com o filósofo francês Georges Bataille. Estão envolvidos na rela-
ção material dos corpos. Não existe o amor e a cabeça, portanto. O corpo é estéril. Em volta deles, o universal talvez: muitos vivem o sadomasoquismo. E aí aparece Marquês de Sade como referência dos mundos. No Oriente e no Ocidente surge esse casal estilo sadeano. Existem vários filmes que se remetem a Sade. O próprio Salò, ou 120 dias de Sodoma, de Pier Paolo Pasolini. Como em Lies, trata-se de um longa de arte e da estetização do sexo. É um filme, e não uma peça teatral filmada, mas crua. Por um momento, assistimos também a Filme de Amor (colorido), de Júlio Bressane. Nele, não há os chicotes, porém, estão interiorizados na cabeça dos personagens. Amigos fechados num apartamento discutindo e praticando “exercícios” isolados da sociedade. Em Lies são também personagens comuns, como uma estudante de 18 anos e um escultor de 38 anos, que não se desgrudam. No filme de Bressane existe a manicure, a ascensorista, tudo para trivializar o tema. Lies, do diretor Jang Sun-woo, foi para o Festival de Toronto, porém pouco se vê dele na internet. Se você me perguntar o porquê do título, direi que é a correlação entre os pensamentos deles. A mentira é aquilo que vivem num antiamor. A realidade é o que chove nos desencontros do sexo. Vai entender.. . Vi esse filme em Paris. Entrei no cinema sozinha. Fiquei com medo de apanhar (risos). n
ROBERTA SENDACZ É JORNALISTA, MAS SE ENCONTROU NA FILOSOFIA. GOSTA DE EXPERIMENTAR TUDO O QUE FICA VELADO
48 J.P MAIO 2021
FOTO FERNANDO TORRES; ARTE ISABELLE TUCHBAND
Sadomasoquismo sul-coreano