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CAPÍTULO XVIII - UMA QUESTÃO DE ADAPTAÇÃO

CAPÍTULO XVIII

Uma questão de adaptação

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Os primeiros dias em Beldingsville não foram fáceis para a Sra. Chilton e para Poliana. Foram dias de adaptação, o que raramente é fácil.

Depois da viagem e da empolgação da chegada, não era fácil ter de analisar o preço da manteiga e as contas atrasadas do açougue. Não era fácil trocar o tempo de dedicação a si mesma para concluir a próxima tarefa da casa. Amigos e vizinhos também as procuravam e, embora Poliana os recebesse com satisfação e cordialidade, a Sra. Chilton, quando possível, pedia licença. Ela sempre dizia amargamente para Poliana: – Curiosidade, suponho, para ver a aparência de Poli Harrington agora que está pobre.

A Sra. Chilton raramente falava do doutor, mas Poliana sabia muito bem que ele nunca saía de seus pensamentos e que sua taciturnidade era uma máscara para uma emoção mais profunda que ela não queria mostrar.

Poliana viu Jimmy Pendleton várias vezes no primeiro mês depois que chegou. No começo, ele foi com John Pendleton para uma conversa cerimoniosa... ou um tanto dura e cerimoniosa depois que tia Poli entrou na sala. Por alguma razão, ela não se desculpou nessa ocasião. Depois disso, Jimmy vinha sozinho, uma vez com flores, outra vez com um livro para tia Poli, duas vezes sem nenhuma desculpa. Poliana o acolheu sempre com verdadeiro prazer. Já tia Poli, depois da primeira vez, não o viu mais.

Para a maioria de seus amigos e conhecidos, Poliana falou pouco sobre sua atual situação. Para Jimmy, porém, ela falava livremente e seu choro era constante: – Se eu pudesse trabalhar para trazer algum dinheiro pra casa! Eu estou começando a me tornar a criatura mais interesseira que você já viu – riu tristemente. – Sempre calculava o preço de tudo em notas de dólares, agora conto as moedinhas. Tia Poli se sente muito pobre! – É uma pena! – disse Jimmy. – Eu sei. Mas, honestamente, acho que ela se sente mais pobre do que deveria... ela está muito preocupada com isso. Mas eu gostaria de poder ajudar!

Jimmy voltou seus olhos luminosos para o rosto melancólico e ansioso de Poliana, e seus próprios olhos se suavizaram. – O que gostaria de fazer... se você pudesse fazer algo? – ele perguntou. – Queria cozinhar e cuidar da casa – sorriu Poliana, com um suspiro pensativo. – Adoro bater ovos com açúcar, e ouvir o bicarbonato borbulhar sua pequena melodia na xícara de leite azedo. Fico feliz de passar o dia na cozinha. Mas não ganho dinheiro com isso... a não ser que trabalhasse na cozinha de outra pessoa, é claro. E eu... eu não adoro isso o suficiente para fazê-lo! – Acho que não – disparou o jovem.

Mais uma vez ele olhou para o expressivo rosto de Poliana. Desta vez, os cantos de sua boca tomaram uma forma estranha. Ele franziu os lábios, depois falou, com um lento rubor subindo em sua testa. – Você poderia... se casar. Já pensou nisso... senhorita Poliana?

Poliana deu uma risada alegre. A voz e a atitude eram inconfundivelmente as de uma garota praticamente intocada até mesmo pelas flechas de maior alcance de um cupido. – Ah, não, nunca vou me casar – ela disse alegremente. – Em primeiro lugar, não sou bonita; e em segundo lugar, vou morar com a tia Poli e cuidar dela. – Não é bonita, né? – sorriu Pendleton, intrigado. – Já pensou que alguém pode discordar disso?

Poliana sacudiu a cabeça. – Imagina. Eu tenho espelho – objetou, com um olhar alegre.

Ela parecia meio coquete. Em qualquer outra garota, teria sido um flerte, decidiu Pendleton. Mas, olhando para o rosto diante dele agora, ele sabia que não era. Ele também sabia por que Poliana parecia tão diferente de qualquer garota que ele já conhecera. Algo de sua antiga maneira literal de ver as coisas ainda se agarrava a ela. – Por que você não é bonita? – ele perguntou.

Depois da pergunta, com a certeza que tinha do caráter de Poliana, Pendleton prendeu a respiração com sua temeridade. Ele não pôde deixar de pensar na rapidez com que qualquer outra garota teria se magoado depois de sua aceitação implícita de que ela não era bela. Mas as primeiras palavras de Poliana lhe mostraram que esse receio não tinha razão de existir. – Porque não sou – ela riu, um pouco pesarosa. – Não nasci assim. Talvez você não se lembre, mas há muito tempo, quando eu era uma garotinha, eu achava que uma das coisas mais legais que eu poderia ganhar quando chegasse ao céu seriam cachos negros. – É o seu desejo agora também? – N-não, talvez não – hesitou Poliana. – Mas ainda gostaria. Além disso, meus cílios não são longos o suficiente, e meu nariz não é grego, ou romano, ou qualquer um daqueles estilos desejáveis. É só um nariz. E meu rosto é muito longo, ou muito curto, me esqueci. Uma vez medi para saber se me encaixava nos padrões de beleza, mas não deu certo. Segundo esses padrões, a largura do rosto deve ser igual a cinco olhos, e a largura dos olhos igual a... a outra coisa. Me esqueci disso também... e os meus não são. – Que cena triste! – riu Pendleton. – Então, admirando o rosto animado e os olhos expressivos da garota, ele perguntou: – Já se olhou no espelho quando está falando, Poliana? – Não, claro que não! – Tente, qualquer dia. – Que ideia boba! Imagine eu fazendo isso – riu a menina. – O que devo dizer? Assim? “Você, Poliana, se os seus cílios não são longos, e seu nariz é só um nariz, fique feliz por ter alguns cílios e um nariz!”

Pendleton se juntou em sua risada, mas uma expressão estranha veio ao seu rosto. – Então você ainda joga... o jogo – ele disse, um pouco timidamente.

Poliana voltou os olhos suaves de admiração para ele. – Claro! Não teria passado pelos últimos seis meses se não fosse esse abençoado jogo. – Sua voz tremeu um pouco. – Não ouvi você falar muito sobre isso – comentou.

Ela mudou de cor. – Eu sei. Acho que estou com medo de falar demais para pessoas de fora, que não se importam, sabe. Não seria o mesmo agora, aos vinte anos, como quando eu tinha dez anos. Entendi isso. As pessoas não gostam de receber sermão – ela terminou com um sorriso caprichoso. – Eu sei – concordou solenemente o jovem rapaz. – Mas me pergunto às vezes, Poliana, se você realmente entende o que é esse jogo, e o que ele fez para aqueles que o jogam. – Eu sei o que ele fez por mim.

Sua voz era baixa e seus olhos viraram para o outro lado. – Você percebe, realmente funciona, se você jogar – ele meditou em voz alta, após um breve silêncio. – Alguém disse uma vez que isso revolucionaria o mundo se todos realmente o jogassem. Eu acredito nisso. – Sim, mas algumas pessoas não querem – sorriu Poliana. – Encontrei um homem na Alemanha ano passado. Ele havia perdido dinheiro e, em geral, tinha muito azar. Ele estava tão triste! Alguém tentou animá-lo um dia dizendo: “Ora, ora, as coisas poderiam ser piores!”. Você tinha que ter ouvido aquele homem depois! “Se há algo no mundo que me deixa completamente maluco”, ele rosnou, “é me dizerem que as coisas podem ficar piores, e para eu ser grato pelo que ainda resta. Essas pessoas que andam por aí com um sorriso eterno no rosto dizendo que estão agradecidas por poderem respirar, comer, caminhar, ou dormir não têm utilidade. Eu não quero respirar, comer, andar ou dormir... se as coisas continuarem assim. Quando me dizem que eu deveria ser grato por alguma tolice dessas,

tenho vontade de dar tiro nessa pessoa!” Imagine se eu tivesse apresentado o Jogo do Contente para esse homem! – riu Poliana. – Não importa. Ele precisava – respondeu Jimmy. – Claro que precisava... mas ele não teria me agradecido por isso. – Acho que não. Mas, ouça! Do jeito que ele era, com aquela filosofia e esquema de vida, ele e todos em volta dele ficaram infelizes, não? Bem, suponha que ele jogasse o jogo. Enquanto estivesse tentando encontrar algo com que se alegrar, não poderia resmungar e rosnar a respeito de como as coisas são ruins e teria, assim, muito a ganhar. Seria muito mais fácil para ele e os amigos conviver com isso. Veja só, você pode pensar em uma rosquinha como uma coisa boa, em vez de pensar no buraco dela como um defeito. Afinal, ela pode ser o suficiente para matar a sua fome, mas sem fazer você passar mal. Não é fácil abraçar os problemas. Eles têm muitos espinhos.

Poliana sorriu apreciando o que escutava. – Isso me faz lembrar do que eu disse a uma pobre senhora uma vez. Ela era da caridade lá no oeste e parecia realmente gostar de ser infeliz e contar sobre seus infortúnios. Acho que eu tinha uns dez anos e estava tentando ensinar o jogo para ela. Mas não estava dando certo, mas percebi, afinal, o motivo e disse, triunfante, para ela: “Bem, de qualquer forma, a senhora pode ficar feliz por ter tantas coisas que a deixam infeliz, já que ama tanto ser infeliz!”. – E o que ela achou? – riu Jimmy.

Poliana levantou as sobrancelhas. – Acho que não gostou muito mais do que o homem na Alemanha, se eu tivesse dito a ele a mesma coisa. – Mas eles precisam aprender... – Pendleton parou de repente com uma expressão tão estranha no rosto, que Poliana olhou para ele surpresa. – Como assim, Jimmy? – Esquece, eu só estava pensando alto – respondeu, franzindo os lábios. – Estou te pedindo para fazer exatamente o que eu temia que você faria antes de te reencontrar. Estava com medo de que... que... – ele se atrapalhou em uma pausa indefesa, muito enrubescido.

– Bem, Jimmy Pendleton – refreou a garota –, nem pense em parar por aí, senhor. O que você quer dizer? – Ah, ahn... n... nada demais. – Estou esperando – murmurou Poliana. Sua voz e atitude eram calmas e confiantes, embora seus olhos brilhassem curiosos.

O jovem hesitou, olhou para o rosto sorridente de Poliana e rendeu-se: – Ah, bem, faça do seu jeito – ele deu de ombros. – Só estava preocupado... um pouco... com o jogo, com medo de que você fizesse como antes e... – Mas uma risada alegre o interrompeu. – Mas o que eu te disse? Até você estava preocupado, com medo de que eu fosse aos vinte anos exatamente o que eu era aos dez! – N-não, eu não quis dizer... Poliana, honestamente, eu pensei... é claro que eu sabia... – Mas Poliana apenas colocou as mãos nos ouvidos e começou a rir novamente.

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