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CAPÍTULO XXIV - JIMMY ACORDA

CAPÍTULO XXIV

Jimmy acorda

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Aparentemente, a viagem ao acampamento foi considerada um grande sucesso, mas na verdade...

Às vezes, Poliana se perguntava se o problema era ela, ou se realmente havia um constrangimento indefinível de todos. Ela sentiu isso, e achou que os outros também tinham sentido o mesmo. Quanto à causa disso tudo... sem hesitar, atribuiu ao último dia no acampamento e ao infeliz passeio ao lago.

Na verdade, ela e Jimmy alcançaram facilmente Jamie e, depois de muita insistência, convenceram-no a ir ao lago com eles. Apesar dos esforços evidentes de todos para agir como se nada tivesse acontecido, ninguém conseguiu. Poliana, Jamie e Jimmy exageraram um pouco, talvez. Os outros, embora não soubessem exatamente o que havia acontecido, sentiram que algo estava errado, mas tentavam claramente esconder isso. Desse modo, a felicidade relaxante tinha acabado. Até mesmo o peixe previsto para o jantar estava sem gosto. No início da tarde, todos voltaram para o acampamento.

Ao voltar para casa, Poliana esperava que o episódio infeliz do touro bravo fosse esquecido. Mas não conseguia, e, assim, não podia culpar os outros se não conseguissem também. Toda vez que olhava para Jamie, se lembrava do ocorrido. Ela relembrou a agonia em seu rosto, a mancha avermelhada nas palmas das mãos. Ela sofria por ele, e, desse modo, sua presença se tornara uma dor para ela. Com remorso, confessou a si mesma que não gostava mais da companhia

de Jamie, nem de falar com ele... Mas isso não queria dizer que não estivesse sempre com ele. Na verdade, estava com ele com muito mais frequência do que antes. Sentia tanto remorso, e tinha medo de que ele percebesse seu infeliz estado de espírito, que não deixava de retribuir a suas demonstrações de carinho. Às vezes ela mesma o procurava, mas não muito, pois, cada vez mais, Jamie parecia procurá-la em busca de companhia.

Para Poliana, a razão disso era o incidente do touro. Não que Jamie tenha dito isso. Ele nunca o fez. Ele estava, também, mais alegre do que de costume. Mas para Poliana parecia que havia uma amargura por trás de tudo aquilo que não havia antes. Às vezes, parecia que ele evitava os outros, e suspirava de alívio quando se via a sós com ela. Ela achava que sabia o porquê disso, depois do que ele lhe disse um dia, enquanto observavam os outros jogarem tênis: – Veja, Poliana, ninguém entende da mesma forma que você. – Entender o quê? – Poliana não sabia o que ele queria dizer, a princípio. Eles estavam assistindo ao jogo havia cinco minutos sem dizer uma palavra sequer. – Sim, uma vez você também ficou sem poder andar. – Sim, eu sei – hesitou Poliana. Ela sabia que sua angústia transpareceu em seu rosto, pois depressa e alegremente ele mudou de assunto, depois de rir: – Poliana, por que você não me diz para jogar o jogo? Eu diria se estivesse no seu lugar. Esqueça, por favor. Fui rude por te deixar assim!

E Poliana sorriu, e disse: – Não, não... claro que não!

Mas ela não “esqueceu”. Não conseguia. E tudo isso a deixou ainda mais ansiosa por estar com Jamie e ajudá-lo o máximo que podia.

“A partir de agora vou mostrar a ele que só fico feliz quando ele está comigo!”, ela pensou fervorosamente, enquanto se apressava para jogar.

Poliana, no entanto, não foi a única no grupo a sentir o constrangimento. Jimmy Pendleton também, embora tentasse não demonstrar.

Jimmy não estava feliz nos últimos dias. De um jovem descuidado e de visões destemidas e até então intransponíveis, tornou-se

um jovem ansioso com medo de perder a moça que amava para o temido rival.

Jimmy sabia muito bem que estava apaixonado por Poliana. Ele já suspeitava disso havia algum tempo. Na verdade, espantou-se por ter ficado tão abalado e impotente diante daquela situação. Ele sabia que até mesmo seus grandes projetos de pontes de nada adiantariam comparados ao sorriso nos olhos e à palavra nos lábios de uma garota. Ele percebeu que o mais maravilhoso no mundo para ele seria atravessar o abismo de medo e dúvida que sentia entre ele e Poliana... dúvida por causa de Poliana; medo por causa de Jamie.

Até o dia em que Poliana ficou em perigo, não havia percebido como o mundo seria vazio sem ela. Até correr para a segurança com Poliana em seus braços, ele não havia percebido como ela era preciosa para ele. Por um momento, com os braços em volta dela e os dela agarrados ao seu pescoço, sentiu que Poliana era, de fato, dele. Mesmo naquele momento extremo de perigo, ele soube o que é a suprema felicidade. Então, um pouco depois, viu o rosto e as mãos de Jamie, o que significou apenas uma coisa para ele: Jamie também amava Poliana, e Jamie teve que ficar de braços cruzados, impotente... “preso a um par de muletas”. Foi o que ele disse. Jimmy entendia, pois, no lugar dele, teria sentido o mesmo.

Naquele dia, Jimmy voltou ao acampamento com os pensamentos em um turbilhão de medo e revolta. Ele se perguntava se Poliana se interessava por Jamie. Era isso que lhe dava medo. Mas mesmo que se interessasse um pouco, ele deveria ficar de lado, impotente, sem lutar, e deixar que Jamie a ensinasse a gostar mais dele? Foi aí que a revolta começou. Na verdade, não, ele não faria isso, decidiu. Deveria ser uma luta justa entre eles.

Então, como estava sozinho, Jimmy enrubesceu até as raízes do cabelo. Seria uma luta “justa”? Uma luta entre os dois poderia ser “justa”? De repente, Jimmy teve o mesmo sentimento de anos antes. Ainda menino, desafiara um novo garoto por causa de uma maçã que ambos queriam. Mas logo descobriu que o garoto tinha problema em um dos braços. Ele deixou o garoto vencer de propósito. Mas disse a si mesmo, veementemente, que agora seria diferente. Não era

uma maçã que estava em jogo. Era sua felicidade. Poderia ser a felicidade de Poliana também. Talvez ela não se interessasse por Jamie, mas sim pelo seu amigo Jimmy, se ao menos mostrasse algo. E ele iria mostrar. Ele iria...

Mais uma vez, sentiu o rosto arder. Franziu a testa, irritado: se ao menos pudesse esquecer a expressão de Jamie ao dizer que vivia “preso a um par de muletas!”. Se ao menos... mas para quê? Não era uma luta justa, e ele sabia disso. Então soube que decisão tomar: observaria e esperaria. Ele daria a Jamie uma chance. Se Poliana mostrasse interesse, ele se afastaria dos dois. E eles nunca deveriam saber, nenhum deles, o quanto estaria sofrendo. Ele voltaria para suas pontes... como se qualquer ponte, ainda que levasse à própria Lua, pudesse se comparar por um momento com Poliana! Mas ele faria isso. Ele tinha de fazer isso.

Foi bom e heroico para Jimmy. Ele se sentiu tão exaltado, que foi atingido por algo que era quase felicidade, quando finalmente caiu no sono naquela noite. Mas o martírio difere muito na teoria e na prática, como os mártires descobriram desde tempos remotos. Era fácil decidir sozinho e no escuro que ele daria a Jamie uma chance. Mas era bem diferente fazê-lo quando isso envolvia ter de ver Poliana e Jamie juntos quase todas as vezes que os encontrava. Ele ainda se preocupava com a aparente atitude de Poliana em relação ao jovem. Para ele, parecia que ela realmente se interessava por Jamie, já que estava sempre tão atenta a seu bem-estar e ansiosa por sua companhia. Como se para resolver qualquer dúvida em sua cabeça, um dia Sadie Dean resolveu dizer algo sobre o assunto.

Eles estavam todos na quadra de tênis. Sadie estava sentada sozinha, quando Jimmy se aproximou dela. – Você é a próxima com a Poliana, não é? – ele perguntou.

Ela balançou a cabeça. – Poliana não vai mais jogar esta manhã. – Não vai? – Jimmy franziu a testa, contando que ele também jogaria com ela. – Por que não?

Por um breve minuto, Sadie Dean não respondeu. Então, com uma dificuldade evidente, disse:

– Ontem à noite, ela me disse que acha que estamos jogando muito e que isso não era gentil com... o Sr. Carew, pois ele não pode jogar. – Eu sei, mas... – Jimmy parou, impotente, franzindo a testa. No instante seguinte, ele sequer conseguiu começar a falar, surpreso com a tensão na voz de Sadie Dean: – Mas ele não quer que ela pare. Ele não quer que nenhum de nós deixe de fazer algo por causa dele. É isso que o machuca tanto. Ela não entende. Ela não entende! Mas eu sim. Ela acha que entende!

Algo em suas palavras ou atitude causou uma pontada repentina no coração de Jimmy. Ele lançou um olhar penetrante no rosto dela. Uma pergunta voou para seus lábios. Por um momento ele a segurou. Depois, tentando esconder sua seriedade com um sorriso brincalhão, falou: – Senhorita Dean, está querendo dizer que há algum interesse especial um no outro... entre os dois?

Ela olhou de forma desdenhosa para ele. – Para onde você estava olhando? Ela o adora! Quero dizer... eles se adoram... – corrigiu apressadamente.

Jimmy, com um impulso inarticulado, virou-se e afastou-se abruptamente. Ele não confiava em si mesmo para continuar ali. Não queria mais falar com Sadie Dean. Tão de repente se virou, que não percebeu que Sadie também se virou com a mesma pressa, e começou a olhar para a grama a seus pés, como se tivesse perdido alguma coisa. Estava claro, ela também não queria mais falar.

Jimmy Pendleton tentou acreditar que não era verdade. Que tudo o que Sadie Dean dissera era besteira. Verdade ou não, ele não conseguia esquecer. Aquilo tingiu todos os seus pensamentos, e surgia diante de seus olhos como uma sombra sempre que via Poliana e Jamie juntos. Ele observou o rosto dos dois secretamente. Ouviu o tom de suas vozes. Chegou a pensar que, afinal, era verdade. Eles se adoravam. Seu coração, em consequência, pesou como chumbo dentro dele. Fiel à sua promessa, afastou-se resolutamente. A sorte estava lançada, disse a si mesmo. Poliana não era para ele.

Os dias seguintes foram desconfortáveis para Jimmy. Ele não se atrevia a ficar longe da propriedade dos Harrington, para que

ninguém suspeitasse de seu segredo. Estar com Poliana agora era uma tortura. Até mesmo com Sadie Dean era desagradável, pois ele não esquecia de que ela tinha lhe aberto os olhos. Jamie, certamente, também não era uma opção. Restava apenas a Sra. Carew. Na companhia dela Jimmy encontrou seu único conforto naqueles dias. Informal ou solene, ela sempre parecia saber exatamente como ajustar seu humor. Era maravilhoso o quanto ela conhecia sobre pontes... o tipo de pontes que ele iria construir. Ela era tão sábia também, e tão simpática, sabendo sempre a palavra certa a dizer. Um dia, quase contou a ela sobre o “pacote”, mas John Pendleton os interrompeu e ele teve de parar. Parecia que John Pendleton sempre os interrompia no momento errado. Mas, quando se lembrava do que ele fizera por Jimmy, sentia vergonha.

O “pacote” remontava à infância de Jimmy, e nunca fora mencionado a ninguém, exceto uma única vez a John Pendleton, quando foi adotado. O pacote não passava de um grande envelope branco, desgastado pelo tempo, e cheio de mistérios por trás de um enorme selo vermelho. Seu pai lhe dera, e ele trazia as seguintes instruções:

"Para meu garoto, Jimmy.

Não deve ser aberto até seu trigésimo aniversário, exceto na sua morte, quando deverá ser aberto imediatamente."

Houve momentos em que Jimmy especulou bastante sobre o conteúdo desse envelope. Em outros ele esqueceu que existia. Nos velhos tempos, no orfanato, seu maior medo era que o descobrissem e o tirassem dele. Naquela época, ele deixava sempre escondido no forro do casaco. Nos últimos anos, por sugestão de John Pendleton, ele guardou no cofre de casa. – Não sabemos se é valioso – John Pendleton disse, com um sorriso. – De qualquer forma, seu pai queria que você o guardasse, e nós não queremos correr o risco de perdê-lo. – Não, não gostaria de perder, é claro – Jimmy sorriu de volta, um pouco sóbrio. – Mas não estou preocupado se é valioso, senhor. Pobre papai, não tinha nada que fosse muito valioso, que eu me lembre.

Foi esse envelope que Jimmy chegou tão perto de mencionar à Sra. Carew um dia... se ao menos John Pendleton não os tivesse interrompido.

“Ainda assim, talvez seja melhor não contar a ela”, refletiu Jimmy depois, a caminho de casa. “Ela poderia ter pensado que papai escondia algo em sua vida que não era tão certo. Não gostaria que ela pensasse isso do papai.”

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