Revista Poder | Edição 122

Page 80

TREINAMENTO CORPORATIVO

CONFLITO SEM CONFRONTO “S

ou vítima do meu próprio sucesso.” Foi com essa frase e em tom de desabafo que o CEO de uma grande multinacional me confidenciou o que gostaria de “trabalhar” em si. Ele vocalizava sua grande perícia em harmonizar interesses por uma agenda comum. Mas o que um dia foi remédio virou veneno. A habilidade foi sendo exigida ao extremo, o que o obrigou a quase silenciar sobre temas que precisava costurar – e opinar. E então, ao perceber esse movimento, um sentimento de frustração apareceu, acompanhado de uma baixa autoestima que influenciava sua performance. Para piorar, ele levava essa característica também para a vida pessoal. Se queria ir a um restaurante italiano, mas a esposa preferia um japonês, eles iam ao japonês. Se um filme de ação chamava sua atenção, mas a

78 PODER JOYCE PASCOWITCH

mulher escolhia um de arte, lá ia ele para o cinema indicado pela mulher. O leitor pode achar o sujeito perdido, sem expressão ou voz, mas não era o caso. Ao contrário. Era bem-sucedido na empresa e no casamento. Acontece que, além da frustração por não impor suas ideias, percebeu que precisava partir para o conflito. Não só pelo seu bem-estar, mas também para obter resultados. Situações inusitadas, concorrentes novos, pressão por metas em situação adversa exigem as melhores ideias. Muitas delas aparecem justamente na diversidade de opiniões. Pode-se chegar ao conflito sem a necessidade do confronto. Não é pelo confronto que surgem alternativas e opiniões distintas. Devemos nos armar de perguntas, não do embate direto, o famoso fogo contra fogo. Interrogar é convidar à reflexão, ainda que momentânea. Indagar tem ainda

mais eficácia se às pergunas forem acopladas alternativas, ideias novas que devem ser apresentadas de forma sutil e engajadora. No caso do CEO em questão, a saída foi praticar a nova competência em ambientes de menor risco: na vida pessoal. Fizemos o seguinte experimento: toda vez que a esposa optava por um restaurante diferente do seu, em vez de apenas concordar ou negar, ele apresentava outra alternativa em forma de pergunta. Assim, diante da escolha pela culinária japonesa da companheira, propunha: “Abriu um italiano ótimo de um chef renomado aqui perto, o que você acha?”. Perceba que ele não discordou ou bateu de frente, apenas propôs uma alternativa. Resultado: de cada dez eventos, convenceu a esposa em seis. Uma evolução para quem não dizia o que pensava. Depois ele levou a prática para o ambiente corporativo, em assuntos mais complexos, e os resultados foram parecidos. O que mudou para o CEO ao fim do processo foi um incremento da autoestima, performance e capacidade de gerar melhores ideias. Ativos importantes no trabalho e na vida. Conflitar é uma arte e adotar a prática de maneira sutil e mobilizadora, uma jornada quase eterna. Se abraçarmos a causa, os frutos aparecerão mais cedo do que pensamos. n Sergio Chaia é coach de CEOs e atletas de alto rendimento e faz mentoria na Endeavor. Ex-CEO da Nextel e da Sodexo, é autor do livro Será que É Possível? (ed. Integrare)

ILUSTRAÇÃO ISTOCKPHOTO.COM; FOTO ARQUIVO PESSOAL

por sergio chaia


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.