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CAPÍTULO IX - PLANOS E TRAMAS

CAPÍTULO IX

Planos e tramas

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No caminho para casa, Poliana fez planos felizes. No outro dia, de uma forma ou de outra, ela convenceria a Sra. Carew de acompanhá-la em um passeio no Jardim Público. Como faria isso, ela não sabia; mas tinha de fazer.

Dizer à Sra. Carew claramente que tinha encontrado Jamie e queria que ela fosse encontrá-lo estava fora de questão. Havia, é claro, uma pequena chance de que não fosse o Jamie dela; e se não fosse, se ela criasse falsas esperanças na Sra. Carew, o resultado poderia ser desastroso. Poliana sabia, pelo que Mary dissera, que a Sra. Carew já tinha ficado muito doente duas vezes pela grande decepção de seguir pistas promissoras que a levaram a um menino muito diferente do filho de sua irmã falecida. Então, Poliana não podia contar à Sra. Carew por que realmente queria que ela fosse ao Jardim Público com ela no dia seguinte. Mas tinha de ter uma forma, falou para si mesma, enquanto corria alegremente para casa.

No entanto, uma forte tempestade mudou o destino novamente; e só de olhar para fora na manhã seguinte Poliana notou que não haveria passeio no Jardim Público. Pior ainda, as nuvens não se dissiparam nos dois dias seguintes. Assim, a garota passou essas três tardes vagando de janela em janela, olhando para o céu e, ansiosa, questionando a todos: – Você não acha que o tempo vai clarear um pouquinho?

Esse comportamento era tão incomum da parte da alegre menina e o constante questionamento era tão irritante, que, por fim, a Sra. Carew perdeu a paciência:

– Tenha piedade, criança, qual é o problema? – gritou. – Não sabia que você se preocupava tanto com o clima. Onde está aquele seu maravilhoso Jogo do Contente hoje?

Poliana ficou vermelha e parecia envergonhada. – Nossa, acho que esqueci do jogo desta vez – admitiu. – É claro que há algo nisso tudo pelo que eu possa ficar feliz, se eu começar a procurar por isso. Eu posso ficar feliz porque... uma hora a chuva terá de parar, porque Deus disse que não enviaria outro dilúvio. Mesmo assim, eu queria que o dia estivesse bom hoje. – Por que hoje, especialmente? – Ah, eu... eu só queria ir caminhar no Jardim Público. – Poliana estava se esforçando para falar despreocupadamente. – Eu... eu pensei que talvez a senhora pudesse ir comigo. – Externamente, Poliana soava indiferente. Internamente, no entanto, estava cheia de empolgação e suspense. – ...Eu... caminhar no Jardim Público? – perguntou a Sra. Carew, com as sobrancelhas levemente erguidas. – Obrigada, mas acho que não – ela sorriu. – Ah, mas a senhora... não recusaria! – Poliana vacilou, em um rápido pânico. – Já recusei.

Poliana engoliu em seco, aflita. Ficou muito pálida. – Mas, Sra. Carew, por favor, por favor, não diga que não vai, quando o tempo melhorar – ela implorou. – Veja, por uma... uma razão especial, eu queria que a senhora fosse... comigo... só uma vez.

A Sra. Carew franziu a testa. Ela abriu a boca para tornar o “não” mais incisivo, mas algo nos olhos suplicantes de Poliana deve ter mudado suas palavras, pois, quando vieram, tinham uma aquiescência relutante. – Bem, bem, criança, você não tem jeito. Mas se eu prometer ir, você vai prometer não chegar perto da janela por uma hora, e não perguntar novamente se eu acho que o tempo vai clarear hoje. – Sim, eu vou... quero dizer, não vou – disse Poliana, palpitante. Então, quando um pálido feixe de luz, que era quase um raio de sol, surgiu pela janela, ela gritou de alegria: – Mas a senhora acha que vai... Ah! – ela parou desanimada e saiu correndo da sala.

Sem dúvida, a manhã seguinte surgiu mais “clara”. Mas, embora o sol brilhasse intensamente, havia um frio acentuado no ar e, à tarde, quando Poliana chegou da escola, ventava forte. Apesar dos protestos, ela insistiu que era um dia lindo, e que ficaria muito triste se a Sra. Carew não fosse passear no Jardim Público. E a Sra. Carew foi, ainda que protestando.

Como era de esperar, foi uma jornada infrutífera. Juntas, a mulher impaciente e a garotinha de olhos ansiosos apressaram-se a subir por um caminho e descer por outro. (Como não estava encontrando o menino no lugar habitual, Poliana estava fazendo uma busca frenética em todos os cantos do jardim. Para a garota, não estava certo. Ali estava ela no jardim, junto com a Sra. Carew, mas não via Jamie em nenhum lugar... e ainda não podia dizer nada para a Sra. Carew.) Por fim, completamente gelada e irritada, a Sra. Carew insistiu em ir embora; e Poliana, desesperada, foi.

Os próximos dias foram tristes para Poliana. O que para ela estava perigosamente próximo de um segundo dilúvio – mas, de acordo com a Sra. Carew, eram apenas “as chuvas usuais de outono” – trouxe uma série de dias úmidos, enevoados, frios e tristes, cheios de uma garoa sombria ou, ainda pior, um aguaceiro constante. Se eventualmente surgia um dia de sol, Poliana voava para o jardim; mas em vão. Jamie nunca estava lá. Já era meio de novembro e até o próprio jardim estava triste. As árvores estavam nuas, os bancos quase vazios, e nenhum barco flutuava na pequena lagoa. É verdade que os esquilos e pombos continuavam lá, e os pardais estavam mais atrevidos do que nunca, mas alimentá-los era mais uma tristeza do que uma alegria, pois cada movimento da cauda de Sir Lancelot trazia lembranças amargas do rapaz que tinha lhe dado esse nome... e não estava lá. – E pensar que não descobri onde ele morava! – lamentou Poliana várias vezes nos dias seguintes. – E era o Jamie... eu sei que era o Jamie. E agora tenho que esperar e esperar até a primavera chegar e fazer calor o suficiente para ele vir aqui de novo. E então, talvez, ...eu... não esteja mais em Boston. Nossa, nossa... e ele é o Jamie, eu sei que é o Jamie!

Então, em uma tarde triste, aconteceu o inesperado. Poliana, atravessando o corredor superior, ouviu vozes alteradas no corredor de baixo. Uma delas ela reconheceu, era de Mary, enquanto a outra... a outra...

A outra voz estava dizendo: – Nem pensar! Não é da sua conta. Entendeu? Eu quero ver a menina, a Poliana. Eu tenho uma mensagem para ela do... do Sir James. Agora corre, vai, e traga a menina, se não se importa.

Com um gritinho alegre, Poliana se virou e desceu a escada voando. – Ah, estou aqui, estou aqui, estou bem aqui! – chegou ofegante e tropeçando. – O que houve? Jamie mandou você?

Em sua empolgação, quase se jogou de braços abertos sobre o menino, mas Mary, chocada, a interceptou com a mão. – Senhorita Poliana, quer dizer que você conhece esse... esse mendigo?

O menino ficou vermelho de nervoso; mas, antes que pudesse falar, Poliana saiu em sua defesa de forma valente: – Ele não é um mendigo. Ele é amigo de um dos meus melhores amigos. Além disso, foi ele que me encontrou e me trouxe para casa quando me perdi. – Então, ela se voltou para o menino e perguntou, impulsiva: – O que houve? Jamie mandou você? – Claro que sim. Ele ficou de molho há um mês e não conseguiu mais sair. – Ele ficou... o quê? – Poliana perguntou, intrigada. – Ficou de molho... De cama. Ele está doente, quero dizer, e ele quer ver você. Você vem? – Doente? Ah, sinto muito! – lamentou Poliana. – Claro que vou. Vou pegar meu chapéu e meu casaco agora mesmo. – Senhorita Poliana! – disse Mary, ofegante, em severa desaprovação. – Até parece que a Sra. Carew vai deixar você ir a algum lugar com um garoto desconhecido! – Mas ele não é um garoto desconhecido – argumentou Poliana. – Eu o conheço há muito tempo e preciso ir. Eu...

– O que significa isso? – perguntou a Sra. Carew friamente da porta da sala de visitas. – Poliana, quem é esse garoto e o que ele está fazendo aqui?

Poliana se virou com um grito rápido. – Ah, Sra. Carew, a senhora vai me deixar ir, não vai? – Ir aonde? – Ver meu irmão, senhora – interrompeu o menino rapidamente, e esforçando-se para ser muito educado. – Ele não come, e não vai me deixar em paz até eu levá-la – apontando para Poliana com um gesto desajeitado. – Ele quer vê-la de qualquer jeito. – Eu posso ir, não posso? – implorou Poliana.

A Sra. Carew franziu a testa. – Ir com esse garoto... você? Certamente não, Poliana! Você está fora de si para pensar nisso por um só momento? – Ah, mas eu quero que a senhora venha também – começou Poliana. – Eu? Que absurdo, menina! É impossível. Você pode dar a esse menino um pouco de dinheiro, se quiser, mas... – Obrigado, senhora, mas eu não vim atrás de dinheiro – ressentiu-se o menino, com os olhos brilhando. – Eu vim por... ela. – Sim... e, Sra. Carew, ele é o Jerry... Jerry Murphy, o garoto que me encontrou quando eu estava perdida e me trouxe para casa – apelou Poliana. – Agora a senhora me deixa ir?

A Sra. Carew sacudiu a cabeça. – Nem pensar, Poliana. – Mas ele disse que o Ja... o outro garoto está doente e quer me ver! Não posso negar isso. Eu o conheço muito bem, Sra. Carew. De verdade. Ele lê livros... Livros adoráveis, todos cheios de cavaleiros, lordes e damas, e ele alimenta os pássaros, os esquilos e dá nomes a eles e tudo mais. Ele não consegue andar, e ele não tem o suficiente para comer muitas vezes – ofegou Poliana. – E ele está jogando meu Jogo do Contente há um ano e não sabia disso. Ele joga muito melhor do que eu. Eu estou procurando por ele faz tempo. Honesta e verdadeiramente, Sra. Carew, eu preciso vê-lo – disse Poliana, quase soluçando. – Não posso perdê-lo de novo!

Um rubor de raiva inflamava as bochechas da Sra. Carew. – Poliana, isso é pura tolice. Estou surpresa. Estou espantada com você por insistir em fazer algo que sabe que eu desaprovo. Eu não posso permitir que você vá com esse garoto. Agora, por favor, não quero ouvir mais nada sobre isso.

Uma nova expressão tomou o rosto de Poliana. Com um olhar meio aterrorizado, meio exaltado, ela ergueu a cabeça e encarou a Sra. Carew. De forma trêmula, mas com determinação, ela falou: – Então, vou ter que te contar. Eu não queria... até ter certeza. Eu queria que a senhora o visse primeiro. Mas agora tenho que contar. Eu não posso perdê-lo de novo! Eu acho, Sra. Carew, que ele é... o Jamie. – Jamie! Não... meu... Jamie! – O rosto da Sra. Carew empalideceu. – Sim. – Impossível! – Eu sei, mas, por favor, o nome dele é Jamie, e ele não sabe o sobrenome. O pai dele morreu quando ele tinha seis anos de idade, e ele não se lembra da mãe. Ele tem doze anos, ele acha. Essa família ficou com ele quando o pai morreu, e era um homem esquisito, que não dizia o nome dele a ninguém, e...

A Sra. Carew a interrompeu com um gesto. Ela estava ainda mais pálida do que antes, mas seus olhos ardiam com um fogo repentino. – Nós vamos imediatamente – disse ela. – Mary, diga ao Perkins para preparar o carro o mais rápido possível. Poliana, pegue seu chapéu e casaco. Rapaz, espere aqui, por favor. Estaremos prontas para ir com você imediatamente. – No minuto seguinte, ela subiu correndo as escadas.

No corredor, o menino deu um longo suspiro. – Caramba! – ele murmurou suavemente. – Vamos andar num carrão! Tenho que me comportar! Meu deus! O que Sir James vai dizer?

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