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CAPÍTULO XX - OS HÓSPEDES PAGANTES

CAPÍTULO XX

Os hóspedes pagantes

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Os dias antes da chegada “daquelas pessoas terríveis”, como tia Poli chamava os convidados pagantes de sua sobrinha foram realmente agitados para Poliana... Mas eram felizes, pois ela se recusava a ficar cansada, ou desanimada, ou apreensiva, não importava quais problemas diários tivesse que enfrentar.

Com a ajuda de Nancy e sua irmã mais nova Betty, Poliana inspecionou sistematicamente a casa, cômodo por cômodo, para que seus futuros hóspedes tivessem todo conforto e comodidade. A Sra. Chilton não podia ajudar muito. Primeiro porque não estava bem. E também porque não via com bons olhos a ideia da sobrinha, já que o orgulho pelo nome dos Harrington se sobrepunha a qualquer coisa. Ela sempre murmurava: – Ah, Poliana, Poliana, nunca pensei que a propriedade dos Harrington chegaria a esse ponto! – Não é bem assim, querida – Poliana finalmente a acalmou, rindo. – São os Carew que estão chegando à propriedade dos Harrington!

Mas a Sra. Chilton não dava o braço a torcer, e respondia apenas com um olhar desdenhoso e um suspiro profundo. Assim, Poliana achou melhor deixá-la trilhar sozinha a sua estrada de decidida tristeza.

No dia marcado, Poliana e Timothy (que agora era o dono dos cavalos dos Harrington) foram à estação para esperar o trem da tarde. Até esse momento Poliana se mostrou confiante e feliz. Mas ao ouvir o apito do trem, foi tomada por um verdadeiro pânico, dúvida, timidez e desânimo. Ela percebeu de repente o que estava prestes a

fazer, quase sem ajuda. Ela se lembrava da riqueza, da posição e do gosto peculiar da Sra. Carew. Lembrou-se também que Jamie estaria diferente do garoto que conhecera, agora já seria um homem. Por um momento pensou apenas em fugir – para algum lugar, qualquer lugar. – Timothy, eu... não me sinto bem. Não estou bem. Eu... diga a eles para não irem... – ela hesitou, empinada como se fosse voar. – Senhora! – exclamou o assustado Timothy.

Um olhar para o rosto espantado de Timothy foi o suficiente. Poliana riu e jogou os ombros para trás, alerta. – Nada. Deixa pra lá! Eu não quis dizer isso, claro, Timothy. Veja! Eles estão chegando – ofegou. E correu até eles, como sempre.

Ela os reconheceu imediatamente. Mesmo que tivesse alguma dúvida, as muletas nas mãos do jovem alto de olhos castanhos teriam lhe dado a certeza de que eram realmente eles.

Houve alguns breves minutos de ansiosos apertos de mãos e exclamações incoerentes, e então, de alguma forma, ela se viu na carruagem com a Sra. Carew a seu lado, e Jamie e Sadie Dean na frente. Ela teve a chance, então, pela primeira vez, de realmente observar seus amigos e notar as mudanças que os seis anos lhes haviam promovido.

Em relação à Sra. Carew, seu primeiro sentimento foi de surpresa. Ela havia esquecido quão adorável ela era. Havia esquecido quão longos eram os cílios que protegiam olhos expressivos. Surpreendeu-se, com certa inveja, ao pensar em como aquele rosto perfeito atendia, detalhe a detalhe, aos padrões de beleza que conhecia. Mais do que qualquer outra coisa, ficou feliz por não notar os antigos aspectos de melancolia e amargura.

Então, ela se voltou para Jamie. Mais uma vez se surpreendeu, e pelo mesmo motivo. Jamie também ficara bonito. Poliana assumiu que realmente tinha uma aparência distinta. Seus olhos escuros, rosto pálido e cabelos negros e ondulados eram atraentes. Então, viu as muletas ao seu lado, e um espasmo de simpatia sentida apertou sua garganta.

De Jamie, Poliana se voltou para Sadie Dean.

Sadie, pelo que tinha notado até o momento, ainda se parecia muito com a moça que conhecera no Jardim Público naquele inverno. Mas não precisou de um segundo olhar para saber que seus cabelos, roupas, temperamento, fala e disposição eram de fato muito diferentes.

Então Jamie falou. – Foi muito bom você ter nos deixado vir – disse ele a Poliana. – Sabe o que pensei quando disse que poderíamos vir? – Não, n-não sei – gaguejou Poliana. Poliana ainda estava olhando para as muletas ao lado de Jamie, e sua garganta continuava apertada por aquele sentimento. – Bem, pensei na mocinha no Jardim Público com seu saco de amendoins para Sir Lancelot e Lady Guinevere, e sabia que você só estava nos colocando no lugar deles. Porque se tivesse um saco de amendoins e nós não, ficaria feliz em compartilhar conosco. – Um saco de amendoins, sim! – riu Poliana. – Mas, claro que, neste caso, seu saco de amendoins são quartos arejados no campo, leite de vaca e ovos caipiras – retrucou Jamie caprichosamente. – Mas a ideia é mesma. E talvez seja melhor avisá-la... você se lembra como Sir Lancelot era guloso... bem... – ele fez uma pausa significativa. – Tudo bem, assumo o risco – sorriu Poliana, pensando em como ela estava feliz por tia Poli não estar ali para ouvir suas piores previsões quase se concretizando. – Pobre Sir Lancelot! Será que alguém o alimenta agora, ou será que ainda está lá? – Se ele estiver lá, está sendo alimentado – interpôs a Sra. Carew, alegremente. – Esse menino bobo ainda vai lá pelo menos uma vez por semana com os bolsos cheios de amendoins e mais não sei o quê. Qualquer um pode achá-lo se seguir o rastro de pequenos grãos que deixa para trás. E geralmente, quando eu peço meu cereal no café da manhã, já acabou, porque “Seu Jamie usou para alimentar os pombos, senhora!”. – Sim, deixa eu lhe contar – intrometeu-se Jamie, entusiasmado. E no minuto seguinte Poliana se pegou ouvindo com todo o antigo fascínio a história de um casal de esquilos em um jardim ensolarado. Mais tarde, ela entendeu o que Della Wetherby disse em

sua carta, pois, quando chegaram a casa, foi um choque ver Jamie pegar as muletas e sair da carruagem com a ajuda delas. Ela percebeu, então, que por breves minutos ele a fizera esquecer de que tinha restrições físicas.

Para seu grande alívio, aquele primeiro temido encontro entre a tia Poli e a família Carew foi bem melhor do que ela esperava. Os recém-chegados estavam tão encantados com a antiga casa e tudo o que havia nela, que era impossível para a senhora proprietária daquele lugar continuar com sua resignação desaprovadora na presença deles. Além disso, como ficou evidente logo na primeira hora, o encanto pessoal e o magnetismo de Jamie haviam perfurado a armadura de desconfiança de tia Poli. Poliana já não precisava se preocupar com pelo menos um de seus problemas mais temidos. Sua tia já havia se transformado numa amável anfitriã.

Apesar de seu alívio com a mudança de atitude de sua tia, Poliana não achou que tudo estivesse tranquilo, de qualquer maneira. Havia muito trabalho a ser feito. A irmã de Nancy, Betty, era agradável e disposta, mas não era Nancy, como Poliana logo descobriu. Ela precisava aprender algumas coisas, o que tomava tempo. Poliana temia que tudo não estivesse plenamente bom. Para ela, naqueles dias, uma cadeira empoeirada era um crime, e um bolo solado, uma tragédia.

Aos poucos, depois de incessantes argumentos e pedidos da Sra. Carew e de Jamie, Poliana começou a relaxar e perceber que, para seus amigos, crime e tragédia mesmo não seria uma cadeira empoeirada ou um bolo solado, mas a preocupação e ansiedade no rosto da garota. – Como se não bastasse ter nos recebido aqui – declarou Jamie –, está se matando de trabalhar para que a gente possa comer. – Além do mais, não precisamos comer tanto – riu a Sra. Carew. – Ou teremos uma indigestão, como uma das minhas garotas diz quando a comida não lhe cai bem.

Foi maravilhosa a facilidade com que os três novos membros da família se encaixaram na rotina diária. Logo no primeiro dia, a Sra. Chilton fez perguntas realmente interessadas sobre o lar para meninas da Sra. Carew. E Sadie Dean e Jamie discutiam sobre a possibilidade de ajudar a descascar ervilhas ou colher flores.

Os Carew estavam havia uma semana na casa dos Harrington quando, uma noite, John Pendleton e Jimmy chegaram. Poliana já os esperava, tanto que os havia convidado bem antes de os Carew chegarem. Ela fez as apresentações com orgulho visível. – Vocês são tão bons amigos, que quero que se conheçam e sejam bons amigos também – explicou ela.

A surpresa de Jimmy e do Sr. Pendleton com o charme e a beleza da Sra. Carew não espantou Poliana nem um pouco. Mas a expressão que tomou conta do rosto da Sra. Carew ao ver Jimmy sim. Parecia que ela o estava reconhecendo. – Sr. Pendleton, já nos conhecemos? – a Sra. Carew disparou.

Os olhos francos de Jimmy encontraram o olhar da Sra. Carew de maneira direta e admirada. – Acho que não – sorriu de volta para ela. – Tenho certeza de que nunca a vi. Eu me lembraria se eu a tivesse conhecido... – ele se curvou.

Sua ênfase era tão inconfundível que todos riram e John Pendleton sorriu: – Muito bem, filho... para um jovem em sua tenra idade. Eu não teria feito melhor.

A Sra. Carew enrubesceu ligeiramente e se juntou ao riso. – Não, mas... – ela insistiu. – Brincadeiras à parte, certamente há algo muito familiar em seu rosto. Acho que já devo ter visto você em algum lugar, mesmo que não nos conheçamos. – Talvez sim – gritou Poliana. – Em Boston. Jimmy estuda na escola técnica durante os invernos. Ele vai construir pontes e represas quando estiver mais velho – ela terminou com um olhar alegre para o grande sujeito de um metro e oitenta ainda parado diante da Sra. Carew.

Todos riram novamente... Todo mundo menos Jamie. E só Sadie Dean notou que, em vez de rir, ele fechou os olhos como se algo o tivesse machucado. E só Sadie Dean sabia como e por que o assunto mudara tão rapidamente, pois foi ela mesmo que o fez. Também foi Sadie que, na primeira oportunidade, mencionou livros, flores, bichos e pássaros, que Jamie conhecia e compreendia, e não represas e pontes que – como ela sabia – Jamie nunca poderia construir. No

entanto, ninguém percebeu o que ela fez, nem mesmo Jamie, o mais preocupado com esse assunto.

Quando os Pendleton foram embora, a Sra. Carew referiu-se novamente à sensação curiosa de que já havia visto o jovem Pendleton em algum lugar. – Já, eu sei que já o vi em algum lugar – declarou, pensativa. – Pode ter sido em Boston, mas... – ela deixou a frase inacabada. E, depois de um minuto, acrescentou: – Ele é um bom rapaz, de qualquer forma. Gostei dele. – Estou tão feliz! Gosto dele também – concordou Poliana. – Sempre gostei do Jimmy. – Você o conhece há algum tempo, então? – perguntou Jamie, um pouco melancólico. – Ah, sim. Eu o conheci anos atrás quando eu era pequena. Ele era Jimmy Bean na época. – Jimmy Bean? Ele não é filho do senhor Pendleton? – perguntou a Sra. Carew, surpresa. – Não, ele foi adotado. – Adotado! – exclamou Jamie. – Então, ele não é filho de verdade, assim como eu. – o rapaz quase transparecia alegria na voz. – Não. O Sr. Pendleton não tem filhos. Nunca foi casado. Ele... ele ia, certa vez, mas não se casou. – Poliana enrubesceu e falou com súbito acanhamento. Ela não tinha esquecido que sua mãe, há muito tempo, dissera não a esse mesmo John Pendleton e fora, assim, responsável pelos seus longos e solitários anos.

Sem saber disso, a Sra. Carew e Jamie, ao ver o rubor nas bochechas de Poliana e a reserva em suas atitudes, chegaram à mesma conclusão: “Seria possível”, eles se perguntaram, “que esse homem, John Pendleton, já foi apaixonado por Poliana, nova desse jeito?”. Mas, naturalmente, não disseram isso em voz alta, de modo que ficaram sem resposta. Da mesma forma, mesmo que não tenham dito, guardaram a dúvida para o futuro... se fosse necessário.

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