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CAPÍTULO XXVII - O DIA EM QUE POLIANA NÃO JOGOU

CAPÍTULO XXVII

O dia em que Poliana não jogou

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Eassim, um a um, os dias de inverno passaram. Janeiro e fevereiro foram de neve e granizo, e março veio com um vendaval que assobiava e gemia ao redor da velha casa. As cortinas soltas balançavam e os portões rangiam testando os nervos já tensionados até o limite.

Nos últimos tempos, Poliana não estava achando muito fácil jogar o jogo, mas brincava fiel e valentemente. Tia Poli de fato não estava jogando... o que sem dúvida não tornava nada mais fácil para Poliana. Sua tia estava deprimida e desanimada. Ela também não estava bem, e havia se rendido a uma profunda tristeza.

A garota ainda contava com o concurso de contos. Havia desistido do primeiro prêmio e já aceitava um dos menores. Poliana havia escrito mais histórias, mas a frequência com que elas eram recusadas pelos editores de revistas estava começando a abalar sua fé em seu sucesso como autora.

“Ah, bem, posso ficar feliz porque tia Poli ainda não sabe nada sobre isso”, declarou bravamente para si mesma, enquanto amassava entre os dedos a carta com a recusa e os agradecimentos de mais uma história negada. “Ela não precisa se preocupar com isso... já que ela não sabe!”

Sua vida naqueles dias girava em torno de sua tia, e é improvável que a Sra. Chilton tenha percebido o quanto mudara e como sua

sobrinha lhe dedicava a própria vida. Foi em um dia particularmente sombrio de março que as coisas chegaram ao ápice. Ao se levantar, Poliana olhou para o céu com um suspiro... tia Poli era sempre mais difícil em dias nublados. Cantando uma pequena canção, embora parecesse um pouco forçado, ela desceu até a cozinha e começou a preparar o café da manhã.

“Acho que vou fazer bolinhos de fubá”, confidenciou ao fogão. “Assim, talvez a tia Poli não se preocupe... com outras coisas.”

Meia hora depois, ela bateu na porta da tia. – Em pé tão cedo? Que bom! E arrumou o cabelo! – Eu não conseguia dormir. Tive que levantar – suspirou tia Poli, cansada. – Tive que arrumar o meu cabelo também. Você não estava aqui. – Mas não sabia que já tinha acordado – logo explicou Poliana. – Não tem problema. Ficará feliz por eu não estar aqui quando descobrir o que eu estava fazendo. – Bem, eu não deveria... não esta manhã – tia Poli franziu a testa. – Quem poderia ficar feliz esta manhã? Olhe essa chuva! É a terceira vez esta semana. – É mesmo... mas o sol sempre volta tão perfeitamente bonito depois de muita chuva assim – sorriu Poliana, arrumando habilmente um pouco da renda e fita no pescoço da tia. – Agora venha. O café da manhã está pronto. Espere até ver o que eu fiz para você.

No entanto, sua tia não queria distração nessa manhã, nem mesmo com bolinhos de fubá. Nada estava certo, nada era sequer suportável para ela. A paciência de Poliana foi duramente testada antes que a refeição terminasse. Para piorar a situação, o telhado da janela do sótão da ala leste estava com goteira e havia chegado uma carta desagradável. Fiel ao seu credo, Poliana disse com rispidez que, de sua parte, estava feliz por terem um teto... mesmo com a goteira. E quanto a carta, ela já a estava esperando fazia uma semana. Estava realmente feliz por não ter que se preocupar mais com isso. A carta não poderia chegar agora, porque já havia chegado; e estava feito.

Tudo isso, mais outros contratempos e aborrecimentos, atrasou o trabalho matutino habitual até a tarde... algo que sempre foi muito

desagradável para a metódica tia Poli, que organizava a própria vida, de preferência, sincronizada com o relógio. – Mas já são três e meia, Poliana! Sabia disso? – irritou-se, por fim. – Você ainda não arrumou as camas. – Não, querida, mas eu vou. Não se preocupe. – Não ouviu o que eu disse? Olhe o relógio, criança. Já passou das três horas! – Sim, mas não tem problema, tia. Podemos ficar contentes por não ter passado das quatro.

Tia Poli fungou com seu desdém. – Suponho que você consiga – observou acidamente.

Poliana riu. – Veja, titia, relógios são coisas ótimas, quando você para de pensar neles. Descobri isso há muito tempo no hospital. Quando eu estava fazendo algo de que gostava, e não queria que o tempo passasse rápido, olhava para o ponteiro das horas, e sentia como se tivesse muito tempo... as horas passavam tão devagar. Outros dias, quando eu tinha que aguentar algo que doía por muito tempo, eu ficava olhando o ponteiro dos segundos, e eu sentia como se o tempo estivesse me ajudando, correndo o mais rápido que podia. Hoje estou olhando para o ponteiro das horas, porque não quero que o tempo passe rápido. Entende? – ela piscou maliciosamente, enquanto se apressava saindo do quarto, antes que sua tia tivesse tempo de responder.

Sem dúvida foi um dia difícil e, à noite, Poliana parecia pálida e cansada, o que também era motivo de preocupação para sua tia. – Minha filha querida, você parece morta de cansada! – ela se irritou. – Não sei o que vamos fazer. Acho que vai ficar doente! – Bobagem, titia! Não estou nem um pouco doente – declarou Poliana, jogando-se no sofá com um suspiro. – Mas eu estou cansada. Minha nossa! Como é bom este sofá! Estou feliz por estar cansada, afinal de contas... é tão bom descansar.

Tia Poli se virou com um gesto impaciente. – Feliz... feliz... feliz! Claro que você está feliz, Poliana. Você está sempre feliz por tudo. Eu nunca vi uma garota assim. Ah, sim,

eu sei que é o jogo – ela continuou, em resposta à expressão que tomou o rosto de Poliana. – É um jogo muito bom, mas acho que você leva isso longe demais. Essa doutrina eterna de “poderia ser pior” me dá nos nervos, Poliana. Honestamente, seria um alívio se você não estivesse feliz por algo um dia ao menos! – Como? – Poliana se levantou ereta. – Seria. Apenas tente em algum momento e veja. – Mas, titia, eu... – Poliana parou e olhou para a tia, pensativa. Uma expressão estranha surgiu em seus olhos e um lento sorriso curvou seus lábios. A Sra. Chilton voltou ao trabalho e não prestou atenção. Um minuto depois, Poliana se deitou no sofá sem terminar a frase, com o sorriso curioso ainda nos lábios.

Estava chovendo novamente na manhã seguinte, e um vento nordeste ainda assobiava pela chaminé. Na janela, Poliana deu um suspiro involuntário, mas quase de imediato seu rosto mudou. – Estou tão feliz... – bateu as mãos nos lábios. – Nossa – ela riu baixinho, com os olhos dançando. – Não posso esquecer... senão vou estragar tudo! Não posso ficar contente por nada hoje... por nada.

Poliana não fez bolinhos de fubá naquela manhã. Ela começou o café da manhã, então foi para o quarto de sua tia.

A Sra. Chilton ainda estava na cama. – Está chovendo, como de costume – observou ela, a título de saudação. – Sim, é horrível... perfeitamente horrível – repreendeu Poliana. – Choveu quase todos os dias esta semana. Odeio esse tempo.

Tia Poli se virou com uma leve surpresa nos olhos; mas Poliana estava olhando para o outro lado. – Vai se levantar agora? – ela perguntou, um pouco cansada. – Ora, s-sim – murmurou tia Poli, ainda com aquela leve surpresa em seus olhos. – O que foi, Poliana? Está muito cansada? – Sim, estou cansada esta manhã. E também não dormi muito bem. Detesto quando não durmo bem. Algumas coisas sempre me atormentam quando acordo no meio da noite. – Sei como é – irritou-se tia Poli. – Também não dormi nada depois das duas horas. E tem esse telhado! Como vamos consertar, me diga, se nunca para de chover? Conseguiu esvaziar os baldes?

– Ah, sim... e peguei outros. Tem uma goteira nova agora. – Mais uma! Vai pingar em tudo então!

Poliana abriu os lábios. Ela quase disse: “Bem, podemos ficar felizes em consertar tudo de uma vez, então”, quando de repente se lembrou de que não podia e disse: – Bem provável, titia. E acho que vai ser logo. Já temos bagunça o suficiente para um telhado inteiro, estou cansada disso! – Depois dessa, Poliana, com o rosto cuidadosamente afastado, virou-se e saiu do quarto sem dar a menor satisfação.

“É tão engraçado e tão... tão difícil, eu estou com medo de arrumar confusão”, ela sussurrou para si mesma ansiosamente, enquanto se apressava pelas escadas até a cozinha.

Atrás dela, tia Poli, no quarto, olhava com olhos novamente confusos.

Sua tia teve muitas oportunidades antes das seis para observar Poliana com olhos surpresos e questionadores. Nada dava certo com Poliana. O fogo não acendia, o vento soltou a cortina três vezes e ainda descobriram uma terceira goteira. O correio trouxe a Poliana uma carta que a fez chorar (mas, por mais que perguntasse, tia Poli não conseguiu saber por quê). Até o jantar deu errado, e inúmeras coisas aconteceram à tarde para que ela pudesse fazer comentários desanimados e desmotivadores.

Só quando havia passado mais da metade do dia, a surpresa dos olhos de tia Poli começou a se transformar em um olhar astuto de suspeita. Se Poliana percebeu, ela não deu nenhum sinal. Certamente não diminuiu sua irritação e descontentamento. Muito antes das seis horas, no entanto, a suspeita nos olhos de tia Poli tornou-se convicção, e levou seu questionamento intrigado a sua vergonhosa derrota. Mas, curiosamente, um novo olhar tomou o seu lugar, um olhar que era, na verdade, irônico. Por fim, depois de uma queixa particularmente dolorosa de Poliana, tia Poli ergueu as mãos com um gesto de desespero, rindo. – Já basta, já basta, criança! Eu desisto. Confesso que fui derrotada em meu próprio jogo. Você pode ficar... feliz por isso, se quiser... – terminou com um sorriso sombrio.

– Eu sei, tia, mas você disse... – começou Poliana com humildade. – Sim, sim, mas nunca direi novamente – interrompeu tia Poli, com ênfase. – Misericórdia, que dia foi esse! Eu jamais quero viver outro dia como esse. Ela hesitou, enrubesceu um pouco, depois continuou com evidente dificuldade: – Além disso, eu... eu quero que saiba que... que entendo que eu mesma não joguei o jogo... muito bem, ultimamente. Mas, depois disso, vou... tentar... onde está meu lenço? – ela terminou bruscamente, mexendo nas dobras de seu vestido.

Poliana ficou de pé e foi instantaneamente ao lado de sua tia. – Tia Poli, eu não quis dizer... foi apenas uma... uma brincadeira – ela tremeu em aflição. – Nunca pensei que encararia dessa maneira. – Claro que não – rebateu tia Poli, com toda a aspereza de uma mulher severa e reprimida que detesta cenas e sentimentos, e que tem um medo mortal de mostrar sua sensibilidade. – Acha que não sei o que você queria? Acha que, se eu soubesse que estava só tentando me dar uma lição, eu...eu... – mas os braços de Poliana a abraçaram forte, e ela não conseguiu terminar a frase.

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