5 minute read

DOUTORA DE HOSPITAL

Next Article
POLE POSITION

POLE POSITION

Primeira CEO mulher do setor hospitalar brasileiro, a engenheira Denise Santos tenta fazer da Beneficência Portuguesa, agora BP, marca de referência. Ter tirado a operação da UTI sem demissões foi seu cartão de visitas

POR PAULO VIEIRA FOTOS JOÃO LEOCI

Advertisement

Uma franquia do Starbucks é tudo o que não se espera encontrar na entrada da Beneficência Portuguesa, o mastodôntico hospital de São Paulo com mais de mil leitos que este ano completa 159 anos. Mas o café está ali desde 2015, marcando visualmente a profunda mudança que ocorre na veneranda instituição. Ela passa, para usar o jargão administrativo, por um ‘‘reposicionamento”.

A ideia é que a BP, seu novo nome, deixe de ser vista como uma espécie de Santa Casa – um desses lugares que todos concordamos que deve existir, mas de que preferimos passar longe – e mais como um Einstein. Trata-se de um “polo de saúde”, como se diz por lá, com marcas diversas para especialidades e públicos diversos, inclusive para o povo “premium”. Para tocar a transformação contratou-se, no começo da década, uma gestão profissionalizada, egressa do mercado, cuja primeira missão, na verdade, foi bem mais pé no chão: fazer a BP, que segue sendo uma entidade filantrópica, sair do vermelho.

O azul veio com a chegada de Denise Santos, convidada por Rubens Ermírio de Moraes, sucessor do pai, o empresário Antônio Ermírio, na presidência da BP, a assumir o cargo de CEO em 2013. A executiva havia se tornado a primeira mulher CEO do setor hospitalar do Brasil na São Luiz, onde ficou de 2008 a 2011, quando a empresa foi comprada pela Rede D’Or.

A engenheira formada pela FEI, uma palmeirense de 50 anos recém-completados, mãe de um garoto de 7 anos e que forjou sua carreira executiva dentro da Siemens, chegou à entidade, portanto, com a tarefa de reverter o resultado negativo que demandava aportes privados dos benfeitores e, ao mesmo tempo, de implantar os processos de gestão com vistas a modernizar e reposi

cionar a BP. Trocar não um pneu, mas talvez os quatro com o carro andando. Sem lançar mão de downsizings, segundo ela, de cara comandou a revisão de todos os contratos, fossem eles com clientes (operadores de convênios e agentes públicos), fossem com fornecedores. Além disso, fez o basicão ao unificar RHs e TIs e evitar que a área de suprimentos de cada unidade seguisse atuando isoladamente e gastando além do razoável, sem os descontos que um único grande comprador conseguiria.

Com tudo isso, a entrega veio: o Ebtida deixou de piorar em 2014, tornou-se positivo em 2015, dobrou no ano seguinte e cresceu 50% de 2016 para 2017.

Administrar um hospital não é tarefa das mais simples. “Mexo com vidas o tempo inteiro, a qualidade de atendimento ao público é mandatória. Além disso, quase todas as profissões trabalham na BP, é um mini Brasil. Digo que aqui 4% do país lidera os outros 96%. Todas as questões sociais estão no ambiente hospitalar”, falou a PODER.

Hospital é também negócio de capital intensivo – o custo de manutenção, em 2017, ficou em R$ 100 mi

A sede da nova BP, a velha Beneficência, em São Paulo lhões –, e isso significa ter um planejamento azeitadíssimo para que as coisas não falhem nem por um minuto. O superávit é reaplicado lá dentro, mas é preciso mais combustível que o lucro de R$ 3 milhões de 2017 para sequer arranhar os objetivos propostos. Pois não basta deixar a BP atraente para públicos com muita ou nenhuma grana. É preciso fazê-la existir por “mais 160 anos pelo menos”, como disse Denise a PODER. Para isso, a saída é torná-la capaz de dropar na onda tecnológica que impacta a área de saúde.

Muito dinheiro vem sendo aplicado na BP. Só em 2017 foram R$ 114 milhões, fração dos R$ 750 milhões previstos para os próximos dez anos. Grande parte disso em infraestrutura, como na construção de salas para endoscopia ou no reaparelhamento da pediatria; outro tanto vai para tecnologia. Uma das estrelas do Mirante, a marca “premium” da casa, é o robô Da Vinci Xi, que realiza cirurgias minimamente invasivas. Com os custos de instalação, bateu nos R$ 15 milhões.

O robô pode ser a imagem fofa dos likes, mas a verdadeira ideia de um hospital de ponta tem muito menos

“O paciente conta toda sua vida no Facebook, mas não revela suas informações de saúde para o convênio”

glamour, e passa pela digitalização de todos os prontuários e prescrições médicas, um trabalho de Hércules que foi feito nos últimos três anos e que inclui a instalação de notebooks em carrinhos e o uso de softwares para evitar, por exemplo, que pacientes sofram reações alérgicas por tomar remédios inadequados. Mas saúde, de qualquer forma, é uma das áreas mais impactadas pela tecnologia, e tomar essas providências, jogar a massa de dados gerada na nuvem e ter um sistema robusto para evitar ciber ataques já não basta. Denise acha que, se a tecnologia é abundante hoje em dia, há por outro lado um déficit de gestão na área de saúde, notadamente na gestão pública, o que impede que a ficha médica de um paciente possa ser consultada por instituições e profissionais diversos, o que implicaria menos retrabalho e, principalmente, menos exames. Mas ressalva que a questão é cultural e passa por uma mudança de hábitos do consumidor. “O paciente conta toda sua vida e mais um pouco no Facebook, mas não revela suas informações de saúde ao convênio.”

Tecnologia, contudo, nem sempre é sinônimo de inovação, mas na BP há também inovação envolvida. Um dos projetos mais instigantes foi aplicado com o próprio público interno de 7.500 funcionários do hospital antes de ser oferecido à população via operadores de saúde. Trata-se de acompanhar o paciente antes de sua chegada à BP e também depois da partida. Na primeira parte, um médico de família já promove uma senhora triagem, evitando, na imagem de Denise, “que uma dor de cabeça entupa o pronto-socorro”. Ao fim faz-se controle do uso da medicação. Há ainda ênfase em prevenção. Entre seus colaboradores, segundo ela, caiu em 20% a taxa de sinistralidade – quando o sujeito dá um perdido no trabalho por razões médicas.

A consequência natural disso seria o esvaziamento dos hospitais, o que seria bastante temerário para quem administra um. Ainda que na BP ela não tenha de gerar dividendo para investidores, Denise rejeita o paradoxo: “Se estivesse em qualquer outro hospital privado e não aqui, pensaria do mesmo jeito”. n

This article is from: