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CAPÍTULO XV - O RECEIO DE TIA POLI

CAPÍTULO XV

O receio de tia Poli

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Poliana já estava em casa havia cerca de uma semana quando a carta de Della Wetherby chegou à Sra. Chilton.

"Gostaria que a senhora soubesse o que sua pequena sobrinha fez pela minha irmã. Mas receio que não consigo lhe mostrar isso. A senhora teria que tê-la visto antes. A senhora a conheceu, com certeza, deve ter percebido a solidão e a tristeza em que ela se escondeu por tantos anos. Mas não pode ter ideia da amargura de seu coração, sua falta de objetivo e interesse, sua insistência no eterno luto.

Então, Poliana chegou. Provavelmente não lhe contei, mas minha irmã se arrependeu da promessa de recebê-la quase no mesmo minuto em que ela chegou. Então, ela fez a rígida exigência de que, no momento em que Poliana começasse a lhe dar sermões, a garota iria embora. Bem, ela não deu sermões... pelo menos minha irmã diz que não, e acredito nela. Ainda assim... deixe-me dizer o que aconteceu. Nada poderia lhe dar uma ideia melhor do que aquilo que a maravilhosa Poliana fez.

Para começar, quando me aproximei da casa, vi que quase todas as cortinas estavam levantadas: elas costumavam ficar fechadas... até o peitoril. Logo que entrei no corredor, ouvi uma música... “Parsifal”. As salas estavam abertas e o ar tinha o aroma adocicado de rosas. 'A Sra. Carew e seu Jamie estão na sala de música', disse a empregada. E lá os encontrei... minha irmã e o jovem que ela levou para casa, ouvindo um desses dispositivos modernos que conseguem armazenar uma companhia de ópera, incluindo a orquestra.

O menino estava em uma cadeira de rodas. Seu rosto estava pálido, mas claro e beatificamente feliz. Minha irmã parecia dez anos mais jovem. Suas bochechas geralmente sem cor mostravam um leve tom rosa, e seus olhos brilhavam e cintilavam. Um pouco mais tarde, depois de conversar alguns minutos com o garoto, minha irmã e eu subimos as escadas até seus aposentos. Lá ela falou comigo... sobre Jamie. Não sobre o velho Jamie, como costumava falar, com olhos lacrimejantes e suspiros sem esperança, mas do novo Jamie... e não havia suspiros nem lágrimas agora. Em vez disso, havia um interesse entusiasmado. 'Della, ele é maravilhoso', ela começou. 'Tudo o que há de melhor em música, arte e literatura parece atraí-lo de uma maneira perfeitamente maravilhosa, mas, é claro, ele precisa de desenvolvimento e treinamento. Eu vou providenciar isso. Um tutor está vindo amanhã. Claro que seu modo de falar é terrível; mas ele já leu tantos livros bons que seu vocabulário é bastante surpreendente... e você deveria ouvir as histórias que ele conta! Sua formação geral é muito deficiente, mas ele está ansioso para aprender. Como ele ama música, vou lhe oferecer um curso. Eu já fiz um estoque de discos muito bem selecionados. Queria que você tivesse visto o rosto dele quando ouviu pela primeira vez a música do Santo Graal. Ele sabe tudo sobre o Rei Arthur e a Távola Redonda, e tagarela sobre cavaleiros e lordes e damas como você e eu falamos sobre os membros de nossa família... Mas às vezes não sei se Sir Lancelot é o antigo cavaleiro ou um esquilo no Jardim Público. E, Della, acredito que ele possa andar. Vou pedir que o Dr. Ames o atenda...'

E ela falava, falava, enquanto eu ficava surpresa e com a voz embargada, mas, ah, tão feliz! Eu lhe conto tudo isso, querida Sra. Chilton, para que possa ver por si mesma como ela está interessada, quão ansiosamente ela acompanhará o crescimento e desenvolvimento desse menino, e como, apesar de tudo, isso mudará a atitude dela em relação à vida. É impossível ela fazer tudo isso por esse garoto, Jamie, e não fazer algo por si mesma também. Acredito que ela nunca mais será a mulher amarga e rabugenta de antes. E tudo por causa de Poliana.

Poliana! Querida criança... e a melhor parte é que ela não tem consciência de nada disso. Acho que nem mesmo minha irmã con-

segue perceber o que está acontecendo em seu coração e sua vida, e certamente Poliana também não... ela percebe menos ainda o papel que desempenhou nessa mudança.

Agora, querida Sra. Chilton, como posso te agradecer? Sei que não posso, então nem vou nem tentar. No entanto, em seu coração, acredito que saiba o quanto sou grata à senhora e a Poliana.

Della Wetherby."

– Bem, parece que a cura funcionou – sorriu o Dr. Chilton, quando sua esposa terminou de ler a carta para ele.

Para sua surpresa, ela ergueu rapidamente uma mão em advertência. – Thomas, não, por favor! – ela implorou. – Por quê, Poli, qual é o problema? Você não está feliz que... que o remédio funcionou?

A Sra. Chilton caiu desesperada de volta na cadeira. – Lá vem você de novo, Thomas – ela suspirou. – É claro que estou feliz que essa mulher tenha ignorado seus próprios erros e descoberto que ela pode ser útil para alguém. E é claro que estou feliz que Poliana tenha feito isso. Mas não me agrada que todos falem da Poliana como se fosse um... um frasco de remédio ou uma “cura”. Entende? – Bobagem! Afinal, que mal há nisso? Chamo Poliana de tônico desde que a conheci. – Que mal há nisso! Thomas Chilton, essa criança está crescendo. Você quer deixá-la mimada? Até agora ela está totalmente inconsciente de seu poder extraordinário. E esse é o segredo do seu sucesso. Quando ela conscientemente propuser a recuperar alguém, você sabe tão bem quanto eu que ela será simplesmente impossível. Que os céus não permitam que um dia ela perceba que é como uma cura para a pobre, doente e sofredora humanidade. – Imagine! Eu não me preocuparia – riu o médico. – Mas eu me preocupo, Thomas. – Poli, pense no que ela fez – argumentou o médico. – Pense na Sra. Snow e em John Pendleton, e em vários outros... ora, não são as

mesmas pessoas que costumavam ser, assim como a Sra. Carew. – E foi Poliana quem fez isso... que seja abençoada! – Eu sei – assentiu a Sra. Poli Chilton, enfaticamente. – Mas não quero que ela saiba o poder que tem! De certa forma, ela sabe. Ela sabe que os ensinou a jogar o Jogo do Contente e que eles são muito mais felizes agora. Mas tudo bem. É um jogo... o jogo dela, e eles estão jogando juntos. Admito que Poliana nos deu um dos sermões mais poderosos que já ouvi, mas quando ela souber disso... bem não quero que ela saiba. Isso é tudo. E agora, deixe-me dizer que decidi ir para a Alemanha com você neste outono. No começo, pensei em não ir. Não queria deixar Poliana de novo... e não vou deixá-la. Vou levá-la comigo. – Levá-la com a gente? Tudo bem! Por que não? – Eu preciso. É isso. Além disso, ficaria feliz em morar lá alguns anos, como você disse que gostaria. Quero tirar Poliana daqui, levá-la para bem longe de Beldingsville por um tempo. Gostaria de mantê-la amável e sem mimos, se eu puder. Assim, ela não criará ideias tolas na cabeça. Afinal, Thomas Chilton, não queremos que essa criança seja uma pequena intragável, certo? – Certamente não – riu o médico. Mas não acredito que isso poderia acontecer com ela. No entanto, essa ideia da Alemanha é ótima para mim. Você sabe que eu não queria voltar desta vez... se não fosse por Poliana. Então, quanto antes voltarmos para lá, mais satisfeito estarei. E gostaria de ficar por lá... para ganhar um pouco de prática, além de estudar. – Então está resolvido. – E tia Poli deu um suspiro satisfeito.

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