Coordenadores: Beatriz Maria Eckert Hoff Mauricio Godinho Delgado Bernardo Petriz de Assis Cláudio Jannotti da Rocha Lorena Vasconcelos Porto Marcelo Fernando Borsio Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa Luiza Baleeiro Coelho Souza
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social Programa de Mestrado em Direito do UDF REALIZAÇÃO
FOMENTO
APOIO
Todos os direitos reservados à Editora RTM. Proibida a reprodução total ou parcial, sem a autorização da Editora. As opiniões emitidas em artigos de Revistas, Site e livros publicados pela Editora RTM ( MARIO GOMES DA SILVA - ME) são de inteira responsabilidade de seus autores, e não refl etem necessariamente, a posição da nossa editora e de seu editor responsável. _____________________________________________________________________ C749
Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social Programa de Mestrado em Direito da UDF (1. : 2017. : Brasília, DF) Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito de Seguridade Social Programa de Mestrado em Direito da UDF / Coordenadores: Beatriz Maria Eckert Hoff ... [et al]; Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza. – Belo Horizonte : RTM, 2018. 1. Direito do Trabalho – Congressos 2. Previdência social – Congressos I. Hoff, Beatriz Maria Eckert II. Costa, Felipe Vasconcellos Benicio III. Souza, Luiza Baleeiro Coelho CDU: 331(061.3)
____________________________________________________________________
ISBN: 978-85-9471-066-6 Belo Horizonte - 2019
Ficha catalográfica elaborada por Juliana Moreira Pinto – Bibliotecária CRB 6/1178
Editoração Eletrônica e Projeto Gráfico: Amanda Caroline Capa: Amanda Caroline Editor Responsável: Mário Gomes da Silva Revisão: os coordenadores
Conselho Editorial: Amauri César Alves Adriano Jannuzzi Moreira Andréa de Campos Vasconcellos Antônio Álvares da Silva Antônio Fabrício de Matos Gonçalves Bruno Ferraz Hazan Carlos Henrique Bezerra Leite Cláudio Jannotti da Rocha Cleber Lucio de Almeida Editora RTM - MARIO GOMES DA SILVA – ME Daniela Muradas Reis Rua João Eufl ásio, 80 - Bairro Dom Bosco Ellen Mara Ferraz Hazan Gabriela Neves Delgado BH - MG - Brasil - Cep 30850-050 Jorge Luiz Souto Maior Tel: 31-3417-1628 Jose Reginaldo Inacio WhatsApp:(31)99647-1501(vivo) Lívia Mendes Moreira Miraglia Lorena Vasconcelos Porto E-mail : rtmeducacional@yahoo.com.br Lutiana Nacur Lorentz Site: www.editorartm.com.br Marcella Pagani Loja Virtual : www.rtmeducacional.com.br Marcelo Fernando Borsio Marcio Tulio Viana Maria Cecília Máximo Teodoro Ney Maranhão Raimundo Cezar Britto Raimundo Simão de Mello Renato Cesar Cardoso Rômulo Soares Valentini Rosemary de Oliveira Pires Rúbia Zanotelli de Alvarenga Valdete Souto Severo Vitor Salino de Moura Eça
PREFÁCIO Brasília recebeu no final de 2017 excelente evento acadêmico organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), sempre sob a segura coordenação do Professor Maurício Godinho Delgado. Tive a honra de ser convidado pelo amigo e Professor Cláudio Jannotti da Rocha para coordenar uma oficina de artigos no evento, juntamente com os ilustres Professores Fábio Túlio Barroso e Maria Cecília Máximo Teodoro. Agora, ainda mais honrado, recebo o convite para prefaciar a obra coletiva que representa os esforços dos acadêmicos que apresentaram seus trabalhos no evento. A iniciativa dos coordenadores e organizadores do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social do Programa de Mestrado em Direito do UDF foi louvável e exitosa, não só no que diz respeito às excelentes palestras, mas, também, às oficinas de artigos, uma visão e efetivação holística da pesquisa ali é realizada. Pesquisadores de várias partes do Brasil se fizeram presentes para apresentar seus estudos acadêmicos. Destaque para alunos de Graduação, Especialização e de Mestrado, que entusiasmados com suas pesquisas debateram os temas principais do evento com professores também vindos de diversas regiões do país. Durante a apresentação os estudantes tiveram excelente oportunidade de debater sua pesquisa incipiente não só com os coordenadores convidados para as oficinas mas também com o público presente. Alguns palestrantes do evento participaram das oficinas como expectadores e debatedores informais, tornando as apresentações muito mais ricas, interessantes e proveitosas. Foi em síntese oportunidade única de aprendizado recíproco. As apresentações de estudos acadêmicos foram desenvolvidas em quatro oficinas de artigos, todas coordenadas integralmente por Professores Doutores, que agora resultam no presente livro. A Oficina I teve como tema “Direito do Trabalho contemporâneo e seus desafios”. A Oficina II tratou “Dos impactos da reforma previdenciária no Direito do Trabalho”. A Oficina III analisou “Os impactos da reforma trabalhista pelas vias interpretativa e normativa”. Por fim, a Oficina IV debateu “O processo do trabalho, o CPC/2015 e a reforma trabalhista brasileira”. O resultado dos debates dos coordenadores das oficinas e do público presente com os estudantes contribuiu decisivamente para a elaboração dos artigos que agora são publicados pela Editora RTM e que chegam às suas mãos. Provavelmente a relevância da instituição anfitriã e o claro posicionamento de seus professores em defesa do Direito e do Processo do Trabalho protetivo e dos direitos previdenciários no país fez com que houvesse uma confluência de estudos no sentido da realização da Dignidade da Pessoa Humana no contexto do Estado Democrático de Direito. A crítica à “Reforma Trabalhista” também foi relevante nas apresentações e é aqui representativa do sentimento nacional sobre o tema. Excetuados alguns poucos empregadores, a percepção geral que já se forma no Brasil é de que a “Reforma Trabalhista” além de não gerar os esperados empregos formais piorou a economia, a vida das pessoas, a previdência e do próprio Direito e Processo do Trabalho. A estratégia dos atuais detentores do poder é de ruptura com o sistema justrabalhista tal qual conhecemos historicamente, que agora passaria a ser um novo Direito do Capital. O momento histórico é ímpar. Não se trata de simples prevalência do capital sobre o trabalho, o que é algo normal, mas, sim, de quebra do pacto silencioso de um ramo jurídico especial que normatiza e pacifica o conflito capital-trabalho. Na “Reforma Trabalhista” o trabalhador e seus direitos consagrados por normas heterônomas seriam um entrave ao desenvolvimento nacional, cabendo ao Estado neoliberal, então, removê-los sem maiores constrangimentos. A reafirmação do Direito e do Processo do Trabalho como instrumento de Justiça Social passa por uma nova epistemologia, que busque reestruturar a atuação do Estado e da sociedade no plano da regulação de trabalho após a ruptura provocada pela “Reforma Trabalhista”. É que caso se aplique a CLT, sem o filtro e a hermenêutica constitucional, como ocorre em todos os
demais ramos do Direito brasileiro, conforme pretenderam os prepostos do capital alojados no Congresso Nacional e na Presidência da República não haverá mais que se falar em “patamar civilizatório mínimo”, ou mesmo em “patamar mínimo” e nem sequer em “patamar” de direitos trabalhistas, pois a “Reforma Trabalhista” prevê negociação aquém da lei e mesmo contra a regra legal, fazendo com que existem trabalhadores sem direitos trabalhistas ou então separados dos castas. Momentos ímpares podem e devem ensejar teorizações também singulares, como algumas que aqui se apresentam ao leitor. Novas teorias jurídicas devem ser desenvolvidas a partir da “Reforma Trabalhista”, no plano da interpretação, da aplicação e da efetivação do direito, mas com o cuidado de não se distanciar da prática cotidiana da advocacia. A Academia, com bem reconheceu e valorizou o UDF, tem papel fundamental no esforço de resistência aos abusos do legislador ordinário, posicionando-se intelectualmente. É em seu âmbito que haverá o desenvolvimento doutrinário que servirá de substrato teórico para Advogados, Magistrados, Membros do Ministério Público, Estudantes e Pesquisadores. E nada melhor do que incentivar, em momento de profunda crise, a formação e o desenvolvimento de novos autores, que possam trazer novas ideias e contribuições diferentes para o esforço interpretativo da CLT reformada. O livro que você tem em mãos é referencial no que diz respeito a novos autores, com novas e boas ideias. O momento é da resistência possível. Cada um em sua esfera de atuação deve resistir ao desmonte do Direito do Trabalho como sistema de proteção à parte hipossuficiente da relação capital-trabalho. Nós que somos essencialmente estudantes e estudiosos do Direito do Trabalho temos a obrigação de indicar caminhos tecnicamente seguros para que os trabalhadores possam resistir aos ataques neoliberais consubstanciados na “Reforma Trabalhista”. Nesse sentido a obra que hoje lhe chega às mãos é um bom indicador daquilo que se produz de qualidade no âmbito do Direito e do Processo do Trabalho e do Direito Previdenciário no nosso país. Ainda que tenhamos dias difíceis pela frente, marcados por pressão do capital sobre o trabalho, é tempo de resistir para que possamos não só reafirmar a necessária tutela estatal justrabalhista como também, quem sabe, seguir adiante, em busca de uma sociedade realmente inclusiva, justa e igualitária nesse país de desigualdades. Que venham dias melhores para todos os trabalhadores! Ouro Preto, Patrimônio da Humanidade, 6 de julho de 2018. Prof. Dr. Amauri César Alves Professor Adjunto da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
APRESENTAÇÃO É com imensa alegria e satisfação que apresentamos a toda comunidade acadêmica e demais interessados os Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social, realizado e organizado pelo Mestrado de Direito do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), nos dias 8, 9 e 10 de novembro de 2017, em Brasília, em sua própria sede, localizada na Asa Sul da capital federal, e que contou com o imprescindível fomento da Fundação de Apoio a Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF). Se os registros históricos nos ensinam que os primeiros anais foram feitos na Roma Antiga, quando o Papa exibia em uma tábua branca os nomes dos grandes e importantes eventos que tinham sido realizados ao longo do ano, no presente momento estamos fazendo uso deste importante instrumento para publicar, pela primeira vez na história do Mestrado do UDF, os artigos aprovados no indelével evento que realizou. Os anais que ora apresentamos são formados exclusivamente por artigos elaborados por pesquisadores de Brasília, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro, que apresentaram resumos devidamente aprovados nas Oficinas do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social, todas presididas por Professores Doutores de diversos Programas de Pós-Graduação (PPGD), de importantes e tradicionais Universidades das diversas regiões do Brasil (UDF, UnB, UERJ, UFOP, UFPE, PUC/SP, UFPR, PUC MINAS e UNIBRASIL). Destaca-se que, após as aprovações dos resumos, os pesquisadores, tanto de graduação, como de pós-graduação (especialistas e mestrandos), tiveram o prazo de 4 meses para elaborar seus respectivos artigos, que, posteriormente, foram avaliados pelo Corpo Editorial, razão pela qual no presente momento estão sendo publicados nestes anais. Portanto, estes anais contribuem e promovem diretamente a pesquisa brasileira, porquanto ofertam oportunidades para jovens pesquisadores publicarem o que estão analisando já há algum tempo, tendo contado, ainda, com as distintas sugestões, tanto dos Coordenadores das Oficinas, como do público que estava presente no I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social, realizado e organizado pelo Mestrado de Direito do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF). A publicação destes anais dar-se-á, tanto de maneira digital, com disponibilização on-line, como impressa, por meio de exemplares que serão doados para bibliotecas de universidades. Urge salientar que o Corpo Editorial destes anais é composto pela Comissão Científica formada pelos Professores Doutores do Centro Universitário do Distrito Federal que coordenaram o I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social, sendo eles: Profs. Drs. Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto e Marcelo Fernando Borsio, que contaram com as imprescindíveis ajudas dos mestrandos da UDF, Felipe Vasconcelos Benício Costa e Luiza Baleeiro Coelho Souza, que organizaram a obra com extrema competência e zelo, e pela Comissão Científica integrada pelos Profs. Drs. responsáveis pelas 4 oficinas do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social, sendo elas: 1O Direito do Trabalho contemporâneo e seus desafios, formada pelos Profs. Drs. Maria Cecília Máximo Teodoro (PUC Minas), Amauri César Alves (UFOP) e Juliana Teixeira Esteves (UFPE); 2- Dos impactos da reforma previdenciária no Direito do Trabalho, composta pelos Profs. Drs. Marcelo Fernando Borsio (UDF), Fábio Zambitte Ibrahim (UERJ) e Daniel Pulino (PUC SP); 3- Os impactos da reforma trabalhista pelas vias interpretativa e normativa, dirigida pelos Profs. Drs. Gabriela Neves Delgado (UnB), Raimundo Simão de Melo (UDF) e Raquel Betty de Castro Pimenta (PUC Minas) e 4- O processo do trabalho, o CPC/2015 e a reforma trabalhista brasileira, coordenada pelos Profs. Drs. Aldacy Rachid Coutinho (UFPR), Leonardo Vieira Wandelli (UniBrasil) e Cléber Lúcio de Almeida (PUC Minas).
Assim, agradecemos a todos os envolvidos que permitiram a publicação dos Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social, principalmente aos pesquisadores que participaram das oficinas, aos Professores Doutores que as coordenaram, ao público que esteve presente, à Editora RTM e a você, leitor, que é a razão de tudo e que sempre está nos prestigiando com sua querida companhia, obrigado pelo preito. Brasília, 15 de junho de 2018 Profs. Drs. Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto e Marcelo Fernando Borsio. Coordenadores dos Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11 OFICINA I - Direito do Trabalho contemporâneo e seus desafios .................................... 13 Artigo 1 DA (IN)APLICABILIDADE DA TEORIA DA SUPRALEGALIDADE DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS ÀS CONVENÇÕES DA OIT EM UM CONTEXTO DE REFORMA TRABALHISTA ................................................................................................ 15 (In)Applicability of the theory of the supralegality of human rights treaties to the ILO Conventions in a context of labor reform Felipe Duarte Ribeiro de Oliveira Artigo 2 A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO AUTÔNOMO SOB O PRISMA DA REFORMA TRABALHISTA E DA MEDIDA PROVISÓRIA 808/2017 .............................. 27 The regulation of self-employment under the prism of Labor Reform and Provisional Measure 808/2017 Lorenna Rocha Gomes Artigo 3 SEGURANÇA JURÍDICO-TRABALHISTA NA CONSTITUIÇÃO BRASILIERA E A INTERPRETAÇÃO DA PRESCRIÇÃO NO AUXÍLIO-DOENÇA .......................... 41 Labor-juridical safety in the brazilian constitution and the interpretation of prescription in aid-disease Janaína Guimarães Santos Artigo 4 CAUSAS, MITOS E CONSEQUÊNCIAS DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL ...... 53 Causes, myths and consequences of child labor in brazil Carla Rezende de Freitas Artigo 5 TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO: UMA ANÁLISE DO ARTIGO 149 DO CÓDIGO PENAL .................................................................................................................... 75 Analogue to slave work: an analysis of article 149 of the Criminal Code Monique Campos Leite Artigo 6 A MITIGAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE – DIRETOS FUNDAMENTAIS DA GESTANTE NA REFORMA TRABALHISTA ................................................................ 85 THE MITIGATION OF THE FUNDAMENTAL HEALTH RIGHT - FUNDAMENTAL DIRECTIVES OF THE PREGNANT IN THE LABOR REFORM Janaína Guimarães Santos e Jamila Guimarães Santos
Artigo 7 A GARANTIA DO TRABALHO DECENTE PARA A MULHER TRANSEXUAL E PARA TRAVESTI, À LUZ DA PROTEÇÃO SOCIAL DO TRABALHO.............................. 93 The warranty of decent work for the transexual woman and for travesti, in the light of the social protection of work Simone Florindo Costa Artigo 8 OS ATLETAS DE E-SPORTS NO BRASIL E OS DIREITOS TRABALHISTAS ................ 103 The athletes of E-sports in Brazil and the labor rights Gabriele Ferrari Machado Nascimento Artigo 9 TRABALHO INTERMITENTE: A Incorporação do Contrato Zero Hora e Os Desafios para o Trabalho Digno no Brasil .............................................................................................. 115 INTERMITTENT WORK: The Incorporation of the Zero-Hour Contract and the Challenges for Decent Work in Brazil. Cristiane Rosa Pitombo Francisco Matheus Alves Melo Artigo 10 INDETERMINABILIDADE DO CONCEITO DE TRABALHO DECENTE: BREVE ANÁLISE SEMÂNTICA DESDE DOCUMENTOS OFICIAIS DA OIT .............................. 127 Silvio Beltramelli Neto Julia de Carvalho Voltani Artigo 11 APONTAMENTOS COMPARATIVOS SOBRE AS PROPOSTAS DAS AGENDAS NACIONAIS BRASILEIRAS PARA O TRABALHO DECENTE..................... 137 Silvio Beltramelli Neto Isadora Rezende Bonamim OFICINA II - Dos impactos da reforma previdenciária no Direito do Trabalho............. 151 Artigo 12 CONFLITO ENTRE O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA VERSUS PRINCÍPIO DA EXISTÊNCIA DO PRÉ-CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL: uma análise de terceirizados análogos sob a “fórmula peso” de Robert Alexy ...... 153 Conflict between the principle of dignity of the human person versus principle of the existence of Social Security pre-cost: an analysis of analogue third parties under the “weight formula” of Robert Alexy Jurandir Pereira Da Silva Filho Artigo 13 A CONFIGURAÇÃO DO ACIDENTE DE TRABALHO NO TELETRABALHO............... 161 Configuration of work accident in telework Fernanda da Rocha Teixeira
Artigo 14 ESTUDO DE CASO: O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO NOS FRIGORÍFICOS E A RESPONSABILIDADE SOCIAL DO EMPREGADOR ................................................. 175 Case study: The environment of work on refrigerators and the employer’s social responsibility Carlos Ioney Carneiro Melo OFICINA III - Os impactos da reforma trabalhista pelas vias interpretativa e normati........189 Artigo 15 TELETRABALHO: retrocesso ao século XIX? ..........................................................................191 Telework: regression to the 19th century? Caroline Ramos da Silva Bastos e Lorenna Rocha Gomes Artigo 16 A REFORMA TRABALHISTA E A REGULAMENTAÇÃO DO TELETRABALHO: O equívoco da exclusão da proteção à jornada de trabalho para os teletrabalhadores, nos termos do artigo 62, III, da CLT............................................................................................... 205 LABOR REFORM AND REGULATION OF TELECOMMUNICATION: The misconception of the exclusion of the protection of working hours for teleworkers, under the terms of article 62, III, CLT. Cristiane Rosa Pitombo Artigo 17 A RESPONSABILIDADE CIVIL PELOS ACIDENTES E DOENÇAS OCUPACIONAIS NO TELETRABALHO............................................................................................................ 213 The civil responsibility for accidents and occupational diseases in telework Roberta de Oliveira Souza e Antonio J. Capuzzi Artigo 18 O TRABALHO INTERMITENTE COMO FORMA DE PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DE DANO EXISTENCIAL............................................................................ 227 Intermittent work as a precarious form of work and existential damage Caroline Ramos da Silva Bastos Artigo 19 O MEIO AMBIENTE DE TRABALHO E A REFORMA TRABALHISTA: Os efeitos transindividuais da higienização do uniforme pelo trabalhador ............................. 241 The working environment and the Labor Reform: The transindividual effects of the uniform’s hygiene on the worker Francisco Matheus Alves Melo e Carlos Ioney Carneiro Melo Artigo 20 DISPENSA COLETIVA NA LEI 13.467/2017 EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA ..................................................................................................................... 255 Mass dismissal in law 13.467/2017 in front of the Constitution of the Republic Priscila Mousinho de Moura Fé
OFICINA IV - O processo do trabalho, o CPC/2015 e a reforma trabalhista brasileira ........269 Artigo 21 TUTELA DE EVIDÊNCIA: APLICAÇÃO À JUSTIÇA DO TRABALHO DE ACORDO COM AS NORMAS DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ........................................271 Evidence care: application to justice of work according to the rules of the new Civil Process Code Jamila Guimarães Santos Artigo 22 OS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS NA REFORMA TRABALHISTA E SUA APLICAÇÃO CONFORME O DIREITO INTERTEMPORAL ...............................................281 The successful honorary in the labor reform and its application under the intertemporary law Roberta de Oliveira Souza Artigo 23 TRABALHO INTERMITENTE: uma nova modalidade de contrato de trabalho e sua flagrante incompatibilidade com os princípios fundamentais das relações justrabalhistas ......297 Intermittent work: a new modality of labor contract and its flagrant incompatibility with the fundamental principles of labor relations Valdilene Ângela de Carvalho Guimarães
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
INTRODUÇÃO O Programa de Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF) foi aprovado em 18 de dezembro de 2015 e iniciado em 19 de janeiro de 2016, sob a Coordenação dos Profs. Drs. Mauricio Godinho Delgado e Renata da Assis Calsing. O seu primeiro processo seletivo foi realizado entre os dias 10 e 12 de março de 2016 e as suas aulas tiveram início no dia 28 de março de 2016, possuindo duas linhas de pesquisa, a saber: 1-) Constitucionalismo, Direito do Trabalho e Processo; 2-) Direitos Humanos Sociais, Seguridade Social e Meio Ambiente de Trabalho. Desde a sua criação, o Programa de Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF) é inteiramente comprometido com a pesquisa acadêmica, tendo um corpo docente vocacionado para essa perspectiva. Contribui, assim, de maneira efetiva para a evolução acadêmica do Direito Constitucional, Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direito Previdenciário e Direito Internacional do Trabalho. Justamente nessa busca de pesquisa acadêmica incisiva e instigante, o Programa de Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), organizou e realizou em sua sede, nos dias 8, 9 e 10 de novembro de 2017, o I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social. Tal evento contou com a participação integral de Professores Doutores estrangeiros da Noruega e Espanha e de importantes Universidades brasileiras, como UDF, USP, UnB, UFPE, UERJ, PUC MINAS, UFPR, UFPA, CESUPA, UNIBRASIL, UFOP, PUC SP e UNICAMP. Foram três dias de intensos e valorosos debates, trocas e compartilhamentos de conhecimentos e dialéticas acadêmicas que, de fato, tornaram Brasília a capital federal, não somente do Brasil, mas também dos direitos sociais, constitucionalmente consagrados como direitos fundamentais e que, por isso, devem ser efetivados em nome da dignidade da pessoa humana. O I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social foi formado, tanto por painéis de palestras, integrados por Professores Doutores e realizados de manhã e à noite, quanto por Oficinas à tarde, as quais analisaram e debateram os resumos e as apresentações de jovens pesquisadores, que buscam lugar ao sol e até mesmo se inspiram nos Professores Doutores que ali estavam para lhes ajudar e iluminar, metaforicamente como uma lanterna. O fruto dessas trocas de conhecimentos realizadas nas Oficinas consiste justamente nestes Anais, porquanto seu conteúdo são os artigos oriundos dos resumos nelas apresentados. É com muita alegria e satisfação que o Programa de Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF) alcança com êxito este resultado, entrando de vez para ficar e ocupar um lugar de destaque na pesquisa brasileira, contribuindo para a descoberta de novos pesquisadores, que amanhã estarão ao lado dos Professores que outrora tiveram o prazer de lhes ajudar. Afinal, esta mistura do passado e do presente, inquestionavelmente, trará um futuro melhor para todos e quem ganha é o futuro. Se a vida é feita de ciclos e de fases, pode-se pensar que na pesquisa isso ocorre com uma maior necessidade, já que ela deve acompanhar as mudanças e transformações da sociedade, pois se esta é uma constante mutação, aquela também deve ser. O universo intelectual é instigante e apaixonante, afinal, viver no mundo das ideias é buscar um mundo mais justo, melhor e quem sabe mais humano. Se a grande diferença entre um livro e os anais é que nestes não existe necessariamente a centralidade de um tema, esta obra alcança seu objetivo com maestria, já que possui temas bastante diversificados, que na verdade direcionam você, leitor, para uma série de diferentes ideias, que demonstram o caráter democrático e multifacetário do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social. Tal evento permitiu e abriu oportunidades, não somente para jovens pesquisadores, mas também para temas que até então eram vistos apenas de 13
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
uma maneira ou sequer eram abordados. Afinal, como diz um estimado Professor mineiro, que hoje reside na cidade de Poço de Caldas, é amigo de todos nós e nos brindou com uma primorosa participação no evento: é na interpretação que o mundo das ideias reside e dela emerge, dando cores, valores e sabores para a lei e até mesmo para a vida. Brasília, 15 de junho de 2018. Profs. Drs. Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto e Marcelo Fernando Borsio. Coordenadores dos Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social.
14
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
OFICINA I
15
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Clรกudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
16
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Da (in)aplicabilidade da teoria da supralegalidade dos Tratados de Direitos Humanos às Convenções da OIT em um contexto de Reforma Trabalhista (IN) APPLICABILITY OF THE THEORY OF THE SUPRALEGALITY OF HUMAN RIGHTS TREATIES TO THE ILO CONVENTIONS IN A CONTEXT OF LABOR REFORM Felipe Duarte Ribeiro de Oliveira1 Resumo: A aprovação da Lei 13.467/2017 suscitou debate acerca de possíveis ofensas a Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil. Antes de debater se as alterações legislativas violaram tais normas internacionais, necessário analisar qual a hierarquia jurídica com que elas são incorporadas ao nosso ordenamento jurídico, pergunta que necessariamente passa pela investigação sobre sua natureza jurídica, considerando a posição firmada pelo Supremo Tribunal Federal acerca do status supralegal dos tratados de direitos humanos não aprovados com o quórum de emenda constitucional. Nesse cenário, o enquadramento das Convenções da OIT como norma de direitos humanos se mostra tema de grande relevância para que sejam analisadas a validade da Reforma trabalhista em nosso ordenamento jurídico, o que será o objeto do presente artigo, a incluir o estudo da doutrina e jurisprudência nacionais. PALAVRAS-CHAVE: Convenções da OIT. Natureza jurídica. Direitos Humanos. Hierarquia. Supralegalidade. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Convenções da OIT: conceito e natureza jurídica; 2.1. Distinção entre as convenções e demais instrumentos normativos da OIT; 2.2. Vigência internacional da Convenção; 2.3. Processo de integração ao direito brasileiro; 3. A hierarquia dos Tratados Internacionais no direito brasileiro: o impacto da decisão do STF no RE 466.143; 4. As Convenções da OIT como normas de direitos humanos; 5. A reforma trabalhista e o efeito paralisante das Convenções da OIT; 6. Conclusão; 7. Referências bibliográficas. Abstract: The approval of the Law 13.467/2017 caused debate about alleged violations of ILO Conventions that Brazil have been signed. Before analyzing if those changes promoted by the new law had violated these international treaties, it is necessary to look for the hierarchical position of ILO Conventions on Brasilian legal system, question which answer requires investigation about their juridical nature considering Supreme Court position about international Human Rights treaties that hadn’t been approved as Constitutional Amendment, but has supralegal nature. In this context, ILO Conventions framework as international Human Rights treaties is a very important point to conclude about legal force of reform plan in brasilian legal order, purpose of this study, that includes legal doctrine and jurisprudence reserarch. KEYWORDS: ILO Conventions. Juridical nature. Human Rights. Hierarchical position. Supralegal. SUMMARY: 1. Introduction; 2. ILO conventions: concept and legal nature; 2.1. Distinction between conventions and other normative instruments of the ILO; 2.2. International duration of the Convention; 2.3. Process of integration into Brazilian law; 3. The hierarchy of international treaties in Brazilian law: the impact of the decision of the STF in RE 466.143; 4. ILO Conventions as human rights standards; 5. Labor reform and the paralyzing effect of ILO Conventions; 6. Conclusion; 7. References.
1
Mestrando em Direito do Trabalho e Relações Sociais pelo Centro Universitário do Distrito Federal – UDF, e-mail: felipe_dro@hotmail.com.
17
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
1. INTRODUÇÃO A Constituição da República não estatuiu com clareza a posição hierárquica dos tratados internacionais perante o nosso ordenamento jurídico interno. Coube à doutrina e à jurisprudência o papel de fazê-lo. A Aprovação da Lei n. 13.467/2017 suscitou debate intenso sobre a sua constitucionalidade, mas além disso sobre a possível ofensa a dispositivos previstos em Convenções da OIT. A aplicação de tais normas internacionais, inclusive, mais do que nunca tem sido proclamada por alguns juristas como stantard perante as alterações promovidas pela Reforma que possuem nítido conteúdo prejudicial ao trabalhador. Nesse contexto de protagonismo das normas internacionais, notadamente das Convenções da OIT, destaca-se a necessidade de se investigar a hierarquia delas em nosso ordenamento, ou seja, se possuem o status de norma infraconstitucional, ou supralegal ou mesmo constitucional, como defendem alguns autores como Mazzuolli. A decisão proferida no RE n. 466.343 foi muito importante por ter representado o rompimento com a jurisprudência anterior do Supremo Tribunal Federal que parificava os Tratados internacionais às leis ordinárias, desconsiderando a força normativa destes. No referido leading case, conferiu-se aos Tratados de direitos humanos não aprovados com quórum de emenda constitucional uma hierarquia especial e privilegiada, firmando a tese de que estes estariam em um nível intermediário, ou seja, abaixo da Constituição, mas acima das leis ordinárias. O enquadramento das Convenções da OIT como Tratados de direitos humanos, além de ser importante para determinar qual será sua hierarquia jurídica, é essencial para revelar como deve ser a interpretação de tais normas, posto que há um conjunto de princípios a ela inerentes. O objetivo do presente trabalho não é discutir quais Convenções da OIT foram violadas com a recente Reforma Trabalhista brasileira, mas sim discutir como seria uma análise perante elas, se diante de normas de mesma hierarquia jurídica ou não. Para tanto, imprescindível a análise da natureza jurídica de tais normas no nosso ordenamento jurídico. 2. CONVENÇÕES DA OIT: CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA As Convenções Internacionais do Trabalho consistem em um dos instrumentos de regulamentação internacional do trabalho cuja edição compete à Assembleia Geral da OIT, ao lado das Recomendações, consolidando o Código Internacional do Trabalho (SÜSSEKIND, 2000, p.180). Arnaldo Süssekind (2000, p.180) entende que as Convenções Internacionais do Trabalho têm natureza de tratados-normativos, formulando regras e princípios de ordem geral, destinadas a reger certas relações internacionais. Luiz Eduardo Günther (2011, p.50), por sua vez, compreende que essas Convenções seriam enquadradas como tratados-lei de caráter multilateral, posto que delas emanam normas jurídicas de caráter geral, aplicáveis indefinidamente em todos os Estados que a ela aderirem, não se esgotando, assim, com sua aplicação a um caso concreto. Mauricio Godinho Delgado (2011, p. 152) afirma que Convenções são espécies de tratados, constituindo-se em documentos obrigacionais, normativos e programáticos aprovados por entidade internacional, a que aderem voluntariamente seus membros. Assim configurada, a Convenção Internacional do Trabalho compreende dois atos distintos: o ato-regra, em que são criadas normas; e o ato-condição, pelo qual os Estados-Membros, tenham ou não participado da elaboração da norma, ratificam-no em decisão soberana. Com isso, as Convenções têm valor legislativo internacional, mas dependem do ato-condição dos Estados para que possam ser integradas nos correspondentes ordenamentos jurídicos internos (PINTO, 2014, p.86). Dessa forma, quando ratificadas, constituem autênticas fontes formais de Direito, e, mesmo quando não são ratificadas, apresentam-se como fontes materiais, servindo como modelo de inspiração para o legislador infraconstitucional. 18
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
2.1 DISTINÇÃO ENTRE AS CONVENÇÕES E DEMAIS INSTRUMENTOS NORMATIVOS DA OIT As Convenções Internacionais do Trabalho não se confundem com os demais instrumentos de regulação internacional do trabalho. As Convenções, assim, não se confundem com Recomendações, que não se caracterizam como tratado-lei de caráter geral, tampouco como fontes formais de direito. Segundo Valerio de Oliveira Mazzuoli (2016, p.1139), as Recomendações da OIT são instrumentos internacionais, destituídos da natureza de tratados, adotados pela Conferência Internacional do Trabalho sempre que a matéria nelas versada não possa ser ainda objeto de uma Convenção. Já para Mauricio Godinho Delgado (DELGADO, 2011, p.152), a Recomendação “consiste em um diploma programático expedido por ente internacional enunciando aperfeiçoamento normativo relevante para ser incorporado pelos Estados”. As Recomendações, assim, para grande parte dos doutrinadores2, consistem em fontes materiais de direito, vez que servem apenas de inspiração ou referência para a atividade legislativa. Convém destacar que Mazzuoli frisa que, ao contrário das Recomendações gerais, conhecidas no Direito Internacional Público, as Recomendações da OIT impõem aos Estados certas obrigações, ainda que de caráter formal. A afirmação do mencionado autor é baseada no art. 19, § 6º, alínea b, da Constituição da OIT, que impõe a cada um dos Estados-membros submeter a Recomendação à autoridade interna competente para que esta decida se quer, por sua conveniência e oportunidade, transformá-la em lei (MAZZOULLI, 2016, p.1139). Portanto, não obstante não serem Tratados, elas devem ser obrigatoriamente submetidas à autoridade competente, ao contrário do que ocorre com as Recomendações, que já passam a viger internacionalmente. Por fim, as Convenções da OIT também não se confundem com as Resoluções e com as Declarações da OIT, que são adotadas para responder a questões surgidas na Organização que necessitem de um posicionamento da entidade para as quais ainda não exista um amadurecimento concreto da matéria para poderem ser objeto de um ato normativo (GUNTHER, 2011, p.54). Tais atos não possuem um regramento próprio definido na OIT quanto ao alcance. No caso das Resoluções, podem ser editadas para o âmbito interno da Organização, visando a disciplinar matéria interna corporis, sendo juridicamente obrigatórias, fontes de direito interno e imprescindíveis para disciplinar o funcionamento da entidade, ou mesmo para o âmbito externo, constituindo fontes do direito internacional, gerando obrigações para os Estados-membros (GUNTHER, 2011, p.54). Por sua vez, as Declarações da OIT possuem o papel mais valorativo, contribuindo para a formação de princípios gerais, para a formação de regras de costumes e para a interpretação de normas internacionais do Trabalho. É o caso, por exemplo, da Declaração de Filadélfia sobre os fins e objetivos da OIT. Sendo assim, considerando o conceito de Convenção acima delineado, podemos concluir que as Convenções Internacionais da OIT possuem natureza jurídica de tratados internacionais de espécie multilateral e abertos, uma vez que não se aplicam a um certo número de indivíduos ou grupos, estando abertos à ratificação ou adesão. 2.2 VIGÊNCIA INTERNACIONAL DA CONVENÇÃO Segundo Arnaldo Süssenkind (2000,p.193), a vigência internacional de uma convenção não deve ser confundida com a eficácia jurídica decorrente de sua ratificação por qualquer dos Estados-membros, embora essa eficácia esteja condicionada àquela vigência. Assim, deve-se distinguir vigência internacional e vigência em relação ao Estado que aderiu à Convenção. 2
Nesse sentido, pode-se citar: SUSSEKIND, 1990, p. 336 e GUNTHER, 2011, p.51.
19
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
O início da vigência de cada Convenção no plano internacional deve constar em cada instrumento normativo. Em regra, as Convenções da OIT têm estabelecido que a sua vigência internacional terá início após o prazo de 12 meses do registro de pelo menos duas ratificações, competindo ao Diretor-Geral da OIT comunicar tal data a todos os Estados-membros da OIT. Contudo, em alguns casos, a vigência internacional está condicionada a condições específicas, tais como ratificação por parte de determinados países (Süssenkind,2000,p.193). Francisco Rezek (2013, p.72) conceitua ratificação como o “ato unilateral com que a pessoa jurídica de direito internacional, signatária de um tratado, exprime definitivamente, no plano internacional, sua vontade de obrigar-se”. Convém destacar que a ratificação não se confunde com a assinatura, que se caracteriza como a firma que põe termo a uma negociação, fixando e autenticando o texto do compromisso e exteriorizando em definitivo o consentimento das pessoas jurídicas de direito internacional que os signatários representam. Na assinatura não há qualquer perspectiva de ratificação, o comprometimento se perfez e o tratado tem vigência imediata (REZEK, 2013, p.70). A ratificação por parte do Estado não basta para que a Convenção comece a ter vigência neste, porque isto só ocorrerá quando houver a vigência internacional da norma. Uma vez em vigor no campo internacional, a convenção tem vigência imediata no Estado que a ratificou. Ressalta Valerio de Oliveira Mazzouli (2016, p.1129) que apesar de poderem ser denunciadas após um período de 10 anos do início de sua vigência internacional, as Convenções da OIT terão vigência imediata e serão caracterizadas como permanentes. Além disso, frise-se que a denúncia de um dos Estados-membros da Convenção não prejudica a execução do tratado em relação aos demais. 2.3 PROCESSO DE INTEGRAÇÃO AO DIREITO BRASILEIRO Em consonância com o conceito acima delineado, as Convenções caracterizam-se como Tratados Internacionais de natureza multilateral. Assim, devem submeter-se ao procedimento de incorporação como qualquer um desses instrumentos para terem vigência na ordem nacional. Nesse sentido, as Convenções da OIT seguem basicamente o mesmo trâmite interno de qualquer outro tratado internacional celebrado pelo Estado brasileiro, a diferença inicial é que tais Convenções dispensam a formalidade da assinatura da autoridade competente, visto que a Conferência a adota, garantindo a autenticidade do texto apenas duas assinaturas: a do Presidente e a do Secretário-Geral da Conferência (MAZZUOLI, 2013, pp.71-94). No caso das Convenções da OIT, outras especificidades se apresentam. A primeira delas reside na obrigatoriedade da submissão do texto à autoridade interna competente para referendá-lo. Diferentemente dos Tratados internacionais gerais, em que tal submissão é apenas uma discricionariedade do Presidente da República (REZEK,2013,p.76), no caso das Convenções da OIT isto é obrigatório, segundo grande parte da doutrina ( MAZZUOLI, 2013, pp.71-94), em virtude do artigo 19, § 5º, alínea b, da Constituição da OIT, que assim dispõe: 5. Tratando-se de uma convenção: cada um dos Estados-membros comprometese a submeter, dentro do prazo de um ano, a partir do encerramento da sessão da Conferência (ou, quando, em razão de circunstâncias excepcionais, tal não for possível, logo que o seja, sem nunca exceder o prazo de 18 meses após o referido encerramento), a convenção à autoridade ou autoridades em cuja competência entre a matéria, a fim de que estas a transformem em lei ou tomem medidas de outra natureza.” (grifos nossos).3
3
OIT. Constituição da OIT. Disponível em http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/dece nt_work/doc/ constituicao_oit_538.pdf . Acesso em 22 de janeiro de 2018.
20
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
O artigo 19, § 5º, alínea d, do mesmo tratado afirma ser obrigatória a ratificação da convenção, quando assim estabelece: d) o Estado-membro que tiver obtido o consentimento da autoridade, ou autoridades competentes, comunicará ao Diretor-Geral a ratificação formal da convenção e tomará as medidas necessárias para efetivar as disposições da dita convenção. (grifos nossos).4
Diante da obrigatoriedade de submissão à autoridade competente, indaga-se quem seria esta. O artigo 19 da Constituição da OIT, no § 5º não aclarou bem o tema e não conceituou o termo “autoridade competente”, apenas afirmando que deveria ser submetida a Convenção à “autoridade ou autoridades em cuja competência entre a matéria, a fim de que estas a transformem em lei ou tomem medidas de outra natureza”.5 Segundo Arnaldo Süssekind (2000,p.212), a orientação da OIT consolidada com o passar dos anos é a de que a autoridade competente é a que tem poder para legislar sobre as questões que são objeto da convenção que, no Brasil, é o Poder Legislativo. Para Valerio Mazzouli, cada país, por meio da sua Constituição, deve dispor quem seria tal autoridade, sendo evidente que no Brasil seria o Poder Legislativo porque ele é o único com a função típica de legislar, a fim de dar efeitos à aplicação das Convenção Internacionais do Trabalho no plano nacional. Fixada como autoridade competente o Congresso Nacional, uma outra questão jurídica de importância poderia surgir, referente à possibilidade ou não de o Presidente da República se recusar a ratificar uma convenção aprovada pelo Legislativo. Com relação aos Tratados gerais, parece clara a posição da doutrina em relação à discricionariedade da ratificação. Francisco Rezek (2013,p.76), por exemplo, entende que a ratificação é tão discricionária quanto é livre o Estado para celebrar Tratados Internacionais, sendo certo que a assinatura, nesse caso, tampouco vincula o governo do Estado, de modo que se possa aventar a obrigatoriedade da ratificação desde quando aprovado o compromisso pelo parlamento. No tocante especificadamente às Convenções Internacionais do Trabalho, a conclusão é diversa. Tendo em vista que, com base no artigo 19, § 5º, alínea b da Constituição da OIT, é obrigatória a submissão da Convenção Internacional da OIT à autoridade competente, a ratificação pelo Presidente da República uma vez aprovada pelo Congresso Nacional é medida necessária. 6 Ressalta-se que a ratificação, já conceituada, difere da aprovação. Para Valerio de Oliveira Mazzuoli (2016, p.1133), a obrigatoriedade da ratificação é uma decorrência lógica da submissão da Convenção à autoridade competente, tese que seria corroborada também pelo art. 19, § 5º, alínea d do mesmo texto, que, conforme visto, impõe que o Estado-membro que tiver obtido o consentimento da autoridade(s) competente(s) apenas comunique ao Diretor-Geral a ratificação formal da convenção e tome as medidas necessárias para efetivar as disposições da dita convenção. 4
OIT. Constituição da OIT. Disponível em http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/dec ent_work/doc/ constituicao_oit_538.pdf . Acesso em 22 de janeiro de 2018. 5 Artigo 19 (...) 5.Tratando-se de uma Convenção: (...) b) cada um dos Estados-Membros compromete-se a submeter, dentro do prazo de um ano, a partir do encerramento da sessão da Conferência (ou, quando, em razão de circunstâncias excepcionais, tal não for possível, logo que o seja, sem nunca exceder o prazo de 18 meses após o referido encerramento), a convenção à autoridade ou autoridades em cuja competência entre a matéria, a fim de que estas a transformem em lei ou tomem medidas de outra natureza; (...) Disponível em http://www.oitbrasil.org.br/ sites/default/files/topic/decent_work/doc/constituicao_oit_538.pdf. Acesso em 22 de janeiro de 2018. 6 Convém ressaltar que o conceito de aprovação não se confunde com o de ratificação. Segundo Rezek, concluída a negociação de um tratado, o Presidente da República poderá, no caso dos Tratados gerais, e deverá, no caso das Convenções da OIT, dar curso ao processo do consentimento. Este começa com o envio do Tratado ao Congresso Nacional, por mensagem do Presidente da República. A matéria é discutida e, havendo a aprovação das duas Casas, é editado um decreto legislativo que exprimirá a aprovação.
21
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Após a ratificação e a comunicação desta à OIT, na pessoa do Diretor-Geral, incumbirá a este comunicar a ratificação da Convenção ao Secretário-Geral das Nações Unidas para fins de registro, conforme preconiza o art. 102, §1º, da Carta da ONU7, obrigando os Estados-membros que tiverem ratificado (MAZZUOLI,2016, p.1134). Convém destacar que, posteriormente à ratificação, a Convenção Internacional do Trabalho é promulgada por Decreto do Presidente da República e publicada no Diário Oficial da União. Frise-se que, segundo parte da doutrina (MAZZUOLI,2016, p.1135), conforme já dito, as Convenções internacionais do trabalho têm aplicação imediata no ordenamento jurídico pátrio a partir da ratificação, sendo apenas publicadas no DOU para fins de publicidade interna. 3. A HIERARQUIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO DIREITO BRASILEIRO: O IMPACTO DA DECISÃO DO STF NO RE 466.143 Após analisar como ocorre a integração da Convenção Internacional ao ordenamento jurídico pátrio, torna-se preciso debater acerca de qual será a hierarquia da norma internalizada em nosso direito. Nesse cenário, questão prévia se apresenta, que é a de compreender o impacto da decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do recurso extraordinário 466.143. A discussão sobre as relações entre o direito interno e o Direito Internacional Público é polêmica e de grande repercussão prática, porque o conflito entre as normas é bastante comum. O estudo da questão costuma ser levado a cabo pela doutrina por meio de dois vieses: o teórico e o prático (MAZZUOLI, 2016, p.95). Em relação ao campo teórico, debate-se se o Direito Internacional e o direito Interno são duas ordens jurídicas diversas e autônomas, como propõe a corrente dualista; ou se os sistemas derivam um do outro, segundo defende a corrente monista. Para a primeira corrente citada, a validade de norma interna independe absolutamente da ordem internacional, ou seja, a incongruência entre as ordens não gera quaisquer efeitos porque, conforme dito, são absolutamente distintas e independentes. Já para a corrente monista, os dois sistemas dialogam e há efeitos jurídicos na colisão entre as ordens (MAZZUOLI,2016, p.103). Segundo Francisco Rezek (2013, p.26), os autores que defendem a segunda corrente (monista) se subdividem em mais duas subcorrentes: a primeira é composta daqueles que creem no primado do Direito internacional (monismo internacionalista) enquanto a segunda conta com os que defendem que o Direito nacional prevalece (monismo nacionalista), constituindo o direito internacional mera discricionariedade. Valerio de Oliveira Mazzouli (2016, p.112), por sua vez, acrescenta uma terceira subcorrente: a do monismo internacionalista dialógico. Este não partiria do predomínio irrestrito da norma internacional em face da nacional, mas do diálogo entre as fontes de proteção quando em jogo normas de direitos humanos; neste caso, deve ser encontrada a norma que tenha maior peso protetivo, podendo ser nacional ou internacional. No Brasil, a doutrina dualista recebeu poucos adeptos em razão de sua fragilidade, considerando que, ao negar efeitos de uma ordem em outra, consequentemente, gera-se a noção de que um dos sistemas não é jurídico (MAZZUOLI, 2016, p. 101). Celso D. de Albuquerque Mello (MELLO, 2004, p.135), nessa linha, defende que o Estado sujeito de direito interno e de direito internacional é uma mesma pessoa, não se podendo conceber que ele esteja submetido a duas ordens jurídicas que se chocam. Sidney Guerra (2009, p.47), ressaltando a decadência da doutrina dualista, destaca também que a diversidades dos sujeitos, defendida por esta teoria, não é verdadeira porque o indivíduo é sujeito de Direito Internacional, e este age na ordem interna através das organizações internacionais. 7
BRASIL. Decreto nº 19.841 de 22 de outubro de 1945. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/d ecreto/1930-1949/d19841.htm. Acesso em 22 de janeiro de 2018.
22
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
O debate, assim, ficou mais intenso em relação aos monistas nacionalistas e os monistas internacionalistas, com nítida preferência, no caso brasileiro, para o monismo nacionalista, o que em parte explica ainda hoje a resistência por parte de alguns tribunais pátrios na aplicação de normas internacionais (REZEK, 2013, p. 26). A Constituição da República não estatuiu de modo claro a hierarquia entre as ordens jurídicas internacionais e nacionais, cabendo à doutrina e à jurisprudência o papel de fazê-lo. Os estudos e pronunciamentos judiciais sobre o tema foram intensificados com a Emenda Constitucional nº 45/2004, que introduziu o § 3º ao artigo 5º, no sentido de que os tratados e Convenções internacionais sobre direitos humanos que fossem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, seriam equivalentes às emendas constitucionais. A partir daí, a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto a este tema foi notável, tendo sido construído o conceito de supralegalidade. O leading case8 envolveu a verificação da legalidade da prisão civil do depositário infiel. A Constituição da República, no inciso LXVII do artigo 5º, veda a prisão civil por dívida, porém excepciona a do depositário infiel, contrariando a norma internacional ratificada pelo Brasil presente na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), a qual preconiza que, salvo no caso de dívida alimentícia, ninguém deve ser detido por dívidas. A mencionada Convenção enquadrar-se-ia nos termos do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República se tivesse sido aprovada com quórum de emenda constitucional de três quintos em dois turnos de votação, porque nitidamente preconiza normas de direitos humanos. Porém, este não era o caso. Diante da colisão entre normas de esferas jurídicas distintas (a internacional e a interna), o STF9 decidiu que os tratados internacionais cujo objeto não fosse a proteção de direitos humanos inserem-se na ordem jurídica pátria com hierarquia normativo de norma infraconstitucional, enquanto os tratados internacionais em matéria de direitos humanos, salvo aqueles enquadrados nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição, têm hierarquia jurídica supralegal, ou seja, abaixo da Constituição, mas acima da legislação infraconstitucional (CORDEIRO, 2016,p.25). A criação da tese da supralegalidade da norma internacional na colisão entre as ordens jurídicas internacional e interna representou novo entendimento quanto às diretrizes conceituais do monismo e do dualismo acima delineadas, pois os fundamentos utilizados para a formação do entendimento do STF não esconderam a intenção de reconhecer a influência determinante da norma internacional asseguradora de direitos humanos, mesmo no plano constitucional. Esse novo entendimento consolidou a perspectiva de uma convivência entre as estruturas jurídicas produzidas em foros distintos (CORDEIRO,2016, p.26). Diante deste cenário, indaga-se a posição jurídica das Convenções da OIT incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro. A conclusão quanto a essa indagação passa necessariamente pelo enquadramento ou não de tais instrumentos internacionais como normas de direitos humanos, pois, como vimos, a jurisprudência do STF concede hierarquia supralegal aos tratados internacionais desta espécie não enquadrados nos termos do artigo 5º, § 3º da Constituição da República. 8
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Recurso Extraordinário 466.343-1. Relator: PELUSO, Cezar. Publicado no DJ de 04 de junho de 2009. Disponível em Disponível em: http://www.stf.jus.br/imprensa/pdf/ re466343.pdf. Acesso em 22 de janeiro de 2018. 9 EMENTA: PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. Cf BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Recurso Extraordinário 466.343-1. Relator: PELUSO, Cezar. Publicado no DJ de 04 de junho de 2009. Disponível em: http://www.stf.jus.br/imprensa/pdf/re466343,pdf . Acesso em 22 de janeiro de 2018.
23
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
4. AS CONVENÇÕES DA OIT COMO NORMAS DE DIREITOS HUMANOS A definição de direitos humanos não é algo pacífico na doutrina, havendo várias acepções e significados possíveis, a depender do critério estabelecido. Nesse sentido, Flávia Piovesan (2016, p.193) entende que os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução, ou seja, um conceito em permanente mutação. Apesar da ausência de um conceito único, é majoritária na doutrina a ideia de que a expressão direitos humanos é intrinsicamente ligada ao direito internacional público, consistindo em direitos que são garantidos por normas de índole internacional com o propósito específico de proteger pessoas sujeitas à sua jurisdição (MAZZUOLI, 2015,p.23). Nesse sentido, os direitos humanos diferem da noção de direitos fundamentais, posto que enquanto nestes a proteção jurídica da pessoa decorre da ordem interna estatal, naqueles decorre sempre de uma ordem internacional, especialmente por Tratados multilaterais (RAMOS, 2016.p.52). A consolidação da internacionalização dos direitos humanos é um processo relativamente recente, relacionando-se com as atrocidades ocorridas na 2ª Guerra Mundial. Flávia Piovesan (2016, p.194) cita como marcos históricos de tal processo o Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho. A OIT surgiu ainda no período após a Primeira Guerra Mundial (1919) com o objetivo de promover padrões internacionais de condições de trabalho e bem-estar. No período após a Segunda Guerra já contava com mais de cem Convenções Internacionais promulgadas, em que os Estados -partes se comprometiam a assegurar um padrão digno de condições de trabalho (2016, p. 194). Assim, a Convenção Internacional da OIT, como principal instrumento de regulamentação internacional do trabalho, representou um mecanismo importante na afirmação internacional dos direitos humanos, vez que ajudou na consolidação do indivíduo como sujeito do Direito Internacional, não apenas como objeto (PIOVESAN, 2016, p. 200). O enquadramento das Convenções Internacionais da OIT como normas de direitos humanos é ainda mais perceptível a partir do momento em que as características particulares destes são encontradas naquelas. Mazzuoli (MAZZUOLI, 2015, p. 23) elenca as seguintes especificidades das normas de direitos humanos: historicidade, universalidade, essencialidade, irrenunciabilidade, inalienabilidade, ineuxaurabilidade, imprescritibilidade e vedação do retrocesso. Todas essas características podem ser encontradas nas Convenções. A historicidade das Convenções da OIT justifica-se no fato de que os direitos nelas previstos foram se construindo com o decorrer do tempo, desde a criação da OIT em 1919, mesmo ano em que foram adotadas as primeiras Convenções, até a última Referente ao Trabalho na Pesca (2007, não ratificada pelo Brasil).10 A universalidade significa que os titulares dos direitos são todas as pessoas, não importando nenhuma qualidade adicional, como nacionalidade, opção política, credo (RAMOS, 2016, p. 92). Apesar de haver Convenções com objetos mais específicos, aplicadas, por exemplo, ao trabalho das mulheres, todos os instrumentos visam a efetivar direitos inerentes à dignidade humana. A essencialidade diz respeito ao conteúdo dos valores que são defendidos, que devem ser imprescindíveis por natureza. As Convenções da OIT promovem condições de trabalho dignas e o bem-estar social, valores supremos do ser humano (PIOVESAN, 2016, p. 197). Justamente por protegerem valores de tal relevância, os direitos promovidos são irrenunciáveis e inalienáveis, ou seja, a autorização de seus titulares não convalida qualquer violação, tampouco podem os direitos ser transferidos ou cedidos, onerosa ou gratuitamente (MAZZUOLI, 2015, p.33). A inexaurabilidade diz respeito à possibilidade de expansão dos direitos, podendo sempre serem acrescidos novos (MAZZUOLI, 2016, p.32). A vedação do retrocesso, por sua vez, con10
24
OIT. Disponível em http://www.oitbrasil.org.br/content/hist%C3%B3ria. Acesso em 22 de janeiro de 2018.
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
siste na impossibilidade de diminuição de direitos já assegurados, admitindo-se somente aprimoramentos e acréscimos (RAMOS, p.99). A aplicação da cláusula de diálogo prevista no artigo 19, §8º, da Constituição da OIT corrobora a presença de tais características nas Convenções da OIT, porque, segundo esta, em caso algum a adoção de uma convenção deve afetar qualquer lei, sentença, costumes ou acordos que assegurem aos trabalhadores interessados condições mais favoráveis que as previstas pela convenção, ou seja, os direitos sempre podem ser expandidos e, além disso, não pode se proteger menos do que o que já se protegia. Por fim, as Convenções da OIT são imprescritíveis porque os direitos nela previstos não se esgotam com o passar do tempo, podendo serem vindicados a qualquer momento, salvo as limitações impostas por suas próprias normas(MAZZUOLI, 2016, p.32). Portanto, uma vez que as Convenções Internacionais da OIT apresentam todas as características particulares das normas de direitos humanos e consistem no principal instrumento de regulação internacional do trabalho da OIT, marco da internacionalização de tais direitos, conclui-se que devem ser assim enquadradas. Este entendimento encontra respaldo na doutrina pátria. Arnaldo Süssekind (2000, p.20) afirma que o Direito Internacional do Trabalho consagra alguns direitos naturais do homem, que independem de normas jurídicas para serem respeitadas eis que concernem a todos os seres humanos. Embora enquadre as Convenções da OIT como normas materialmente constitucionais11, Valério de Oliveira Mazzuoli (2016, p.1135) posiciona-se claramente neste sentido ao afirmar expressamente que Convenções Internacionais do trabalho versam sobre direitos humanos (notadamente direitos sociais). No mesmo sentido defende Carlos Husek (2011, p.28) ao afirmar que as Convenções da OIT são tratados de direitos humanos porque invariavelmente preconizam e se fundamentam em direitos sociais, que são pressupostos do exercício da cidadania e da erradicação da pobreza, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, de uma sociedade livre, justa e solidária, de prevalência de direitos humanos, de repúdio ao racismo e outras formas de manifestação do poder. No âmbito jurisprudencial pátrio, a aplicação das Convenções Internacionais da OIT ainda é bastante tímida, de modo que não se pode extrair conclusões precisas quanto à hierarquia de tais instrumentos no STF, por exemplo. Desde a Emenda Constitucional nº 45, cinco Convenções da OIT foram aprovadas e nenhuma delas obteve a aprovação por maioria qualificada, nos termos do artigo 5º, §3º, da Constituição da República (FILHO, 2016, p.19). Além disso, o STF não se posicionou diretamente, após firmar seu entendimento no leading case RE 466.343-1/SP, sobre a hierarquia de tais tratados internacionais. Entretanto, em consonância com as considerações aqui feitas, não remanescem dúvidas de que todas Convenções da OIT possuem hierarquia, no mínimo, de norma supralegal, ou seja, superior às leis ordinárias porque são enquadradas como normas de direitos humanos. 5. A REFORMA TRABALHISTA E O EFEITO PARALISANTE DAS CONVENÇÕES DA OIT Uma vez destacada sua natureza de direitos humanos e frisado o seu status minimamente supralegal, cumpre frisar que as Convenções da OIT podem e devem gerar seus efeitos sobre várias normas da Reforma Trabalhista que lhe sejam contrárias. Ao analisar o efeito de diplomas internacionais de direitos humanos, de natureza supralegal, sobre a legislação infraconstitucional conflitante, o STF fixou o entendimento no sentido do efeito paralisante daqueles sobre a eficácia desta12. 11
O autor enquadra as Convenções da OIT como normas materialmente constitucionais em virtude da regra insculpida no artigo 5º, §2º, da Constituição da República. 12 “Portanto, diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos
25
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Apesar de não ser o objetivo do presente trabalho investigar se, de fato, a Reforma Trabalhista ofendeu a dispositivos previstos em Convenções da OIT, apenas para enriquecer o presente estudo, cumpre esclarecer que a OIT posicionou-se de forma oficial sobre o tema ao responder consulta formulada por Centrais Sindicais quando ainda não vigente a Lei 13.467/2017, enfrentando os cinco questionamentos formulados13. Os dois últimos, referem-se não à lei referida, mas ao entendimento do STF acerca de determinados temas. O primeiro questionamento foi acerca da possível ofensa à Convenção 144 da OIT, ratificada pelo Brasil, que estabelece a obrigação de levar a cabo consultas tripartites sobre as atividades normativas da OIT, tendo-se indagado quanto à ausência de participação de entidades sindicais no trâmite normativo da legislação que empreendeu a Reforma Trabalhista. A resposta da OIT, apesar de assinalar a importância da consulta e do debate, foi no sentido de que o mencionado diploma aplica-se apenas às atividades normativas da OIT. Ou seja, o fato de as Centrais Sindicais e outros órgãos não terem sido consultados formalmente sobre à Reforma, a priori, não ofenderia a Convenção 144. Porém destacou-se que muitas Convenções ratificadas pelo Brasil, tal como a Convenção 15414, preveem de forma específica a necessidade de consulta previa tripartite. Então, com base nisto, destacou-se que a adoção de um projeto de Reforma Trabalhista deveria ser precedida por consultas detalhadas dos interlocutores. A segunda pergunta feita foi se o Estado Brasileiro estaria violando suas obrigações constitucionais ao permitir que por meio de uma negociação coletiva ou individual se pudesse escolher não aplicar uma Convenção da OIT ratificada. Com relação a esta indagação, a OIT expressamente afirmou que o país membro da Organização tem o dever de garantir a aplicação efetiva das Convenções ratificadas, não podendo rebaixar as suas proteções. Isso também pareceu claro no tocante ao questionamento 3, com relação a violação às Convenções 98, 151 e 154 pelo fato de, por meio da Reforma, a negociação coletiva ou individual, poder diminuir a proteção aos trabalhadores. A OIT afirmou que o objetivo das Convenções referidas é a promoção da negociação sempre para melhorar as condições de trabalho em face da legislação (princípio da proibição do retrocesso). Assim, a derrogação de uma legislação só seria possível de forma pontual e para beneficiar. A quarta pergunta foi sobre o entendimento do STF no sentido de que os trabalhadores do setor público não poderiam negociar coletivamente aumentos de remuneração; se tal entendimento violaria as Convenções 98 e 151. A resposta da OIT foi positiva porque tal possibilidade é plenamente aceita por tais Convenções (item 1.3 da Convenção 154). Por fim, a última indagação respondida pela OIT foi sobre o entendimento do STF sobre a vedação de que se pactue a cobrança de qualquer tipo de contribuição dos não filiados de entidades sindicais, inviabilizando-os financeiramente. humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante. Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (...) deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria (...). Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada.” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Voto do Ministro Gilmar Mendes no Acórdão no Recurso Extraordinário 466.343-1. Relator: PELUSO, Cezar. Publicado no DJ de 04 de junho de 2009. Disponível em: http://www.stf.jus.br/imprensa/ pdf/re466343,pdf . Acesso em 22 de janeiro de 2018. 13 O documento pode ser acessado por meio do seguinte endereço eletrônico: https://www.bsbcapital.com.br/ reforma-trabalhista-viola-convencoes-internacionais-diz-oit/ . Acesso em 22 de janeiro de 2018. 14 Art. 7 — As medidas adotadas pelas autoridades públicas para estimular o desenvolvimento da negociação coletiva deverão ser objeto de consultas prévias e, quando possível, de acordos entre as autoridades públicas e as organizações patronais e as de trabalhadores.
26
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Com relação a tal questionamento, a OIT afirmou que incumbe ao Estado, em conformidade com as Convenções 98 e 154, adotar as medidas para fomentar as organizações de trabalhadores e que a legislação que limita drasticamente o financiamento sindical deveria ser objeto de consulta prévia dos envolvidos em busca de um consenso. Enfim, ao responder às 5 perguntas, o que fica evidente é que para a Organização Internacional do Trabalho há ofensas a Convenções da OIT pela Reforma Trabalhista operada pela lei 13.467/2017. 6. CONCLUSÃO O estabelecimento da hierarquia das Convenções Internacionais da OIT no sistema jurídico possui grande importância à medida em que, segundo a doutrina majoritária no nosso direito, as ordens jurídicas nacionais e internacionais são enquadradas na perspectiva monista, em que a colisão entre elas gera efeitos jurídicos. A relevância da discussão é destacada quando o STF constrói o conceito de supralegalidade em sua jurisprudência, decidindo que as normas internacionais que versem sobre direitos humanos, ainda que não aprovadas com o quórum constitucional, devem ser enquadradas acima da legislação ordinária. O enquadramento das Convenções da OIT como normas de direitos humanos é clara ao se observar que a própria criação da OIT insere-se como marco da internacionalização de tais direitos e que todas as peculiaridades presentes nestas aplicam-se àquelas, como a historicidade, universalidade, essencialidade, irrenunciabilidade, inalienabilidade, ineuxaurabilidade, imprescritibilidade e vedação do retrocesso. Enquadradas as Convenções da OIT como normas de direitos humanos, o que lhe garante a hierarquia mínima supralegal, deve ser aplicado o entendimento do STF da eficácia paralisante sobre as normas infralegais que lhe sejam conflitantes. Assim, as alterações empreendidas pela Reforma Trabalhista brasileira que violem tais normas internacionais devem ter eficácia paralisada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho.10. ed. São Paulo: LTr, 2011. GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional.4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 20.09. GUNTHER, Luiz Eduardo. A OIT e o direito do trabalho no Brasil. Curitiba: Juruá, 2011. HUSEK, Carlos Roberto. Curso Básico de Direito Internacional Público e Privado do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2011. MAZZOULI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público.10.ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2016. ____Curso de Direitos Humanos. 2.ed. São Paulo: Método. 2015. ____Integração das Convenções e Recomendações internacionais da OIT no Brasil e sua aplicação sob a perspectiva do princípio pro homine. In Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, SP, n. 43, p. 71-94, jul./dez. 2013. ____Direito Internacional do Trabalho: o estado da arte sobre a aplicação das Convenções internacionais da OIT no Brasil, São Paulo: LTr, 2016. MELLO, Celso D.de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 1.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
27
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
PINTO, Marcio Morena. Introdução ao direito internacional do trabalho. São Paulo: LTr, 2014. PIOVENSAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 16.ed. São Paulo: Saraiva,2016. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 3.ed. São Paulo: Saraiva. 2016. REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do trabalho. 3.ed.São Paulo: LTr, 2000. SUSSEKIND, Arnaldo. Comentários à Constituição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v.1, 1990.
28
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO AUTÔNOMO SOB O PRISMA DA REFORMA TRABALHISTA E DA MEDIDA PROVISÓRIA 808/2017 THE REGULATION OF SELF-EMPLOYMENT UNDER THE PRISM OF LABOR REFORM AND PROVISIONAL MEASURE 808/2017 Lorenna Rocha Gomes15 A individualização traz para um número sempre crescente de pessoas uma liberdade sem precedentes de experimentar – mas [...] traz junto a tarefa também sem precedentes de enfrentar as consequências. (Zygmunt Bauman) RESUMO: O presente artigo, por meio de uma abordagem crítico-interpretativa, tem como objetivo precípuo analisar o artigo 442-B da Consolidação das Leis do Trabalho, introduzido no ordenamento juslaboral pela Lei n. 13.467/2017 e substancialmente alterado pela Medida Provisória 808/2017. O referido dispositivo, introduzido no Título IV da Consolidação, o qual se refere ao contrato individual de trabalho, inova e regulamenta o trabalho autônomo no âmbito da CLT, contudo não delimita os contornos dessa modalidade de contratação, especificando apenas que “cumpridas as formalidades legais” a contratação do autônomo afasta a relação de emprego. Desse modo, para que esse dispositivo não seja interpretado como preceito para a exclusão do pleno emprego, faz-se uma reflexão acerca do postulado constitucional de valorização e promoção do trabalho socialmente protegido, bem como do princípio da primazia da realidade como instrumentos para a limitação à contratação de trabalhadores - muitas vezes, formalmente - autônomos. PALAVRAS-CHAVE: Trabalho autônomo. Regulamentação. Princípio da primazia da realidade. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O trabalho autônomo “ex-clusivo” regulamentado pela MP 808/2017: uma análise crítica do artigo 442-B da CLT; 3. A regulamentação do trabalho autônomo e o princípio da primazia da realidade: uma sociedade de empreendedores?; 4. Uma interpretação à luz da constituição federal. A (in)constitucionalidade do artigo 442-B da CLT e seus impactos socioeconômicos; 5. Conclusão; 6. Referencial teórico. ABSTRACT: The present paper, by means of a critical-interpretative approach, has as its main objective to analyze the article 442-B from Consolidação das Leis do Trabalho (CLT – Consolidation of Labor Laws), introduced into the labor legal order by the Law nº 13.467/2017 and substantially amended by the Provisional Measure 808/2017. The referred provision introduced in the Title IV from Consolidation, which refers to individual employment agreement, innovates and regulates the autonomous work within the framework of the CLT, however does not delimit the contours of this modality of contracting, specifying only that “having fulfilled the legal formalities” the hiring of the autonomous worker does not constitute employment relationship. Thus, so that this provision is not interpreted as a precept for the exclusion of full employment, it is necessary to reflect on the constitutional postulate of valorization and promotion of socially protected work, as well as principle of primacy of reality as instruments for hiring limit of autonomous workers. KEYWORDS: Autonomous work. Regulamentation. Principle of primacy of reality. SUMMARY: 1. Introduction; 2. The “ex-clusive” autonomous work regulated by MP 808/2017: a critical analysis of CLT Article 442-B; 3. The regulation of autonomous work and the principle of the primacy of reality: a society of entrepreneurs? 4. An interpretation in light of 15
Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário do Distrito Federal – UDF; loren.r.gomes@gmail.com
29
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
the federal constitution. The (in) constitutionality of CLT Article 442-B and its socio-economic impacts; 5. Conclusion; 6. Theoretical reference. 1. INTRODUÇÃO A partir da década de 1970, instaurou-se na política uma corrente de pensamento econômico ultraliberal, o qual defende a ideia de Estado mínimo e, portanto, se contrapõe às políticas do Estado de Bem-Estar. Esse pensamento impõe que o mercado seja o regulador da ordem econômica e social e propugna a mitigação das políticas sociais trabalhistas e previdenciárias. Sob influência desse pensamento, surgem – ou melhor, fabricam-se - necessidades de flexibilização e modernização de direitos sociais, em especial os trabalhistas, com o escopo de alavancar a economia do país, posto que, para o capital, os custos com tal política distributiva obstaculizam o crescimento econômico, prejudicam a atividade empresarial e ainda são responsáveis por impedir a criação de postos de trabalho. Alicerçada nesses argumentos a Lei n. 13.467/2017, posteriormente alterada pela Medida provisória 808/2017, promoveu amplas e graves alterações no ordenamento juslaboral e dentre elas regulamentou no âmbito trabalhista a figura do trabalhador autônomo, típico do Direito Civil. O novel artigo 442-B da Consolidação das Leis do Trabalho consagra o trabalho autônomo, conferindo a possibilidade de realização ampla para essa modalidade de contratação individual que, por sua vez, afasta a condição de emprego pleno em razão da ausência de subordinação, a qual configura elemento fático-jurídico da relação empregatícia, relativizando assim o princípio protetor em prol da autonomia individual do trabalhador. Todavia, o direito ao trabalho socialmente protegido constitui direito fundamental previsto constitucionalmente e, portanto, deve ser garantido pela legislação infraconstitucional. Desse modo o artigo 442-B da CLT não pode ser interpretado de maneira generalizada, de modo a configurar preceito para a exclusão do pleno emprego. Destarte, deve-se recordar sempre que o Direito do Trabalho surge exatamente em tempos liberais para humanizar a força do capital sobre a classe operária, garantindo assim um patamar mínimo civilizatório aos trabalhadores, que no ordenamento jurídico brasileiro é conferido pela condição de pleno emprego, a qual constitui “a principal modalidade de conexão do trabalhador ao sistema econômico e social contemporâneo” (DELGADO, 2017, p. 49). Desse modo, diante dessa alteração legislativa e amplamente lesiva posta pela reforma trabalhista, é de suma importância o estudo pormenorizado desse dispositivo à luz da Constituição Federal e da legislação infra, buscando o reconhecimento e valorização do trabalho socialmente protegido para que o patamar de proteção não seja somente mínimo, mas seja realmente civilizatório. 2. O TRABALHO AUTÔNOMO “EX-CLUSIVO” REGULAMENTADO PELA MP 808/2017: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO ARTIGO 442-B DA CLT A Reforma Trabalhista – Lei 13.467/2017 – acrescentou ao ordenamento juslaboral novas formas de trabalho, dentre elas, tipificou o trabalhador autônomo exclusivo ao inserir o artigo 442-B na Consolidação das Leis do Trabalho. Ocorre que, na mesma semana na qual entrou em vigência a supracitada lei, o Presidente Michel Temer editou uma Medida Provisória – MP 808/2017- que alterou, dentre tantos outros noveis dispositivos, o caput do referido artigo e lhe acrescentou sete parágrafos. Esse dispositivo, como se verá, bem retrata o ideário político criado para a aprovação da reforma, qual seja a necessidade de atualizar a legislação trabalhista tendo em conta a sua suposta rigidez que, à vista dos reformadores, impede a geração de empregos e traz insegurança jurídica ao empresariado. A palavra de ordem é, portanto: “modernizar”. E tendo isso como ponto de partida, elegeu-se como fundamental para o progresso socioeconômico a limitação da 30
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
intervenção estatal nas relações de trabalho e, potencializando a autonomia da vontade, considerou-se que o contratualismo é a condição ideal e justa para os atores da relação de trabalho. Puro fetiche liberal do Estado mínimo (BARROSO, 2017, p. 244). O trabalho autônomo, nunca antes regulamentado pela CLT, consiste em um pacto de natureza civil de prestação de serviços - artigo 594, CCB/2002 - ou de empreitada – artigo 610, CCB/2002 – que tem raízes remotas, respectivamente, na locatio operarum e na locatio operis do Direito Romano (DELGADO, 2017, p. 375), pautado na autonomia da vontade, ou seja, fundado numa real liberdade para estabelecer direitos e obrigações entre as partes. A definição de trabalhador autônomo é dada pela Lei 5.890/73 em seu artigo 2º, alínea c: Trabalhador autônomo - o que exerce habitualmente, e por conta própria, atividade profissional remunerada; o que presta serviços a diversas empresas, agrupado ou não em sindicato, inclusive os estivadores, conferentes e assemelhados; o que presta, sem relação de emprego, serviço de caráter eventual a uma ou mais empresas; o que presta serviço remunerado mediante recibo, em caráter eventual, seja qual for a duração da tarefa. [Grifo nosso]. (BRASIL, 1973).
Dessa forma, o trabalhador autônomo se distancia da relação de pleno emprego por duas razões, quais sejam: a ausência do elemento fático-jurídico da subordinação em qualquer de suas dimensões – elemento cardeal da relação empregatícia – e a pessoalidade. Precipuamente, a grande característica do trabalhador autônomo é que este detém a direção da atividade prestada, ou seja, é o trabalhador quem ditará as regras, para si próprio, de como concretizar da melhor forma o serviço para qual foi contratado. Destarte, esse não fica sujeito a nenhum comando do tomador de serviços, afinal o trabalhador autônomo possui, além do poder de negociação, autonomia para a consecução do trabalho, mas, em contrapartida, assume os riscos da atividade. Nas palavras de Délio Maranhão: Trabalhador autônomo é o que exerce habitualmente e por conta própria, atividade profissional remunerada. Não é empregado. A autonomia da prestação dos serviços confere-lhe uma posição de empregador em potencial: explora em proveito próprio, a própria força de trabalho. (1987, p. 51).
Diante disso, é logico concluir porque essa forma de trabalho nunca foi regulamentada pela CLT, pois o Direito do Trabalho tutela uma relação de sujeitos que se encontram em integral desigualdade, mas que são dependentes, cuidando assim da outra face da moeda: o trabalho subordinado, o qual exige a pessoalidade na prestação de serviços. A relação empregatícia reúne sujeitos com interesses distintos em que um explora a mão de obra alheia para obtenção de lucro, e o outro vende sua força de trabalho para sobreviver, condição que impossibilita de uma vez por todas o exercício pleno de sua liberdade contratual (BARROSO, 2017, p. 246). Sendo assim, em razão de uma igualdade meramente formal, o sistema normativo busca um equilíbrio para que não prevaleça o imperativo do mais forte ao mais tênue. Para tanto a autonomia da vontade presente nesse vínculo é limitada, pautada na lei e nos princípios trabalhistas que buscam, sob a ótica constitucional, melhores condições de trabalho e, por conseguinte, maior inclusão social, pautada sobretudo na dignidade do trabalhador. Nesse sentido Lorena Porto assevera que: As normas do Direito do Trabalho, tradicionalmente, têm como objeto a tutela do trabalhador subordinado (empregado), não abrangendo os autônomos. A razão apresentada para tal diferenciação, em geral é a hipossuficiência ou dependência econômica do empregado, que justifica as tutelas trabalhistas, por meio de normas imperativas, inafastáveis pela vontade das partes. O trabalhador autônomo, por sua vez, é apresentado como sendo autossuficiente ou independente, isto é, como sendo capaz de prover por si mesmo as suas necessidades, sem precisar da intervenção das normas jurídicas em seu favor (2009, p. 260).
À vista disso, a regulamentação do trabalho autônomo pelo ordenamento justrabalhista chega a causar estranheza, pois contraria a própria lógica desse ramo privado do Direito que 31
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
se consubstanciou, ao longo da história, na proteção do trabalhador hipossuficiente e, à luz da Constituição, na valorização do trabalho, principalmente do pleno emprego, que assegura aos trabalhadores maiores garantias legais. Assim, pode-se dizer que o legislador reformador ao elevar a autonomia da vontade do trabalhador e consagrar no ordenamento juslaboral o trabalhador autônomo, inverteu a lógica da famosa frase de Lacordeire: “entre o fraco e o forte, entre o pobre e o rico, é a liberdade que escraviza e a lei que liberta” (apud, PORTO, 2009, p. 27). O artigo 442-B foi introduzido no Capítulo do Contrato Individual de Trabalho e antes da MP 808 possuía a seguinte redação: Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação. [Grifo nosso]. (BRASIL, Lei 13.467, 2017).
Com a edição da MP 808 retirou-se do caput a hipótese da exclusividade, contudo, essa mesma medida acrescentou o parágrafo segundo16 ao artigo, afirmando não caracterizar a qualidade de empregado o fato do trabalhador autônomo prestar serviços a apenas um tomador. Ora, assim sendo, de um modo tanto quanto antitético como os poemas de Camões17, continuou a permitir a exclusividade do autônomo a um tomador de serviços, criando dessa forma a figura do autônomo “ex-clusivo”. O critério da exclusividade por si só não configura um dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego presente no artigo 3º da CLT, todavia, o binômio exclusividade-continuidade pressupõe trabalho subordinado na medida em que, inserido nesse contexto, o autônomo perde a sua característica marcante que é a independência, sendo, portanto, um “autônomo que trabalha sem autonomia” (VIANA, 2004, p. 154). Assim, quanto a caracterização da subordinação, assevera Lorena Porto Vasconcelos que essa é a “contraface do poder diretivo” (2009, p. 52), logo, “para haver subordinação deve haver também o exercício do poder diretivo, seja de fato ou potencialmente” (2009, p. 42). Consoante a mesma autora: a direção pode ainda ser consequência da própria organização da empresa: “se a atividade do trabalhador é integrada à atividade empresarial, no momento em que o empregador organiza essa última, ele está organizando, por via reflexa, a própria atividade obreira” (2009, p. 46). Nessa lógica, a Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (ANAMATRA) aprovou o Enunciado nº 53 sobre a Reforma Trabalhista: Trabalhador autônomo contínuo e exclusivo. Limites e interpretação conforme: Inteligência do art. 442-B da CLT à luz da Constituição Federal. Presume-se o vínculo empregatício diante da prestação de serviços contínua e exclusiva, uma vez que a relação de emprego é direito fundamental (arts. 1º, III e IV, 5º, caput e 7º da CF/1988), devendo o art. 442-B da CLT ser interpretado conforme a constituição federal para afastar a caracterização do trabalho autônomo sempre que o trabalhador, não organizando a própria atividade, tenha seu labor utilizado na estrutura do empreendimento e integrado à sua dinâmica. [Grifo nosso] (ANAMATRA, 2017).
A ideia que se tem sobre a vida de um trabalhador autônomo é de alguém livre e independente, como um viajante que dorme sem saber o próximo destino – próximo mesmo, o de amanhã! -. Mas, nesse caso específico, sem saber quem será seu tomador de serviços do dia seguinte e quando este aparece, tem que pensar quanto tempo levará para executar a imediata atividade, 16
§ 2º Não caracteriza a qualidade de empregado prevista no art. 3º o fato de o autônomo prestar serviços a apenas um tomador de serviços. 17 Luiz Vaz de Camões foi um famoso poeta português que no segundo momento de sua vida literária se dedicou à escrita barroca, a qual é marcada pelo contraste de ideias ou de palavras (paradoxo e antítese), pela ambiguidade, dualismo e pelo conflito. Um de seus mais famosos sonetos e que ilustra bem as características desse período literário é “Amor é fogo que arde sem se ver”. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Luís _de_Camões.
32
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
os custos que terá e o lucro que auferirá, e por fim se compensará seus esforços para realizar determinado serviço, senão a busca pelo tomador continuará pelas sequentes horas. Desse modo, como seria possível contratar com exclusividade e continuidade alguém que é independente, livre, que organiza a própria vida no trabalho, assume os riscos e que principalmente tem poder de negociação? Seria como propor a um viajante que explora o mundo que, “cumpridas as formalidades legais”, ele permanecerá livre para continuar explorando o mundo, mas agora a partir de um local fixo. Nessa hora pairaria em sua mente a mais clássica e filosófica frase de Shakespeare: “ser ou não ser, eis a questão” (2010, p. 118). Ora, fazer isso é alterar – sem informar - o próprio significado das palavras, não há como ser meio-livre. A Reforma Trabalhista permite assim uma ilusória sombra de liberdade para contratar, que representa para o trabalhador “independência” e para o empregador “segurança jurídica”, afinal de contas, tudo está no contrato. Entretanto, diante de todo o exposto, o que na realidade se tem é uma brecha – senão uma porta – à prática de fraudes trabalhistas, na medida em que contratar um autônomo “ex-clusivo” - que pode ser tudo exceto dependente - no final do mês acaba sendo muito mais vantajoso ao tomador de serviços que não terá de custear direitos trabalhistas. Nas palavras de Márcio Túlio Viana, “quando a própria lei chama a fraude, devemos nos preocupar” (VIANA, 2017, p. 298). Ainda no que concerne à presunção da subordinação nessa relação de trabalho, o parágrafo quarto do artigo 442-B assegura ao autônomo a possibilidade de recusar a realização da atividade demandada pelo contratante, mas garante ainda a aplicação de cláusula de penalidade prevista em contrato. Ora, se trata o dispositivo em questão de verdadeira expressão do poder punitivo trabalhista18, o qual demonstra a ausência da autonomia que, por sua vez, é o elemento caracterizador do trabalhador autônomo e confirma a relação de trabalho subordinado, pois, o poder empregatício somente se manifesta em uma relação na qual haja subordinação. Nesse sentido afirma Aldacy Rachid Coutinho: Se o empregador detém o poder punitivo, enquanto situação de supremacia sobre o empregado que, assim, se encontra numa posição de mera sujeição à pena ou sanção imposta, para observância da disciplina e da autoridade, está garantido o controle que deve exercer sobre a atividade desempenhada e remunerada e resguardado o interesse coletivo ou razão de ser do grupo. Há o rompimento de uma igualdade entre as partes contratantes. (1999, p. 87). [Grifo nosso].
No mesmo sentido ainda cabe analisar o parágrafo sétimo do dispositivo em questão à luz do conceito da subordinação estrutural engendrado por Maurício Godinho Delgado e reconhecido pela jurisprudência. Esse parágrafo certifica que não afasta a relação de trabalho autônomo o fato do trabalhador exercer atividade relacionada ao negócio da empresa contratante, entretanto tal disposição já demonstra indício de trabalho subordinado uma vez que, segundo o conceito supracitado, a subordinação se expressa “pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços [...] acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento” (DELGADO, 2017, p. 328). Nessa senda, tendo em vista a Recomendação 198 da OIT relativa a relação de trabalho que determina o reconhecimento e proteção da relação entre empregado e empregador, inclusive a partir da consagração de uma presunção legal de sua existência, a relação de emprego pleno deve ser reconhecida sempre que presentes tais indícios, pois, além disso, “a Constituição não admite a desfiguração da relação de emprego” (PEREIRA, 2015, p. 71). 18
O poder punitivo é também chamado de poder disciplinar e, segundo Maurício Godinho Delgado, significa o “conjunto de prerrogativas concentradas no empregador dirigidas a propiciar a imposição de sanções aos empregados em face do cumprimento por esses de suas obrigações contratuais. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16. ed. rev. e ampl. – São Paulo: LTr, 2017 p. 756.
33
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
3. A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO AUTÔNOMO E O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE: UMA SOCIEDADE DE EMPREENDEDORES? A liberdade, que representa a possibilidade do exercício da vontade individual ou coletiva, soa como algo espontâneo aos viventes do século XXI, pois é intrínseca a qualquer cidadão que já nasce imbuído de tal direito. Todavia, significa uma garantia conquistada à passos curtos perante às instituições, seja à igreja, ao Estado, à família e etc. A metafísica das ideias iluministas, principalmente sobre a valorização da liberdade e da igualdade, impulsionou os cidadãos desde a modernidade na busca por uma emancipação concreta. A corrida pela a autodeterminação individual soa como o canto da sereia para os indivíduos que estão cada vez mais individuais, sobretudo na era da pós-modernidade com a globalização - inclusive da economia -, os avanços tecnológicos entre tantas outras inovações que surgem a cada dia e são capazes de fomentar e materializar essa ânsia. Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, denomina a pós-modernidade como “mundo líquido”, no qual as coisas perdem a forma não de modo estanque, mas para dar lugar ao que é novo, imediato, e tudo isso ocorre em um lapso temporal muito veloz. Afirma ainda que a sociedade pósmoderna é uma sociedade de “indivíduos livres” (BAUMAN, 2001, p. 34), sempre em busca do próprio prazer, e o prazer dos pós-modernos é a independência. Nesse sentido o autor explica que: Ser moderno passou a significar, como significa hoje em dia, ser incapaz de parar e ainda menos capaz de ficar parado. Movemo-nos e continuaremos a nos mover não tanto pelo “adiantamento da satisfação”, como sugeriu Marx Weber, mas por causa da impossibilidade de atingir a satisfação: o horizonte da satisfação, a linha de chegada do esforço e o momento da autocongratulação tranquila movem-se rápido demais.” (2001, p. 40).
Como o horizonte que parece próximo, mas “anda” junto com quem o vê e se torna sempre mais distante, é a busca incessante pela autoafirmação, pelo sucesso individual, bem como pela tão desejada independência. Os sujeitos pós-modernos se reinventam e se empenham a cada dia na busca desse insaciável desejo, criando meios que os livrem sempre de quaisquer tipos de amarras, agora querem ser livres dos patrões, a descoberta da vez é o empreendedorismo. A globalização permitiu a massificação da sociedade, os meios e técnicas de produção não estão mais restritos a um grupo determinado, o que abranda a subordinação. Desse modo, a linha que divide empregado e empregador está cada dia mais tênue e a visão acerca desses dois grupos se torna cada vez mais turva. Todo esse contexto fático misturado à vontade de emancipar-se completamente, de ter finalmente autonomia e conquistar um lugar no podium da corrida pela autoafirmação influencia o empregado – que às vezes continua sendo empregado de fato – à empreender, mesmo que isto signifique perda de direitos. A busca pelo sucesso individual tem como fundamento a sede de igualdade, ninguém mais quer ser subordinado e esse sentimento é utilizado pelo capital para continuar explorando – de forma mascarada – os trabalhadores, chamando-os até de colaboradores ou parceiros (SOUTO MAIOR, 2008, p. 163), encorajando-os na busca pela autonomia. Nesse sentido, Márcio Túlio Viana: [...] o discurso é mesmo forte. Entre outras coisas, ele exige mais liberdade e igualdades – assim como faziam os hippies dos anos 60. Daí aquela valorização do contrato. Respeitá-lo significa, supostamente, celebrar as liberdades e tratar as pessoas como iguais – atendendo, portanto, aos seus anseios mais profundos. O próprio trabalhador pode se sentir melhor se o empresário o chama de “colaborador”, ainda que a sua “colaboração” implique, na prática, deixar de receber direitos. (2017, p. 297).
Empreender, por um lado, pode significar de fato sucesso e gerar bons frutos para a economia e para o mundo do trabalho com a criação de novos empregos, mas, por outro, pode servir como artifício para burlar a legislação trabalhista nos casos em que o autônomo seja, em substância, empregado (TEODORO, 2017). 34
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Destarte, assim como os indivíduos têm sonhos e os buscam diariamente, o capital também possui o seu: a acumulação, e para alcançá-la, assim como os sujeitos da pós-modernidade, se reinventa a cada dia e se manifesta sob novas formas capazes de intensificar seus ganhos. Para tanto, o caminho pelo qual o capital sempre trilha é aquele que o leva para longe da relação de trabalho subordinado, o deixa fora da relação de emprego e o isenta dos custos sociais dessa modalidade de trabalho, a partir disso cria e incentiva a terceirização, a pejotização, o trabalho autônomo... A Reforma Trabalhista, formulada com o escopo de modernização e flexibilização das normas, atende aos anseios individuais, coloca o contrato individual de trabalho à frente da legislação rígida, imperativa e consagra a figura do trabalhador autônomo sem especificar ou delimitar requisitos para a novel modalidade de contratação, de modo que qualquer empregado, “cumpridas as formalidades legais”, poderá ser (re)contratado como autônomo, possibilitando, dessa forma, a existência de “empresas sem empregados”19 (JANNOTTI; MELO, 2017 p. 29). A lei se restringe a dizer que “cumpridas as formalidades legais” (BRASIL, Lei 13.467, 2017, artigo 442-B) a contratação do autônomo é lícita e afasta, portanto, a relação de emprego. Entretanto, nada esclarece acerca do que seriam as “formalidades legais”, dando margem a uma ampla interpretação, possibilitando assim, em razão de uma omissão legal, a contratação em larga escala de trabalhadores sem vínculos. À vista disso, o empregado equiparar-se-á ao seu empregador, servindo-se por vezes da nomenclatura de pessoa jurídica e se autonomeando autônomo, deixando a sua antiga condição de subordinado para ser – pelo menos na forma - o seu próprio empregador. Todavia, não raro, a busca pela autonomia transforma os indivíduos em “trabalhadores com mascaras nos olhos e que, desse modo, embora sendo típicos empregados, passa à condição formal de trabalhadores autônomos sem ser” (SOUTO MAIOR, 2008, p. 163). Ocorre que, na realidade, não é somente o sonho pela emancipação concreta que move os empregados a transformarem-se em autônomos ou pessoas jurídicas, mas também o medo da demissão20, tendo em vista que o contexto em que um empregado se insere é um contexto marcado pelo desequilíbrio fático, no qual quem dá as cartas do jogo é o mais forte, ou seja, aquele que tem como anseio a acumulação. Destarte, as empresas perquirindo desde sempre a redução dos custos e o aumento dos lucros incentivam essas práticas, fazendo com que verdadeiros empregados se tornem falsos autônomos, o que implica na burla à relação de emprego e consequentemente na fraude às contribuições trabalhistas e previdenciárias como ocorre com o fenômeno da pejotização, no qual o empregado, incitado por seu empregador e/ou pelo desejo imediato de aumentar sua renda21, constitui uma pessoa jurídica com o fito de celebrar contrato de prestação de serviços, criando, desse modo, um bloqueio formal ao reconhecimento da relação empregatícia (FELICIANO, apud, RODRIGUES, 2008, p. 13). Levando em consideração todo o exposto e diante do amplo incentivo da contratação de trabalhadores autônomos pela reforma trabalhista que não delimita os contornos dessa atividade, 19
Diga-se de passagem, é o que permite o § 5º, do artigo 442-B, alterado pela MP 808/2017: Motoristas, representantes comerciais, corretores de imóveis, parceiros, e trabalhadores de outras categorias profissionais reguladas por leis específicas relacionadas a atividades compatíveis com o contrato autônomo, desde que cumpridos os requisitos do caput, não possuirão a qualidade de empregado prevista o art. 3º. 20 Assim explica Maria Cecília: “O medo do desemprego é um dos motivos que conduzem as pessoas a abrir um novo negócio, incitando o surgimento de postos informais de trabalho, de trabalhadores autônomos e do empreendedorismo. No entanto, o mesmo medo é o que os leva também à resiliência, pela qual estes trabalhadores aceitam se “pejotizar”, a fim de manterem sua fonte de renda.” TEODORO, Maria Cecília Máximo. A Síndrome do Patrão. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivos/2017/5/art20170503-05.pdf. 21 Jorge Luiz Souto Maior descreve que “muitas vezes ao próprio trabalhador pode parecer interessante ostentar a condição de pessoa jurídica ou empresário, seja pelo aspecto da capitis diminuto que, culturalmente, atribui-se ao termo empregado, seja por conta do proveito tributário que possa auferir, qual seja, deixar de pagar imposto de renda referente à pessoa física, pagando apenas imposto de pessoa jurídica [...]. MAIOR, Jorge Luiz Souto Maior. A Supersubordinação- invertendo a lógica do jogo. Revista do Tribunal Regional da 3ª Região, Belo Horizonte, v.48, n.78, p. 157-193, jul./dez.2008
35
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
bem como pelos empregadores, misturado à ideologia do empreendedorismo, pode-se questionar: há como uma sociedade ser formada somente por autônomos? Considerando a lógica capitalista, a sociedade que nela se insere poderia ser composta unicamente por empreendedores? Evidentemente que não, pois o sistema capitalista se consolidou através da emersão de duas classes antagônicas e sobrevive em razão da exploração de uma pela outra (SOUTO MAIOR, 2008, p. 174). Nesse sentido, tendo em conta que a lógica capitalista se mantém às custas de um sistema de desiguais, não se pode pensar em um conceito objetivo capaz de afastar a diligência do princípio da primazia da realidade sobre a forma - corolário do princípio da proteção - o qual tem previsão expressa no artigo 9º da CLT e que, segundo Maurício Godinho Delgado “constitui poderoso instrumento para a pesquisa e encontro da verdade real” (DELGADO, 2017, p. 155), de modo que se presentes os elementos fáticos-jurídicos da relação de emprego – pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação -, esse princípio deve imperar22 e o vínculo empregatício deve ser reconhecido assim como dispõe o próprio parágrafo sexto23 do artigo 442-B, da CLT incluído pela MP 808/2017. Por fim, percebe-se que a reforma incentiva a proliferação do trabalho autônomo como meio de aumentar os postos de trabalho, contudo, tendo sido o artigo 442-B introduzido no capítulo referente ao contrato individual de trabalho, a contratação do autônomo não pode se dá sob qualquer forma, sem nenhum contorno ou especificação como posto pela legislação reformadora, deve, pois, observar o artigo 2º, alínea c, da Lei 5.890/73 que traz o conceito de trabalhador autônomo enquanto pessoa física. Destarte, a relação de trabalho, em qualquer de suas formas, se dá entre pessoa jurídica e pessoa física, de modo que o contrato em questão não pode ser celebrado entre pessoas jurídicas, pois este é regido pelo Código Civil, seja a empreitada ou locação de serviços e, portanto, estão fora da órbita do direito laboral e de seu manto protetivo. Desse modo, representaria fraude ao ordenamento juslaboral, pois, segundo os ensinamentos de Délio Maranhão e Luiz Inácio, “no contrato de trabalho, mesmo o autônomo, o prestador de serviços, ou quem se obriga a realizar a obra certa, há de ser uma pessoa física” (MARANHÃO; CARVALHO, 1993, p 49). Além de fraude à relação de emprego, configura também fraude ao sistema de contribuição previdenciária, uma vez que as empresas não recolhem contribuição incidente sobre a remuneração paga à pessoa jurídica (IBRAHIM, 2012, p. 251). Desse modo, observando essas questões, a ANAMATRA aprovou os seguintes enunciados sobre o trabalho autônomo regulamentado pela reforma: Enunciado nº 54: Trabalhador autônomo exclusivo e formas jurídicas irreais. O artigo 442B da CLT não permite a contratação de trabalhador constituído sob a forma de pessoa jurídica, de microempreendedor individual (MEI) e de empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), entre outras, quando presentes os pressupostos para o reconhecimento da relação de emprego (artigos. 2º e 3º da CLT) (ANAMATRA, 2017). Enunciado nº 95: Empresa individual. Prestação de serviços à tomadora pelo titular. Vínculo empregatício. A prestação de serviços de empresa individual contratada deve ser realizada por seus empregados. Quando seu titular realiza pessoalmente as atividades para a empresa tomadora, forma-se o vínculo empregatício entre titular e tomadora (ANAMATRA, 2017).
Dessa forma, tendo em conta todo o exposto, não se pode considerar uma mera sombra de liberdade e independência na consecução das atividades pertinentes ao trabalho como uma fonte de autonomia capaz de emancipar o empregado e torná-lo empregador de si mesmo sem 22
Para Délio Maranhão e Luiz Inácio “o contrato de trabalho é um contrato realidade: são os fatos que definem sua existência e não o nomen juris que lhe possa ter sido atribuído.” MARANHÃO, Délio, CARVALHO, Luiz Inácio Barbosa. Direito do Trabalho – 17. ed. rev. e atual. de acordo com a Constituição de 1988 e legislação posterior. – Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1993. p. 47. 23 § 6º Presente a subordinação jurídica, será reconhecido o vínculo empregatício.
36
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
que na verdade o seja ou possa ser, alterando tão somente e formalmente a sua condição social de empregado, pois é inadmissível qualquer forma de exclusão da relação de emprego, ainda que advenha da vontade individual do trabalhador. Nesse sentido asseveram Maria Cecília e Lívia Mendes que a relação de emprego tem como finalidade precípua “conferir proteção jurídica e social ao trabalhador subordinado e economicamente hipossuficiente, e não pode ser excluído em face de simples declaração de vontade das partes como é próprio da órbita civilista” (2017, p. 137). Destarte, o discurso do empreendedorismo como via para o alcance da emancipação mais se assemelha à alegoria do mito da caverna (PLATÃO, 2008, p. 210), pois, somente a partir da constatação pelo trabalhador acerca da ilusão que é essa sombra de liberdade criada pelo capital - se valendo do individualismo presente na sociedade pós-moderna -, bem como do reconhecimento de sua própria identidade enquanto sujeito de direitos e obrigações é que se tornará possível a sua real independência. Segundo Manuel Castells “quanto maior a reflexão do homem quanto ao reconhecimento de sua própria identidade, maior a sua capacidade de emancipação” (2001, p. 22-28, apud, NEVES DELGADO, 2017, p. 63). Nesse sentido, o reconhecimento de si enquanto ser social pertencente à classe trabalhadora possibilita ao trabalhador o desenvolvimento de uma identidade capaz de inseri-lo, econômica e socialmente, na vida em sociedade, principalmente na sociedade capitalista. Desse modo, tendo em vista a distância que existe entre querer e de fato ser, e para que não seja retomado o período marcado pela ausência de direitos trabalhistas como ocorrera no tempo das primeiras industrias inglesas – uma vez que o trabalho autônomo exclui o trabalhador do manto protetivo juslaboral -, o processo pelo qual o trabalhador poderá alcançar verdadeira emancipação é somente aquele que o leva ao reconhecimento de sua verdadeira identidade, pois, de nada adianta uma liberdade que não traz igualdade. 4. UMA INTERPRETAÇÃO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 442-B DA CLT E SEUS IMPACTOS SOCIOECONÔMICOS A Constituição Federal de 1988 se insere no contexto do Estado Democrático de Direito, o qual é iluminado pelos valores que dizem respeito à pessoa humana, tendo o homem como centro convergente de direitos (NEVES DELGADO, 2017, p. 29). Para Mauricio Godinho Delgado “o Estado Democrático de Direito é sustentado por um tripé composto pela centralidade conferida ao ser humano, com a dignidade que lhe é própria; pela sociedade civil democrática e inclusiva e pela sociedade política, também de caráter democrático e inclusivo.” (DELGADO, 2017, p. 45). À vista disso, o Estado Democrático de Direito que tem como escopo a valorização da pessoa humana a partir de sua dignidade, inaugura uma nova ordem na história e, elegendo os princípios e os direitos fundamentais como pilares de sua gestão, rompe com a democracia liberal do Estado de Direito. Nesse sentido, a palavra democracia em um Estado Democrático de Direito, significa a promoção de valores sociais tais como liberdade, igualdade e dignidade da pessoa, e como bem nota José Afonso da Silva, por suceder a palavra Estado ela o qualifica, irradiando valores sobre toda a ordem jurídica (DA SILVA, 2014, p. 121). Diante disso, o constituinte originário afirmou a pessoa humana e sua dignidade de forma abundante no texto constitucional em diversos momentos e dispositivos, quais sejam os princípios fundamentais (art. 1º, IV); direitos e garantias fundamentais (art. 5º, XIII); direitos sociais (arts. 6º ao 11º); na ordem econômica e financeira (art. 170, VIII) e na ordem social (art. 193), e para que se tornem tangíveis os valores sociais supracitados, elegeu o Direito Fundamental ao Trabalho como um de seus pilares24, firmando compromisso com a garantia do trabalho es24
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II – a
37
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
pecialmente do pleno emprego para o alcance da justiça social25. Para Ricardo José Macedo de Britto Pereira “o modelo de Estado previsto na Constituição de 1988 baseia-se na centralidade do trabalho socialmente protegido”. (2015, p. 66). Dessa feita, o poder inaugural instituiu um capítulo específico para os direitos fundamentais trabalhistas e o protegeu conferindo-lhe status de cláusula pétrea – artigo 60, §4º, IV, da CF - devido a sua relevância para o desenvolvimento social e econômico tendo em vista ser a mais importante política pública inclusiva erigida no capitalismo (DELGADO, 2017, p. 56). Em oposição ao Estado Democrático, a reforma trabalhista por meio do artigo 442-B institui o trabalho autônomo, tornando-o possível por meio da formalização de um simples contrato, afastando, desse modo, o manto protetivo da relação de emprego consubstanciado no artigo 7º, I, da CF/88, o qual pressagia a universalidade dos direitos fundamentais trabalhistas. Entretanto, a relação de trabalho socialmente protegida, ou seja, o pleno emprego, constitui direito fundamental alicerçado no princípio da justiça social como dito, o qual estabelece que “a realização pessoal das pessoas não passa apenas por sua aptidão individual de bem se posicionar no mercado capitalista. Essa realização material depende também de fatores objetivos que devem ser regulados ou instigados por norma jurídica” (DELGADO, 2017, p. 61), além disso, esse direto fundamental configura importante instrumento para a realização dos compromissos constitucionais definidos no artigo 3º, da CF/8826. A relação de trabalho autônomo se encontra fora da órbita de proteção social, porquanto presume atores em equidade e o sistema protetivo tutela as relações em que há hipossuficiência de uma delas. Desse modo, a relação autônoma não constitui uma relação formal de emprego. Nessa perspectiva, o contrato dessa forma de prestação de trabalho, ao contrário do contrato de pleno emprego, retira o ser do centro de uma proteção jurídica, pois o que será protegido é meramente o serviço objeto do termo e não o seu executor, o que destoa completamente da vontade do constituinte originário que, como visto, elegeu o ser e o trabalho que o dignifica como centro convergente de direitos. Nessa senda, os trabalhadores ficam excluídos das benesses do sistema e passam a compor um grupo que se encontra às margens de uma proteção legal efetiva. Como não se inserem em um contexto de pleno emprego, não ficam sob o abrigo dos direitos elencados pelo artigo 7º da Constituição Federal, o que pode levá-los, por exemplo, a laborar além da jornada de trabalho limitada, não auferir o salário mínimo, bem como adicionais de segurança e tantos outros direitos. Todavia, o direito ao trabalho na condição de pleno emprego ultrapassa essas garantias constitucionais, é sinônimo de realização pessoal para o ser humano trabalhador que dele necessita para manter a sua subsistência, é também sinônimo de dignidade, cidadania e inclusão social pois insere o cidadão na sociedade de consumo, daí a importância de proteger esse direito, pois protegê-lo significa valorizar quem o realiza e assim cumprir a vontade constitucional. Ademais, o trabalho regulamentado nos termos constitucionais configura eficiente política de distribuição de renda e fonte de custeio para a seguridade social, sendo demasiadamente importante para a ordem econômica e social e para o avanço democrático segundo afirma Mauricio Godinho Delgado (2017, p. 85-88). cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – pluralismo político”. BRASIL, Constituição Federal, 1988. [Grifo nosso]. 25 Para Mauricio Godinho Delgado “são impensáveis a estrutura e a operação prática de um efetivo Estado Democrático de Direito sem a presença de um Direito do Trabalho relevante na ordem jurídica e na experiência concreta dos respectivos Estados e sociedade civil. DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e direitos fundamentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho. 4. ed. – São Paulo: LTr, 2017. p. 51. 26 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. BRASIL, Constituição Federal, 1988.
38
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Atender o preceito constitucional de centralização do ser humano como núcleo de proteção maior é de suma importância para o desenvolvimento dos direitos sociais como o Direito do Trabalho e o Direito Previdenciário que é um dos pilares da seguridade social, os quais possuem como base o princípio da proteção (NEVES DELGADO, 2017, p. 190). No que se refere ao princípio protetivo atinente ao Direito Previdenciário, esse se encontra em um aspecto ampliativo, pois a seguridade social representa a garantia de direitos sociais mínimos à toda sociedade e não só de seus contribuintes previdenciários como por exemplo o direito à saúde que é seguimento da seguridade social e um direito de todos, inclusive daqueles que não contribuem (IBRAHIM, 2012, p. 5-8). Para Marcelo Fernando Borsio, a previdência social tem como primado o trabalho (2017, p. 528), o qual também configura uma de suas mais importantes formas de custeio, principalmente o trabalho socialmente protegido, ou seja o pleno emprego, já que o Direito Previdenciário possui um conceito amplo de empregado (IBRAHIM, 2012, p. 182), o qual, por conseguinte, engloba uma gama maior de segurados obrigatórios. O trabalhador autônomo, agora também regulamentado pela CLT com a reforma trabalhista, igualmente é segurado obrigatório da previdência social, contudo essa classe raramente contribui com o sistema previdenciário e os motivos são variados27, o que os deixa excluídos da proteção ofertada pelo sistema de previdência social e compromete o desenvolvimento dessa política social tendo em vista que o modelo segue o princípio contributivo, o qual garante a arrecadação. Desse modo, observa-se que a relação empregatícia garante o sustento e a continuidade da previdência social, pois a formalização do pleno emprego viabiliza o modo de arrecadação contributivo e torna possível uma fiscalização mais eficaz acerca dos contribuintes obrigatórios. Nesse sentido, a previdência social que tem como vetor a dignidade humana na busca de um patamar mínimo civilizatório destinado ao alcance do bem estar social e por fim da justiça social, precisa ser devidamente valorizada e suas principais fontes de custeio precisam ser fomentadas e garantidas pelo ordenamento jurídico pátrio de modo que a contratação do autônomo não pode se dá de forma generalizada. Destarte, a regulamentação ampla do trabalho autônomo pela CLT transfere unicamente ao empregador a decisão de contratar um empregado ou um trabalhador autônomo, decisão essa que já se pode imaginar o resultado, pois se torna muito mais vantajoso contratar alguém que assume totais riscos de seu trabalho. Outrossim, ainda quando essa decisão fica a cargo da parte hipossuficiente da relação, as vantagens que o sistema oferece a conduz muitas vezes a aceitar a condição de autônomo, abrindo mão de garantias trabalhistas em troca de um salário um pouco maior que, à primeira vista representa maiores chances na busca de um lugar ao sol em uma sociedade capitalista, entretanto, tudo isso solapa o postulado constitucional de valorização do pleno emprego, bem como os mecanismos constitucionais de custeio da seguridade social. Tendo em vista todas as considerações apresentadas, revela-se inconstitucional a regulamentação generalizada do trabalho autônomo, pois, como demonstrado, o novel dispositivo 442-B da CLT viola frontalmente o princípio constitucional da justiça social consubstanciado nos artigos 170 e 193 da Carta Magna, de suma importância para a garantia da cidadania e da inclusão social por meio das políticas sociais trabalhistas e previdenciárias que constituem direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal, bem como para salvaguardar a dignidade da pessoa humana. 27
Texto publicado pelo IPEA assevera alguns motivos: “decisão – normalmente ilegal – patronal ou opção individual pela não contribuição, facilitadas pela insuficiência ou impossibilidade de fiscalização, desconhecimento de obrigações e direitos previdenciários, e/ou trajetória laboral errática, por razões de desemprego ou informalidade, marcada por baixos rendimentos, por exemplo”. ANSILIERO, Graziela; COSTAZANI, Rogério Nagamine. Cobertura e Padrão de Inserção Previdenciária dos Trabalhadores Autônomos no Regime Geral de Previdência Social. IPEA, 2017. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_ content&view=article&id=31420&catid=397&Itemid=424.
39
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
A violação desse princípio com vistas à equidade se dá uma vez que, o referido dispositivo eleva a livre concorrência – inclusive entre os próprios trabalhadores - em detrimento do valor social do trabalho, afastando o primado do pleno emprego, o qual constitui direito fundamental e alicerce da ordem constitucional, permitindo a direção exclusiva do mercado econômico, o que oportuniza a ocorrência dos impactos socioeconômicos evidenciados, prejudica o desenvolvimento sustentável e compromete a paz social. Dessa feita, tendo em conta todo o sistema constitucional de proteção ao emprego consolidado nos artigos 7º ao 11º do Texto Máximo, e sendo a relação empregatícia aquela que confere diretamente ao trabalhador maiores garantias legais e possibilita o desenvolvimento social de maneira justa e equilibrada, a contratação do autônomo deve se dá de maneira excepcional e, portanto, a sua regulamentação deve observar os limites constitucionais da dignidade humana, pois o Estado Democrático de direito configura óbice à mercantilização do trabalho. Diante de todo o exposto, para o alcance da justiça social tal como da paz social, faz-se necessário o império de todo postulado constitucional e o cumprimento dos direitos fundamentais sociais que “constituem parâmetro hermenêutico e valores superiores de toda a ordem constitucional e jurídica” (SARLET, 2015, p. 67), pois como assevera Paulo Bonavides “os direitos sociais básicos uma vez desatendidos, se tornam os grandes desestabilizadores das Constituições” (2011, p. 393). 5. CONCLUSÃO A reforma trabalhista de cunho liberal e mercadológico, ascendeu o princípio da autonomia da vontade em detrimento do princípio da proteção, e como visto regulamentou de forma ampla o trabalho autônomo, o qual exclui o trabalhador do manto protetivo do Direito do Trabalho. Contudo, tendo em vista o postulado constitucional de proteção e valorização do pleno emprego como a mais importante política pública social e econômica, o novel artigo 442-B não pode ser interpretado de forma ampla e objetiva como foi posto pelo legislador reformador, de modo a constituir uma “excludente legal da relação de emprego” (PORTO, 2017, p. 311), violando frontalmente o Texto Máximo. Nesse sentido, considerando-se os impactos socioeconômicos que poderão ser causados em razão da generalização do trabalho autônomo, deve-se observar a Recomendação n. 198 da OIT que trata sobre a presunção e declaração da relação empregatícia sempre que presentes indícios para tanto, bem como do princípio da primazia da realidade que constitui importante mecanismo de investigação e desconstituição de fraudes trabalhistas. Ademais, tendo-se a dignidade humana como parâmetro para o valor social do trabalho em um Estado Democrático de Direito conforme estudado, essa modalidade de contratação não pode ser a regra, pois compromete inclusive a seguridade social, prejudicando o desenvolvimento social e econômico. Deve-se assim priorizar o pleno emprego, uma vez que, protegê-lo significa preservar a própria dignidade do ser humano. Nessa perspectiva, Ricardo José Macedo de Britto Pereira salienta que “ainda estamos a meio caminho da conversão dos trabalhadores em cidadãos plenos. O modelo de relação de emprego incorporado na Constituição é que assegura um piso de civilidade como condição de desenvolvimento da sociedade” (2015, p. 73). Desse modo, se torna imprescindível para a concretização dos fins do Direito do Trabalho, o império das normas constitucionais. REFERENCIAL TEÓRICO ANAMATRA. Enunciados aprovados na 2ª jornada de direito material e processual do trabalho. Tema: Reforma Trabalhista. Disponível em: http://www.jornadanacional.com.br/listagem-enunciados-aprovados-vis1.asp. 40
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 27. ed., atualizada. São Paulo: Malheiros Editores Ltda. 2012. BARROSO, Fábio Túlio. Potencialização da autonomia da vontade individual na reforma trabalhista: restrições estruturais e constitucionais. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Cláudio Jannotti da (coord.). Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhista e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017. BORSIO, Marcelo Fernando. Para uma previdência efetivamente social, além de Bismmarck. O diálogo entre Estados. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Cláudio Jannotti da (coord.). Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhista e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017. COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder Punitivo Trabalhista. – São Paulo: LTr, 1999. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16.ed. São Paulo: LTr, 2017. ______ Princípios constitucionais do trabalho e princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 5.ed. São Paulo: LTr, 2017. ______; Delgado, Gabriela Neves. Constituição da República e Direitos Fundamentais. 4.ed. São Paulo: LTr, 2017. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 17ª. ed. rev. ampl. e atual. – Rio de Janeiro : Impetus, 2012. MAIOR, Jorge Luiz Souto Maior. A Supersubordinação- invertendo a lógica do jogo. Revista do Tribunal Regional da 3ª Região, Belo Horizonte, v.48, n.78, p. 157-193, jul./dez.2008. MARANHÃO, Délio. Direito do trabalho. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: FGV, 1987. ______; CARVALHO, Luiz Inácio Barbosa. Direito do Trabalho – 17. ed. rev. e atual. de acordo com a Constituição de 1988 e legislação posterior. – Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1993. MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Cláudio Jannotti da. Introdução. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Cláudio Jannotti da (coord.). Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhista e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017. PEREIRA, Ricardo José Macedo de Britto. A inconstitucionalidade da liberação generalizada da terceirização. Revista da ABET (Impresso), v. 14, p. 62-77, 2015. PLATÃO. A República. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret Ltda., 2008. PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. – São Paulo: LTr, 2009. ______ O trabalho autônomo na reforma trabalhista e a violação às normas internacionais de proteção ao trabalho. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Cláudio Jannotti da (coord.). Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhista e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 12. ed. rev. atual e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015.
41
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
SHAKESPEARE, William. Hamlet, Rei Lear, Macbeth. Tradução de Barbara Heliodora. – São Paulo: Abril, 2010. (Clássicos Abril Coleções; v. 10). SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores Ltda. 2014.
TEODORO, Maria Cecília Máximo. A Síndrome do patrão. Disponível em: http://www.migalhas.com. br/arquivos/2017/5/art20170503-05.pdf. ______; MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. Alguns dos efeitos econômicos, arrecadatórios e sociais da reforma trabalhista. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Cláudio Jannotti da (coord.). Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhista e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017. TURCATO, Sandra; RODRIGUES Rosualdo. PJ é artifício para sonegação de direitos. Expediente Revista ANAMATRA. Ano: XVIII, Número: 55 Edição 2° semestre de 2008. VIANA, Márcio Túlio. Livrem-nos da livre negociação: aspectos subjetivos da reforma trabalhista. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Cláudio Jannotti da (coord.). Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhista e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017.
42
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
SEGURANÇA JURÍDICO-TRABALHISTA NA CONSTITUIÇÃO BRASILIERA E A INTERPRETAÇÃO DA PRESCRIÇÃO NO AUXÍLIO-DOENÇA LABOR-JURIDICAL SAFETY IN THE BRAZILIAN CONSTITUTION AND THE INTERPRETATION OF PRESCRIPTION IN AID-DISEASE Janaína Guimarães Santos28 RESUMO: O presente artigo científico busca refletir e sopesar na ponderação da atividade interpretativa na aplicação concreta do conceito de segurança jurídico-trabalhista a partir da Constituição Federal de 1988, quando da aplicação da prescrição e seus efeitos nos casos do empregado encostado no INSS por auxílio-doença ou aposentado por invalidez. As normas fundamentais e sociais constitucionais darão suporte ao estudo, além da CLT, notadamente o art. 476 da CLT, e os efeitos suspensivos ao contrato quando concedido auxílio doença ou aposentadoria por invalidez, analisando se também seriam casos de condição suspensiva da prescrição. Aborda-se ainda os efeitos do benefício previdenciário por incapacidade do trabalhador no contrato de trabalho e no direito do trabalho, que são, respectivamente, suspensão contratual e suspensão ou impedimento da prescrição bienal e qüinqüenal, analisando a controvérsia jurisprudencial dos Tribunais Regionais e do Tribunal Superior, com enfoque na Orientação Jurisprudencial 375 – SBD-1, acerca do conceito empregado à segurança jurídica e do efeito da suspensão contratual do contrato de trabalho e suspensão do prazo prescricional visando a quitação das verbas trabalhistas no momento da suspensão contratual ou no futuro quando o obreiro for considerado inválido, aposentando-o, na resolução dos conflitos de interesses entre empregado e empregador. PALAVRAS-CHAVE: Segurança jurídica. Direito fundamental e social constitucional. Suspensão contratual. Auxílio doença. Aposentadoria por invalidez. Prescrição. Impedimento ou Suspensão da contagem do prazo prescricional. Condição suspensiva. Aplicação subsidiária do Código Civil à Consolidação das Leis Trabalhistas. Impedimento ou suspensão da prescrição. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Da segurança jurídica; 2.1. Acepções histórica, sociológica, filosófica, dogmática; 2.2. Direito fundamental constitucional e ponderação; 3. Da prescrição; 3.1. Conceito e manifestações doutrinárias; 3.2 Aplicação subsidiária do código civil brasileiro; 4. Do auxílio doença e da aposentadoria por invalidez como causas de suspensão do contrato de trabalho e da prescrição; 4.1. Da aplicação subsidiária do código civil à consolidação das leis do trabalho; 4.2. A jurisprudência acerca da aplicação e interpretação das causas de suspensão ou impedimento de contagem de prazo prescricional até a uniformização de entendimento na oj n. 375 da SDI-1 DO TST; 4.3. Breves considerações do direito comparado - corte italiana; 5. Conclusão; 6. Referências. ABSTRACT: This scientific article seeks to interpret the concept of legal and labor security from the Federal Constitution of 1988, when the prescription and its effects in the cases of the employee against the Social security agency for sickness benefits. The fundamental social and constitutional norms will support the study, in addition to the Brazilian labor law, notably art. 476 of the Consolidation of Laboral Law (CLT), and the suspensive effect on the contract when it granted sickness aid, considering whether it would also be a condition precedent to the limitation period. The effects of the social security benefit on labor contract and labor law, which are, respectively, the contractual suspension and suspension or impediment of the biennial and five-year prescription, are analyzed, analyzing the jurisprudential controversy of the Regional Courts and the High Court, with focus In Jurisprudential Guideline OJ 375 - SBD-1 of TST, on 28
Mestranda em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pelo Centro Universitário do Distrito Federal – UDF. Email: janaina@guimaraeseguimaraes.com.br.
43
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
the concept employed to legal certainty and the effect of the contractual suspension of the employment contract and suspension of the period of time for the payment of the labor sums at the time of contractual suspension or in the future when the worker is considered Invalid for work, in resolving conflicts of interests between employee and employer. KEYWORDS: legal security. Constitutional fundamental and social right. Suspension of contract. Sickness aid. By disability retirement. Prescription. Preventing or Suspending the Counting Period. Suspensory condition. Subsidiary application of the Civil Code to the Consolidation of Labor Laws. Preventing or suspending the prescription. SUMMARY: 1. Introduction; 2. Legal certainty; 2.1. Historical, sociological, philosophical, dogmatic; 2.2. Constitutional fundamental right and ponder; 3. Of the prescription; 3.1. Concept and doctrinal manifestations; 3.2 Subsidiary application of the Brazilian Civil Code; 4. Disability sickness and disability retirement as causes of suspension of employment contract and prescription; 4.1. From the subsidiary application of the Civil Code to the consolidation of labor laws; 4.2. The jurisprudence on the application and interpretation of the causes of suspension or impediment of counting of prescriptive period until the standardization of understanding in the OJ n. 375 of SDI-1 do TST; 4.3. Brief considerations of comparative law - Italian court; 5. Conclusion; 6. References. 1. INTRODUÇÃO Trata este breve estudo de tema, diria, um tanto polêmico, tendo em vista sua natureza de interpretações controvertidas, ou seja, reconstruir o princípio da segurança jurídica no âmbito do Direito do Trabalho, como norma-princípio fundamental fundada na Constituição Federal de 1988, bem como aplicabilidade e alcance social. Buscar-se-á analisar qual a aplicação da norma civil quanto à suspensão ou impedimento de contagem do prazo prescricional no caso de doenças incapacitantes para o trabalho, quando tiver sido concedido ao trabalhador auxílio doença ou aposentadoria por invalidez. O artigo científico tem por objeto o foco do estudo nos direitos sociais e na legislação específica, aplicando-se a suspensão da prescrição em caso de suspensão do contrato de trabalho por força de doença. Neste sentido, com enfoque na aplicação harmônica dos direitos sociais, o direito trabalhista e previdenciário. Cotejando as divergências jurisprudenciais, em busca de uma solução equânime e mais digna ao trabalhador. Em atenção aos seguintes questionamentos: 1) a suspensão do prazo prescricional preservaria o direito dos obreiros em respeito ao princípio da dignidade de pessoa humana; 2) a aplicação do princípio da segurança, que assegura a estabilidade das relações no tempo, ou seja, “o direito não socorre a quem dorme”, não dá ensejo à suspensão ou ao impedimento do prazo prescricional para o trabalhador, na condição de acidentado sob a concessão de auxílio doença ou aposentadoria por invalidez, vindo a fulminar o direito material do empregado que se manteve inerte em busca do seu direito quando poderia tê-lo exercido. Para tanto serão analisados a Constituição Federal, o Código Civil Brasileiro como norma geral que é aplicada subsidiariamente ao direito do trabalho, por força do art. 789 da Consolidação das Leis do Trabalho, além das normas diretrizes da OIT e breve citações do direito comparado da corte italiana. No presente trabalho, será defendido que a doença é condição suspensiva da contagem do prazo da prescrição no caso de suspensão contratual do obreiro por doença incapacitante, com base no ensinamento de Maurício Godinho29 tipifica-se alguns fatores que impedem ou suspendem o prazo prescricional. A primeira causa impeditiva em destaque é a incapacidade absoluta (art. 169, I, CCB/1916; art. 198, I, CCB/2002). A propósito, sendo originária (por faixa etária), a incapacidade absoluta 29
44
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 7 ed. – São Paulo: Ltr, 2008.
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
impede o fluxo prescricional. Tratando-se de incapacidade superveniente (isto é, resultante de circunstância restritiva surgida na vida adulta), pode atuar como causa SUSPENSIVA da prescrição. Além disso, não correria, a prescrição pendendo de condição suspensiva, pois estando presente a condição de eficácia suspensiva que impediria o curso da prescrição. É da ciência do jurislaboralistas que o período de afastamento não é remunerado pelo empregador, o que classifica tal lapso temporal como nítida suspensão do contrato e impedimento da contagem do prazo prescricional. (art. 476, CLT c/c art. 20 e seguintes da Lei n.º 8.213/91). 2. DA SEGURANÇA JURÍDICA A segurança jurídica visa proteger determinados bens jurídicos tutelados pelo Estado, por certo constituiu pressuposto jurídico para a realização da dignidade humana.30 Ocorre que a interpretação empregada à segurança jurídica varia no tempo e local. Segundo leciona Robert Alexy: “Toda colisión entre princípios puede expresarse como um colisión entre valores y vice-versa.31” Para o autor Ávila Humberto, segurança jurídica apresenta como elemento definitório juízo axiológico, ou seja, é um valor fundante, mas também é norma-princípio, porque tem “um juízo prescritivo a respeito daquilo que deve ser buscado de acordo com determinado ordenamento jurídico.” Em seus estudos comparados o autor destaca nas considerações introdutórias o conceito atribuído pelo autor espanhol de Barcelona nos mesmos sentidos, vejamos a transcrição abaixo: “A segurança é, sobretudo e antes que nada, uma radical necessidade antropológica humana e o ‘saber ao que agarrar-se’ é um elemento constitutivo da aspiração individual e social à segurança; raiz comum de suas distintas manifestações na vida e fundamento de sua razão de ser como valor jurídico. (Antônio Enrique Perez Luño, La seguridade jurídica, Barcelona, Ariel, 1991, p.8).”32
O conceito de segurança jurídica vem se universalizando desde a Constituição mexicana de 1917 e a de Weimar em 1919, tendo sido abraçada pelas constituições globais. O importante a destacar é que a Constituição Federal brasileira de 1988 adota segurança jurídica como norma fundante e fundamental no texto constitucional, sendo direito fundamental a ser assegurado. O art. 1º da CF/88 assegura o estado democrático de direito tendo como fundamento e desdobramento da segurança a dignidade da pessoa humana.33 Sendo a dignidade da pessoa humana desdobramento da segurança jurídica, nota-se que o art. 4º da Constituição Federal de 1988 tem como um dos princípios a assegurar a prevalência dos direitos humanos. Além do art. 1º da CF/88 prevê a segurança como valor fundante do Estado Democrático de Direito, o art. 5º garante a todos a segurança jurídica como norma fundamental do cidadão, enquanto que o art. 6º da CF/88 dá prevalência à segurança jurídica como norma social ao cidadão trabalhador. Nessa senda, a considerar que a segurança jurídica é norma-princípio, bem como valor fundante a proteger o homem-cidadão-trabalhador, a interpretação que se propõe a ser empregada na segurança jurídico-trabalhista deveria ser na direção da prevalência dos direitos humano, na concepção do homem social e garantia da dignidade humana. No entanto, em oposição do que se defende neste trabalho, a concepção que vem sendo adotada no seio do Tribunal Superior é em prol da estabilidade nas relações, sob o ponto de vista daquele que tem de pagar pelas verbas 30
Ávila, Humberto. op. cit. p. 243. Alexy, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. Doxa Cuadernos de Filosofía del Derecho, núm. 5, p.145, 1988. (10/03). 32 Apud Ávila, Humberto. op. cit. p.47. 33 Ávila, Humberto. op. cit. p. 267 expressa que segurança é um valor previsto no art. 1º. “É segurança jurídica. Primeiro porque, ao instituir, no seu art. 1º, um Estado Democrático de Direito destinado a ‘assegurar a segurança como valor’, a CF/88 refere-se a um objetivo social que ultrapassa a dimensão meramente psicológica ou física.” 31
45
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
trabalhistas devidas, ou seja, se o empregado quedou-se inerte sem pleitear pelas suas verbas, considera-se que o crédito está prescrito, pois o empregador já não mais considerava o adimplemento pelo tempo decorrido do contrato suspenso, desde da doença até a aposentadoria, em uma inversão de valores violadores da norma constitucional, ofensivo da dignidade da pessoa humana – o trabalhador, com as escusas de opiniões opostas. Cristina Foroni Consani34, ao analisar o constitucionalismo contemporâneo em Jeremy Waldron e Holmes, nos dá a dimensão do poder dos tribunais nas questões de judicialização da política nos tribunais, pois a proteção dos direitos fundamentais é conferida aos juízes das cortes constitucionais, que em última instância são os intérpretes da constituição. Waldron aponta a judicialização da política nos tribunais com um dos principais argumentos contra o constitucionalismo, posto que os tribunais estariam “superprotegendo” os direitos fundamentais acima das práticas democráticas. No caso presente, o que se observa é que o Tribunal Superior do Trabalho ao estabelecer a OJ 375 da SBD-1, na realidade, na ponderação dos valores a serem protegidos privilegiou o direito econômico do empregador em detrimento da dignidade humana, in caso, do trabalhador hipossuficiente e adoentado. Em conclusão ao estudo, a autora dá a direção plausível para reflexão, de que a interpretação segundo a teoria da democracia constitucional precisaria dar conta das garantias dos direitos fundamentais além de oportunizar melhor e maior participação popular na elaboração das normas. O que de fato não acontece com o trabalhador, pois ainda que se organize em sincatos, as instituições econômicas instituídas apresentam força de pressão mais elevada no sistema eleitoral, quiçá a judicialização. Na mesma linha de pensamento acima desenvolvida, apresenta o posicionamento de Luís Carlos Moro e Jorge Luiz Souto Maior em reflexão no artigo Prescrição: Segurança Jurídica ou Violência Simbólica, no qual se critica o posicionamento da OJ 375 da SBD-1 do TST, que na sua exegese de ponderação de valores fundamentais reduziu a natureza do direito do trabalho ao privilegiar o atual sistema econômico.35 2.1 ACEPÇÕES HISTÓRICA, SOCIOLÓGICA, FILOSÓFICA, DOGMÁTICA A acepção adotada no estudo da segurança jurídico-trabalhista é a dogmática, partindo-se dos artigos 1º, 4º, 5º, 6º e 7º da Constituição Federal de 1988. Portanto, examina-se a segurança jurídica como norma-princípio e valor fundante da Carta Magna vigente. No entanto, por vezes é preciso recorrer às acepções histórica, sociológica, filosófica diante da intercomunicação e inter-relação entre os campos de estudos e ciência, e, na imbrincada complexidade do fenômeno jurídico.36 34
CONSANI, Cristina Forani. A crítica de Jeremy Waldron ao constitucionalismo contemporâneo. Revista da Faculdade de Direito – UFPR, Curitiba, Vol. 59, n. 02, p. 143-173, 2014. 35 Maior, Jorge Luiz Souto e Moro, Luís Carlos. Prescrição: Segurança Jurídica ou Violência Simbóli-ca? In A prescrição nas relações trabalhistas. Coord. José Luciano de Castilho Pereira e Nilton Cor-reia. São Paulo, LTr, 2007. P. 96 – 101. “Daí porque se cuida de um direito em crise, refletindo uma crise externa, própria do atual sistema de relações econômicas, deixando o mundo do trabalho num estado de entropia positivada, cobrando dos intérpretes da legislação trabalhista uma ex-trema cautela na busca dos valores que vão dar esteio à sua exegese, que deve, sempre, estar em conformidade com seus princípios.” (...) “E um exemplo claríssimo dessa redução está no instituto da prescrição, símbolo de desproteção do trabalhador, de opção ideológica pelo hiper-suficiente, de conferir ao direito a posição de estar a serviço da parcela economicamente domi-nante da sociedade, de obliteração do conceito do justo em favor do suposto conceito de segu-rança jurídica.” p. 97. 36 Costa, Cynthia Lessa, OJ n. 375 da SDI-1do TST: Incidência de prescrição em hipóteses de suspensão do contrato de trabalho – Afastamento por doença ou aposentadoria por invalidez. In O que há de novo em direito do trabalho, homenagem a Alice Monteiro de Barros e Antô-nio Alvares da Silva. 2ª ed. LTr, 2012. P. 325-327. “A análise de tal entendimento jurispru-dencial poderia passar por questões filosóficas e hermenêuticas sobre conflitos de normas, ou políticas sobre a influência do poder econômico na opção pela prevalência de um ou outro princípio. Contudo, estas pretendem ser breves linhas destinadas apenas a clarear a perspecti-va do leitor sobre o assunto.”
46
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
2.2 DIREITO FUNDAMENTAL CONSTITUCIONAL E PONDERAÇÃO O foco está centrado no estudo dos princípios constitucionais aplicados ao direito processual e material trabalhista, notadamente, examinar a segurança jurídica e dignidade da pessoa humana. Partindo do fato de que a Constituição Federal de 1988 previu o princípio da segurança jurídica como norma fundante37, bem como o princípio da dignidade humana, com previsão na Constituição Federal de 1988 nos artigos 1º, 4º, 5º, 6º e 7º.38 É importante destacar que a Constituição Federal de 1988 no parágrafo primeiro do artigo quinto dispôs que os direitos e as garantias fundamentais têm aplicação imediata. Portanto, partindo da perspectiva dogmática da aplicação imediata dos direitos e as garantias fundamentais conjugada em análise da Orientação Jurisprudencial 375 da SBDI-1 do TST39 será adotada a ótica da aplicação interpretativa da ponderação entre os princípios constitucionais fundamentais, ou seja, o critério de sopesamento da aplicação das normas fundamentais em aparente confronto ou contradição normativa. Buscar-se-á refletir qual o fundamento da suspensão da prescrição em face da segurança jurídica em aparente contradição com a dignidade da pessoa humana no âmbito do Direito Trabalhista, ou seja, em que medida vigora a prevalência dos direito humanos, da proteção do trabalho e da continuidade da relação de emprego. 37
Ávila, Humberto. op. cit. p. 95. CONSTITUIÇÃO FEDERAL 1988. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilad o.htm). Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Mu-nicípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fun-damentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (...) Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...) Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguin-tes princípios: (...) II - prevalência dos direitos humanos; (...) Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respec-tivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o trans-porte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a as-sistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indeniza-ção a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; 39 OJ-SDI1-375 AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. PRESCRIÇÃO. CONTAGEM (DEJT divulgado em 19, 20 e 22.04.2010). A suspensão do contrato de trabalho, em virtude da percepção do auxílio-doença ou da apo-sentadoria por invalidez, não impede a fluência da prescrição quinquenal, ressalvada a hipó-tese de absoluta impossibilidade de acesso ao Judiciário. 38
47
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
3. DA PRESCRIÇÃO 3.1 CONCEITO E MANIFESTAÇÕES DOUTRINÁRIAS De acordo com a definição de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (NERY JR.e NERY, 2006), a prescrição “é a causa extintiva da pretensão de direito material pelo seu não exercício no prazo estipulado pela lei”. 40 Observa-se que ocorrendo a lesão a um direito subjetivo, nasce para o titular deste uma pretensão de exercê-lo, dentro de um prazo previsto em lei. Tal prazo é de suma importância, uma vez que garante a estabilidade das relações que se consolidaram durante um período de tempo. Assim, em não havendo o exercício da pretensão surgida com a lesão ao direito, há que se entender que duas situações ocorrem: uma situação de direito violado e outra situação de fato que se consolidou com o não exercício do direito pelo seu titular.41 Valentin Carrion, ao comentar o artigo 11 da CLT, ensina que a prescrição é a perda do direito à ação, pelo transcurso do tempo, em razão de seu titular não o ter exercido. É a extinção de uma ação ajuizável. E explica que o termo inicial da prescrição se dá no momento em que o credor toma conhecimento da violação do seu direito e, sendo exigível o comportamento do devedor, aquele permanece omisso.42 3.2 APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO Por outro lado, há causas no direito civil, inciso I do art. 199, que impedem ou suspendem o curso da prescrição, se pendente condição suspensiva. No direito especializado trabalhista, não há previsão correspondente ao do direito civil para suspensão ou impedimento da contagem do prazo prescricional nos casos de concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez ao empregado. A Consolidação das Leis do Trabalho prevê somente para impedimento da contagem no art. 440 da CLT “Contra os menores de 18 anos não corre nenhum prazo de prescrição.” Portanto, para os casos de licença não remunerada, auxílio-doença, que prevê apenas a suspensão do contrato de trabalho, não há norma específica, ocorrendo aplicada subsidiária da norma geral do Código Civil a respeito dos casos de suspensão e impedimento da contagem do prazo prescricional no negócio jurídico, por força do art. 789 da Consolidação das Leis do Trabalho. 4. DO AUXÍLIO DOENÇA E DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ COMO CAUSAS DE SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO E DA PRESCRIÇÃO O art. 476 da CLT dispõe no texto normativo que “em caso de seguro-doença ou auxílio -enfermidade, o empregado é considerado em licença não remunerada, durante o prazo desse benefício”, ou seja, esse período de afastamento não é remunerado pelo empregador, o que classifica, ao nosso ver, tal lapso temporal como nítida suspensão do contrato, e ao nosso ver como impedimento ou efeito suspensivo da contagem do prazo prescricional. (art. 476, CLT c/c art. 20 e seguintes da Lei n.º 8.213/91). Nesse mesmo sentido é o entendimento doutrinário de Cyntia Lessa Costa no livro, “O que há de novo em Direito do Trabalho”, em homenagem a Alice Monteiro de Barros e Antônio 40
ANDRADA, Carla Regina Oliveira Caldeira de. Considerações acerca do início da contagem do prazo prescricional na reparação civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1818, 23 jun. 2008. Disponível em: <http:// jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11420>. Acesso em: 28 jul. 2009. 41 ANDRADA. idem. 42 CARRION, VALENTIN. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 33. ed. Atual. por Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2008.
48
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Álvares de Silva. Advogada o entendimento de que a posição adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho adotou uma visão civilista sob a influência do poder econômico dominante, na qual prevaleceu o princípio da segurança jurídica em detrimento do princípio trabalhista da continuidade da relação do emprego, que tem nuanças do superprincípio da proteção.43 Nesse sentido também Alice Monteiro de Barros confere a interpretação de que o auxílio doença ou aposentadoria por invalidez é hipótese de condição suspensiva, pois o trabalhador não se atreve a ingressar com ação contra o empregador, se ainda tiver possibilidade de voltar ao trabalho, ou em caso do INSS cancelar o benefício, pois teme ser dispensado, o que de fato impede o trabalhador de ingressar com as demandas. Nesse passo, o estudo é também uma proposta lege ferenda ao legislador para que expressamente faça previsão na lei trabalhista de que ao auxílio doença ou aposentadoria por invalidez além de causas de suspensão contratual, são também causas de suspensão da prescrição, de forma a assegurar a harmonia entre o princípio da segurança jurídico-trabalhista e o da dignidade da pessoa humana. 4.1 DA APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO CIVIL À CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO A doutrina trabalhista que se aprofunda sobre o tema, diante da lacuna da lei trabalhista, busca pela aplicação subsidiária da lei civil ao direito trabalhista, por força do art. 789 da CLT, pelo fato de o obreiro ter adquirido doenças e em face da evidente ocorrência de condição suspensiva não só do contrato de trabalho previsto na lei celetista, como também a doença incapacitante para o trabalho que seria considerado evidente condição suspensiva da prescrição. Portanto, ao se interpretar o art. 199, inciso I do Código Civil, dispõe o inciso do artigo 199 referindo-se a um determinado “direito” lato sensu; a lei civil dispõe sobre condição suspensiva, não nomina diferença entre contrato e direito, nota-se que o capítulo que trata da prescrição no Código Civil é de natureza geral abarca tanto os contratos como os direitos. Coadunando com a tese defendida no presente artigo científico Valentin Carrion, in Comentários à CLT, ed. 33ª, em comentário ao art. 11, nota 2 assim discorre: “As circunstâncias fáticas que rodeiam o trabalhador, quando da licença por doença, na realidade lhe impedem de ajuizar a ação que ponha termo à prescrição. Isto em virtude não só de suas dificuldades primárias, como a de arcar com os custos dos remédios, de subsistência, de locomoção e de incertezas de saúde, como pela sua inexperiência e isolamento de seu mundo laborativo, que é mais evoluído do que o de seu círculo pessoal. Tudo isso convence para que essa anomalia, a da licença por doença, deva ser incluída como de impedimento. Tal como ocorre com outras situações previstas no CC, art. 197 (incapacidade jurídica, ausência no País etc). Não se interrompe a prescrição, mas se suspende, contando-se o período anterior, continuando a fluir depois que cessar o impedimento.”44 A aplicação da norma civil quanto à suspensão do prazo prescricional no caso de doenças preserva o direito dos obreiros em respeito ao princípio da dignidade de pessoa humana. Daí, o presente estudo tem por finalidade alcançar os direitos sociais através de uma legislação específica, aplicando-se a suspensão da prescrição em caso de suspensão do contrato de trabalho por força de doença. Neste sentido, implementam-se aplicações e interpretações harmônicas entre os direitos sociais e direito civil comum a todas as relações sociais, enfocando o direito trabalhista e previdenciário. Daí a necessidade de sanear as divergências jurisprudenciais, em busca de uma solução equânime e mais digna ao trabalhador. 43
Viana, Márcio Túlio, coord. O que há de novo em direito do trabalho. 2ª edição, São Paulo: Ltr, 2012. P. 325. CARRION, idem.
44
49
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
4.2 A JURISPRUDÊNCIA ACERCA DA APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DAS CAUSAS DE SUSPENSÃO OU IMPEDIMENTO DE CONTAGEM DE PRAZO PRESCRICIONAL ATÉ A UNIFORMIZAÇÃO DE ENTENDIMENTO NA OJ N. 375 DA SDI-1 DO TST Nesse tópico, será estudado um caso concreto julgado no Tribunal Superior do Trabalho, mas antes de adentrar ao mérito da decisão, particularmente, é importante lembrar que o elemento fundamental é que há divergência jurisprudencial, que aos poucos vem sendo sanada, como demonstra o acórdão da SBDI-1 – Subseção de Dissídios Individuais, na nota de referência, que resolveu divergência entre as duas turmas do TST. Existem certas figuras jurídicas que, muito embora reclamem disciplina específica na órbita legislativa, impõem-se por si mesmas e não suportam esquematizações que não provenham da sua própria natureza. O impedimento da prescrição no caso de auxílio-doença, que suspende o contrato de trabalho, tem seu motivo baseado em razões fáticas como o fato de que enquanto perdura a enfermidade determinante da paralisação dos efeitos do contrato, o empregado, não raro, vê-se impossibilitado fisicamente de exercer o direito constitucional de ação. De sorte que as mesmas razões que ditam o reconhecimento da ineficácia das obrigações principais e bilaterais do contrato de trabalho justificam igualmente se admitir a inviabilidade de propor-se a demanda enquanto persistir o afastamento do serviço causado por doença. Portanto, trata-se de se perquirir como a Jurisprudência está julgando e tratando essas figuras perante partes e terceiros. O acórdão colacionado é da SBDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho julgado, em Embargos de Divergência, no Recurso de Revista recebido por meio de Agravo de Instrumento deu provimento para afastar a prescrição, determinando o retorno dos autos à origem para análise e julgamento do mérito, reformando os acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região que declarou a prescrição, confirmada pela Quinta Turma do TST que manteve a prescrição, contudo, divergentes ao entendimento da Quarta Turma do TST.45 45
SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. AUXÍLIO-DOENÇA. PRESCRIÇÃO. NÃO- FLUÊNCIA. 1. Suspenso o contrato de trabalho, em virtude de o empregado haver sido acometido de doença profissional (leucopenia), com percepção de auxílio-doença, opera-se a correlata suspensão igualmente do fluxo do prazo prescricional para ajuizamento de ação trabalhista. Omissa a lei, razoável a invocação analógica do artigo 170, inciso I, do Código Civil Brasileiro, segundo o qual não flui a prescrição pendendo condição suspensiva . Daí se infere a regra absolutamente prudente de que se o titular do direito subjetivo material lesado está impossibilitado de agir, para tornar efetivo o seu direito, não flui a prescrição. Assim, forçoso reconhecer que, enquanto perdura a enfermidade determinante da paralisação das obrigações bilaterais principais do contrato, o empregado acha-se fisicamente impossibilitado de exercer o direito constitucional de ação. 2. Embargos de que se conhece e a que se dá provimento para, com supedâneo no artigo 260 do RITST, afastar a prescrição total do direito de ação do Autor, determinando o retorno dos autos à Vara do Trabalho de origem para análise do mérito da demanda. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de Revista nº TST-E-RR-741.962/01.0, em que é Embargante CÍCERO SEBASTIÃO NEVES e Embargada COMPANHIA SIDERÚRGICA PAULISTA - COSIPA. A Eg. Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, mediante o v. acórdão de fls. 279/282, conheceu do recurso de revista interposto pelo Reclamante quanto ao tema prescrição - suspensão do contrato de trabalho, por divergência jurisprudencial, e negou-lhe provimento, porém, quanto ao mérito. Assim decidiu a Eg. Turma, fundamentando que não há suspensão da contagem do prazo prescricional em face da suspensão do contrato de trabalho por doença profissional. Inconformado, o Reclamante interpõe embargos perante a Eg. SBDI-1 do TST (fls. 293/301), insurgindo-se quanto ao tema: “prescrição - suspensão do contrato de trabalho - doença profissional”. É o relatório. 1. CONHECIMENTO Satisfeitos os requisitos comuns de admissibilidade, examino os pressupostos intrínsecos dos embargos. 1.1. PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. DOENÇA PROFISSIONAL A presente controvérsia cinge-se a saber se o gozo de auxílio-doença, em virtude de o empregado haver sido acometido de doença profissional, com percepção de auxílio-doença, suspende igualmente o fluxo do prazo prescricional bienal para reclamar direitos trabalhistas. A Eg. Quinta Turma do TST conheceu do recurso de revista interposto pelo Reclamante quanto ao tema prescrição
50
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
- suspensão do contrato de trabalho , por divergência jurisprudencial, e negou-lhe provimento quanto ao mérito, com fulcro nos seguintes fundamentos: “Debate-se, in casu, se a suspensão do contrato de trabalho em face de doença profissional acarreta a suspensão da contagem do prazo prescricional. O afastamento do empregado nessa circunstância importa na suspensão de algumas obrigações decorrentes do contrato de trabalho. Entretanto, não há suspensão da contagem do prazo prescricional, porque o empregado não está, de regra, impedido de produzir os atos relativos ao ajuizamento da ação.”(fl. 281) Nos embargos em exame (fls. 293/301), o Reclamante pretende a reforma da decisão turmária que corrobora entendimento adotado na presente ação desde as instâncias ordinárias. Sustenta que a superveniência de doença profissional (leucopenia) impediu-o de exercer o direito de ação, em virtude da fragilidade do seu estado de saúde. Argumenta, ademais, que o gozo do auxílio-doença traduz-se como condição suspensiva à contagem do prazo prescricional, nos moldes do artigo 170, inciso I, do Código Civil. A fim de viabilizar o conhecimento dos presentes embargos, o Reclamante aponta vulneração ao artigo 170, inciso I, do Código Civil, bem como transcreve arestos para a demonstração de divergência jurisprudencial (fls. 298/300). Entendo que o segundo aresto transcrito às fls. 298/299, oriundo da Eg. Quarta Turma, espelha a pretendida disceptação jurisprudencial, haja vista consignar: não há que se falar em prescrição alusiva a direito do empregado quando este se encontra em gozo de auxílio-doença, pois, uma vez afastado o obreiro de sua atividade laboral, presente a condição. suspensiva que inibe o início da contagem do prazo prescricional (fl. 298). Comprovada a divergência jurisprudencial, nos termos da Súmula nº 296 do TST, conheço do recurso. 2. MÉRITO DO RECURSO 2.1. PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. DOENÇA PROFISSIONAL Nos termos do artigos 476 da CLT, durante a percepção de auxílio-doença, encontra-se o empregado em licença não remunerada. A mesma regra é extraída da legislação previdenciária, segundo a redação do artigo 63 da Lei n. 8.213/91 e do artigo 3 o, do Decreto nº 3.048/99, ambos de semelhante teor: Art . 63. O segurado empregado em gozo de auxílio-doença será considerado pela empresa como licenciado. Durante o afastamento do empregado, os quinze primeiros dias classificam-se como interrupção do contrato de trabalho e são remunerados pelo empregador. A partir de então, a interrupção transmuda-se para suspensão, e o ônus passa a ser da Previdência Social, segundo o artigo 60 da Lei n. 8.213/91, com redação dada pela Lei n. 9.876/99: “Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz. (...). § 3º Durante os primeiros quinze dias consecutivos ao do afastamento da atividade por motivo de doença, incumbirá à empresa pagar ao segurado empregado o seu salário integral.» Inequivocamente, pois, a doença profissional, equiparada a acidente de trabalho, é causa de suspensão da eficácia do contrato de emprego, salvo o cômputo do tempo de serviço (parágrafo único do artigo 4 o, da CLT). Suspenso o contrato de trabalho, em virtude de o empregado haver sido acometido de doença profissional, com percepção de auxílio-doença, entendo que se opera a correlata suspensão igualmente do fluxo do prazo prescricional para ajuizamento de ação trabalhista. Omissa a lei a respeito, afigura-se razoável a invocação analógica do artigo 170, inciso I, do Código Civil Brasileiro, segundo o qual não flui a prescrição pendendo condição suspensiva. Daí se infere a regra, absolutamente prudente, de que se o titular do direito subjetivo material lesado está impossibilitado de agir, para tornar efetivo o seu direito, não flui a prescrição. Ora, forçoso reconhecer que, enquanto perdura a enfermidade determinante da paralisação dos efeitos do contrato, o empregado, não raro, vê-se impossibilitado fisicamente de exercer o direito constitucional de ação. De sorte que, em última análise, as mesmas razões que ditam o reconhecimento da ineficácia das obrigações principais e bilaterais do contrato de trabalho justificam igualmente se admitir a inviabilidade de propor-se a demanda enquanto persistir o afastamento do serviço causado por doença. Na espécie, pois, data venia da Eg. Turma, penso que não se consumou a prescrição total do direito de ação para pleitear verbas decorrentes do vínculo laboral. O prazo prescricional bienal para ajuizamento da ação trabalhista não fluiu durante o gozo de auxílio-doença, findo em 10.04.97, oportunidade na qual se deu a aposentadoria por invalidez do Reclamante. Conquanto polêmica a questão no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, a jurisprudência parece inclinar-se nesse sentido, como fazem ver os seguintes precedentes: AUXÍLIO-DOENÇA DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. Havendo a suspensão do pacto laboral ante a percepção de auxílio-doença em decorrência de acidente de trabalho, o prazo prescricional para o ajuizamento de reclamação trabalhista também deve ser suspenso, pois o empregado pode se encontrar em situação tal que não lhe permita sequer exercitar o seu direito de ação garantido constitucionalmente no artigo 5º, inciso XXXV. Recurso conhecido e provido. (TST-RR-446.319/98. Rel. Min. Wagner Pimenta, 1 a Turma, DJU de 12/04/02). AUXÍLIO DOENÇA DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. É bastante razoável o entendimento de que, havendo a suspensão do pacto laboral ante a ocorrência de auxílio doença decorrente de acidente de trabalho, o prazo prescricional para o ajuizamento de Reclamação Trabalhista também não deve fluir. Com efeito, o empregado pode encontrar-se em situação tal que não
51
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Nota-se pelos acórdãos transcritos, nas notas de referência, que há duas teses, a primeira é que o auxílio-doença seria causa suspensiva, suspendendo o contrato de trabalho e impedindo o curso da prescrição, aplicando-se subsidiariamente o artigo 199, I, do Código Civil 2002, ou para os casos antigos o art. 170 do Código Civil de 1916; a segunda tese é que a CLT não prevê expressamente o auxílio-doença como causa ou condição suspensiva ou impeditiva da prescrição pelo fato de o empregado não estar, de regra, impedido de produzir os atos relativos ao ajuizamento da ação. Apesar da divergência de teses, esse artigo perfilha-se à primeira tese, porque é mais consentânea e harmônica com os direitos sociais e com a finalidade dos princípios constitucionais fundamentais de assegurar a dignidade da pessoa humana, aplicando-se uma interpretação sistemática e teleológica da lei. Como ensina Valentin Carrion, as circunstâncias fáticas em torno do obreiro lhe impedem de ajuizar a ação que ponha termo à prescrição. Diante das naturais dificuldades já tocadas, de incertezas de saúde, como pela sua inexperiência e isolamento de seu mundo laborativo. Tudo isso convence para que essa anomalia, a da licença por doença, deva ser incluída como de impedimento, de lege ferenda. No entanto, em abril/2010, o Tribunal Superior do Trabalho mudou o entendimento majoritário, para estabelecer na Orientação Jurisprudencial n.º 375 da SDI-1 do TST que ocorreria a incidência de prescrição em hipóteses de suspensão do contrato de trabalho por afastamento de doença ou aposentadoria por invalidez.46 4.3 BREVE CONSIDERAÇÕES DO DIREITO COMPARADO - CORTE ITALIANA Para Sergio Pinto Martins47, o ideal seria que durante a vigência do contrato de trabalho não corresse prazo de prescrição, diante do estado de inferioridade da parte que tem direito ao crédito, por a plena liberdade só ser adquirida com o fim do liame empregatício (PERA, Giuseppe. Compendio di diritto del lavboro. Milano: Giuffré, 1996, p. 256), pois o empregado pode ser dispensado pelo empregador pelo fato de ajuizar a ação trabalhista. O autor demonstra que a Corte de Cassação italiana não admite a contagem da prescrição durante a vigência do pacto laboral, quando o empregado não goza de nenhuma garantia que o torne livre de ajuizar ação contra o empregador (VITUCCI, Paolo. La prescrizione: Milano: Giuffré, 1990, p. 123). Em 10 de junho de 1966 a Corte Constitucional italiana considerou inconstitucionais os artigos 2.945, n. 4; 2.955, n. e 2.956, n. 2 do Código Civil italiano, que permitiam correr a prescrição no curso do contrato de trabalho, salvo se o empregado gozar de estabilidade, por violar os artigos 3.º 4.º e 36 da Constituição. lhe permita sequer exercitar o seu direito de ação garantido constitucionalmente (artigo 5º, inciso XXXV, a CF/88). Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido. (TST-RR-581.744/99, Rel. Min. Rider de Brito, 5 a Turma, DJU de 13/02/02) AUXÍLIO-DOENÇA - PRAZO PRESCRICIONAL - SUSPENSÃO. Não há que se falar em prescrição alusiva a direito do empregado quando este se encontra em gozo de auxílio-doença, pois, uma vez afastado o obreiro de sua atividade laboral, presente a condição suspensiva que inibe o início da contagem do prazo prescricional. Exegese que se extrai do artigo cento e setenta, item dois, do Código Civil. Recurso a que se nega provimento. (TST-RR-103.454/1994, Rel. Min. Leonaldo Silva, 4 a Turma, DJU de 21/10/1994) (...) (SBDI-1 - TST-ERR-741.962/01.0, jul. 25/11/2002, Ministro Relator JOÃO ORESTE DALAZEN, DJ 13/12/2002). 46 Barros, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 5.ª ed., São Paulo: Ltr, 20. Apud COSTA, Cynthia Lessa, OJ n. 375 da SDI-1do TST: Incidência de prescrição em hipóteses de suspensão do contrato de trabalho – Afastamento por doença ou aposentadoria por invalidez. In O que há de novo em direito do trabalho, homenagem a Alice Monteiro de Barros e Antônio Alvares da Silva. 2ª ed. LTr, 2012. P. 325-327. “Como em um tema que pretende velar pela segurança jurídica, como o da prescrição não se pode admitir uma exceção criada por que não exerça legitimamente a função legislativa, acredita-se que a exclusão da fluência da prescrição em tal hipótese se dei em razão ou de um alargamento da compreensão de situações tipificadas no Diploma Civil – entendimento esposado por Alice Monteiro de Barros – ou em razão de uma interpretação inovadora d que o rol apresentado nos art. 197 ao 202 do Código Civil é apenas exemplificativo.”. 47 (http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/suspensao-da-prescricao-trabalhista-por-doenca-doempregado/5108).
52
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Afirma Arnaldo Sussekind que “os Tribunais do Trabalho têm observado essa norma esteados na noção jurídica de que, quando o contrato não se executa, não é possível computar-se para qualquer efeito o tempo relativo a essa inexecução”. 48 5. CONCLUSÃO Ao final, analisa-se a sensibilidade do julgador para as especificidades do caso concreto, que tem diante de si, para aplicação da norma adequada à situação específica, em face da aparente antinomia na aplicação subsidiária do Código Civil, por força do art. 789 da CLT, ao se interpretar e aplicar o art. 199, inciso I do Código Civil aos contratos de trabalho posto que a norma se refere a um determinado “direito” lato sensu nos seguintes termos - Art. 199: Não corre igualmente a prescrição: I – pendendo condição suspensiva; II – não estando vencido o prazo; III – pendendo ação de evicção. Assim a lei civil dispõe sobre condição suspensiva, não nomina diferença entre contrato e negócio jurídico (direito), nota-se que o capítulo que trata da prescrição no Código Civil é de natureza geral abarca tanto os negócios jurídicos, incluindo a espécie contratos, como os direitos em geral. Conclui-se que a suspensão contratual que tendo como causa doença, também suspende o prazo prescricional, aplicando-se subsidiariamente o art. 199, inciso I do Código Civil de 2002 às condições trabalhistas, por força do art. 789 da CLT. A concessão do auxílio-doença acarreta a suspensão do pacto laboral, mas se negado a suspensão do prazo prescricional no final da licença médica, visualiza-se a pretensa afronta ao art. 7º, XXIX, da Lei Maior. Pode-se inferir a regra absolutamente prudente de que se o titular do direito subjetivo material lesado está impossibilitado de agir por doença, para tornar efetivo o seu direito, não deveria fluir a prescrição sob pena de violar o princípio da dignidade da pessoa humana. Esse entendimento de suspensão dos efeitos da prescrição deveria ser explicitamente previsto na legislação trabalhista, por intermédio de políticas públicas humanistas de caráter moral e integrativo49, conectado com as modernas trocas de realizações entre o direito econômico e o direito social em prol da solidariedade, pois a prescrição da forma que aplicada pelo Egrégio Tribunal Superior do Trabalho é apenas extintiva de direitos, gerando retrocesso social. REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. Doxa Cuadernos de Filosofía del Derecho, núm. 5, p.145, 1988. (10/03). ANDRADA, Carla Regina Oliveira Caldeira de. Considerações acerca do início da contagem do prazo prescricional na reparação civil . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1818, 23 jun. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11420>. Acesso em: 28 jul. 2009. ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 4ª ed., rev., atual. e ampl. – São Paulo:Malheiros, 2016. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei n, 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das leis de trabalho. Lex-Coletânea de Legislação: edição federal, São Paulo, v. 7, 1943. Suplemento. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. AUXÍLIODOENÇA. PRESCRIÇÃO. NÃO-FLUÊNCIA. ERR 741962-2001, 02ª Região, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Embargante: Cícero Sebastião Neves. Embargada: Cia. Siderúrgica Paulista 48
Süssekind, Arnaldo et al.Instituições de Direito do trabalho. 15ª ed. São Paulo: LTr, 1995, v. 1, p. 477). HONNETH, Axel. Trabalho e reconhecimento: Civitas. Revista de Ciências Sociais. Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Vol. 8, n.1, p. 46- 67, 2008. 49
53
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
- Cosipa. Relator Ministro João Oreste Dalazen, Dec: 25 11 2002, Dj 13-12-2002. CONSANI, Cristina Forani. A crítica de Jeremy Waldron ao constitucionalismo contemporâneo. Revista da Faculdade de Direito – UFPR, Curitiba, Vol. 59, n. 02, p. 143-173, 2014. COSTA, Cynthia Lessa, OJ n. 375 da SDI-1do TST: Incidência de prescrição em hipóteses de suspensão do contrato de trabalho – Afastamento por doença ou aposentadoria por invalidez. In O que há de novo em direito do trabalho, homenagem a Alice Monteiro de Barros e Antônio Alvares da Silva. 2ª ed. LTr, 2012. P. 325-327. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 7ª ed. – São Paulo: Ltr, 2008. CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 33. ed. Atual. por Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2008. HONNETH, Axel. Trabalho e reconhecimento: Civitas. Revista de Ciências Sociais. Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Vol. 8, n.1, p. 46- 67, 2008. MAIOR, Jorge Luiz Souto e MORO, Luís Carlos. Prescrição: Segurança Jurídica ou Violência Simbólica? In A prescrição nas relações trabalhistas. Coord. José Luciano de Castilho Pereira e Nilton Correia. São Paulo, LTr, 2007. P. 96 – 101. MARTINS, Sergio Pinto. Endereço eletrônico do sítio Carta Forense (http://www.cartaforense.com.br/ conteudo/colunas/suspensao-da-prescricao-trabalhista-por-doenca-do-empregado/5108). VIANA, Márcio Túlio, coordenador. O que há de novo em direito do trabalho. 2ª edição, São Paulo: Ltr, 2012. P. 325-327. SÜSSEKIND, Arnaldo et al. In Instituições de Direito do trabalho. 15ª ed. São Paulo: LTr, 1995, v. 1, p. 477).
54
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
CAUSAS, MITOS E CONSEQUÊNCIAS DO TRABALHO INFANTILNO BRASIL CAUSES, MYTHS AND CONSEQUENCES OF CHILD LABOR IN BRAZIL Carla Rezende de Freitas50 RESUMO: Este artigo analisa a exploração do trabalho infantil no Brasil, sendo que para a compreensão deste complexo fenômeno é necessário analisar-se as causas, os mitos, as consequências e inúmeros fatores culturais que ainda influenciam a sociedade. O objetivo maior é relacionar a proteção jurídica da criança e do adolescente com o contexto social, principalmente no tocante a tolerância da sociedade no que se refere aos mitos sociais que são disseminados, e provocam diretamente a exploração do trabalho infantil na atualidade. O estudo ainda aborda as piores formas de trabalho infantil, os direitos humanos fundamentais relativos à criança, como o direito à saúde e à educação, discutindo-se nessa seara as políticas públicas de erradicação e prevenção do trabalho da criança no Brasil. PALAVRAS-CHAVES: Trabalho infantil; Proteção Integral; Erradicação e Prevenção do Trabalho Infantil. SUMÁRIO: 1. Direitos humanos e o trabalho da criança; 1.1. Conceito de trabalho da criança; 1.2. Causas do trabalho da criança; 1.3. As piores formas de trabalho da criança; 1.4. Consequências do trabalho da criança; 1.5. Direitos humanos fundamentais relativos à criança; 1.5.1. A saúde como direito humano e fundamental; 1.5.2. A educação como direito humano e fundamental; 1.6. Políticas públicas de erradicação e prevenção do trabalho da criança no Brasil; 2. Bibliografia. ABSTRACT: This articleanalyzes the exploitation of child labor in Brazil, and to understand this complex phenomenon it is necessary to analyze the causes, myths, consequences and countless cultural factors that still influence society. The main objective is to relate the legal protection of the child and the adolescent to the social context, especially with regard to the tolerance of the society with regard to the social myths that are disseminated, and directly provoke the exploitation of child labor nowadays. The study also addresses the worst forms of child labor, fundamental human rights related to the child, such as the right to health and education, discussing public policies to eradicate and prevent child labor in Brazil. KEYWORDS: Child labor; Integral Protection; Eradication and Prevention of Child Labor. SUMMARY: 1. Human rights and child labor; 1.1. Concept of child work; 1.2. Causes of child labor; 1.3. The worst forms of child labor; 1.4. Consequences of child labor; 1.5. Fundamental human rights relating to children; 1.5.1. Health as a human and fundamental right; 1.5.2. Education as a human and fundamental right; 1.6. Public policies for the eradication and prevention of child labor in Brazil; 2. Bibliography. 1. DIREITOS HUMANOS E O TRABALHO DA CRIANÇA Sabe-se que a legislação, que trata da proteção da criança e do adolescente no trabalho no Brasil, é algo muito recente, comparados ao tempo histórico de exploração do trabalho infantil. Frise-se que foi na década de oitenta que se tornou mais expressiva a proteção à criança e ao adolescente, isto em razão das diversas mobilizações sociais, as quais refletiram diretamente nos trabalhos de elaboração da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que estabeleceu os Direitos Humanos Fundamentais da Criança e do Adolescente, fixando os princípios da proteção integral, da prioridade absoluta e da tríplice responsabilidade compartilhada entre a família, sociedade e Estado.51 50
Carla Rezende de Freitas é Mestranda do Curso de Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas do Centro Universitário do Distrito Federal –UDF, Brasília. Advogada. 51 CAUSAS, MITOS E CONSEQUÊNCIAS DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL. Criciúma: ediUnesc, v. 6, n. 1, 2008. Anual, passim.
55
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
No viés desta temática, urge estabelecer a relação entre o trabalho da criança e do adolescente em face dos direitos humanos e do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, haja vista que explorar a mão de obra infantil e submeter crianças e adolescentes a condições subumanas fere frontalmente esse princípio basilar, erigido na Constituição Federal de 1988 e nos instrumentos normativos internacionais.52 Imperioso observar que o direito enquanto norma reguladora da sociedade percebe a criança e o adolescente a partir da perspectiva da proteção integral, estando positivada no art. 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente e com previsão constitucional inserta no art. 277 da Carta Magna de 1988. É importante pugnar pela aplicação da doutrina da proteção integral na tutela dos diretos da criança e do adolescente, em decorrência não só da sua vulnerabilidade, mas também de sua condição física, psicológica e social. O mencionado princípio constitui expressão dos direitos humanos, pois realça a inalienabilidade de tais direitos e compromete o Estado, tanto no âmbito interno quanto internacional, a respeitá-los, defendê-los, promovê-los e efetivá-los. Destarte, os mais recentes instrumentos internacionais de direitos humanos frisam a indivisibilidade entre os direitos civis, políticos, econômicos, culturais e sociais, em razão da relação de todos com o princípio da dignidade da pessoa humana, ao considerarem-se direitos da criança e do adolescente categorias de direitos humanos. Logo, eles devem ser garantidos em conjunto, sob a perspectiva integral. Isso significa que o desrespeito a qualquer direito faz com que todos os direitos humanos, de um modo ou de outro, sejam violados, já que estão interligados e a garantia de um direito pressupõe a garantia dos demais direitos humanos.53 É preciso destacar que o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana é a pedra angular dos direitos humanos fundamentais, e foi positivado no ordenamento jurídico brasileiro com status de princípio fundamental, sendo considerado por muitos constitucionalistas o verdadeiro princípio conformador de todo o sistema jurídico nacional. Sabe-se que a tendência dos ordenamentos posteriores à traumática barbárie do nazifascismo repousa no reconhecimento da pessoa humana como o centro e o fim do Direito, de modo que diversos países passaram a adotar a dignidade da pessoa humana como valor básico dos Estados Democráticos. Portanto, é ao final da Segunda Guerra Mundial, que emergem a grande crítica e o repúdio à concepção positivista de um ordenamento jurídico indiferente a valores ético, confinado à ótica meramente formal. Sob o prisma da reconstrução dos direitos humanos é possível compreender a importância do princípio da dignidade da pessoa humana no Pós-Guerra, pois de um lado havia a emergência do chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos, e, de outro, a nova afeição do Direito Constitucional Ocidental, em resposta ao impacto das atrocidades então cometidas.54 Outra questão é que, não se pode afirmar que a dignidade da pessoa humana só existe quando o direito a reconhecer, haja vista a dignidade da pessoa ser preexistente ao direito. O papel do direito perante a dignidade da pessoa humana será mero protetor e promotor, afinal, a dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca de todos os seres humanos que pressupõe a existência de direitos fundamentais que os protegem contra os atos desumanos atentatórios à sua integridade física, psíquica e moral.55 O grande objetivo dos direitos humanos é atribuir proteção eficaz à dignidade da pessoa humana, incluindo-se valores como o direito à vida, a liberdade, à segurança e à propriedade, dentre outros. Portanto, a dignidade da pessoa humana representa o norte da positivação dos direitos humanos, tanto em tratados internacionais, quanto em constituições nacionais, consistindo, assim, no fim maior do Direito.56 52
54 55 56 53
56
Ibid. PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 632. Id., Direitos humanos e direito constitucional internacional. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 734. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Manual de direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 182. BETRAMELLI NETO, Silvio. Direitos humanos. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 42.
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Na assaz clarificadora visão de Emerson Malheiro, “o princípio da dignidade da pessoa humana constitui um núcleo essencial de irradiação dos direitos humanos, pois a sua função é propagar os interesses fundamentais dos indivíduos”.57 Ainda na apropriada lição do autor, o ponto nuclear de onde irradiam quaisquer outros direitos fundamentais é o princípio da proteção da dignidade da pessoa humana, sendo que todos os demais princípios estão imbrincados a partir deste princípio nuclear.58 Nessa mesma toada, ensina Arion Sayão Romita: É a necessidade de respeito à dignidade da pessoa que está na raiz do paradigma ético básico a ser observado por todo e qualquer ordenamento jurídico. Este paradigma reduz o terreno das discrepâncias entre as diferentes concepções de justiça no tempo. A consagração, a garantia, a promoção e o respeito efetivos dos direitos fundamentais constituem o mínimo ético que deve ser acatado por toda sociedade e todo direito que desejem apresenta-se como uma sociedade e um direito justo.59
Em consonância com Rúbia Zanotelli de Alvarenga, o reconhecimento do valor absoluto da pessoa humana ocupa o vértice dos valores consagrados por qualquer ordenamento jurídico justo, aspiração, hoje, cada vez mais difundida, alcançando significação universal.60 Logo, o ponto nevrálgico dos direitos humanos é atribuir proteção eficaz à dignidade da pessoa humana, observando valores como o direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, dentre outros, sendo o alicerce dos direitos humanos fundamentais, seja no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro ou no direito internacional dos direitos humanos, a dignidade da pessoa humana e a força imanente que influencia todos os valores. No Brasil, em 1990, houve a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, legislação especial destinada a instituir um inovador sistema de garantias de direitos. Tal marco significou uma grande conquista à proteção dos direitos humanos fundamentais das crianças e dos adolescentes. Uma análise da dimensão do trabalho infantil, ocorreu a partir da década 1980 onde a Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílios (PNAD), e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), produziram dados visando oferecer um diagnóstico da realidade sobre crianças e adolescentes explorados no trabalho nos diversos estados e regiões brasileiras.61 Os dados sobre o trabalho infantil no Brasil ainda apresentam números elevados e, lamentavelmente, manteve níveis constantes durantes os últimos cinco anos, embora na década de noventa a redução tenha sido expressiva. Quanto às causas da exploração do trabalho infantil, pode se destacar que historicamente a pobreza das famílias foi apontada como o principal fator determinante, embora, cada vez mais, outros fenômenos sejam apresentados, tais como: a forte tradição cultural e os mitos que permeiam a realidade.62 Kailash Satyarthi, ativista indiano que luta pelos direitos das crianças, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2006, afirma que: 57
MALHEIRO, Emerson. Curso de direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 29. Ibid., p. 29. 59 ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 180. 60 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Trabalho decente: direito humano e fundamental. São Paulo: LTr, 2016, p. 184. 61 CUSTÓDIO, André Viana. O trabalho da criança e do adolescente no Brasil: uma análise de sua dimensão sócio-jurídica. Dissertação (Mestrado em Direito) – Curso de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002, p.28. 62 CAUSAS, MITOS E CONSEQÜÊNCIAS DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL. Criciúma: ediUnesc, v. 6, n. 1, 2008. Anual. 58
57
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
[...] as fortes tradições ou sensibilidades sociais simplesmente exploram as crianças, e são argumentos para a exploração, nada mais que isso. Que é preciso confrontar esses mitos que prevalecem na sociedade e justificam o que chamamos de paradigma triangular. Imaginem um triângulo. Em uma ponta, temos a pobreza; na outra, o trabalho infantil; e na terceira, o analfabetismo. Essas três coisas são interdependentes e geram consequências umas para as outras. Se a pobreza e o trabalho infantil persistirem, o analfabetismo também vai persistir, mas se não houver educação gratuita e de boa qualidade, o trabalho infantil e a pobreza persistirão.63
Vê-se que entre as consequências do trabalho infantil, destacam-se os fatores educacionais, os econômicos, os políticos e ainda os efeitos diretos sobre o desenvolvimento físico e psicológico das crianças e adolescentes. Neste contexto, o Estatuto da Criança e do Adolescente firmou-se como um instrumento inovador na história brasileira, como uma legislação avançada na garantia da proteção à criança e ao adolescente, conferindo uma ampla proteção contra a exploração do trabalho infantil, atingindo áreas antes desprotegidas pela regulamentação trabalhista. Nos últimos anos, os dados sobre trabalho infantil no Brasil foram aprimorados e fornecem uma base representativa da dimensão e do contexto desse fenômeno. Isso ocorreu principalmente a partir das pesquisas produzidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a colaboração da Organização Internacional do Trabalho (OIT).64 O IBGE realiza pesquisas domiciliares desde 1967 com o foco de investigação nas características da população na área de educação, trabalho, rendimento, habitação, saúde, entre outros. Esses dados tornaram-se importantes para diagnosticar o trabalho infantil e promover a política de assistência social. Sendo assim, foi na década dos anos 80 que a exploração dos dados dos censos e das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNAD), sobre o trabalho infanto-juvenil abriu possibilidade para seu conhecimento mais sistemático. Nesta linha, a Fundação IBGE, por exemplo, começou a produzir e divulgar regularmente um conjunto de dados referentes às crianças e adolescentes trabalhadores, os quais permitem realizar comparações através do tempo, entre estratos sociais e diferentes regiões do país.65 É inegável que as condições de desigualdades sociais são fatores predominantes na exploração do trabalho de crianças e adolescentes, decorrentes do modo capitalista de produção. Essa situação se torna cada vez mais evidente quando se verifica elevados percentuais de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. O Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil registra que essa estrutura econômica levou o Brasil a ser reconhecido mundialmente como um dos países com os maiores índices de desigualdade social, expressos na concentração de renda nas classes economicamente protegidas. Na década de 1980, 62% da renda nacional pertenciam aos 20% mais ricos da população e apenas 8% da renda eram divididas entre os 40% mais pobres”.66 Neste sentido, a incidência da exploração do trabalho infantil no Brasil vem decaindo nos últimos anos. A comparação dos dados levantados no período compreendido entre 1992 e 2002 referentes as crianças e aos adolescentes trabalhadores com idades entre 10 e 17 anos demonstram que: 63
ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS. Brasília: TST, v. 79, n. 1, 2013. Trimestral. 64 CAUSAS, MITOS E CONSEQÜÊNCIAS DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL. Criciúma: ediUnesc, v. 6, n. 1, 2008. Anual, passim. 65 Ibid. 66 CAUSAS, MITOS E CONSEQÜÊNCIAS DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL. Criciúma: ediUnesc, v. 6, n. 1, 2008. Anual, passim.
58
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
[...] em 1992 a população de crianças e adolescentes trabalhadores representava 7.357.971; já em 1995 estes números passaram para 7.280.105; em 1997 para 6.147.808; no ano de 1999 atingiu 5.852.617; em 2001 eram 4.903.964 e, por fim, em 2002 foram registrados 4.910.378 crianças e adolescentes trabalhadores, ou seja, um pequeno acréscimo no último ano em análise.67
Contudo, esses dados refletem o diagnóstico relativo apenas a uma amostra selecionada para a pesquisa. É preciso considerar ainda os trabalhos ocultos como o trabalho infantil doméstico realizado por meninas nas suas próprias casas ou em casas de terceiros. O trabalho realizado na própria casa é o mais difícil de ser identificado, pois está oculto no ambiente doméstico e no próprio pensamento daqueles que utilizam a mão de obra infantil, considerando-a apenas como ajuda. 1.1 CONCEITO DE TRABALHO DA CRIANÇA O conceito jurídico de trabalho da criança, ou trabalho infantil, é bem mais complexo do que pode parecer à primeira vista, uma vez que deve ser levado em consideração as idades mínimas e a modalidade de trabalho. No que se refere à idade, deve-se observar que os documentos internacionais (Declarações de Direitos, “Cartas”, Convenções da OIT) denominam “criança” a pessoa na faixa etária que vai de zero a dezoito anos. Assim, literalmente é infantil todo trabalho executado nesta faixa etária; todavia, importa observar que as normas internacionais, tratando de trabalho, apresentam vários níveis de idade abaixo dos dezoito anos.68 Na Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) n.º 138°, existem as fixações de várias “idades mínimas” da admissão: a) básica para a admissão ao emprego e ao trabalho (15 a 14 anos); b) a superior (18 anos) para trabalhos que prejudiquem a saúde, a segurança e a moral, com possibilidade de a partir dos 16 anos se for proporcionada instrução ou formação adequada; c) inferior (13 ou 12 anos) para trabalhos leves (art.º 7).69 Quanto à modalidade de trabalho, embora a Convenção n.º 138 refira-se a “emprego ou trabalho em qualquer ocupação”, ela mesma exclui de sua aplicação o executado em escolas de educação vocacional ou em instituições de treinamento em geral, desde que integrante de curso de educação ou treinamento, programa de treinamento principal ou interinamente numa empresa, programa de orientação profissional. Há, porém, única limitação de exceção: quando tal trabalho for executado numa empresa a idade mínima é de quatorze anos (art. 6º).70 As convenções nº 60 (art. 1, n.º 4, a) e 59 (art.2, n.º 2) excluem do seu campo de aplicação “o trabalho nos estabelecimentos em que estejam empregados unicamente os membros da família do empregador com a condição de que o trabalho não seja nocivo, prejudicial ou perigoso”.71 Existe ainda outra exceção formulada pela Convenção n.º 138, qual seja a explicação de que o trabalho em propriedades de pequeno porte que produzam para o consumo local e não empreguem regularmente mão de obra remunerada” não deve ser arrolado necessariamente entre os que são abrangidos pela sua aplicação, (art.5º, n.3)72. Sendo assim, entende-se que os Estados Membros podem incluir ou excluir tais trabalhos da aplicação da Convenção n.° 138. Frise-se que um documento da OIT apresenta uma interpretação dos termos trabalho, trabalho infantil e trabalho perigoso na Convenção n.º 138. O termo trabalho se restringe à atividade quando econômica; razão porque se excluem ou podem ser excluídas as modalidades acima apontadas, senão veja-se: 67
69 70 71 72 68
Ibid. OLIVEIRA, Oris de. Trabalho e Profissionalização de Adolescente. São Paulo: Ltr, 2009. 319 p., passim. Ibid. Ibid. Ibid. Ibid.
59
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
A atividade econômica é um conceito amplo que engloba a maioria das atividades produtivas realizadas por crianças, sejam ou não para o mercado, remuneradas ou não, por algumas horas ou tempo integral, de forma ocasional ou regular, legais ou ilegais; excluem-se pequenas tarefas realizadas pelas crianças em sua casa ou na escola.73 Ou seja, para que uma criança seja considerada economicamente ativa, considera-se que a mesma trabalhe pelo menos uma hora em qualquer dia, num período referência de sete dias, sendo importante salientar que tal conceito é estatístico e não jurídico. “Trabalho Infantil” é um conceito mais restrito, excluindo todas as crianças com 12 ou mais anos que trabalham apenas algumas horas por semana em trabalhos leves autorizados e aquelas com 15 ou mais anos cujo trabalho não é classificado como “perigoso”. Tal conceito baseia-se na Convenção da Idade Mínima de 1973 (n.º 138), que constitui a mais completa e oficial definição internacional sobre a idade mínima de admissão ao emprego ou trabalho.74 Já no que se refere ao conceito de trabalho perigoso realizado por crianças, esta é qualquer atividade ou ocupação que, pela sua natureza ou tipo, tenha ou resulte em efeitos adversos para a segurança, saúde (física ou mental) e desenvolvimento moral das crianças. Sendo imperioso destacar que o perigo pode ser resultante de uma excessiva carga de trabalho (em termos da duração) mesmo quando a atividade ou ocupação for considerada não perigosa ou segura.75 A Constituição Federal de 1988, em seu art. 7º, inc. XXXIII, de maneira mais conservadora e menos flexível, fixa as idades mínimas de admissão dentro dos seguintes parâmetros: a básica (16 anos) para qualquer trabalho; a inferior (14 anos) para trabalho em regime de aprendizagem; a superior (18 anos) para trabalhos insalubres e perigosos. O trabalho comum e o em regime de aprendizagem, executado antes dos dezoito anos são “infantis” em termos “internacionais”. Se for adotada a mesma nomenclatura, para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para esses mesmos trabalhos dirse-á que não são de crianças ou de adolescentes tomando-se a idade doze anos como referência.76 Em síntese, tanto a Convenção n.º 138 da OIT, como as normas brasileiras preveem e admitem determinados trabalhos abaixo da idade de dezoito anos, embora os trabalhos permitidos são especificamente protegidos. Resumindo, considerando que as normas brasileiras são mais rigorosas que as das Convenção n.º 138, é infantil e juridicamente proibido o trabalho executado abaixo das idades previstas em lei, ou seja, 16 anos fora do processo de aprendizagem; 18 anos para trabalhos insalubres, perigosos, penosos, prejudiciais ao desenvolvimento físico, psíquico, social e moral, assumindo a tipificação “piores formas”. A distinção traçada nesse capítulo entre trabalho infantil (que é abaixo de 18 anos na conceituação dos documentos internacionais), proibido e não proibido, se faz oportuna, uma vez que frequentemente ouve-se críticas equivocadas sobre a matéria, apresentando informações incorretas, no sentido de que qualquer trabalho abaixo dos dezoito anos, por ser “infantil”, é proibido. Resta oportuno salientar que, em razão do recorte temático, a presente dissertação pretende analisar o trabalho da criança e do adolescente, pertinente às previsões estabelecidas unicamente na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 1.2 CAUSAS DO TRABALHO DA CRIANÇA Sabe-se que a luta contra o trabalho infantil é constante na era contemporânea, constituindo-se como preceito fundamental para a construção de uma sociedade sem desigualdades 73
OLIVEIRA, Oris de. Trabalho e Profissionalização de Adolescente. São Paulo: Ltr, 2009. 319 p., passim. Ibid. 75 Organização Internacional do Trabalho. O Fim do Trabalho Infantil: um objetivo ao nosso alcance. Relatório Global no quadro do Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, Genebra, 2006, p.12 e 13. 76 OLIVEIRA, Oris de. Trabalho e Profissionalização de Adolescente. São Paulo: Ltr, 2009. 319 p., passim. 74
60
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
extremas, buscando-se ideais de igualdade e de desenvolvimento qualitativo dos cidadãos, em especial dos cidadãos que ainda se encontram em formação. O trabalho infantil consiste numa das modalidades de exploração existentes, o que é acarretado em virtude do descumprimento dos ideais de desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, principalmente os concernentes ao direito à educação, ao lazer e à formação emocional e física adequada. Não é que não se deve haver o exercício da atividade laboral por parte dos adolescentes, como forma dos mesmos em formação conquistarem o desafio contemporâneo referente à grande concorrência no mercado de trabalho, qual seja a necessidade de uma atividade de trabalho adequada com o desenvolvimento físico, psicológico e moral dos adolescentes a uma formação profissional exitosa.77 Logo, admite-se a possibilidade do trabalho no período da adolescência quando esse corrobora com estudo profissionalizante, na condição de aprendiz; todavia, o que se rechaça, é a sua exploração em atividades nocivas ao ideal de desenvolvimento almejado pela sociedade contemporânea. Pretende-se aqui também adentrar no problema do trabalho infantil no Brasil, sendo mister se fazer uma análise quanto às suas causas e consequências, e ainda, se questionar porque a prática do trabalho infantil é tão recorrente, sendo objeto de estudo de inúmeros trabalhos acadêmicos e de instituições protetoras de direitos humanos, também sendo o cerne dessa dissertação. Ensejando tal discussão no que se refere às suas principais causas e consequências, passase primeiramente à análise quanto às causas e posteriormente, quanto às suas consequências. Nesta diretriz, é pertinente registrar os ensinamentos de Maria Carolina Madeira no tocante ao conceito de trabalho infantil. A autora conceitua o trabalho infantil como sendo qualquer trabalho, mesmo sem pagamento, prestado no setor formal ou informal ou ainda, em atividades ilícitas, ocupando pelo menos uma hora semanal, por indivíduos com idade igual ou indivíduos com idade igual ou inferior a 16 anos, nos termos do artigo 7º, XXXIII, da Constituição Federal de 1988.78 Sob tal ótica, observa-se que o trabalho infantil tem origem por diversos motivos, dentre eles podemos elencar a pobreza, apontada como o principal fator determinante, o baixo índice educacional, a forte tradição e mito cultural da dignificação do trabalho, a forma de produção capitalista e falta de políticas governamentais. É manifesto que o fenômeno da pobreza gera na sociedade diversos males, pois sabe-se que a fome, as motivações criminosas, a dificuldade financeira de acesso à saúde e à justiça, são problemas na maioria causados pela falta de recursos. Todavia, é forçoso reconhecer que o fenômeno do trabalho infantil é constituído por diversos fatores, apesar das inúmeras pesquisas ainda insistirem numa visão determinista vinculada à exclusividade da condição de pobreza, ocultando a multiplicidade das causas de exploração do trabalho infantil.79 A pobreza é sim um fator de exploração da mão de obra infantil, principalmente quando o uso do trabalho infantil ainda nos tempos atuais é considerado como a solução de muitas famílias no intuito de se manter a própria sobrevivência do corpo familiar. No entanto, este é seu aspecto mais evidente, mas não exclusivo. Evidencia-se a pobreza como sendo “um fenômeno complexo, podendo ser definido de forma genérica como a situação na qual as necessidades não são atendidas de forma adequada”.80 77
CORRÊA, Cláudia; GOMES, Raquel. Trabalho infantil: diversas faces de uma realidade. Petrópolis: Viana e Mosley, 2013, p.39. 78 MADEIRA, Maria Carolina. Trabalho infantil e política pública: uma avaliação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) no município de João Pessoa. Dissertação (Mestrado) em Economia do Trabalho e Economia de Empresas) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2009. P.46. 79 RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma; HOLANDA, Fernanda Rosa Borges de. A criança e o adolescente no mundo do trabalho. Rio de Janeiro: USU/Amais, 1996, p.89. 80 ROCHA, Carmen Lúcia A. O princípio da igualdade e a ação afirmativa no Direito Constitucional. Revista
61
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Desse modo, a pobreza vai além da necessidade de comer e beber, sendo também caracterizada pela falta de políticas públicas, saneamento básico, ensino fundamental, e outras garantias quanto ao mínimo existencial. Indiscutivelmente a necessidade de sobrevivência em uma sociedade com o capitalismo tão acirrado, faz com o que o menor adentre ao mercado de trabalho cada vez de forma mais precoce, configurando um cenário de exploração da mão de obra barata, com o qual os empresários almejam auferir o lucro máximo. Todavia, essa inserção prematura e despreparada da criança e do adolescente ao mercado de trabalho, só ressalta ainda mais o ciclo vicioso de pobreza, pois dificilmente este menor e seus respectivos filhos sairão dessa subvida, considerando a falta de esclarecimentos e oportunidades a quem não possui qualificação educacional. Insofismavelmente, as crianças trabalhadoras de hoje, são os adultos subempregados de amanhã. Portanto, a erradicação da pobreza, representa um óbice na proliferação do trabalho infantil, sendo o grande desafio a ser vencido pela sociedade no combate ao trabalho infantil, urgindo a consolidação dos direitos humanos, a observância ao princípio da dignidade da pessoa humana e a implementação de políticas públicas sociais de eliminação da pobreza e miséria no Brasil. Outra causa do trabalho infantil é a baixa escolaridade vivenciada em um país de contradições como o Brasil. Sabe-se que a Educação é a mola propulsora de uma sociedade igualitária, justa e solidária, sendo assim, a escolaridade se apresenta como perspectiva fundamental, quando o assunto versa sobre trabalho infantil. Lamentavelmente, a educação como instrumento de emancipação e cidadania é utilizada pelo poder público como instrumento na defesa dos interesses das classes dominantes. Regina Stela Andreoli de Almeida, corroborando tal entendimento, assinala que “as crianças ricas recebem uma educação de qualidade para formação da classe burguesa. Enquanto isso, às crianças pobres são oferecidas uma educação na qual basta saber a leitura e a escrita, pois consideram que é suficiente o aprendizado de um ofício”. 81 Por conseguinte, pode-se afirmar, sem pairar qualquer dúvida, que no tocante ao sistema educacional no Brasil, os mais abastados estudam para sejam alguém em destaque, enquanto os pobres estudam para sejam inseridos o mais rapidamente no mercado de trabalho, em maior incidência, no âmbito dos trabalhos braçais, ou até mesmo no trabalho doméstico. Vale destacar ainda que, a pobreza e a falta de acesso à escola são ao mesmo tempo causa e consequência de uma sociedade desigual. Dessa maneira, o trabalho infantil, que encontra em uma das suas maiores causas a baixa escolaridade das famílias e das crianças e adolescentes, conseguirá ser obstado caso este seja realizado de maneira consciente e eficiente. Não se pode olvidar aqui da causa que se traduz como a forte tradição e mito cultural da dignificação do trabalho. A esse respeito, André Viana Custódio estatui que muitos defendem o trabalho da criança e do adolescente, reproduzindo o discurso da atividade laboral por meio de frases, conforme destacam-se as seguintes: 01) é melhor trabalhar que roubar; 02) o trabalho da criança ajuda a família; 03) é melhor trabalhar que ficar nas ruas; 04) lugar de criança é na escola; 05) trabalhar desde cedo acumula experiência para trabalhos futuros; 06) é melhor trabalhar do que usar drogas; 07) trabalhar não faz mal a ninguém.82 Trimestral de Direito Público, São Paulo. n.15, jul./set. 1996, p. 85-99. 81 ALMEIDA, Regina Stela Andreoli de. A inserção do jovem no mercado formal de trabalho. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Programa de Pós-Graduação em Educação, Campinas, 2013, p.127. 82 CUSTÓDIO, André Viana. A exploração do trabalho infantil: a negação do ser criança e adolescente no Brasil. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2007, p.112.
62
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
O discurso mencionado, reproduzido pela voz do senso comum, é muitas vezes repleto de ignorância, tendo em vista que as autoridades responsáveis em tutelar os direitos humanos da criança e do adolescente perpetuam a cultura da dignificação do trabalho. Todavia, tais responsáveis ignoram o fato de que o trabalho precoce não ajuda no desenvolvimento da família, uma vez que mais à frente, essa criança obstada da formação escolar e profissional, se torna um adulto socialmente vulnerável. Do mesmo modo, o trabalhar desde muito cedo pode até trazer experiência prática para uma determinada função ocupada pela criança ou pelo adolescente, todavia, esse trabalho precoce não gerará qualquer tipo de garantia na vida adulta, ao revés, gerará uma exclusão futura, uma vez que, em regra, as crianças submetidas a trabalhos rotineiros estão mais propensas às doenças ocupacionais e à exposição emocional. Outro sofisma propalado pela sociedade é a afirmação de que a criança e o adolescente que trabalham estão isentos do uso de drogas. Tal afirmação está eivada de equívoco, uma vez que o acesso mais frequente às drogas durante a infância, ocorre justamente quando se dispõe de algum recurso financeiro, geralmente obtidos através do trabalho.83 Como acentuam Felipe Braga de Oliveira e Alessandra Seriacopi Vila, o que consolida a não utilização de entorpecentes não é o trabalho desde a infância, e sim a educação, a informação e as oportunidades de crescimento pessoal.84 A frase mais comumente citada pela sociedade é que “a dignificação do homem advém do seu trabalho desde cedo”. Esse discurso de que o trabalho dignifica o homem advém do sistema capitalista, que impõe estarem todos trabalhando em prol do alto consumo e consequentemente da produção cada vez maior. Tais abordagens se traduzem em um sinal de alerta para toda a sociedade, que ao reproduzir esse senso comum, difunde um discurso capitalista ao extremo e supervaloriza o trabalho, ocasionando o pior tipo de trabalho infantil e o mais difícil de ser localizado e reparado, dada a sua incidência no âmbito mais privado do ser humano, o seu lar.85 Nesse desiderato, o modo de produção capitalista também é uma das causas de exploração do trabalho infantil, uma vez que, em suma, o capitalismo constitui-se como atividade de produção que tem como bases principais a competição e o lucro extremo. Assim, almejando o baixo custo de produção com mão de obra, as crianças e adolescentes acabam sendo inseridas no mercado de trabalho, pois representam uma diminuição considerável no orçamento mensal dos empregadores. Tais assertivas leva-nos a consagrar o pensamento proposto por Josiane Veronese, que assim estatui: [...] a criança e o adolescente fazem parte, do modo de produção capitalista quanto à busca pelo lucro. Como este grupo é extremamente vulnerável e não se organiza enquanto grupo capaz de prover reivindicações, causa assim a sua inserção no mercado de trabalho de maneira fácil.86
83
SOUZA, Ismael Francisco de. Causas, mitos e consequências do trabalho infantil no Brasil. Revista do Curso de Direito da Unesc, Santa Catarina, Ano 3, n. 3, dezembro 2006, p.8. 84 OLIVEIRA, Felipe Braga de; VILA, Alessandra Seriacopi. As causas da exploração do trabalho infantil: violação aos direitos humanos. In: RIBEIRO, Daniela Menengoti et al (Coord.). Direito internacional dos direitos humano II. Florianópolis: CONPEDI, 2014, p.12. 85 OLIVEIRA, Felipe Braga de; VILA, Alessandra Seriacopi. As causas da exploração do trabalho infantil: violação aos direitos humanos. In: RIBEIRO, Daniela Menengoti et al (Coord.). Direito internacional dos direitos humano II. Florianópolis: CONPEDI, 2014, p.12. 86 VERONESE, Josiane R.P. Os direitos da criança e do adolescente: construindo o conceito de sujeito cidadão. In: WOLKMER, Antônio Carlos; Leite, José Rubens Morato (Org.). Os novos direitos no Brasil: natureza e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 27.
63
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Frise-se que o ingresso da criança e do adolescente no mercado de trabalho, também representa um ciclo vicioso com uma equação muito simples, quanto mais crianças são inclusas no mercado de trabalho, mais desemprego haverá entre os adultos futuramente. Sendo, portanto, perceptível o caráter desumano que o modo de produção capitalista ocasiona a inclusão da criança e do adolescente no mercado de trabalho, obstando o desenvolvimento da sociedade que se almeja construir na contemporaneidade.87 A última causa do trabalho infantil que se pretende abordar é a falta de políticas governamentais, tendo em vista que a falta de uma política governamental mais ampla de educação e assistência social tem reproduzido causas estruturais para a inserção precoce de crianças e adolescentes no trabalho. Dessa maneira, faz-se necessário que a sociedade movida em um só objetivo pense e lute por ações eficazes que propiciem rendas às famílias como forma de evitar o trabalho infantil. 1.3 AS PIORES FORMAS DE TRABALHO DA CRIANÇA Em 1999, a OIT editou a Convenção 182 e a Recomendação 190 com o escopo de estabelecer as características gerais das chamadas “Piores Formas de Trabalho Infantil” (Lista TIP), para que de maneira universal, no âmbito de cada Estado Membro, fossem identificadas e, mediante a ratificação da Convenção, cada membro participante, instituísse programas de combate específico a elas (art. 4º).88 Frise-se que a maioria das piores formas de trabalho infantil configuram-se como atividades insalubres, perigosas e penosas, que já foram consideradas pelo legislador brasileiro inadequadas para o ser em pleno desenvolvimento como a criança e o adolescente, conforme se depreende da leitura do artigo 3º da Convenção 182 da OIT: Art.3º. Para efeitos da presente Convenção, a expressão “as piores formas de trabalho infantil” abrange: a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, tais como a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de servo, e o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados; b) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção de pornografia ou atuações pornográficas; c) a utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de entorpecentes, tais com definidos nos tratados internacionais pertinentes; e, d) o trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, é suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças”.89
Sabe-se que os documentos anteriores da OIT (Carta de Cartagena, por exemplo) passassem a enfocar as piores formas, as primeiras pesquisas no Brasil patrocinadas pelo International Program on Elimination Child Labour (IPEC), os primeiros programas de erradicação para elas se voltaram, objetivando o trabalho insalubre e inseguro do corte de cana, manuseio de cola tóxica na confecção de calçados, de serviços locais de carvoarias e na cultura fumageira. Ultimamente, as atenções têm-se voltado para os trabalhos nos lixões.90 Oportuno salientar que toda forma de trabalho exercida pela criança e pelo adolescente antes da idade mínima, e sem as condições adequadas, viola a dignidade humana, todavia para fins exemplificativos, abordaremos somente algumas das piores formas de trabalho infantil. 87
OLIVEIRA, op. cit., p.14. PERES, Viviane Matos González. Regulação do Trabalho do Adolescente: Uma Abordagem a partir dos Direitos Fundamentais. Paraná: Juruá, 2008. 214 p. 89 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção sobre Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação. Convenção nº 182, 1999. Disponível em <http://www. oitbrasil.org.br/node/518 >. Acesso em: 20 jan. 2018. 90 OLIVEIRA, Oris de. Trabalho e Profissionalização de Adolescente. São Paulo: Ltr. 2009. 319 p. 88
64
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
No Brasil dentre as tantas formas de trabalho que se enquadram nas descrições das alíneas anteriores, identificam-se três muito corriqueiras e repudiáveis, que segundo o ministério público do trabalho são o trabalho doméstico, o realizado nos lixões e no corte de cana-de-açúcar.91 De acordo com informações do IBGE, no ano de 2001 existiam 5.482.515 crianças e adolescentes entre cinco e dezessete anos no mercado de trabalho, sendo que desse total 494.002 pertencem ao mundo ilegal do trabalho doméstico, ou seja, aquele que se desenvolve dentro de casa, e por isso, de difícil fiscalização e consequente erradicação. Sendo imperioso destacar que a faixa etária nesse tipo de exploração gira em torno de cinco a quinze anos 222.865 e 271.137 entre dezesseis e dezessete anos.92 O trabalho doméstico é um dos mais difíceis de ser combatido e erradicado, uma vez que é de fácil aceitação por parte da sociedade, por dar uma falsa noção de inserção da criança – em sua grande maioria meninas pobres, negras ou pardas e de baixa escolaridade – em uma suposta modalidade laboral mais humana, visto que está se desenvolvendo em ambiente familiar. O trabalho doméstico todavia, deve ser enquadrado como uma das piores formas de trabalho infantil, uma vez que tal atividade acarretam várias situações de risco e vulnerabilidade, uma vez que a criança ou adolescente poderá se sujeitar a carga horária ilimitada, residindo ou não no local de trabalho, levando-se em conta a limitação legal e a existência de uma relação discrepante entre este e a autoridade de um ou mais adultos.93 Noutro ponto, pode-se conceber que as circunstancia de ser um trabalho realizado em local privado permite a exposição a qualquer tipo de abuso, seja ele físico, moral ou sexual. E por fim, por lidar com a limpeza da casa, há que se admitir a manipulação de produtos químico, inflamáveis, peças cortantes, utilização de fogo na cozinha, além dos aparelhos elétricos, sendo que a combinação de todos esses riscos acarreta sérios comprometimentos biopsicossociais que, por consequência, prejudicam a aprendizagem dessas crianças, provocando a sua evasão escolar.94 No direito brasileiro, o trabalho doméstico abrange atividades realizadas “no âmbito residencial” compreendendo tarefas que não se realizam somente no interior, outras tais como as de jardineiros, enfermeiros, motoristas. Se algumas dessas tarefas se fizerem em condições insalubres (por exemplo, no manuseio de substâncias tóxicas na lavagem de roupas, carros, etc.), perigosas, penosas serão proibidas a todo adolescente.95 Sendo assim, o enquadramento do trabalho infantil doméstico como “pior forma” pressupõe a proibição do trabalho doméstico antes dos 18 anos. Outra atividade considerada como uma das piores formas de trabalho infantil é a realizada nos lixões das cidades, apresentando-se como reflexo do total abandono das famílias miseráveis pelo governo e por toda a sociedade. O que ocorre é que as famílias compelidas a buscar no lixo meios para a sobrevivência, acabam introduzindo também os seus filhos nessa tarefa tão desumana. De acordo com dados divulgados pela Unicef, existem quarenta e cinco mil crianças e adolescentes brasileiros trabalhando nos lixões juntamente com os pais, na coleta de material reciclável. O Fundo das Nações Unidas para a Infância – Unicef, realizou pesquisa no ano de 1998 e estimou que cerca de 45 mil crianças e adolescentes, em todo o território brasileiro, trabalhavam na catação de lixo, que 30% delas não frequentavam a escola e que 49 % se concentravam no nordeste.96 91
PERES, Viviane Matos González. Regulação do Trabalho do Adolescente: Uma Abordagem a partir dos Direitos Fundamentais. Paraná: Juruá, 2008. 214 p. 92 LINS. Maria Edlene Costa. “A atuação do Ministério Público do Trabalho no Combate ao trabalho infantil doméstico”. Disponível em: <http://www.prt13.mpt.gov.br/pubartigos/pubartmec100012005.pdf>. Acesso em: jun.2006. 93 PERES, op. cit. 94 PERES, Viviane Matos González. Regulação do Trabalho do Adolescente: Uma Abordagem a partir dos Direitos Fundamentais. Paraná: Juruá, 2008. 214 p. 95 OLIVEIRA, Oris de. Trabalho e Profissionalização de Adolescente. São Paulo: Ltr. 2009.p. 165. 96 Disponível em: <http://www.lixoecidadiapr.org.br/erradicacaoII.html >. Acesso em: abr.2006.
65
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Resta claro que pelo fato de ser considerado o trabalho em “lixões” um trabalho que envolve a exposição da criança e do adolescente à resíduos materiais sólidos, líquidos ou pastosos considerados impróprios para uso, como materiais tóxicos, cortantes e inflamável, além do perigo causado pelo movimento de caminhões e máquinas, mostra-se completamente inadequado a qualquer ser humano e principalmente àqueles em desenvolvimento como é o caso das crianças e adolescentes. Finaliza-se abordando o emprego da força de trabalho da criança e do adolescente nas fazendas de cana-de-açúcar, que é também uma das formas mais aviltantes dos direitos humanos, e associado diretamente ao trabalho escravo contemporâneo, tendo em vista que é realizado com total desrespeito aos preceitos legais e em troca dele muitas vezes o explorado não recebe sequer remuneração.97 Tal situação de exploração se justifica em torno de três fatores: a influência do sistema escravista e pós-escravista vigorante nas relações laborais no Brasil colonialista e neorrepublicano, que arraigou a aceitação da introdução do grupo vulnerável na lida como forma de repressão à delinquência e ociosidade, aliada à ideia do engrandecimento do ser humano através do trabalho; as mudanças tecnológicas ocorrida no âmbito do processo produtivo da cana-de-açúcar, pressionando o trabalhador a produzir de maneira intensa e rápida como as máquinas; e ainda, a questão do pagamento por produção, ou seja, o empregado só terá direito a receber a quantia avençada se conseguir cumprir a cota fixada por seus patrões, cotas estas complemente sub-humanas.98 É terminantemente proibida a introdução de crianças e adolescentes no trabalho com a cana-de-açúcar, uma vez que se identificam nessa atividade condições de trabalho legalmente proibidas aos adolescentes e quiçá às crianças, inadequadas para o exercício desse trabalho por serem seres em fase de desenvolvimento biopsicossocial. Tal atividade oferece grade risco de dano pelas condições de perigo, insalubridade e penosidade em razão do contato direto com poeira, palha cortante, alvoroço dos animais, calor, risco de mutilação e ainda da pressão de produção.99 Desta forma, conclui-se que o trabalho em geral na cana-de-açúcar se apresenta como uma das piores formas de exploração da mão de obra da criança e do adolescente, colidindo frontalmente com os direitos humanos fundamentais e com o princípio da proteção integral. 1.4 CONSEQUÊNCIAS DO TRABALHO DA CRIANÇA Uma das principais consequências do trabalho infantil se baseia na propalação de um mito muito comum. Trata-se de um discurso que afirma que o trabalho infantil não faz mal a ninguém. Tal cadeia de pensamento deve ser vigorosamente rechaçada, pois oculta o fator real de que o trabalho infantil traz sérios prejuízos à saúde e ao desenvolvimento físico e psicológico da criança e do adolescente. Por isso, pode-se dizer, seguindo o assaz pensamento de Felipe Braga de Oliveira e Alessandra Seriacopi Vila que a infância e a adolescência se traduzem como um período de formação e desenvolvimento. Sendo assim, as transmissões de responsabilidades incompatíveis com a fase correspondente da criança destroem etapas necessárias, desconstruindo sonhos, o lúdico e as relações sociais indispensáveis ao desenvolvimento do ser humano.100 Não se pode ignorar que mesmo o trabalho bem executado, em uma organização de trabalho rigorosa, onde existe indicação e procedimentos claros, é impossível atingir-se a qualidade do trabalho, a ponto de não alcançar o trabalhador de alguma forma em sua subjetividade e existência. 97
PERES, Viviane Matos González. Regulação do Trabalho do Adolescente: Uma Abordagem a partir dos Direitos Fundamentais. Paraná: Juruá, 2008. p.113. 98 Ibid., p. 113. 99 Ibid., p.115. 100 OLIVEIRA, Felipe Braga de; VILA, Alessandra Seriacopi. As causas da exploração do trabalho infantil: violação aos direitos humanos. In: RIBEIRO, Daniela Menengoti et al (Coord.). Direito internacional dos direitos humano II. Florianópolis: CONPEDI, 2014, p.19.
66
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Ou seja, se o trabalho já afeta a subjetividade de qualquer pessoa, como não poderia afetar ainda mais a subjetividade da criança e do adolescente, seres humanos ainda em desenvolvimento. Nas palavras de Dejours: [...] pode-se observar que as situações de trabalho ordinárias são impactadas por acontecimentos inesperados, panes, incidentes, anomalias de funcionamento, incoerências organizacionais, imprevistos, provenientes tanto da matéria, das ferramentas e das máquinas, como dos demais trabalhadores, colegas, chefes, subordinados, da equipe, da hierarquia, dos clientes...Em verdade sempre haverá uma lacuna entre o prescrito e a realidade concreta da situação do trabalho.101
Assim, trabalhar muito mais do que uma relação salarial e empregatícia é vencer, preencher esse hiato entre o que foi prescrito e o efetivo. Dejours analisa afirmando que: [...] o sujeito que trabalha conhece esse hiato irredutível entre a realidade, de um lado, e as prescrições e os procedimentos, de outro, sempre como uma forma de fracasso: ou seja, o real se deixa conhecer pelo sujeito por sua resistência aos procedimentos, ao saber-fazer, à técnica, ao conhecimento, isto é, pelo fracasso imposto ao domínio sobre ele – o real.102
E o mundo real simplesmente resiste, tanto para os adultos como para o ser em formação. Portanto, por se traduzir o trabalho em um esforço existencial, com reflexo direto na subjetividade do ser humano, de forma óbvia, a exploração da força de trabalho da criança e do adolescente de forma desmedida é um dos fatores ainda a gerar grandes problemas em sua subjetividade e saúde mental, física e psicológica. Nesse contexto, considerando a complexidade que o trabalho representa ao ser humano, não se pode ignorar de maneira alguma as consequências das piores formas de trabalho infantil na construção da subjetividade humana do ser em formação. Portanto, é importante destacar que o trabalho muitas vezes expõe a criança, de forma extemporânea, às situações diversas, sendo que, às vezes, a criança não se encontra pronta para o devido enfrentamento, circunstâncias que, se mal enfrentadas, podem se transformar em traumas e deformidades para a fase adulta. Miriam Albuquerque de Souza Leão, quanto a esse assunto sintetiza: Se na verdade, o trabalho infantil tivesse as virtudes preconizadas, os jovens filhos dos ricos também estariam trabalhando. Jovens de classe média, nas suas diferentes hierarquizações, são cada vez mais ocupados com diversas atividades que complementam suas trajetórias de vida escolar; fazendo cursos diversos, como computação, línguas, atividades físicas, que diferem consideravelmente dos jovens trabalhadores de origem humilde.103
É inegável que o trabalho infantil tem como consequência diversos fatores, que por muitas vezes são ignorados pela sociedade, não porque esta não tem o conhecimento de tais consequências, mas sim, porque não querem enfrentar diretamente o problema, pois sabem que o enfrentamento faz com que a sociedade saia de sua esfera de conforto, gerando inúmeros dispêndios, sejam eles de ordem social ou econômica. Observa-se, de tal modo, consoante Felipe Braga de Oliveira e Alessandra Seriacopi Vila que, dentre os diversos fatores, pode-se citar os educacionais, os econômicos, os políticos e ainda os efeitos diretos sobre o desenvolvimento físico e psicológicos das crianças e adolescentes.104 101
DEJOURS, Christophe. Subjetividade, trabalho e ação: Uma visão de conjunto. In: DEJOURS, Christophe. Trabalho Vivo II: Trabalho e emancipação. Brasília: Paralelo 15, 2012. Cap. 1. p. 13-44. Tradução: Franck Soudant. 102 DEJOURS, Christophe. Subjetividade, trabalho e ação: Uma visão de conjunto. In: DEJOURS, Christophe. Trabalho Vivo II: Trabalho e emancipação. Brasília: Paralelo 15, 2012. Cap. 1. p. 13-44. Tradução: Franck Soudant. 103 LEÃO, Miriam Albuquerque de Souza. A inserção do jovem no mercado formal de trabalho. Dissertação (Mestrado), Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. Campinas-SP. p.84. 104 OLIVEIRA, Felipe Braga de; VILA, Alessandra Seriacopi. As causas da exploração do trabalho infantil:
67
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
O argumento que “trabalho enobrece” não considera os impactos e as consequências que estão sujeitos os milhões de meninos e meninas que trabalham. É indiscutível que fisiologicamente e psicologicamente os adultos e as crianças são muito diferentes. Na infância, a criança encontra-se em um processo de desenvolvimento importante, podendo gerar grande impacto qualquer infortúnio que lhe aconteça. No tocante aos aspectos físicos, as crianças e adolescentes que trabalham de forma precoce costumam apresentar sérios problemas de saúde, como fadiga excessiva, distúrbios do sono, irritabilidade, alergias e problemas respiratórios. No caso de trabalhos que exigem esforço físico extremo, como carregar objetos pesados ou adotar posições antiergonômicas, podem prejudicar o seu crescimento, ocasionar lesões na coluna e produzir deformidades. O trabalho pesado em idade precoce tem implicações diretas no desenvolvimento físico e mental da criança, sendo que o corpo sofre os efeitos da fadiga por causa do dispêndio excessivo de energia. A maioria das crianças sofrem também de má nutrição, em razão de ingestão de comidas inadequadas, que baixam a resistência delas e as fazem ainda mais vulneráveis a doenças.105 Observando-se também problemas relacionados à estatura óssea e coluna vertebral em razão do excesso de peso suportado. Dependendo do tipo e do contexto social em que a criança e o adolescente desenvolvem o seu trabalho, os impactos psicológicos são muito variáveis, especialmente na capacidade de aprendizagem e em sua forma de se relacionar. Nesse sentido, os abusos físico, sexual e emocional são grandes fatores para desenvolvimento não só de doenças físicas, mas inclusive psicológicas. Trabalhos como tráfico e exploração sexual, por exemplo, considerados as piores formas de trabalho infantil, trazem uma carga negativa muito grande no psicológico e na autoestima. Outra questão importante é a inversão dos papéis que muitas vezes ocorrem nas famílias, em razão de as crianças serem as responsáveis por uma parte significativa da renda familiar; tal inversão pode causar dificuldade na inserção em outros grupos sociais da mesma idade, porque possui assuntos e responsabilidades muito além da idade adequada. Seus referenciais passam a ser semelhantes aos dos adultos, sendo comum que as crianças que trabalhem tenham mais facilidade de se relacionar com adultos do que com pessoas da sua própria idade. Na assaz visão sempre oportuna de Felipe Braga de Oliveira e Alessandra Seriacopi Vila, o trabalho infantil, no âmbito educacional, apresenta-se como um dos fatores de aumento na infrequência escolar, pois as longas jornadas de trabalho e o cansaço físico das crianças e adolescente contribuem para este fator.106 Em geral, as crianças apresentam dificuldades no desempenho escolar, o que leva muitas vezes ao abandono dos estudos. Isso acontece porque elas costumam chegar à escola já muito cansadas, não conseguindo assimilar os conhecimentos passados para desenvolver as suas habilidades e competências. Por meio deste pensamento, conclui-se que a criança e o adolescente atropelam etapas fundamentais de suas vidas representadas pela infância, prejudicando o desenvolvimento lúdico, necessário a uma vida sadia e equilibrada. Esta troca está inserida em um contexto de precarização das relações de trabalho, onde a violência infantil torna-se um fator determinante de exclusão das oportunidades na fase adulta. Na mui oportuna visão de Rúbia Zanotelli de Alvarenga, é premente que a infância e a adolescência sejam encaradas como estágios vitais na construção da personalidade e desenvolvimento violação aos direitos humanos. In: RIBEIRO, Daniela Menengoti et al (Coord.). Direito internacional dos direitos humano II. Florianópolis: CONPEDI, 2014, p.20. 105 NOCCHI, Andrea Saint Pastous; VELLOSO, Gabriel Napoleão; FAVA, Marcos Neves (Org.). Criança, Adolescente, Trabalho. São Paulo: Ltr, 2010. p.236. 106 OLIVEIRA, Felipe Braga de; VILA, Alessandra Seriacopi. As causas da exploração do trabalho infantil: violação aos direitos humanos. In: RIBEIRO, Daniela Menengoti et al (Coord.). Direito internacional dos direitos humano II. Florianópolis: CONPEDI, 2014, p.21.
68
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
dos futuros adultos, não sendo racional reafirmarmos a ideia de que em outro tempo os menores trabalhavam desde muito cedo, suportando as responsabilidades da fase adulta. O que os adultos não percebem é que se eles tivessem sido poupados na infância, poderiam ter maior estatura, menos problemas dentários, menos doenças, mais escolaridade, menos lembranças de sofrimento do trabalho na roça ou nos perímetros urbanos do interior ou das cidades maiores onde laboravam.107 O que se infere é que o trabalho infantil furta a esperança e as expectativas dos adultos, que desde muito cedo têm seus pensamentos condicionados ao puro instinto de sobrevivência, e isso é passado de geração para geração, sendo um ciclo que se retroalimenta na própria ignorância. Nesse sentido, as crianças e os adolescentes estarão condenados a pobreza, pois não conseguirão alcançar as condições mínimas para transpor a realidade de seus pais. 1.5 DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS RELATIVOS À CRIANÇA A Constituição Federal de 1988 trouxe uma série de direitos fundamentais a crianças e adolescentes, até então não estabelecidos, prevendo em seu artigo 227 que: Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.108
Sendo os direitos fundamentais inerente à Constituição Federal de 1988, estes são totalmente protegidos de qualquer abalo jurídico, possibilitando o reconhecimento da condição de cidadão. Logo, na supressão dos direitos fundamentais “a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive”.109 Visando superar a cultura menorista e concretizar os princípios e diretrizes da teoria da proteção integral, o Estatuto da Criança e do Adolescente tratou de implantar medidas protetivas e fortalecer os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes.110 1.5.1. A saúde como direito humano e fundamental O bem-estar e o direito à saúde são preceitos expressos na Constituição Federal de 1988, especificamente, nos artigos 3º, IV e 6º, respectivamente. A partir de então, constata-se a imperiosidade de aplicação desses direitos na seara laboral no tocante à criança e ao adolescente.111 Nesse contexto, o Estatuto da Criança e do Adolescente enfatiza em seu artigo 11º o atendimento integral a saúde de todas criança e adolescente por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação. Também, o artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente indica que a criança e o adolescente têm direito à saúde, sendo que o poder público o deve concretizar mediante a elaboração de políticas sociais que permitam o real desenvolvimento sadio de meninos e meninas,112 107
ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. A abolição efetiva do trabalho infantil: convenções 138 e 182 da OIT. Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre, Ano 32, n. 382, outubro 2015, p. 47. 108 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Site da Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui-caocompilado.htm>. Acesso em: 20 jan. 2018. 109 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31. Ed., São Paulo: Malheiros:2008. p.163. 110 CUSTÓDIO, André Viana. Direito da Criança e do Adolescente. Criciúma, SC: ediUNESC, 2009, p.43. 111 EÇA, Vitor Salino de Moura (Org.). Trabalho e Saúde. Belo Horizonte: Rtm, 2015. 343 p.229. 112 PAGANINI, Juliana; MORO, Rosângela del (Ed.). A utilização dos princípios do direito da criança e do adolescente como mecanismo de efetivação dos direitos fundamentais. Amicus Curae, Santa Catarina, v. 6, n. 6, p.45-57, 2011. Anual.
69
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
inclusive, tutelando a exploração do trabalho infantil, evitando assim, a inserção precoce e ilícita da criança e do adolescente no mercado de trabalho, no intuito de proteger a saúde e o bem-estar do ser humano em formação. Portanto, toda criança e adolescente têm direito à saúde, onde através do princípio da tríplice responsabilidade compartilhada, deve o Estado, a família e a sociedade garanti-la de modo efetivo em todos os aspectos. É oportuno salientar que toda criança possui direito à liberdade, respeito e dignidade, sendo imperioso salientar que o trabalho prestado da criança e do adolescente está intimamente ligado à compreensão dessa liberdade, a fim de assegurar a sua inviolabilidade. Ou seja, o direito ao respeito consiste na garantia da integridade física, psicológica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, identidade, autonomia, valores, ideias, crenças, espaços e objetos pessoais, tudo isso criando um ambiente equilibrado, à fim de se preservar a saúde mental, emocional e física do ser em formação. O direito a saúde é fundamental e indispensável para a vida com dignidade do ser em formação, sendo que a profissionalização e a proteção ao trabalho precoce, ou seja, abaixo do limite de idade permitido, influencia diretamente na preservação da saúde mental, emocional e física da criança e do adolescente. Nesse sentido, visando tutelar também o direito fundamental à saúde, a Constituição Federal de 1988, estabeleceu a proibição do trabalho noturno, perigoso e insalubre antes dos dezoito anos e também estabeleceu o limite de idade mínima para o trabalho em dezesseis anos, ressalvando a possibilidade de aprendizagem a partir dos quatorze anos.113 As crianças e adolescentes que trabalham de forma precoce costumam apresentar sérios problemas de saúde, como fadiga excessiva, distúrbios do sono, irritabilidade, alergias e problemas respiratórios. No caso de trabalhos que exigem esforço físico extremo, como carregar objetos pesados ou adotar posições antiergonômicas, podem prejudicar o seu crescimento, ocasionar lesões na coluna e produzir deformidades. Portanto, resta claro que a proteção da criança e do adolescente ao trabalho guarda relação direta com o direito fundamental à saúde, sendo dever do Estado e dos outros agentes prover um ambiente equilibrado à pessoa em formação. 1.5.2. A educação como direito humano e fundamental O direito à educação, de acordo com a Constituição Federal de 1988, insere-se no Título II, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, especificamente no Capítulo II, que cuida dos direitos Sociais. Como já tratado anteriormente, a educação é direito fundamental de segunda dimensão, sendo verdadeiro pressuposto para a análise dos direitos fundamentais de primeira dimensão, uma vez que os direitos fundamentais são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados.114 Ou seja, não há como assegurar direitos individuais, ou direitos de liberdade, direitos civis e direitos políticos à pessoa que foi negada a possibilidade de desenvolver suas faculdades físicas, morais e intelectuais, não existindo direito ao trabalho digno e à educação sem direito à vida e à liberdade. O direito fundamental à educação este diretamente interligado aos fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil.115 Pois a concretização do direito à educação aparece 113
PAGANINI, Juliana; MORO, Rosângela del (Ed.). A utilização dos princípios do direito da criança e do adolescente como mecanismo de efetivação dos direitos fundamentais. Amicus Curae, Santa Catarina, v. 6, n. 6, p.45-57, 2011. Anual. 114 CORRÊA, Flávia Soares. Educação e Trabalho na Dimensão Humana: O dilema da juventude. São Paulo: Ltr, 2011. p.24. 115 BARROSO, Luiz Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p.106.
70
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
como o mais importante mecanismo para que possa existir uma sociedade livre, justa e solidária, para que ocorra o desenvolvimento nacional, para que haja a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.116 Certamente é direito de todos a garantia ao direito à educação, toda pessoa deve ter garantida a oportunidade de desenvolver suas potencialidades, buscando sua identidade e alcançando melhores condições de vida. É na infância que o processo educativo deve ser mais intenso, uma vez que a educação progressivamente se incorpora ao arcabouço de experiência da pessoa humana.117 É na fase da infância que são firmadas as bases físicas, intelectuais, emocionais e sociais. É por meio da educação que as práticas, as ideias e os sentimentos de uma geração são transmitidos às novas gerações como um processo de preparação destas para a vida adulta. É através da educação que a herança de uma sociedade se perpetua, dando continuidade ao conhecimento, de geração para geração. Assim, a educação abrange a preparação escolar e aquela absorvida fora da escola, tendo como agentes a família, a sociedade e o Estado. É por meio da educação fora da escola, que o indivíduo se aproxima dos costumes e das condutas do grupo social que o cerca, absorvendo padrões sociais a partir da convivência.118 Portanto, a educação é direito de todos, mas acima de tudo, esse direito deve revestir-se de qualidade. O processo de aprendizagem deve viabilizar, além da reprodução de conhecimentos demonstrados em livros didáticos, a “transmissão do patrimônio cultural, despertar as potencialidades espirituais, reflexão do que se vive e a capacidade de modificar a realidade”.119 Sabe-se que atualmente no Brasil a escola ainda não se encontra democratizada, refletindo a instituição grandes dificuldades que decorrem de estrutura social vigente. Ainda existe uma desigualdade, no sentido de que aqueles de nível social mais elevado conseguem concluir os estudos, enquanto que aqueles que não possuem condições de pagar por seus estudos, não prosseguem até o final em sua formação educacional. Todavia, há que se admitir que, para se falar em futuro, faz-se necessário falar em educação de qualidade para todos, invertendo as prioridades do Estado, passando a investir em política social. Se está a falar de mudança na concepção no sentido de valorização da pessoa humana em detrimento da valorização única de políticas privatistas e elitistas.120 Ao se refletir sobre a igualdade de acesso e a qualidade da educação, torna-se indispensável a compreensão de que a efetividade do direito de todas as crianças à educação é um imperativo ético cujo fundamento é o princípio da responsabilidade de acolher todas as crianças sem qualquer tipo de discriminação. Tal perspectiva compreende os Direitos Humanos não apenas como indicativos de direitos fundamentais que devem sem respeitados, mas sobretudo, como uma defesa da igualdade entre os seres humanos respeitando as diferenças.121 Todas as crianças devem ter o direito à educação independentemente de serem de origem negra, indígena ou branca, ricas ou pobres. Logo, a igualdade é um paradigma de inclusão social. Pode-se aduzir que a garantia do direito à educação, enquanto direito humano fundamental, percorre um caminho marcado por inúmeros sujeitos sociais: pelas lutas que afirmam esse 116
CORRÊA, op. cit., p.24. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1987.p.7. 118 CORRÊA, op. cit., p.24. 119 KRUPPA, Sônia M. Portella. Sociologia da educação. São Paulo: Cortez, 1996.p.23. 120 CORRÊA, Flávia Soares. Educação e Trabalho na Dimensão Humana: O dilema da juventude. São Paulo: Ltr, 2011. p.24. 121 SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Educação em Direitos Humanos: Fundamentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Universitária, 2007. 452 p., passim. 117
71
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
direito, pela responsabilidade do Estado em prover os meios necessários à sua concretização e pela adoção de concepção de uma educação cujo princípio de igualdade contemple o necessário respeito e tolerância à diversidade.122 Tal noção de educação para os direitos humanos guarda íntima conexão com os ideais de democracia, cidadania, paz e justiça social. 1.6 POLÍTICAS PÚBLICAS DE ERRADICAÇÃO E PREVENÇÃO DO TRABALHO DA CRIANÇA NO BRASIL O trabalho infantil deixa marcas na vida de crianças, jovens e até adultos. Para muitas crianças e adolescentes a sina diária é trabalhar sob qualquer condição, enfrentar o cansaço, a fome, às vezes os desmandos dos adultos, às vezes mutilações em seu próprio corpo, abusos sexuais e até mesmo abandono.123 Só que essas crianças e adolescentes não sabem que não deveria ser assim, elas desconhecem seus direitos, e com isso perdem sua esperança e perspectiva para o futuro. O fato é que a criança e adolescente que de maneira precoce entram na linha do trabalho desmedido, perdem o fio direcionador de suas próprias vidas. Não existe uma única fórmula milagrosa para que seja erradicado o trabalho infantil e devidamente protegido o trabalho de adolescentes. Apesar de possuir uma legislação avançada neste campo, a partir da Constituição Federal de 1988, o Brasil caminha a passos lentos para a solução definitiva do problema. Sendo completamente redundante dizer que leis não são suficientes sem a conscientização do ser humano e também a implementação de políticas públicas eficientes e não discriminatórias.124 O caminho da parceria entre a sociedade, os pais e o Estado é fundamental para o sucesso dos programas que visem tingir a problemática do trabalho da criança e do adolescente. Entender o caminho da parceria é fundamental. Mais uma vez, para a efetivação da Constituição Federal de 1988 é necessário relembrar o tripé conceitual que a esta está claramente inserido. O conceito de Estado Democrático de Direito funda-se na pessoa humana com sua dignidade; em sociedades políticas concebidas como democrática inclusiva; e também em sociedades civis, concebidas como democráticas inclusivas.125 Assim, para que o Brasil alcance a efetividade que se pretende na Constituição Federal de 1988, no tocante à dignidade da pessoa humana, Justiça Social e Direito do Trabalho, é necessário que a família, o governo e a sociedade assumam o compromisso de garantir às crianças e aos adolescentes a proteção da dignidade da pessoa humana, diretamente relacionada ao sucesso do combate à pobreza e ao desenvolvimento socioeconômico do País. Precisa-se de mais atuação das sociedades civis e sociedades políticas, com uma atuação democrática inclusiva, entendendo a questão do trabalho infantil como uma triste realidade que ainda sobrevive no Brasil e no mundo, abortando o futuro da crianças e adolescentes. Algumas iniciativas para combater o trabalho infantil existentes no Brasil têm sido tomadas, muitas vezes mais voltadas para a identificação do que para o combate ao trabalho infantil. Senão veja-se: O Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC), implementado pela OIT foi adotado pelo Brasil em 1992, introduzindo com grande mérito a erradicação do 122
PAGANINI, Juliana; MORO, Rosângela del (Ed.). A utilização dos princípios do direito da criança e do adolescente como mecanismo de efetivação dos direitos fundamentais. Amicus Curae, Santa Catarina, v. 6, n. 6, p.45-57, 2011. Anual. 123 OLIVA, José Roberto Dantas. O Princípio da Proteção Integral e o Trabalho da Criança e do Adolescente no Brasil. São Paulo: Ltr, 2006. 311 p. 124 CORRÊA, Flávia Soares. Educação e Trabalho na Dimensão Humana: O dilema da juventude. São Paulo: Ltr, 2011. p.24. 125 DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e Direitos Fundamentais: Dignidade da Pessoa Humana, Justiça Social e Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: Ltr, 2015. 46 p.
72
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
trabalho infantil na agenda das políticas nacionais, além de promover programas concretos por meio da mobilização e pressão de diversos atores nacionais e agências internacionais.126 Com a implementação do IPEC, o problema social passou a envolver governo, organizações de empregadores e empregados e sociedade civil no combate. Vários programas governamentais e ações de entidades não governamentais foram implantados – mais de 100 com acompanhamento da OIT, segundo a entidade “transformando o Brasil em um modelo para muitos países”, como reconhece a organização internacional em seu site oficial. Também foi criado o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), em 1994, constituindo o mais amplo e importante espaço de discussão sobre a questão da prevenção e erradicação do trabalho infantil no Brasil, não apenas por congregar os diversos seguimentos sociais, mas por seu caráter democrático. Esse Fórum propõe atuar como articulador entre diversos projetos e programas no âmbito das esferas federal, estadual e municipal, buscando assegurar o acesso, a permanência e o sucesso das crianças nas escolas.127 Outro programa lançado em 1996 é o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil no Brasil (PETI), inicialmente vinculado à Secretaria do Estado de Assistência Social (SEAS), do então Ministério da Previdência e Assistência Social, que surgiu com a perspectiva de eliminar as piores formas de trabalho da criança e adolescentes no país. Sendo que atualmente o PETI é um programa de transferência direta de renda do governo federal para famílias de crianças e adolescentes envolvidos no trabalho precoce, e está sob a responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Dedica-se à erradicação do trabalho infantil em atividades perigosas, penosas, insalubres ou degradantes, assim consideradas aquelas descritas na Lista TIP.128 O público alvo do PETI são as famílias que vivem em extrema pobreza (com renda per capita de até meio salário mínimo) com filhos que exerçam suas atividades nos piores ramos, tais como “lixões”; feiras; distribuição e venda de jornais e revistas; comércio de drogas; pedreiras, carvoarias; olarias; tecelagens; garimpos etc.129 Frise-se que um dos principais pontos a serem considerados no combate ao trabalho infantil é a necessidade de que projetos governamentais, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), contemplem também iniciativas capazes de gerar emprego e renda para toda a família. É igualmente imprescindível concentrar mais esforços em ações como a jornada ampliada, que assegura a permanência de meninos e meninas em atividades durante os dois turnos. A jornada ampliada evita que as crianças estudem em um período, mas no outro voltem à labuta.130 O fato é que o Brasil vive um momento estratégico na batalha contra a erradicação do trabalho, sendo imperiosa a necessidade se se discutir a possibilidade de redesenhar o PETI. Além da necessidade de ampliar o atendimento, é importante rever a focalização do programa. Isso porque, apesar de o trabalho infantil estar diminuindo nas atividades agrícolas e aumentando em setores da economia tipicamente urbanos como o comércio e a indústria, o PETI continua atendendo um maior número de crianças nas áreas rurais e não urbanas.131 126
OLIVA, José Roberto Dantas. O Princípio da Proteção Integral e o Trabalho da Criança e do Adolescente no Brasil. São Paulo: Ltr, 2006. 140 p. 127 CORRÊA, Lelio Bentes; VIDOTTI, Tárcio José (Org.). Trabalho Infantil e Direitos Humanos: Homenagem a Oris de Oliveira. São Paulo: Ltr, 2005. 93p., passim. 128 Ibid. 129 MINHARRO, Erotilde Ribeiro dos Santos. A Criança e o Adolescente no Direito do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2003. 104 p. 130 CORRÊA, Lelio Bentes; VIDOTTI, Tárcio José (Org.). Trabalho Infantil e Direitos Humanos: Homenagem a Oris de Oliveira. São Paulo: Ltr, 2005. 93p., passim. 131 OLIVA, José Roberto Dantas. O Princípio da Proteção Integral e o Trabalho da Criança e do Adolescente no Brasil. São Paulo: Ltr, 2006. 311 p.
73
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Outras tarefas urgentes consistem em adotar um sistema de avaliação e acompanhamento do programa, para que seja possível verificar se ele efetivamente está conseguindo atender as crianças que mais necessitam do benefício. Existem crianças que não estão trabalhando, mas mesmo assim, recebem o dinheiro da bolsa, enquanto outras que estão no batente não fazem parte do PETI. Como qualquer outro tipo de política pública, o PETI necessita de mais fiscalização por parte do poder público, fazendo que ele se torne mais efetivo, e alcance as crianças que realmente necessitam. Tem-se também a Fundação ABRINQ, criada em 1989, que tem a finalidade de conscientizar o empresariado nacional acerca da importância da defesa dos direitos humanos no tocante à criança e ao adolescente.132 A fundação enfatiza as vantagens que as empresas têm com atitudes de 1) mudança da imagem do setor produtivo por força do marketing social; 2) crescimento da produtividade e das relações comerciais; 3) a visão dos olhos dos consumidores que valorizam as empresas envolvidas com programas sociais.133 Ainda dentro da visão da Fundação ABRINQ foi lançado o Programa Empresa Amiga da Criança, com a finalidade de conscientizar o empresário da importância da não utilização da mão de obra de crianças em seu processo produtivo, sendo que a empresa que engaja no projeto e cumpre as metas estabelecidas recebe um selo para ser utilizado em seus produtos atestando que estes não foram fabricados mediante a exploração do trabalho infanto-juvenil. São inúmeras políticas públicas de combate e prevenção do trabalho infantil no Brasil, não se podendo esquecer ainda da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (CONAETI), que tem como meta elaborar e desenvolver programas de ação para eliminar, com prioridade, as piores formas de trabalho infantil e verificar a conformidade das Convenções Internacionais do Trabalho nº 138 e nº 182 com outros diplomas legais vigentes, elaborando propostas para a regulamentação de ambas e para as adequações legislativas porventura necessárias; do Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente, que é composto por 33 órgãos do Estado, estabelecendo vários planos de ação de gestão e diretrizes no Brasil, com o objetivo de prevenção e erradicação do trabalho infantil; dos Conselhos (Nacionais, Estaduais, Municipais e Tutelares) e os Fundos dos Direitos das Criança e do Adolescente, consoante dispõe o art. 86 do ECA, estabelecendo a política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente a ser efetivada a partir de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.134 Portanto, como se vê, são inúmeros organismos envolvidos no combate e erradicação do trabalho infantil no Brasil, além de outras medidas convergentes realizadas através da atuação de outros atores, como o Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e o Poder Judiciário, que serão tratadas mais adiante. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Regina Stela Andreoli de. A inserção do jovem no mercado formal de trabalho. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Programa de Pós-Graduação em Educação, Campinas, 2013. ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Trabalho decente: direito humano e fundamental. São Paulo: LTr, 2016. 132
MINHARRO, Erotilde Ribeiro dos Santos. A Criança e o Adolescente no Direito do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2003. p.95. 133 Ibid., p.95. 134 OLIVA, José Roberto Dantas. O Princípio da Proteção Integral e o Trabalho da Criança e do Adolescente no Brasil. São Paulo: Ltr, 2006. p.147-151.
74
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
BARROSO, Luiz Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. BETRAMELLI NETO, Silvio. Direitos humanos. Salvador: Juspodivm, 2014. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1987. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Site da Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 20 jan. 2018. CAUSAS, MITOS E CONSEQUÊNCIAS DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL. Criciúma: ediUnesc, v. 6, n. 1, 2008. Anual. CORRÊA, Cláudia; GOMES, Raquel. Trabalho infantil: diversas faces de uma realidade. Petrópolis: Viana e Mosley, 2013. CORRÊA, Lelio Bentes; VIDOTTI, Tárcio José (Org.). Trabalho Infantil e Direitos Humanos: Homenagem a Oris de Oliveira. São Paulo: Ltr, 2005. CORRÊA, Flávia Soares. Educação e Trabalho na Dimensão Humana: O dilema da juventude. São Paulo: Ltr, 2011. CUSTÓDIO, André Viana. O trabalho da criança e do adolescente no Brasil: uma análise de sua dimensão sócio-jurídica. Dissertação (Mestrado em Direito) – Curso de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002. CUSTÓDIO, André Viana. A exploração do trabalho infantil: a negação do ser criança e adolescente no Brasil. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2007. DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e Direitos Fundamentais: Dignidade da Pessoa Humana, Justiça Social e Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: Ltr, 2015. DEJOURS, Christophe. Subjetividade, trabalho e ação: Uma visão de conjunto. In: DEJOURS, Christophe. Trabalho Vivo II: Trabalho e emancipação. Brasília: Paralelo 15, 2012. Cap. 1. p. 13-44. Tradução: Franck Soudant. ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS. Brasília: TST, v. 79, n. 1, 2013. Trimestral. EÇA, Vitor Salino de Moura (Org.). Trabalho e Saúde. Belo Horizonte: Rtm, 2015. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Manual de direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 182. LEÃO, Miriam Albuquerque de Souza. A inserção do jovem no mercado formal de trabalho. Dissertação (Mestrado), Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. Campinas-SP. LINS. Maria Edlene Costa. “A atuação do Ministério Público do Trabalho no Combate ao trabalho infantil doméstico”. Disponível em: <http://www.prt13.mpt.gov.br/pubartigos/pubartmec100012005.pdf>. Acesso em: jun.2006. MALHEIRO, Emerson. Curso de direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
75
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
MADEIRA, Maria Carolina. Trabalho infantil e política pública: uma avaliação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) no município de João Pessoa. Dissertação (Mestrado) em Economia do Trabalho e Economia de Empresas) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2009. MINHARRO, Erotilde Ribeiro dos Santos. A Criança e o Adolescente no Direito do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2003. NOCCHI, Andrea Saint Pastous; VELLOSO, Gabriel Napoleão; FAVA, Marcos Neves (Org.). Criança, Adolescente, Trabalho. São Paulo: Ltr, 2010. OLIVA, José Roberto Dantas. O Princípio da Proteção Integral e o Trabalho da Criança e do Adolescente no Brasil. São Paulo: Ltr, 2006. OLIVEIRA, Felipe Braga de; VILA, Alessandra Seriacopi. As causas da exploração do trabalho infantil: violação aos direitos humanos. In: RIBEIRO, Daniela Menengoti et al (Coord.). Direito internacional dos direitos humano II. Florianópolis: CONPEDI, 2014. OLIVEIRA, Oris de. Trabalho e Profissionalização de Adolescente. São Paulo: Ltr, 2009. Organização Internacional do Trabalho. O Fim do Trabalho Infantil: um objetivo ao nosso alcance. Relatório Global no quadro do Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, Genebra, 2006. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção sobre Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação. Convenção nº 182, 1999. Disponível em <http://www.oitbrasil.org.br/node/518 >. Acesso em: 20 jan. 2018. PAGANINI, Juliana; MORO, Rosângela del (Ed.). A utilização dos princípios do direito da criança e do adolescente como mecanismo de efetivação dos direitos fundamentais. Amicus Curae, Santa Catarina, v. 6, n. 6, p.45-57, 2011. Anual. PERES, Viviane Matos González. Regulação do Trabalho do Adolescente: Uma Abordagem a partir dos Direitos Fundamentais. Paraná: Juruá, 2008. PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma; HOLANDA, Fernanda Rosa Borges de. A criança e o adolescente no mundo do trabalho. Rio de Janeiro: USU/Amais, 1996. ROCHA, Carmen Lúcia A. O princípio da igualdade e a ação afirmativa no Direito Constitucional. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo. n.15, jul./set. 1996. ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2014. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31. Ed., São Paulo: Malheiros:2008. p.163. SOUZA, Ismael Francisco de. Causas, mitos e consequências do trabalho infantil no Brasil. Revista do Curso de Direito da Unesc, Santa Catarina, Ano 3, n. 3, dezembro 2006. VERONESE, Josiane R.P. Os direitos da criança e do adolescente: construindo o conceito de sujeito cidadão. In: WOLKMER, Antônio Carlos; Leite, José Rubens Morato (Org.). Os novos direitos no Brasil: natureza e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 27.
76
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO: UMA ANÁLISE DO ARTIGO 149 DO CÓDIGO PENAL ANALOGUE TO SLAVE WORK: AN ANALYSIS OF ARTICLE 149 OF THE CRIMINAL CODE Monique Campos Leite135 RESUMO: O artigo analisa o problema social da escravidão contemporânea, já que, embora abolida a prática nos ordenamentos jurídicos, milhões de pessoas, ainda, continuam sendo submetidas ao trabalho escravo contemporâneo. Nesta tarefa, elucida que, no Brasil, a escravidão contemporânea é denominada trabalho análogo ao escravo e está tipificada no artigo 149 do Código Penal, que traz quatro elementos caracterizadores do tipo, que são: o trabalho forçado, a jornada exaustiva, as condições degradantes de trabalho e a restrição de locomoção por dívida. Neste sentido, demonstra-se que a conceituação abrangente do trabalho análogo ao escravo acarreta uma grande celeuma, principalmente entre a bancada ruralista e os defensores dos direitos humanos. A bancada ruralista defende uma definição mais restritiva, resumindo-se ao cerceamento de liberdade e à evidente ausência da autonomia de vontade do trabalhador, enquanto que os defensores dos direitos humanos sustentam uma conceituação ampliada, como a atual, tendo em vista que abarcaria todas as situações fáticas constatadas em inúmeras fiscalizações realizadas por órgãos do Estado, em propriedades da zona rural e urbana. Assim sendo, o presente artigo tem como objetivo analisar a debilidade do meio ambiente de trabalho com a existência dos quatro elementos do tipo penal, bem como refletir quanto ao retrocesso social, em caso de uma possível alteração restritiva do conceito de trabalho análogo ao escravo, por meio de Projetos de lei e outros normativos. PALAVRAS-CHAVE: Direitos humanos. Trabalho análogo ao escravo. Meio ambiente do trabalho. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Meio ambiente do trabalho e o trabalho análogo ao de escravo; 3. A violação dos direitos humanos no trabalho análogo ao de escravo; 4. Trabalho análogo ao de escravo – conceito à luz do art. 149 do Código Penal; 5. Considerações finais; 6. Referências bibliográficas. ABSTRACT: The article analyzes the social problem of contemporary slavery, since although abolished the practice in the legal system, millions of people also continue to be subjected to modern-day slavery. In this task, clarifies that, in Brazil, contemporary slavery is called slave labor and is typified in Article 149 of the Penal Code, which has four elements that determine the type, which are: forced labor, the exhausting journey, the degrading conditions and the restriction of locomotion by debt. In this sense, it is shown that the comprehensive concept of compulsory labor causes quite a stir, especially among the caucus and human rights defenders. The caucus advocates a more restrictive definition, summing up the curtailment of freedom and the apparent absence of the worker’s control of autonomy, while human rights activists hold an expanded conceptualization, as the current in order to encompass all situations verified in innumerable inspections carried out by state agencies, in rural and urban properties. Therefore, this article aims to analyze the weakness of the working environment with the existence of the four elements of the criminal offense, as well as reflect on the social regression in case of a possible restrictive change the concept of compulsory labor, by means of bills of law and other regulations. KEYWORDS: Human rights. Work analogous to the slave. Work environment. SUMMARY: 1. Introduction; 2. The environment of work and work analogous to that of slavery; 3. The violation of human rights in work analogous to slavery; 4. Work analogous to that of slave - concept in the light of art. 149 of the Penal Code; 5. Final considerations; 6. References. 135
Mestranda em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas do Centro Universitário UDF. niquecamposleite@gmail.com.
77
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
RESUMEN: El artículo analiza el problema social de la esclavitud contemporánea ya que, aunque haya sido abolida la práctica en los ordenamientos jurídicos, millones de personas todavía siguen siendo sometidas al trabajo esclavo en el marco contemporáneo. En esta tarea se esclarece que, en Brasil, la esclavitud en el marco contemporáneo es denominada trabajo análogo al esclavo y está tipificada en el artículo 149 del Código Penal, cuyos elementos característicos son: el trabajo forzado, largas jornadas de trabajo, condiciones degradantes y la imposibilidad de movilidad laboral por deudas contraídas. En este sentido, se demuestra que el concepto que abarca el trabajo análogo al esclavo genera una gran discusión, principalmente entre los grupos de presión agropecuarios y los defensores de los derechos humanos. El grupo de presión agropecuario del Congreso, defiende una definición más restrictiva del concepto resumiéndose al concepto de libertar y a la evidente ausencia de autonomía de la voluntad del trabajador, sin embargo, los defensores de los derechos humanos defienden un concepto más amplio, como el actual, teniendo en cuenta que abarcaría todas las situaciones de facto constatadas en las numerosas inspecciones realizadas por los organismos del Estado en propiedades de áreas rurales y urbanas. El presente artículo tiene por objetivo analizar la debilidad de ambiente del trabajo con la existencia de cuatro elementos de tipo penal, así como reflexionar en cuanto al retroceso social, en caso de una posible restricción conceptual del concepto del trabajo análogo al esclavo, mediante borradores de ley y otros textos normativos. PALABRAS-CLAVE: Derechos humanos. Trabajo análogo al esclavo. Medio ambiente del trabajo. RESUMEN: 1. Introducción; 2. Medio ambiente del trabajo y el trabajo análogo al de esclavo; 3. La violación de los derechos humanos en el trabajo análogo al de esclavo; 4. Trabajo análogo al de esclavo - concepto a la luz del art. 149 del Código Penal; 5. Consideraciones finales; 6. Referencias bibliográficas. 1. INTRODUÇÃO O trabalho análogo ao de escravo é uma afronta aos direitos humanos fundamentais e representa a nítida existência de um meio ambiente do trabalho débil. A submissão de indivíduos a trabalhos forçados, condições degradantes, jornadas exaustivas e servidão por dívida demonstra a coisificação do trabalhador, com o consequente desrespeito à sua liberdade, integridade física e psíquica. Desde a ampliação do conceito de trabalho análogo ao de escravo no Código Penal, por meio da Lei 10.803/2003, o combate a essa chaga social tem se tornado mais efetiva, pois os elementos do tipo penal permitem, aos auditores fiscais do Ministério do Trabalho de fiscalização, ao Ministério Público do Trabalho e aos demais agentes que atuam, articuladamente, um melhor enquadramento das situações fáticas encontradas, seja na zona urbana ou na zona rural, e deste modo, torna mais efetiva a repressão à prática. Ressalta-se que, embora a referida alteração tenha proporcionado uma melhor efetividade na luta pela erradicação do trabalho análogo ao de escravo, há uma grande celeuma em torno do conceito, pois existem inúmeros defensores de uma interpretação restritiva do art. 149 do Código Penal, por acreditarem que o conceito é subjetivo e que o crime somente deve caracterizar-se pelo cerceamento de liberdade e pela evidente ausência de autonomia de vontade do trabalhador. O constante aparecimento de medidas que visam restringir o conceito do trabalho análogo ao de escravo e o entendimento de que não há nenhuma razão que justifique um retrocesso social justificam uma reflexão acerca da caracterização dos elementos do tipo penal, especialmente em relação ao trabalho em condições degradantes e a jornada exaustiva, para uma efetiva proteção do indivíduo e para a existência de um meio do trabalho hígido. 2. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E O TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO Cada vez mais, a sociedade tem discutido acerca da proteção ao meio ambiente, tendo em vista que a degradação ambiental é uma realidade cada vez mais perceptível, não obstante os inúmeros e 78
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
relevantes avanços tecnológicos obtidos nos últimos anos. Destaca-se que o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, enquanto direito internacionalmente reconhecido, é relativamente novo, já que passou a ser discutido, a partir dos anos 60, quando se incrementaram as relações multilaterais entre os Estados, no intuito de assinarem vários acordos ambientais (FIGUEIREDO, 2015, p. 93). Conforme disposto pelo art. 3º, inciso I, da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, entendese por meio ambiente “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, que seria classificado, segundo a doutrina, em quatro espécies: natural ou físico; cultural; artificial e do trabalho. Em relação ao meio ambiente do trabalho tem-se que é o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentem (MELO, 2013, p.28). O meio ambiente do trabalho adequado e seguro é um dos mais relevantes direitos fundamentais do trabalhador e a proteção a esse direito encontra-se disciplinada, na Constituição Federal de 1988, nos artigos 200, inciso VIII, 225, caput e no art. 7º, inciso XXII, quando se assegura ao trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança do trabalho. No entendimento de Rúbia Zanotelli de Alvarenga (ALVARENGA, 2016, p. 134): Meio ambiente do trabalho e proteção à saúde do trabalhador instauram-se, pois, sobre um caráter indissociável, uma vez que o respeito ao meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado implica prática defensiva do direito à vida – o mais básico alicerce dos direitos fundamentais da pessoa humana. Portanto, inexorável se apruma o direito ao meio ambiente equilibrado, como um direito fundamental – materialmente considerado – ligado ao direito à vida e ao completo bem-estar físico, mental e social do trabalhador. Este busca, na atividade laboral, o acesso aos bens de consumo, necessários para conservar a sua vida, pelo que não se pode ignorar a ressonância direta do labor com o processo vital, haja vista que, para ocorrer o exercício do trabalho, o homem não pode perder a saúde, tendo-se em conta que, sem ela, o direito à vida não se sustenta.
No trabalho análogo ao escravo, objeto de análise deste artigo, há uma clara violação do direito a um ambiente de trabalho equilibrado, a partir do momento em que o trabalhador tem o cerceamento do seu direito de ir e vir, (muitas vezes, causada por servidão por dívidas) ou submete-se a condições degradantes (não oferecimento de águas potável, alimentação precária e inexistência de instalações sanitárias, por exemplo), a jornadas exaustivas, que os levam à debilidade física e psicológica, e a trabalhos forçados. É relevante salientar que a necessidade de se assegurar um meio ambiente de trabalho equilibrado decorre da importância que se deve dar à dignidade do ser humano em qualquer relação de trabalho. Nesse sentido, leciona Rubia Zanotelli de Alvarenga (ALVARENGA, 2016, p. 134): (...) o trabalho – como espaço de construção do bem-estar e da dignificação das condições de labor – considera o homem o valor primeiro a ser preservado perante os meios de produção e não como uma máquina produtora de bens e serviços. Sob tal prisma, a proteção à saúde não se limita apenas à ausência de doença ou de enfermidade, abrangendo também um completo estado de bem-estar físico, mental e social do trabalhador, conforme o conceito mais completo de saúde, estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), através do relatório de sua 8ª Conferência, que prevê diversas condições, como: alimentação, habitação, educação, renda, maio ambiente, trabalho, emprego, etc.
O empregador, legalmente, tem a obrigação de proporcionar um ambiente seguro e adequado aos seus empregados e é função dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, por meio dos seus agentes, defendê-lo. Porém, observa-se com muita frequência, principalmente, nos ambientes em que trabalhadores são submetidos a condições análogas às de escravo, o descumprimento de princí79
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
pios constitucionais do trabalho, princípios ambientais, da legislação trabalhista e de normas de saúde e segurança, afetando diretamente a saúde física e mental do trabalhador e, mais concretamente, a vida do ser humano. Neste sentido, assevera Raimundo Simão de Melo (MELO, 2013, p. 28): O mais fundamental direito do homem, consagrado em todas as declarações internacionais, é o direito à vida, suporte para a existência e gozo dos demais direitos humanos. Mas esse direito, conforme assegura nossa Constituição Federal no art. 225, requer vida com qualidade e, para que o trabalhador tenha vida com qualidade, é necessário que se assegurem seus pilares básicos: trabalho decente e em condições seguras e salubres.
O trabalho decente, ou seja, aquele em que o trabalhador é tratado com dignidade, respeitando-se os seus limites físicos e psicológicos e, consequentemente, a sua saúde, no qual remunera-se com justa remuneração e que proporciona o direito a justas condições de trabalho, é almejado por qualquer indivíduo que labora e nada mais é do que um direito humano fundamental que deve ser devidamente garantido. 3. A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO O trabalho análogo ao escravo representa uma afronta aos direitos humanos, agredindo diretamente os direitos fundamentais do trabalhador libertado, especialmente os da liberdade, da igualdade, da legalidade e o da dignidade da pessoa humana. De acordo com Julpiano Chaves Cortez (CORTEZ, 2015, p. 18): O trabalho em condição análoga à de escravo é caracterizado não só pela violência (coação física, moral e psicológica) contra a liberdade do trabalhador no exercício de sua atividade laboral, mas também em situações, menos explícitas de violação da liberdade, que maculam o seu direito de livre escolha e aceitação do trabalho e suas características, como ocorre na obrigação de se ativar em jornadas exaustivas e/ou em locais com péssimas condições de trabalho e onde imperam condições degradantes ao meio ambiente de trabalho, com abuso e desrespeito ao nem maior do ser humano, que é a sua dignidade.
Impende ressaltar que o trabalho é, antes de tudo, um elemento inerente à existência humana. Constitui, também, uma forma de a pessoa alcançar realização pessoal, de dar ênfase à sua dignidade, não apenas para suprir suas necessidades, mas para alcançar seus anseios. Neste sentido, leciona Rubia Zanotelli de Alvarenga (ALVARENGA, 2016, p. 89): É por meio da proteção dada ao trabalhador no Direito do Trabalho que o princípio da dignidade da pessoa do trabalhador, previsto no artigo 1º, III, da CF/88, assegura a realização do ser humano e atendimento aos reclamos sociais. Sem o exercício pleno dos direitos, o empregado não adquire dignidade; e, sem dignidade, o trabalhador não adquire existência plena.
4. TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO – CONCEITO À LUZ DO ART. 149 DO CÓDIGO PENAL A escravidão, no sentido estrito da palavra, foi uma realidade ao longo da história da humanidade e, no Brasil, esteve presente, oficialmente, até o ano de 1888, quando a Lei Áurea foi assinada e concedeu a liberdade a inúmeras pessoas que viviam sob o referido regime. Ressalte-se que a tão almejada liberdade foi concedida, porém não houve a menor preocupação em criar oportunidades de trabalho digno aos recém libertos, deixando-os à própria sorte e, como consequência, criou-se uma sociedade composta por inúmeros indivíduos marginalizados e sem oportunidades dignas de emprego. Nas últimas décadas, um grave problema que vem preocupando a comunidade mundial é a escravidão contemporânea. Dados da ONG Walk Free Foundation informam que 45,8 milhões de pessoas são submetidas ao trabalho escravo, no mundo, e, no Brasil, embora o governo tenha re80
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
conhecido, oficialmente, a existência de trabalho análogo ao escravo no território, em 1995, ainda hoje são encontrados inúmeros casos de pessoas escravizadas, seja na zona urbana ou rural.136 A escravidão contemporânea tem uma nova roupagem, uma vez que os indivíduos não se encontram aprisionados por grilhões, porém ao contrário da escravidão antiga, as pessoas são completamente descartáveis. Há uma completa violação dos direitos humanos e fundamentais dos indivíduos, não só da liberdade, mas, principalmente da dignidade da pessoa humana. No Ordenamento Jurídico brasileiro, o trabalho análogo ao escravo foi, inicialmente, tipificado no Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, sob um ambiente de muita polêmica, tendo em vista que a escravidão já estava abolida e muitos entendiam que seria um artigo que não teria aplicabilidade por não existirem situações de trabalho análogo ao escravo. Sem embargo, é importante destacar que, nos anos seguintes à abolição da escravatura, iniciou-se o ciclo da borracha e essa atividade atraiu inúmeros trabalhadores, sendo muitos deles reduzidos a escravos por dívidas, nos seringais (FIGUEIRA, 2017, p. 79). Neste sentido, Ângela de Castro Gomes (GOMES, 2015, p. 381) leciona: (...), pelo que se pode perceber do contexto político da época, havia um sólido exemplo a sustentar a criminalização dessa prática. Ele vinha da região Amazônica e dos trabalhos executados nos seringais, ganhando maior relevo e visibilidade (pois certamente não era desconhecido), porque divulgado, em tom de denúncia grave, pela voz do interventor do Pará, Magalhães Batata, uma das mais importantes lideranças do período. Quer dizer, uma alta autoridade do governo Vargas falava dos “feudos” que encontrou no interior de seu estado, sob o domínio de chefes políticos locais, que atraíam retirantes das secas do Nordeste, sob pretexto de ganhos irreais, começando um processo de endividamento pela cobrança de adiantamentos da viagem e de alimentos, o que acabava produzindo uma situação em que os trabalhadores ficavam sujeitos a uma autêntica “escravidão de fato”.
Embora extremamente importante a introdução do supracitado tipo penal para a repressão às situações de escravidão existentes à época, é importante destacar que a redação do artigo 149 pecava pelo alto grau de generalidade, tendo em vista que não trazia detalhamento acerca das ações que poderiam configurar o crime, o que dificultava a efetiva punição do infrator (MELO, 2013, p. 54). Neste sentido, dispõe Carlos Henrique Borjido Haddad (HADDAD, 2017, p. 131): A dicção original do art. 149 era vaga ou incerta, o que não é aceitável em matéria de direito penal. Portanto, em 2003, foi promulgada a Lei 10.803, que acresceu o tipo penal do art. 149. A redação original, escrita em estilo lacônico, foi substituída por nova linguagem, forjada em resposta a situações enfrentadas pelos auditores fiscais do trabalho durante as fiscalizações no interior do país. Atualmente, de maneira original, condições degradantes de trabalho e jornada exaustiva constituem modalidades do tipo misto alternativo do art. 149 do Código Penal.
A nova redação do artigo 149 do Código Penal traz uma conceituação ampliada do crime de redução a trabalho análogo ao de escravo. O legislador trouxe quatro elementos que permitem identificar a existência de trabalho análogo ao escravo que são o trabalho forçado, a jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho e a restrição de locomoção por dívida (servidão por dívida). Nota-se que com a alteração, a verdadeira tutela não é somente da liberdade individual, mas também da integridade física e moral e, de forma mais abrangente, da dignidade da pessoa humana, que não pode ser submetida a tratamento desumano ou degradante. Como diz José Cláudio Monteiro de Brito Filho (BRITO FILHO, 2013, p. 39): Agora é mais simples identificar, no caso concreto, se a situação encontrada nas investigações e fiscalizações deve ser enquadrada como trabalho em condições análogas à de 136
Harnessing the Power of Business to End Modern Slavery. Disponível em http://walkfreefoundation.orgassets.s3-ap-southeast-2.amazonaws.com/content/uploads/2016/12/01213809/Harnessing-the-power-of-businessto-end-modern-slavery-20161130.pdf. Acesso em 19/10/2017.
81
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
escravo ou não, o que garante maior segurança para as condutas a adotar. Maior, mas não total segurança, pois ainda resta por fazer um esforço maior para identificar, com precisão, as condutas que caracterizam os modos de execução.
É mister ressaltar que, não obstante seja bastante comum a ocorrência concomitante de todas as hipóteses previstas no Código Penal, a consumação do crime prescinde a coexistência no caso concreto, pois os quatro modos de execução são autônomos e reciprocamente independentes, bastando a configuração de apenas um deles para configurar o trabalho análogo ao escravo (CAVALCANTI, 2016, p. 103). O conceito de trabalho forçado encontra-se disciplinado no artigo 2º, §1º da Convenção nº 29 da OIT e seria “todo trabalho ou serviço de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade”. Deste modo, infere-se que, segundo o referido Organismo Internacional, o trabalho forçado é aquele em que o indivíduo tem desrespeitado o seu direito de liberdade, sendo coagido, fisicamente ou moralmente, a desempenhar um ofício e impedido de extinguir sua relação laboral. Conforme disposto por Tiago Muniz Cavalcanti (CAVALCANTI, 2016, p. 105): É lógico que a coação empregada no trabalho forçado não se limita às ameaças físicas, abrangendo, igualmente, as de cunho moral ou psicológico. Ou seja, o método ardil empregado para a formação do vínculo ou para a manutenção da situação de exploração abusiva pode ser de ordem moral, através da utilização de métodos juridicamente fraudulentos; psicológica, por meio de instrumentos que agem na esfera psíquica e emotiva do trabalhador; ou física, com incidência no próprio corpo do trabalhador, aprisionando-os ou violentando-o. Em outras palavras, em face do emprego da violência física, ameaça psíquica ou fraude, não há como o trabalhador, submetido a trabalho forçado, oferecer resistência ou manifestar recusa.
No Brasil, é bastante comum o trabalho forçado ser configurado por meio da servidão por dívidas. Nesta situação, o trabalhador contrai dívidas, com o empregador ou preposto, para custear o deslocamento para o local de trabalho, que, na maioria das vezes, é distante do seu domicílio, ou para deixar assistida a família da qual se separa para trabalhar e, para agravar o endividamento, não são poucas as vezes em que é obrigado a comprar equipamento de proteção, que deveria ser fornecido gratuitamente, e a consumir os produtos vendidos, por preços muito acima dos praticados no mercado pelo empregador sob o sistema de “truck system” (MELO, 2013, p. 56). A jornada exaustiva é aquela que esgota as forças do trabalhador, destruindo a sua saúde física e mental (GRECO, 2008, p. 543). Ressalte-se que a característica principal dessa hipótese descrita no art. 149 é o excesso de jornada que é imposta ao trabalhador, mas não necessariamente porque a jornada é mais longa, e sim porque, independentemente do tempo da jornada, ela é capaz de levar o empregado a uma exaustão, causando prejuízos à saúde física, podendo até levá-lo à morte (BRITO FILHO, 2017, p. 83). O Ministério do Trabalho, por meio do Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo dispõe (BRASIL, 2011, p. 23): Há que se ter em conta que horas extraordinárias não são sinônimo de jornada exaustiva, visto que trata a segunda hipótese de jornada esgotante, que ultrapassa os limites do ser humano comum, considerando intensidade, frequência e desgastes, podendo, mesmo, ocorrer dentro da jornada normal de trabalho legalmente prevista de oito horas diárias. Assim, tal variável deve merecer não só análise quantitativa, mas qualitativa, considerando, inclusive, que a jornada exaustiva, por si só, pode configurar condição degradante.
Embora se trate de um conceito jurídico indeterminado e que ocasiona uma ampla liberdade de interpretação ao operador jurídico, é relevante ressaltar que a inclusão dessa forma de exploração do trabalho é bastante importante para a caracterização da situação abusiva que existe na atualidade. Inúmeros trabalhadores, seja na zona rural ou na zona urbana, são submetidos a 82
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
condições extenuantes de trabalho, exercem suas atividades de sol a sol, alcançando situações de esgotamento físico e psíquico. É relevante dispor que um trabalhador, quando submetido a jornadas exaustivas, fica muito mais suscetível a sofrer acidentes de trabalho e a adquirir doenças ocupacionais, pois os níveis de atenção ficam, consideravelmente, reduzidos e a fadiga provoca uma diminuição da capacidade do organismo e uma degradação da qualidade do trabalho executado. Segundo Lucinaldo Rodrigues citado por Cláudio Mascarenhas Brandão137, no ambiente de trabalho existem fatores condicionantes do estado de fadiga física, como esforço físico superior à capacidade muscular; duração e intensidade do trabalho; alteração do equilíbrio hidroeletrolítico, como a que ocorre em trabalhadores em ambientes muito quentes e esgotamento das reservas de substância energéticas os músculos, como ocorre quando o indivíduo vai executar um trabalho e não tem o aporte alimentar adequado para aquela atividade. Vale destacar que as jornadas exaustivas estão intimamente relacionadas às atividades remuneradas por produção, em que o trabalhador percebe o salário, de acordo com a força de trabalho despendida ao longo do dia. Tal procedimento é muito comum na zona rural, como no corte de cana, por exemplo, e na produção do setor têxtil, nos grandes centros urbanos. Com efeito, pontifica Tiago Muniz Cavalcanti (CAVALCANTI, 2016, p. 107): Seja no corte da cana ou na confecção do vestuário, o parco pagamento por produção induz o trabalhador a realizar jornadas exorbitantes, a fim de que, ao final do mês, lhe sobre alguma economia. É flagrante, dessarte, o desrespeito à dignidade, uma vez tolhido o status libertatis do trabalhador, que pouco faz na vida além de trabalhar, do despertar ao adormecer.
Em suma, a jornada de trabalho exaustiva representa uma violação da dignidade da pessoa humana e caracteriza-se pela existência de três elementos: 1) existência de uma relação de trabalho; 2) estabelecimento de uma jornada, excessiva ou não nos termos da lei, mas que cause prejuízos à vida ou à saúde física e mental do trabalhador, exaurindo-o; 3) imposição dessa jornada, contra a vontade do trabalhador, ou com a anulação de sua vontade, por qualquer circunstância que assim o determine (BRITO FILHO, 2017, p. 88). O trabalho em condições degradantes é a forma mais explícita de aviltamento da dignidade da pessoa humana, pois torna perceptível a “coisificação” do indivíduo, que serve apenas como um instrumento descartável de produção por muitos empregadores. Destaca-se que o trabalho nas condições supramencionadas é constantemente encontrado pelos órgãos de fiscalização do Ministério do Trabalho. Merecedor de nota é o entendimento de Luís Antônio Camargo de Melo (MELO, 2013, p. 57) acerca do trabalho em condições degradantes: O trabalho em condições degradantes configura, ao lado do trabalho forçado, uma das formas mais graves de violação da dignidade da pessoa humana. O homem, principalmente o trabalhador simples, ao ser “coisificado” (transformado em coisa, objeto; retirada sua condição de pessoa, sua dignidade), negociado como mercadoria barata e desqualificada, tem, pouco a pouco, destruída sua autoestima e seriamente comprometida a sua saúde física e mental.
No trabalho sob condições degradantes, o trabalhador é submetido a péssimas condições de trabalho e de remuneração, há o descumprimento das condições mínimas de trabalho, ou seja, também, se desrespeita a legislação trabalhista, as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho e viola-se, categoricamente, a dignidade da pessoa humana e a vida humana, no seu mais amplo sentido, integridade física e moral. 137
BRANDÃO, Cláudio Mascarenhas. Jornada excessiva de trabalho provoca acidentes. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2009-out-20/jornada-excessiva-trabalho-provoca-acidentestira-dignidade#_ftn25_8668. Acesso em 10.11.2017.
83
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Segundo disposto por José Cláudio Monteiro de Brito Filho (BRITO FILHO, 2016, p. 99): (...) pode-se dizer que trabalho em condições degradantes é aquele em que há a falta de garantias mínimas de saúde e segurança, além da falta de condições mínimas de trabalho, de moradia, higiene, respeito e alimentação, tudo devendo ser garantido – o que deve ser esclarecido, embora pareça claro – em conjunto; ou seja, e em contrário, a falta de um desses elementos impõe o reconhecimento do trabalho em condições degradantes. Assim, se o trabalhador presta serviços exposto à falta de segurança e com riscos à sua saúde, temos o trabalho me condições degradantes. Se as condições de trabalho mais básicas são negadas ao trabalhador, como o direito de trabalhar em jornada razoável e que proteja a sua saúde, garanta-lhe descanso e permita o convívio social, há o trabalho em condições degradantes. Se, para prestar o trabalho, o trabalhador tem limitações na sua alimentação, na sua higiene, e na sua moradia, caracteriza-se o trabalho em condições degradantes. Se o trabalhador não recebe o devido respeito que merece como ser humano, sendo, por exemplo, assediado moral ou sexualmente, existe trabalho em condições degradantes.
Em suma, Débora Maria Ribeiro Neves, citada por Julpiano Chaves Cortez (CORTEZ, 2015, p. 25), afirma que a condição degradante de trabalho é conceito-macro que engloba várias violações a direitos fundamentais dos trabalhadores, sendo caracterizada como a negação da condição de pessoa. A restrição de locomoção por dívida, comumente conhecida como servidão por dívida, já era observada no ciclo da borracha, nos inúmeros seringais, e, atualmente, a prática persiste na zona rural, nas diversas atividades exercidas, seja no corte da cana de açúcar, na extração da carnaúba, na carvoaria, dentre outras. A prática é definida na Convenção Suplementar Relativa à Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas análogas à Escravatura, de 1956, da Organização das Nações Unidas138 como: O estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação de dívida ou se a duração desses serviços não for limitada nem sua natureza definida. (Art. 1º, letra “a”).
É mister salientar que as restrições de locomoção e circulação são procedimentos adotados pelo empregador, com o intuito de cercear o direito de ir e vir do trabalhador. Para impedir a autonomia do empregado de decidir acerca de sua liberdade, o empregador utiliza-se das dívidas contraídas por aquele e de instrumentos como a vigilância ostensiva, impedindo a fuga dos trabalhadores pelo medo, e a retenção de documentos ou objetos, com o fim de impossibilitar a partida do trabalhador. Deste modo, tem-se que a restrição de locomoção do trabalhador, por qualquer meio, em razão de dívida contraída caracteriza-se por três principais elementos: a existência de uma relação de trabalho; a presença de uma dívida de qualquer natureza, lícita ou ilicitamente construída constituída pelo trabalhador em face do empregador ou preposto; e a existência de coação moral ou física que impeça o deslocamento em razão da dívida existente (BRITO FILHO, 2013, p.49). Desde 2003, quando o conceito de trabalho análogo ao escravo foi ampliado e definiu-se quatro elementos caracterizadores da prática, muito debate tem ocorrido, principalmente, entre a bancada ruralista e congressistas conservadores e os defensores de direitos humanos. O primeiro grupo defende que o conceito deve restringir-se ao cerceamento de liberdade e a evidente autonomia de vontade do trabalhador, como na escravidão antiga, e os defensores de direitos humanos afirmam que todas as formas de aviltamento da dignidade humana, como a jornada exaustiva, a submissão a trabalho degradante, o trabalho forçado e a restrição de locomoção por dívida devem ser considerados. 138
84
Promulgada pelo Presidente da República, no Brasil, por meio do Decreto n. 58.563, de 1.6.1966.
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
A discussão sobre o tema persiste ao longo dos últimos anos e tornou-se mais acirrada após a aprovação da PEC 57-A, atual Emenda Constitucional 81, que alterou o art. 243 da Carta Magna, cuja nova disposição é “As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º”. Diante do exposto, nota-se que a preocupação com o retrocesso social é uma constante na luta pela erradicação do trabalho análogo ao escravo, já que a busca pelo esvaziamento do conceito é atual e persistente, seja pelos inúmeros projetos de lei que tramitam na Câmara e Senado, com/o os de nºs 2668/2003, 432/2012, 3842/2012, 2464/2015, 97/2015, que propõem uma mudança no conceito do art. 149 do Código Penal, retirando duas importantes hipóteses caracterizadoras que são as condições degradantes de trabalho e a jornada exaustiva, expressões mais subjetivas, e a Portaria do Ministério do Trabalho nº 1.129, de 13 de outubro de 2017, publicada em 16 de outubro de 2017, que, deliberadamente, restringiu o trabalho análogo ao escravo a situações de restrição de liberdade, mas foi suspensa por liminar concedida pela Ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber. Ressalta-se que o princípio da dignidade da pessoa humana foi colocado como “superprincípio constitucional”, onde se fundam todas as escolhas políticas estratificadas no modelo de Direito plasmado na formulação textual da Constituição139 e essa é a principal justificativa para a luta pela erradicação do trabalho análogo ao escravo. Ademais, o princípio da vedação ao retrocesso social, expresso no artigo 7º, caput da CF/88, demonstra a intenção do constituinte em adotar medidas que sejam progressivas no que diz respeito aos direitos sociais e, no caso ora analisado, o esvaziamento do tipo penal representa um incentivo a práticas que violam os direitos humanos dos trabalhadores em condição análoga à escravidão e uma deliberada aceitação de um meio ambiente inadequado e inseguro, com aval legislativo. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Atualmente, o combate ao trabalho análogo ao escravo é um grande desafio para os agentes que atuam, articuladamente, na repressão e na prevenção, primária e secundária. Os avanços obtidos, principalmente, após a ampliação do tipo penal, possibilitando o enquadramento das situações fáticas encontradas nas fiscalizações e permitindo os inúmeros resgates, são notórios e um esvaziamento do tipo penal acarretaria, evidentemente, embaraços nas atividades de repressão. As ações e omissões do empregador que acarretam em condições degradantes e a jornadas exaustivas representariam um mero descumprimento do dever legal de proteção e de normas trabalhistas e estariam consolidados meios ambientes de trabalho indignos, desequilibrados e inadequados nos vários cantos deste enorme país. Diante de todo o exposto, defende-se que há a necessidade de imprimir maior objetividade aos conceitos que mais polêmica geram, para que não exista discrepâncias na classificação das situações encontradas nas fiscalizações e para que exista segurança jurídica. Porém, a solução dessa problemática não é com a redução do tipo penal, como muitos defendem. O reconhecimento das quatro situações elencadas no art. 149 do Código Penal foi um grande avanço na busca pela erradicação desta tão desprezível forma de aviltamento do ser humano e deve ser mantida e defendida. Portanto, qualquer discussão e decisão sobre o tema tem que ser no sentido de que não se permita que a atual onda de retrocesso social atinja também o combate ao trabalho análogo ao de escravo. 139
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Disponível em: http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32229-38415-1-PB.pdf. Acesso em 22/10/2017.
85
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Trabalho Decente: direito humano e fundamental. São Paulo: LTr, 2016. BRASIL. Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo. Brasília: MTE, 2011. BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho Decente – Análise Jurídica da Exploração do Trabalho – Trabalho Escravo e Outras Formas de Trabalho Indigno. 4 ed. São Paulo: LTr, 2016. BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho Escravo – Caracterização Jurídica. 2 ed. São Paulo: LTr, 2017. BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho Escravo: Caracterização Jurídica dos Modos Típicos de Execução. In Privação de Liberdade ou Atentado à Dignidade: escravidão contemporânea. Rio de Janeiro: Mauad X, 2013. CAVALCANTI, Tiago Muniz. Neoabolicionismo e direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2016. CORTEZ, Julpiano Chaves. Trabalho escravo no contrato de emprego e os direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015. FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Séculos de Escravidão e Tráfico Humano Legais e Ilegais. In Combate ao Trabalho Escravo – Conquistas, Estratégias e Desafios. São Paulo: LTr, 2017. FIGUEIREDO, Tereza Margarida Costa de; GONDIM, Kilma Maísa de Lima. O direito a um meio ambiente do trabalho equilibrado e a ineficácia dos instrumentos protetivos atualmente adotados. Revista Trabalhista Direito e Processo. Ano 14. Nº 53. 2015. GOMES, Ângela de Castro. Código Penal e Trabalho Análogo ao de Escravo. In A Universidade discute a escravidão contemporânea. Práticas e Reflexões. Rio de Janeiro: Mauad X, 2015. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 5.ed. Niterói: Ímpetus, 2008. V. 02. HADDAD, Carlos Henrique Borlido. A Vertente Criminal do Enfrentamento ao Trabalho Escravo Contemporâneo. In Combate ao Trabalho Escravo – Conquistas, Estratégias e Desafios. São Paulo: LTr, 2017. Harnessing the Power of Business to End Modern Slavery. Disponível em http://walkfreefoundation.org -assets.s3-ap-southeast-2.amazonaws.com/content/uploads/2016/12/01213809/Harnessing-the-power-of -business-to-end-modern-slavery-20161130.pdf. Acesso em 19/10/2017. MELO, Luís Antônio Camargo de. Trabalho Escravo Contemporâneo: Crime e Conceito. In Privação de Liberdade ou atentado à dignidade: Escravidão Contemporânea. Rio de Janeiro: Mauad, 2013. MELO, Raimundo Simão de. Direito Ambiental do Trabalho e Saúde do Trabalhador. 5.ed. São Paulo: LTr, 2013. P. 28. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Disponível em: http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32229-38415-1-PB.pdf.
86
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
A MITIGAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE – DIRETOS FUNDAMENTAIS DA GESTANTE NA REFORMA TRABALHISTA THE MITIGATION OF THE FUNDAMENTAL HEALTH RIGHT - FUNDAMENTAL DIRECTIVES OF THE PREGNANT IN THE LABOR REFORM Janaína Guimarães Santos140 Jamila Guimarães Santos141 RESUMO: A “reforma” trabalhista modificou o art. 394-A e acrescentou os parágrafos 2º e 3º do pela Medida Provisória 808/2017, dispositivos que alteram as normas de saúde e segurança do trabalho das gestantes e lactantes, autorizando o trabalho em condições adversas de insalubridade. O objeto do estudo é a proteção à maternidade, o direito ao meio ambiente de trabalho saudável. Será estudado se o atestado médico é único instrumento determinante para mitigar o direito sem risco à saúde da mulher e do nascituro em ambientes de trabalho insalubres. Estudarse-á comparativamente antes e após a reforma, as Convenções n.sº 103 e 183 da OIT. As possíveis conclusões do estudo é que a mitigação do trabalho da gestante em adversidades, com base apenas no atestado médico, sem aferir o local do trabalho, gera inseguranças jurídicas, precariza o direito à maternidade saudável afetando direitos indisponíveis da trabalhadora grávida e do nascituro. PALAVRAS-CHAVE: Reforma trabalhista. Insalubridade. Gestante. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2.1. Direito à maternidade saudável; 3.2. Controle de convencionalidade e constitucionalidade; 4.3. Meios de prova e atestado médico; 5. Conclusão; 6. Referências. ABSTRACT: The labor reform had changed art. 394-A and added the paragraphs 2 and 3 through the Provisional Measure 808/2017, introduced devices that alter the health and safety standards of the work of pregnant women and infants, authorizing work under adverse conditions of unhealthiness. The object of the study is maternity protection, the right to a healthy working environment. It will be studied whether the medical certificate is the only instrument determinant to mitigate the right without risk to the health of the woman and the unborn in unhealthy work environments. Conventions number 103 and 183 of the OIT will be discussed comparatively before and after the reform. The possible conclusions of the study are that the mitigation of the pregnant woman’s work in adversity, based only on the medical certificate, without assessing the place of work, generates legal insecurities, precarizes the right to healthy motherhood affecting the unavailable rights of the pregnant worker and the unborn child. KEYWORDS: Labor reform. Insalubrity. Pregnant. SUMMARY: 1. Introduction; 2.1. Right to healthy motherhood; 3.2. Conventionality and constitutionality control; 4.3. Means of proof and medical certificate; 5. Conclusion; 6. References. 1. INTRODUÇÃO A chamada “reforma”142 trabalhista mitigou direitos antes considerados irrenunciáveis albergados pela tutela do Estado, valorizando a autonomia entre empregados e empregadores para ajustar o que for mais conveniente para ambos, numa clara visão da maior importância do valor econômico e a possibilidade da obreira-gestante dispor de direitos à saúde dele mesma e do nascituro, ainda que em ambiente de condições adversas à saúde. 140
Advogada. Mestranda no Programa de Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhista do UDF. E-mail: guimaraes.janainaadv@gmail.com. 141 Advogada. Mestranda do Programa de Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas do UDF. E-mail: jamilaguimaraes@hotmail.com.br. 142 Maior, Jorge Luiz Souto. Blog - https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-quem-interessa-essa-reforma-trabalhista.
87
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Nessa nova realidade de transformação das relações sociais e trabalhistas engendrada pela nova ordem neoliberal capitalista143, foi modificar o artigo 394-A, incluído pela Lei n.º 13.287/16, e introduzir incisos e parágrafos na CLT, em novembro de 2017, pela Lei n.º 13.467/17, normas flexibilizadoras e que tornaram precárias de proteção à saúde da trabalhadores gestante. Porém a fugaz vigência da novel redação do artigo 394-A foi revogada e modificada pela Medida Provisória n.º 808/2017, no caput e nos parágrafos 2º e 3º do art. 394-A, mediante a revogação e exclusão dos incisos recém-introduzidos, ou seja, a modificação do novel artigo teve pífia vigência para durar por apenas 03 (três) dias, pois a lei entrou em vigor no dia 11/11/2017, e a Medida Provisória que modificou a norma entrou em vigor no dia 14/11/2017. Não há dúvidas que as modificações legislativas para imperar a autonomia das relações sociais e trabalhistas vêm alterar as normas de saúde e segurança do trabalho das gestantes e lactantes, pois houve autorização legislativa para permitir o trabalho em condições adversas de insalubridade. O objeto do estudo é a proteção à saúde da gestante, à maternidade, ao meio ambiente de trabalho saudável. Será analisado e questionado se o atestado médico seria único instrumento determinante para mitigar o direito sem risco à saúde da mulher e do nascituro em ambientes de trabalho insalubres, ainda que em grau leve e médio. Comparativamente será analisada a aplicação do controle de convencionalidade e de constitucionalidade na recepção da novel norma de mitigação ao direito indisponível da gestante, nascituro e lactante, as Convenções n.º 103 e 183 da OIT. As possíveis conclusões do estudo é que a mitigação do trabalho da gestante em locais expostos ambiente adversos, com base apenas no atestado médico, sem aferir o local do trabalho por meio dos programas de saúde, geraria inseguranças jurídicas, tornaria precário o direito à maternidade saudável, afetando direitos antes indisponíveis da trabalhadora grávida e do nascituro, que com a nova ordem tornaram-se disponíveis, em prol da vertente mais econômica do que social. 2. DIREITO À MATERNIDADE SAUDÁVEL Historicamente, o Direito do Trabalho dedicou-se a proteger mulheres e crianças, consideradas as meias-forças da população economicamente ativa, sujeitas passivamente a condições mais perversas de trabalho. Nesta senda, no início do século passado, Evaristo de Moraes, já denunciava o drama social das crianças nas fábricas, faz referência à situação das operárias: “Quanto às garantias dadas ao trabalho das operárias adultas ficam, por enquanto, à mercê dos bons ou maus corações dos industriais e seus prepostos. É sua ganância ou sua generosidade que regula o pagamento do salário e a duração do trabalho, é sua moralidade ou sua imoralidade que decide, soberanamente, das condições em que as mulheres obreiras poderão ganhar o pão de cada dia”.144 Em âmbito internacional, há previsão legislativa de vedação do trabalho em condições ambientais da mulher desde 1878, como demonstra a pesquisa da professora Raquel Betty de Castro Pimenta145, na Inglaterra por meio do Factory and Workshop que vedou o trabalho insalubre e perigoso. Em Berlim, 1890, doze Estados aprovaram recomendações de proibição do trabalho em minas, no período noturno, além da concessão de licença em virtude do parto. Na Conferência de 1906, foi adotada a convenção internacional sobre a proibição do trabalho noturno das mulheres. Baseado em pesquisas bibliográficas que tratam da busca da isonomia e da proteção ao mercado de trabalho da mulher, a lei n.º 7.855/89 revogou diversos dispositivos da CLT, versando sobre os seguintes temas: proibição de trabalho noturno da mulher (CLT, arts. 379 e 380 ); vedação de prorrogação e compensação do trabalho da mulher (CLT, arts. 374 , 375 e 376 ); proibição de trabalho da mulher nos subterrâneos, nas minerações em subsolo, nas pedreiras e 143
Delgado, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. 3ª ed. rev. amp. – São Paulo: Ltr, 2017. 144 Moraes Filho, Evaristo de. In Apontamentos de Direito Operário, editora LTr, 4ª edição, 1998, São Paulo, p. 36. 145 Pimenta, Raquel Betty de Castro. Cooperação judiciária internacional no combate à discriminação da Mulher no trabalho: um diálogo Brasil e Itália, editora LTr, 1ª edição, 2016, São Paulo, p. 11.
88
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
obras da construção civil, pública ou particular e nas atividades perigosas e insalubres (CLT, art. 387). Assim, para incrementar o ingresso da mulher no mercado de trabalho, não há mais proibição para atuar em tais atividades. O fundamento da restrição residia em situações fáticas culturais de que a mulher não deveria ativar-se em tais serviços para que não houvesse prejuízos à sua função reprodutora, ou por questões políticas de competição do mercado no início da era industrial, período no qual o trabalho feminino era sub-remunerado gerando menor empregabilidade do trabalho masculino, de forma que a proteção ao trabalho feminino foi uma forma de proteger o emprego masculino. A professora Raquel Pimenta nos ensina que segundo os dados do Banco Mundial publicado em 2015, o cenário atual econômico e político é desafiador, com interseção no campo jurídico, sobretudo no contexto de globalização e de crime econômica, vindo a favorecer a flexibilização e a precarização das condições de trabalho de todos os trabalhadores, mas notadamente da trabalhadora, em estudo comparativo entre Brasil e Itália. O presente artigo analisa a exposição do ambiente de trabalho à mulher gestante e ao nascituro, sob a ótica da maternidade, na aplicação do caput e parágrafos do art. 394-A da CLT, modificados Pela Medida Provisória 808/2017, que revogou os dispositivos incluídos pela Lei 13.467/2017. Esses dispositivos foram introduzidos em cenário político de severa crise econômica, favorecendo os reclamos dos empresários e da classe industrial para mitigação de direitos antes indisponíveis. Por força dos acontecimentos econômicos, o Estado brasileiro rompeu com princípio de proteção, in caso, da trabalhadoras gestantes, desregulando a proteção estatal e transferindo a responsabilidade para a esfera da autonomia da relações laborais precarizando o meio ambiente mais saudável, vindo a revogar o dispositivo consagrado pela Lei n.º 13.287/2016. Por fim, o foco principal do trabalho é apontar e debater que, a respeito das tomadas de decisões ambientais precarizadas, em momento de crise econômica-política. É de notar-se que a “reforma” trouxe modificações das normas legislativas sem o devido debate técnico-político e jurídico, entrando em autêntica contradição com a Constituição e normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho, NR-15, que trata sobre atividades e operações insalubres, aprovada pela Portaria Ministerial n.º 3.214/78, introduzindo uma autonomia relacional à trabalhadora sem meios técnicos hábeis ou por meio de um simples atestado médico146, mediante violação de análise do técnico do trabalho do meio ambiente, prevalecendo a visão desregulatória e precarizante da competição por novos negócios. Observa-se que a norma que permite o trabalho da gestante em ambiente insalubre permitiu a mitigação do direito indisponível à saúde, para baixar os seus padrões ambientais com a finalidade de reduzir os custos de potenciais de afastamento da trabalhadora-gestante do ambiente de trabalho insalubre. 3. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE No artigo intitulado de Teoria da competição regulatória demonstra que existe um padrão similar de interpretação relativo à regulação ambiental e seus efeitos sobre o ambiente tanto entre economistas quanto juristas. Segundo a lição Fabio Costa Morosini, o raciocínio por trás do pensamento de primeira geração sobre a regulação ambiental argumenta que a competição interjurisdicional diminui o bem-estar social. Já a segunda geração sustenta que aumenta o bem-estar social, mas se o governo federal centralizar as limitações normativas. E uma terceira posição argumenta que a atividade descentralizada de regulação promoveria mais bem-estar. Utilizam-se do termo race to the bottom147 na competição do meio ambiente regulatório para designar o fenômeno que ocorre quando a competição entre comunidades resulta no progressivo desmantelamento dos padrões de regulação existentes. 146
Brasil. NR-15. Portaria n.º 3.214/78. Morosini, Fabio Costa no artigo intitulado de Teoria da competição regulatória. Nota rodapé 4. “A expressão race to the bottom, sem equivalente em língua portuguesa, significa o fenômeno que ocorre quando a competição entre comunidades resulta no progressivo desmantelamento dos padrões de regulação existentes.” Fls. 03. 147
89
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Essa competição vem sendo aplicada à lógica normativa de permissão da gestante ao trabalho insalubre de forma a sucumbir ao interesse econômico do empregador, contudo em genuína contradição aos princípios fundamentais e sociais constitucionais. Diante da globalização da economia mundial, é importante o uso das normas internacionais de proteção dos direitos humanos. Necessária uma construção das estruturas em rede para auxiliar na difusão e compartilhamento de experiências e boas práticas e de estruturas de raciocínio diversos, que podem contribuir para alcançar soluções mais eficientes e equânimes nos direitos.148 Em 11 de maio de 2016, foi incluído o art. 394-A, pela Lei n.º 13.287149, o qual dispunha expressamente que a empregada gestante ou lactante será afastada, enquanto durar a gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, devendo exercer suas atividades em local salubre. Pode-se afirmar que os projetos legislativos elaborados, de tramitação desde 2007 no Congresso Nacional, tinham por escopo cumprir as recomendações da Convenção n.º 183 da OIT de 2000, que revisou a Convenção n.º 103 da OIT de 1952. A redação do artigo 394-A introduzida pela Lei n.º 13.287/16, antes da reforma trabalhista, estava em plena consonância com a Constituição Federal de 1988 no seu inciso XX, do art. 7º e art. 3º da Convenção n.º 183 da OIT150, que dispõe proteger o trabalho da mulher mediante incentivos específicos, como sói ocorrer no caso de gravidez e parto. A redação do art. 394-A da Lei 13.287/76 induzida na CLT também estava nos padrões das recomendações das Convenções n.ºs 103 (revisada) pela n.º 183 da OIT. No presente momento cabe uma rápida digressão, a respeito da aplicação das Convenções Internacionais a respeito do direito da Mulher no plano interno do Estado Brasileiro. A Convenção n.º 103 da OIT foi aprovada na 35ª Conferência Internacional do Trabalho, na cidade de Genebra, em 4 de junho de 1952. Incorporada ao ordenamento interno por meio do Decreto Legislativo n.º 20, de 30.4.65, do Congresso Nacional; ratificada em 18 de junho de 1965; promulgada pelo Decreto n. 58.820, de 14.7.66; com vigência nacional em18 de junho de 1966, tendo recebido a denominação de Convenção sobre o Amparo à Maternidade.151 Na dissertação de mestrado de Maria da Conceição Maia Pereira152, visão crítica do artigo 394-A da CLT: Proibição do trabalho da gestante ou lactante em ambiente insalubre, pode ser encontrada pesquisa do início da revisão da Convenção n. 103 da OIT, no qual a Organização Mundial de Saúde (OMS), ao ser consultada sobre as questões médicas afetas à proteção da trabalhadora gestante, recomendou: (...) tratamentos especiais à empregada gestante, visando a proteger-lhe a saúde física e mental durante a gravidez, parto e em período posterior ao mesmo, especialmente se amamenta. Esse tratamento especial está consubstanciado nas proibições de trabalho em condições que acarretem à mulher, no ciclo gravídico-puerperal, fadiga excessiva ou riscos profissionais, como trabalhos penosos, assim considerados os que impliquem esforço físico ou horários prolongados; recomenda-se assistência médica antes, durante 148
Pimenta, idem. p. 22. CLT. Art. 394-A. A empregada gestante ou lactante será afastada, enquanto durar a gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, devendo exercer suas atividades em local salubre. 150 OIT. Convenção n.º 183, de 15 de junho de 2000, Relativa À Revisão Da Convenção (Revista) Sobre A Proteção Da Maternidade, 1952. Protecção da saúde. Artigo 3.º. Qualquer Membro deve, após consulta das organizações representativas dos empregadores e dos trabalhadores, adoptar as medidas necessárias para que as mulheres grávidas ou que amamentam não sejam obrigadas a executar um trabalho que tenha sido determinado pela autoridade competente como prejudicial à sua saúde ou da sua criança, ou que tenha sido considerado, através de uma avaliação, que comporta um risco significativo para a saúde da mãe ou da criança. 151 Süssekind, Arnaldo. Convenções da OIT. Editora LTR. 2ª edição, 1998. 338p. http://www.oitbrasil.org.br/ node/524#_ftn1. 152 Pereira, Maria da Conceição Maia, Visão crítica do artigo 394-A da CLT: Proibição do trabalho da gestante ou lactante em ambiente insalubre. Universidade FUMEC-Faculdade De Ciências Humanas Sociais E Da Saúde. Curso de Mestrado em Direito. Belo Horizonte – MG, 2017. 149
90
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
e após o parto, e licença-maternidade remunerada, por meio de um sistema de seguros ou de outra forma de assistência social que lhe evite “inquietude financeira imediata”, (...).
Ainda pensando nas gerações vindouras, segundo Arnaldo Süssekind, a OIT promoveu a revisão da Convenção n. 103 pela de n. 183, de 2000, que ampliou a proteção da maternidade para fixar em 14 semanas a duração da licença da empregada, podendo esse período ser prorrogado na hipótese de enfermidade ou complicações resultantes do parto e para abranger as mulheres que trabalham na economia informal. O Brasil não ratificou a Convenção n.º 183 da OIT porque, quando referido pacto passou a vigorar no âmbito internacional, em 2000, a Constituição brasileira, na forma do inciso XVIII do seu artigo 7º, já garantia à empregada gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, licença-maternidade de 120 dias.153 A revisão da Convenção n.º 103 pela de n.º 183, foi para harmonizar os princípios inseridos nos instrumentos do organismo internacional que se encontram contidos, apesar de algumas diferenças, em vários textos das Nações Unidas, como, por exemplo, o artigo 25 da Declaração Universal de Direitos Humanos que estabelece “A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.”154 Também o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, promulgado no Brasil pelo Decreto 591, de 06/07/1992 (TAQUARY, 2014, p. 146), em seu art. 10(2) preconiza: Deve-se conceder proteção especial às mães por um período de tempo razoável antes e depois do parto. (...). Nesse sentido, Léa Elisa Silingowschi Calil adverte: As normas de proteção à maternidade surgem obviamente assegurando situações que advêm da natural diferença existente entre homens e mulheres. Ou seja, a mulher gesta e dá à luz uma criança. Essa diferença antes de tudo é biológica. E proteger a mulher enquanto gestante e, depois, durante a amamentação é garantir o futuro da espécie, fim último da existência de qualquer ser vivo. (CALIL, 2000, p. 42) A maternidade é uma condição exclusivamente feminina e dela depende o futuro da raça humana. Logo, a proteção garantida às trabalhadoras gestantes e lactantes objetiva, em última análise, assegurar a saúde física e mental do nascituro e do bebê, garantindo a perpetuação da espécie humana.155 A considerar que o Brasil é signatário da Convenção n.º103 que foi revisada pela Convenção n.º 183 ambas da OIT, pode-se afirmar que não houve modificação da fundamentação principiológica, ou seja, foram mantidos os seus valores deontológicos e axiológicos, para adequar as recomendações com as demais recomendações da Organização Mundial da Saúde, da Declaração Universal de Direitos Humanos que estabelece e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, apenas para citar algumas normas. Para o Celso D. de Albuquerque Mello156, em regra, os tratados somente seriam obrigatórios depois de ratificados, todavia, expõe que “devida à prática cada vez maior de acordos executivos, a ratificação tem decaído de importância.” A Comissão de Direitos Internacionais considera que a ratificação não é elemento essencial, ou seja, a princípio seria necessária, mas há exceções ao princípio da ratificação. Contudo, nesse breve artigo não nos cabe aprofundar sobre a natureza jurídica da ratificação nos direito internacional. Assim, é importante destacar que a Convenção n.º 103 da OIT revisada pela Convenção n.º 183 da OIT trata-se de recomendações a serem seguidas pelo ordenamento jurídico, a ser respeitada no ordenamento jurídico porque em consonância com o princípio protetivo da maternidade na Constituição da República. Ademais, o ato de revisão da Convenção n.º 103 é um 153
Pereira, idem. p. 29. Pereira, idem. p. 30. Disponível em: <http://unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf> Acesso em: 11 maio 2017. 155 Pereira, idem. p. 31. 156 Mello, Celso D. de Albuquerque. p. 158. 154
91
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
instituto previsto no próprio texto, que foi ratificado, promulgado e entrou em vigência na ordem normativa. Portanto, podemos considerar-se que as recomendações da Convenção n.º 183 da OIT são de observância obrigatória pelo legislador e pelos juristas brasileiros. Ainda, Izabella Kadhija argumenta que no direito internacional público, sem prejuízo das disposições do art. 103157 da Carta das Nações Unidas, a aplicação de tratados sucessivos sobre o mesmo assunto não deve ser considerado incompatível com esse outro tratado, devendo prevalecer as disposições do último, em razão do princípio da reciprocidade158. Firme nessas conclusões, temos o entendimento compartilhado com a redação do enunciado n.º 02 da ANAMATRA, que com base em cinco estudos, elaborou a redação do enunciado no sentido de que o art. 394-A, caput e parágrafos, introduzidos em 2017 pela “reforma” trabalhista, são dispositivos inconstitucionais e inconvencionais.159 Também Mariângela F. Ariosi160 argumenta no seu artigo “os efeitos das convenções e recomendações da OIT no Brasil” que se impõe saber se as Recomendações da OIT se submetem ao mesmo processo de internalização das Convenções. As Recomendações não se submetem ao processo de internalização, são aplicadas diretamente, porque nelas se encontram princípios que devem reger o direito trabalhista a ser desenvolvido dentro dos Estados. 4. MEIOS DE PROVA E ATESTADO MÉDICO A norma do art. 394-A e parágrafos introduzidos na CLT veio em autêntica contradição aos princípios constitucionais, à recomendações da OIT e OMS, às normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho, para permitir ao aumento de possibilidades à exposição da saúde às condições adversas. Destaca-se que o meio de prova técnica prevista no dispositivo é contraditória à Norma Regulamentadora-NR-15 que trata sobre atividades e operações insalubres, aprovada pela Portaria n.º 3.214/78, que expressamente prevê que far-se-á necessária perícia técnica por profissional competente e devidamente registrado no Ministério do Trabalho e Emprego para se constatar os ambientes insalubres e perigosos, com base em programas de saúde. Não resta dúvida que por se tratar de matéria que envolve conhecimentos técnicos, cabe somente ao Ministério do Trabalho aprovar o quadro das atividades e operações insalubres e adotar normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses 157
Brasil, Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945. “Artigo 103. No caso de conflito entre as obrigações dos Membros das Nações Unidas, em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta.” 158 Kadhija, Izabella. Direito internacional público – Direito dos tratados. 2017. https://izabellaamorim.jusbrasil. com.br/artigos/401489322/direito-internacional-publico-direito-dos-tratados. 159 “A autorização legal permitindo o trabalho da gestante e lactante em ambiente insalubre é inconstitucional e inconvencional porque violadora da dignidade humana, do direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, da proteção integral ao nascituro e à criança e do direito social à saúde. Ademais, o meio ambiente do trabalho saudável é direito fundamental garantido pela Constituição da República, revestido de indisponibilidade absoluta. Incidência dos arts. 1º, III; 6º; 7º, XXII; 196; 200; 201, II; 203, I; 225; 226 e 227 da Constituição federal; Convenção 103 e 183 da OIT; arts. 25, I e II da DUDH”. 160 As Convenções devem ser incorporadas pelo processo ordinário de internalização dos tratados internacionais; já as Recomendações não estão sujeitas a este processo. As Recomendações, devidamente aprovadas pela Conferência Internacional do Trabalho – CIT -, devem ser adotadas. Por adoção, entende-se que são medidas legais produzidas internamente que visem a dar cumprimento às matérias consagradas nas Recomendações. Como bem expressa o art. 19, § 5º, b e § 6º, b da Constituição da OIT: “tratando-se de recomendação, para que, ciente do seu texto, legisle, total ou parcialmente, sobre o que nela se contém ou adote outras medidas que julgar aconselháveis.” (16). Mais uma questão controvertida se impõe que é a de se saber se as Recomendações se submetem ao mesmo processo de internalização das Convenções. Com efeito, as Recomendações não se submetem ao processo de internalização, são aplicadas diretamente. Nas Recomendações encontram-se princípios que devem reger o direito trabalhista a ser desenvolvido dentro dos Estados. As Recomendações se parecem com as Convenções de princípios, mas não devem ser confundidas, pois as Convenções de princípios que não são auto-aplicáveis têm natureza de tratado internacional e devem ser submetidas ao processo de internalização; quanto às Recomendações, estas apesar de também ensejarem princípios, não geram, por sua natureza, a obrigação de serem transformadas em normas internas. São uma orientação da OIT de como os Estados devem pautar seu direito trabalhista interno.
92
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
agentes, com escopo no art. 190 da CLT, ocorrendo nítida contradição interna na norma celetista que são incompatíveis de aplicação. Nesse contexto, a Norma Regulamentadora 15 descreve os agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde do empregado, bem como os respectivos limites de tolerância. Frise-se ainda que a eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorre das seguintes formas: com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância; com a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância (art. 191 da CLT). Portanto, aplicando-se hermenêutica sistemática, lógica, teleológica, axiológica, deontológica é possível afirmar que o simples atestado médico previsto na norma não tem viabilidade técnica-jurídica para subsistir como único instrumento determinante para mitigar o direito à proteção à maternidade, agindo o legislador com incúria e as pressas, podendo ocasionar risco à saúde da mulher e do nascituro em ambientes de trabalho insalubres, conclui-se que a norma é no mínimo ilegal. 5. CONCLUSÃO Alice Monteiro de Barros enfatiza que “A maternidade tem uma função social, pois dela depende a renovação das gerações.”161 A OIT sempre dispensou valor protetivo à maternidade desde o início das suas recomendações. Considerando o estudo realizado nesse artigo perfilhamos do entendimento de Souto Maior162 de que a novel norma do art. 394-A, caput e parágrafos da CLT, introduzidos pela “reforma” trabalhista, com a intenção subitânea de proteger o emprego da mulher, trata-se de um retrocesso injustificável. A discriminação, segundo o relator do projeto de lei, decorreria da proibição de realização de trabalho em ambiente insalubre, especialmente “em setores como o hospitalar, em que todas as atividades são consideradas insalubres, o que já tem provocado reflexos nos setores de enfermagem, por exemplo, com o desestímulo à contratação de mulheres”. No entanto, a finalidade teleológica da lei mostrou valores axiológicos invertidos, na lógica do capitalismo neoliberal, da competição pelo trabalho, ao invés de criação de norma protetora à dignidade do ser humano à saúde e meio ambiente equilibrado, ou seja, a norma não veio para eliminar a situação insalubre de trabalho, ao contrário, propõe a possibilidade de exposição da gestante e do nascituro à situação de dano efetivo à saúde. Na lição do Souto Maior, “é ainda mais perverso o argumento de que “afastar a empregada gestante ou lactante de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, há, de imediato, uma redução salarial, pois ela deixa de receber o respectivo adicional, refletido, inclusive, no benefício da licença-maternidade a que faz jus”. A reprodução de ambientes adoecedores de trabalho, a partir da lógica econômica, reduz a qualidade de vida e pode vir a agredir à saúde do nascituro de forma irreparável. Nesse diapasão, se fosse aplicar o controle da norma à Constituição e à convencionalidade, a norma que permite o trabalho da gestante em ambiente insalubre é flagrantemente inconstitucional e ofende o controle de convencionalidade. Essa afirmação é feita com suporte na Carta Magna que dispõe ser obrigatória a redução dos riscos e dos danos à saúde do trabalhador. A melhor solução legislativa, ao nosso ver, seria regulamentar e conceder incentivos fiscais e tributárias, vantagens econômicas àquele empregador que priorizasse o meio ambiente saudável, transferindo as gestantes para ambientes salubres, concedendo, por exemplo, deduções nas contribuições sociais. Dessa forma, o Estado estaria regulando a proteção à saúde da gestante e nascitura, promovendo a competição da economia por meio da regulação ambiental eficiente.163 161
Barros, Alice Monteiro. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p. 39. Maior, Jorge Luiz Souto. Blog - https://www.jorgesoutomaior.com/blog/os-201-ataques-da-reforma-aos-trabalhadores. 163 Morosini. Idem. “Assim, a investigação de Oates e Schwab aponta para três diferentes fontes de distorções potenciais 162
93
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
REFERÊNCIAS ANAMATRA. 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho: tema reforma trabalhista, lei n.º 13.467/2017. Enunciados aprovados na 2ª jornada. Em outubro/2017. Brasília-DF. http://www.jornadanacional.com.br/listagem-enunciados-aprovados-vis2.asp?ComissaoSel=4. ARIOSI. Mariângela F.. Os efeitos das convenções e recomendações da OIT no Brasil. < https://jus.com.br/ artigos/5946/os-efeitos-das-convencoes-e-recomendacoes-da-oit-no-brasil> publicado novembro de 2004. BARROS, Alice Monteiro. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 05.10.1988. Decreto-Lei 5.452, de 01.05.1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. DOU. Brasília. Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945. Promulga a Carta das Nações Unidas, da qual faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, por ocasião da Conferência de Organização Internacional das Nações Unidas. NR-15. Portaria n.º 3.214/78, Ministério do Trabalho. DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. 3ª ed. rev. amp. – São Paulo: Ltr, 2017. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 7ª ed. – São Paulo: Ltr, 2008. Kadhija, Izabella. Direito internacional público – Direito dos tratados. 2017. https://izabellaamorim.jusbrasil.com.br/artigos/401489322/direito-internacional-publico-direito-dos-tratados. MOROSINI, Fabio Costa. Direito do trabalho e teoria econômica do go or race to the bottom Teoria da competição regulatória: o caso da regulação ambiental. Brasília a. 48 n. 189 jan./mar.2011 file:///C:/Users/G&G/Documents/MMESTRADO%20UDF/LIVROS/Direito%20do%20trabalho%20e%20teoria%20 economica%20do%20go%20or%20race%20to%20the%20bottom.pdf). SÜSSEKIND, Arnaldo et al. In Instituições de Direito do trabalho. 15ª ed. São Paulo: LTr, 1995, v. 1. MAIOR, Jorge Luiz Souto. Blog - https://www.jorgesoutomaior.com/blog/os-201-ataques-da-reforma-aos-trabalhadores. MAIOR, Jorge Luiz Souto. Blog - https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-quem-interessa-essa-reforma-trabalhista. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito internacional público. Editora Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, 1º volume. 8ª edição, revista e atualizada. Rio de Janeiro, 1986. MORAES FILHO, Evaristo de. In Apontamentos de Direito Operário, editora LTr, 4ª edição, 1998, São Paulo, p. 36. PEREIRA, Maria da Conceição Maia, Visão crítica do artigo 394-A da CLT: Proibição do trabalho da gestante ou lactante em ambiente insalubre. Universidade FUMEC-Faculdade De Ciências Humanas Sociais E Da Saúde. Curso de Mestrado em Direito. Belo Horizonte – MG, 2017. PIMENTA, Raquel Betty de Castro. Cooperação judiciária internacional no combate à discriminação da Mulher no trabalho: um diálogo Brasil e Itália, editora LTr, 1ª edição, 2016, São Paulo. SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. Editora LTR. 2ª edição, 1998. 338p. (http://www.oitbrasil. org.br/node/524#_ftn1). OIT (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO). Convenção n.º 183, de 15 de junho de 2000, Relativa À Revisão Da Convenção (Revista) Sobre A Proteção Da Maternidade, 1952. nas políticas locais. Se a jurisdição competindo por novas indústrias e empregos não possui acesso a instrumentos tributários eficientes, distorções ocorrerão nas decisões fiscais e ambientais. Outra distorção potencial afeta a incompatibilidade das decisões públicas com a vontade dos consumidores-eleitores, isto é, o problema da escolha pública. Por fim, a distorção nas políticas locais provavelmente ocorrerá quando houver conflitos de interesse em uma comunidade heterogênea. Espera-se que ocorram distorções em decisões ambientais porque, na competição por novos negócios, os estados baixarão os seus padrões ambientais para reduzir os custos de potenciais interessados (OATES; SCHWAB, 1988, p. 334).” Fls. 03 (grifos nossos).
94
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
A GARANTIA DO TRABALHO DECENTE PARA A MULHER TRANSEXUAL E PARA TRAVESTI, À LUZ DA PROTEÇÃO SOCIAL DO TRABALHO THE WARRANTY OF DECENT WORK FOR THE TRANSEXUAL WOMAN AND FOR TRAVESTI, IN THE LIGHT OF THE SOCIAL PROTECTION OF WORK Simone Florindo Costa164 RESUMO: O objetivo do artigo é trazer um breve histórico do papel da mulher, com foco nas mulheres transexuais e travestis, sua relação com o mercado de trabalho, as dificuldades do acesso ao direito de igualdade de oportunidade e ao direito à Proteção Social do Trabalho, em função da discriminação e do preconceito por gênero. Para uma aplicação equitativa do Direito do Trabalho, é fundamental a garantia de condições de trabalho decente, que incluem o respeito à legislação trabalhista e a um conjunto de políticas para proteger grupos especialmente vulneráveis da população trabalhadora. Como forma de demonstrar o desafio do Direito do Trabalho para atingir questões da contemporaneidade, como a que trazemos no artigo, discutiremos as lacunas das estruturas legais brasileiras para garantir direitos da população Trans. Outra questão igualmente relevante que trataremos é a seletividade excludente do Sistema de Justiça Brasileiro com relação à garantia de direitos das mulheres, sobretudo as transexuais, e como isso tem refletido em algumas de suas decisões. A metodologia será analisar as poucas leis de proteção da população LGBT no Brasil, a análise dos julgados sobre discriminação de LGBTs com foco nas travestis e mulheres transexuais no trabalho, a aplicabilidade dos direitos fundamentais, a análise das leis supralegais que garantem direitos universais, incluindo as Resoluções Internacionais, Tratados, Convenções da OIT e iniciativas de boas práticas governamentais e empresariais. PALAVRAS-CHAVE: Mulher Transexual. Garantia de Trabalho. Igualdade de oportunidade. Trabalho Decente. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A luta das mulheres por garantia de direitos; 3. Dificuldades de acesso ao trabalho decente de travestis e mulheres transexuais; 4. Litígios envolvendo transexuais na justiça do trabalho no brasil; 5. Conclusão; 6. Referências. ABSTRACT: The objective of this article is to provide a brief history of the role of women, focusing on transsexual and “travestis” women. The article will explore their relationship with the labor market and the difficulties they face to access equal opportunities and the right to Social Protection at Work, due to gender discrimination. For a fair application of labor law, it is essential to ensure decent work conditions, which include respecting labor legislation and policies that protect particularly vulnerable groups of workers. As a way of demonstrating the challenge of the Right of Work to reach contemporary issues, such as the one we address in this article, we will discuss the gaps in Brazil’s legal structures that compromise its capacity to guarantee the rights of Transgender people. Another equally relevant issue that we will address is the exclusionary and selectivity character of the Brazilian Justice System in relation to the guarantee of women’s rights, especially transsexuals, and how this has been reflected in some decisions. The methodology used is an analysis of the few laws that protect the LGBT population in Brazil and of judgments on discrimination against LGBT people, with a focus on “travestis” and transsexual women at work, as well as the applicability of fundamental rights and the analysis of supralegal laws that guarantee universal rights, including International Resolutions, Treaties, ILO Conventions and initiatives of good governmental and business practices. 164
Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pelo Instituto Damásio e aluna especial do Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas no Centro Universitário do Distrito Federal – simone. florindo@gmail.com.
95
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
KEYWORDS: Transgender Woman. Work Guarantee. Equal opportunity. Decent Work. SUMMARY: 1. Introduction; 2. The struggle of women for guarantee of rights; 3. Difficulties of access to the decent work of transvestites and transsexual women; 4. Litigation involving transsexuals in labor justice in Brazil; 5. Conclusion; 6. References. 1. INTRODUÇÃO A doutrina jurídico-trabalhista clássica não foi capaz de superar a antiga versão categorial sobre gênero, que se restringe a uma visão binária - homem/mulher. Dessa forma, os conflitos que envolvem a população trans feminina165 nas relações de trabalho são assuntos frequentes dentro dos tribunais trabalhistas e vem sendo tema de muitos debates jurídicos. Diante disso, a solução para esses conflitos é urgente e os casos concretos devem ser julgados por uma legislação estruturante, na qual haja a articulação do Princípio da Proteção – basilar do Direito do Trabalho – e dos princípios que fundamentam o Estado Democrático de Direito – Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Igualdade e da não Discriminação – o Princípio da Desigualdade das Partes – nuclear do Direito Processual do Trabalho -, para assegurar a efetividade máxima dos direitos fundamentais dessa parcela da população. O artigo em questão, traz um pequeno histórico do papel da mulher e sua relação com o mercado de trabalho, as dificuldades do acesso ao direito de igualdade de oportunidade de trabalho e ao direito à Proteção Social do Trabalho. Este direito compreende a garantia de condições de trabalho decente, que incluem o respeito à legislação trabalhista e a um conjunto de políticas para proteger grupos especialmente vulneráveis da população trabalhadora166. Destaca-se que as travestis e transexuais femininas, em sua maioria, não chegam ao mercado de trabalho por não conseguirem concluir os estudos, restando-lhe o trabalho nas ruas e uma vida de pobreza, em meio a um silenciamento de direitos em função da discriminação e do preconceito de gênero. Além deste contexto apresentado, ressalta-se a fragilidade das estruturas legais brasileiras em garantir direitos da população LGBT. Para além disso, o Sistema de Justiça Brasileiro tem na sua formação e estrutura, um olhar masculino com relação à garantia de direitos das mulheres, que incluem mulheres transexuais, e esse olhar está refletido em algumas de suas decisões. É basilar o entendimento do que de fato é gênero, sua conceituação social, e desconstrução. A partir dessa desconstrução, as mulheres transexuais e travestis poderão ser respeitadas e vistas como sujeito de direito. 2. A LUTA DAS MULHERES POR GARANTIA DE DIREITOS As aspirações à cidadania no mundo do trabalho, que buscam proporcionar iguais oportunidades entre homens e mulheres, não é algo recente. Na década de 80, a preocupação para melhores condições de trabalho foi alavancada pela redemocratização da sociedade brasileira. A união entre grupos de mulheres trabalhadoras, grupos feministas, organizações sindicais, partidos e alguns setores do estado fez com que esses grupos repensassem o conceito e as consequências da divisão sexual do trabalho. Denúncias de violências domesticas, discriminação e segregação saíram das paredes internas das casas e passaram a ser discutidas nos âmbitos públicos, levando às mulheres a lograrem, aos poucos, penetrar nas estruturas de representação tradicionalmente ocupadas por homens, como sindicados, associações, partidos e em outras profissões167. 165
Incluindo mulheres transexuais e travestis. OIT. A OIT no Brasil: trabalho decente para uma vida digna. OIT: Brasília, 2012, pg. 06. 167 GIULANI, P.C. Os movimentos de trabalhadoras e a sociedade brasileira. In: História das Mulheres no Brasil. Mary Del Priori (org). São Paulo: Contexto, 2000. 166
96
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Na mesma década, os movimentos de mulheres trabalhadoras começaram a ressignificar a imagem social da feminilidade168. Ainda hoje, a luta das mulheres por um espaço significativo no mercado do trabalho, pela profissionalização e busca por salários igualitários e de oportunidades nas relações de trabalho continuam sendo pauta política e social. Segundo o IBGE/2013, mulheres recebem, em média, 73.7% da remuneração dos homens, quando se trata de mais escolarizadas (12 anos ou mais de estudo) o número é mais alarmante, 66%, a mesma proporção que em 2002. De acordo o Relatório da Organização Internacional do Trabalho – “As Mulheres no Trabalho169”, se as tendências atuais permanecerem, serão necessários 70 anos para anular a diferença salarial em razão de gênero. O trabalho doméstico é predominante exercido pelas mulheres, e a sobrecarga do trabalho formal conjuntamente com o trabalho doméstico ainda tem sido um embate. A OIT dispõe de estatísticas de Trabalho Doméstico para 163 países (84,5% do total). Com base nestas estatísticas, a OIT estimava um contingente de 67,0 milhões de Trabalhadoras e Trabalhadores Domésticos (Tdom) no mundo em 2013 – cerca de 80,0% eram mulheres (55 milhões). No Brasil, cerca de 6,5 milhões de pessoas estavam no trabalho doméstico em 2014, sendo 92,0% mulheres, das quais cerca de 60,0% negras. Outros dados importantes são que no Brasil: 1/3 das trabalhadoras domésticas é composta por trabalhadoras pobres ou extremamente pobres; entre as adolescentes de 15 a 17 anos ocupadas, 17% estão no mercado doméstico, situação preocupante, pois é proibido trabalho doméstico nesta idade; em 2004, 27.6% das mulheres tinham carteira assinada e em 2014, o número era 33.3% (35.3% entre brancas e 29.8% entre as negras); e 41.5% das trabalhadoras domésticas são chefes de família. Falar no trabalho doméstico é fundamental em um contexto de estudo sobre condições e oportunidades de trabalho para mulheres. Se o trabalho que mais emprega as mulheres é exatamente aquele com menos direitos e mais vulnerabilidade, resta clara a conexão entre discriminação e condições de trabalho. Se no caso das mulheres cisgêneras170 a realidade já é excludente, no caso das mulheres travestis e transexuais é ainda mais violenta e segregadora. A igualdade de gênero no mundo do trabalho pode ser vista por três ângulos complementares: é um tema de direitos humanos e faz parte das condições essenciais para atingir uma democracia efetiva; é um tema de justiça social e diminuição da pobreza, na medida em que é condição para ampliar as oportunidades de acesso a um trabalho decente; e é um tema de desenvolvimento social e econômico, na medida em que promove a participação das mulheres na atividade econômica e na tomada de decisões relativas à formulação de políticas de desenvolvimento que respondam adequadamente aos objetivos da igualdade e trabalho digno. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, adotada pelas Nações Unidas em 2015, é uma oportunidade para enfrentar as persistentes desigualdades de gênero e raça no trabalho. Ela reafirmou o consenso universal sobre a vital importância da igualdade de gênero e sua contribuição à execução dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (a criação de mais e melhores empregos para as mulheres; a proteção social universal e; a adoção de medidas para reconhecer, reduzir e redistribuir os trabalhos de cuidado e as tarefas domésticas não remuneradas). Muitos esforços têm sido realizados ao longo de anos, tanto de representantes de movimento sociais feministas, representantes do Estado para efetivação de políticas das mulheres e organismos internacionais, mas a pauta da mulher é contínua, pois o machismo o sexismo, ainda são características que permeiam a construção de políticas públicas e a organização da sociedade, incluindo a realidade do mundo do trabalho. 168
Idem 4, pg. 649.1. OIT. Mulheres no trabalho. Genebra: OIT, 2016. 170 Denomina-se cisgênera a pessoa que tem identificação com o seu sexo biológico de nascimento. 169
97
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
3. DIFICULDADES DE ACESSO AO TRABALHO DECENTE DE TRAVESTIS E MULHERES TRANSEXUAIS Diante do contexto apresentado, é de suma importância analisar as dificuldades de acesso ao trabalho, a desigualdade de direitos das mulheres e o reflexo dessas violações em relação as travestis e transexuais femininas. O trabalho prestado em condições de dignidade é fundamental para uma construção de identidade do trabalhador. O não reconhecimento da identidade de gênero das mulheres trans/ e ou travestis, geram violações duplamente agravantes, pois, além de não serem aceitas socialmente por serem mulheres trans e sofrerem discriminação diária por essa condição, em relação ao trabalho, os demais direitos também são ameaçados, restando-lhes as péssimas condições de trabalho nas ruas ou na prostituição. Portanto, a invisibilidade desta população retira-lhes a condição de sujeitos de direitos, de trabalhadoras e principalmente o direito a dignidade humana por meio de sua força de trabalho. De acordo com Delgado (2015:16), à identidade social desenvolvida por meio do trabalho, importa destacar que ela possibilita ao homem identificar-se intensamente como ser humano consciente e capaz de participar e de ser útil na dinâmica da vida em sociedade. Possibilita-lhe, também, desenvolver a consciência de que deve cuidar de si mesmo, preservando-se e exigindo que a dinâmica tutelar pelo Direito seja cumprida e aperfeiçoada para que esteja materialmente protegido.
A identidade social da população trans desenvolvida por meio do trabalho tem trazido um quadro degradante e de completa violação. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos recebeu informações consistentes que indicam que as mulheres trans que são trabalhadoras sexuais são especialmente vulneráveis à violência em seu ambiente comunitário. Devido à discriminação no mercado do trabalho e outras adversidades que enfrentam socialmente, o trabalho sexual é, para muitas mulheres trans e travestis, a única forma de subsistência. Uma pesquisa indica que aproximadamente 90% das mulheres trans no continente americano exercem o trabalho sexual e as estimativas para alguns países são ainda maiores, entre 94% e 95% no Peu e Chile, respectivamente171. Sabe-se que evasão escolar da população trans é muito alta no Brasil. Segundo a pesquisa Nacional sobre Estudantes LGBT e o Ambiente escolar de 2015, dos estudantes que participaram da pesquisa, a maioria sentiam-se inseguros nas instituições educacionais por causa de alguma característica pessoal, incluindo orientação sexual, gênero, identidade de gênero/expressão de gênero172. Por isso, a maioria das mulheres trans/e ou travestis não conseguem encerrar os estudos primários e consequentemente não chegam ao ensino superior. Daí a justificativa de muitas para recorrerem a trabalhos de péssimas condições e muitas vezes em risco de vida. No campo da vulnerabilidade social, a travesti e a mulher trans, sofrem diretamente com a violência institucional e estrutural que, por estarem sempre à margem, muitas não conseguem enfrentar coisas básicas da vida diária, tais como ir a um supermercado, ao banco, usufruir de seu direito de ir e vir, pois estão expostas a todo tipo de violência. A exclusão é um processo histórico, por meio do qual uma cultura, utilizando-se do discurso da verdade, cria a rejeição e define os limites de pertença social. Nas relações de trabalho, o limbo existencial é evidente, a ausência de uma ampliação do conceito de gênero contribui para a perpetuação da exclusão e discriminação, deixando no ostracismo os transgêneros e travestis e consequentemente expulsando-as do mercado de trabalho e da vida social. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos173, com 6.456 pessoas transgêneras e de gênero não conformes sobre o panorama do mercado de trabalho, relata que: 171
CIDH. Violência contra pessoas LGBTI. Washington: OEA, 2015, pg. 178. ABGLT. Pesquisa nacional sobre o ambiente educacional no Brasil 2016. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2016. 173 CIDH. Violência contra pessoas LGBTI. Washington: OEA, 2015. 172
98
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
i. há o dobro da taxa de desemprego dos entrevistados em relação à população geral; ii. 90% dos entrevistados relataram ter vivido casos de assédio moral, maus-tratos e discriminação no meio ambiente do trabalho, necessitando esconder sua identidade de gênero para evitar as referidas situações; iii. 47% disseram encontrar uma rejeição no mercado de trabalho, expressada pela demissão, não contratação e ausência de promoção pelo fato de serem pessoas transgêneras; iv. 26% afirmaram ter perdido o emprego por causa da sua identidade de gênero; v. 71% dos pesquisados preferiram ocultar sua identidade de gênero e a transição de gênero e 57% simplesmente atrasaram a transição, a fim de evitar a discriminação nas relações de trabalho; vi. 78% das entrevistas consideraram que, após terem se submetido à transição de gênero, sentiram-se mais cômodos no trabalho e seus desempenhos melhoraram – apesar dos altos níveis de assédio. vii. além de outros aspectos relacionados às pessoas transgêneras, o estudo identificou que 41% dos entrevistados tentaram suicídio.
As Organizações da América Latina informaram que a média de vida de uma mulher trans na região, e isso modifica a cada país, é de cerca de 35 anos de idade174. As inúmeras pesquisas realizadas por organismos internacionais, organizações da sociedade civil, ativistas e acadêmicos enfatizam que a violência generalizada, o preconceito, a omissão familiar, dificultam que as mulheres trans tenham acesso à educação, a moradia adequada e acesso ao mercado do trabalho formal, situação que leva à extrema pobreza. Segundo o mesmo relatório, na América Latina, a discriminação e exclusão estrutural no mercado de trabalho, baseada na orientação sexual e identidade de gênero, são fatores que desencadeiam um ciclo de pobreza. As pessoas LGBT, em situação de pobreza no Brasil, vivem em condições sociais mais vulneráveis, devido aos impactos do alto índice de desigualdade de distribuição de renda entre as classes sociais. Uma pesquisa realizada em 2013, pela Micro Rainbow Internacional (MRI), sobre a situação de pobreza da população LGBT no Rio de Janeiro, retratou bem a realidade do crescimento da violência, do preconceito e de mortes de LGBT em função da desigualdade significativa de distribuição de renda. Essa desigualdade está diretamente ligada à falta de oportunidade de trabalho. Quando perguntado aos candidatos da pesquisa se eles acreditam que as pessoas heterossexuais possuem mais oportunidades em relação a população LGBT, a resposta não surpreendeu. Segundo a pesquisa 86% responderam que sim, que heterossexuais tem mais oportunidades e apenas 14% disseram que não. Por isso muitas pessoas LGBT não assumem sua sexualidade em entrevistas de trabalho e/ou dentro de empresas, para não serem alvo de preconceito175. Aparentar ser uma pessoa heterossexual cisgênera proporciona não apenas mais oportunidades, mas também um aumento na autoestima das pessoas, pois acreditam que podem, desta forma, ter maio acesso ao mercado de trabalho176. Para as mulheres trans e travestis a realidade se torna diferente, pois muitas vezes não têm como disfarçar suas identidades de gênero. Com isso, não conseguem ser inseridas de forma igualitária ao mercado de trabalho, restando-lhes trabalhos estigmatizados ou subempregos. Neste contexto apresentado, é notório que a situação da mulher trans e travestis não é favorável em nenhum sentido, seja com relação à garantia de oportunidade de trabalho, seja no acesso à escola, seja à moradia e principalmente, no acolhimento social em diversas políticas públicas. Ressalta-se que a temática de Empregabilidade Trans está pautada por Instituições LGBT, Organizações não Governamentais e Organismos Internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Desde 2012, uma parceria liderada pela OIT, pelo Programa Conjunto das Nações 174
Idem 11, pg. 176. ITABORAHY, Lucas Paoli. Pessoas LGBT vivendo em pobreza no Rio de Janeiro. Brasília: OIT, 2015. 176 Idem 13, pg. 40. 175
99
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) e pelo PNUD, envolve representantes de sindicatos, organizações LGBT, empresas e governo para combater a homo-lesbo-transfobia no mundo do trabalho. De maneira participativa, foi elaborado um manual direcionado a empresas contra a homo-lesbo-transfobia, assim como uma campanha no local de trabalho para que a população LGBT possa ter a sua dignidade e liberdade asseguradas, intitulado “Construindo a igualdade de oportunidades no mundo do trabalho: combatendo a homo-lesbo-transfobia”, lançado em 2014. O documento – que aborda as questões trabalhistas ligadas aos direitos LGBT por meio de histórias de vida – é fruto de uma construção conjunta entre organismos da ONU (PNUD, OIT e UNAIDS) e 30 representantes de empregadores, trabalhadores, governo, sindicatos e movimentos sociais ligados aos temas LGBT e HIV/AIDS. Segundo o manual, o “trabalho decente é direito de todos os trabalhadores e trabalhadoras, bem como daqueles ou daquelas que estão em busca de trabalho, representando a garantia de uma atividade laboral em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana177”. 4. LITÍGIOS ENVOLVENDO TRANSEXUAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO NO BRASIL Para uma melhor compreensão da forma com que operadores do direito têm tratado o tema do preconceito contra pessoas transexuais e travestis, uma breve análise de alguns casos de litígios no âmbito da Justiça do trabalho será fundamental para perceber se a justiça fortalece o conceito de equidade ou as exclusões no mundo do trabalho, através de suas decisões. 1º Caso178: O primeiro retrata o caso de Nilce, que trabalhava na central de ambulância da cidade de Itu, no estado de São Paulo, há 14 anos. Em 2007, decidiu assumir a transexualidade e, a partir daí, alegou que sofreu perseguição por parte do seu superior hierárquico, o qual não lhe determinava mais serviço. Todos os dias, dirigia-se ao trabalho, mas o seu empregador lhe deixava na ociosidade, ou seja, não lhe permitia uma exposição, como se ela fosse uma grande anomalia que devesse ser escondida. Em virtude dessa situação, Nilce impetrou uma ação judicial. Em primeira instância, o juiz do trabalho julgou improcedente o pedido de dano moral, eis que não vislumbrou nenhuma atitude discriminatória. Já em recurso, no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, foi reconhecido o assédio moral, ficando o município obrigado a pagar o valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) a título de indenização por dano moral, segundo o relator: O fato do empregador deixar o empregado na ociosidade, sem qualquer função, marginalizando-o no ambiente de trabalho, constitui inequivocamente assédio moral. E, na hipótese, o assédio moral é decorrente da discriminação de que o autor foi vítima, discriminação essa que sequer foi declarada, mas, sim, velada, que é aquela que é mais difícil de ser comprovada, porque não se caracteriza por comportamento visível a todos. O julgador, somente em segunda instância, compreendeu que houve verdadeira discriminação, de modo que fundamentou a condenação na Convenção n. 111 da OIT e nos artigos 1º, III e IV, da CF 3º e 5º, caput, da CF/88 e art. 1º da Lei n. 9.029/95. 2º Caso: O segundo caso refere-se a uma Reclamação Trabalhista ajuizada na Vara do Trabalho de Alta Floresta, no estado do Mato Grosso, na qual uma trabalhadora requereu dano moral em face da empresa que laborou, tendo em vista alegar que se sentia constrangida por ter que vestir o uniforme da empresa no mesmo ambiente no qual uma pessoa transgênera também utilizava. Na oitiva em juízo, a reclamante informou que pessoa do sexo masculino, com nome feminino, utilizava o banheiro das mulheres. A empresa justificou que se tratava de uma pessoa transexual feminina e que a trabalhadora reclamante estava agindo com discriminação. 177
OIT, PNUD, UNAIDS. Promoção dos Direitos Humanos de pessoas LGBT no Mundo do Trabalho. Brasília: OIT, 2015. 178 Todos os casos tiveram seus nomes alterados para preservação das pessoas envolvidas, apesar de serem processos públicos.
100
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
A juíza negou o pedido de danos morais, compreendendo que “não seria razoável que um trabalhador transgênero, com sentimentos e aparência femininos, fosse compelido a utilizar vestiário masculino”. Acrescentou que obrigar alguém a utilizar um vestuário particular específico seria também reafirmar o preconceito e a discriminação. Desse modo, julgou como acertada a decisão da empresa em permitir que a trabalhadora fizesse uso do vestiário feminino. A decisão baseou-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos e especificamente nas resoluções da Organização das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre orientação sexual e identidade de gênero, assim como nos Princípios de Yogyakarta. 3º Caso: O terceiro caso, por sua vez, é semelhante ao anterior. Refere-se à Reclamação Trabalhista, processada na 3ª Vara do Trabalho de Curitiba, ajuizada por uma transexual. A reclamante ajuizou reclamatória, alegando que sofreu diversos constrangimentos na empresa em razão de sua não identificação com seu gênero biológico. Narrou que era obrigada a utilizar os vestuários e banheiros masculinos, assim como era assediada moralmente pelos colegas de trabalho (recebia bilhetes com dizeres de baixo calão e teve seu armário arrombado). O juiz de primeiro grau julgou improcedente o pedido de dano moral, uma vez que considerou que “a utilização dos vestiários masculinos pela autora, que possui auto identificação com o gênero feminino, mas tem aparência do gênero masculino, por si só, não é capaz de ensejar o pagamento de indenização por dano moral”. No julgamento do Recurso Ordinário, a Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região reformou a decisão de primeira instância, condenando a empresa Kraft Foods a pagar uma indenização por danos morais no valor de R$ 5 mil (cinco mil reais). Segundo o revisor, Desembargador Edmilson Antônio de Lima: Pelo depoimento da preposta é possível concluir que a identidade de gênero feminino era do conhecimento da ré e dos colegas de trabalho da parte autora. Portanto, uma vez que a ré admite em defesa que o superior hierárquico tratava a autora como figura masculina, há evidente discriminação, circunstância que não pode ser tolerada pelo Poder Judiciário. Com relação ao dano decorrente da proibição de utilização do vestiário feminino, também entendo que a decisão de origem merece reparo. (...) embora biologicamente a autora tenha nascido com genitália masculina, no caso dos autos, ao que tudo indica, ela age socialmente como mulher (veste-se como mulher e prefere ser chamada de Renata), assim como aquelas que assim o são por determinação biológica. A autora se vê como mulher e assim espera ser tratada pela sociedade. As travestis, transexuais, ou seja, as transgênero de modo geral devem ser encaradas como mulheres na utilização do banheiro e em qualquer ocasião de suas vidas sociais, em respeito ao princípio da dignidade humana, sem nenhuma discriminação (art. 3º, IV, da CRFB/1988). Ainda, vale destacar que segundo os termos da defesa, “as instalações contam banheiros e chuveiros privativos. Ou seja, não havia necessidade de as empregadas despirem-se totalmente na frente das outras. A situação de a autora ser vista de lingerie perante os empregados do sexo masculino me parece mais desconfortante do que as empregadas do sexo feminino serem vistas de lingerie pela parte autora, que também se vê como mulher (fl. 93). Importante destacar que não se pretende com os casos apresentados, fazer uma análise da justiça brasileira neste curto artigo, mas é possível encontrar algumas pistas importantes para uma futura discussão mais aprofundada a luz dos princípios constitucionais. 5. CONCLUSÃO As poucas leis de proteção da população LGBT no Brasil, a análise dos julgados sobre discriminação de LGBTs com foco nas travestis e mulheres transexuais no trabalho, a aplicabilidade dos direitos fundamentais, a análise das leis supralegais que garantem direitos universais, incluindo as Resoluções Internacionais, Tratados e Convenções e iniciativas de boas práticas, tornam-se estruturantes para o combate à violação de direitos dessa população específica. A Convenção n. 111 da OIT, de 1958 define discriminação no trabalho como: “Qualquer distinção, exclusão ou preferência baseada em motivos de raça, cor, sexo, religião, opinião polí101
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
tica, ascendência nacional ou social que tenha como efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidades e de tratamento no emprego e na ocupação”. Discriminação é, portanto, a negação da igualdade de oportunidades e de tratamento e se configura violação de Direitos Humanos. O sistema internacional deu passos significativos na direção da igualdade entre os gêneros e na proteção contra a violência na sociedade, comunidade e família. Além disso, importantes mecanismos de direitos humanos das Nações Unidas têm afirmado a obrigação dos Estados de assegurar a todas as pessoas proteção eficaz contra discriminação por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero. As obrigações legais dos Estados de proteger os direitos humanos de pessoas LGBT estão bem estabelecidas no ordenamento internacional de direitos humanos. Os fundamentos da não discriminação estão baseados de forma clara na Declaração Universal de Direitos Humanos, Acordos Internacionais e Tratados Internacionais. Todas as pessoas, independente do sexo, orientação sexual ou identidade de gênero têm direito de gozar da proteção assegurada pelo regime internacional dos direitos humanos, e isso inclui direito a vida, a segurança, a privacidade, direito a ser livre, dentre outros direitos básicos. Os princípios fundamentais que estruturam o Estado Democrático de Direito – Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Igualdade e da não Discriminação, são basilares e tem otimizado a aplicabilidade das normas. Segundo Robert Alexy (2011:75), “princípios são normas que estabelecem que algo deve ser realizado na maior medida possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas presentes. Por isso são eles chamados de mandamentos de otimização”. Neste sentido os Princípio Fundamentais têm contribuído para efetivação de direitos. Segundo análise de Gabriela Neves Delgado (2015:08), “na perspectiva e afirmação do Estado Democrático de Direito, fundado e ancorado na Constituição da República, tais fundamentos se concentram na compreensão do sentido e da extensão do direito fundamental ao trabalho digno”(...). É necessário, pois reforçar o argumento de que estar protegido pelo trabalho significa também concretizar, no plano constitucional, os direitos fundamentais trabalhistas que assegurem um patamar mínimo de vida digna. Maurício Delgado Godinho (2013:43), fala de um inovador conceito de “Estado Democrático de Direito, fundado em um inquebrantável tripé conceitual: pessoa humana, com sua dignidade; sociedade política, concebida como democrática e inclusiva; sociedade civil, também concebida como democrática e inclusiva”. Para Goldinho (2013:43), “são indispensáveis a estrutura e a operação prática de um efetivo Estado Democrático de Direito sem a presença de um Direito do Trabalho relevante na ordem jurídica e concreta dos respectivos Estado e sociedade civil” Para ele, “grande parte das noções normativas de democratização da sociedade civil, garantia da dignidade humana na vida social(...) e garantia da valorização do trabalho(...), ou seja, grande parte das noções essenciais da matriz do Estado democrático de Direito estão asseguradas, na essência, por um amplo e eficiente Direito do Trabalho disseminado na economia e sociedade correspondente”. A Constituição da República, em destaque a de 1988 no Brasil, dita como a mais democrática das constituições, “confere aos direitos sociais a estatura de direitos fundamentais do ser humano”, assegurando um mínimo civilizatório quando se trata de proteção social e direitos no mundo do trabalho, “além de uma notória valorização dos direitos da cidadania” (DELGADO, 2016). Desta forma, diante da análise apresentada, entende-se que a garantia de direito à População Trans no quesito trabalho deve avançar na mesma velocidade das mudanças sociais. Porém faz-se mister o aprofundamento nas temáticas em questão para que seja efetivado o cumprimento dos direitos, sem distinção, à luz dos princípios constitucionais, primando pela efetivação de direitos humanos fundamentais a essa parcela da população com característica marcantes de vulnerabilidade.
102
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2011, pg. 65. ABGLT. Pesquisa nacional sobre o ambiente educacional no Brasil 2016. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2016. BUTLER, Judith. Deshacer el género. Barcelona: Paidós, 2006. ________, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 8 ed. Rio de Janeiro: civilização brasileira, 2015. CIDH. Violência contra pessoas LGBTI. Washington: OEA, 2015. DELGADO, Gabriela Neves. “Estado Democrático de Direito e Direito Fundamental ao Trabalho Digno”. In DELGADO, M. G.; DELGADO, G. N. Constituição da República e Direitos Fundamentais - dignidade da pessoa humana, justiça social e Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2015. DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. “Cidadania, Democracia e Direitos Sociais - impasses e desafios em um século de História do Brasil”. Revista Direito das Relações Sociais e Trabalhistas. Brasília: Centro Universitário do Distrito Federal. Volume II, Número 2, 2º semestre de 2016. DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2013. GIULANI, P.C. Os movimentos de trabalhadoras e a sociedade brasileira. In: História das Mulheres no Brasil. Mary Del Priori (org). São Paulo: Contexto, 2000. ITABORAHY, Lucas Paoli. Pessoas LGBT vivendo em pobreza no Rio de Janeiro. Brasília: OIT, 2015. OIT. Convenção 100: Igualdade de remuneração de homens e mulheres trabalhadores por trabalho de igual valor. Genebra, 1957. ___. Convenção 111: Discriminação em matéria de emprego e ocupação. Genebra, 1958. ___. A OIT no Brasil: trabalho decente para uma vida digna. OIT: Brasilia, 2012. ___. Mulheres no trabalho. Genebra: OIT, 2016. OIT, PNUD, UNAIDS. Promoção dos Direios Humanos de pessoas LGBT no Mundo do Trabalho. Brasilia: OIT, 2015. ONU. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. Nova York, 1979. ___. Human rights council panel on ending violence and discrimination against individuals based on their sexual orientation and gender identity. Summary of discussion. Geneva. 2012. ___. Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. Nova York: ONU, 2015.
103
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Clรกudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
104
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
OS ATLETAS DE E-SPORTS NO BRASIL E OS DIREITOS TRABALHISTAS THE ATHLETES OF E-SPORTS IN BRAZIL AND THE LABOR RIGHTS Gabriele Ferrari Machado Nascimento179 RESUMO: O Esporte Eletrônico é uma nova modalidade de esporte cada vez mais crescente tanto no mundo, assim como no Brasil, tendo como praticantes brasileiros mais de 11.4 milhões de pessoas. Porém, o ordenamento jurídico trabalhista brasileiro não oferta devida atenção à estes desportistas virtuais, que assim como os das demais modalidades preponderantemente físicas, também treinam, tem todo um desgaste físico e mental e também competem. Portanto, o presente artigo busca analisar quais direitos trabalhistas incidem nesse caso, quer seja: os da Lei Pelé, os dos teletrabalhadores ou seria necessário uma regulamentação específica tendo em vista a situação peculiar do E-Sports? Palavras-chave: Esportes Eletrônicos (E-Sports). Vínculo Empregatício. Direitos Trabalhistas. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 2.1. Estrutura do E-sports x esporte real; 2.2. Inclusão social; 2.3. Situação à luz do direito do trabalho; 2.3.1. Empregado e empregador; 2.3.2. Identificação do vínculo trabalhista; 2.3.3. Contrato de prestação de serviço; 2.3.4. Efeitos do contrato de emprego; 2.4. Resguardo dos direitos trabalhistas aos ciberatletas; 2.4.1. Teletrabalho; 2.4.2. Lei Pelé e CLT; 2.4.3. Direito de arena; 2.4.4. Direito de imagem; 3. Conclusão; 4. Referências. ABSTRACT: Electronic Sports is a new form of sport that is growing in the world as well as in Brazil, with more than 11.4 million people practicing in Brazil. However, the Brazilian labor legal system does not give due attention to these virtual sportsmen, who, like other predominantly physical modalities, also train, have a physical and mental exhaustion and also compete. Therefore, this article seeks to analyze which labor rights affect this case, whether: those of the Pelé Law, those of teleworkers or would it be necessary to have specific regulations in view of the peculiar situation of E-Sports? KEYWORDS: Electronic Sports (E-Sports). Employment Bond. Labor rights. SUMMARY: 1. Introduction; 2. Development; 2.1. E-sports x real sport; 2.2. Social inclusion; 2.3. Situation in the light of labor law; 2.3.1. Employee and employer; 2.3.2. Identification of the labor bond; 2.3.3. Provision of service contract; 2.3.4. Effects of the employment contract; 2.4. Protection of labor rights for cyberattacks; 2.4.1. Telework; 2.4.2. Lei Pelé and CLT; 2.4.3. Arena right; 2.4.4. Image rights; 3. Conclusion; 4. References. 1 . INTRODUÇÃO Inicialmente cumpre realizar uma análise contextualizada dos esportes preponderantemente eletrônicos, para que nos capítulos posteriores seja feito estudos pormenorizados do E-sports, bem como similitudes e suas diferenças entre eles e os esportes físicos. Inquestionavelmente o cenário desportivo do país é possível observar uma “hipervalorização” em um setor específico, fazendo com que o Brasil seja conhecido mundialmente por ser o “país do futebol”, já que aqui este esporte inegavelmente recebe uma maior atenção das pessoas, da mídia e até mesmo das escolas e dos clubes. Sendo assim, diante deste cenário, no Brasil o que se vê é o crescimento e o reconhecimento de um indivíduo através do futebol nacionalmente ou até mundialmente, gerando, assim, expectativas e sonhos nos demais. Á título de exemplo é possível que a partir do sucesso do 179
Graduanda do Curso de Direito pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV), com endereço eletrônico gabrieleferrari10@gmail.com.
105
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Neymar Junior, diversas famílias passaram a investir em um “futuro Neymar”. Porém, ao lado desta conjuntura também se perceber o crescimento de uma outra modalidade desportista no Brasil e até mesmo no mundo, denominada de E-Sports - Esportes eletrônicos. Tal modalidade desportiva se difere das demais em diversos pontos, dentre eles tem-se o caráter democrático em relação à inexistência de obstáculos por características físicas. O E-Sports sendo um esporte praticado utilizando um computador ou um videogame, assim, pouco importam as características físicas do jogador, vez que todos possuem as mesmas condições para jogar. Com isso, não tem como existir uma discriminação por peso, cor, sexo, entre outros, sendo que os players não conseguem te ver. Além disso, por se caracterizar um esporte com um esforço preponderantemente mental, o E-Sports não exige um porte atlético como no futebol – entretanto nada impede que o ciberatleta busque esse porte para melhorar seu condicionamento mental “in game” (dentro do jogo). Essa lógica de discriminação é clara quando se analisa os países que detém maiores premiações de Atletismo. Há vários estudos que comprovam que o gene dos kenianos é que detém melhor prática no atletismo. À título de exemplo examine uma criança que está acima do peso dentro de uma aula de educação física. Já é costumeiro das crianças escolherem esse menino por último no futebol. Com o surgimento dos jogos, esses meninos se viram bem mais aceito dentro da comunidade gamer, e com isso passa a criar seus sonhos dentro dessa realidade. Vale destacar também a disparidade de investimentos na área do futebol e nas demais, comprovando, assim, o tratamento diferenciado nas diferentes modalidades esportivas. E o Esporte em questão, E-Sports, sofre ainda mais com esse problema visto que seu surgimento é recente e o reconhecimento desse Esporte como tal não existe. Com isso, de forma didática, deve-se entender um Esporte como um gênero formado por duas grandes vertentes: atividade preponderantemente física, como o futebol, vôlei, handbol, natação, judô, entre outros; e atividade preponderantemente mental, como o xadrez, poker, tiro ao alvo e os jogos digitais. Fato é que inobstante existam essas duas vertentes, divididas através da atividade preponderante, o Esporte como atividade humana corresponde necessariamente a uma conduta que envolve ao mesmo tempo atividade física e mental, em que o ser humano objetiva um fim profissional ou recreativo, ou educacional e até mesmo sociocultural. Assim como o ser humano e suas relações Inter objetivas evoluem, na mesma medida o Esporte também evolui, e justamente nessa perspectiva que surge o E-Sports, para alguns o Esporte do século XXI, que atrai milhões de jovens espalhados pelo mundo, mas conectados pelos meios de informática e telemáticos, mesmo que distantes por continentes. Em contra partida, há uma semelhança entre todas as modalidades de Esporte – reconhecidas ou não. O indivíduo que opta pela carreira desportiva sofre de um intenso desgaste físico e mental. Em um contra ataque no futebol o jogador não precisa só de um bom condicionamento físico, mas, também, de uma visão de jogo clara e precisa. Um passe mal feito não é um erro físico, e sim mental. O tema em questão tem como pilar principal o E-Sports – será discutido e destrinchado mais a frente. Mas a título de explicação deve-se entender que essa modalidade é caracterizada pela “inversão dos desgastes”, não é o físico que tem mais peso. Um indivíduo que treina 14 horas por dia na frente de um computador, deve além de treinar rapidez e precisão, pensar em variadas estratégias para melhorar o aproveitamento de seu time. É mais que claro que o desgaste maior, neste caso, é o mental. Para surpresa de alguns, a atividade mental é muito mais penosa do que a atividade física, visto que uma lesão muscular, por exemplo, possui altas chances de retorno ao estado normal do indivíduo. Já a lesão psicológica é mais complicada. Recentemente o jogador Nilmardo Santos Futebol Clube foi afastado por tempo indeterminado por conta do diagnóstico de depressão. 106
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Na lesão mental, a recuperação é duradoura, com tratamentos prolongados, e, em alguns casos, a cura é difícil alcance. Além disso, no caso do Nilmar, é visível o prejuízo na atividade física do jogador, uma vez que ele teve sua atividade no futebol interrompida. É possível observar, portanto, que em qualquer atividade desportiva, a atividade mental é imprescindível. Diante disso, é necessário compreender que ambos os desgastes são relevantes, e possíveis soluções jurídicas sejam pensadas com base em um tratamento paritário entre as modalidades esportivas. No caso do E-Sports, tem-se que seu histórico advém da ideia de que o vídeo game desde o final do século XX já movimentava multidões para campeonatos de “Pac-Man”, “Quake”, entre outros. Entretanto, considera-se que não houve um crescimento explosivo dessa modalidade visto que a preferência de transmissão era dos Esportes tradicionais como, principalmente, o Futebol. Já no século XXI surgiu a era digital, e, com isso, o E-Sports (Esportes Eletrônicos) cresceu de forma intensa e mundial. Foi por meio de canais como o “youtube” e a “twitch” – com suas “streams” (transmissões ao vivo), que o acesso e a possibilidade de visualização desses jogos e campeonatos se tornaram mais amplas. O número de espectadores que passaram a assistir aos campeonatos ou os jogos de seus ídolos, via streaming, aumentou drasticamente. As streams mudaram os hábitos dos jogadores, que passaram a acompanhar os jogos profissionais além de jogar. Em meio a esse cenário, o nível de investimentos aumentou muito e as competições passaram a ter premiações cada vez mais altas.180
Acresça-se a isso, a influência do E-Sports na economia mundial, uma vez que, crescentemente, surgem investimentos nessa área por meio de patrocínios, super contratações dos times, valores das premiações, entre outros. Essa ideia é bem vista no ranking de faturamento dos times de esporte eletrônico, o qual o que mais faturou até hoje foi o “Evil Geniuses” com $15,722,328,11.181 A necessidade de que o direito acompanhe o desenvolvimento do E-Sports se da, por parte, do reconhecimento desse Esporte como uma futura base da economia mundial – como observado acima. Ademais, o Estado deve observar que o E-Sports gera um turismo absurdo, já que fãs do Brasil e até do mundo todo viriam ao Brasil só para acompanhar seu time de coração. E não só com campeonatos, observe os eventos de games nacionais, como a Brasil Game Show (BGS) e a ComicCon (CCXP) que ocorrem todo ano em São Paulo e gera um turismo muito grande. Além disso, essa movimentação econômica já foi observada por diversos países, que, buscando incentivá-la, já regulamentaram de forma implícita (direitos trabalhistas só no contrato) ou expressa (existência de uma regulamentação específica) o E-Sports. É possível observar, nos contratos de «ciberatletas” do EUA que, mesmo não existindo carteira assinada lá, há um resguardo de seus direitos trabalhistas no próprio contrato, podendo, assim, usufruí-los de forma ampla. Por outro lado, aqui no Brasil não há nem uma regulamentação implícita ou expressa ou qualquer medida jurídica. Além disso, o Brasil não se mostra interessado em investir nessa área, muito pelo contrário, mostra-se repulso a esses jogos, e, consequentemente, ao E-Sports. Essa posição é bem vista na ação do Ministério Público de buscar a proibição da circulação, venda e afins de alguns jogos alegando que eles: (...) atentam contra os princípios diretivos da educação de crianças e adolescente, vindo mesmo a causar-lhes danos à saúde física e mental, sendo fatores de propulsão à violência e deturpadores da formação psicológica e da personalidade de crianças e adolescentes.182 180
A História do E-Sports Mundial. Academia Hawkon. Disponível em: <http://www.hawkongaming.com.br/ sin gle-post/2015/10/06/A-Hist%C3%B3ria-do-eSports-Mundial>. Acessoem: 2 de Abril de 2017. 181 Highest Overall Team Earnings.E-Sports Earnings.Disponível em: <http://www.esportsearnings.com/ teams>. Acesso em: 19 mai. 2017. 182 Leia a decisão que proibiu venda de jogos eletrônicos violentos. Revista Consultor Jurídico, 28 jan. 2008. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-jan-28/leia_decisao_proibiu_venda_jogos_violentos>. Acesso em: 2 abr. 2017.
107
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Entretanto, é perceptível que o problema tratado merece a atenção das autoridades brasileiras, uma vez que os efeitos da falta de resguardo de direitos básicos aos “ciberatletas” são vistos hoje (não tem 13° salário, férias remuneradas, entre outros) e serão observados futuramente (não terão acesso ao FGTS, aposentadoria, etc). Diante de tudo exposto, conclui-se que o E-Sports é um termo utilizado para caracterizar todo universo competitivo dos jogos eletrônicos, o qual é constituído por competições com premiações grandes, “ciberatletas” especializados em jogos específicos, empresas mundiais, investimentos, patrocínios, salários, entre outras coisas. Os jogos digitais deixaram de ser uma simples brincadeira para se tornar um dos principais ramos da economia mundial. E diante do grande avanço dessa modalidade esportiva, é necessário que o Direito esteja presente para que nenhum indivíduo tenha seus direitos desrespeitados. Desse modo, é preciso analisar de que forma o direito irá se manifestar, quer seja utilizando: a Lei Pelé? Igualando os ciberatletas aos teletrabalhadores? Ou criar uma regulamentação específica tendo em vista a situação peculiar do Esporte Eletrônico. 2. DESENVOLVIMENTO 2.1 ESTRUTURA DO E-SPORTS X ESPORTE REAL Da mesma forma que existem os Centros de Treinamento no Futebol para que os jogadores façam tudo lá, no E-Sports é a mesma coisa. Aqui no Brasil os maiores campeonatos presenciais ocorrem em São Paulo, portanto a Game House (GH) do time, majoritariamente, é um apartamento alugado em SP. É neste apartamento que o time irá treinar, dormir, comer, etc. É importante explanar como o time é dividido para a compreensão da organização da GH, portanto imagine o seguinte exemplo: existe um time no Brasil que se chama “Vermelho”, este time atua em diversas modalidades de jogos (tiro, rpg, etc.), tendo, assim, um time para cada jogo. Para cada time que o vermelho tiver, existirá uma Game House, e, assim, esses times terão um local bancado pelo “Vermelho”. Vale destacar que só os times mais bem sucedidos conseguem ter a Game House. Sendo assim, sempre que o time puder ele terá pois a integração e convivência dos players do time é fundamental. O grande problema da Game House é que a moradia coletiva é proibida por lei no nosso sistema jurídico. Entretanto, é defendido na seguinte pesquisa que a GH não deve acabar pois ela detém uma importância absurda nos resultados dos jogos. Outra questão que deve ser observado diante dessa interpretação analógica é a distribuição do dinheiro. Quando o time participa de um campeonato e recebe uma determinada premiação deve existir uma distribuição justa dessa quantia, de modo a tudo não se concentrar nas mãos do “Vermelho” - pois o que deve ser levado em conta é que a única forma de ter alcançado a vitória foi por meio da atuação dos ciberatletas desse time. 2.2 INCLUSÃO SOCIAL O E-Sports reflete uma realidade similar ao do Futebol, já que o sonho de se tornar um jogador profissional é o mesmo de ser um ciberatleta. Com a era digital, cada vez mais é possível encontrar futuros “youtubers”, “narradores de campeonatos virtuais”, “coach’s” (analistas de times profissionais), “ciberatletas”, entre outros. O grande problema nas duas áreas é a probabilidade de êxito, uma vez que não são todos que conseguem alcançar o sucesso. Portanto, além do E-Sports ser uma causa de inclusão social muito forte, é, também, uma de exclusão social. Nesse sentido, o ciberatleta vitorioso dentro do E-Sport representa um universo paralelo pois não são todos que se dão bem. E quando isto ocorre, o indivíduo já está com uma idade que 108
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
se torna mais difícil terminar seu estudo básico ou superior - no caso do E-Sports é mais comum o abandono da Faculdade para seguir carreira, pois os pais não creem no sucesso dentro de um “joguinho de internet”, obrigando seus filhos a estudarem. 2.3 SITUAÇÃO À LUZ DO DIREITO DO TRABALHO Essa pesquisa terá um foco específico na análise dos direitos trabalhistas que devem ser direcionados aos praticantes do E-Sports. Por isso é necessário que se compreenda, inicialmente, quem seriam o empregado e o empregador para que seja mais fácil o entendimento do direcionamento das normas trabalhistas. 2.3.1 EMPREGADO E EMPREGADOR O empregado, segundo Maurício Godinho, é aquele que presta um serviço “com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação.”183 (Grifo nosso). Logo, o empregado, de forma simples, é aquele que presta serviço a uma empresa respeitando aqueles elementos acima grifados – que serão explanados mais a frente. Vale destacar o empregador, por sua vez, não é a empresa, e sim a pessoa física, jurídica ou o ente despersonificado. Por outro lado, a percepção da prestação de serviço feita por um sujeito, cumprindo os elementos fático-jurídicos (pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação), representa a forma de caracterização do empregado, atraindo para si a incidência de todo o arcabouço normativo trabalhista brasileiro. Visto que, observado esses cinco elementos, basta buscar o “sujeito jurídico que tomou os serviços empregatícios”184 – no caso o empregador, daí porque para muitos da doutrina brasileira o Direito do Trabalho também pode ser denominado de Direito Realidade. 2.3.2 IDENTIFICAÇÃO DO VÍNCULO TRABALHISTA A partir disso é possível destrinchar o art. 2°, 3° e 4° da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Art. 4º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.185
Observando esses dispositivos, a doutrina conclui que para existir o vínculo empregatício devem-se verificar os cinco elementos fático-jurídicos. São eles o trabalho realizado por pessoa física, com pessoalidade, sem caráter eventual e oneroso e com uma subordinação. Primeiro, o empregado deve ser sempre uma pessoa natural, uma vez que os bens jurídicos que o direito tutela tem relevância para ele. O elemento da pessoalidade, por sua vez, se refere a prestação de trabalho ser infungível, ou seja, o empregador não pode substituir um trabalhador por outro ao longo da efetivação dos serviços acordados. Por outro lado, o elemento da não eventualidade se refere ao trabalho ter “caráter de permanência (ainda que por um curto período determinado) (...).”186 183
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15. Ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 443. Ibid. p. 445. 185 BRASIL. Decreto-lei n.° 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452. htm>. Acesso em: 2 abr. 2017. 186 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15. Ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 303. 184
109
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Outro elemento é o do trabalho com caráter oneroso, e este é essencial visto que todo trabalho é passível de mensuração econômica, ou seja, o trabalhador tem o direito a um salário – que seja no mínimo o salário básico do brasileiro. Para analisar a existência desse elemento na situação dos “ciberatletas”, deve-se observar dimensão subjetiva da onerosidade, a qual é vista como o pagamento feito pelo empregador por meio de parcelas diárias, semanais, quinzenais ou mensais. Por fim, tem-se a subordinação - na CLT esta como “dependência”(Art. 3°, caput). Esse elemento é entendido como a: situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado comprometese a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviço.187
Ou seja, ao empregador é transferido o poder de dirigir as atividades do empregado. Vale destacar que a subordinação possui natureza jurídica, desta maneira ela advém de contrato estabelecido entre empregado e empregador. Estes devem, no caso do primeiro, estabelecer a forma como a prestação de trabalho será feira, e no do segundo, escolher o direcionamento objetivo do prestador de serviço. Diante disso, é possível perceber no caso dos profissionais do E-Sports que o trabalho é exercido por uma pessoa natural, há o caráter da pessoalidade, uma vez que as empresas contratam esses indivíduos por conta da sua habilidade com um jogo específico. Além disso, o trabalho não é eventual, pois existe uma permanência da contratação do “ciberatleta”. A onerosidade já foi verificada. E, por fim, existe uma subordinação visto que há uma empresa que dirigi as atividades do jogador. Portanto, inexiste qualquer óbice legal para que um ciberatleta seja considerado como empregado, pelo contrário, o que se percebe é estando preenchidos os cinco elementos fáticojurídicos estar-se-á diante de um empregado. 2.3.3 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO Os “ciberatletas”, majoritariamente, firmam um contrato de prestação de serviço com seu time – que é uma empresa formalmente constituída. Este contrato é caracterizado por: uma (ou mais) pessoa(s) compromete(m)-se a realizar ou mandar realizar uma ou mais tarefas para outrem, sob a imediata direção do próprio prestador e mediante uma retribuição material especificada.188
Segundo DELGADO quando o profissional que firma esse contrato é aquele que possui um conhecimento específico sobre algo, é possível observar de forma mais clara a pessoalidade. Caso a infungibilidade da pessoa natural do prestador seja característica àquele contrato específico firmado, ele posicionar-se-á mais proximamente à figura da relação de emprego.189
Portanto, observado a impossibilidade de trocar o contratante porque ele exerce um trabalho único, exclusivo, é mais fácil enxergar o elemento fático-jurídico da pessoalidade, como bem visto nesse caso dos “ciberatletas”. À título de exemplo, observe que na figura do Neymar Junior tal fato acima exposto fica mais visível, uma vez que ninguém mais detém as habilidades que ele tem. Isso não é diferente no E-Sports: em 2016 em uma premiação só dessa modalidade premiou como melhor jogador de E-Sports do Mundo um brasileiro – Marcelo David, conhecido no game como “Coldzera”. 187
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15. Ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 331. Ibid. p. 659. 189 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15. Ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 659. 188
110
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Esse jogador não pode ser substituído por qualquer um, uma vez que é mais que claro que só o Marcelo detém uma experiência, habilidade, lógica, etc, que o coldzera possui. 2.3.4 EFEITOS DO CONTRATO DE EMPREGO É importante destacar os efeitos do contrato de emprego às partes. No caso do Esporte Eletrônico devem-se observar principalmente as obrigações do empregador, tendo em vista que, na prática, o contrato dos ciberatletas parece um conjunto de obrigações para os desportistas, e, do outro lado, a obrigação de pagar um salário. Ao empregador incide duas principais obrigações, sendo elas: o cumprimento da obrigação de dar (pagamento do salário, FGTS, férias remuneradas, entre outros); e de fazer (assinar a carteira assinada, do CTPS, entre outros). Na prática, o empregador só cumpre com a obrigação de pagar um salário, e que, em algumas situações chega a ser menos de um salário mínimo. 2.4 RESGUARDO DOS DIREITOS TRABALHISTAS AOS CIBERATLETAS 2.4.1 TELETRABALHO Ao contrapor o Esporte Eletrônico com o Teletrabalho é possível ter algumas dúvidas no caso da equiparação de tais situações, uma vez que ambos os trabalhos são feitos por meios telemáticos e fora da ideia de uma empresa.Para Claudio Jannotti da Rocha e Mirella Karen de Carvalho Bifano Muniz: O teletrabalho pode ser considerado como a prestação de serviços a qualquer título, desde que seja a distância, ou externado, com a utilização dos instrumentos de informática ou telemática, em favor de outrem.190
Muitos confundem o teletrabalho com o trabalho a domicílio, entretanto ambos representam espécies do gênero: trabalho a distância. No teletrabalho o empregado fica on-line com seus clientes e demais funcionários da empresa, e, além disso, esse tipo de modalidade de trabalho é executado em qualquer lugar que não seja no estabelecimento do empregador. O E-Sports, em tese, se aproxima dessa modalidade, visto que sua configuração se da pela existência de meios telemáticos. Ademais, é executado, na maior parte do tempo, em uma “Game House” que fica longe do estabelecimento do empregador, pela qual o ciberatleta permanece online em todo seu tempo de trabalho. Outra semelhança é a segurança e saúde dos dois profissionais. Observe que ambos trabalham por meio eletrônicos, e isso, a longo prazo, gera uma maior probabilidade de desenvolvimento da Lesão por Esforço Repetitivo (LER), de problemas na coluna e na visão. Isso ocorre na prática, uma vez que o ambiente de trabalho de ambos não é fiscalizado pelo empregador. Vale destacar que as empresas com mais teletrabalhadores são, também, empresas envolvidas no mundo do E-Sports, seja patrocinando uma competição ou até um time. Como por exemplo, a Intel e a IBM. A semelhança do teletrabalho com o E-Sports, portanto, é visível, entretanto é necessário esclarecer o porquê de existir uma diferença fundamental. Ao conversar com profissionais e envolvidos da área, é possível perceber que o interesse dessa comunidade é ser reconhecida como atletas profissionais de E-Sports, e não como teletrabalhadores. O E-Sports detém características específicas que o difere do teletrabalho. Enquanto neste há um isolamento físico do trabalhador diante dos demais empregados da empresa, no Esporte Eletrônico, em regra, há uma Game House na qual todos os atletas do time moram. 190
ROCHA, C.; MUNIZ, M. O Teletrabalho à luz do artigo 6° da CLT: o acompanhamento do direito do trabalho às mudanças do mundo pós-moderno. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 57, n. 87/88, p. 102, jan./dez. 2013.
111
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Outra diferença se refere a execução desse trabalho, visto que, enquanto o Teletrabalho pode ser executado em qualquer lugar, desde que seja longe da sede da empresa. O E-Sports pode ser executado na sede da empresa, à título de exemplo: a “SK Gaming” é um time/ organização (empresa) é alemã. A Game House deles se encontra na Califórnia, e ao disputar um campeonato na Alemanha, o time de brasileiros passou a treinar na sede da empresa. Por fim uma última diferença clara é sobre o fornecimento dos mecanismos de trabalho. No caso do teletrabalho, é o empregador que disponibiliza isso. Já no E-Sports, o empregador fornece a Game House, mas os computadores, na maior parte das vezes, são fornecidos pelas empresas que patrocinam o time. 2.4.2 LEI PELÉ E CLT Os jogadores profissionais contam com duas leis que se aplicam simultaneamente ao seu caso, sendo elas a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Lei 9.615/98 (Lei Pelé). Esta contém particularidades em contraposição aso direitos de um trabalhador normal. Ao observar a existência do vínculo empregatício conforme art. 3° da CLT, além das regras existentes na Lei Pelé, tem-se que estes dispositivos incidirão sobre o caso em questão. Conforme art. 34, I da Lei Pelé, é necessário que a relação entre o jogador profissional e o clube desportivo seja feita por meio de um contrato formal. Mas, ainda que não haja essa formalidade, e presente os requisitos do item “2.3.2” – que expõe a existência da relação trabalhista no caso dos ciberatletas tem-se que o atleta profissional em análise é considerado empregado do clube, organização, ou semelhantes. O trabalho do jogador profissional seja ele de futebol, vôlei, jogos eletrônicos, entre outros, é constituído por direitos intrínsecos a sua prática esportiva. Como o direito a imagem, direito de arena, salários, cláusula rescisória, etc. 2.4.3 DIREITO DE ARENA O direito de arena se encontra no art. 42 da Lei Pelé, sobre seu histórico e importância dispõe e Alice Barros que: O desportista profissional é o ator do espetáculo desportista e sua imagem é essencial e inevitável. Surge a função dessa atuação o direito do desportista participar do preço, da autorização, da fixação, transmissão ou retransmissão do espetáculo esportivo público com entrada paga, ao qual se denomina direito de arena. (...) O direito de arena é reconhecido pela doutrina como um “direito conexo”, “vizinho” dos direitos autorais e também ligado ao direito à imagem do atleta. Ele é garantido aos desportistas e lhes assegura uma ‘regalia pelas transmissões radiofônicas e/ou televisivas de suas destrezas pessoais, que não são meras informações periódicas.191
Com isso, esse direito abarca a seguinte lógica: o time, ao ter sua partida transmitida ganha um valor sobre a venda de ingressos, patrocínios, etc. O atleta detém o direito de arena para receber um determinado valor pelos jogos que ele atua, tanto como titular quanto reserva. O ciberatleta, por sua vez detém situação idêntica, porém não há esse repasse financeiro. O profissional de E-Sports é uma figura pública que cede sua imagem para os grandes campeonatos, e expõe, assim, a sua vida privada de forma pública. Portanto deveria incidir sobre eles esse direito. Deve ser levada em conta a influência que cada jogador possui dentro do cenário, visto que cada um jogador arrasta seus fãs para tais disputas – como os fãs do Neymar que vão para seus jogos só por causa dele. 191
BARROS, Alice Monteiro de. As relações de trabalho no espetáculo. São Paulo: LTr, 2003.
112
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Por fim, deve-se entender a natureza jurídica trabalhista do direito de arena, uma vez que sua natureza remuneratória recai apenas sobre o 1/3 constitucional, férias e 13° salário. No Recurso de Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Emmanoel Pereira expõe que: não corresponde a uma parcela paga diretamente pelo empregador, aproximando-se do sistema das gorjetas. Portanto, em face de sua similaridade com as gorjetas, aplica-se, por analogia, o artigo 457 da CLT e a Súmula nº 354 do TST, o que exclui os reflexos no cálculo do aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal e autoriza repercussão em gratificação natalina, férias com o terço constitucional e FGTS. (...).192
Em vista disso, é indispensável reconhecer a necessidade do resguardo desse direito no caso dos profissionais de E-Sports, já que sua situação é idêntica a de um profissional desportista comum. 2.4.4 DIREITO DE IMAGEM Por outro lado, o direito de imagem possui natureza jurídica civil com finalidades comerciais. É um dos direitos a personalidade e tem caráter extra patrimonial, personalíssimo, já que visa proteger o profissional de uma possível violação a vida privada e a individualidade com publicações que utilizem sua imagem sem autorização, por exemplo. O direito de imagem encontra previsão constitucional no art. XXVIII, “a” na CF. Sobre isso Fabio Menezes de Sá Filho, Os dispositivos constitucionais visam dar segurança, impondo, restrições à propagação da imagem do atleta por parte dos clubes, dos patrocinadores ou quem quer que seja, não importando se é por meio da venda de produtos contendo a imagem do empregado, ou ainda, divulgando-a em sites ou por meio de outros meios de divulgação, cuja propriedade é do próprio jogador.193
Além disso, para Fabio Menezes há uma diferença no tocante ao direito de imagem de figuras públicas e de um cidadão comum. Para ele, (...) as pessoas que vivem da sua imagem e consequentemente estão, por decorrência da sua própria profissão, colocadas a um nível de exposição pública que não é próprio das pessoas comuns.194
Sendo esse o motivo da amplitude de exigência ao respeito ao direito de imagem de um ciberatleta, por exemplo, comparado a um indivíduo comum – não significa que este não possa buscar o respeito do seu direito de imagem. O atleta profissional de E-Sports é totalmente comprometido com a publicidade. Os times profissionais vivem de patrocínios com marcas de fones, teclados, mouses, peças de computadores, energéticos e até mesmo de empresas de tecnologias de pagamento – Visa, por exemplo. Além das altas premiações que cada time conquista por mérito. Ocorre que, os jogadores de um time devem prestar “auxilio” as empresas que patrocinam seu time, utilizando os produtos, divulgando as marcas em suas redes sociais, etc. O que se espera dessa situação é confecção e um contato acessório de licença de imagem para que o ciberatleta ganhe em cima de cada patrocínio, já que é ele que faz a propaganda. Vale destacar que esse contrato é negociado entre o atleta ou a empresa que o detém e o time ou empresa. 192
RR - 2960-19.2012.5.02.0036 , Relator Ministro: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 11/2/2015, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/2/2015. 193 FILHO, Fabio Mendes de Sá.Contrato de trabalho desportivo- revolução conceitual de atleta profissional de Futebol. São Paulo; LTr, 2010. 194 Ibid.
113
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
2.5 SITUAÇÃO À LUZ DO DIREITO CONSTITUCIONAL Na Constituição Federal é possível notar a importância que os direitos trabalhistas possuem em âmbito Constitucional, vez que constituem humanos e fundamentais, correspondendo inclusive a cláusulas pétreas. Além disso,ambas as matérias guardam relações, já que nosso ordenamento jurídico foi criado pensando no todo e não na confecção de normas por si só - os direitos fundamentais são interdependentes. Para o estudo em questão serão destaque os seguintes dispositivos, visto que esses não são resguardados as ciberatletas. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XXIV - aposentadoria; XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; (grifo nosso).195
Para Ingo Wolfgang Sarlet esses direitos do trabalhador e sobre o trabalho se desintegram em: um leque de normas atributivas de direitos, liberdades e garantias do trabalhador, bem como por meio de um conjunto de princípios e regras de cunho organizacional e procedimental, como éo caso do direito a um salário mínimo, da garantia de determinada duração da jornada, proibições de discriminação, liberdade sindical e direito de greve, que, no seu conjunto, asseguram um direito ao trabalho em condições dignas.196
Além disso, no plano internacional a Declaração Universal dos Direitos Humanos reforça a remuneração igualitária, o “repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas”. Portanto, dispõe Ingo Wolfgang Sarlet que “Na Declaração Universal há, por certo, nítida preocupação com a proteção do trabalhador em face de práticas abusivas e degradantes.”197 Na prática, aos ciberatletas não é resguardado o inciso XIII do art. 7° visto que esse profissional treina boa parte do seu dia, não há uma quantidade exata, pois para cada time há um regimento interno feito entre a empresa e os players. Mas considerando que sejam 8 horas, o profissional de E-Sports, além desse tempo prestado ao seu time, deve prestar horários com os patrocinadores do time, e até, caso ele tenha uma influência grande dentro do cenário de seu jogo, com seus próprios patrocinadores. Exemplo: Fulano joga no time chamado Azul, este é patrocinado pelas empresa “X” e “Y”. Além do Fulano ter que prestar obrigações com os patrocinadores de seu time, nada impede que ele seja patrocinado pela empresa “A”. Além disso, um player é uma figura pública, portanto deve ter uma atenção com seus fãs, seja respondendo, fazendo vídeos para o “youtube” ou até “lives” (transmissões ao vivo). Portanto é visível que o mundo do seu trabalho ultrapassa 8 horas. 195
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei n. 5.442, de 01.mai.1943. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452compilado.htm. Acesso em: 07.julho. 2011. 196 SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 659. 197 Ibid. p. 657.
114
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Os incisos XXIV e XXVIII também são inobservados quando se recorda do que foi tratado na introdução uma vez que o E-Sports é marcado pelo desgaste mental, e este pode gerar diversas síndromes, depressão, angústia, entre outras variações mentais. Para, além disso, existe o LER (Lesão por Esforço Repetitivo), o qual acomete diversos grupos, e dentre eles há os digitadores. Um ciberatleta que fica em uma média de 8 horas treinando na frente de um computador tem uma alta chance de adquirir o LER. Em entrevista com o André Meligeni Santos – locutor esportivo pela ESL e pela Ubisoft Brasil, é possível observar tal questão. No nosso caso do E-Sports é raro você vê isso, por exemplo uma organização de E-Sports contratar um jogador e assinar a carteira dele, porque isso implicaria em uma série de coisas: horário fixo de trabalho, que hoje em dia na maioria dos times não existe isso ou uma lei que defenda o jogador de Esporte Eletrônico para isso. Vamos dizer que uma organização de E-Sports ela contrate um jogador para trabalhar durante 8 horas por dia e ele tem que ter no mínimo 12 horas de descanso diário de uma jornada de trabalho pra outra, e isso é o que diz na CLT também. Isso não existe no E-Sports, as organizações que pagam salário, elas não dão horas extras para os jogadores caso eles fiquem mais do que o horário acordado. Não existe horário acordado propriamente dito no contrato, mas deveria ter, deveria ser justo se manter de 8 a 10 horas de trabalho diários, que seriam treinamentos do jogador para um campeonato, tudo mais, e pos isso seria considerado como hora extra, mas isso ainda não existe no E-Sports ou pelo menos, não que seja divulgado. Talvez alguma organização possa estar fazendo isso agora, mas você não tem informação disso abertamente na internet ou em outros meios de comunicação de E-Sports. Mas eu acho que isso deveria ser uma coisa importante para o nosso cenário para também causar um efeito de confiança para quem esta indo para as organizações se tornar um profissional de E-Sports, que é “o famoso qualidade de vida”, todo mundo tem q ter qualidade de vida na hora de trabalhar.198
É possível comprovar, a partir de seu posicionamento que o E-Sports detém muitas peculiaridades e muitas vezes, a tentativa de preencher as lacunas que existem no direito sobre essa nova modalidade esportiva é uma tentativa em vão. No caso do Meligeni, ele ainda explicou como funciona sua realidade, dizendo que foi necessário criar uma Pessoa Jurídica para que fosse possível receber seu salário, e que por não existir direitos trabalhistas em seu ramo, o cupom emitido foi sempre com um valor acima do normal, para que fosse compensada a ausência dos direitos trabalhistas. Dessa maneira, é inaceitável que a realidade dos profissionais do E-Sports não seja levada em conta, pensando no seu bem estar no presente e no futuro - com uma aposentadoria digna. Então cadê o Ministério Público do Trabalho para fiscalizar tal realidade e cobrar das autoridades uma resposta? 3. CONCLUSÃO Diante de todo o estudado e analisado, tem-se as seguintes considerações acerca do E-Sports são as seguintes: trata-se de uma nova modalidade de esportes que atualmente atinge um enorme contingente de adeptos, tanto no Brasil como no mundo inteiro, caracterizada principalmente pela uma maior incidência de esforço mental do que físico, e devido a esta particularidade torna-se um esporte ainda mais democrático, vez que ele pouco depende das características físicas do praticante e sim do seu esforço psicológico. Destaca-se ainda que o E-Sports diante de toda sua particularidade, possui todos os elementos fáticos-jurídicos de uma relação empregatícia, então corolário lógico que ele o praticante deve ser considerado como empregador, porém não pode ser considerado nem como um atleta de esporte preponderantemente físico e nem como um teletrabalho, principalmente por ele, via de regra, não se desenvolve na residência do praticante, e sim em um local fornecido pelo empregador ou na competição em um lugar acessível a todos os demais competidores. Portanto, afastadas estão a incidência da Lei Pelé e da CLT para os praticantes do E-Sports. 198
SANTOS, André M. Em entrevista direta aos autores. Feita em: 30 jan. 2018.
115
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Sendo assim, tem-se o propósito no presente artigo de demonstrar a necessidade de uma legislação específica para os atletas do E-Sports, sendo que esta deve regulamentar a prática deste esporte na medida de suas particularidades e especificidades, já que sendo esta prática um labor humano encontra-se inserida dentro do Direito do Trabalho e tão logo também deve ser caracterizada pelo princípio da proteção. REFERÊNCIAS BARROS, Alice Monteiro de. As relações de trabalho no espetáculo. São Paulo: LTr, 2003. BRASIL. Decreto-lei n.° 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/ Del5452.htm>. Acesso em: 2 abr. 2017. BRASIL. TST. Recurso de Revista (RR):2960-19.2012.5.02.0036. Relator Ministro: Emmanoel Pereira. Data de Julgamento: 11/2/2015. 5ª Turma. Data de Publicação: DEJT 20/2/2015. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15. Ed. São Paulo: LTr, 2017. FILHO, Fabio Mendes de Sá. Contrato de trabalho desportivo- revolução conceitual de atleta profissional de Futebol. São Paulo; LTr, 2010. Leia a decisão que proibiu venda de jogos eletrônicos violentos. Revista Consultor Jurídico, 28 jan. 2008. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-jan-28/leia_decisao_proibiu_venda_jogos_violentos>. Acesso em: 2 abr. 2017. ROCHA, C.; MUNIZ, M. O Teletrabalho à luz do artigo 6° da CLT: o acompanhamento do direito do trabalho às mudanças do mundo pós-moderno. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 57, n. 87/88, p. 101-115, jan./dez. 2013. SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
116
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
TRABALHO INTERMITENTE: A Incorporação do Contrato Zero Hora e Os Desafios para o Trabalho Digno no Brasil. INTERMITTENT WORK: The Incorporation of the Zero-Hour Contract and the Challenges for Decent Work in Brazil. Cristiane Rosa Pitombo199 Francisco Matheus Alves Melo200 RESUMO: O presente estudo tem como objeto o trabalho intermitente, como uma das novas figuras de labor trazidas pela reforma trabalhista. Trata-se da incorporação do instituto europeu do contrato de zero horas, criado no Reino Unido em 1996. No caso brasileiro, os arts. 443 e 452-A da CLT definem o intermitente como a prestação de serviços descontínuos, alternando períodos de prestação de serviços e de inatividade. Não há direito à jornada mínima, nem à remuneração pelo tempo à disposição. Neste sentido, o objetivo dessa pesquisa é, em um primeiro momento, realizar o estudo de direito comparado com os contratos de zero hora em outros ordenamentos jurídicos, tendo em vista que o trabalho intermitente é uma novidade para o ordenamento pátrio. Posteriormente, analisar-se-á a legislação nacional com base nos princípios constitucionais e próprios do Direito do Trabalho. Assim, este trabalho científico adotará o método dedutivo, através de pesquisa bibliográfica e legislativa comparativa entre o âmbito nacional e o internacional, buscando demonstrar o caráter precarizante desta nova modalidade de trabalho, que conflita com o princípio da dignidade da pessoa humana, com os princípios da valorização do trabalho e da existência digna, com os ditames da justiça social e com a vedação da mercantilização do trabalho humano, não proporcionando condições dignas de trabalho para esses trabalhadores. PALAVRAS-CHAVE: Trabalho intermitente. Precarização. Trabalho digno. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Estudo comparado do trabalho intermitente; 2.1. Reino unido; 2.2. Itália; 2.3. Portugal; 2.4. Espanha; 3. A regulamentação do trabalho intermitente pela legislação brasileira.; 3.1. Conceito de trabalho intermitente; 3.2. Disposições legais sobre o trabalho intermitente; 3.3. Análise e crítica sobre o trabalho intermitente no Brasil; 4. Conclusões; 5. Referências bibliográficas. ABSTRACT: The present study aims the intermittent form of work, as one of the new labor figures brought by the Brazilian labor reform. This is the incorporation of the European zero-hour contract institute, already established in the United Kingdom since 1996. In the case of Brazil, arts. 443 and 452-A of the CLT define the intermittent as the provision of discontinuous services, alternating periods of labor and inactivity. There is no guarantee of a minimum journey, nor the remuneration for the time available. Therefore, the objective of this research, at first, is to carry out the study of law compared to zero-hour contracts in other legal systems, since intermittent work is a novelty for the Brazilian’s jurisdictional order. Later on, this research will approach the national law in comparison with constitutional and labor law principles. Thus, this scientific work will adopt the deductive method, through comparative bibliographical and legislative research between the national and the international scope, seeking to demonstrate the precariousness of the intermittent work – which conflicts with the human dignity principle, with labor appreciation and dignifying existence principles, with the dictates of social justice and merchant sealing of human labor –, not being able, then, to proportionate dignifying conditions of labor to these workers. 199
Mestranda do Curso de Direito das Relações Sociais e Trabalhistas do Centro Universitário UDF- Brasília – DF. Especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade Processus-DF. Especialista em Direito, Estado e Constituição pela Faculdades Integrada da União Educacional do Planalto Central. Analista Judiciária do Tribunal Superior do Trabalho. e-mail: cristianepitombo@yahoo.com.br. 200 Mestrando em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Faculdade Entre Rios do Piauí (FAERPI). Graduado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Advogado. Email: matheus.melo.mestrado@gmail.com.
117
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
KEYWORDS: Intermittent work. Precariousness. Decent work. 1. INTRODUÇÃO Incialmente, destaca-se que o presente artigo tem como escopo fazer uma análise o trabalho intermitente, como uma das novas figuras de labor trazidas pela reforma trabalhista, nos artigos 443, 452-A ao 452-H da CLT. A nova modalidade de contrato de trabalho, é importada do Reino Unido, sendo uma incorporação do instituto europeu do contrato de zero horas. Diante de seu caráter precarizante, demonstrado por pesquisas em diversos que adotaram o modelo de contrato em questão, o trabalho intermitente tenta desnaturar conceitos basilares do Direito do Trabalho, como a continuidade como requisito do contrato de trabalho, a noção de jornada e de remuneração, consectários de um contrato de trabalho. A reforma trabalhista emplacar no Direito Trabalhista Brasileiro o trabalho intermitente, com o intuito de sonegar direitos trabalhistas e submeter os trabalhadores a situação de vulnerabilidade diante do empregador. Tudo isso, foi resultado da força do capital, com o objetivo de expandir a margem de lucro por meio da exploração do trabalho humano, que pressionou o Poder Legislativo para aprovar a Lei n. 13.467, de 2017. Nesse contexto, o presente estudo demonstrará que o contrato de trabalho intermitente trará sérios prejuízos aos trabalhadores. Para tanto, objetiva-se, num primeiro momento, tendo em vista que o trabalho intermitente é uma novidade para o ordenamento pátrio, almeja-se realizar o estudo de direito comparado com os contratos de zero hora em outros ordenamentos jurídicos. Em seguida, analisaremos a regulamentação da legislação brasileira em relação ao trabalho intermitente, cotejando-a com alguns princípios constitucionais e princípios do Direito do Trabalho, que norteiam as relações trabalhistas, demonstrando a sua compatibilidade ou não na ordem jurídica brasileira. 2. ESTUDO COMPARADO DO TRABALHO INTERMITENTE O trabalho intermitente adotado no Brasil com a reforma trabalhista (Lei n. 13.467/17), embora seja uma novidade para o nosso ordenamento jurídico, já é uma prática recorrente em diversos outros países. Ele é mais conhecido como lavoro intermittente, na Itália, e como zero hour contract no Reino Unido, inclusive onde surgiu na década de 1990201. Por conta disso, por ora nos propomos a analisar a legislação alienígena para comparar com a figura do trabalho intermitente brasileiro. 2.1 REINO UNIDO A seção 212(1) do Employment Rights Act de 1996 ao tratar da jornada de trabalho define de forma imprecisa que conta como uma semana trabalhada integral ou parcialmente desde que a relação empregatícia esteja prevista em um contrato de emprego202. Esta norma possibilitou o surgimento da figura do zero-hour contract no Reino Unido. Entretanto, não existe uma norma escrita que defina e regulamente precisamente o instituto. Inclusive, cabe mencionar que existe campanha do partido trabalhista, desde os tempos de Tony Blair, no intuito de excluir os contratos de zero hora do ordenamento jurídico do Reino Unido. Projeto de banimento na sessão de 2013-2014, porém não foi completado seu trâmite e não possui efeitos jurídicos203. 201
Previsto no art. 27ª do Employment Rights Act de 1996 – informação extraída de COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Trabalho intermitente – trabalho “zero hora” – trabalho descontínuo. In: Revista da LTr, São Paulo, ano 81, nº 9, set. 2017, p. 1087. 202 UNITED KINGDOM. Employment Rights Act 1996, part XIV, Chapter I, Section 212. Disponível em: < https://www.legislation.gov.uk/ukpga/1996/18/section/212>. Acesso em: 29 jan. 2018. 203 MAEDA, Patrícia. A era dos zero direitos: trabalho decente, terceirização e contrato zero-hora. São Paulo: LTr, 2017. p. 116-119.
118
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
A imprecisão dos seus termos não impediu que o trabalho intermitente se expandisse pelo mercado de trabalho no Reino Unido. Neste diapasão, de acordo com o Office for National Statistics204 (ONS) – órgão de estatística britânico –, houve um aumento do número total e do percentual de contratos de zero hora, ao comparar os dados de outubro de 2000 com junho de 2017. Passou de 225 mil para 883 mil e de 0,8% para 2,8% dos contratos de trabalho no Reino Unido. Além disso, os dados da ONS apontam que a maioria dos contratos são de jovens entre 16 e 24 anos e maiores de 65 anos; bem como mais presente entre mulheres do que homens, que laboram cerca de 21 horas semanais (10 a menos que os empregados regulares) por um período menor que doze meses. No caso dos professores universitários, mais da metade das instituições de ensino superior utiliza contratos zero-hora, cujos professores gostariam de trabalhar mais horas. Ademais, na prática, eles não têm direito a férias remuneradas nem aos direitos dos professores com jornada regular205. Estima-se ainda que o salário-hora médio daqueles que prestam contratos de zero-hora é um terço inferior aos empregados regulares, inclusive percebendo abaixo do living wage (salário para subsistir com base no custo de vida no Reino Unido)206. 2.2 ITÁLIA207 Na Itália, o lavoro intermittente ou a chiamata foi primeiramente incorporado no ordenamento italiano em 2003 pelo Decreto Legislativo 276/2003, como fruto da “Reforma Biagi”. Todavia, o instituto já foi reformado diversas vezes, sendo atualmente regulamentado pelo art. 13 e seguintes do Decreto Legislativo 81/2015 (Jobs Act - JA)208. O artigo 13.1 do JA209 conceitua o trabalho intermitente, limitando-o objetivamente às hipóteses indicadas em contrato coletivo ou, de forma suplementar, pelo Ministério do Trabalho até mesmo para períodos limitados. Já o artigo 13.2 do JA, buscando incluir no mercado de trabalho parcela mais vulnerável, permite o labor intermitente para aqueles com menos de 24 ou mais de 55 anos de idade, independentemente da previsão do parágrafo anterior. Porém, em todas as hipóteses, excepcionados determinados setores da economia, este modelo de emprego não pode ultrapassar 400 dias durante o período de três anos (artigo 13.3 do JA)210. O artigo 14 da norma italiana veda expressamente a sua contratação nas hipóteses de: a) substituição de trabalhadores em greve; b) no intervalo de seis meses seguintes à dispensa coletiva para as mesmas funções que foram seu objeto; c) empresas que não possuem certificação da observância das normas de proteção à saúde e segurança. De acordo com o artigo 15 do mesmo diploma, existem duas modalidades de trabalho intermitente: com ou sem disponibilidade. Na primeira hipótese, é pactuado o dever do empregado de estar à disposição e, por conseguinte, faz jus a uma indenização. No caso de ser chamado e o trabalhador estiver indisponível, não receberá a indenização e deverá responder “imediatamente”, sob pena de perder a indenização correspondente a quinze dias e até mesmo a dispensa por justa causa211. 204
UNITED KINGDOM. Office for National Statistics. Labour Force Survey: Zero-hours contracts data table. Relatório publicado em maio de 2017, p. 2. Disponível em: <https://www.ons.gov.uk/employmentandlabourmarket/ peopleinwork/earningsandworkinghours/datasets/zerohourssummarydatatables>. Acesso em 28 jan. 2018. 205 Pesquisa da University and College Union apud MAEDA, Patrícia. Op. cit., 2017, p. 119-120. 206 Dados proferidos pelo Trade Union Congress apud MAEDA, Patrícia. Op. cit., 2017, p. 125. 207 Ver mais em: COLUMBU, Francesca. O trabalho intermitente na legislação laboral italiana e brasileira. In: Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 984/2017, out. 2017, p. 277-301. 208 Conforme lição de COLUMBU, Francesca. O trabalho intermitente na legislação laboral italiana e brasileira. In: Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 984/2017, out. 2017, p. 278. 209 ITALIA. Decreto Legislativo 81/2015 disponível em < https://www.cliclavoro.gov.it/Normative/Decreto_ Legislativo_15_giugno_2015_n.81.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2018. 210 Conforme lições de COLUMBU, Francesca. Op. cit., p. 282. 211 Conforme lições de COLUMBU, Francesca. Op. cit., p. 283.
119
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Por fim, após a análise da legislação, é oportuno mencionar, conforme as lições de Francesca Columbu212, que a experiência italiana se mostrou como hipótese residual e marginal de relação de emprego, de modo que “não se tornou uma modalidade comum e altamente difundida de contratação de mão de obra”. 2.3 PORTUGAL O Código do Trabalho português de 2009 (CT 2009) já prevê expressamente em seu texto original a figura do trabalho intermitente. Neste sentido, os artigos 157 a 160 condensam as normas sobre o tema no ordenamento jurídico de Portugal. O artigo 157.1 do CT 2009 estabelece limitações subjetivas para a contratação. Neste cenário, apenas empresas que desempenhem atividade descontinuas ou com intensidade variável podem admitir trabalhadores nessa modalidade. Já o artigo 157.2 veda a contratação por termo resolutivo ou temporário. O artigo 158 deixa certo que o contrato de trabalho intermitente deve ser feito por escrito prevendo o número anual de horas de trabalho, sob pena de ser considerado sem período de inatividade. Ademais, o artigo 159.2 define o período mínimo de seis meses completos por ano de prestação de trabalho, com pelo menos quatro deles consecutivos. Por fim, o artigo 160 fixa a indenização do período de inatividade com base nas normas coletivas de trabalho ou, na sua falta, de 20% da retribuição base. De acordo com o Livro Verde sobre as Relações Laborais213, no período entre 2010 e 2014, os contratos de trabalho intermitente corresponderam apenas à 0,08% dos contratos de trabalho, permanecendo, portanto, de forma residual. Ademais, o mesmo estudo aponta a aplicação limitada no mercado de trabalho português, haja vista mais de a metade dos contratos nessa modalidade envolver trabalho qualificado ou semiqualificado. 2.4 ESPANHA214 Na Espanha, temos a figura do trabajo descontinuo, o qual está previsto no artigo 16 do Estatuto dos Trabalhadores (ET)215. Do mesmo modo que o trabalho intermitente, é uma modalidade de emprego entre o regular e parcial, sem direito a uma jornada mínima, em que permanece ativo o contrato de trabalho sem a prestação de serviço, porém sem obrigações entre as partes. Conforme a legislação espanhola, trata-se de modalidade de contrato de trabalho especial. Por isso, deve ser formalizado por escrito, sob pena de converter em contrato por prazo indeterminado (artigos 16.3 do ET). Mas ainda é admitida a imprecisão quanto à duração da jornada e às atividades a serem desempenhadas216. O artigo 16.2 do ET deixa certo que a ordem e a forma da convocação dos trabalhadores ocorrerão conforme previsão em negociação coletiva. O seu descumprimento ensejará a reclamação perante a jurisdição social como se fora dispensado. Ademais, as convenções coletivas poderão prever a conversão dos contratos temporários em descontínuos (artigo 16.4 do ET).
212
Conforme lições de COLUMBU, Francesca. Op. cit., p. 285. DRAY, Guilh erme (coord.). Livro verde sobre as relações laborais. Lisboa: Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, 2016. Disponível em: <http://www. portugal.gov.pt/media/26493126/20170324-mtsss-livro-verde-1.pdf>. Acesso em 29 jan. 2018. p. 167. 214 Ver mais em: COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Trabalho intermitente – trabalho “zero hora” – trabalho descontínuo. In: Revista da LTr, São Paulo, ano 81, nº 9, set. 2017, p. 1086-1091. 215 GOVIERNO DE ESPAÑA. Agencia Estatal Boletin Oficial Del Estado [ES]. Real Decreto Legislativo 2/2015, de 23 de octubre, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores. Disponível em < https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-2015-11430>. Acesso em: 28 jan. 2018. 216 Por isso não se confunde com o contrato por prazo determinado (previsto no art. 15 do ET). 213
120
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
3. A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO INTERMITENTE PELA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. 3.1 CONCEITO DE TRABALHO INTERMITENTE A Lei n. 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista, trouxe a regulamentação do trabalho intermitente no Brasil. Tal modalidade de trabalho, como já abordado, nada mais é do que a incorporação do instituto europeu do contrato de zero horas, criado no Reino Unido em 1996. O trabalho intermitente está regulamentado pelos artigos 443 e 452-A a 452-H da CLT. Sendo que o instituto em questão possui sua previsão legal e conceituação no artigo 443 e sua regras disciplinadas pelos artigos 452-A ao 452-H da CLT. Senão vejamos a redação dos referidos artigos: Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente. (Redação dada pela Lei n. 13.467, de 2017). § 3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017).
A previsão de contrato trabalhista, o contrato de trabalho intermitente, se divorcia com a lógica dos contratos de trabalho anteriormente previstos na Consolidação das Leis do Trabalho – o contrato de trabalho verbal e o contrato de trabalho por escrito – pelo fato de que em tais modalidades de contrato sempre há a observância dos requisitos da relação de emprego previstas no artigo 3º da CLT217, quais sejam a prestação de serviço de forma pessoal, subordinada, não eventual, e onerosa. O texto legal define o contrato de trabalho intermitente como a prestação de serviço de forma eventual, onde haverá alternâncias de períodos de prestação de serviço e de inatividade, vindo a conflitar com o disposto no artigo 3º da própria CLT. Acerca dessa desarmonia legal Antonio Umberto de Souza Junior, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto entendem que: Uma nova figura – e de certo modo enigmática – que traz certa perplexidade, pela ruptura de paradigmas no âmbito do Direito do Trabalho, é o trabalho intermitente. Segundo o §3º do art. 443 da CLT, o trabalho intermitente é um contrato de trabalho sem continuidade. Como expressamente aponta o art. 3º da CLT, a continuidade (ou não eventualidade) é um dos elementos essenciais que compõem os contratos de trabalhos típicos. Agora, cria-se um contrato de trabalho com pessoalidade, subordinação e onerosidade, mas sem continuidade.218
Referente ao período de inatividade do contrato de trabalho intermitente o artigo 452-C219, inserido posteriormente à CLT pela medida provisória nº 808/2017, após inúmeras críticas acer217
Art. 3º da CLT: Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto-lei/Del5452compilado.htm>. Acesso em: 29 jan. 2018. 218 SOUZA JUNIOR, Antonio Umberto de; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney e AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista: análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017, p. 166. 219 Art. 452-C da CLT: Art. 452-C. Para fins do disposto no § 3º do art. 443, considera-se período de inatividade o intervalo temporal distinto daquele para o qual o empregado intermitente haja sido convocado e tenha prestado serviços nos termos do § 1º do art. 452-A. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm>. Acesso em: 29 jan. 2018. § 1º Durante o período de inatividade, o empregado poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviço, que exerçam ou não a mesma atividade econômica, utilizando contrato de trabalho intermitente ou outra modalidade de contrato de trabalho. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 2º No contrato de trabalho intermitente, o período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador e não será remunerado, hipótese em que restará descaracterizado o contrato de trabalho intermitente caso haja remuneração por tempo à disposição no período de inatividade. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017).
121
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
ca da incorporação do instituto inglês, o contrato de zero-hora, em nosso ordenamento, dispõe expressamente que no período em que o empregado não estiver prestando serviço ao empregador, tal período não será considerado como tempo à disposição, podendo aquele neste período prestar serviços a outros tomadores de serviços. 3.2 DISPOSIÇÕES LEGAIS SOBRE O TRABALHO INTERMITENTE Inicialmente, a Lei n. 13.467/2017, regulamentou a formalização do contrato de trabalho intermitente em apenas um artigo, no artigo 452-A. Entretanto, diante das várias insurgências diante do caráter precarizante do instituto, o legislador promulgou a medida provisória nº 808/2017, em 14 de novembro de 2017, após quatro meses da edição da reforma trabalhista. Após a medida provisória nº 808/2017, a formalização do contrato de trabalho intermitente, bem como os direitos desses trabalhadores estão disciplinados nos artigos 452-A ao 452-H. Eis os termos da regulamentação220: Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente será celebrado por escrito e registrado na CTPS, ainda que previsto acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva, e conterá: (Redação dada pela Medida Provisória nº 808, de 2017). I - identificação, assinatura e domicílio ou sede das partes; (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). II - valor da hora ou do dia de trabalho, que não poderá ser inferior ao valor horário ou diário do salário mínimo, assegurada a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno e observado o disposto no § 12; e (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). III - o local e o prazo para o pagamento da remuneração. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 1º O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). § 2º Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de vinte e quatro horas para responder ao chamado, presumida, no silêncio, a recusa. (Redação dada pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 3º A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). § 4º (Revogado Medida Provisória nº 808, de 2017). § 5º (Revogado Medida Provisória nº 808, de 2017). § 6º Na data acordada para o pagamento, observado o disposto no § 11, o empregado receberá, de imediato, as seguintes parcelas: (Redação dada pela Medida Provisória nº 808, de 2017). I - remuneração; (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). II - férias proporcionais com acréscimo de um terço; (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). III - décimo terceiro salário proporcional; (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). IV - repouso semanal remunerado; e (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). V - adicionais legais. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). § 7º O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas referidas no § 6o deste artigo. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017) § 8º (Revogado Medida Provisória nº 808, de 2017). § 9º A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). § 10. O empregado, mediante prévio acordo com o empregador, poderá usufruir suas férias em até três períodos, nos termos dos § 1º e § 2º do art. 134. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 11. Na hipótese de o período de convocação exceder um mês, o pagamento das parcelas a que se referem o § 6º não poderá ser estipulado por período superior a um mês, contado a partir do primeiro dia do período de prestação de serviço. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). 220
Arts. 452-A ao 452-H da CLT. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/ Del5452compilado.htm>. Acesso em: 29 jan. 2018.
122
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
§ 12. O valor previsto no inciso II do caput não será inferior àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 13. Para os fins do disposto neste artigo, o auxílio-doença será devido ao segurado da Previdência Social a partir da data do início da incapacidade, vedada a aplicação do disposto § 3º do art. 60 da Lei n. 8.213, de 1991. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 14. O salário maternidade será pago diretamente pela Previdência Social, nos termos do disposto no § 3º do art. 72 da Lei n. 8.213, de 1991. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 15. Constatada a prestação dos serviços pelo empregado, estarão satisfeitos os prazos previstos nos § 1º e § 2º. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). Art. 452-B. É facultado às partes convencionar por meio do contrato de trabalho intermitente: (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). I - locais de prestação de serviços; (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). II - turnos para os quais o empregado será convocado para prestar serviços; (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). III - formas e instrumentos de convocação e de resposta para a prestação de serviços; (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). IV - formato de reparação recíproca na hipótese de cancelamento de serviços previamente agendados nos termos dos § 1º e § 2º do art. 452-A. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). Art. 452-C. Para fins do disposto no § 3º do art. 443, considera-se período de inatividade o intervalo temporal distinto daquele para o qual o empregado intermitente haja sido convocado e tenha prestado serviços nos termos do § 1º do art. 452-A. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 1º Durante o período de inatividade, o empregado poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviço, que exerçam ou não a mesma atividade econômica, utilizando contrato de trabalho intermitente ou outra modalidade de contrato de trabalho. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 2º No contrato de trabalho intermitente, o período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador e não será remunerado, hipótese em que restará descaracterizado o contrato de trabalho intermitente caso haja remuneração por tempo à disposição no período de inatividade. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). Art. 452-D. Decorrido o prazo de um ano sem qualquer convocação do empregado pelo empregador, contado a partir da data da celebração do contrato, da última convocação ou do último dia de prestação de serviços, o que for mais recente, será considerado rescindido de pleno direito o contrato de trabalho intermitente. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). Art. 452-E. Ressalvadas as hipóteses a que se referem os art. 482 e art. 483, na hipótese de extinção do contrato de trabalho intermitente serão devidas as seguintes verbas rescisórias: (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). I - pela metade: (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). a) o aviso prévio indenizado, calculado conforme o art. 452-F; e (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). b) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, prevista no § 1º do art. 18 da Lei n. 8.036, de 11 de maio de 1990; e (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). II - na integralidade, as demais verbas trabalhistas. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 1º A extinção de contrato de trabalho intermitente permite a movimentação da conta vinculada do trabalhador no FGTS na forma do inciso I-A do art. 20 da Lei n. 8.036, de 1990, limitada a até oitenta por cento do valor dos depósitos. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 2º A extinção do contrato de trabalho intermitente a que se refere este artigo não autoriza o ingresso no Programa de Seguro-Desemprego. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). Art. 452-F. As verbas rescisórias e o aviso prévio serão calculados com base na média dos valores recebidos pelo empregado no curso do contrato de trabalho intermitente. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017).
123
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
§ 1º No cálculo da média a que se refere o caput, serão considerados apenas os meses durante os quais o empregado tenha recebido parcelas remuneratórias no intervalo dos últimos doze meses ou o período de vigência do contrato de trabalho intermitente, se este for inferior. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 2º O aviso prévio será necessariamente indenizado, nos termos dos § 1º e § 2º do art. 487. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). Art. 452-G. Até 31 de dezembro de 2020, o empregado registrado por meio de contrato de trabalho por prazo indeterminado demitido não poderá prestar serviços para o mesmo empregador por meio de contrato de trabalho intermitente pelo prazo de dezoito meses, contado da data da demissão do empregado. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017) Art. 452-H. No contrato de trabalho intermitente, o empregador efetuará o recolhimento das contribuições previdenciárias próprias e do empregado e o depósito do FGTS com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações, observado o disposto no art. 911-A. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017).
3.3 ANÁLISE E CRÍTICA SOBRE O TRABALHO INTERMITENTE NO BRASIL Atendo-se apenas a alguns pontos da legislação supracitada, tendo em vista que o objetivo do presente estudo é abordar e demonstrar o caráter precarizante do contrato de trabalho intermitente. Percebe-se que o trabalho intermitente está regulamentado de forma diametralmente oposta a dois institutos de suma importância para o Direito do Trabalho, que é a noção de jornada de trabalho e a noção de trabalho, tendo em vista que o trabalhador intermitente não terá como se programar em relação a sua jornada laboral, nem tão pouco prever qual será sua remuneração em um determinado mês de trabalho, ou se até mesmo terá remuneração em um determinado mês. Referente a distorção que a legislação tenta promover em relação aos conceitos de jornada e salário, ressalta Mauricio Godinho Delgado que: O contrato intermitente, nos moldes em que foi proposto pela Lei da Reforma Trabalhista – caso lidas, em sua literalidade, as regras impostas no por esse diploma legal –, busca romper com dois direitos e garantias justrabalhistas importantes, que são estrutura central do Direito do Trabalho: a noção de duração do trabalho (e de jornada) a noção de salário. A noção de duração de jornada de trabalho envolve o tempo de disponibilidade do empregado em face de seu empregador, prestando serviços efetivos ou não (caput do art. 4º da CLT). A Lei n. 13.467/2017, entretanto, ladinamente, tenta criar conceito um novo: a realidade do tempo à disposição do empregador, porém sem efeitos jurídicos do tempo à disposição. Igualmente a noção de salário sofre tentativa de desnaturação pela Lei da Reforma Trabalhista: conceituando como parcela contraprestativa devida e paga pelo empregador a seu empregado em virtude do contrato de trabalho, a verba salarial pode ser unidade de tempo (salário mensal fixo – o tipo mais comum de salário), por unidade de obra (salário mensal variável, em face de certa produção realizada pelo obreiro), ou por critério misto (denominado salário-tarefa, que envolve as duas fórmulas de cálculo).221
Da forma como posta na legislação, o trabalho intermitente transfere os riscos da atividade econômica e do empreendimento para o trabalhador, tendo em vista que ele só será convocado para prestar seus serviços, nos momentos em que o grande fluxo no estabelecimento empresarial, violando o princípio da alteridade. Conclusão também exposta por Gustavo Filipe Barbosa Garcia em relação a essa modalidade de trabalho: No trabalho intermitente a jornada de trabalho é normalmente móvel e mais flexível, permitindo que o empregado receba apenas pelo tempo de labor efetivamente prestado, deixando ao empregador a definição do período que será laborado em cada dia e época. Entretanto, trata-se de uma sistemática que pode gerar certa insegurança ao trabalhador, não permitindo saber se será convocado para prestar serviços, ou por quanto tempo, o 221
DELGADO, Mauricio Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. p. 154-155.
124
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
que resulta no desconhecimento de qual será o valor do seu salário a ser recebido e no desconhecimento do verdadeiro nível remuneratório mensal. Na prática, a medida pode gerar a transferência ao empregado, que é a parte mais vulnerável da relação jurídica, dos riscos da atividade econômica e do empreendimento desenvolvido, que por natureza devem ser do empregador, por ser o titular dos meios de produção (art. 2º da ,CLT).222
Situação semelhante ao contrato de trabalho intermitente, foi enfrentada pelo Tribunal Superior do Trabalho, no ano de 2011, no caso do julgamento do RR-9891900-16.2005.5.09.0004, em sede de ação civil pública, de relatoria da ministra Dora Maria da Costa. Concluiu-se pela invalidade da jornada móvel e variável, pois, conforme condição prevista em contrato de trabalho, o empregado permanecia em uma sala dentro do estabelecimento empresarial aguardando se chamado para trabalhar. Eis a fundamentação do acórdão: Entende-se pela invalidade de cláusula prevista em contrato de trabalho que fixa jornada móvel e variável porque prejudicial ao trabalhador, pois, embora não exista vedação expressa sobre a prática adotada pela requerida, percebe-se que a contratação efetivada visa a que o trabalhador fique sujeito a ato imperativo do empregador que pode desfrutar do labor de seus empregados quando bem entender,em qualquer horário do dia, pagando o mínimo possível para auferir maiores lucros. Esta prática, contratação na qual os trabalhadores ficam à disposição da empresa durante 44 horas semanais, em que pese esta possa utilizar-se de sua força laborativa por apenas 8 horas semanais, na medida de suas necessidades, é ilegal, porquanto a empresa transfere o risco do negócio para os empregados, os quais são dispensados dos seus serviços nos períodos de menor movimento sem nenhum ônus e os convoca para trabalhar nos períodos de maior movimento sem qualquer acréscimo nas suas despesas. Entender o contrário implicaria desconsiderar as disposições contidas nos artigos 4º, caput, e 9º da CLT, que disciplinam o tempo à disposição do empregador e nulificam os atos praticados com o objetivo de desvirtuar ou fraudar os dispositivos regulamentadores da CLT. (DESTAQUE)223
Acerca da jornada móvel variável decida pelos Tribunais Trabalhistas, Patrícia Maeda, destaca que: Assim, a dignidade limitada à expressão do próprio direito mantém-se no contexto do capitalismo, em que o trabalho humano não é mercadoria, objeto de venda e compra no mercado. Nesse contexto caso, “desmercantilizar” o trabalho significa invalidar a jornada móvel e variável prevista contratualmente, pois esta afasta a aplicação de normas protetivas ou dos direitos fundamentais trabalhistas. Esse limite não emancipa, uma vez que o trabalho continua sendo uma mercadoria, mas não podemos ignorar que os direitos sociais, sobretudo os direitos trabalhistas, são resultado de conquista de uma classe traba222
GRACIA. Gustavo Filipe Barbosa. Reforma trabalhista: análise crítica da Lei 1.3467/2017. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 137. 223 RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. JORNADA MÓVEL E VARIÁVEL. INVALIDADE. Entende-se pela invalidade de cláusula prevista em contrato de trabalho que fixa jornada móvel e variável porque prejudicial ao trabalhador, pois, embora não exista vedação expressa sobre a prática adotada pela requerida, percebe-se que a contratação efetivada visa a que o trabalhador fique sujeito a ato imperativo do empregador que pode desfrutar do labor de seus empregados quando bem entender,em qualquer horário do dia, pagando o mínimo possível para auferir maiores lucros. Esta prática, contratação na qual os trabalhadores ficam à disposição da empresa durante 44 horas semanais, em que pese esta possa utilizar-se de sua força laborativa por apenas 8 horas semanais, na medida de suas necessidades, é ilegal, porquanto a empresa transfere o risco do negócio para os empregados, os quais são dispensados dos seus serviços nos períodos de menor movimento sem nenhum ônus e os convoca para trabalhar nos períodos de maior movimento sem qualquer acréscimo nas suas despesas. Entender o contrário implicaria desconsiderar as disposições contidas nos artigos 4º, caput, e 9º da CLT, que disciplinam o tempo à disposição do empregador e nulificam os atos praticados com o objetivo de desvirtuar ou fraudar os dispositivos regulamentadores da CLT. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 9891900-16.2005.5.09.0004, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 23/02/2011, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/02/2011). Disponível em: <http://www.tst.jus.br/web/ guest/consulta-unificada>. Acesso em: 29 jan. 2018.
125
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
lhadora. Permitir a redução de direitos tem o potencial de tornar o trabalho humano uma mercadoria comum, não qualificada, em desconsideração ao ser humano que o exerce.224
Como se se percebe, não bastasse seu caráter precarizante, a modalidade de contrato de trabalho intermitente conflita com o princípio da dignidade da pessoa humana, com os princípios da valorização do trabalho e da existência digna, com os ditames da justiça social e com a vedação da mercantilização do trabalho humano, não proporcionando condições dignas de trabalho para esses trabalhadores. Referente a essa condição em que o trabalho intermitente coloca o trabalhador, bem sintetizam Antonio Umberto de Souza Junior, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto: Entretanto, não há nenhuma garantia mínima de salário ou de número de horas trabalhadas no texto legal. Neste aspecto, o que poderia ser uma ideia interessante torna-se um instrumento com grande perspectiva de precarização. Ao trabalhador intermitente restará, como concebido o seu regime jurídico na norma em foco, desempenhar o papel similar ao dos pedintes de rua, mendigando por horas de trabalho a seus diversos patrões ocasionais que possam garantir-lhe, com sorte, alguns trocados.225
Patrícia Maeda, em estudo apresentado em sua obra “A era dos zero direitos: trabalho decente, terceirização e contrato zero-hora”, ainda, destaca que pesquisas demonstraram no Reino Unido que os trabalhadores submetidos ao contrato de zero hora experimentaram diversos tipos de abuso como: baixos salários; subempregos; insegurança salarial; impacto nas famílias; lacunas de direitos trabalhistas; abusos no trabalho (exploração e maus tratos)226. Dessa forma, pode-se concluir que a regulamentação do contrato de trabalho intermitente como posta pela legislação trabalhista fere não apenas normas postas no diploma trabalhista, como também fere os ditames constitucionais, bem como as normas internacionais voltadas para a proteção do trabalho humano. 4. CONCLUSÃO O presente trabalho científico, após a análise da legislação e experiência do trabalho intermitente em outros ordenamentos jurídicos, bem como a análise da compatibilidade principiológica dessa nova modalidade de trabalho, conclui que: a) A figura do trabalho intermitente, independentemente da nomenclatura adotada, encontra-se amplamente difundida nos países europeus. Mesmo sem uma legislação regulamentadora, como no caso do Reino Unido, os efeitos precarizantes são reconhecidos pela doutrina estrangeira; b) Exceto no caso do Reino Unido, os demais países europeus adotam legislação que, ao mesmo tempo, legitima a figura do trabalho intermitente, como também impõe restrições para a sua admissibilidade. Logo, possui um caráter excepcional, daí a pequena adesão a essa forma de trabalho; c) O trabalho intermitente brasileiro tem a mesma matriz que o modelo europeu, ou seja, a alternância entre períodos de prestação de serviço e de inatividade (não remunerada). Porém, no ordenamento jurídico pátrio não existe qualquer finalidade precípua de incentivar a inserção de trabalhadores vulneráveis no mercado de trabalho, como na Itália, nem uma limitação temporal, como em Portugal, muito menos sujeito à negociação coletiva, como na Espanha. d) A modalidade de trabalho intermitente no Brasil se mostra precarizante por mercan224
MAEDA, Patrícia. Op. cit., 2017, p. 129. SOUZA JUNIOR, Antonio Umberto de; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney e AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Op. Cit., 2017, p. 177. 226 MAEDA, Patrícia. Op. Cit., 2017, p. 124. 225
126
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
tilizar o trabalhador e por transferir-lhe o risco do negócio, além de não garantir uma renda mínima para o obreiro. Assim, a modalidade de contrato de trabalho intermitente conflita com o princípio da dignidade da pessoa humana, com os princípios da valorização do trabalho e da existência digna, com os ditames da justiça social e com a vedação da mercantilização do trabalho humano, não proporcionando condições dignas de trabalho para esses trabalhadores. e) A regulamentação do contrato de trabalho intermitente como posta pela legislação trabalhista fere não apenas normas postas no diploma trabalhista, como também fere os ditames constitucionais, bem como as normas internacionais voltadas para a proteção do trabalho humano.
5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BRASIL. Decreto-lei n.5.452, de 1º de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial da União. Brasília, 9 de agosto de 1943. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em 29/01/2018. _______. Consulta Unificada de Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em < http://www.tst.jus.br/web/guest/consulta-unificada >. COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Trabalho intermitente – trabalho “zero hora” – trabalho descontínuo. In: Revista da LTr, São Paulo, ano 81, nº 9, set. 2017, p. 1087. COLUMBU, Francesca. O trabalho intermitente na legislação laboral italiana e brasileira. In: Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 984/2017, out. 2017, p. 277-301. DRAY, Guilherme (coord.). Livro verde sobre as relações laborais. Lisboa: Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, 2016. Disponível em: <http:// www.portugal.gov.pt/media/26493126/20170324-mtsss-livro-verde-1.pdf>. Acesso em 29 jan. 2018. DELGADO, Mauricio Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. GARCIA. Gustavo Filipe Barbosa. Reforma trabalhista: análise crítica da Lei 1.3467/2017. 3 ed rev., amp e atual. Salvador: Ed. JusPODIVM, 2018. GOVIERNO DE ESPAÑA. Agencia Estatal Boletin Oficial Del Estado [ES]. Real Decreto Legislativo 2/2015, de 23 de octubre, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores. Disponível em < https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-2015-11430>. Acesso em: 28 jan. 2018. ITALIA. Decreto Legislativo 81/2015 disponível em < https://www.cliclavoro.gov.it/Normative/Decreto_Legislativo_15_giugno_2015_n.81.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2018. MAEDA, Patrícia. A era dos zero direitos: trabalho decente, terceirização e contrato zero-hora. São Paulo: LTr, 2017. SOUZA JUNIOR, Antonio Umberto de; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney e AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista: análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017. UNITED KINGDOM. Employment Rights Act 1996, part XIV, Chapter I, Section 212. Disponível em: < https://www.legislation.gov.uk/ukpga/1996/18/section/212>. Acesso em: 29 jan. 2018. __________________. Office for National Statistics. Labour Force Survey: Zero-hours contracts data table. Relatório publicado em maio de 2017, p. 2. Disponível em: <https://www.ons.gov.uk/employmentandlabourmarket/peopleinwork/earningsandworkinghours/datasets/zerohourssummarydatatables>. Acesso em 28 jan. 2018.
127
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Clรกudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
128
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
INDETERMINABILIDADE DO CONCEITO DE TRABALHO DECENTE: BREVE ANÁLISE SEMÂNTICA DESDE DOCUMENTOS OFICIAIS DA OIT Silvio Beltramelli Neto227 Julia de Carvalho Voltani228 Resumo: Em 1999, a Organização Internacional do Trabalho lançou uma nova estratégia de atuação: o Trabalho Decente, que, conjuntamente com o programa que leva o mesmo nome, passou a engendrar o principal mecanismo de atuação da Organização para a proteção e promoção do Direito do Trabalho. À época, o Trabalho Decente foi apresentado como sinônimo de trabalho produtivo que compõe o eixo integrativo de quatro objetivos estratégicos da OIT (direitos fundamentais, emprego, proteção social e diálogo social), entretanto, sua delimitação conceitual permanece demasiadamente complexa e pouco desenvolvida. Diante deste cenário geral, o presente artigo pretende cotejar documentos produzidos pela própria OIT, à época da concepção da ideia de Trabalho de Decente (1999-2001) e em tempos recentes (2016), a fim de se perquirir se, afinal, é possível se cogitar da existência de um verdadeiro conceito que a preencha de sentido. PALAVRAS-CHAVE: Cooperação Jurídica Internacional. Trabalho Decente. Conceito. Semântica. Resumen: En 1999, la Organización Internacional del Trabajo lanzó una nueva estrategia de actuación: el Trabajo Decente, que, junto con el programa que lleva el mismo nombre, pasó a engendrar el principal mecanismo de actuación de la Organización para la protección y promoción del Derecho del Trabajo. En la época, el Trabajo Decente fue presentado como sinónimo de trabajo productivo que compone el eje integrativo de cuatro objetivos estratégicos de la OIT (derechos fundamentales, empleo, protección social y diálogo social), sin embargo, su delimitación conceptual permanece demasiado compleja y poco desarrollada. En este contexto general, el presente artículo pretende cotejar documentos producidos por la propia OIT, en la época de la concepción de la idea de Trabajo de Decente (1999-2001) y en tiempos recientes (2016), a fin de preguntarse si, después de todo, es posible si se piensa de la existencia de un verdadero concepto que lo llena de sentido. PALABRAS CLAVE: Cooperación Jurídica Internacional. Trabajo decente. Concepto. Semântica. 1. INTRODUÇÃO A Organização Internacional do Trabalho (OIT), proeminente organismo internacional, responsável pela promoção da justiça social e dos direitos humanos e trabalhistas fundamentais para a paz universal e permanente, frente às alterações econômicas e sociais ocorridas no final do século XX, sofreu drásticas quedas de efetividade de suas ações. Sendo assim, em 1999, como nova estratégia de atuação, lança a concepção de Trabalho Decente como eixo temático central de abordagem e desenvolvimento de suas atividades. O Trabalho Decente, como ideal de mínimo civilizatório das relações de trabalho, teve grande aceitação por parte da comunidade internacional, entretanto, não há, até o presente momento, um consenso doutrinário a respeito de seu conceito. 227
Professor pesquisador da Faculdade de Direito da PUC-Campinas. Doutor em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). E-mail: silviobeltramelli@gmail.com. 228 Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) – Nº 2017/15618-0, atualmente desenvolvendo Plano de Trabalho intitulado “Investigação histórica da construção da concepção de Trabalho Decente adotada pela OIT”, sob orientação do coautor. Graduanda do curso de Direito na PUC-Campinas. E-mail: juliavoltani@gmail.com.
129
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
O estudo em questão pretende analisar a concepção de Trabalho Decente apresentada pelo Diretor-Geral da OIT, na 87ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho (1999) e retomada na 87ª Reunião da mesma Conferência (2001), comparando-a com as referências utilizadas nos documentos da edição da 105ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho (2016) — última reunião cujos documentos encontravam-se publicados pela Organização, em seu site oficial, até o momento de submissão desta proposta de artigo — com vistas a identificar se existem elementos estruturais para a delimitação do conteúdo da concepção de Trabalho Decente e as possíveis nuances, dentro da percepção da própria OIT. Será adotado o método procedimental histórico-comparativo, por meio do exame e sistematização dos principais documentos oficiais da OIT produzidos por ocasião das duas citadas Conferências e de textos bibliográficos que revelem essenciais para o cumprimento do objetivo de se contribuir para uma compreensão da concepção de Trabalho Decente e, por conseguinte, de sua efetividade. Para a análise crítica do material produzido pela OIT, o estudo valer-se-á sobretudo de referências teóricas de Tercio Sampaio Ferraz Junior sobre semântica. 2. PRECEDENTES DA CONCEPÇÃO DE TRABALHO DECENTE A Revolução Industrial, marcadamente intensificada no século XIX, conjugou uma soma de complexos fatores econômicos e sociais, entre eles a inserção das máquinas nos processos produtivos, a migração massiva do homem para os grandes centros e a escassez de normas associadas a relação patronal, possibilitando a exploração sem reservas do operariado. Desta forma, ocorreram alterações na produtividade do trabalho, que originaram novos comportamentos sociais, causando um custo humano altíssimo. Em resposta aos rastros deixados pela Revolução Industrial e pelo acelerado desenvolvimento econômico e comercial, em 1919, como parte do Tratado de Versalhes, foi criada a OIT. Esta organização internacional, concebida com o objetivo de elaborar a legislação internacional do trabalho, a fim de promover a justiça social e os direitos humanos trabalhistas fundamentais para a paz mundial universal e permanente, em suas duas primeiras décadas de funcionamento, centrou sua atuação em uma intensa atividade normativa, adotando 67 convenções e 65 recomendações, discutidas e adotadas pelo órgão deliberativo tripartite e soberano da entidade, a Conferência Internacional do Trabalho, ordinariamente reunida com periodicidade anual e composta pelos Estados Membros, representados por comitivas integradas por representantes do Governo do país, dos trabalhadores e dos empregadores (CRIVELLI, 2010, p. 59). Durante a Segunda Guerra Mundial, os trabalhos da Organização foram suspensos e, em 1944, a Conferência Internacional do Trabalho aprovou a Declaração Referente aos Fins e Objetivos da Organização Internacional do Trabalho (“Declaração de Filadélfia”), que passou a figurar como anexo à Constituição da organização. Ambos os documentos delinearam os principais objetivos da OIT, tornando-os pretensamente mais adequados à sociedade internacional pós-guerra229. Com o fim da II Guerra Mundial e a criação da Organização das Nações Unidas, a OIT deixou de ser um órgão independente e passou a agência especializada da ONU, em 1946. Durante todo o século XX, a OIT desempenhou, com proficiência, o papel de elaboração de legislações trabalhistas, entretanto, com o desenvolvimento da globalização, o crescimento da economia flexível e a desacertada exploração capitalista, as relações trabalhistas sofreram drásticas alterações, 229
Diz o art. I da Declaração de Filadélfia: “A Conferência reafirma os princípios fundamentais sobre os quais repousa a Organização, principalmente os seguintes: a) o trabalho não é uma mercadoria; b) a liberdade de expressão e de associação é essencial para o progresso constante; c) a pobreza, em qualquer lugar, constitui um perigo para a prosperidade de todos; d) a luta contra a necessidade deve prosseguir com incessante energia dentro de cada nação e mediante um esforço internacional contínuo e concertado, no qual os representantes dos trabalhadores e dos empregadores, colaborando em pé de igualdade com os representantes dos governos, participem em discussões livres e em decisões de caráter democrático, a fim de promover o bem-estar comum” (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, s.d.).
130
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
exigindo uma nova estratégia para tutela dos direitos dos trabalhadores e equilíbrio na relação de produção, a teor do admitido pela própria direção-geral da entidade230. É que Organização viu-se em risco enquanto ator transnacional protagonista em matéria de regulação das relações de trabalho, a qual passou a ser tratada, com mais intensidade e certo êxito, em outros espaços internacionais, como, por exemplo, a ONU e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre outras, sem contar no manejo das chamadas “cláusulas sociais”, inseridas nos tratados internacionais comerciais gestados no âmbito da Organização Mundial do Comércio (CRIVELLI, 2010, p. 90-153). Ante este quadro, em 1999, o Diretor-Geral da OIT, Juan Somavia, propõe um plano de retomada do protagonismo da OIT, pela sensível modificação do seu foco de atuação, partindo da enunciação de uma ideia nuclear, a lastrear toda e qualquer ação da instituição, a partir de então: a promoção do Trabalho Decente. 3. O ADVENTO DA CONCEPÇÃO DE TRABALHO DECENTE A proposta vestibular, apresentada na Memória do Diretor-Geral oferecida à 87ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, assim define Trabalho Decente: Conjuntamente, esos cuatro objetivos definen el modo en que la OIT puede promover la finalidad fundamental de un trabajo decente, que es sinónimo de trabajo productivo, en el cual se protegen los derechos, lo cual engendra ingresos adecuados con una protección social apropiada. Significa también un trabajo suficiente, en el sentido de que todos deberían tener pleno acceso a las oportunidades de obtención de ingresos. Marca una pauta para el desarrollo económico y social con arreglo a la cual pueden cuajar la realidad del empleo, los ingresos y la protección social sin menoscabo de las normas sociales y de los derechos de los trabajadores. Tanto el tripartismo como el diálogo social son objetivos por derecho propio, que garantizan la participación y la democracia y que contribuyen a la consecución de los demás objetivos estratégicos de la OIT. (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABALHO, 1999, p. 14).
O documento de Juan Somavia afirma, ainda, ser crucial a busca por contínuas melhorias da situação dos trabalhadores e que, para isso, o Trabalho Decente deve ser produtivo em situação de liberdade, igualdade, segurança e dignidade humana (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABALHO, 1999, p. 6). Até pela sua extensão, nota-se ausência de rigor metodológico para delimitar o que exatamente significa o Trabalho Decente e até mesmo o sentido de “trabalho produtivo”, primeiro elemento ao qual a nova concepção é associada. Na esteira da percepção de Maeda (2017, p. 61), há uma lacuna conceitual acerca do que a OIT compreende por trabalho produtivo — e, portanto, a nosso sentir, a respeito da própria amplitude do conteúdo do Trabalho Decente —, porquanto instala-se dúvida acerca da contemplação de trabalhos não produtivos (v.g. o doméstico), assim entendidos como trabalhos que não se inserem em atividades desempenhadas a bem da reprodução direta do capital. O Trabalho Decente, na mesma Memória, é imbricado, conceitualmente, com quatro objetivos a serem perseguidos. Em vista disso, o termo também é definido como o “ponto de convergência de seus quatro objetivos estratégicos”, tomados como o eixo integrativo da ideia então anunciada, quais sejam a promoção dos direitos fundamentais no trabalho, o emprego, a proteção social e o diálogo social (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABALHO, 1999, p. 6). O primeiro objetivo estratégico foi dividido em três prioridades, quais sejam, promover a Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, de 1998231, intensi230
“La mundialización ha traído consigo prosperidad y desigualdades, que están sometiendo a dura prueba el imperativo de una responsabilidad social colectiva. Para la OIT, cuyo campo de actuación se sitúa en la intersección de la sociedad, la economía y las vidas de los seres humanos, tales cambios han revestido proporciones de cataclismo, pero están sentando también las bases para su misión futura. Las mismas fuerzas que transformaron el antiguo orden están engendrando nuevas exigencias y nuevas oportunidades de acción social” (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABALHO, 1999, p. 4). 231 As chamadas “nove convenções fundamentais”, cuja ratificação é exortada pela Declaração de 1998 são:
131
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
ficar a luta contra o trabalho infantil e, finalmente, renovar as atividades relativas às normas da OIT, todas com o desígnio de preservar os princípios e direitos do trabalho, (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABALHO, 1999, p. 14). O segundo objetivo tem como principal elemento de atuação a criação de novos postos de empregos, medida compreendida como premissa para o desenvolvimento social, econômico e pessoal pleno do indivíduo. Todavia, segundo a proposta inicial da OIT, é fundamental que os novos postos de empregos tenham qualidade aceitável, isso significa serem dignos, remunerados, sem distinção de sexos, com a proteção necessária e com igualdade de condições de ingresso232. O terceiro objetivo estratégico visa promover o fortalecimento da proteção social e da segurança social, a fim de amortizar os efeitos das crises econômicas (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABALHO, 1999, p. 32), garantindo que todos obtenham condições suficientes para o acesso a serviços básicos que lhe permitam a sobrevivência e especialmente daqueles que não possuem condições de manter o próprio sustento, temporária ou permanentemente, por se encontrarem inaptos ao trabalho ou desempregados (MERINO, 2011, p. 138 e 139). Como quarto objetivo estratégico, o fortalecimento do diálogo social é inspirado na experiência tripartite da OIT, calcada no diálogo e consenso para soluções a longo prazo, com isso pretendendo auxiliar no fortalecimento social em nível global e local, para o que são importantes ferramentas a liberdade sindical e a possibilidade de negociação coletiva233. Os quatro referidos objetivos estratégicos evidenciam a influência, admitida pela própria OIT, dos estudos de Amartya Sen sobre desenvolvimento como liberdade para a idealização da noção de Trabalho Decente, sobretudo naquilo em que preceitua que, para o desenvolvimento das pessoa é fundamental a expansão das liberdades humanas, e para tanto devem-se remover as principais fontes de privação, sendo elas: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos (SEN, 2010, p. 16). Daí a importância de o Estado atuar para promover acesso equitativo à saúde, educação e trabalho, como instrumento de expansão das capacidades, essas, por suas vezes, entendidas como propulsoras das liberdades. A evidência desta influência teórica e sua relação com a enunciação daqueles quatro objetivos estratégicos manifesta-se, por exemplo, quando a OIT divulga, em seu sítio na internet, que o Trabalho Decente sintetiza as aspirações das pessoas em suas vidas profissionais, consubstanciadas na oportunidade de aceder a: um emprego que enseje remuneração justa, segurança no local de trabalho e proteção social para as famílias; melhores perspectivas de desenvolvimento pessoal e de integração social; liberdade dos indivíduos em expressar suas opiniões, se organizarem e participarem das decisões que afetam suas vidas; e igualdade de oportunidades de tratamento para todos, homens e mulheres (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO , s.d.). Convenção n.º 29 sobre o trabalho forçado, 1930; Convenção n.º 87 sobre a liberdade sindical e a proteção do direito de sindicalização, 1948; Convenção n.º 98 sobre o direito de sindicalização e de negociação coletiva, 1949; Convenção n.º 100 sobre igualdade de remuneração, 1951; Convenção n.º 105 sobre a abolição do trabalho forçado, 1957; Convenção n.º 111 sobre discriminação (emprego e ocupação), 1958; Convenção n.º 138 sobre a idade mínima, 1973; Convenção n.º 182 sobre a proteção às piores formas de trabalho infantil, 1999 (OIT, 1998). Dessas, o Brasil não ratificou apenas a Convenção nº 87. 232 “No se trata simplemente de crear puestos de trabajo, sino que han de ser de una calidad aceptable. No cabe disociar la cantidad del empleo de su calidad. Todas las sociedades tienen su propia idea de lo que es un trabajo decente, pero la calidad del empleo puede querer decir muchas cosas. Puede referirse a formas de trabajo diferentes, y también a muy diversas condiciones de trabajo, así como a conceptos de valor y satisfacción. Hoy en día, es indispensable crear unos sistemas económicos y sociales que garanticen el empleo y la seguridad, a la vez que son capaces de adaptarse a unas circunstancias en rápida evolución, en un mercado mundial muy competitivo” (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABALHO, 1999, p. 14). 233 “Para el diálogo social se requiere la participación y la libertad de asociación, de ahí que sea un fin en sí mismo en las sociedades democráticas. Resulta igualmente fecundo con fines de resolución de conflictos, de justicia social y de aplicación real de la política. Es el medio gracias al cual se defienden los derechos y se promueve el empleo y un trabajo seguro, así como una fuente de estabilidad en todos los niveles, desde la empresa hasta la sociedad en general” (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABALHO, 1999, p. 7).
132
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
A relação entre Trabalho Decente e teoria do Desenvolvimento Social restou, ainda, explicitada na Memória do Diretor-Geral de 1999, ao reconhecer a Declaração e Programa de Ação de Copenhague de 1995, resultante da a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social, convocada pela ONU, como inspiração da concepção de Trabalho Decente (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 1999, p. 15). Ao propósito deste estudo convém recordar que a ideia de Desenvolvimento Social nasce da crítica ao desenvolvimento avaliado exclusivamente a partir de indicadores econômicos atrelados à acumulação de capital e ao crescimento econômico — v.g. o Produto Interno Bruto e a renda per capita —, propondo a consideração de outros critérios que revelem a melhora da qualidade de vida equitativamente distribuída (SEN, 2010, p. 28-29). Para desenvolver, de forma prática, os objetivos traçados, foram propostos pelo então Diretor-Geral da OIT nove programas denominados “InFocus” sobre: negociação coletiva; promoção da declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho e o seu acompanhamento; erradicação do trabalho infantil; investimentos em conhecimentos teóricos e práticos e empregabilidade; intensificação do emprego mediante a criação de pequenas empresas; resposta a crises e reconstrução; segurança social e econômica no século XXI; trabalho sem risco; e fortalecimento do diálogo social, que concentram e elaboram estratégias para ações relativas a atividades de alta prioridade para a OIT. Muito embora tenha sido alvitrado como um desafio global e com ações mundiais, o Trabalho Decente, desde o início, teve reconhecida sua dimensão regional, que deveria ser alvo de atuação da OIT, em conformidade com as vicissitudes e nível de desenvolvimento de cada país. Assim, a promoção do Trabalho Decente deveria ser feita por cooperação entre Estados e a OIT, mediante objetivos enunciados em agendas nacionais e auferidos através dos Escritórios Nacionais da Organização. Utilizando-se os objetivos estratégicos gerais, vislumbrou-se a confecção de metas e agendas nacionais que atendessem as condições políticas, econômicas, culturais e sociais de cada país (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABALHO, 1999, 47). A 88ª Conferência Internacional do Trabalho Decente, de 2000, não dedicou apontamentos relevantes sobre o conteúdo da expressão Trabalho Decente, o que voltaria a acontecer no ano seguinte234. A Memória do Diretor-Geral à 89ª Conferência, intitulada “Reduzir o Déficit do Trabalho Decente: um desafio global”, refere-se, pela primeira vez, de forma expressa, ao Trabalho Decente como um objetivo em desenvolvimento, uma meta móvel que sofre alterações de acordo com as possibilidades, circunstâncias e prioridades de cada sociedade (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABALHO, 2001, 31). A ausência de um conceito acabado foi, portanto, admitida sem constrangimento pela própria organização internacional, que se limitou a mencionar os “princípios” fixados na Declaração da Filadélfia como denotadores do mínimo que se há se respeitar para que uma situação de Trabalho Decente possa ser vislumbrada235. Por outro lado, a exaltação do Trabalho Decente como meta, ou seja, do seu aspecto operacional como guia de atuação da OIT, aproxima o tema da dimensão nacional e, por conseguinte, denota a mudança de postura de atuação da entidade em 234
Nos limites deste trabalho, compreende-se que, em 2001, foi dada continuidade na construção da identidade de sentido original da concepção de Trabalho Decente. 235 Nesta linha, observação feita pelo representante dos empregadores das Ilhas Maurício por ocasião da quarta sessão de discussões sobre o Informe do Presidente do Conselho de Administração e da Memória do Diretor-Geral da OIT afigura-se pertinente ao quanto se podia inferir, à época, do conteúdo da concepção de Trabalho Decente (ou seja, muito pouco): “El trabajo decente es un concepto cualitativo, dinámico, que puede evolucionar con el tiempo, pero que no hay que forzar. No hay que dar al trabajo decente una dimensión cuantitativa, una connotación matemática. Si resulta difícil definir el trabajo decente, más difícil aún es comprender qué constituye un déficit de trabajo decente. No hay criterios objetivos para evaluarlo, y la Memoria admite que es un concepto muy subjetivo. Cada país debería poder definir e interpretar el trabajo decente en función de sus propias expectativas y su nivel de desarrollo socioeconómi”. Lo que se entiende por trabajo decente no queda muy claro, pero lo menos hay acuerdo en que los principios fijados en la Declaración de la OIT para un umbral mínimo y que, cuando se haya logrado este umbral mínimo, se irá más allá” (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABALHO, 2001b, 47).
133
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
relação uma atividade global padronizada veiculada até então, pois passa a atribuir ao Trabalho Decente sentido prático adaptável às necessidades regionais. A despeito da confessada “maleabilidade conceitual”, permanecia inabalável a compreensão mais imediata do conceito de Trabalho Decente pela sua vinculação aos quatro objetivos estratégicos enunciados em 1999236. 4. A CONCEPÇÃO DE TRABALHO DECENTE QUINZE ANOS DEPOIS Uma década e meia após o advento do Trabalho Decente, a Memória do Diretor-Geral à 105ª Conferência Internacional não faz qualquer consideração acerca do conteúdo da concepção de Trabalho Decente — deixando entrever tratar-se de uma ideia plenamente compreendida —, dedicando-se, pois, a prestar contas das ações levadas a efeito para cumprimento do plano “Marco de Políticas e Estratégias para 2010-2015”, que se estruturou em torno dos quatro objetivos estratégicos do Programa de Trabalho Decente (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABALHO, 105ª, 2016a, p. xi). Todavia, da leitura do texto, não se percebe ter havido um amadurecimento orientado à delimitação de um conceito pronto e acabado de Trabalho Decente, senão a reafirmação de seu entendimento exclusivamente pelo aspecto procedimental de busca de planos nacionais que, em tese, evidenciem o compromisso governamental com o estabelecimento de políticas públicas direcionadas ao atendimento dos quatro objetivos estratégicos fixados em 1999. Não por outro motivo, tal Memória teve por finalidade imediata noticiar os resultados obtidos e as ações orientadas à obtenção desses resultados, havidas no bojo da cooperação técnica empreendida pela OIT, dentro do seu Programa de Trabalho Decente, como deixa entrever o sumário do documento (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABALHO, 2016a, p. v). Há que se notar que, em 2016, as relações patronais se encontravam em um contexto mundial diferente de 1999, posto que emergidas em uma crise mundial política e econômica, frente à qual a OIT passa a tratar o Trabalho Decente como uma potencial forma de enfrentamento da pobreza causada por aquela situação e como um meio eficaz para a retomada do desenvolvimento econômico e social237, o que pode ser compreendido como um discurso, por um lado, contextualizado circunstancialmente, mas, por outro, como o destacamento de um dos objetivos estratégicos em relação aos demais, qual seja, a criação de empregos, em mensagem que pode ser entendida como conforme o discurso padrão da economia liberal ortodoxa para contextos econômicos recessivos. De todo modo, do que se infere dos documentos produzidos pela 105ª Conferência Internacional, o Trabalho Decente permanece sendo apreendido pela associação com a proteção de direitos fundamentais no trabalho, a criação de empregos, a ampliação da proteção social e o diálogo social, contudo, nesta quadra histórica, com mais explícito enfoque no segundo elemento: El enfoque básico utilizado por la OIT en las situaciones de crisis es la creación de oportunidades de empleo que permitan lograr la seguridad del ingreso y un desarrollo a más largo plazo, con arreglo a criterios de respeto de las normas internacionales del trabajo y el diálogo social y de creación de trabajo decente. (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABALHO, 2016b, p. 23). 236
Em resposta à discussão das delegações que integravam à 89ª Conferência Internacional do Trabalho, afirmou o Diretor-Geral da OIT que “El concepto de trabajo decente, al igual que el de «desarrollo sostenible», no requiere una definición de diccionario, y no deberíamos tratar de dársela. Su formulación abarca un significado que se utiliza y entiende en muchos contextos culturales y de desarrollo distintos. Sin embargo, cada uno de los cuatro objetivos estratégicos ha sido definido con claridad y es posible medir los avances en relación con la aplicación práctica de los mismos” (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABALHO, 89ª, 2001c, p. 5). 237 A 105ª Conferência Internacional do Trabalho aprovou o informe intitulado “Emprego e Trabalho Decente: para a paz e a resiliência”, do qual consta: “El trabajo decente y el polifacético conjunto de políticas que la OIT ayuda a poner en práctica para apoyarlo constituyen un factor decisivo para romper el círculo vicioso de las crisis y pueden sentar las bases para levantar economías y comunidades sostenibles. (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABALHO, 2016b, p. 16).
134
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Do cotejo dos documentos oficiais das 87ª, 89ª e 105ª Conferências Internacionais do Trabalho é, pois, possível perceber que, mais do que haver um conceito de Trabalho Decente sujeito a nuances, o que de fato se tem é uma concepção de conteúdo absolutamente indefinido, propositalmente qualificado como “móvel” ou adaptável, situação com a qual a OIT parece lidar de modo confortável e até proposital. Todavia, interessante perceber que, não obstante a ausência de clareza conceitual, a organização internacional arroga ao Trabalho Decente funções de primeira grandeza para a sociedade global, chegando a afirmar sua “importância crucial” para a “promoção da a paz e da resiliência” (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABALHO, 2016b, p. 20). Sob outra perspectiva, pode-se afirmar a existência de nítida alteração no modo como a OIT manejou a ideia Trabalho Decente em 1999 e em 2016, muito em razão do contexto político-econômico que se apresenta na segunda década do século XXI. Enquanto às portas do novo milênio, o Trabalho Decente era apresentado, mais do que como conceito como um programa de promoção de desenvolvimento social pelas relações de trabalho, em 2016, passa a ser veiculado como um instrumento de enfrentamento de crises econômicas, sobretudo mundiais. Com este viés, notadamente do que se extrai do Informe “Emprego e Trabalho Decente: para a paz e a resiliência”, aprovado na 105ª Conferência Internacional do Trabalho, a OIT chama a atenção para a criação de empregos como fator de superação de crises econômicas, exaltando-o como um dos objetivos estratégicos dentre os quatro associados ao Trabalho Decente. Certo é que boa parte da doutrina especializada independente da OIT, em que pese ser simpática ao termo, jamais deixou de se mostrar descontente com sua indeterminação conceitual, com manifestações deste fenômeno no Brasil, onde autores têm se apropriado da expressão, para a ela conferir definições diferentes da OIT238, justificando-as exatamente em razão de considerarem insuficientes os elementos conceituais inferidos das manifestações da própria organização internacional239. Entretanto, estas propostas pessoais não integralizam a concepção de Trabalho Decente adotada pela OIT, que procura a ela conferir um caráter propositadamente aberto. Pois bem, diante dessas conclusões, é de se perguntar se o conteúdo móvel do Trabalho Decente o impede de ser objeto de um conceito. 5. EXISTE UM CONCEITO DE TRABALHO DECENTE? A plausível sensação de insegurança conceitual exige a retomada da própria noção de “conceito”, que, no campo de interesse deste estudo, mais do que alicerçar uma reflexão meramente teórica, tem proveito prático claro, na medida em que se está a cuidar de uma concepção essencialmente marcada pelo seu caráter programático, isto é, pelo seu propósito fomentador de ações dirigidas a determinado propósito fático atinente à práxis das relações de trabalho. Ao entendimento do que seja um conceito precede a compreensão das palavras como símbolos linguísticos que, segundo Ferraz Junior (2011, p. 223), “apontam para algo distinto de si 238
“Assim, o trabalho decente seria o contraponto à crescente insegurança e desproteção dos trabalhadores. É preciso elencar elementos que tornem o trabalho de decente visível e quantificável e, assim, integrar a agenda dos diferentes organismos internacionais que lutam por maior justiça, equidade e proteção no mundo do trabalho. Para se tornar uma linha de ação, é preciso apresentar a noção do “bom trabalho”, para que sirva de parâmetro” (ROSENFIELD e PAULI, 2012, p. 324). Já para Brito Filho, “Trabalho decente, então, é um conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde: ao direito ao trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade no trabalho; ao trabalho com condições justas; incluindo remuneração, e que preservem sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e à proteção contra os riscos sociais” (BRITO FILHO, 2013, p. 55). 239 “Conquanto a OIT tenha se esforçado para lograr um avanço nas relações de trabalho, certo é que a proposta apresentada pelo organismo internacional está longe de ser suficiente para um embasamento teórico completo para a questão do trabalho decente. Em razao disso, mesmo utilizando como ponto de partida os eixos estratégicos da OIT, precisamos ir além de suas diretivas. Sabemos ainda que é preciso propor algo factível e nossa sugestão busca atender a esse propósito” (AZEVEDO NETO, 2015, p. 63).
135
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
mesmo”, de modo que “significar é apontar para algo ou estar em lugar de algo”. Emblemas, distintivos, roupas são signos por significarem algo, assim como o são os signos linguísticos, os quais têm por base os fonemas, que são sons que se distinguem, em determinado contexto, a exemplo de “CA-SA” (FERRAZ JUNIOR, 2011, p. 223). Já o “conceito” é resultado da abstração do sinal fonético da palavra com ressalva de seu uso regular, abstração essa que “permite também que as regras de uso tornem-se restritas a uma determinada palavra, quando, então, obtemos um termo” (FERRAZ JUNIOR, 2011, p. 254). Ferraz Junior cita Eros Grau (2009, p. 227), para quem a cada conceito corresponde um “termo”, de modo que esse é o signo linguístico daquele. Tende o senso comum a admitir que a definição de um conceito ou termo possa ocorrer de duas formas. A primeira, chamada definição real, é aquela que busca a representação linguística da realidade designada como correspondente àquele conceito. Deste modo, as definições reais são verdadeiras ou falsas, a depender se de fato conseguem captar a integralidade da realidade designada pelo conceito ou não. Em virtude da dificuldade de captação integral da realidade, reconhece-se um segundo tipo de definição, dita nominal, que “delimita o conceito pelo uso (natural ou técnico), dentro de uma comunidade linguística” (FERRAZ JUNIOR, 2011, p. 254). Segundo a linguística, tanto em uma definição real quanto em uma definição nominal, o sentido do vocábulo pode ser definido por dois modos distintos: pelo conjunto de objetos que constitui a sua extensão ou pela sua relação com um rol de propriedades que são identificados como seus predicados particulares. O primeiro modo é chamado denotação e o segundo conotação. “Assim, definir, denotativamente, é apontar qual o conjunto de objetos e, conotativamente, é determinar os atributos do termo” (FERRAZ JUNIOR, 2013, p. 254). Desde essas premissas, Ferraz Junior (2011, p. 15) define o Direito como um termo denotativa e comutativamente impreciso. Dizer que um termo é denotativamente vago significa atribuir a ele muitos significados distintos entre si; dizê-lo conotativamente ambíguo significa reconhecer não ser possível delimitar propriedades que devam constar em todos os usos, sendo inviável uma única definição que abarque todos os sentidos possíveis de atribuições ao termo (FERRAZ JUNIOR, 2013, p. 15). À luz deste apanhado analítico do que seja um a palavra (signo linguístico), um conceito e um termo e das impressões e dúvidas manifestadas nos tópicos anteriores deste estudo, é possível considerar que “Trabalho Decente” é, nos limites da forma de abordagem da OIT, um signo linguístico cujo conceito correspondente é denotativamente vago e conotativamente ambíguo. Primeiramente, a concepção de Trabalho Decente é denotativamente vaga porque, como demonstrado, não há (e parece inexistir interesse que haja) um consenso — sequer dentro da própria OIT e quanto mais fora dela, pelo senso comum — quanto à totalidade situações e bens que se encontram abarcadas pelo termo, o que se aplica até mesmo para os elementos que se pode inferir dos seus objetivos estratégicos, tão alardeados. Dito de outro modo, definir Trabalho Decente como trabalho prestado em contexto de proteção de direitos fundamentais do trabalhador, de empregabilidade, de proteção social ampliada e de diálogo social pouco ou nada esclarece sobre os objetos albergados pela expressão. Trabalho Decente também é uma expressão conotativamente ambígua, pois, com as concepções apresentadas pela OIT até o presente momento, não é possível atribuir um padrão de propriedades que componham o conceito e correspondam a todos seus os usos, porquanto a enumeração de todas essas propriedades consistiria em um esforço hercúleo e infindável de agrupamento de todas as propriedades que já foram e ainda virão a ser vinculadas ao significado deste termo. A começar do próprio documento de apresentação de 1999, onde Trabalho Decente foi referido como trabalho produtivo em condições de liberdade, igualdade, segurança e dignidade, fazendo-se uso de características cujos próprios conceitos são problemáticos, do ponto de vista conotativo e denotativo. Talvez por isso, a respeito do conceito primitivo e impreciso de Trabalho Decente apresentado pela OIT (1999), Uriarte (2001, p. 10) prefira exaltar o conteúdo ético que percebe subjacente à promoção do Trabalho Decente associado à proteção dignidade da pessoa humana. Sob esta ótica, Uriarte (2001, p. 09) também afirma que a noção de Trabalho Decente é um conceito 136
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
em formação, que não possui seu conteúdo totalmente formado, ou seja, é um conceito aberto ainda em construção. Este modo de ver a expressão Trabalho Decente parece fazer sentido menos pelo rigor técnico e mais em razão da evidente indeterminabilidade conceitual que se apresenta e à qual, ao que se perceber, não será imposta uma solução de determinação. Assim como supõe Ferraz Junior para o Direito (2011, p. 15), atribuir ao Trabalho Decente a pecha de conceito denotativamente impreciso e conotativamente vago pode ferir suscetibilidades, por se tratar de um termo que suporta uma importante carga emotiva e retórica. Todavia, é certo que a clareza sobre o conceito de uma concepção potencialmente tão relevante dos pontos de vista político, econômico e social, ainda que seja a certeza sobre a sua indeterminabilidade, afigura-se premissa para uma efetivação minimamente estável da finalidade (esta sim, inequívoca) da atuação da OIT baseada na ideia de Trabalho Decente: a mitigação da exploração do homem pelo homem. 6. CONCLUSÃO Com a função de fundamentar uma nova estratégia de atividades da OIT, o Trabalho Decente, a despeito de sua importância retórica, enquanto conceito, mostra-se deficitário de elementos que o permitam ser definido de modo pronto e acabado. Em que pese a importância dos quatro objetivos estratégicos associados ao termo para execução prática dos programas de Trabalho Decente, tais objetivos, per si, não cumprem a função de propiciar um sentido denotativo ou conotativo definitivamente aferível, conquanto sejam suficientes para que a OIT ponha em marcha a construção de agendas nacionais e subnacionais a título de promoção desse tipo de trabalho. A tarefa de delimitação conceitual se complica ainda mais ao se observar que, no lapso temporal de quinze anos (1999 e 2016), a OIT não atribuiu, ao que parece propositalmente, um conjunto unívoco de situações e bens ou de propriedades ao termo. Por outro lado, transcorrida uma década e meia, muito provavelmente premida pela alteração sobremaneira crítica do contexto econômico mundial, a OIT muda a maneira de veicular a ideia de Trabalho Decente, passando a apresentá-la como caminho para a superação de crises econômicas, inclusive mundiais. Agindo a este pretexto e dentro deste contexto, mesmo que não abertamente, a organização internacional naturalmente dá destaque para um dos quatro objetivos estratégicos associados ao Trabalho Decente, qual seja, a criação de empregos, aproximando-se, neste ponto, das receitas neoliberais de superação de percalços econômicos de grande monta, as quais isolam tal aspecto, conferindo-o o status de única solução para a superação da crise. Não seria desarrazoado vislumbrar-se, nesta mudança, uma inflexão nos elementos originalmente relacionados ao indeterminado conceito de Trabalho Decente pelo extremo destaque dado a um dos objetivos em face dos demais. Por certo, a indeterminabilidade do conceito de Trabalho Decente, a despeito de sua conveniência prática de aceitação em distintos contextos nacionais e em vista de incontáveis situações concretas, propicia dois problemas práticos: o primeiro, relativo à sua propalada “maleabilidade” às situações regionais, diz respeito à falta de uma referência teórica mínima para a construção de políticas públicas organizadas em agenda e o monitoramento de seus resultados; o segundo, pertine ao favorecimento de justificações racionais para posturas menos preocupadas com os outros objetivos estratégicos do Trabalho Decente para além da empregabilidade, em especial a salvaguarda direitos fundamentais dos trabalhadores e a ampliação da sua proteção social, a suscitar a completa desnaturação do propósito inicial. Sob este prisma, a questão da indeterminabilidade conceitual parece se apresentar como crucial para que, sob a alegação de promoção de Trabalho Decente ou apesar dele, seja negada a própria razão da existência da OIT, baseada na contraposição ao trabalho como mercadoria. Outrossim, o tema importa à própria percepção de se estar frente a um termo/conceito jurídico ou não, o que se afigura um debate que exige uma melhor delimitação do problema anterior e que, por isso, sequer admite, neste momento, cogitação. 137
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Talvez exatamente pela reafirmação dos princípios ensejadores da própria organização que se devesse retomar uma reflexão institucional séria e profunda sobre o conceito de Trabalho Decente, travada em espaços democráticos (de diálogo social ampliado) transnacionais e/ou nacionais e regionais. REFERÊNCIAS BRITO FILHO, José Claudio M. de. Trabalho decente: análise jurídica da exploração do trabalho – trabalho escravo e outras formas de trabalho digno. 3. ed. São Paulo: LTr, 2013. CRIVELLI, Ericson. Direito internacional do trabalho contemporâneo. São Paulo: LTr, 2010. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, decisão e dominação 6ª ed – São Paulo : Atlas, 2011. GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. MAEDA, Patrícia. A Era dos Zeros Direitos: trabalho decente, terceirização e contrato zero-hora. São Paulo: Ltr, 2017. MERINO, Lucyla Tellez. A Eficácia do Conceito de Trabalho Decente nas Relações Trabalhistas. 2011. 216 f. Tese (Doutorado), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e seu anexo (Declaração de Filadélfia). Brasília, s.d. Disponível em: < https://goo.gl/ VrYGnK> Acesso em: 30 jan. 2018. ______. Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Disponível em: <http://www.ilo.org/public/english/standards/declaration/declaration_portuguese.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2018. ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO. CONFERENCIA INTERNACIONAL DEL TRABAJO. 87ª reúnion. Memoria Del Director General del. Trabajo decente. Genebra: Oficina Internacional del Trabajo, Ginebra, jun. 1999. Disponível em: <http://www.ilo.org/public/spanish/standards/ relm/ilc/ilc87/rep-i.htm>. Acesso em: 30 jan. 2018. ______. Constitución de la OIT y Regulamento de la Conferência Internacional del Trabajo. Genebra: OIT, 2000.PAULI, Jandir; ROSENFIELD, Cinara L. Para Além da Dicotomia Entre Trabalho Decente e Trabalho Digno: reconhecimento e direitos humanos. CADERNO CRH Salvador, v. 25, n. 65, p. 319-329, 2012. ______. CONFERENCIA INTERNACIONAL DEL TRABAJO. 89ª reunión. Memoria del Director General: Reducir el deficit de trabajo decente: un desafío global, Ginebra, jun. 2001a Disponível em: <https://www.oitcinterfor.org/sites/default/files/file_articulo/oit34.pdf >. Acesso em: 30 jan. 2018. ______. ______. Discusión Del Informe Del Presidente Del Consejo De Administración Y De La Memoria Del Director General (Cont.). Ginebra, 2001b. Disponível em: <http://www.ilo.org/public/ spanish/standards/relm/ilc/ilc89/pdf/pr-5s4.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2018. ______. ______. Actas Provisionales. Ginebra, 2001c. Disponível em: <http://www.ilo.org/public/spanish/standards/relm/ilc/ilc89/pdf/pr-20.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2018. _____. CONFERENCIA INTERNACIONAL DEL TRABAJO.105ª reuníon. Memoria Del Director General Informe I(A): Aplicación del programa de la OIT 2014-2015, Ginebra, 2016. Disponível em: <http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---relconf/documents/meetingdocument/ wcms_473695.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2018. ______. ______. Empleo y trabajo decente para la paz y la resiliência: revisión de la Recomendación sobre la organización del empleo (transición de la guerra a la paz), 1944 (núm. 71). Ginebra, 2016b. Disponível em: < http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---relconf/documents/meetingdocument/wcms_358381.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2018. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Mota. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. URIARTE, Oscar Ermida. Trabajo decente y formación profesional. Boletín de Cinterfor/OIT, Montevideo, n. 151, 9-25, 2001. 138
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
APONTAMENTOS COMPARATIVOS SOBRE AS PROPOSTAS DAS AGENDAS NACIONAIS BRASILEIRAS PARA O TRABALHO DECENTE Silvio Beltramelli Neto240 Isadora Rezende Bonamim241 Resumo: A noção de Trabalho Decente, desde que apresentada em 1999, assume papel central no direcionamento de suas atividades da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A priori, segundo a OIT, Trabalho Decente é resultado da convergência de quatro objetivos estratégicos: a promoção dos direitos fundamentais no trabalho, emprego, proteção social e o diálogo social. Nessa linha, com a proposta de criar programas que visem o Trabalho Decente, a organização oferece uma cooperação técnica com fito de elaborar agendas personalizadas de acordo com o nível de desenvolvimento social e econômico para cada região. O Brasil elaborou sua primeira agenda nacional em 2006. Posteriormente, na vanguarda, o estado da Bahia lança a primeira agenda subnacional, tendência levada ao plano das cidades pelo município de Curitiba. O presente artigo propõe uma análise comparativa entre os conteúdos de três agendas brasileiras, quais sejam “Agenda Nacional de Trabalho Decente”, “Agenda Bahia Trabalho Decente” e “Agenda Curitiba Trabalho Decente”, com vistas a identificar similitudes e diferenças, a permitir cogitar acerca de um padrão de estabelecimento de medidas em prol do Trabalho Decente por distintas unidades da Federação brasileira. Palavras-chave: Cooperação Jurídica Internacional. OIT. Trabalho Decente. Agendas brasileiras. Abstract: The notion of Decent Work, since the presentatiton in 1999, assumes a central role objective in directing its activities of International Labor Organization (ILO). Originally, according to ILO, Decent Work is the converging result of four strategic objectives: the promotion of rights at work, employment, social protection, and social dialogue. Along these lines, with the proposal to create programs that aim at Decent Work, the organization offers technical cooperation in order to develop customized agendas according to the level of social and economic development for each region. Brazil elaboretad its first agenda in 2006. Subsequently, on the vanguad, the state of Bahia launches the first subnational agenda, tendency taken to the city plans by municipality of Curitiba. This article proposes a comparative analysis among the content of three Brazilian agendas, which are “Decent Work National Agenda”, “Bahia’s Decent Work Agenda” and “Curitiba’s Decent Work Agenda” with a view to identifying similarities and possible diferences, to allow to consider a establishment standard of measures in Decent Work’s favor by different units of the Brazilian Federation. Keywords: International Legal Cooperation. ILO. Decent Work. Brazilian Agendas. 1. INTRODUÇÃO Após manifesto enfraquecimento das suas atividades no cenário internacional, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) apresenta, em 1999, à comunidade internacional a concepção de Trabalho Decente como o ponto de convergência de quatro objetivos estratégicos: promoção dos direitos fundamentais no trabalho, emprego, proteção social e o diálogo social. Diante disso, a OIT propõe aos Estados uma cooperação técnica visando a criação de progra240
Professor pesquisador da Faculdade de Direito da PUC-Campinas. Doutor em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). E-mail: silviobeltramelli@gmail.com. 241 Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) n° 2017/15639-8, atualmente desenvolvendo Plano de Trabalho intitulado “Conteúdo e estágio de implementação dos programas brasileiros de Trabalho Decente”, sob orientação do coautor. Graduanda do curso de Direito na PUC-Campinas. E-mail: isabonamim@gmail.com.
139
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
mas direcionados à promoção do Trabalho Decente. Tais programas são consubstanciados em agendas personalizadas, moldadas aos níveis de desenvolvimento de cada nação, traçando eixos prioritários, linhas de ação e objetivos a serem alcançados, conforme as distintas realidades. Nesse contexto, em 2003, o Brasil firma o compromisso com a OIT de formular uma agenda de Trabalho Decente, vindo a lançar seu primeiro programa, oficialmente, em 2006, intitulado “Agenda Nacional de Trabalho Decente”. Nesta esteira, outros entes federados, como os estados da Bahia (2007) e Mato Grosso (2011) e os municípios de Curitiba (2012) e de São Paulo (2016) adotaram a prática e comprometeram-se a construir agendas próprias. O presente trabalho propõe-se a examinar o conteúdo de três das agendas brasileiras de Trabalho Decente, quais sejam, Agenda Nacional de Trabalho Decente (2006), a Agenda Bahia Trabalho Decente (2007) e a Agenda Curitiba Trabalho Decente (2012), perquirindo semelhanças e diferenças, de modo a aferir se obedecem a um padrão coerente e homogêneo de intervenção estatal. Por se tratar de um estudo comparativo de planos estatais, em busca de possíveis nuances tanto linguísticas quanto de políticas públicas traçadas, a opção metodológica pela eleição específica dessas agendas pretendeu permitir um cotejo analítico minimamente detido do conteúdo dos planos de distintos entes federados (União, Estado e Município). Tendo em vista, ainda, o espaço delimitado deste artigo, visando sobrepor a qualidade da reflexão comparativa a uma mera descrição quantitativa de trechos de documentos, optou-se pelo critério cronológico para a escolha das agendas examinadas, acarretando a abordagem das três primeiras celebradas por cada unidade federativa, o que propicia, ademais, um olhar para planos de ação com mais tempo de implantação e monitoramento. Não se cuida, portanto, de uma análise da pertinência das ações e metas estabelecidas nos três planos, mas do cotejo de seus conteúdos, com vistas a contribuir para uma necessária reflexão de como o Trabalho Decente vem sendo abordado por diferentes instâncias políticas decisórias brasileiras. Para tanto, utilizar-se-á o método monográfico como referência para revisão das agendas, relatórios e documentos elaborados pelo corpo técnico da OIT Escritório no Brasil, bem como, prioritariamente, por estudos publicados por ex-integrantes brasileiros da Organização Internacional – v.g. Abramo (2010) e Crivelli (2010) –, a fim de se cogitar identidade ou discrepância entre as agendas brasileiras. 2. ESCORÇO DA CONSTRUÇÃO DA CONCEPÇÃO DE TRABALHO DECENTE Fundada a partir do Tratado de Versalhes, frente a um contexto pós-guerra, a OIT é instituída, em 1919, como órgão técnico da Sociedade das Nações (SDN), sob a premissa de que a paz, para ser universal e duradoura, deve ser fundada na justiça social. Posteriormente, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), a OIT é convertida em sua primeira agência especializada, em 1946. Segundo Crivelli (2010, p. 59), em uma primeira fase de funcionamento, a OIT voltou-se a uma intensa atividade normativa, adotando 67 convenções e 65 recomendações, discutidas e adotadas pelo órgão deliberativo tripartite e soberano da entidade, a Conferência Internacional do Trabalho, ordinariamente reunida com periodicidade anual e composta pelos Estados Membros, representados por comitivas integradas por representantes do Governo do país, dos trabalhadores e dos empregadores. Nas duas primeiras décadas, os eixos centrais de atuação da OIT dirigiram-se para a sua consolidação como organismo internacional autônomo competente para a produção normativa em matéria de relações de trabalho (CRIVELLI,2010, p. 59-60). O segundo período de atividades da organização tem como marco inicial a realização da 26ª Conferência de Filadélfia em 1944, na qual formalizou-se a Declaração Referente aos Fins e Objetivos da OIT, também conhecida como Declaração de Filadélfia, posteriormente anexada a Constituição vigente da organização, cuja atualização foi aprovada em 1946, na 29ª Conferência (CRIVELLI, 2010 p. 63). 140
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Repousada na ideia de que “o trabalho não é uma mercadoria”, a Declaração inaugura uma nova fase de atividade normativa da OIT, orientada a ampliar sua atenção para a questão social, dando ênfase na aplicação de seus princípios e observando o grau de desenvolvimento econômico e social de cada povo242. A terceira fase que assinala as atividades da OIT compreende o período desde os anos 90, no qual sobressai o processo de decréscimo de sua importância em face da comunidade internacional. Frente a um novo cenário econômico, com o declínio do modelo fordista e o crescimento de um capitalismo neoliberal, as transações transnacionais passaram a marcar a era da globalização. Nessa nova ordem econômica e social, a flexibilização das normas trabalhistas afirmava-se como o recurso concebido pelos países para sobreluzir estratégias de competitividade e obtenção de lucros. Sendo subjugada pelos desafios de legitimidade e efetividade, a estrutura da OIT, atuante conforme padrões de emprego de uma sociedade tipicamente industrial e com base em atividade meramente reguladora (pela via de inúmeras convenções e recomendações), não mais atendia demandas civilizatórias das relações de trabalho, no contexto transnacional243. A Organização sofreu, então, abalo de crédito e de compromisso por parte dos Estados da comunidade internacional e viu sua posição de entidade global central em matéria de regulação das relações de trabalho ser colocada em xeque, sobretudo em vista do deslocamento dessa regulação para outras searas, como, por exemplo, a ONU, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e as demais Organizações Internacionais Regionais, o que se alia à difusão das chamadas “cláusulas sociais”, inseridas nos tratados internacionais comerciais gestados no âmbito da Organização Mundial do Comércio (CRIVELLI, 2010, p. 90-153). É nessa conjuntura — provavelmente o que poderá vir a ser considerada uma quarta fase de suas atividades — que, na 87ª Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Genebra, em junho de 1999, o então Diretor-Geral da OIT, Juan Somavía, declara reconhecer a necessidade da organização adaptar-se ao novo cenário da economia global, admitindo, por conseguinte, que problemas persistem na organização, dentre eles a ausência de programas com um conjunto claro de prioridades operacionais e a dificuldade de consenso de um propósito entre os constituintes (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 1999, p. 5). Com o escopo de remodelação da atuação da OIT, destinado à recuperação do protagonismo outrora perdido, Juan Somavía propõe aos Estados Membros um novo marco temático de atuação da organização: o Trabalho Decente. Inicialmente, a noção de Trabalho Decente é apresentada como o ponto de convergência de quatro objetivos estratégicos: a promoção dos direitos fundamentais no trabalho, o emprego, a proteção social e o diálogo social. Embora a concepção de Trabalho Decente circunde os quatro objetivos, a discussão a despeito da delimitação de seu conceito ainda é viva até hoje244. Nesse processo de reestruturação da forma de atuação, a OIT apresenta uma nova orientação à cooperação técnica. Tomando como direção os quatros pilares do Trabalho Decente, a organização passa a propor uma abordagem voltada à criação de programas personalizados, que reflitam as necessidades regionais. Esses programas, chamados de Agenda de Trabalho Decen242
Apesar disso, Guy Standing, ex-diretor do Programa de Segurança Socioeconômico da OIT, no período de 1999-2006, afirma que, nesta segunda fase de existência, em sintonia com o então emergente modelo do Estado de Bem-Estar Social e do modelo Leninista, a OIT, inadvertidamente, compartilha uma era de “desmercantilização fictícia”, tornando-se um mecanismo para promover uma agenda de segurança baseada no trabalho precipuamente desenvolvido em “Relações Padrão de Emprego”: trabalhos em tempo integral, estáveis, sindicalizados e assalariados. (STANDING, 2010, p. 309). 243 “Na década de 90 as críticas vinham tanto da esquerda populista como da direita. Estes últimos opuseramse a regulamentos de proteção em geral, alegando que eram distorções de mero e impedimentos para crescimento econômico. Já a esquerda populista afirmava que a organização acentuou o dualismo social e econômico” (STANDING, 2008, p. 365, tradução nossa). 244 Uriarte (2001, p. 09-10) descreve o Trabalho Decente com uma noção sem conteúdo totalmente definido, embora com uma significação ética indissimulável, que supõe a adoção inequívoca de uma posição valorativa intimamente relacionada com a dignidade da pessoa humana.
141
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
te, variam de acordo com o nível de desenvolvimento de cada país, permitindo que realidades distintas possam vislumbrar o Trabalho Decente conforme suas prioridades e possibilidades245. 3. OS QUATRO OBJETIVOS ESTRATÉGICOS DO TRABALHO DECENTE A promoção dos direitos fundamentais no trabalho é o primeiro pilar do Trabalho Decente. Segundo Rodgers (2002, p. 15), os direitos fundamentais do trabalho são os direitos básicos que propiciam uma base sobre a qual é possível criar e construir outros direitos e capacidades. Abandonando a produção quantitativa de tratados, a estratégia de ação, do ponto de vista normativo, passa à busca de que os Estados ratifiquem algumas Convenções elaboradas pela OIT, tidas por centrais pela Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, de 1998246. O segundo pilar do Trabalho Decente é a promoção de empregos. Laís Abramo (2010, p. 152) adverte que o Trabalho Decente abrange dimensões quantitativas e qualitativas, de modo que, gerar postos de trabalho e combater o desemprego, não é suficiente para intitular um trabalho como decente, sendo necessário observar às condições em que o trabalho se constitui, retomando à noção de um emprego de qualidade. A OIT trata, ainda, como premissa do Trabalho Decente, que todos, independentemente de onde vivam, precisam de um nível de proteção social e segurança de renda (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 1999, p. 34). Nessa esteira, a proteção social é concebida como terceiro pilar do Trabalho Decente, orientado à ampliação da seguridade social ao(à) trabalhador(a) alijado(a) do mercado de trabalho, por circunstâncias temporárias ou definitivas. Por fim, o quarto sustentáculo do Trabalho Decente é o fortalecimento do diálogo social. A OIT é de natureza tripartite, porquanto seus órgãos deliberativos são integrados por representantes dos empregadores, dos trabalhadores e do governo, e é a partir da reprodução desse tripartismo, em âmbito nacional e transnacional, que a organização vislumbra a legitimidade e a efetivação dos demais pilares do Trabalho Decente. Silva e Júnior (2010, p. 230) aduzem que a discussão em torno do Trabalho Decente perpassa por dois importantes pontos: a percepção de agenda — e o compromisso de sua adoção em diferentes níveis nacionais e transnacionais — e a incorporação do conceito como diretriz nas estratégias de desenvolvimento. Com efeito, utilizar-se dos quatro objetivos do Trabalho Decente para qualificar um trabalho como adequado ou digno, não parece adequado, ainda mais sob o prisma de uma relação de trabalho individualmente considerada. Tais objetivos servem, como mais propriedade, à tomada da concepção de Trabalho Decente como instrumento orientador para programas e políticas públicas. 4. AS AGENDAS NACIONAIS E SUBNACIONAIS DE TRABALHO DECENTE 4.1. Agenda Nacional de Trabalho Decente No Brasil, o compromisso para a promoção do Trabalho Decente é oficializado em 2003, com a assinatura do Memorando de Entendimento entre o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da 245
“Assim, o Trabalho Decente constitui uma meta que evolui em compasso com as possibilidades das sociedades, um patamar que se desloca conjuntamente com o progresso econômico e social (...). As metas concretas, em cada caso, dependerão dos valores, prioridades e possibilidades de cada sociedade e poderão ser modificadas com o tempo”. (ABRAMO, 2010, p. 153). 246 As chamadas “oito convenções fundamentais”, cuja ratificação é exortada pela Declaração de 1998 são: Convenção n.º 29 sobre o trabalho forçado, 1930; Convenção n.º 87 sobre a liberdade sindical e a proteção do direito de sindicalização, 1948; Convenção n.º 98 sobre o direito de sindicalização e de negociação coletiva, 1949; Convenção n.º 100 sobre igualdade de remuneração, 1951; Convenção n.º 105 sobre a abolição do trabalho forçado, 1957; Convenção n.º 111 sobre discriminação (emprego e ocupação), 1958; Convenção n.º 138 sobre a idade mínima, 1973; Convenção n.º 182 sobre a proteção às piores formas de trabalho infantil, 1999 (OIT, 1998). Dessas, o Brasil não ratificou apenas a Convenção nº 87.
142
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Silva, e o Diretor-Geral da OIT, Juan Somaníva. O documento formaliza a proposta de um programa especial de cooperação técnica para a formulação de uma Agenda Nacional de Trabalho Decente. Concretizando o acordo firmado, após consulta às categorias de representação de empregadores e trabalhadores, o governo brasileiro lança, em 2006, a primeira agenda especializada para o Brasil, nominada de Agenda Nacional de Trabalho Decente (ANTD)247. Sob a máxima de “gerar trabalho decente para combater a pobreza e as desigualdades sociais”, o documento é dividido em cinco partes: antecedentes, prioridades, mecanismos de implementação da Agenda, marco institucional e monitoramento, e avaliação (BRASIL, 2006). Embora o Memorando de Entendimento estabeleça quatro áreas prioritárias — a geração de emprego, microfinanças e capacitação de recursos humanos, com ênfase na empregabilidade dos jovens; a viabilização e ampliação do sistema de seguridade social; o fortalecimento do tripartismo e do diálogo social; o combate ao trabalho infantil e à exploração sexual de crianças e adolescentes, ao trabalho forçado e à discriminação no emprego e na ocupação —, a Agenda Nacional de Trabalho Decente é estruturada em torno de três prioridades: gerar mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades e de tratamento; erradicar o trabalho escravo e eliminar o trabalho infantil, em especial em suas piores formas, e fortalecer os atores tripartites e o diálogo social como um instrumento de governabilidade democrática. Vê-se, pois, de saída, a respeito dos objetivos fundamentais a serem perseguidos pelo Estado brasileiro, inolvidável disparidade entre o inicialmente pactuado com a OIT e o contemplado pela ANTD. A ausência de um espaço destacado de providências de proteção dos direitos fundamentais nas relações de trabalho (primeiro objetivo estratégico estipulado, globalmente, pela OIT), dentro da Agenda Nacional, não pode ser tratada de forma desimportante, ainda mais tendo em conta o protagonismo das medidas da ANTD dedicadas à expansão da empregabilidade no país, a seguir apontadas. Em cada eixo prioritário da Agenda enunciam-se os “resultados esperados”, desacompanhados de dados concretos da situação atual que os alicercem, e linhas de ação, correspondentes às formas pelas quais deverão ser colocados em prática as medidas para a obtenção dos resultados vislumbrados. É de se observar, no entanto, que a agenda enuncia providências genéricas, sem detalhar quem as executará, tampouco como e quando serão efetivadas, referindo-se estritamente à instância de gestão, composta por ministérios e secretarias do governo, sob a coordenação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)248. No tópico “Mecanismos de Implementação da Agenda”, prevê-se um Programa Nacional de Trabalho Decente, esse sim estabelecendo metas, prazos e indicadores de seguimento, lançado tão somente em 2010, quatro anos após da entrada em vigor da agenda que o previu. Apesar da Agenda não apontar os indicadores para seguimento das metas de promoção do Trabalho Decente, foi lançado, em 2009 (portanto antes do Plano Nacional), o primeiro relatório técnico que compilou um conjunto de indicadores retirados de dados obtidos junto à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), à Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE (PME), ao Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (OIT, 2009, p. viii). Os indicadores examinados pela OIT foram divididos em dez eixos temáticos, intitulado de “Perfil do Trabalho Decente no Brasil”(OIT, 2009)249. Mais adiante, o DIEESE, em convênio com o Ministério do Trabalho e 247
Trata-se da primeira agenda brasileira propriamente dita, cujo lançamento ocorreu durante a XVI Reunião Regional Americana da OIT, em maio de 2006, ocasião em que o Diretor-Geral da OIT também apresentou a Agenda Hemisférica do Trabalho Decente, da qual o Brasil igualmente faz parte (OIT, 2006b). 248 A título de exemplo, no tópico 1, das prioridades da agenda (gerar mais e melhores empregos com igualdade de oportunidades e de tratamento), é posto como resultado esperado uma política nacional de emprego elaborada e implementada em um processo de diálogo com os interlocutores sociais e nas linhas de ação, o fomento do investimento público e privado em projetos com maior capacidade de geração de emprego (BRASIL, 2006, p. 6). 249 São os eixos temáticos: i) oportunidades de emprego; ii) rendimentos adequados e trabalho produtivo; iii) jornada de trabalho decente; iv) combinação entre trabalho, vida pessoal e vida familiar; v) trabalho a ser abolido; vi) estabilidade e segurança no trabalho; vii) igualdade de oportunidades e de tratamento no emprego;
143
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Previdência Social, publica, na quarta edição do Anuário do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda de 2015, um livreto exclusivo, com dados atualizados de medição do Trabalho Decente, no país, elegendo um vasto padrão de análise, organizado diferentemente do relatório da OIT, oferecendo mais de cem indicadores, agrupados conforme cada um dos três objetivos estratégicos da ANTD (DIEESE, 2015, p. 10). O Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente (PNTD) é um desdobramento da Agenda Nacional, destinado ao detalhamento das políticas dirigidas à promoção do Trabalho Decente, segundo os objetivos estipulados por aquela (BRASIL, 2010, p. 7). O documento é resultado de reuniões entre o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), constituído por representantes dos Ministérios e Secretarias do governo250, e o Grupo de Trabalho Tripartite (GTT), composto por representantes do governo, dos trabalhadores e dos empregadores (BRASIL, 2010, p. 14)251. No que tange à construção de um sistema de indicadores, participaram, ainda, os peritos do DIEESE, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Instituto de Política Econômica Aplicada (IPEA) e da OIT (BRASIL, 2010, p. 15). Presume-se tenha havido consenso obtido entre os integrantes do GTI e do GTT quanto aos nominados “resultados esperados”, que foram reproduzidos no PNTD, à falta de qualquer oposição registrada. Em contrapartida, restou explicitada, no documento, a discordância patronal quanto ao conjunto de indicadores propostos para seguimento da implementação do Plano (BRASIL, 2010, p. 18). A respeito, e conquanto se possa elogiar o aspecto do diálogo social, uma das hipóteses admitidas por Sehnbruch et al (2015, p. 217) para difícil missão em definir um indicador sintético de Trabalho Decente e, por conseguinte, transformá-lo em uma ferramenta eficaz para promover uma agenda política direcionada e passível de acompanhamento, é exatamente o modelo tripartite da organização. Por se tratar de um instrumento de implementação da Agenda Nacional, o PNTD manteve os eixos prioritários descritos na ANTD, especificando as metas e prioridades, além de delimitar o período de análise para os anos de 2008 a 2011 e 2008 a 2015, a serem comparados com os dados do lapso 2006-2009. No que se refere ao eixo de geração de empregos, a agenda prioriza o fomento ao emprego em empresas sustentáveis e que promovam o desenvolvimento sustentável, além de micro e pequenas empresas. Para isto, idealizou-se direcionar investimentos públicos e privados e estímulos fiscais e financeiros para essas áreas. Outrossim, integram este eixo prioritário outros resultados esperados: política de valorização do salário mínimo mantida; sistema público de emprego, trabalho e renda fortalecido, por meio da ampliação e integração das políticas de qualificação profissional, intermediação de mão de obra e seguro-desemprego, especialmente para jovens, viii) ambiente de trabalho seguro; ix) seguridade social e x) diálogo social e representação de trabalhadores e empregadores. 250 Estes ministérios e secretarias de governo que formam o GTI integram, por sua vez, o Comitê Executivo instituído pelo Decreto Presidencial de 04 e junho de 2009, composto por representantes dos seguintes órgãos (à época existentes): Secretaria-Geral da Presidência da República, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério das Relações Exteriores, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério da Previdência Social, Ministério da Justiça, Ministério da Educação, Ministério da Saúde, Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República e Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. 251 O GTT foi instituído pela Portaria n.º 540, de 07 de novembro de 2007, pelo Ministério do Trabalho e Emprego. O Grupo é composto por diversos quadros de diferentes setores do MTE, pelas centrais sindicais em atividade (Central Única dos Trabalhadores, Força Sindical, Central Geral dos Trabalhadores do Brasil, União Geral dos Trabalhadores e Nova Central Sindical dos Trabalhadores); e pelas principais confederações patronais (Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil, Confederação Nacional do Comércio, Confederação Nacional da Indústria, Confederação Nacional das Instituições Financeiras e Confederação Nacional do Transporte (BRASIL, 2007).
144
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
mulheres e população negra; proteção social aos trabalhadores e trabalhadoras e suas famílias ampliada e fortalecida, especialmente para grupos sociais mais vulneráveis e trabalhadores e trabalhadoras migrantes, em consonância com a Convenção 102 da OIT sobre seguridade social (padrões mínimos), ratificada pelo Brasil; iniciativas legislativas e de políticas para facilitar a transição das atividades informais para a formalidade, considerando as dimensões de gênero e raça; igualdade de oportunidades de tratamento no mundo do trabalho aumentada, em conformidade com as Convenções da OIT nº 100 e 111252, ratificadas pelo Brasil. A partir da prioridade da erradicação do trabalho escravo e eliminação do trabalho infantil, em especial em suas piores formas, foram definidos como resultados esperados: trabalho infantil progressivamente erradicado; II Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo implementado, monitorado e avaliado; Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes implementados, monitorados e avaliados. A terceira e última prioridade, voltada ao fortalecimento dos atores tripartites e do diálogo social como um instrumento de governabilidade democrática, valeu-se o PNTD das seguintes medidas: mecanismos e instâncias de diálogo social fortalecidos e ampliados, em especial os instrumentos de negociação coletiva; medidas efetivas tomadas em consulta com empregadores e trabalhadores para promover a Declaração sobre Justiça Social para uma Globalização Equitativa da OIT, promover a ratificação das Normas Internacionais do Trabalho e aplicar as Normas Internacionais do Trabalho ratificadas pelo Brasil; Agendas de Trabalho Decente promovidas em regiões, estados e municípios, em consulta com as organizações de empregadores e de trabalhadores. Como bem assinala Patrícia Maeda (2017, p. 70), estas prioridades aduzidas na ANTD são mais restritas que as quatro dimensões indicativas de Trabalho Decente, postuladas na 87ª Conferência, sendo certo que a salvaguarda da proteção dos direitos fundamentais trabalhistas volta a ser olvidada neste Plano Nacional. Se para OIT o trabalho não é mercadoria e o seu exercício não implica apenas produção e rendimentos, mas também integração social e identidade e dignidade pessoal (RODGERS, 2002, p. 10), há que se pensar que as metas fixadas na ANTD não são capazes promover, per si, todos esses elementos, a não ser que se adira à simplista e equivocada percepção segundo a qual estar empregado garante a preservação da dignidade da pessoa humana, diferentemente do que, como demonstrado, propôs-se com objetivos do Trabalho Decente. Isso sem contar que a própria noção até certo ponto indeterminada de Trabalho Decente dificulta o cotejo da qualidade do trabalho, pois os parâmetros utilizados pela OIT seriam fundados nas relações típicas de emprego253. 4.2. Agenda Bahia Trabalho Decente A Agenda Bahia Trabalho Decente (ABTD) é lançada em 2007, inaugurando o itinerário de cooperação técnica entre a OIT e regiões subnacionais (estados e municípios). A experiência, até então inédita no cenário nacional e internacional, ocorreu no governo de Jaques Wagner254 e é considerada um marco importante para a promoção do Trabalho Decente, pelo pioneirismo da instituição de um plano regional. 252
Convenção sobre Igualdade de Remuneração de Homem e Mulheres Trabalhadores por Trabalho de Igual Valor e sobre Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação, respectivamente. 253 “(...) parece haver na concepção de trabalho decente uma ênfase demasiada nas condições contratuais e de trabalho, desconsiderando aspectos vinculados às características intrínsecas dos empregos – natureza do trabalho, complexidade, qualificação, envolvimento – e às condições econômicas e técnicas de segmentos produtivos”. (MOCELIN, 2011, p. 48). 254 Jaques Wagner foi Ministro do Trabalho e Emprego (2003 – 2004) e Ministro da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (2005 – 2006), período em que houve o compromisso e a construção da Agenda Nacional de Trabalho Decente (ABRAMO, 2010, p. 161).
145
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
A coordenação da agenda teve como agente central a Secretaria de Trabalho, Emprego, Renda e Esportes do Estado, e contou com a participação de grupos da sociedade civil não especificados no documento, por meio de conferências, debates, reuniões, oficinas e seminários, revelando um caráter intersetorial na formulação da agenda. A Agenda Bahia adotou os seguintes eixos prioritários: erradicação do trabalho escravo; erradicação do trabalho infantil; juventude; serviço público; segurança e saúde do trabalhador; promoção da igualdade; trabalho doméstico e empregos verdes, esse último incluído posteriormente à proposta apresentada pela Comissão Executiva do Programa Estadual de Biodiesel (BAHIA, 2007, p. 6). Assim como a ANTD, a Agenda Bahia não é um documento complexo, limitando-se a traçar o contexto de sua construção, seus eixos prioritários, resultados esperados e linhas de ação. O documento igualmente não prescreve metas e prazos para término das propostas estabelecidas. Além disso, seguindo o mesmo padrão nacional, a Agenda Bahia previu a elaboração de um Programa Bahia do Trabalho Decente, lançado em 2011, como uma extensão e compilação de estratégias políticas para a execução de projetos, em compasso com os eixos prioritários previstos na ABTD255. O Comitê Gestor responsável pela elaboração do Programa é composto por secretarias do governo, representantes dos empregadores256 e dos trabalhadores257, além instituições como o Conselho Estadual Tripartite e Paritário de Trabalho e Renda, a Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, a Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, o Ministério Público do Trabalho, a Associação dos Magistrados da 5ª Região e o Escritório da OIT no Brasil. No que tange à estrutura do documento, com exceção da faceta “Empregos Verdes”, o Programa é estruturado em sete Planos Estaduais conforme a organização dos eixos prioritários, dispondo, em cada tópico, sobre antecedentes, introdução, metodologia, convenções da OIT a respeito do tema em discussão, dados da situação atual, quem são os colaboradores nos projetos envolvidos, objetivos específicos e gerais. Enfim, é apresentado um conjunto coeso de propostas, porém, não foi estipulado um conjunto claro de indicadores para medir avanços e retrocessos em cada plano. Com relação ao Plano Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador, por exemplo, adotaram-se cinco estratégias centrais para o desenvolvimento de políticas públicas para o problema diagnosticado, sendo elas: conhecer, comunicar, regular a intervenção, gerar competências institucionais e profissionais para intervenção e atuar por meio de articulação de políticas públicas, definidas conforme as diretrizes de base de conhecimento, comunicação, legislação, fortalecimento institucional e proteção integral. Para cada diretriz, definem-se objetivos gerais e específicos, produtos, responsáveis, colaboradores e parceiros, prazo e metas. Toma-se o exemplo da diretriz “base de conhecimento”, que tem como um dos objetivos gerais a legislação de prevenção e proteção de crianças e adolescentes contra trabalho infantil efetivamente aplicada e como objetivo específico relacionado a promoção de atividades de capacitação voltadas ao esclarecimento e atualização dos operadores de direitos, no que diz respeito à legislação voltada à prevenção e erradicação do trabalho infantil e à realização de monitoramento sistemático das decisões e procedimentos judiciais referentes a questões vinculadas ao trabalho (contando como 255
“O ponto norteador durante a consolidação de cada Plano foi garantir que o Programa fosse executável, operacional, transversal e sustentável, objetivando atingir aos princípios contidos no conceito do trabalho decente, de garantir um trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna. Buscou-se, ainda, garantir a primazia dos quatro pilares constitutivos dessa proposta, de respeito aos princípios e direitos fundamentais no trabalho, de geração de mais e melhores empregos, de extensão da proteção social e de promoção do diálogo social” (BAHIA, 2011, p. 23). 256 Participaram do Comitê Gestor representando os empregadores: Federação das Indústrias do Estado da Bahia; Federação das Micro e Pequenas Empresas do Estado da Bahia; Federação do Comércio do Estado da Bahia e Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (BAHIA, 2011, p. 24). 257 Representando o grupo dos trabalhadores: Central Única dos Trabalhadores; Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil; Força Sindical e União Geral dos Trabalhadores. (BAHIA, p. 24).
146
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
responsáveis o órgão estadual do MTE, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Estadual e os Tribunal de Contas do Estado e da Capital, além de outros colaboradores e parceiros. A meta aqui estipulada é o aumento de 5% do número de processos e decisões administrativas e judiciais sobre temas do trabalho infantil e suas piores formas (BAHIA, 2010, p. 68). Nessa linha, foi firmada uma parceria entre DIEESE e a Secretaria Estadual do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte que permitiu a produção de numerosos relatórios sobre o trabalho no estado. Conquanto não haja estudos com indicadores mais amplos voltados para o Trabalho Decente, a análise do DIEESE abrange estudos setoriais, temáticos e específicos envolvendo serviço público, emprego doméstico, seguro desemprego, desigualdade de gênero e raça, pessoas com deficiência, trabalho infantil e informalidade. A instituição, por intermédio do Observatório do Trabalho, examinou aspectos do mercado de trabalho baiano, perpassando pelos eixos apontados como prioritários na agenda. No último estudo temático, que resultou no relatório Análise Socioeconômica e das Condições do Mercado de Trabalho na Bahia na Década de 2010, concluiu-se, a partir dos indicadores do mercado de trabalho formal baiano, que embora o total da força de trabalho tivesse aumentado, entre 2010 e 2016, também se elevaram as taxas de força de trabalho desocupada e inativa. O relatório constatou, ainda, que, nos anos iniciais da década de 2010, houve uma melhora nos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho, mas que, principalmente a partir de 2013, o estado sente o reflexo da crise econômica e política (DIEESE, 2016b, p. 96-98). No relatório temático sobre Programa do Seguro Desemprego no Estado da Bahia verificou-se que, no período de 2009 a 2015, a preponderância das causas das rescisões de contrato de emprego se deu por iniciativa do empregador e sem justa causa (68%). Quanto ao perfil dos trabalhadores segurados, nas modalidades de seguro formal e bolsa qualificação, verificou-se a sobreposição dos homens sobre as mulheres (DIEESE, 2016a, p. 65). 4.3. Agenda Curitiba de Trabalho Decente Após compromisso firmado entre a Prefeitura Municipal de Curitiba e a OIT, em 2012, é instituída a Agenda Curitiba de Trabalho Decente. A agenda não se propõe a descrever minuciosamente seu processo de elaboração e gestão, contando tão somente com a portaria baixada pela Secretaria Municipal do Trabalho e Emprego que criou o Comitê Municipal do Trabalho Decente, composto por 26 membros e de caráter consultivo. Assim como na demais agendas, o Comitê é formado com representações do governo, dos trabalhadores (Centrais Sindicais e sindicatos locais) e dos empregadores (Federações e Associações), além de contar com representantes de outras instâncias: Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), Procuradoria Geral do Município (PGM) e Agência Curitiba (CURITIBA, 2012, p. 45-46). Foram definidos como eixos prioritários da Agenda Curitiba: equidade de gênero e raça; saúde e segurança no trabalho; erradicação do trabalho Infantil; empreendedorismo para o desenvolvimento local sustentável; equidade social; formalidade e qualificação. No que concerne ao eixo “equidade de gênero e raça” a abordagem adotada é transversal, não se tratando de um eixo com fim em si mesmo e metas próprias, mas uma preocupação que deve perpassar todos os demais eixos das agendas (CURITIBA, 2012, p. 9). Nas articulações dos eixos prioritários — que correspondem às linhas de ação nas demais agendas — a Agenda Curitiba vale-se de programas já existentes no município, como o Programa Curitibano de Erradicação do Trabalho Infantil (CURITIBA, 2012, p.17). Essa prática evidencia que a construção de uma agenda de Trabalho Decente pode não implicar, exclusivamente, a formulação de novas políticas, mas também a sistematização e integração dos programas já elaborados e em vigência, agrupando-os e direcionando-os com vistas ao Trabalho Decente. Relatórios importantes foram produzidos pelo Observatório do Trabalho de Curitiba, resultado de uma parceria do DIEESE com a Secretaria Municipal do Trabalho e Emprego de Curi147
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
tiba, dentre eles o Boletim do Emprego Formal Celetista – movimentação entre 2014 e 2015 e Relatório Analítico dos Indicadores do Trabalho Decente da Região Metropolitana de Curitiba258. Conforme Relatório Analítico da Evolução dos Indicadores do Mercado de Trabalho e do Emprego Formal Celetista realizado pelo DIEESE, de 2016259, Curitiba estava em primeiro lugar no ranking de saldos negativos no estado do Paraná, sendo o maior fator da causa de desligamento às demissões sem justa causa (51%). Ademais, o relatório concluiu que a maior parte das admissões ocorrem na condição de reemprego e que uma porcentagem considerável dos trabalhadores é desligada com pouco tempo de vínculo empregatício (DIEESE, 2016c, p. 24). Em contrapartida, conforme último Boletim Informativo de emprego formal em Curitiba, em janeiro de 2017, o município registrou saldo positivo de 176 vínculos (DIEESE, 2017, p.2). Malgrado a agenda conte com um eixo próprio para tratar da equidade de gênero e raça, sobre a remuneração apurou-se, em 2013, que 57% dos homens recebiam valores superiores a 2/3 do salário mínimo vigente, ao passo que as mulheres, apenas 36,4%. Sob a ótica da questão étnica, 36,9% dos pretos, pardos e indígenas auferiam a renda superior a 2/3 do salário mínimo vigente, conquanto brancos e amarelos atingiram a porcentagem de 51,4% (DIEESE, 2015, p.20). 5. APONTAMENTOS COMPARATIVOS As estruturas das agendas ora em análise são semelhantes: todas, com mais ou menos detalhes, traçam o histórico do compromisso firmado com a OIT, sem maiores complexidades, descrevem o processo de criação e os atores que participaram de sua formulação, seus eixos prioritários, os resultados esperados e as estratégias de ação. Quanto à sua elaboração, as agendas foram construídas em consulta a comissões e grupos com diversos atores sociais, parecendo refletir uma experiência de diálogo social. Sobressai, contudo, nas agendas subnacionais um tripartismo ampliado260, fruto da colaboração de organizações independentes e especializadas em matéria de trabalho que não sejam ligadas diretamente ao Governo e à representação sindical. Esse modelo, que supera o tripartismo tradicional, supostamente auxilia tecnicamente as categorias representativas e transforma o debate em uma discussão, em tese, mais democrática261. Não obstante, não se encontra acessível, ao menos nos sites das instituições públicas e privadas participantes das consultas realizadas para a confecção das três agendas examinadas, documentos que evidenciem o processo e o conteúdo deste diálogo social, não se podendo, nos limites preambulares desta pesquisa, afirmar qual o poder de interferência dos participantes não estatais na redação final das agendas. Esta dúvida não é sem propósito, posto constar da PNTD trechos em que representantes dos empregadores registram objeções ao texto da agenda, inclusive negando existir qualquer noção aferível de Trabalho Decente e sua juridicidade (BRASIL, 2010, p. 4). A diferença substancial entre os documentos repousa nos eixos prioritários. Enquanto a ANTD trabalha com três temas específicos – promoção de empregos, erradicação do trabalho escravo e infantil e diálogo social – as agendas subnacionais trabalham com um número maior de eixos e, em especial a Agenda Bahia, com um nível mais alto de especificidade – v.g eixos serviço público e emprego doméstico. 258
Além dos Relatórios citados, o DIEESE conta com uma produção técnica que se desdobra em estudos temáticos, como saúde do trabalhador, e boletins mensais sobre o Emprego Formal em Curitiba. (DIEESE, 2018). 259 O período de análise compreende os anos de 2014 e 2015, a partir dos resultados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) do MTE (DIEESE, 2016c, p. 8). 260 Vasconcelos Júnior e Lima (2014) denominam de “tripartismo ampliado” ou “multipartite” a inclusão de outros atores do mundo do trabalho para além da clássica divisão da OIT em governo e representante dos trabalhadores e dos empregadores. 261 A nova tipologia do diálogo social é classificada em “Diálogo social ampliado/abrangente” e “Diálogo social ampliado/restrito”. Neste, incorporam-se outros atores além do tripartismo clássico, compreendendo representantes da sociedade civil. No diálogo social ampliado/abrangente, soma-se a característica do espaço para debate de questões mais amplas de política e economia (ABRAMO; ARAÚJO; BOLZON, 2013, p. 219-220).
148
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
A distinção relativa aos eixos prioritários e, por conseguinte, às metas e resultados fixados, em tese, evidenciam que as agendas subnacionais possibilitam diagnóstico e planejamento “personalizado”, segundo as prioridades locais, verificadas pelos atores executivos da região, propiciando um ambiente que, ao que parece, pode conferir maior exequibilidade a políticas públicas mais específicas, que dificilmente seriam pertinentes a todo vasto e eclético território brasileiro Ainda que temas como igualdade e equidade não comportem eixos específicos na ANTD, isto não significa que as demais prioridades desconsiderem grupos mais vulneráveis. Nesse ponto, o PNTD inclui em suas metas e indicadores o aumento nas taxas de participação e de ocupação das mulheres e da população negra, bem como a redução das desigualdades de rendimentos desses grupos, entre outros exemplos (BRASIL, 2010, p. 31). Ainda sob essa ótica, nas agendas subnacionais, o diálogo social não é designado como um eixo prioritário, embora o mesmo seja apresentado pela OIT diretamente como uma faceta do Trabalho Decente. Ainda que explicitamente não protagonize um eixo, o diálogo social parece ser um ponto de condição transversal para que, efetivamente, quaisquer das agendas seja um instrumento de governabilidade, em tese, democrática. Conquanto não vislumbrem políticas direcionadas para a promoção do diálogo social, as agendas subnacionais mantiveram laços com diversas representações de atores para sua elaboração. Nesse sentido, Rodgers (2002, p. 16) defende que é por meio do diálogo social que se pode conseguir amplo apoio para as outas dimensões do Trabalho Decente. Finalmente, duas questões extremamente problemáticas, e que já foram tangenciadas ao longo deste texto, emergem do cotejo das agendas entre si com a proposta global da OIT para o Trabalho Decente, sendo uma de caráter material e outra de viés procedimental. Em termos materiais (de conteúdo), as agendas brasileiras — em especial a ANTD — mostram-se extremamente preocupadas com a criação de empregos262, silenciando sobre a salvaguarda de direitos fundamentais trabalhistas e dizendo pouco ou quase nada sobre a ampliação da proteção social. Tal circunstância confere um desequilíbrio entre uma consideração supostamente equitativa desses elementos, que se infere das referências oficiais da OIT acerca dos quatro objetivos estratégicos para os quais devem convergir qualquer iniciativa em prol do Trabalho Decente, o qual, longe da pura e simples busca de uma colocação no mercado, preceitua que o emprego observe condições mínimas de dignidade (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 1999, p. 6). Demais disso, por haver participado, mediante cooperação técnica, da edição das agendas, era de se esperar que a OIT conduzisse um padrão minimamente aferível entre os planos nacional e subnacionais, sem descurar das peculiaridades de cada região envolvida. Procedimentalmente, a efetivação do diálogo social ainda comporta dúvida, no que respeita à produção e, mais importante, ao seguimento do cumprimento das agendas e seus planos. Parece sintomático que todas as agendas se declarem aprovadas mediante “consulta” de entidades representativas de trabalhadores e empregadores e que, a despeito disso, os documentos de registro desse diálogo não estejam à mão de qualquer cidadão que os queira conhecer. Demais disso, é perceptível o protagonismo dos órgãos estatais na construção das agendas, notadamente aqueles ligados ao Poder Executivo de cada ente federado, denotando possível monopólio das ações. Ainda na seara procedimental, cabe dúvida sobre o nível de operacionalidade das agendas como projeto autônomo de instauração de programas. A este respeito, chama a atenção a disparidade entre os indicadores eleitos para o seguimento da implementação das metas decorrentes das agendas, o que, se por um lado, decorre da diversidade de conteúdo própria a realidades e planos distintos, por outro, pode ser criticada pela ausência de um padrão mínimo de análise estatística da evolução de um país, tomado nacional ou regionalmente, no que se refere ao Trabalho Decente. Afinal, é possível um índice geral, capaz de medir o Trabalho Decente? O que uma resposta 262
Prova disso são as inúmeras linhas do PNTD destinadas a justificar a importância do foco nas “políticas de emprego”, em razão da “crise econômico-financeira internacional”, temas que tiveram dedicados a si, cada qual, um tópico específico, no documento (BRASIL, 2010, p. 8-14).
149
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
negativa diz sobre a efetividade das agendas nacionais e subnacionais alinhavadas pela OIT? São perguntas que, pensa-se, merecem atenção. 6. CONCLUSÃO Conquanto construídas sob pretenso diálogo social, para além de importante disparidade de conteúdo (eixos e metas) entre as agendas examinadas e seus planos complementares, notase seu evidente descompasso com Trabalho Decente, à luz dos objetivos estratégicos propostos pela OIT, dado o eloquente alijamento de qualquer medida voltada à proteção de direitos fundamentais nas relações de trabalho e da falta de atenção à ampliação da proteção social, constatação grave, à vista do atual momento histórico nacional de implementação legislativa do ideário neoliberal de flexibilização dos direitos trabalhistas e de discussão parlamentar sobre rigorosa restrição de acesso a benefícios previdenciários. Por serem documentos que idealizem resultados pela adoção de políticas públicas sujeitas a critérios políticos de discricionariedade, obviamente, o fato de descreverem estratégias para a promoção do Trabalho Decente não confere às agendas e seus documentos desdobrados capacidade de, per si, produzir transformação da realidade social. Por outro lado, se devidamente apropriadas pela sociedade civil, as agendas de Trabalho Decente, instrumentos dirigentes que são, podem vir a ter seu cumprimento cobrado de modo mais ferrenho, com vistas à efetiva adoção de medidas estatais voltadas ao combate das formas de precarização do trabalho, em especial aquelas fomentadas pela nova realidade jurídico-trabalhista brasileira. Um encaminhamento para o problema dos indicadores sobre o Trabalho Decente pode facilitar a popularização do tema. Se para a OIT a proposta de uma agenda de Trabalho Decente relaciona-se intimamente com a construção de um projeto em torno da realidade de cada região, faz-se necessário maior rigor e acuidade com o conteúdo e com o processo de produção das agendas vis-à-vis a realidade hodierna das relações de trabalho, sempre atenta à preservação dos espaços ativos e relevantes da sociedade civil nestes campos de debate, porquanto se vislumbra a democratização procedimental como condição essencial para o avanço estrutural e perene das medidas de promoção do Trabalho Decente. De outro modo, a OIT arrisca-se a se ver às voltas com novo retrocesso em sua intenção perene de protagonizar a regulação das relações de trabalho. REFERÊNCIAS ABRAMO, Laís. Trabalho Decente: o itinerário de uma proposta. Bahia Análise & Dados, Salvador, v. 20, n. 2/3, p. 151-171, jul./set. 2010. ______; SANCHES, Solange & COSTANZI, Rogério. Análise preliminar dos déficits de trabalho decente no Brasil no período 1992-2006. In: Coletânea do XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, Caxambu-MG, 29 de setembro a 3 de outubro de 2008. ______; ARAÚJO, Andrea; BOLZON, Andréa. Tripartismo e participação social: potencialidades e desafios do encontro entre dois processos na I Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente. Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho, [S.l], v. 30, n. 18, p.211-248, 2013. Disponível em: <https://goo.gl/35JjhQ>. Acesso em: 20 jan. 2018. BAHIA. Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte. Agenda Bahia Trabalho Decente. Salvador, 2007. Disponível em: <https://goo.gl/NDqi48>. Acesso em: 13 jan. 2017. ______. Programa Bahia Trabalho Decente. Salvador, 2011. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Agenda Nacional do Trabalho Decente. Brasília, 2006. 20p. Disponível em: <https://goo.gl/U1ByiE>. Acesso em: 13 jan. 2017. 150
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
______. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria MTE n.º 540, de 07 de novembro de 2007. Brasília: Diário Oficial da União, 2007. ______. Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente: gerar emprego e trabalho decente para combater a pobreza e as desigualdades sociais. Brasília, DF, 2010. 44 p. Disponível em: <https://goo.gl/ JFYqZj>. Acesso em: 13 jan. 2017. CRIVELLI, Ericson. Direito internacional do trabalho contemporâneo. São Paulo: LTr, 2010. CURITIBA. Secretaria Municipal do Trabalho e Emprego. Agenda Curitiba Trabalho Decente. Curitiba. 2012. 48p. Disponível em: <https://goo.gl/RLytcp>. Acesso em: 20 jan. 2018. DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Anuário do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda 2015: Indicadores da Agenda de Trabalho Decente: livro 7. São Paulo, 2015. ______. Programa do Seguro Desemprego no Estado da Bahia. Salvador: DIEESE, 2016a. Disponível em: <https://goo.gl/qhzz96>. Acesso em: 20 jan. 2018. ______. Análise socioeconômica e das condições do mercado de trabalho na Bahia na década de 2010. Salvador: DIEESE, 2016b. Disponível em: <https://goo.gl/xXYwJ1>. Acesso em: 20 jan. 2018. ______. Boletim do Emprego Formal em Curitiba. Curitiba: DIEESE, 2017. Disponível em: <https:// goo.gl/hxpLcb>. Acesso em: 29 jan. 2018. ______. Boletim do emprego formal celetista: movimentação entre 2014 e 2015. Curitiba: DIEESE, 2016c. Disponível em: <https://goo.gl/DSjbDp>. Acesso em: 29 jan. 2018. ______. Produção Técnica. Disponível em: <http://curitiba.dieese.org.br/producoes-tecnicas.php>. Acesso em: 30 jan. 2018. MAEDA, Patrícia. A era dos zero direitos: trabalho decente, terceirização e contrato zero-hora. São Paulo: LTr, 2017. MOCELIN, Daniel Gustavo. Do Trabalho Precário ao trabalho decente? A qualidade do emprego como perspectiva analítica. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 42, n. 2, p.47-62, jul. 2011. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). OIT BRASÍLIA. Trabalho decente no Brasil. Brasília, s.d. Disponível em: <https://goo.gl/hafH3z>. Acesso em: 13 jan. 2017. ______. Trabalho Decente nas Américas: uma agenda hemisférica, 2006-2015. Brasília, 2006. 86p. Disponível em: <https://goo.gl/ifb1Qt>. Acesso em: 20 ago. 2017. ______. Declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho. Disponível em: <https://goo.gl/zer6cx>. Acesso em: 29 jan. 2018. ______. ESCRITÓRIO NO BRASIL. Perfil do trabalho decente no Brasil. Brasília: OIT, 2009. Disponível em: <https://goo.gl/71x8kF>. Acesso em: 30 jan. 2018. ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO. CONFERENCIA INTERNACIONAL DEL TRABAJO. 87ª reúnion. Memoria Del Director General del. Trabajo decente. Genebra: Oficina Internacional del Trabajo, Ginebra, jun. 1999. Disponível em: <https://goo.gl/stc837>. Acesso em: 30 jan. 2018. PRONI, Marcelo Weishaupt; ROCHA, Thaíssa Tamarindo da. A OIT e a promoção do trabalho decente no Brasil. Revista da ABET, Curitiba, v. 9, n. 1, p. 11-33, jan./jun. 2010. 151
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
RODGERS, Gerry. El trabajo decente como una meta para la economía global. Boletín Cinterfor, nº 153, p. 9-28. Montevideo, Uruguai, 2002. SENHBRUCH, K. et al. (2015), Human Development and Decent Work: Why some Concepts Succeed and Others Fail to Make an Impact. Development and Change, 46: 197–224. doi:10.1111/dech.12149 SILVA, Tatiana Dias; VASCONCELOS JÚNIOR, Nilton. Trabalho Decente: uma agenda para a Bahia. Bahia Análise & Dados, Salvador, v. 20, n. 2/3 p.229-241, jul./set. 2010. STANDING, Guy. The ILO: An Agency for Globalization?. Development And Change, [s.l.], v. 39, n. 3, p.355-384, maio 2008. Wiley-Blackwell. http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-7660.2008.00484.x. STANDING, Guy. The International Labour Organization. New Political Economy, [s.l.], v. 15, n. 2, p.307-318, jun. 2010. Informa UK Limited. URIARTE, Oscar Ermida. Trabajo decente y formación profesional. Ginebra: Boletín Cinterfor, 2001. Disponível em: <https://goo.gl/swJqFi>. Acesso em: 28 jan. 2018. VASCONCELOS JÚNIOR, Nilton; LIMA, Patrícia Lacerda Trindade de. A Agenda Bahia do Trabalho Decente: diálogo e participação social no mundo do trabalho. 2014. Trabalho apresentado no XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, São Pedro/SP, 2014. Disponível em: <https://goo. gl/43EG3V>. Acesso em: 20 jan. 2018.
152
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Oficina II
153
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Clรกudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
154
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
CONFLITO ENTRE O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA VERSUS PRINCÍPIO DA EXISTÊNCIA DO PRÉ-CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL: uma análise de terceirizados análogos sob a “fórmula peso” de Robert Alexy CONFLICT BETWEEN THE PRINCIPLE OF DIGNITY OF THE HUMAN PERSON VERSUS PRINCIPLE OF THE EXISTENCE OF SOCIAL SECURITY PRE-COST: an analysis of analogue third parties under the “weight formula” of Robert Alexy Jurandir Pereira Da Silva Filho263 RESUMO: O presente artigo visa abordar um caso prático onde idosos terceirizados rurais em situação análogas ao trabalho escravo são resgatados, o desafio maior é como um juiz a quo deveria aplicar a fórmula peso do Robert Alexy, filósofo alemão, pai da Teoria dos Direitos Fundamentais. Há um eminente confronto entre dois princípios basilares, de um lado a dignidade da pessoa humana, do outro, pré-custeio, sustento fundamental da nossa Seguridade Social, contudo, um deles deve ser afastado e o outro aplicado em sua totalidade, sem um prejudicar o outro. Palavras Chaves: Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Robert Alexy, Fórmula Peso, Princípio da Pré-Existência do Custeio. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Dados DIEESE e a realidade da terceirização; 2.1. Dumping social, um braço da terceirização; 3. O dano existencial na jornada excessiva, uma analogia ao trabalho escravo; 4. O trabalho escravo mundo-brasil; 5. Fiscalização ministério público do trabalho – dados atualizados; 6. Doutrina por Robert Alexy; 6.1. Fórmula peso; 6.2. Dignidade humana por Alexy; 7. Princípio da pré-existência do custeio (Artigo 195, §5º); 8. Caso prático e aplicação da dignidade humana versus princípio do pré-existência do custeio; 9. Conclusão; 10. Referências. ABSTRACT: This article aims to address a practical case where rural outsourced elderly in situations analogous to slave labor are rescued; the greatest challenge is how a judge a quo should apply the weight formula of Robert Alexy, German philosopher, father of Fundamental Rights Theory. There is an eminent confrontation between two basic principles, on the one hand the dignity of the human person, on the other, pre-costing, fundamental sustenance of our Social Security, however, one must be removed and the other applied in its totality, without the other. Keywords: Principle of Dignity of the Human Person, Robert Alexy, Weight Formula, Principle of Pre-Existence of Costing. SUMMARY: 1. Introduction; 2. DIEESE data and the reality of outsourcing; 2.1. Social dumping, an outsourcing arm; 3. The existential damage in the excessive journey, an analogy to slave labor; 4. World-Brazil slave labor; 5. Public Labor Ministry Surveillance - updated data; 6. Doctrine by Robert Alexy; 6.1. Formula weight; 6.2. Human dignity by Alexy; 7. Principle of pre-existing costing (Article 195, §5); 8. Practical case and application of human dignity versus cost pre-existence principle; 9. Conclusion; 10. References. 1. INTRODUÇÃO O Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) entre os anos de 2010 à 2013 fez um levantamento no Brasil com números alarmantes: Dos 3.553 trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão, 3.000 eram terceirizados nas 10 principais operações. Com esses dados, somando à um caso prático, onde havia pessoas idosas 263
Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Anhanguera-Uniderp. Graduado pelo IESP. Advogado na área Previdenciária.
155
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
com doenças ocupacionais que já deveriam gozar de sua aposentadoria e não tiveram seus proventos recolhidos por anos, ou seja, não houve um prévio custeio. Há um confronto claro entre a previdência alegando que sem a carência e o custeio não seria possível conceder, pois abriria precedentes para outros casos, lesando o Estado. Do outro lado, às partes alegam que não conseguiriam custear pela situação análoga e presam pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana. O artigo visa trazer uma solução, observando o peso abstrato (relevância), grau de interferência dos princípios (cumprir os princípios) e evidência (diante do confronto, quem teria maior ou menor evidência) segundo Robert Alexy. Em suma, os pesos seriam aplicados por um juiz no caso prático: Aplicando a “fórmula peso” do Robert Alexy poderia aposenta-los desconsiderando o princípio do pré-custeio e aplicando apenas o princípio da dignidade da pessoa humana? 2. DADOS DIEESE E A REALIDADE DA TERCEIRIZAÇÃO O Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos² entre os anos de 2010 e 2013 fez um estudo minucioso sobre os terceirizados no nosso país com às profissões que mais possuíam uma mão de obra terceirizadas e fez alguma revelações surpreendentes, na parte de serviços elétricos por exemplo, de 61 terceirizados perderam suas vidas contra 18 de empregados diretos (CLT), os que trabalhavam em construções de edifícios, de 75 falecimento eram de terceirizados no total de 135 morte. Já em 2014 o Departamento apontou uma rotatividade maior em empregos, gerando uma maior base de auxílios desempregos, pois o tempo médio dos contratos que antes era de 34,1 meses (2 anos e 10 meses), enquanto que em 2010 com uma maior rigidez na terceirização, esse período era de 70,3 meses (5 anos e 10 meses). O DIEESE ainda concluiu que nesse mesmo período, a operação de resgate dos trabalhadores em situaçãoanáloga à escravidão de 3.553 casos, quase 3.000 eram terceirizados, acentuando-se o ano de 2013. Tudo isso tende agravar, gerando prejuízos para os trabalhadores, para o sistema da Seguridade Social, pois terão mais trabalhadores doentes e acidentados. Para a Previdência Social ainda haverá uma diminuição dos recolhimentos mensais pela diminuição da renda advinda do trabalho, uma vez que o recolhimento seria falho. A solução é que quando bem fiscalizado, por meio jurídico, invocasse a instruções normativas dos superiores tribunais para que termos o prévio bloqueio via BACENJUD para uma efetivação do mínimo de custeio para previdência, recolhendo os tributos previdenciários devidos. 2.1 DUMPING SOCIAL, UM BRAÇO DA TERCEIRIZAÇÃO A Juíza do trabalho e pesquisadora da RENAPEDTS – Rede Nacional de Pesquisa e Estudos em Direito do Trabalho e Previdência Social, Valdete Souto Severo, no seu recente artigo Terceirização, Dumping Social e Direito do trabalho: Compreendendo os riscos da lógica liberal e retomando os rumos da legis. social ³ alude há um link muito interessante de como essa realidade é presente nos dias atuais, explicando claramente que o dumping social pode ser uma prática reiterada do descumprimento não só da legislação trabalhista, mas de todo conjunto social, um verdadeiro desrespeito às normas vigentes para que cresçam no mercado um tanto acirrado. Essa prática nasceu nos países do Hemisfério Norte, com um significa livre de lixo – Sobretudo sobre aqueles países destruídos pela guerra – Pois necessitam se refazer diante do comércio internacional, rebaixando assim com essa prática a qualidade de vida dos trabalhadores, direitos sociais e o principal, uma vantagem econômica sobre aqueles empregadores que cumpriam às obrigações jurídicas jus laborativas de cada funcionário. Aliado a isso, e vinculado ao nosso tema, os trabalhos análogos ao escravo começaram de certo modo abrir grandes escalas no mundo, ganhando forças depois em países como China (Eletrônicos), Filipinas e Espanha (Vestuários) – Implementando uma cultura nos empresários mundiais que esses países mesmo com economia enfraquecida, tinham 156
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
uma “super vantagem competitiva” –. Na prática, quando vemos alguns dados anuais de pesquisa, observamos que o dumping aliado a terceirização, pois ambos são subsequentes, há uma tática mascarada de insegurança diante da perda dos postos de trabalho; Trabalhadores já conformados à inexistência de qualquer garantia trabalhista, como gozo de descansos (anuais principalmente) e quanto a dignidade humana, uma verdadeira ausência de pertencimento ao ambiente de trabalho, pois não teriam autoestima de levantar a cabeça, nem vozes para aqueles que no raciocínio lógico boicotam o sistema constitucional do pleno emprego e ainda do primado valor social do trabalho. E mais, quando descobrimos que no final, sem surpresas, a tomadora dos serviços é na realidade a empregadora da força de trabalho, ou seja, aquela que faz dumping e a terceirização, que deveria ser apenas solidária em diversos aspectos nada mais é, que a principal no meio ‘sugatório’. Quando partimos para condenação desses abusos que resultam em trabalho análogos, terceirização, o dumping social entra em fase de esquecimento e difícil de quantificar nas esferas jurídicas nacionais, principalmente na forma incidental. Na racionalidade liberal, a autora destaca por exemplo que a mentalidade burguesa ainda é determinante em nosso modo de aplicar o Direito, até mesmo por seu caráter genético de forma jurídica para permitir que um tipo especifico de sociedade (capitalista) se desenvolva. De modo que ainda iremos galgar muito para um bom reconhecimento do dumping social. 3. O DANO EXISTENCIAL NA JORNADA EXCESSIVA, UMA ANALOGIA AO TRABALHO ESCRAVO Continuando a falar de ideias e raciocínios liberais, a nova reforma traz uma imensa dificuldade quanto ao dano e suas vertigens no tocante a jornada excessiva de trabalho, que beira muitas vezes em uma jornada quase análoga. Irei descrever nesse tópico, lineares conceituais em sua caracterização, uma outra opção um Juiz a quo poderia tomar no caso concreto. Como juristas, inicialmente podemos ver o dano como violação à um interesse pessoal de liberdade e constitucionalmente protegido. No campo trabalhista, o dano é aquilo que o empregado é violado de forma que prejudiquem sua vida pessoal, e excessivo quando frustram os seus poderes vitais jus laborativos, em resumo, aquilo que não colabora para uma boa-saúde psíquica e física. O professor peruano Carlos Fernandez Sessarego em publicação na revista Foro Jurídico - Pela Faculdad de Derecho de la Ponticia Católica del Perú 4 em 2003, defendeu que os danos dos projetos de vida da pessoa é a não implicância de certeza, podendo ter consequências em três tríades da vida cotidiana: Intensidade – Aqui se concentra a frustação inicial da vida pessoal, de forma parcial ao cumprimento de projetos. É um começo da auto sabotagem com elevadas doses de baixa-estima. Consequência – Um retardo na realização dos projetos em níveis rápidos na escala dos sonhos futuros. Magnitude – A junção da intensidade e consequência se origina a frustação total e o consequente reflexo psíquico e físico nos trabalhadores. Sendo algo in re ipsa na violação dos direitos fundamentais. Em cunho histórico, o dano tomou forma a partir da segunda Constituição italiana em 1948, reconhecendo que além do dano criminal, haveria outras vertentes das violações constitucionais, como o direito a saúde, batizados incialmente como danos biológicos, no qual se caracterizou mais a frente como dano existencial, pelo fato de envolver o sujeito, aspectos da vida social e familiar. Visto ainda, níveis detectáveis pelo sofrimento em atividades profissionais que resplandeciam na vida pessoal, de modo que sua principal característica era o ‘não fazer’ ou ‘não conseguir’ fazer projetos da vida pessoal (perturbamento dell’’agenda). Nacionalmente, esse gancho é muito bem explanado pelo Júlio César Bebber em seu artigo Danos Extrapatrimoniais (estético, biológico e existencial) – breves considerações5 publicado na revista LTR em 2009, quando descreve que no Brasil a sua recepção continuou como um 157
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Dano Existencial, existencial pelo fato de que o seu impacto provoca um vazio existencial no homem que perde sua gratificação vital por projetos. Sônia Mascaro Nascimento6 igualmente o reconhece e adiciona que tudo isso advém da relação ilegal patronal de modo que não deixa o trabalhador mais se autodeterminar, cita-se como exemplo: Direito ao lazer (art.6º), acesso à educação fora do horário de trabalho (art.205), acesso à cultura em seus momentos de lazer (art.215), realização de atividades desportivas (art.217) e convivência familiar (art. 227 e 229), uma questão sempre colocada em cheque e sempre nos remete a isso é a jornada excessiva de trabalho, que mesmo estabelecido o sistema de prorrogação e compensação de jornada, é onde os órgãos fiscalizatórios esbarram e condenam, pois passam das 11, 12, 13 horas fácil, principalmente os trabalhadores rurais no qual não possuem instruções e seus mandatários alegam que os mesmos estendem sua jornada por força maior (na lavoura, em épocas de pré-chuva ou na temporada de colheita/plantio). Contudo, de forma continua, esquecendo que por ‘força maior’ é no máximo 45 dias anuais como descreve a carta superior trabalhista, e então entra não só a aplicação do dano existencial por desse critério horizontal, pois ceifa o convívio familiar e apresenta um cansaço excessivo nos trabalhadores, mas também uma característica fácil de trabalho análogo ao escravo. O entorse no recolho previdenciário fica totalmente comprometido, uma vez que há desconto de férias quando os juízes não trabalhistas e apenas federais, por esquecimento ou falta de ajustes, não afastam ‘pontos piradas’ (britânico). É uma prática integrada dos grandes empresários nacionais: Dumping Social e o desdobramento para o Dano Existencial. É preciso avanços humanitários em um judiciário. 4. O TRABALHO ESCRAVO MUNDO-BRASIL Devemos imaginar que a escravidão é tão antiga quanto a humanidade na terra, pois é quase impossível não reconhecermos que enquanto homens queremos utilizar o trabalho do semelhante para satisfazer nossas necessidades de sobrevivência; o homem nasce, cresce, descobre o trabalho alheio e fica rico já dizia o ditado popular; No meio ambiente laboral, vemos que ao longo do tempo essa exploração só é racional com suas devidas pausas físicas e psíquicas e uma contraprestação em pecúnia; caso contrário, seria uma forma de trabalho forçado ou compulsório – todo trabalho ou serviço de uma pessoa sob ameaça de sanção, no qual ela não se ofereceu espontaneamente - e nesse caso, a Organização Mundial do Trabalho (OIT) nas suas Convenções ns.29 e 105 de 1930 pedem veementemente sua eliminação, no qual o nosso país é signatário. Elisaide Trevisan, em Trabalho escravo no Brasil contemporâneo. Entre as presas da clandestinidade e as garras da exclusão (2015)7 deixa claro que a escravidão faz-se presente na atualidade em escala mundial, sendo uma nobre particularidade dos países em desenvolvimento, pois estão na plena ascensão da economia capitalista refletindo sobretudo em escala global na dignidade da pessoa humana. No Brasil, o brilhante autor Julpiano Chaves Cortez em Trabalho escravo no contrato de emprego e os direitos fundamentais (2014)8 confirma que já sabíamos, o trabalho forçado ou escravo no nosso país se dá pela servidão de dividas, coagido pelo patrão moral ou física justificado por esse possível débito, enraizando ainda o trabalhador que se localiza em lugares ermos, fica obrigado a adquirir suplementos básicos (mercadorias) em lojas e armazéns apenas do empregador com preços elevados (truck system ou ‘sistema de barracão’) tornando a dívida quase impossível de ser paga e o mesmo ficando sempre no emprego com a esperança que um dia pague tudo. A partir disso, vem o processo a restrição de locomoção, restringindo o ir e vir, consequente quebrando do princípio da dignidade da pessoa humana; cria-se o cárcere, tipificado no código penal. Criando o círculo já citado das jornadas exaustivas em condições degradantes com restrição da autodeterminação do trabalho. 158
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
A autora Isabela Parelli Haddad Flaitt, contrapõe em O trabalho escravo à luz ds Convenções ns.29 e 105 da organização internacional do trabalho9 cita que trabalho degradante é outra vertente, pois não há falta de liberdade do trabalhador, mas sim por falta de opção do obreiro e não por livre e espontânea vontade, seja por morar em localidade com alto índice de desemprego ou melhores condições de dignidade, havendo algo parecido com voluntariedade por parte do trabalhador, mas verdadeiramente uma condição indigna e aviltantes do labor, onde o empregado a qualquer momento ou buscando algo melhor, pode sair. É importante temos às duas visões para um enriquecimento laboral. Ainda assim, acredito que é apenas uma diferenciação apenas de nomenclatura. 5. FISCALIZAÇÃO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – DADOSATUALIZADOS Com certeza se o poder fiscalizatório do empregador fosse exercido dentro da lei, onde é entendido quando o mesmo assume o risco de empreender, como versa o artigo 2° da CLT, entendendo-se que junto vêm todo recolhimento previdenciário legal, o número de empregos mantidos, meio ambiente do trabalho, dentre outros mecanismos do bem estar social, teríamos um outro Brasil. Todavia, os números mostram um outro país, uma vez que criou-se um dogma empresarial que ao assinar uma CTPS torna atividade econômica mais volátil ao fracasso pelos altos custos tributários. Entendimento isso, em um mundo paralelo joga-se contra o trabalhador situações adversas e descobertas legalmente, começando com uma margem para o trabalho análogo ao escravo, pois uma vez que o obreiro se submete às situações sem recolhimentos legais, mais a frente é quase certo que terá abusos nas esferas salarias e condições de trabalho degradantes. Em números recentes, divulgados em 17 de Janeiro de 2018 pelo portal G110 com base de dados do Ministério do Trabalho, o número de erradicação de trabalho escravo caiu 23,5% em 2017 comparado a 2016 (88 fiscalizações, contra 175 em 2016) uma diminuição latente ainda quando compara ao número de resgatados, apenas 341 (menor desde 1998 – 159 casos) e em relação a 2016, quando foram resgatados 885 trabalhadores, a redução gira em torno de 61,5% Sendo que de 2001 a 2015 esses números passavam de 1 mil resgatados. Quando confrontado o Ministério do Trabalho alega alguns fatores11: 1) Que os resgates do trabalhos análogos são baseados em denúncias; 2) Corte orçamentário no ano de 2017 nas atividades rotineiras de fiscalização; 3) Mudança do comportamento do empresariado, onde na maioria das operações são encontrados apenas 40 trabalhos e uma mudança para contratos curtos, o que dificulta às operações. Pois muitos giram em torno de contratos intermitentes; 4) Portaria Governamental (lista suja – nº 1.129) alterando conceitos, qualificações e condições para atender e identificar requisitos do trabalho escravo, de cunho mais político e menos efetivo, portaria essa que durou alguns meses mas de crucial perda nas operações.
Com a ministra Rosa Weber, por meio do STF suspendendo a portaria, espera-se que o Ministério Público do Trabalho retorne efetivamente suas operações. 6. DOUTRINA POR ROBERT ALEXY Segundo o Prof. Dr. Phd. hc. Robert Alexy, em sua obra Dignidade Humana, Direitos Sociais e Não-positivismo inclusivo devemos entender primeiro a relatividade12 da Dignidade Humana ou o seu absolutismo, onde nesse último o conceito de dignidade é considerado uma norma, que em outras palavras é considerada regra, que exige algo determinado para exercer o comandos definitivo. O exemplo clássico que vemos a seguir, é a impossibilitando aplicar uma proporcionalidade sobre elas, sob pairando sobre qualquer princípio que viesse confrontá-la; já em caráter relativo, a dignidade seria preponderada pelo fato de não ser respeitada como algo maior, uma vez que violada em caso concreto, seria aplicado por exemplo os mandamentos do princípio da proporcionalidade. 159
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
No caso objeto desse artigo, devemos observar à priori três condicionantes: o grau de intensidade do ‘porquê’ da não aplicabilidade absoluta da Dignidade da Pessoa Humana, o segundo, seria aplicando o relativismo do interesse público sobre sua não aplicabilidade e a terceira, a justificativa concreta, trazendo fatos e dados. Na opinião do autor, criador da Teoria dos Princípios, o mesmo acredita que a maioria dos casos da Dignidade da Pessoa Humana é relativa, uma vez ‘que algo seja realizado na maior amplitude possível, consideradas as possibilidades jurídicas e de fato’, adquirindo assim um caráter principiológico, com pilares basilares do princípio da adequação e proporcionalidade. Contudo, não há o descarte da parte absoluta do princípio da dignidade humana, pois há casos que há impossibilidade do seu balanceamento. 6.1 FÓRMULA PESO Em suma, quanto mais não tiver aceitação ou encaixe de um princípio, maior será a preponderância do outro princípio para atender às exigências de um caso concreto, mas para aplica-lo, o julgador deveria ter certeza que o um direito fundamental poderia ser ponderado, sendo possível por exemplo conhecer o precedente da sua origem, para que sua aplicação absoluta ou relativa não seja equivocada e venha mais a frente ser reformado pelas demais cortes. Para isso, o Alexy norteia com a Fórmula Peso, afim de sanar dúvidas à prima facie em cortes superiores, com ampla aceitação na Alemanha e agora, trago em caso prático brasileiro sua aplicabilidade como uma possível viabilidade. Começando, devemos então ter em mente alguns pesos descritos pelo autor: 1) Peso Concreto: Relativo aos princípios que irão colidir, analisando sua intensidade, satisfação da aplicabilidade do colidente; 2) Peso Abstrato: Analise sobre uma possível anulação, regulando a superioridade de um versus outro, aqui se relativo, a dignidade humana poderia receber qualificações como leve (1) ou moderada (2), se absoluta receberia severo (4), sequência geométrica no qual leva o nome de escala triádica, equacionando os fatos apresentados como confiável, certo, plausível e não evidentemente falso. 6.2 DIGNIDADE HUMANA POR ALEXY O autor em um dos seus muitos conceitos, preceitua a dignidade como algo de alta complexidade, pois a mesma possuí elementos normativos, avaliativos, descritivos e empíricos. O autor destaca o elemento descritivo como principal, pois requer autonomia descrita por Emmanuel Kant em sua teoria moral, como sendo base da dignidade da natureza humana e de toda natureza racional. Já em sua descrição jurídica, o mesmo invoca a parte empírica, pois passa por um direito de existir e o direito de tomar decisões de qualquer tipo, ligado a uma base descritiva mais ampla, como o conceito de pessoa - para Alexy, para ser considerado pessoa, o humano deve atender três requisitos em conjunto: Inteligência, sentimento e consciência - e somente a partir daí teríamos a discussão inicial sobre dignidade humana. 7. PRINCÍPIO DA PRÉ-EXISTÊNCIA DO CUSTEIO (ARTIGO 195, §5º) Como sabemos, esse princípio junto a universalidade estrutura e mantem todo equilíbrio financeiro da seguridade social e sem eles, seriam impossíveis o custeio pois toda criação ou aditamento deve ter base nesses dois princípios em conjunto, aqui o mesmo toma forma para Alexy como princípio e não como regra, pois na lição de Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macedo13, principalmente esse o pré-custeio é o comezinho da boa administração pública, em consonância com o qual somente podem ser feito gastos quando previamente estabelecidos fontes de custeio. 160
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
8. CASO PRÁTICO E APLICAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA VERSUS PRINCÍPIO DO PRÉ-EXISTÊNCIA DO CUSTEIO Dona Maria, acima de 70 anos de idade foi resgatada em situação análoga a escrava (insalubre, nunca usara EPI, banheiros de lona, salários abaixo da média e ‘dividas’ com o senhores da fazenda), com diversos problemas de saúde, sua situação era única: perceber o auxílio doença, diante de tantas doenças ocupacionais e mais a frente aposentar-se; chegando para marcar uma perícia no INSS, a mesma recebera uma negativa, pois sua contribuição nunca foi recolhida, seu pré-custeio como ruralista e carência para perceber daquele auxílio NUNCA EXISTIU, mesmo provando um possível contrato como extratora de cana, soja e mais algumas folhas de deposito nada constava para o INSS. Seu patrão, quando chamado à justiça, interpelado em audiência pelo julgador, afirmou que a mesma era autônoma, mas dona Maria em contrarrazões possuía um contrato de gaveta - Para fugir da situação que se encaixa no inciso 2º da CLT e no rol de uma possível ‘lista suja’ seu patrão se fez de despercebido e falou que aquele contrato era de curto período de tempo, que se fosse para caracterizar, seria terceirizada e por outra firma (CNPJ) no qual ele não poderia ser passivo da ação, uma vez que o poder fiscalizatório pelo tamanho da empresa (engenho) teve que contratar uma outra “companhia” mesmo sabendo que aquele seria o trabalho fim da empresa. O juiz, muito sábio usou uma forma de Alexy, no qual ponderou o princípio da dignidade humana, pois era nítida a situação adversa da Dona Maria e do Pré-custeio, uma vez que sua maior preocupação era conceder o auxílio a uma senhora em situação análoga que pela sua idade e estado de saúde gozavam daquele direito, não poderia abrir precedentes para algo que poderia prejudicar a previdência. O sábio Wladimir Novaes Martinez14, entende-se de certo modo por parte do legislador aplicar um benefícios compatível com a força econômico-financeira do sistema aliando com às necessidades do indivíduo, obviamente, elegendo-se a distinção entre riscos programáveis e não programáveis, privilegiando as incapacidades em comparação a outras contingências protegíeis. Aplicou-se então uma forma de Alexy, como peso ABSTRATO de ambos os princípios dando peso 4, o grau de INTERFERÊNCIA (cumprimento do princípio) da dignidade humana foi dado peso 4, versus 2 para o principio do pré-custeio e no que tange a EVIDÊNCIA (menor relevância) também aplicado o peso de variação 4 na Dignidade e 2 no pré-custeio. Com isso a Dignidade Humana superou o Pré-Custeio e a Dona Maria passou a receber o auxílio doença e espera muito em breve se aposentar. Como solução para a Previdência não ficar descoberta, o Juiz condenou além de indenização à Dona Maria, bloqueou parte dos bens do patrão da Dona Maria, repassando parte das denúncias ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, e as verbas previdenciárias com correção recolhidas, não exigindo assim a carência. 9. CONCLUSÃO Com esse trabalho pude concluir que a ratio decidendi de uma ação tão complexa como essa, torna o Robert Alexy palpável à luz da justiça brasileira, os freios e contra pesos das suas variáveis nós fizeram enxergar de como o complexo fica fácil, fica claro, quando ponderamos. A história da Dona Maria mostra que podemos confiar no judiciário brasileiro quando mostramos caminhos menos tortuosos para solucionarmos algo que nos afligem à tantos anos: Fraudes à verbas previdenciárias, dentre outras de cunho trabalhista. Diante de uma possível reforma previdenciária, se alguns juízes pensassem como o caso Dona Maria, teríamos ganhos em escalas não só para desafogar o judiciário evitando muitas vezes recursos protelatórios, mas ganho com o principal: Arrecadação. Uma vez que afastado a carência, com o bloqueio judicial fez do custeio um mero detalhe assecuratório. Cabendo ainda uma maior fiscalização quando observamos que para assegurar a dignidade humana não basta 161
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
aplicar a regra, mas observar que a vida humana obreira na verdade é o verdadeiro princípio, base e meio para alcançarmos e lutarmos pela verdadeira justiça previdenciária e trabalhista. REFERÊNCIAS ALEXY, ROBERT. Teoria dos Direitos Fundamentais. 5ª ed., Tradução de Virgílio Afonso da Silva, São Paulo: Malheiros, 2008. Dados DIEESE; http://hdl.handle.net/10183/36707. SEVERO, Valdete Souto. Terceirização, Dumping Social e Direito do trabalho: Compreendendo os riscos da lógica liberal e retomando os rumos da legislação Social. São Paulo -LTR-2016. SESSAREGO, Carlos Fernandez. Deslinde conceptual entre “daño a la persona”, “daño ao proyecto de vida” e “daño moral”. Revista Foro Jurídico, año 1, n.02, Faculdad de Derecho de la Ponticia Católica del Perú, julio de 2003. BEBBER, Júlio Cesar. Danos Extrapatrimoniais (estético, biológico e existencial) – breves considerações. Revista Ltr, vol. 73. n. 73, n. 01, Janeiro de 2009, p.28. NASCIMENTO. Sônia Mascaro. Dano existencial nas relações de trabalho. Revista Ltr, vol. 78, n. 08, p.965-972, agosto de 2014, passim. TREVISAM, Elisaide. Trabalho escravo no Brasil contemporâneo. Entre as presas da clandestinidade e as garras da exclusão. Curitiba: Juruá, 2015. CORTEZ, Julpiano Chaves. Trabalho escravo no contrato de emprego e os direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014. FLAITT, Isabela Parelli Haddad. O Trabalho escravo à luz das Convenções ns.29 e 105 da organização internacional do trabalho. In: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de: COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Direito internacional do trabalho e as convenções internacionais da OIT comentadas. São Paulo: LTR, 2014. https://g1.globo.com/economia/noticia/n-de-operacoes-contra-trabalho-escravo-cai-235-em-1-ano-totalde-resgatados-e-o-menor-desde-1998.ghtml. https://g1.globo.com/economia/noticia/lista-suja-do-trabalho-escravo-so-sera-divulgada-apos-determinacao-de-ministro-preve-portaria.ghtml. ALEXY, ROBERT. Dignidade Humana, Direitos Sociais e Não-positivismo inclusivo. 2015. Qualis Editora. Eduardo Rocha Dias; José Leandro Monteiro de Macêdo, in Curso de Direito Previdenciário, Editora Método, 2008, página 122. MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. – 5. ed. - São Paulo: LTr, 2011. p.169.
162
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
A CONFIGURAÇÃO DO Acidente de Trabalho no TELETRABALHO CONFIGURATION OF WORK ACCIDENT IN THE TELEWORK Fernanda da Rocha Teixeira264* Entre os fortes e fracos, entre ricos e pobres, entre senhor e servo, é a liberdade que oprime e a lei que liberta”. Henri Lacordaire.265 RESUMO: Objetiva-se analisar a configuração do acidente de trabalho em modos de produção flexíveis, em sua dupla dimensão, trabalhista e previdenciária. Há muito que os sistemas de gestão rígidos fordista/taylorista coexistem com as técnicas implementadas pelo sistema toyotista de produção flexível. Pari passu, a produção globalizada e a automação deram origem a uma classe que vive do trabalho – conceito firmado pelo professor Ricardo Antunes – cada vez mais heterogênea e distante da configuração da relação de emprego segura e regulamentada. As novas configurações de trabalho, em especial em sistemas neoliberais, descontroem a estrutura das relações de trabalho, dificultando o enquadramento e a representatividade sindical, individualizando o trabalhador e o distanciando da estrutura produtiva, criando uma verdadeira crise de reconhecimento. O trabalho líquido – parafraseando a expressão cunhada por Bauman – vai de encontro às disposições convencionadas mundialmente que possuem em seu bojo a garantia dos Direitos Humanos do trabalhador como mecanismo de manutenção da paz mundial. Nesse cenário, busca-se trazer reflexões acerca da sistemática jurídica brasileira – controle de convencionalidade e constitucionalidade - de modo a garantir a proteção integral do meio-ambiente de trabalho por meio da ponderação dos direitos fundamentais, tendo como critério de proporcionalidade a dignidade da pessoa humana, utilizando-se como pano de fundo o ditame constitucional da livre iniciativa pautada pelo valor social do trabalho e pela solidariedade previdenciária. PALAVRAS-CHAVE: Acidente de Trabalho. Responsabilidade Civil. Teletrabalho. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O meio-ambiente laboral do teletrabalhador; 3. A configuração do acidente de trabalho no teletrabalho; 4. Considerações finais; 5. Referências bibliográficas. ABSTRACT: The objective of this study is to analyze the configuration of the work accident in flexible production methods, in its double dimension, labor and social security. Rigorous fordist / taylorist management systems have long coexisted with techniques implemented by the toyotista flexible production system. Pari passu, globalized production and automation have given rise to a class that lives on the job - a concept signed by Professor Ricardo Antunes - increasingly heterogeneous and distant from the configuration of the secure and regulated employment relationship. The new configurations of work, especially in neoliberal systems, disrupt the structure of labor relations, making it difficult to organize and union representation, individualizing the worker and distancing him from the productive structure, creating a real crisis of recognition. The net work - to paraphrase the expression coined by Bauman - is in agreement with the provisions agreed in the world that have the guarantee of the Human Rights of the worker as a mechanism for the maintenance of world peace. In this scenario, it is sought to reflect on the Brazilian legal system - control of conventionality and constitutionality - in order to guarantee 264
* Mestranda em Direito no Centro Universitário UDF (Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas), sob orientação acadêmica do Prof. Dr. Mauricio Godinho Delgado. Advogada. 265 Entre le fort et le faible, entre le riche et le pauvre, entre le maître et le serviteur, c’est la liberté qui opprime et la loi qui affranchit. Conférences de Notre-Dame de Paris, Henri Lacordaire, éd. Sagnier et Bray, 1848, p. 246 - LACORDAIRE
163
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
the integral protection of the working environment through the consideration of fundamental rights, having as a criterion of proportionality the dignity of the person human rights, using as a background the constitutional dictates of free enterprise based on the social value of work and social security solidarity. KEYWORDS: Work accident. Civil responsability. Telecommuting. SUMMARY: 1. Introduction; 2. The working environment of the teleworker; 3. The configuration of the work accident in telecommuting; 4. Final considerations; 5. Bibliographic references. 1. INTRODUÇÃO As relações flexíveis impulsionadas pelos sistemas de produção contemporâneos modificaram a estrutura das relações trabalhistas, com o claro intuito de fazer com que o empregado passe a assumir os riscos das relações de trabalho, diminuindo, assim, a responsabilidade do empregador. A realidade fática vai de encontro aos ditames da Carta Magna que, sustentada pelos fundamentos do Estado Democrático Direito, não permite que o empregado arque com os custos sociais das relações de trabalho; afinal, a ordem econômica, não obstante reconheça e garanta a livre iniciativa, não permite que haja desenvolvimento econômico sem a valorização do trabalho. A famigerada reforma trabalhista – Lei n.13.467/2017 – inseriu o capítulo II-A no Título II da CLT mitigando os efeitos da redação do artigo 6º da CLT que equiparava para todos os fins o teletrabalho ao trabalho realizado nas dependências do empregador. A referida modificação acabou por gerar extrema insegurança jurídica, que, em superficial interpretação, passa a assumir os riscos acidentários e a responsabilidade exclusiva pelo meio -ambiente laboral. No entanto, em um Estado Democrático de Direito, inserido em um sistema global de proteção ao trabalhador, deve-se analisar a nova sistemática à luz do controle de constitucionalidade e convencionalidade. É o que pretende este artigo. 2. O MEIO-AMBIENTE LABORAL DO TELETRABALHADOR Não há dúvida de que o teletrabalho é um mecanismo de descentralização da produção, no entanto, a depender da regulação que ordanemento lhe impor pode se transformar em importante instrumento inclusão e facilitação das relações de trabalho na modernidade. Para tanto a regulação do Trabalho deve primar pela adaptação do trabalho ao trabalhador e não o contrário. Nessa linha, o teletrabalho brasileito está carente de regulação que de fato garanta que seus objetivos positivos sejam implementados. A modificação do artigo 6º da CLT, em 2011, confirmando a existência de subordinação jurídica nos casos de profissionais que trabalham a partir de meios telemáticos e informatizados, ainda que distantes do estabelecimento empresarial, trouxe importante avanço jurídico. Não obstante a famigerada reforma trabalhista ter introduzido o capítulo II-A (artigos 75-A ao 75-E da CLT), o teletrabalho ainda carece de regulação efetiva no que concerne às peculiaridades do controle de jornada e das medidas de saúde e segurança. Diante do laconismo legal, o Direito deverá se socorrer da hermenêutica para sanar lacunas e evitar a aplicação da legislação que seja inconstitucional e que vá de encontro aos ditames Internacionais de proteção de Direitos Humanos. Nesse passo, a análise do regramento do meio-ambiente do teletrabalhador não pode limitar-se a análise isolada da nova legislação com o fito de garantir a aplicação de princícipios constitucionais basilares, fundamento do Estado Democrático de Direito. Partindo-se da escola jus-filosófica do pós-positivismo, observando o seu marco histórico pós Segunda Guerra, bem como a sua introdução doutrinária pelo saudoso constitucionalista Paulo Bonavides, a interpretação da norma não mais limita-se à letra fria da lei, mas sim à 164
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
sistematização da constitucionalização dos direitos privados, e é sob este marco filosófico que analisaremos a configuração do acidente de trabalho no teletrabalho. A partir do paradigma estatal pluriclassista – democrático e de direito, há uma clara tentativa de evitar que novamente o Direito banalize o mal por meio da instituição de Direitos Humanos Universais. A Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) de 1948, não obstante a ausência de força vinculante, é de assinatura obrigatória para aqueles países que integram o rol das Nações Unidas e vem, cada vez mais, tendo reconhecido seu efeito vinculativo de jus cogens. A Constituição de 1988 eleva a Dignidade da Pessoa Humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, reconhecendo a aplicabilidade imediata das normas constitucionais e o arcabouço de normas internacionais ratificadas pelo Brasil. O Sistema brasileiro de Direitos Fundamentais é claramente aberto e flexível, exigindo interpretação sistemática, tendo, sempre, como valor absoluto a dignidade da pessoa Humana. Esta é uma condição para inserção do Estado nas relações político-econômicas globalizadas. Assim, salienta-se que o artigo 5º, §2º, da CF teve clara influência da IX Emenda à Constituição Norte-Americana. Com fulcro no artigo 5º, §3º, da CF, bem como na decisão proferida por meio do RE n. 466.343, as Convenções e Tratados internacionais que versem sobre Direitos Humanos possuem caráter de norma supralegal quando não adentrarem ao ordenamento jurídico brasileiro pelo rito qualificado das emendas constitucionais. É inconteste na Doutrina a natureza jurídica de Direitos Humanos do Direito do Trabalho, como bem salienta o Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento da ADI-MC n. 1.675: Parece inquestionável que os Direitos Sociais dos trabalhadores enunciados no artigo 7º da Constituição Federal se compreendem entre os direitos e garantias constitucionais incluídos no âmbito normativo do artigo 5º, §2º, da CF/88, de modo a reconhecer a alçada constitucional às convenções internacionais anteriormente codificadas no Brasil.
Na sistemática pós-positivista adotada claramente pela Constituição em seu artigo 5º, §1º, ao determinar que os direitos fundamentais possuem aplicação imediata, e, ainda, considerando o atual conceito de norma jurídica, dividido em regra e princípio, os princípios deixam de ser mecanismos de mera hermenêutica para sanar lacunas legais para ocuparem status hierárquico superior dentro da aplicação da norma jurídica em especial quando se relacionarem à dignidade da pessoa humana. Nesse passo, segue o entendimento de Evaristo de Moraes Filho: (...) apresenta-se o direito do trabalho, desde a sua origem, dominado por inequívoco espírito cosmopolita. Em que pese as pequenas diferenças locais, criaram a técnica moderna e os meios de comunicação e locomoção os mesmos problemas humanos e sociais por toda parte. A chamada sociedade industrial, com todas as suas consequências, é a mesma no mundo moderno, com maiores ou menores desenvolvimentos. Com ela instalou-se um estado econômico, de produção e de consumo, mais ou menos uniforme, que somente poderia condicionar uma capa de cultura jurídica também homogênea e uniforme. 266
A CLT limita-se à transferir ao empregado a responsabilidade fática da própria saúde e segurança: Art. 75-E. O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho. Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.
O movimento legislativo na tentativa de desregulamentar o teletrabalho e destacá-lo do arcabouço protetivo trabalhista, em especial, em relação à duração do trabalho e à regulamentação ao meio -ambiente do trabalho, saúde e segurança, deixou lacunas legais que geram importantes indagações. 266
MORAES FILHO, Evaristo de; MORAES, Antonio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. 7 ed. São Paulo: LTr, 1995. P.63.
165
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
A grande dificuldade dessa fórmula nova de gestão laborativa, por meio do teletrabalho, consiste em responder à seguinte indagação: como garantir segurança e saúde ao trabalhador que presta seus serviços longe do local da empresa? Como o empregador pode garantir a fiscalização do uso de EPI´s pelo obreiro e como se pode garantir a utilização de meios ergonômicos de trabalho? Diante do laconismo legal, o trabalhador está aparentemente desamparado quanto aos acidentes de trabalho que poderão advir dessa modalidade de prestação de serviços. Nessa situação concreta, corre-se o risco de se colocar em perigo até mesmo o enquadramento previdenciário do infortúneo, uma vez que não há na Lei n. 8.213/91 previsão expressa quanto ao acidente ocorrido da residência do próprio empregado. Naturalmente que se pode - e se deve - elaborar interpretação extensiva do conceito legal de acidente do trabalho equiparado, como fórmula de se abranger as novas situações de infortunística criadas pelo teletrabalho. Dessa maneira, se a legislação previdenciária entende como acidente de trabalho equiparado o que ocorre no caminho casa-trabalho/trabalho-casa e até mesmo o acidente que ocorre no momento de intervalo intrajornada, é possível inferir-se que a intenção da lei é abranger situações reais de efetivo trabalho mesmo que acontecidas dentro da residência do próprio trabalhador. Ou simplesmente considerar-se o teletrabalho, onde quer que aconteça, como situação de trabalho efetivo, real, trabalho concreto, de modo a propiciar o enquadramento de sua infortunística dentro do próprio conceito clássico de acidente do trabalho ou doença ocupacional, já considerado o ambiente laboral residencial do trabalhador como o efetivo ambiente extensivo da empresa. Acerca do artigo 75-E da CLT, inserido pela Reforma Trabalhista, a 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, organizada pela ANAMATRA, publicou o seguinte Enunciado:267 Título TELETRABALHO: CONTROLE DOS RISCOS LABOR-AMBIENTAIS Ementa O REGIME DE TELETRABALHO NÃO EXIME O EMPREGADOR DE ADEQUAR O AMBIENTE DE TRABALHO ÀS REGRAS DA NR-7 (PCMSO), DA NR-9 (PPRA) E DO ARTIGO 58, § 1º, DA LEI 8.213/91 (LTCAT), NEM DE FISCALIZAR O AMBIENTE DE TRABALHO, INCLUSIVE COM A REALIZAÇÃO DE TREINAMENTOS. EXIGÊNCIA DOS ARTIGOS 16 A 19 DA CONVENÇÃO 155 DA OIT.
Não obstante a recente publicação da Lei n. 13.467/2017, a doutrina já se posiciona no sentido de realizar o devido controle difuso de constitucionalidade e convencionalidade da legislação. No que concerne ao meio-ambiente do trabalho, resta claro que a sistemática trazida pela reforma, que na realidade apenas desregulamentou o pouco arcabouço jurídico-protetivo anterior, não pode ser interpretado sem a devida observância das Convenções da OIT, em especial a n. 155, bem como o regramento constitucional acerca do Meio-ambiente do Trabalho. Trata-se do entendimento consubstanciado também pela Convenção nº 177 da OIT, ainda não ratificada pelo Brasil, mas que pode servir, desde já, de fonte material. A referida convenção estabelece, em seu artigo 4, item 1, que: Na medida do possível, a política nacional em matéria de trabalho em domicílio deverá promover a igualdade de trado entre os trabalhadores em domicílio e os outros trabalhadores assalariados, levando em conta as características particulares do trabalho a domicílio (...).
Não obstante a não ratificação da Convenão n. 177 da OIT pelo Brasil, percebe-se que o disposto na referida Convenção é apenas a confirmação do que consta da Constituição da OIT268 267
ANAMATRA (Brasília-DF) (Comp.). 2ª Jornada de Direito Material e Processual. 2017. Enunciado 1 Comissão 6TELETRABALHO. CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE. CONTRATO DE TRABALHO A TEMPO PARCIAL. TERCEIRIZAÇÃO.. Disponível em: <http://www.jornadanacional.com.br/listagemenunciados-aprovados.asp?ComissaoSel=6>. Acesso em: 22 out. 1017. 268 O Brasil ratificou o instrumento de emenda da Constituição da OIT em 13 de abril de 1948, conforme Decreto de Promulgação n. 25.696, de 20 de outubro de 1948.
166
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
e da Constituição brasileira de 1988, em especial o princípio fundamental de que o trabalho não é uma mercadoria e de que todo trablhador terá direito ao meio-ambiente do trabalho digno. Com a Constituição de 1988 o direito à saúde, conforme a doutrina majoritária, alcançou o status de direito subjetivo público exigível do Estado e, mais especificamente no caso do trabalhador, exigível também do empregador, já que é impossível alcançar vida saudável sem ter qualidade de trabalho saudável. O empregador no exercício da livre iniciativa tem obrigação de garantir o meio-ambiente do trabalho saudável, respondendo de forma objetiva pela infortunística causada por danos ao meio ambiente laboral, conforme estabeleceu o Enunciado 38 da 1ª Jornada de Direito material e Processual na Justiça do Trabalho: Responsabilidade civil. Doenças ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho. Nas doenças ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho a responsabilidade do empregador é objetiva, Interpretação sistemática do artigo 7º, XXVIII, 200, VIII, 225, §3º, da Constituição Federal e do art. 14, §1º, da Lei n. 6.938/81.
Ao reconhecer o meio ambiente como um princípio da Ordem Econômica, a Constituição Federal, claramente limita a livre iniciativa empresarial, tutelando o meio ambiente, e por corolário o meio ambiente do trabalho, como macrobem de interesse difuso. José Afonso da Silva, ao analisar a natureza jurídica do meio ambiente, a partir da conceituação civilista de bem público e privado, conceitua o meio ambiente como bem de interesse público: A doutrina vem procurando configurar outra categoria de bens, os bens de interesse público, em que se inserem tanto bens pertencentes a entidades públicas, como bens dos sujeitos privados, subordinados a uma particular disciplina para consecução de um fim público. Ficam eles subordinados a um peculiar regime de intervenção e de tutela pública. 269
Dessume-se que independentemente da classificação de meio ambiente no que concerne ao gênero civilista bem, a proteção constitucional suplanta a titularidade, elevando a noção de meio ambiente a direito difuso, inclusive no ambiente laboral. Em relação ao meio ambiente de trabalho, não podemos deixar de ressaltar as palavras do Professor Dr. Raimundo Simão de Melo, do Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas do UDF: O meio ambiente de trabalho adequado e seguro é um direito fundamental do cidadão brasileiro (lato sensu). Não é um mero direito trabalhista vinculado ao contrato de trabalho, pois a proteção daquele é distinta da assegurada ao meio ambiente de trabalho, porquanto esta última busca salvaguardar a saúde e a segurança do trabalhador onde desenvolve as suas atividades. De conformidade com as normas constitucionais atuais, a proteção do meio ambiente do trabalho está vinculada à saúde do trabalhador enquanto cidadão, razão por que se trata de um direito de todos, a ser instrumentalizado pelas normas gerais que aludem à proteção dos interesses difusos e coletivos. O Direito do Trabalho, por sua vez, regula as relações diretas entre empregado e empregador, aquele considerado estritamente.
A Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, em seu artigo 3º, estabelece que meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Não há dúvidas que o meio ambiente do trabalho está inserido no contexto de proteção ambiental, e por conseguinte está inserido no âmbito de proteção dos direito humanos fundamentais. Nesse sentido, ressalta-se a aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável, no qual, deve-se compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio-ambiente. 269
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo. Malheiros, 1994. p. 56.
167
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Considerando que o meio-ambiente do trabalho está inserido também no macro sistema de direito ambiental, aduz o professor Gustavo Garcia do mestrado em relações sociais trabalhistas do UDF: Em razão da interpretação sistemática (do sistema jurídico como um todo) e teleológica dos princípios da proteção e da aplicação da norma mais favorável no âmbito trabalhista, evoluiu-se , aqui, para o entendimento de que a incidência da responsabilidade objetiva também é uma forma legítima e válida de melhoria da condição social do trabalhador. Torna-se viável, desse modo, o efetivo recebimento da devida indenização por danos morais e materiais, mesmo quando decorrente de acidente de trabalho, em plena e total conformidade com o caput do art. 7º da CF/1988.270
Não obstante a incontestável inserção do meio-ambiente do trabalho no sistema de Direito ambiental, o sistema protetivo parece ignorar que a monetização da saúde e segurança é algo que ocorre com bastante força no Direito do Trabalho, ao contrário do que acontece com no Direito ambiental, mesmo considerando-se o sistema de créditos de carbono. A monetização da saúde do trabalhador, já abandonada em países da Europa, vai de encontro aos objetivos do sistema constitucional de proteção total, incluindo mecanismos de prevenção, tratamento e readaptação. Nesse sentido argumenta Sebastião Geraldo de Oliveira. Pela análise do Direito comparado, observa-se que o legislador três estratégias básicas diante dos agentes agressivos: a) aumentar a remuneração para compensar o maior desgaste do trabalhador (monetarização do risco); b) proibir o trabalho; c) reduzir a duração da jornada. A primeira alternativa é a mais cômoda e a mais aceitável; a segunda é a hipótese ideal, mas nem sempre possível, e a terceira representa o ponto de equilíbrio cada vez mais adotado. Por um erro de perspectiva o Brasil preferiu a primeira opção desde 1940 e, pior ainda, insiste em mantê-la, quando praticamente o mundo inteiro já mudou de estratégia. 271
A monetização da saúde garante apenas a convivência com o mal e não a resolução do problema, o foco jurídico das lides trabalhista tem sido os valores e cabimento dos adicionais e não a efetiva extinção dos riscos. Nesse sentido assevera Camille Simonin, professor de Medicina do Trabalho: Pensamos que o adicional dito de insalubridade é imoral e desumano; é uma espécie de adicional do suicídio; ele encoraja os mais temerários a arriscar a saúde para seu salário; é contrário aos princípios da Medicina do Trabalho e à Declaração dos Direitos do Homem: nenhuma consideração de ordem econômica deverá jamais compelir a um trabalho que implique o risco de comprometer a saúde de quem o realiza. 272
É incompreensível que se permita ao trabalhador vender a saúde em troca de um sobressalário. Tendo em vista que a proibição do trabalho insalubre, perigoso ou penoso é inviável, a via mais coerente seria a redução da jornada de trabalho com atenção à utilização de equipamentos de segurança e redução dos riscos. A jornada deve ser proporcional à qualidade do trabalho. A opção política acerca do valor saúde deve ser debatida e adequada ao ditame constitucional sob pena de reduzir o direito à saúde a mero direito material, como bem preleciona Michael J. Sandel: Parece, portanto, à primeira vista, existir uma nítida diferença entre dois tipos de bens: as coisas (como os amigos e o Prêmio Nobel) que o dinheiro não pode comprar e aque270
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Meio Ambiente do Trabalho no Contexto dos Direitos Humanos Fundamentais e Responsabilidade Civil do Empregador. In: DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves (Org.). Doutrinas Essenciais: Direito do Trabalho e Seguridade Social. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. Cap. 33. p. 544-561. 271 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. 6. ed. São Paulo: Ltr, 2011. p. 154. 272 SIMONIN, Camille. Médicie du Travail. 1956, apud NOGUEIRA, Diogo Pupo. A insalubridade na empresa e o médico do Trabalho. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 12, n. 45, p. 42, jan/mar. 1984.
168
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
las (como os rins e os filhos) que o dinheiro pode comprar, mas talvez não devesse. Mas gostaria de ponderar que esta distinção é menos clara do que parece em princípio. Ao examinar mais atentamente, podemos identificar um vínculo entre os casos óbvios, em que a troca monetária corrompe o bem que está sendo comprado, e os casos polêmicos, nos quais o bem sobrevive à venda, mas pode ser considerado com isso degradado, corrompido ou diminuído.273
A opção pela monetização da saúde do trabalhador está relacionada às metamorfoses da centralidade do trabalho que atingem em especial a classe-que-vive-do-trabalho, como bem-dispõe Ricardo Antunes: Houve uma diminuição da classe operária industrial tradicional. Mas, paralelamente, efetivou-se uma significativa subproletarização do trabalho, decorrência das formas diversas de trabalho parcial, precário, terceirizado, subcontratado, vinculado à economia informal, ao setor de serviços etc. Verificou-se, portanto, uma significativa heterogeneização, complexificção e fragmentação do trabalho.
A liquidez da relação moderna de trabalho faz com o empregador não tenha interesse na proteção da saúde do trabalhador a longo prazo. O empegado, por sua vez, não se identifica concretamente com um único empregador, trazendo a falsa sensação de que a responsabilidade também é diluída. As relações flexíveis impulsionadas pelos sistemas de produção contemporâneos modificaram a estrutura das relações trabalhistas, com o claro intuito de fazer com que o empregado passe a assumir os riscos das relações de trabalho, diminuindo, assim, a responsabilidade do empregador. A realidade fática vai de encontro aos ditames da Carta Magna que, sustentada pelos fundamentos do Estado Democrático Direito, não permitem que o empregado arque com os custos sociais das relações de trabalho; afinal, a ordem econômica, não obstante reconheça e garanta a livre iniciativa, não permite que haja desenvolvimento econômico sem a valorização do trabalho. Com efeito, a limitação de jornada de trabalho, em atividades em que há graves riscos e acidentes e doenças do trabalho, ou em atividades em que estatisticamente é alto o número de acidentes e adoecimentos, é medida necessária para conferir-se eficácia ao direito fundamental à saúde do trabalhador. Percebe-se uma disparidade entre a teleologia constitucional e a própria CLT, disparidades estas que a Jurisprudência e a doutrina devem sanar. 3. A CONFIGURAÇÃO DO ACIDENTE DE TRABALHO NO TELETRABALHO Poder-se-ia afirmar que o empregador é responsável pelo meio ambiente de trabalho do trabalhador que labora em sua própria residência? Poder-se-ia configurar culpa do empregador em um acidente de trabalho ocorrido no âmbito residencial obreiro, fora do poder de controle e fiscalização do empregador? Este poderia ser responsabilizado pela não utilização de determinado EPI efetivamente fornecido? Há, portanto, desafios interpretativos e de aplicação do Direito que não despontam como plenamente resolvidos na hipótese do teletrabalho. Em princípio, surgem inegáveis dificuldades técnico-jurídicas para a pura e simples aplicação da teoria subjetivista ao caso vertente, enxergando-se culpa do empregador em situações distanciadas de seu real poder direito e fiscalizatório. Na verdade, a tendência é que seja a jurisprudência cautelosa na configuração da responsabilização civil por acidente de trabalho em situações efetivas de teletrabalho. Por essa razão, faz-se necessário que o legislador se debruce sobre o tema a fim de especificar as hipóteses de responsabilidade a fim de não permitir que o empregado arque sozinho com os custos das novas formas flexíveis de trabalho. 273
SANDEL, Michael J. O que o Dinheiro não compra: Os limites morais do mercado. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. 96 p.
169
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Mesmo diante do amplo espectro de enquadramento acidentário inserto na Lei n. 8.213/91, nenhum dispositivo legal menciona expressamente o acidente ocorrido no reletrabalho. Não obstante a ausência de previsão legal expressa, é possível enquadrar na infortunística do trabalho acidentes ocorridos durante o teletrbalho, consideradas a principiologia previdenciária e as hipóteses de acidente de trabalho equiparado descritas no art. 21 da Lei n. 8.213/91, em especial em seu incisos II, IV e § 1º: II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em consequência de: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; d) ato de pessoa privada do uso da razão; e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior; (...) IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho: a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito; c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado; d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado. § 1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.
Depreende-se, por meio da interpretação extensiva, que mesmo em situações de suspensão contratual - como o intervalo para descanso e alimentação, por exemplo -, que a Lei Previdenciária prevê hipóteses de acidente de trabalho equiparado. Nesse quadro, deve-se entender a lista legal de acidentes de trabalho como rol meramente exemplificativo. Assim, bastaria para a configuração do acidente equiparado da ordem jurídica previdenciária a subsunção ao previsto no caput do artigo 19 da Lei n. 8.213/91: Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
Não se pode olvidar o teletrabalhador está realizando atividade sob comando do empregador e em função do trabalho. Dúvida maior surge quando se trata de responsabilidade civil compensatória, além da responsabilidade objetiva previdenciária. Em tal hipótese, entende-se que a culpa do empregador deve ser comprovada para a condenação de pagamento de indenização compensatória. Em recente decisão, o Tribunal Superior do Trabalho (acórdão publicado em 26/8/2016) condenou uma empresa a indenizar um trabalhador por agressão policial sofrida durante movimento grevista dentro do estabelecimento da empresa. DANO MORAL. AGRESSÃO POLICIAL DENTRO DO ESTABELECIMENTO. DEVER DO EMPREGADOR DE PRESERVAR A INTEGRIDADE FÍSICA DO EMPREGADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. A agressão gratuita de empregado por policiais, dentro dos limites da propriedade em que trabalha, sem nenhum motivo que
170
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
autorizasse a utilização de força repressiva, caracteriza dano passível de reparação, uma vez que é dever o empregador preservar a integridade física do empregado (art. 7º, XXII da CF, art. 157, incisos I, II e III da CLT e § 1º do art. 19 da Lei 8.213/91) - RR - 1184-19.2010.5.18.0000.
O entendimento do Tribunal foi no sentido de que mesmo que o empregado esteja em paralisação grevista, o empregador deve zelar pela segurança do trabalhador e pela higidez do meio ambiente de trabalho dentro de suas dependências. A realidade fática vai de encontro aos ditames da Carta Magna que, sustentada pelos fundamentos do Estado Democrático Direito, não permite que o empregado arque com os custos sociais das relações de trabalho; afinal, a ordem econômica, não obstante reconheça e garanta a livre iniciativa, não permite que haja desenvolvimento econômico sem a valorização do trabalho. Desse modo, faz-se necessário resguardar os trabalhadores insertos no regime de teletrabalho, que mesmo diante das peculiaridades do regime não estão imunes aos infortúnios laborais. A pessoa humana vítima de acidente de trabalho possui proteção constitucional, concretizada em um sistema organizado de seguro previdenciário e acidentário, acoplado à incidência da responsabilidade civil visando indenização compensatória pelo próprio agente responsável pelo dano. A previsão constitucional busca atender à escala de preferência dos princípios da Ordem Econômica274, em especial a função social da empresa, corolário da função social da propriedade. A Constituição, em seu artigo 7º, XXVIII, estabelece como regra a responsabilidade subjetiva do empregador no que concerne à indenização reparatória, ao passo que a proteção previdenciária realiza-se mediante a responsabilidade objetiva do sistema previdenciário, pelo risco integral do dano. Atualmente, esboça-se movimento jurídico contrário à fundamentação subjetiva da responsabilidade civil. Sentiu-se que a responsabilidade focada exclusivamente na culpa não assegurava a reparação integral do dano e, assim, ter-se-ia que analisar a responsabilidade com base na exata extensão do dano sofrido pela vítima, e não na extensão da culpa do ofensor. Nesse contexto, a responsabilidade objetiva ganha força e, conforme o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil de 2002, passa a ser a regra em atividades de risco. Sendo assim, independentemente da caracterização da culpa do empregador, o empregado receberá o benefício acidentário e terá a estabilidade acidentária reconhecida. A par disso, caso haja a demonstração da culpa do empregador ou a verificação de atividade de risco, haverá também a reparação indenizatória. Quanto à aplicação do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil na temática reparatória privada pelos danos decorrentes da infortunística do trabalho, é interessante trazer os ensinamentos de Gustavo Filipe Barbosa Garcia: Apesar da controvérsia na jurisprudência sobre o tema, tendo em vista a incidência do princípio da norma mais benéfica, decorrente do princípio protetor, inerente ao Direito do Trabalho e da hierarquia constitucional, o mais coerente é concluir que a aplicação da regra do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, torna possível assegurar aos empregados a incidência de direitos trabalhistas superiores ao patamar legislativo mínimo, com vistas à melhoria de sua condição social. Nesse sentido, a regra geral da exigência de culpa para a responsabilização do empregador por danos decorrentes de acidente de trabalho seria apenas um patamar mínimo (art. 7º, inciso XXVIII, parte final da CF/1988), o qual pode (e deve) ser ampliado e aperfeiçoado em benefício dos trabalhadores e da melhoria da condição social, por meio de outras disposições infraconstitucionais, estabelecendo a incidência da responsabilidade objetiva. 275
Ademais, o Enunciado 37, aprovado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, assim dispõe: 274
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Artigo 170. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Acidentes do Trabalho: Doenças Ocupacionais e Nexo técnico Epidemiológico. 5. ed. São Paulo: Método, 2013. p. 83.
275
171
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Responsabilidade civil objetiva no acidente de trabalho. Atividade de risco. Aplica-se o art. 927, parágrafo único, do Código Civil nos acidentes de trabalho. O art. 7º, XXVIII, da Constituição da República, não constitui óbice à aplicação desse dispositivo legal, visto que seu caput garante a inclusão de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores.
Há que se agregar também a circunstância de as lesões inerentes à infortunística laboral serem, ao mesmo tempo, de maneira geral, efeitos deletérios de um inadequado meio ambiente do trabalho, circunstância que atrai a maior possibilidade da objetivação da responsabilidade, inclusive por força de comandos constitucionais importantes. Nessa linha, vejam-se as regras dispostas no art. 200, VIII, da CF (meio ambiente do trabalho como parte do conceito constitucional de meio ambiente), combinado com o art. 225, § 3º, da mesma Constituição (responsabilização objetiva em caso de danos ambientais). Corroborou a tese da objetivação da responsabilidade o Enunciado 38 da 1ª Jornada de Direito material e Processual na Justiça do Trabalho: Responsabilidade civil. Doenças ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho. Nas doenças ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho a responsabilidade do empregador é objetiva, Interpretação sistemática do artigo 7º, XXVIII, 200, VIII, 225, §3º, da Constituição Federal e do art. 14, §1º, da Lei n. 6.938/81.
Em relação ao meio ambiente de trabalho, não podemos deixar de ressaltar as palavras do Professor Dr. Raimundo Simão de Melo, do Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas do UDF: 276 O meio ambiente de trabalho adequado e seguro é um direito fundamental do cidadão brasileiro (lato sensu). Não é um mero direito trabalhista vinculado ao contrato de trabalho, pois a proteção daquele é distinta da assegurada ao meio ambiente de trabalho, porquanto esta última busca salvaguardar a saúde e a segurança do trabalhador onde desenvolve as suas atividades. De conformidade com as normas constitucionais atuais, a proteção do meio ambiente do trabalho está vinculada à saúde do trabalhador enquanto cidadão, razão por que se trata de um direito de todos, a ser instrumentalizado pelas normas gerais que aludem à proteção dos interesses difusos e coletivos. O Direito do Trabalho, por sua vez, regula as relações diretas entre empregado e empregador, aquele considerado estritamente.
Sendo assim, e tendo em vista que a previsão lançada no parágrafo único do art. 927 do Código Civil é mais protetiva à vítima do acidente de trabalho ou doença profissional ou ocupacional, ao menos em atividade de risco, a doutrina e a jurisprudência vêm aplicando essa teoria a algumas espécies acidentárias, inclusive, a teoria do risco integral. Quanto à responsabilização previdenciária acidentária, a Constituição Federal, em especial a Emenda Constitucional n. 20/98 , adotou o modelo de seguro obrigatório germânico e vem evoluindo no que concerne às doutrinas de responsabilidade civil aplicadas aos casos de acidente do trabalho. Evolui das teorias de responsabilidade civil típicas do Direito Civil (teorias da culpa do empregador; da responsabilidade contratual; da responsabilidade objetiva) para teorias específicas do Direito de Seguridade Social, tais como, teorias da responsabilidade pelo risco profissional, do risco da atividade e do risco social. O art. 21 da Lei n. 8.213/91 expande de tal maneira a responsabilidade do empregador que possibilita, inclusive, a sua responsabilidade em momentos de suspensão do contrato de trabalho, como, por exemplo, “nos períodos destinados à refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho”- art. 21, §1º. 276
MELO, Raimundo Simão de. Meio Ambiente do trabalho e a saúde do trabalhador. São Paulo: Ltr, 2004. p 31.
172
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Desse modo, percebe-se claramente a intenção normativa de proteger o trabalhador quando acidentado em situações que ocorram em função do trabalho, demonstrando claramente a opção pela responsabilização do risco social pelo acidente de trabalho. Nesse sentido, nos ensina Gustavo Filipe Barbosa Garcia, também Professor Doutor do Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas do UDF277: Cabe ressaltar que para a incidência da responsabilidade civil decorrente de acidente do trabalho, e respectiva indenização por danos morais e materiais, o nexo causal exigido é mais restrito do que aquele nexo causal amplo e elástico previsto na Lei n. 8.213/91, para a simples existência do acidente de trabalho para fins previdenciários, relacionados ao seguro acidentário, de caráter social e fundado na teoria do risco integral. Efetivamente, como se observa na previsão do artigo 21, inciso II, da Lei n. 8.213/91, até mesmo o acidente sofrido pelo segurado em consequência de “casos fortuitos ou decorrentes de força maior” são equiparados a acidente de trabalho para fins previdenciários, configurando a chamada causalidade indireta.
A possível compensação entre o benefício acidentário e a indenização reparatória já foi tese objeto de debates doutrinários e jurisprudenciais, tendo sido suplantada mesmo antes da promulgação da Carta Magna de 1988, por meio do Decreto-lei n. 7.036/44 e da Súmula 229 do STF. Desse modo, não há que se falar em compensação de institutos e parcelas que possuam naturezas jurídicas distintas, como na hipótese em exame. Não se pode olvidar que a complexidade das novas relações de trabalho exige esforço jurídico interpretativo hercúleo, a fim de que a multiplicidade crescente dos fatores de risco propiciada pela a revolução tecnológica, pela pressão demográfica e por outros riscos difusos e multifatoriais, não venha a ensejar efeitos antitéticos ao objetivo evidente da ordem jurídica, qual seja, o de acentuar - ao invés de diminuir - as garantias e proteções advindas da infortunística do trabalho. Hodiernamente, cabe à jurisprudência adequar a sistemática protetiva aos casos concretos, ainda que inusitados ou inovadores. Foi o que fez o TJ-RS ao configurar acidente de trabalho em caso de suicídio: TJ-RS - Embargos Infringentes EI 194166534 RS (TJ-RS)- Data de publicação: 20/10/1995-Ementa: ACIDENTE DO TRABALHO. PROVADO QUE O SUICIDIO DO EMPREGADO, NO LOCAL DE TRABALHO, DECORREU, ENTRE OUTRAS RAZOES, PELA EXCESSIVA JORNADA LABORAL A QUE ERA SUBMETIDO, EM ATIVIDADES QUE, PELA IMPORTANCIA, EXIGIAM ACENTUADA DEDICACAO, MOSTRAM-SE INDUVIDOSOS O NEXO CAUSAL E A CULPA DAS EMPREGADORAS. COM ISSO, FAZ-SE PRESENTE A OBRIGACAO A REPARACAO. VOTO VENCIDO. EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS. (Embargos Infringentes Nº 194166534, Segundo Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Alçada do RS, Relator: Luiz Otávio Mazeron Coimbra, Julgado em 20/10/1995)-Encontrado em: CAUSAL. IN-DUBIO-PRO-MISERO. - PERTURBACAO PSIQUICA. SUICIDIO. NEXO CAUSAL. CULPA DO EMPREGADOR.
Diante do conflito entre a segurança jurídica e a reparação dos danos sofridos pelo trabalhador, deve-se ponderar pela prevalência da reparação dos danos sofridos, uma vez que o critério ponderador da proporcionalidade, fundado na dignidade da pessoa humana, não pode permitir que o trabalhador arque sozinho com o ônus do risco da atividade econômica. Sendo assim, constata-se ser possível a configuração do acidente do trabalho para fins previdenciários em casos de lesões ocorridas no contexto de teletrabalho. Constata-se também que, havendo comprovação de culpa ou dolo do empregador, nesse mesmo contexto fático, a reparação compensatória do dano torna-se igualmente possível, do ponto de vista da ordem jurídica. 277
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Acidentes do Trabalho: Doenças Ocupacionais e Nexo técnico Epidemiológico. 5. ed. São Paulo: Método, 2013. p. 77.
173
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Da análise doutrinária e jurisprudencial perfilada, conclui-se que a interpretação lógica e teleológica da ordem jurídica, constitucional e legal, fundada também na ponderação entre os direitos fundamentais, tendo como critério de proporcionalidade a dignidade da pessoa humana, torna possível a proteção significativamente ampla do meio ambiente de trabalho, viabilizando substancial proteção para os trabalhadores inseridos em modelos flexíveis de gestão. Percebe-se, de toda maneira, que o trabalhador não pode ficar à mercê da simples interpretação doutrinária e jurisprudencial nesse relevante segmento da vida social e laborativa. Mostrase necessária, até mesmo urgente, a atualização legislativa no País, a fim de se melhor explicitar a inserção dos trabalhadores submetidos a sistemas de gestão flexível, em especial do teletrabalhador, no manto da ampla proteção acidentária e previdenciária, inclusive quanto a seus efeitos na seara da responsabilidade civil. Chama especial atenção o fato de que a proteção e o fortalecimento do Direito Ambiental possui maior receptividade quando comparado ao Direito do Trabalho, tanto é que não se propaga a flexibilização da legislação ambiental, enquanto que, no Direito do Trabalho, a flexibilização é bandeira febrilmente agitada pelos setores conservadores da sociedade civil e da sociedade política. No Direito Ambiental, conforme se sabe, existe, por outro lado, expressa e pacífica previsão da responsabilidade pelo risco integral, da responsabilidade objetiva, ao passo que no campo das relações trabalhistas ainda viceja com força o domínio da responsabilidade subjetiva. Os modelos de gestão da força de trabalho cada vez mais flexíveis estão claramente na contramão dos ditames constitucionais que visam preciosamente a relação de emprego protegida. Quanto mais se flexibiliza com fundamento no eufemismo da modernização, mais se distancia o empregado do empregador. Nesse quadro, no contexto da ordem jurídica existente, nem sempre explícita e minudente nesse campo temático, cabe aos operadores jurídicos a correta aplicação do Direito, não se esquecendo dos direitos fundamentais estruturantes do Estado Democrático de Direito. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS LEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. 669 p. ALVES, Daniela Alves de. Tempo e Trabalho: Gestão, produção e experiência do tempo no trablaho. Porto Alegre: Escritos, 2014. 245 p. AMORIM JÚNIOR, Cleber Nilson. Segurança e Saúde no Trabalho: Princípios Norteadores. 2. ed. São Paulo: Ltr, 2017. 276 p. ANAMATRA (Brasília-df) (Comp.). 2ª Jornada de Direito Material e Processual. 2017. Enunciado 1 Comissão 6 TELETRABALHO. CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE. CONTRATO DE TRABALHO A TEMPO PARCIAL. TERCEIRIZAÇÃO. Disponível em: <http://www.jornadanacional. com.br/listagem-enunciados-aprovados.asp?ComissaoSel=6>. Acesso em: 22 out. 1017. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2013. 287 p. ANTUNES, Ricardo. Riqueza e Miséria do Trabalho. São Paulo: Boitempo, 2015. 527 p. consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. 199. BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. 199 p. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 8. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. 217 p.
174
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. 230 p. 2ª tiragem. BORSIO, Marcelo. Coleção Prática Previdenciária - V.22 - Processo Previdenciário Administrativo Fiscal E Judicial Das Contribuições Previdenciárias. São Paulo: Jus Podium, 2016. 512 p. CHOMSKY, Noam. A ciência da linguagem: Conversas com James McGilvray. São Paulo: Unesp, 2012. 531 p. CHOMSKY, Noam. O lucro ou as pessoas?: Neoliberalismo e ordem global. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 192 p. COUTINHO, Grijalbo Fernandes. Terceirização - Máquina de Moer Gente Trabalhadora: A inexorável relação entre a nova marchandage e a degradação laboral, as mortes e mutilações no trabalho.. São Paulo: Ltr, 2015. 280 p. DEJOURS, Christofe. A banalização da injustiça social. 7. ed. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 2007. DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, Trabalho e Emprego: Entre o paradigma da Destruição e os caminhos da Reconstrução. São Paulo: Ltr, 2008. 149 p. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15. ed. São Paulo: Ltr, 2016. 1627 p. Revisto e ampliado. DELGADO, Maurício Godinho. Direito Coletivo do Trabalho. 6. ed. São Paulo: Ltr, 2015. 307 p. DELGADO, Maurício Goldinho; DELGADO, Gabriela Neves. Tratado Jurisprudencial de Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. Coleção Tratado Jurisprudencial de Direito do Trabalho, vol. I. ENRIQUEZ, Eugéne. O indivíduo preso na armadilha da estrutura estratégica. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 37, n. 1, p.18-29,1997. FARIAS, Cristiano Chaves de; NETTO, Felipe Peixoto Braga; ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2015. 1213 p. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Acidentes do Trabalho: Doenças Ocupacionais e Nexo técnico Epidemiológico. 5. ed. São Paulo: Método, 2013. 223 p. HARVEY, David. Condição pós-moderna. 25. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014. 326 p. HOBSBAWN, Eric. Mundos do trabalho: Novos estudos sobre a classe operária. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. 531 p. HONETH, Axel. Labour and recognition: a redefinition. In: HONETH, Axel. The I and We: Studies in the theory oh recognition. Cambridge: Polity Press, 2014. p. 56-74. KERSTENETZKY, Celia Lessa. O Estado do Bem-Estar Social na Idade da Razão: A Reinvenção do Estado Social no Mundo comtemporâneo. São Paulo: Elsevier, 2012. 295 p. LAZZARATO, Maurizio; NEGRI, Antonio. Trabalho Imaterial: Formas de vida e produção de subjetividade. 2. ed. São Paulo: Lamparina, 2000. 121 p. MELO, Raimundo Simão de. Meio Ambiente do Trabalho e a Saúde do Trabalhador. São Paulo: Ltr, 2004. MELO, Raimundo Simão de. Meio Ambiente do Trabalho e a Saúde do Trabalhador. São Paulo: Ltr, 2004. MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Cláudio Jannotti da (Org.). Constitucionalismo, Trabalho, Seguridade Social e as Reformas Trabalhista e Previdenciária. Brasília: Ltr, 2017. 175
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidento do Trabalho ou Doença Ocupacional. 5. ed. São Paulo: Ltr, 2009. 550 p. PORTO, Noemia. O trabalho como categoria constitucional de inclusão. São Paulo: Ltr, 2013. 192 p. POSTONE, Moishe. Tempo, Trabalho e Dominação social. São Paulo: Boitempo, 2014. 483 p. RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos: O contínuo crescimento do Desemprego em todo o Mundo. São Paulo: M. Books, 2004. 340 p. RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. 940 p. SANDEL, Michael J. O que o Dinheiro não compra: Os limites morais do mercado. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. 237 p. SANDEL, Michael. Justiça: O que é fazer a coisa certa?. São Paulo: Civilização Brasileira, 2015. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 12. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. 512 p. SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: Consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. 17. ed. Rio de Janeiro: Record, 2012. 204 p. SERAU JUNIOR, Marco Aurélio; COSTA, José Ricardo Caetano (Org.). Benefício Assistencial: Temas Polêmicos - Lei n. 8.742/93. São Paulo: Ltr, 2015. 143 p. SUPIOT, Alain. O Espírito de Filadélfia: A Justiça Social diante do mercado total. Porto Alegre: Sulina, 2014. 159 p.
176
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
ESTUDO DE CASO: O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO NOS FRIGORÍFICOS E A RESPONSABILIDADE SOCIAL DO EMPREGADOR CASE STUDY: THE ENVIRONMENT OF WORK ON REFRIGERATORS AND THE EMPLOYER’S SOCIAL RESPONSIBILITY Carlos Ioney Carneiro Melo278 RESUMO: O presente artigo apresenta o trabalho realizado nos frigoríficos e seu ambiente de trabalho que atenta contra a saúde e segurança do trabalhador na medida em que impõe pesadas jornadas sob condições insalubres (frio, agentes químicos e infecciosos), e precárias disposições ergonômicas. Com isso, a empresa descumpre sua função/responsabilidade social imposta pela Constituição Federal, assim como esperado pela OMS e OIT, na perspectiva ainda dos princípios da prevenção e precaução atinentes à segurança e medicina no trabalho, tendo como hipótese de solução a imposição no cumprimento integral da NR 36 do MTE e demais ações preventivas, com a adequação fiel do ambiente laboral como elemento do trabalho decente, a fim de assegurar a dignidade do homem trabalhador e a sua valoração no trabalho. PALAVRAS-CHAVE: Meio ambiente do trabalho. Frigoríficos. Segurança no trabalho. Responsabilidade social. Empresa. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Meio ambiente do trabalho; 2.1. Conceito jurídico de meio ambiente; 2.2. Meio ambiente do trabalho; 3. As condições de trabalho nos frigoríficos; 3.1. Frio extremo. Exposição a amônia; 3.2. Agentes biológicos; 3.3. Ergonomia; 3.4. Jornadas excessivas; 4. A NR 36 e a adequação das irregularidades; 4.1. Mobiliário e postos de trabalho. 4.2. Equipamentos de proteção individual – EPI e vestimentas de trabalho; 4.3. Organização temporal de trabalho; 4.4. Extensão aos terceirizados; 5. A responsabilidade social das empresas frigoríficas; 6. Atuação do MPT nos frigoríficos; 7. Jurisprudência e o mercado frigorífico; 8. Conclusão; 9. Referências bibliográficas. ABSTRACT: This article presents the work carried out in the slaughterhouses and their work environment that threatens the worker ‘s health and safety, as it imposes heavy journeys with unhealthy conditions (cold, chemical and infectious agents), and poor ergonomic conditions. The company does not disclose its role / social responsibility imposed by the Federal Constitution, as expected by the WHO and ILO, in the perspective of the principles of prevention and precaution related to safety and medicine at work, with the hypothesis of a solution to impose the full compliance with NR 36 of the MTE and other preventive actions, with the faithful adaptation of the working environment as an element of decent work, in order to ensure the dignity of the working man and his valuation at work. KEYWORDS: Slaughterhouses. Social responsibility. Work environment. Ergonomic conditions. SUMMARY: 1. Introduction; 2. Work environment; 2.1. Legal concept of environment; 2.2. Work environment; 3. Conditions of work in refrigerators; 3.1. Extreme cold. Exposure to ammonia; 3.2. Biological agents; 3.3. Ergonomics; 3.4. Excessive journeys; 4. NR 36 and the adequacy of irregularities; 4.1. Furniture and workstations. 4.2. Personal protective equipment - PPE and work clothing; 4.3. Temporary work organization; 4.4. Extension to third parties; 5. The social responsibility of cold storage companies; 6. MPT performance in refrigerators; 7. Jurisprudence and the cold market; 8. Conclusion; 9. References. 278
Mestrando em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pela UDF. Especialista em Direito do Trabalho e processo do Trabalho. carlosioney@gmail.com.
177
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
1. INTRODUÇÃO O presente artigo visa apresentar o cenário vivenciado pelos trabalhadores no ramo de frigoríficos e a responsabilidade social da empresa. Se de um lado, se mostra uma exponencial atividade econômica, de outro, representa um descaso com a segurança e saúde dos trabalhadores. O objetivo é identificar o meio ambiente como direito fundamental e enfrentar os elementos que levam ao adoecimento e acidentes do trabalho nesse específico ramo, para invocar a responsabilidade social da empresa no cumprimento das medidas de segurança e medicina do trabalho. Deveras, não se ocupará o presente texto, em vista da apertada síntese, quanto a reparação de danos morais individuais ou coletivos por acidentes ocorridos, mas evidenciar o necessário comprometimento com a adaptação do meio ambiente do trabalho, mudanças de políticas empresariais para prestigiar o trabalho decente a luz da dignidade humana e valor social do trabalho, na concepção de trabalho decente, a que preconiza a OIT. Por fim, visa destacar as mudanças ocorridas com o advento da Norma Regulamentadora 36 e as ações tomadas pelo Ministério Público do Trabalho bem como a jurisprudência. 2. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO 2.1 CONCEITO JURÍDICO DE MEIO AMBIENTE A concepção de um meio ambiente sadio e equilibrado eclodiu como direito fundamental difuso a partir da CRFB/88279, ao prever no art. 225 “dever de todos”, inclusive do Estado, de modo que se mostra um metadireito irrenunciável, intangível e imprescritível, na máxima eficácia dos direitos humanos280 incorporados no ordenamento interno. O referido art. 225 da CF trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro a defesa dos bens difusos e coletivos, além de criar uma terceira espécie de bem, o bem ambiental, sem propriedade definida, afirmando que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Sob a legislação infraconstitucional, ainda convém trazer o conceito de meio ambiente, definido pelo art. 3º, I da Lei n. 6.938/81, como sendo “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.”281. Ainda, no plano internacional, o direito a um ambiente sadio, seguro e equilibrado, também é destacado, como se extrai do art. 25, da Declaração Universal Dos Direitos Humanos, “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar(...)”; e no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, art. 12: “Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental. 2. b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;” 279
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. 280 Assevera DELGADO, Mauricio Godinho. “Estado Democrático de Direito, Constituição Federal de 1988 e Direito do Trabalho”. In DELGADO, M. G.; DELGADO, G.N. Constituição da República e Direitos Fundamentais - dignidade da pessoa humana, justiça social e Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2015, p 14: “a pessoa humana e sua dignidade estão enfatizadas, em uma Constituição criadora e regente de um Estado Democrático de Direito, em diversos de seus segmentos e enunciados: por exemplo, nos princípios fundamentais; nos direitos e garantias fundamentais; na regulação da ordem econômica e financeira; na regulação da ordem social. Em todas essas dimensões constitucionais, a centralidade da pessoa humana e sua necessária dignidade estão explicitas ou implicitamente asseguradas.”. 281 BRASIL. Lei n. 6.938, DE 31 DE AGOSTO DE 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm>.
178
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Esse conceito jurídico é aberto e harmônico com a CF/88, pois tutela todas as espécies de meio ambiente (natural, artificial, cultural e do trabalho). Trata-se da sadia qualidade de vida e sua interação com o meio, livre de agentes internos ou externos capazes de prejudicar o equilíbrio ou a saúde da pessoa que com ela interage. Nessa concepção, José Afonso da Silva assevera, “o meio ambiente comporta não apenas o natural, mas, ainda, o meio ambiente artificial, cultural e o do trabalho. (Silva, 2011, p. 20). Importante ressaltar e exemplificar as espécies de meio ambiente: 1) meio ambiente natural ou físico: fauna, flora, água e solo; 2) meio ambiente cultural: patrimônio arqueológico, paisagístico histórico, artístico; 3) meio ambiente artificial: espaços públicos e urbanos com edificações; e 4) meio ambiente do trabalho: local de realização da atividade laboral, independente de ser empregado ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio. Nesta concepção, salutar mencionar o entendimento de Thais Barbosa Reis: “todo meio ambiente de trabalho constitui-se, via de regra, de um bem ambiental que necessita de preservação, inclusive, para que se possa viver uma vida com qualidade, garantindo assim a dignidade da pessoa, protegida, no ordenamento jurídico brasileiro, pela Constituição Federal de 1988” (Reis, 2011, p. 114). 2.2 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO O meio ambiente do trabalho adequado é, formal e materialmente, um direito fundamental de 3ª dimensão, que são os direitos de solidariedade e fraternidade. Não se trata de mero direito trabalhista individual, pois a sua proteção visa salvaguardar a saúde e a segurança (integridade física) do trabalhador, como direito indisponível e de interesse da sociedade. O seu caráter é nitidamente ambiental e sanitário e as normas de saúde, higiene e segurança não são normas de direito privado, atinentes ao direito individual de trabalho, embora a este se integrem. Com efeito, Fiorillo e Ferreira sustentam que a proteção jurídica dada ao meio ambiente do trabalho é diversa do Direito do Trabalho. Este, agrega normas jurídicas sobre a relação entre empregado e empregador. Já o meio ambiente do trabalho resguarda a saúde e segurança do trabalhador quanto ao ambiente em que desenvolve suas atividades. (Fiorillo, Ferreira, 2017, p. 485) Isso porque, até a promulgação da Constituição Republicana de 88, o enfoque era de mera monetização da saúde com caráter individualista, restringindo ao pagamento de adicionais de insalubridade ou de periculosidade e indenizações buscadas na Justiça Comum, caso houvesse acidente de trabalho. Com o advento da CF/88, passou a ser estabelecido um modelo de prevenção e precaução no meio laboral, como se extrai no art. 7º, XXII e XXVIII: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.
Isto é, o legislador elevou as medidas protetivas e preventivas como prioritárias em face da atividade econômica, considerando a saúde e segurança no trabalho valores maiores que a simples reparação que se mostraram insuficientes. Observa-se que não houve a exclusão do sistema de reparação, mas a coexistência de dois sistemas distintos, que se complementam: o preventivo, com intuito de preservar a saúde do trabalhador (prioritário) e, caso a prevenção não ocorra ou seja ineficaz, aplica-se o sistema reparatório (por um lado compensando a vítima – danos material, moral, estético e pela perda de 179
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
uma chance – e, por outro, punindo, exemplar e pedagogicamente, o agente do dano, nas esferas civil, administrativa e penal, conforme o caso). Hoje, o meio ambiente do trabalho é um princípio fundamental com previsão constitucional, conforme arts. 200, VIII e 225, caput da Constituição de 1988. Ademais, “ele está claramente vinculado à promoção de condições de vida dignas para o trabalhador, que deve ser resguardado no exercício de sua atividade laboral” (Barros, Silveira, Diniz, 2016, p. 204). Afinal, o cumprimento de normas de saúde e segurança é benéfico não só para o empregado, mas também para o empregador, na medida em que a não ocorrência de acidentes evita ajuizamento de ações regressivas pelo INSS, assim como inibe o reajuste do FAP282 e, eventualmente, de contribuições previdenciárias; à sociedade, haja vista que a ocorrência de acidentes tem onerado demasiadamente a Previdência Social, cujos efeitos negativos são suportados por todos. (Melo, 2013, p. 32-34). A OIT, por sua vez, tem se preocupado ativamente com as condições de trabalho, higiene, segurança e de vida do empregado. A melhora dessas condições e do meio ambiente de trabalho se encontra em especial nas Convenções 155, 161 e na própria Declaração da Filadélfia, que assinala dentre as finalidades da OIT, dentre outras: a plenitude do emprego e a elevação dos níveis de qualidade de vida, bem como a proteção da saúde dos trabalhadores em todas as suas ocupações. Destaca-se que para a Organização Mundial da Saúde - OMS, saúde não é apenas ausência de doença, mas sim o completo bem estar físico, mental e social de um indivíduo283, o que enaltece o caráter internacional do meio ambiente sadio para a concepção de um trabalho decente sob a ótica da OIT. É preciso mencionar que o trabalho decente, sob a ótica da OIT, segundo Rubia Zanotelli de Alvarenga constitui: o ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos da OIT: a) respeito aos direitos no trabalho(em especial àqueles definidos pela Declaração relativa aos direitos e aos princípios fundamentais no trabalho e ao seu seguimento adotada em 1998); b) a promoção do emprego produtivo e de qualidade; c) a extensão da proteção social; e d) o fortalecimento do diálogo social. Além disso, busca-se a efetiva aplicação das normas internacionais do trabalho, visando-se à melhoria das condições de trabalho e à proteção social. (Zanotelli, 2016, p. 105).
Dessa forma, o adequado ambiente laboral está intimamente ligado à saúde do trabalhador (art. 6º e 200, III, da CF/88), devendo a empresa adotar as medidas de prevenção e de proteção contra infortúnios e doenças no trabalho. 3. AS CONDIÇÕES DE TRABALHO NOS FRIGORÍFICOS O trabalho realizado nos abatedouros e frigoríficos do País possui uma peculiaridade. Enquanto o ramo detém importância no cenário econômico nacional, empregando milhares de trabalhadores, com altos ganhos financeiros, a saúde e segurança de seus empregados são negligenciados. Por meio de pesadas jornadas de trabalho, com ritmo frenético de tarefas de acordo com a velocidade das esteiras, e exposição a condições de insalubridade extremas284, tem-se identi282
O Fator acidentário de prevenção – FAP, é devido por todo empregador que realiza atividade de risco, a ser aplicado em alíquotas progressivas a fim de custear aposentadorias especiais e benefícios oriundos de acidentes de trabalho, calculado com base no histórico de acidentes dos últimos dos dois anos. 283 Constituição da Organização da Saúde. (OMS/WHO) – 1946. Disponível em <http://www.direitoshumanos. usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacaomundial-da-saude-omswho.html>. 284 Nos frigoríficos, o trabalho manual e repetitivo na separação das peças das carcaças dos animais oferece uma série de perigos. Máquinas sem proteção e dispositivos de segurança também representam ameaças em diversos ramos dessa indústria, seja quando estão em operação, seja na hora da limpeza e manutenção. Sem falar do desconforto oferecido pelo ruído dos equipamentos e pela inevitável exposição ao calor de fornos e ao frio das câmaras frigoríficas.
180
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
ficado elevado número de acidentes de trabalho, adoecimentos e afastamentos previdenciários, atraindo atenção das autoridades. Conforme Ribeiro, houve aumento de 588% de auxílios-acidentes decorrentes de LER/ DORT só neste ramo, fora os acidentes típicos, entre os anos de 2006 a 2008, o que chamou, citando Cesário, de “crise ambiental trabalhista de dimensão ergonômica”. (Ribeiro, 2017, p 215). Os estudos têm apontado para doenças decorrentes de posturas inadequadas e movimentos repetitivos, exposição a agentes biológicos e químicos, além da fadiga. Identificam-se quatro principais elementos de risco nesse ambiente de trabalho, sendo comum no processo produtivo da indústria de abate e processamento de carnes e derivados, como suínos, bovinos e aves: 3.1 FRIO EXTREMO. EXPOSIÇÃO A AMÔNIA Como fator de exposição a riscos ambientais verifica-se as condições térmicas. Os trabalhadores se põem por horas em ambiente artificialmente frio, muitas vezes com temperaturas entre 0 e 15 graus, a fim de evitar perecimento e contaminação dos produtos. Tal ambiente utilizase da amônia na operação de sistemas de refrigeração dos frigoríficos, pondo em risco acidentes por agente químico, em caso de vazamento deste produto altamente prejudicial. O equipamento contra o frio muitas vezes não é suficiente. Há relatos que os empregados sentem formigamento nas extremidades como pé e mão pelo excesso de frio. As botas fornecidas não evitam a sensação térmica. As mãos não tem luvas antitérmicas e adequadas para o manuseio do material, que embora fornecidas, ora atrapalham o trabalho, ora permite a passagem do frio, o que leva o enrijecimento dos tendões, nervos e músculos. É necessário lembrar que os riscos a exposição contínua ao frio causa propensão de doenças respiratórias, alteração da pressão cardíaca, piora em doenças vasculares, tonturas e confusão mental. (Viegas, 2005, p 37). O art. 253 da CLT zela, em especial, pela saúde dos trabalhadores em frigoríficos, onde as temperaturas baixas das câmaras frias são conseguidas pela expansão da amônia. Em razão dos inconvenientes da baixa temperatura, umidade e poluição decorrente do gás amoníaco, a lei garante aos empregados que movimentam mercadorias do ambiente quente ou normal para o frio e vice-versa, depois de 1(uma) hora e 40 (quarenta) minutos de trabalho contínuo, vinte minutos de repouso, computado como de trabalho efetivo. Nesse cenário, o TST reconheceu o direito da pausa térmica aos trabalhadores, que apesar de não fazerem o movimento de mercadorias do ambiente quente para o frio, gozam do direito ao fiel cumprimento da pausa, eis que estão permanentemente expostos a condições insalubres e desconfortáveis de trabalho, na forma da Súmula 438285. 3.2 AGENTES BIOLÓGICOS Neste tipo de ambiente, os funcionários estão em permanente contato com sangue, vísceras, ossos, podendo contrair doenças em decorrência da contaminação de restos de animais, como a brucelose286. São típicos os contatos com secreções (coleções purulentas), excreções (urinas, fezes,) e sangue de animais que podem ser portadores de doenças infecto-contagiosas, principalmente de zoonoses, salmonelose, e outras. 285
O empregado submetido a trabalho contínuo em ambiente artificialmente frio, nos termos do parágrafo único do art. 253 da CLT, ainda que não labore em câmara frigorífica, tem direito ao intervalo intrajornada previsto no caput do art. 253 da CLT. 286 a brucelose é causada por uma bactéria, que pode alojar-se dentro das células de defesa, o que dificulta seu controle. Devido à inespecificidade de sintomas, torna-se difícil o diagnóstico no homem, sendo conhecida como Doença das mil facetas. (REIS, Fátima. 2013 p. 63).
181
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Relatos de fiscalização do trabalho dão conta de que os profissionais por horas a fio ficam com o corpo repleto de resíduos dos animais abatidos, decorrente da forma que são realizadas as atividades e os respingos que se voltam para o trabalhador. A natureza do trabalho deve conduzir para a neutralização dos riscos de doenças, por meio da identificação de agentes patogênicos, inspeção permanente fiscalização sanitária e acompanhamento do quadro clínico. Especial atenção deve ser dada para o adequado fornecimento de Equipamentos de Proteção individual -EPI, não bastando apenas luvas, mas todo o complexo que impeça que agentes biológicos contaminem o ambiente, inclusive limpeza e desinfecção. 3.3 ERGONOMIA A má adequação ergonômica do ambiente de trabalho nesse setor é a principal ameaça para a saúde do empregado e por transtornos psíquicos do indivíduo. A existência de uma linha de produção sem rotatividade, em uma esteira que demanda movimentos uniformes e monótonos, além do suportado pela estrutura musculoesquelética, enseja lesões por esforço repetitivo287 (LER/DORT). A imposição frenética do ritmo causa distúrbios psicológicos no trabalhador, uma vez que tem que acompanhar a máquina a todo custo, mesmo com dores, frio ou cansaço, não podendo efetuar pausas sequer para uso do banheiro, numa lógica empresarial de exaustão da mão-de-obra. Identifica-se, setorialmente no tratamento de aves, grande número de afastamento por sobrecarga dos membros superiores (síndrome do túnel do carpo) e por má postura ergonômica do maquinário e atividade. No Abatimento de carne há sobrecarga muscular e deficiências do mobiliário. As correntes com grandes animais e as esteiras de corte colocam os trabalhadores em posições de desconforto contínuo, sobrecarga e movimento repetitivo, em posição em pé e com braços erguidos o que provoca lesões nos membros inferiores e superiores. Ainda, verificam-se riscos com cortes e mutilação decorrentes da destreza repetidamente realizada com facas nos setores que separam as partes dos animais para serem embaladas, sem a devida alternância ergonômica de movimentos e de objeto de trabalho. A ausência de orientação para exercícios durante pausas, assim como a falta de um rodízio adequado de atividades repetitivas que permitam alternância de movimentos e restauração da mobilidade, levam a doenças que em muitas vezes se tornam irrecuperáveis288. Muito embora haja normatização que imponha adequação de postura ergonômica e ritmo de trabalho, esse setor descumpre o que prevê o art. 154 da CLT e NR 17, de aplicação em todos os setores, baseando-se sua atividade em laudos técnicos insuficientes. Observa-se que por meio de laudos ergonômicos é possível obter uma coerência de produção. O Método OCRA é o único que procede análise global dos riscos incidentes para a consequente reprojetação dos postos de trabalho deficientes (de acordo com as especificidades de cada posto de trabalho). O método tradicional e estático não sinaliza de forma correta os riscos dos frigoríficos, se mostrando ineficiente, e, em muitos casos somente este tem sido apresentado objetivando burlar a fiscalização. (Guedes, 2015, p. 58). A imediata solução é a implantação do sistema de rodízio e redução do ritmo de trabalho, com pausas para ginástica laboral e conscientização com fiscalização de todo setor, como se verá na aplicação das Normas Regulamentadoras para o setor em questão. 287
Os riscos de ordem física estão ligados a posturas incorretas e ao manuseio de cargas, materiais e produtos com esforços físicos e movimentos repetitivos. “E os riscos relativos a ergonomia organizacional estão relacionados a sobrecarga de trabalho, ao ritmo intenso, ao conteúdo das tarefas e, em algumas situações, a excessiva quantidade de horas trabalhadas e as horas de que circulação de cargas extras, especialmente nos períodos do alta demanda de consumo”. 288 Na área de frigoríficos, a incidência de LER/DORT é muito maior do que em outras áreas do ramo da indústria da alimentação, em vista das condições que são expostas ao limite por longas jornadas.
182
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
3.4 JORNADAS EXCESSIVAS Mesmo com diversos agentes de risco, as empresas frigoríficas colocam os trabalhadores em constante labor extrajornada visando atender a crescente demanda no mercado interno e externo, com jornadas de até 12/horas dia, sem o gozo do adequado intervalo intrajornada, atraindo um ritmo de trabalho intenso provocado pela competitividade e redução de custos, em detrimento de novos empregados ou novas tecnologias. A submissão de extensas jornadas de trabalho, pelo qual impõe ao empregado a permanecer em seu posto de trabalho por 10 a 12 horas a fio, ao longo de todo o contrato de trabalho, sem a existência de folgas compensatórias ou escalas de plantão, ou mesmo sem razões de necessidade imperiosa (consoante a previsão do art. 61 da CLT) denota o descaso com o direito do trabalhador ao descanso constitucionalmente assegurado, o acesso ao lazer e à família, repercutindo no âmbito externo de trabalho, gerando manifesto desgaste psicológico e degradação física da pessoa. A sobrecarga reiterada de trabalho, não obstante o pagamento salarial correspondente, fere direitos constitucionalmente assegurados, atrelados à valorização do trabalho e da dignidade humana. É sabido que o excesso de jornada traz fadiga e riscos de acidentes, principalmente após longas jornadas. No mercado de abate, ainda, tem-se o problema dos agentes biológicos e químicos, além do frio que todos juntos agridem a saúde do trabalhador, o que impede a prorrogação unilaterial. Na conformidade com o art. 60 da CLT289, o TST cancelou Súmula290 que dispunha prescindir autorização do MTE para a prorrogação da jornada em situações de insalubridade ou risco, haja vista tratar de norma de indisponibilidade absoluta, na qual não cabe flexibilização por qualquer das partes. Nesses casos, doravante, somente a fiscalização e dada a especificidade do trabalho é que se pode autorizar a prorrogação da jornada, observada a limitação de tempo nos módulos diários, semanais e mensais. 4. A NR 36 E A ADEQUAÇÃO DAS IRREGULARIDADES Muito embora a existência de normas relativas à segurança no trabalho (NR 1)291, em especial quanto aos equipamentos de proteção individual (NR 6)292, regras de ergonomia (NR 17)293, condições insalubres e desconforto térmico (NR 15)294, o crescente número de acidentes 289
Art. 60 - Nas atividades insalubres, assim consideradas as constantes dos quadros mencionados no capítulo “Da Segurança e da Medicina do Trabalho”, ou que neles venham a ser incluídas por ato do Ministro do Trabalho, Industria e Comercio, quaisquer prorrogações só poderão ser acordadas mediante licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho, as quais, para esse efeito, procederão aos necessários exames locais e à verificação dos métodos e processos de trabalho, quer diretamente, quer por intermédio de autoridades sanitárias federais, estaduais e municipais, com quem entrarão em entendimento para tal fim. 290 A Sumula 349 do TST dispensava a inspeção prévia da autoridade competente em matéria de higiene do trabalho, para fins de celebração de acordo ou convenção coletiva de compensação de jornada de trabalho em atividade insalubre. 291 Traz disposições gerais relativas à segurança e medicina do trabalho de observância obrigatória para todas atividades, inclusive setor público. Disponível em <http://trabalho.gov.br/seguranca-e-saude-no-trabalho/ normatizacao/normas-regulamentadoras> acessado em 06.11.17. 292 Dispõe sobre Equipamento de Proteção Individual - EPI, como todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho. Disponível em <http://trabalho.gov.br/seguranca-e-saude-no-trabalho/normatizacao/normas-regulamentadoras> acessado em 06.11.17. 293 A referida Norma visa a estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente. Disponível em <http://trabalho.gov.br/seguranca-e-saude-no-trabalho/normatizacao/normasregulamentadoras> acessado em 06.11.17. 294 Identifica as condições de insalubridade, modo de neutralização e pagamento de indenizações.
183
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
no setor fez surgir a NR 36, fruto do poder normativo atribuído pelo art. 22, I, da CF/88295 combinado com o art. 200, VIII, da CLT296, na forma da Portaria 3.298/98 a fim de prevenir a ocorrência de riscos no ambiente dos frigoríficos e afins. A referida norma regulamentadora tem como objetivo “estabelecer os requisitos mínimos para a avaliação, controle e monitoramento dos riscos existentes nas atividades desenvolvidas na indústria de abate e processamento de carnes e derivados destinados ao consumo humano, de forma a garantir permanentemente a segurança, a saúde e a qualidade de vida no trabalho, sem prejuízo da observância do disposto nas demais Normas Regulamentadoras - NR do Ministério do Trabalho e Emprego”297. Além do estudo do setor com a implantação de CIPA, SESMT e PCMSO, o fiel cumprimento da NR 36 visa a curto prazo de tempo alteração da dinâmica da empresa e a adequação do ambiente de forma a prevenir os riscos até então identificados, principalmente evitar a ocorrência de acidentes fatais, afastamentos por LER/DORT, cujo objetivo somente pode ser alcançado se devidamente houver empenho das empresas no investimento de melhoras na alteração do parque fabril e da cultura empresarial. Como assinala Ribeiro: “a aprovação da NR específica para o setor frigorífico pode ser vista como um avanço, porquanto pode permitir que tais empresas realizem adaptações nos locais e postos de trabalho, bem como na organização gerencial das atividades e que se conscientizem sobre a necessidade de concessão das pausas para os trabalhadores, fatores que vem contribuindo para a ocorrência de doenças ocupacionais e acidentes de trabalhos típicos” (Ribeiro, 2017. p.255).
Daí porque a referida Norma Regulamentadora traça três principais eixos de observância obrigatória para adaptação da atividade de produção, dividida em itens e subitens a fim de especificar de forma detalhada as questões a serem observadas, os quais aqui são colacionadas as mais relevantes: 4.1 MOBILIÁRIO E POSTOS DE TRABALHO No item 36.2 e seguintes, a Norma Regulamentadora traz solução para ergonomia a fim de adaptar o trabalho na condição em pé, com fornecimento de mobiliário adaptado, no sistema de rodízio, a fim de favorecer alternância de posições. Para tanto, o empregador deve assegurar assentos estacionários, de acordo com recomendações do SESMT e PCMSO, na forma da Análise Ergonômica do Trabalho – AET, assegurando-se um mínimo por área, com espaço e profundidade suficiente para movimentação dos membros inferiores. 4.2 EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL – EPI E VESTIMENTAS DE TRABALHO Importante previsão está no item 36.9.5 e seguintes, no que tange os equipamentos de proteção individual e vestimentas de trabalho, pois por meio deste visa o controle do conforto térmico e evita contato com agentes externos (químicos e biológicos). 295
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho Disponível em <http://trabalho.gov.br/seguranca-e-saude-notrabalho/normatizacao/normas-regulamentadoras> acessado em 06.11.17. 296 Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. Disponível em <http://trabalho.gov.br/segurancae-saude-no-trabalho/normatizacao/normas-regulamentadoras> acessado em 06.11.17. 297 Item 36.1 da NR 36. Disponível em <http://trabalho.gov.br/images/Documentos/SST/NR/NR36.pdf> acessado em 06.11.17. às 15:05.
184
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Prevê a norma que os EPI’s devam oferecer eficácia contra exposição ao risco, exigindo ao mínimo óculos, capacete, proteção auditiva, meias limas e higienizadas, luvas adaptadas e compatíveis com o ambiente e atividade que será realizada. As vestimentas de trabalho devem ter mais de uma peça de vestimenta, para utilizar de maneira sobreposta, em função da atividade e da temperatura do local, atendendo às características higiênico-sanitárias legais e ao conforto térmico. Por conseguinte, as atividades onde as mãos dos trabalhadores ficam úmidas e não seja possível a utilização de luvas em razão de outros riscos adicionais, deve ser providenciado rodízio com outras tarefas. 4.3 ORGANIZAÇÃO TEMPORAL DE TRABALHO A norma é enfática quanto ao rigoroso cumprimento do intervalo para recuperação de fadiga, nos termos do item 36.13 e seguintes: as pausas devem ser realizadas fora do ambiente frio de modo a recuperar o conforto térmico e acústico, em local com disponibilidade de bancos ou cadeiras e água potável. A participação em atividade física oferecida pela empresa pode ser realizada apenas em um dos intervalos destinado a pausas, não sendo obrigatória a participação do trabalhador, e a sua recusa em praticá-la não é passível de punição. Interessante observação resta no item 36.13.7, ao prever que no local de repouso deve existir relógio de fácil visualização pelos trabalhadores, para que eles possam controlar o tempo das pausas, ficando facultado o fornecimento de lanches durante a fruição das pausas, sendo que as saídas dos postos de trabalho para satisfação das necessidades fisiológicas dos trabalhadores devem ser asseguradas a qualquer tempo, independentemente da fruição das pausas. 4.4 EXTENSÃO AOS TERCEIRIZADOS Nada obstante os três eixos principais retrocitados, não basta o simples cumprimento da norma. Vai alem. Conforme Ribeiro, o treinamento inicial de trabalhadores com duração mínima de 4 horas, além de atualização anual deve ser estendido a trabalhadores terceirizados, inclusive com repasse de informações do SST – Segurança e saúde no Trabalho, como forma de estarem preparados para as adversidades do setor. (Ribeiro, p. 255). Não seria crível o empregador cuidar tão somente dos seus empregados diretamente contratados e descuidar da segurança daqueles que contribuem para o sucesso da empresa, como no caso dos terceirizados298. Como assevera STÜMER, as normas de proteção ao trabalho resguardam o bem inestimável da vida. Neste sentido, são consideradas “normas de ordem pública, que aderem ao contrato individual de trabalho (...) no sentido de prevenir quaisquer acidentes e doenças profissionais que possam acometê-lo” (Stümer, 2016, p. 156). Compete observar que a simples existência de NR própria em nada adianta se não houver o efetivo cumprimento de suas disposições. Ao fazerem tábua rasa do comando legal (os empregadores em frigoríficos), invertem a mais valia, e colocam em cena o homem-objeto, isto é, o indivíduo sujeito ao arbítrio do mais forte e desprovido dos direitos essenciais à sua auto-realização, razão pelo qual a fiscalização e a conscientização do direito ao meio ambiente de trabalho adequado devem ser permanentes. 5. A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS FRIGORÍFICAS A Carta Magna visou a compatibilizar a livre iniciativa para o desenvolvimento econômico com o respeito à dignidade da pessoa humana no trabalho, o que significa dizer que o constituinte norteou-se pelo princípio do desenvolvimento sustentado. 298
A responsabilidade é para todos que prestam serviços, na esteira da Convenção 155 da OIT e NR 19 MTE.
185
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
A integridade física do trabalhador é um direito da personalidade oponível contra o empregador. Assim, a empresa, como expressão da propriedade e da economia, deve estar direcionada ao cumprimento das normas sociais, principalmente as trabalhistas, e em especial as atinentes à segurança e saúde do trabalho, do contrário não estará cumprindo a sua função social. Observa-se, a partir daí, sob a perspectiva do direito sustentável, que as pessoas mais pobres estão mais vulneráveis à violações a esse direito fundamental, sendo necessário pensar em um desenvolvimento equitativo e em condições de promoção do bem-estar e dignidade, a fim de corrigir essas distorções sociais, preocupação vinculada ao desenvolvimento sustentável” (Barros, 2016, p. 201). A dignidade da pessoa humana constitui a base ética norteadora da ordem jurídica e de toda a atividade econômica, pelo que todos os princípios do art. 170, I a IX são regidos por este valor absoluto, devendo-se considerar o homem à frente dos meios de produção. O meio ambiente do trabalho deve garantir o exercício da atividade produtiva do indivíduo, não o considerando como máquina produtora de bens e serviços, mas como ser humano, ao qual são assegurados bases dignas para manutenção de uma sadia qualidade de vida. Todavia, este princípio necessita respeitar a dignidade da pessoa humana, bem como obedecer aos objetivos constitucionais de construir uma sociedade livre, justa e solidária, ao mesmo tempo garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. (Fiorillo, Ferreira, 2017, p. 464-465). Disto, decorre que uma empresa não pode ser vista apenas sob o ultrapassado viés liberalista, com finalidade exclusivamente no lucro. Ela é mais: constitui uma construção social, que deve estar em plena consonância com valores constitucionais caros ao ser humano, de que são exemplo a função social da propriedade, a valorização do trabalho e da dignidade da pessoa humana. A livre iniciativa, portanto, consubstancia uma liberdade condicionada, porque encontra limites diretos no desenvolvimento humano e na Justiça Social. Nesses termos, a propriedade fica obrigada a cumprir e fazer cumprir as normas atinentes a saúde e segurança no trabalho, não sendo um mero capricho do legislador, mas uma restrição da livre iniciativa aos princípios da prevenção, saúde e dignidade do homem. (Branco, Mendes, 2008, p. 1356). Os investimentos nos setores de abate e frigoríficos, a par do incremento da produção pelo crescimento da demanda, devem, prioritariamente, privilegiar a adequação do ambiente laboral, tendo como referencia cogente a recente NR 36, de modo a impor alteração do parque fabril e toda a cadeia produtiva, com adaptação da dinâmica humanizada de ritmo e condições de trabalho. Afinal, não há como se falar em valorização do trabalho humano, sem respeito ao Meio Ambiente, do qual o do trabalho é fração, igualmente protegido pelo artigo 225 da Constituição da República. Assim, o trabalho seguro não é apenas um princípio, mas sim uma obrigação concreta de todo o empregador, pois a saúde e a segurança estão entre os direitos fundamentais do ser humano. Se é certo que o legislador constituinte preocupou-se com a higidez do empregado (artiº gos 1 , 7o, 170 e 225, da CF/88); não é menos correto dizer que o infraconstitucional imputou ao empregador o dever de cumprir as normas de segurança e medicina, fixadas pelo Ministério do Trabalho (artigos 157, I e III, e 200 da CLT), sem excluir qualquer entidade que mantenha trabalhadores, nem mesmo as Pessoas Jurídicas de Direito Público. O fundamento legal está na CF, §§ 1° e 2° do art. 5°, art. 7°, XXII, §3° do art. 39, art. 196 (saúde é direito de todos e dever do estado) e nas Convenções da OIT 155 e 161, que tratam de segurança e saúde dos trabalhadores e dos serviços de saúde do trabalho e expressamente estendem a sua aplicação à administração publica e aos funcionários públicos, cooperativas, enfim em todas as atividades econômicas. Por conseguinte, nada mais coerente com a responsabilidade social do empregador frigorífico promover a qualidade no ambiente de trabalho – QVT, com o dimensionamento rodiziário de trabalhadores, limitação da jornada e incremento do número de postos a serem ocupados. 186
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Ainda, capacitar e orientar funcionários em caso de emergências nas máquinas e vazamento de amônia e métodos de contenção. Investir em tecnologias e técnicas de redução de esforço no levantamento de cargas e transporte de materiais, com maquinário adequado e adaptado para paradas emergenciais. O fiel cumprimento da função social passa, ainda, pelo permanente funcionamento e acompanhamento de CIPA, de SESMT e PCMSO, com a efetiva e fidedigna emissão de CAT. Conforme elucida Gabriela Neves Delgado: “entende-se que o trabalho não violará o homem enquanto fim em si mesmo, dede que prestado em condições dignas. Ou seja, o valor da dignidade deve ser o sustentáculo de qualquer trabalho humano.” (Delgado, 2015, p. 90). 6. ATUAÇÃO DO MPT NOS FRIGORÍFICOS O elevado número de acidentes e afastamentos por doenças no setor frigorífico levantou atenção do Ministério Público do Trabalho, criando, como meta prioritária, o Projeto Nacional de Adequação das Condições de Trabalho em Frigoríficos, tendo como foco principal a adequação do ambiente de trabalho e assegurar a saúde e dignidade aos empregados do setor299. Destaca-se como atuação central o combate às irregularidades ergonômicas e longas jornadas; Interdição de estabelecimentos e setores de produção em face de riscos de acidentes por inadequação de equipamentos e sistema de segurança; limitação do ritmo de trabalho; combate ao assédio que causam o esgotamento físico e mental; implementação e funcionamento de CIPA, SESMT e PCMSO, com obrigação de fornecimento de CAT na ocorrência de acidente de trabalho e o fiel cumprimento da NR 36/MTE. Cumpre observar que atuação Ministerial não se restringe ao ajuizamento de ações, mas no trabalho direto ou por meio de grupos de trabalho (MPT, Polícia Federal, Auditores do Trabalho, Fiscais Agropecuários, etc.) para identificar as necessidades do setor e trabalhar de forma extrajudicial, através de palestras, audiências públicas e ajustamento de condutas com empresários do setor, sem perder de vista as indenizações por danos moral coletivo, objeto de outro estudo. Importante trabalho realizado é o levantamento de necessidades diretamente com os sindicatos e conscientização de sua participação para fazer cumprir as normas atinentes ao ambiente laboral. Por fim, enfatiza-se a judicialização de ações civis públicas para a obtenção de um provimento mandamental visando impedir ou sustar a ocorrência de ilícitos no descumprimento das normas afetas ao ambiente de trabalho, tendo em sua grande maioria obtido êxito, nas seguintes matérias: Observância da limitação da jornada, sem extralabor; limite velocidade de esteiras e movimentos repetitivos; rodízio de atividades e pausas para repouso e recuperação; emissão de CAT na ocorrência de acidentes; fornecimento de completo de EPI’s; adequação de maquinários e áreas quanto ao vazamento de amônia e orientação quanto aos meios de primeiros-socorros; sinalização; combate ao assedio moral; igualdade de tratamento e remuneração300.
7. JURISPRUDÊNCIA E O MERCADO FRIGORÍFICO No contexto das ações individuais e coletivas, o judiciário tem se mostrado sensível no combate às irregularidades trabalhistas no setor frigorífico, identificando situações abusivas de labor e condenando as empresas a adequações e reparações de cunho repressivo e pedagógico, como a seguir colacionado, à guiza de demonstração: 299
Projeto Adequação das Condições de Trabalho nos Frigoríficos. Disponível em <https:// portal.mpt.mp.br/wps/wcm/connect/portal_mpt/a161e02f-408e-409b-85b8-ebc04e68e3fb/ Adequa%C3%A7%C3%A3o+das+condi%C3%A7%C3%B5es+de+trabalho+nos+frigor%C3%ADficos. pdf?MOD=AJPERES> acessado em 11.11.17, às 10:50. 300 Acp’S 183900-16.2007.5.12.0055; 2297-14.2015.5.09.0669; 395-59.2012.5.23.0081.
187
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.015/2014 1 - ADICIONAL DE INSALUBRIDADE EM GRAU MÁXIMO. FRIGORÍFICO. CONTATO COM AGENTES BIOLÓGICOS. 1. O Tribunal Regional manteve a condenação da reclamada ao pagamento do adicional de insalubridade em grau máximo, por constatar o labor do reclamante em condições insalubres. 2. No particular, cumpre destacar que consta do corpo do acórdão recorrido o registro, lastreado na prova pericial, no sentido de que “o gado mesmo não possuindo a doença, pode ser portador dos micro-organismos mencionados, existindo o risco de infectar o ser humano através da pele, mucosa ou via pulmonar”, tendo ficado consignado que, “mesmo examinados por médico veterinário, podem existir animais doentes antes do abate, bem como que o reclamante não utilizava EPIs capazes de elidir a condição insalubre” (g.n.), de modo que não poderia ser descartada a possibilidade de contaminação por doença, máxime porque, como ressaltado pela perícia, o reclamante sequer utilizava EPI’ s capazes de elidir eventual agente insalubre. 3. Entendimento diverso demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado nesta instância recursal extraordinária, nos termos da Súmula 126 do TST. Recurso de revista não conhecido. (...) ( RR - 109-11.2014.5.04.0382 , Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 16/08/2017, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 18/08/2017 – sem grifos nos originais). RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA Lei n. 13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. JORNADA EXAUSTIVA. 12 (DOZE) HORAS DIÁRIAS DE TRABALHO DANO MORAL IN RE IPSA. PRESUNÇÃO HOMINIS. (...) INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - FORNECIMENTO DE ALIMENTAÇÃO ESTRAGADA - DISTRIBUIÇÃO DE UNIFORMES ÚMIDOS PARA TRABALHAR EM AMBIENTE FRIO - EXPOSIÇÃO A RISCO IMINENTE EM RAZÃO DE VAZAMENTO DE GÁS AMÔNIA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. R$ 6.000,00. MAJORAÇÃO DEVIDA. HORAS EXTRAS. CONFISSÃO FICTA. ( RR - 57-40.2014.5.23.0041 , Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 09/11/2016, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/11/2016).
8. CONCLUSÃO De todo o apresentado, é de notável conclusão que a responsabilidade social da empresa impõe investir prioritariamente na adequação do ambiente laboral e na forma de trabalho seguro, tendo como referencia a regra cogente da NR 36. Destaca-se, ainda, que as horas extrajornadas, o ritmo esgotante de trabalho, as condições precárias de ergonomia e proteção, atentam contra a dignidade do trabalho, o que impede o reconhecimento do trabalho decente. Logo, é imperioso o respeito às normas atinentes a segurança e medicina no trabalho como forma de proteger, em primeiro lugar, a saúde dos trabalhadores, uma vez que a propriedade privada resta condicionada ao cumprimento das medidas preventivas. Assim, as normas regulamentadoras em especial a NR 36 devem ser cumpridas rigorosamente pela empresa, pois são de caráter imperativo. Uma vez constatado que o direito a ambiente sadio nos frigoríficos é direito fundamental difuso e obrigatório, é papel do Estado, dos Órgãos de fiscalização e do próprio Judiciário dar respostas necessárias à proteger esse grupo de indivíduos que se colocam em um risco acentuado. Assim, o trabalho seguro não é apenas um princípio, mas sim uma obrigação concreta de todo o empregador, pois a saúde e a segurança estão entre os direitos fundamentais do ser humano. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVARENGA, Rubia Zanotelli. O trabalho decente como direito humano fundamental. São Paulo: LTr, 2016. BARROS, Marina Dorileo; SILVEIRA, Paula Galbiatti; DINIZ, Bismarck Duarte. Trabalho decente 188
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
atrelado à preservação ambiental: análise do programa empregos verdes. Veredas do Direito, v. 13, n. 25, jan./abr. 2016, p. 199-221. BRANCO, Paulo Gustavo; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 8ªed. São Paulo: Saraiva, 2008. DELGADO, Gabriela Neves. Estado democrático de direito e direito fundamental ao trabalho digno. In: DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da república e direitos fundamentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2015. DELGADO, Mauricio Godinho. “Estado Democrático de Direito, Constituição Federal de 1988 e Direito do Trabalho”. In DELGADO, M. G.; DELGADO, G.N. Constituição da República e Direitos Fundamentais - dignidade da pessoa humana, justiça social e Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2015. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Tutela constitucional da defesa do meio ambiente como princípio da atividade econômica em face do denominado desenvolvimento sustentável. Revista Novos Estudos Jurídicos, v. 22, n. 2, mai./ago. 2017, p. 461-488. GUEDES, João. Indústria alimentícia: panela de pressão. Proteção: Revista Mensal de Saúde e Segurança do Trabalho, Novo Hamburgo , v.26, n.262, p. 42-58, out. 2013. MAIA, Rafael. Sangue, sujeira e contaminação: abatedouros públicos sem mínimas condições de higiene expõem trabalhadores e população a altos riscos em Alagoas. Labor : Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasília , v.3, n.6, p. 36-41, jun. 2015. MELO, Raimundo Simão de. Danos ao meio ambiente do trabalho e à saúde do trabalhador: responsabilidade e prescrição. SDI: Jurisprudência Uniformizadora do TST Curitiba , v. 12, n. 132, p. 9-17, nov. 2007. MELO, Raimundo Simão de. Responsabilidade objetiva e inversão da prova nos acidentes de trabalho. Revista LTr Legislação do Trabalho : Publicação Mensal de Legislação, Doutrina e Jurisprudência, São Paulo , v.70, n.1, p. 23-33, jan. 2006. MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2013. REIS, Fátima. A epidemia que vem dos frigoríficos: longas jornadas, esforços repetitivos e ambientes inadequados geram alto índice de adoecimento. Labor: Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasília , v.1, n.1, mar. 2013, ex.2, p. 60-65. REIS, Thais Barbosa; MORAES, Maria Dione Carvalho de. Meio ambiente de trabalho em empresas agropecuárias nos cerrados piauienses: disciplinamento do corpo e resistência de trabalhadores/as rurais. Revista Jurídica da Presidência, v. 13, n. 99, fev./mai. 2011, p. 111-131. RIBEIRO, Claudirene Andrade. Meio ambiente do trabalho: responsabilidade civil por dano moral coletivo na atividade frigorífica. Curitiba: Juruá, 2017. SILVA, José Afonso da. Direito ambiental Constitucional. 9º Ed. São Paulo: Malheiros, 2011. STÜMER, Gilberto. Direitos humanos e meio ambiente do trabalho. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 13, n. 25, jan./abr. 2016, p. 155-172. VIEGAS, Cláudia. Ritmo frenético no abate e processamento de carnes adoece trabalhadores. Proteção Novo Hamburgo v. 18, n. 160, p. 32-47, abr. 2005.
189
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Clรกudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
190
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Oficina III
191
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Clรกudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
192
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
TELETRABALHO: retrocesso ao século XIX? TELEWORK: regression to the 19th century? Caroline Ramos da Silva Bastos301 Lorenna Rocha Gomes302 “É duvidoso que as invenções mecânicas feitas até agora tenham aliviado a labuta diária de algum ser humano.” John Stuart Mill RESUMO: A presente pesquisa, por meio da análise bibliográfica e documental, tem como escopo analisar a possível ocorrência da superexploração do teletrabalhador no que tange ao controle de sua jornada de trabalho. A Terceira Revolução Industrial que inovou no âmbito da tecnologia, principalmente com a microinformática e a internet, também impactou as formas de prestação de trabalho e fez surgir o teletrabalho, que pela Lei 13.467/17, consiste na prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. Essa nova forma de labor sob subordinação dificulta a supervisão do tempo trabalhado pelo empregado e um dos motivos é a razão deste não estar fisicamente às vistas de seu empregador. O teletrabalho surge como um atrativo ao empregado que terá (suposta) liberdade na administração do seu tempo de trabalho. Mas, por outro lado, é imperioso que se observe o direito fundamental à limitação de jornada e o direito à desconexão como óbice para a ocorrência de possível dano existencial e a superexploração do empregado. Pois, em caso contrário, deve-se pensar: a sociedade, apesar dos avanços tecnológicos, estaria a retroceder ao período marcante das primeiras indústrias inglesas? PALAVRAS-CHAVE: Teletrabalho. Jornada de Trabalho. Dano existencial. Direito à desconexão. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Do industrialismo à pós-modernidade: a (extra)ordinária jornada de trabalho; 3. O direito fundamental à limitação da jornada de trabalho; 4. O teletrabalho e o regime de jornada conforme a lei 13.467/2017: uma interpretação à luz da constituição federal de 1988; 5. A ausência da limitação de jornada para os teletrabalhadores, o direito a desconexão e a possível ocorrência de dano existencial; 6. Conclusão; 7. Referencial teórico. ABSTRACT: This research, through bibliographic and documentary analysis, has as scope to analyze the possible occurrence of teleworker overexploitation in reference of the control of his working hours. The Third Industrial Revolution that innovated in the sphere of the technology, mainly with the microinformatics and the internet, also also impacted the ways of providing work and gave rise to teleworking, that by Law nº 13.467/2017, consists of the provision of services made predominantly outside the employer’s premises, using information and communication technologies that, by their nature, do not constitute external work. This new form of labor under subordination hinders the supervision of the time worked by the employee and one of the reasons is the motive for not being physically seen by his employer. The teleworking appears as an attraction to the employee who will (supposedly) have freedom in the administration of his working time. But, on the other hand, it is imperative to be observed the fundamental right to the limitation of working hours and the right to disconnection as an obstacle to an occurrence of possible existential damage and overexploitation of the employee. Because, otherwise, we 301
Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário do Distrito Federal – UDF; caroline.rsbastos@hotmail.com. Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário do Distrito Federal – UDF; loren.r.gomes@gmail.com.
302
193
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
should think, would society, in spite of technological advances, be backtracking the remarkable period of the first English industries? KEY-WORDS: Telecommuting. Working Day. Existential damage. Right to disconnect. SUMMARY: 1. Introduction; 2. From industrialism to postmodernity: the (extra) ordinary working day; 3. The fundamental right to limit the working day; 4. Telework and the working regime according to law 13467/17: an interpretation in the light of the 1988 federal constitution; 5. The absence of limitation of work hours for teleworkers, the right to disconnect and the possible occurrence of existential damage; 6. Conclusion; 7. Theoretical reference. 1. INTRODUÇÃO Diante da atual modernização, tem-se introduzido a tecnologia nas relações de trabalho, de forma que a estrutura do trabalho se apresenta modificada pelos avanços tecnológicos, os quais permitiram um distanciamento entre o empregado e o ambiente físico do estabelecimento empresarial. Em um contexto de inovação, com a microinformática e a internet, oportunizou-se a execução do trabalho fora das dependências do empregador, originando-se então o teletrabalho. Em 2017 foi editada a Lei 13.467, que alterou o artigo 62 da Consolidação das Leis do Trabalho ao acrescentar o inciso III, retirando, sem qualquer justificativa, os teletrabalhadores do regime de jornada controlada de trabalho. O teletrabalho, apesar de favorecer a comunicação e o desenvolvimento de atividades, por outro lado, permite que o trabalhador permaneça conectado 24 horas por dia, numa excessiva conexão virtual que interfere em sua vida privada. A partir disso, levanta-se a problemática de que a referida alteração legislativa, a princípio, mostra-se incompatível com os mandamentos constitucionais, por desrespeitar o limite constitucional de jornada de trabalho e o direito à desconexão plenamente aplicáveis a essa modalidade de labor, bem como por ser capaz de gerar dano à existência do teletrabalhador. O inciso III do artigo 62, acrescido pela Lei 13.467/2017, demonstra não ter levado em conta a capacidade de os avanços tecnológicos viabilizar o controle incisivo da jornada de trabalho do teletrabalhador. Assim, as conquistas sociais de melhores condições de trabalho, de limitação de jornada e de um patamar mínimo civilizatório obtidas passam a ser desconsideradas, devolvendo o trabalhador para um contexto industrial de implementação de maquinarias no sistema de produção e de demasiada exploração, ou seja, é proporcionado, dessa forma, um retrocesso ao século XIX. Diante do exposto, o presente artigo tem como objetivo analisar a alteração legislativa em comento, quanto às suas incompatibilidades, violações à direitos fundamentais e garantias do trabalhador, bem como seus efeitos, consequências e possíveis soluções. Esta pesquisa justifica-se pela potencial existência de violação à mandamentos constitucionais decorrentes da exclusão dos teletrabalhadores da proteção de jornada de trabalho, ainda que viável o controle da duração do trabalho, onde a possibilidade de labor em jornadas cada vez maiores gera o rompimento do direito à desconexão e a ocorrência de dano existencial. 2. DO INDUSTRIALISMO À PÓS-MODERNIDADE: A (EXTRA)ORDINÁRIA JORNADA DE TRABALHO O processo histórico conhecido como industrialismo surge em tempos liberais a partir da revolução industrial com a implementação de maquinarias no sistema de produção, o que ocasionou transformações em todo o cenário econômico e social do final do século XVIII e conferiu rumos ao século XIX, principalmente no que tange à relação do homem com o trabalho. Significa, pois, a substituição do sistema de produção manufatureiro pelo sistema de produção fabril, no qual um pequeno grupo detinha os meios e as técnicas de produção e o grande grupo que se formava detinha – apenas - a nova mercadoria: sua força de trabalho “livre”. 194
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Da revolução industrial - e como corolário da lógica capitalista - emerge uma nova classe social: o proletariado, a qual segundo Marx e Engels é a “classe dos trabalhadores assalariados modernos, que, não tendo meios de produção próprios, são obrigados a vender a sua força de trabalho para sobreviver” (2016, p. 39). O proletariado ou a classe dos proletários é a classe trabalhadora do século XIX (MARX; ENGELS, 2016, p. 87), pois a crescente industrialização suprimiu os diversos meios de produção, uma vez que o artesão, o pequeno comerciante e as oficinas manuais não conseguiam competir com a produtividade que as máquinas proporcionavam e por consequência com os preços. Foram, desse modo, surpreendidos pela modernidade. Ou seja, esse fator fez com que todos fossem, como no movimento constante das maquinas, se tornando operários, porquanto precisavam se manter e manter suas famílias. Ocorre que imergida em uma economia de mercado que se autorregulamentava, isto é, marcada pela anomia, e diante da voracidade pela acumulação do capital, intensificava-se cada vez mais a exploração dessa força de trabalho e nesse contexto configura-se o contraste de duas classes.303 É certo que ao longo de toda história sempre houve classes que oprimiam e classes que eram oprimidas, entretanto cada momento foi composto por nuances que atenuaram essas desigualdades, por exemplo o caráter paternalista e pessoal presente nas relações feudais não as reduziam a um único objetivo econômico. Contudo, a sociedade industrial, alicerçada num Estado liberal, inaugura a era dos extremos em um cenário de desequilíbrio total. De um lado estavam os proprietários dos meios de produção, aqueles que possuíam o domínio do capital e ditavam as regras e as condições de trabalho - os burgueses - e do outro, aqueles que tinham a força de trabalho como sua única mercadoria - o proletário - e por essa razão eram explorados. Nesse sentido Lorena Vasconcelos Porto leciona: Mesmo que se admita que o operário detinha maior liberdade do que o escravo ou servo – o que é discutível – as suas condições de trabalho e de vida talvez fossem as piores. Com efeito, como o escravo compunha parte valiosa do patrimônio do senhor, este tinha interesse na preservação de sua saúde e integridade física. Ao contrário, o industrial explorava ao máximo o operário e depois o “descartava”, tratando-o como se “fungível” fosse, pois a sua substituição não lhe causava prejuízos. (2009, p. 24).
Nesta senda, percebe-se que o trabalho “livre” é na verdade obrigatório para o homem moderno e que livre era tão somente a concorrência cada vez mais acirrada pela ânsia do capitalismo, o qual tudo transforma em mercadoria na busca pelo lucro, inclusive o homem.304 Esse capitalismo liberal, segundo Marx e Engels, “fez da dignidade pessoal um simples valor de troca e no lugar das inúmeras liberdades já reconhecidas e duramente conquistadas colocou unicamente a liberdade de comércio sem escrúpulos” (2016, p. 43). Destarte, tendo em vista a condição de forte subordinação do operário e ao mesmo tempo a ausência de proteção pela instituição que se restringia a garantir a propriedade privada e por 303
A posição de uns em frente dos outros qualificava a situação social dos indivíduos e os dividia em classes perfeitamente definidas. O proprietário de meio de produção, detentor de parcela da riqueza social, era o patrão, que, mediante o pagamento de um salário, tirava proveito do trabalho alheio, obtendo lucro com a venda dos produtos no mercado. O locador de força-trabalho era o operário, que prestava serviços sob a direção e em proveito de quem lhe pagava o salário. A diversidade de interesses colocava-os em posições antagônicas. In: GOMES, Orlando. O destino do direito do trabalho. Revista da Faculdade de Direito UFPR, vol.5, 1957. p. 155. 304 A chave do sistema institucional estava nas leis ditadas pela economia de mercado. Em um cenário em que o liberalismo econômico avançava e o capitalismo transformava-se estruturalmente, passando de concorrencial a monopolista, trabalho, terra e dinheiro, em um processo dirigido por um mecanismo autorregulável de troca, passavam à condição de mercadorias. O homem e a natureza, manuseados na órbita do mercado como mercadorias, acabavam tornando-se também mercadorias. BIAVASCHI, Magda Barros. Fundamentos do Direito do Trabalho: nosso tempo? In: KREIN, José Dari; BIAVASCHI, Magda Barros; ZANELLA, Eduardo Benedito de Oliveira; FERREIRA, José Otávio de Souza (org.) As Transformações no Mundo do Trabalho e os Direitos dos Trabalhadores. São Paulo: LTr, 2006.
195
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
consequência a manutenção do sistema que se consolidou, um cenário totalmente propício à exploração por um capitalismo sem peias estava posto. Assim, motivados pela necessidade, os operários – homens, mulheres e crianças - se rendiam a todas as condições impostas, laboravam por salários ínfimos, em ambiente espurco, insalubre e em jornadas extenuantes que chegavam a ser de 16 horas diárias de trabalho.305 Nada obstante, como a quase tudo é possível estabelecer um paradoxo, à fábrica também o é, na mesma medida em que subjugava o trabalho humano e coisificava o ser, ela reunia os proletários e isso possibilitou a formação de uma consciência de classe, a qual permitiria mais tarde a ocorrência de movimentos sociais em busca por melhores condições de vida (ou de sobrevivência) e de trabalho. Mas os grandes esforços dos trabalhadores voltaram-se especialmente a uma questão, a diminuição da jornada de trabalho que os usurpavam do convívio social, do tempo para educação e crescimento intelectual. Para Christophe Dejours “vê-se emergir a palavra de ordem que vai, por assim dizer, cobrir todo o século XIX: a redução da jornada de trabalho” (1992, p. 17). Assim, diante da pressão dos movimentos sociais, o Estado se viu obrigado a intervir para humanizar a força bruta do capital sob os trabalhadores, e foi por meio da coação estatal que as regulamentações e limitações acerca da jornada de trabalho aconteceram até que se conquistasse, dentre outros direitos, a atual jornada de trabalho. Desse modo, em razão do clamor pela proteção à saúde dos trabalhadores, surgem as leis trabalhistas. As primeiras leis que entraram em vigor para regulamentar a duração do trabalho surgiram ainda no século XIX em países europeus (OIT, 1967, apud OIT, 2009, p. 26) e eram destinadas a alguns ramos da produção, ou seja, não abrangiam toda a classe trabalhadora (MARX, 2016, p. 342). As primeiras leis protegeram precipuamente os menores de idade e, além disso, introduziram o intervalo para as refeições, mas, quanto ao adulto, este continuava sendo explorado (MARX, 2016, p 321). Destarte, as reivindicações continuaram e, posteriormente, foram editadas leis que equipararam a jornada de trabalho das mulheres adultas à dos menores, diminuindo assim a carga horária de trabalho diário das mulheres (MARX, 2016, p. 324). Mas, tendo em vista que essas leis ainda regulamentavam jornadas extenuantes – de 12 e até 15 horas de trabalho diário -, a luta continuou e diante das pressões, reduziu-se ainda mais a carga horária, limitando-a em 10 horas diárias. Entretanto a proteção continuava sendo somente para os menores e para as mulheres, de modo que o homem adulto permaneceu sendo explorado (MARX, 2016, p 336). Nesse contexto, reconhecendo-se vagarosamente a necessidade de proteção à saúde do trabalhador, de destinação de tempo livre ao obreiro, várias instituições se manifestaram em prol dos operários, uma delas foi a Igreja Católica que publicou a encíclica “Rerum Novarum: sobre as condições dos operários” escrita pelo papa Leão XIII em 1891, por meio da qual expôs sua preocupação: A atividade do homem, restrita como a sua natureza, tem limites que não se podem ultrapassar. O exercício e o uso aperfeiçoam-na, mas é preciso que de quando em quando 305
Sobre as condições de vida e trabalho que permearam o século XIX: Alguns elementos marcantes podem ser retidos: a duração do trabalho, que atinge correntemente 12, 14 ou mesmo 16 horas por dia, o emprego de crianças na produção industrial, algumas vezes a partir dos 3 anos, e, mais frequentemente, a partir dos 7 anos. In: TYL Y. Introduction au rapport Villermé, Union Générale d’Edition, 1 vol. 10x18, París, 1971 apud DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ªed. São Paulo: Cortez – Oboré, 1992, p. 14. Os salários são muito baixos e, com frequência, insuficientes para assegurar o estritamente necessário. Os períodos de desemprego põem imediatamente em perigo a sobrevivência da família. [...]. In: BRON Y. Histoire du mouvement ouvrier. Editions Sociales, 3 vol., Paris, 1968, p. 43 apud DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ªed. São Paulo: Cortez – Oboré, 1992, p. 14.[...] Falta de higiene promiscuidade, esgotamento físico, acidentes de trabalho, subalimentação, potencializam seus respectivos efeitos e criam condições de uma alta morbidade, de uma alta mortalidade e de uma longevidade formidavelmente reduzida [...] “a morte cresce em razão inversa ao bem-estar”. In: VILLERME L. État physique et moral des ouvriers. Textos escolhidos, publicados por Yves Tyl. 1 vol., Union Genérale d’Edition, 1971 apud DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ªed. São Paulo: Cortez – Oboré, 1992, p. 14.
196
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
se suspenda para dar lugar ao repouso. Não deve, portanto, o trabalho prolongar-se por mais tempo do que as forças permitem. Assim, o número de horas de trabalho diário não deve exceder a força dos trabalhadores, e a quantidade de repouso deve ser proporcionada à qualidade do trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar, à compleição e saúde dos operários. (Item 25). [Modificação nossa].
Segundo a Organização Internacional do Trabalho – OIT - (2009, p. 9), criada em 1919, um ano após à Primeira Guerra Mundial, a restrição da jornada de trabalho para 10 horas diárias foi uma grande conquista, mas dois países europeus, Estados Unidos e Nova Zelândia, ao fixarem a jornada semanal de 48 horas de trabalho ainda no início da Grande Guerra influenciaram os demais países a fazê-lo, inclusive países latino-americanos. Assim, tendo em vista tamanha importância do tema em questão, a OIT tratou do assunto no Preâmbulo de sua Constituição e, na Convenção nº 1 determinou no artigo 2º a limitação da jornada de trabalho para 8 horas diárias e 48 semanais. Diante do exposto, pode-se afirmar que a batalha pela jornada de trabalho humanizada se mistura com a história do direito laboral e que a sua conquista é a conquista do próprio direito do trabalho que brota nesse século por meio das leis a fim de conferir um patamar mínimo civilizatório aos trabalhadores (ABDALA, 2016, p. 331). A garantia formal da limitação da jornada de trabalho é sinônimo de proteção à saúde do trabalhador, de possibilidade de maior convívio social e desenvolvimento intelectual. Entretanto, apesar da normatização, “a exploração ainda permanece, sendo atenuada pelo fato destes direitos passarem a existir” (JANNOTTI, 2017, p. 21). Nesse sentido, para Marx e Engels a “burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção e, por conseguinte, as relações de produção” (MARX; ENGELS, 2016, p. 43) e como grandes visionários dos tempos futuros deixaram em sua obra a frase que traduz a pós-modernidade: “como tudo que é solido desmancha no ar” (MARX; ENGELS, 2016, p. 44). Pois bem, a solidez da era industrial se volatizou, o avanço tecnológico permitiu a execução do trabalho fora do ambiente industrial, os meios de comunicação e principalmente a internet oportunizaram que a atividade atravessasse os muros da empresa e fossem parar – pasmem! - na casa do trabalhador. A novidade está posta, surge o teletrabalho. A internet permite a conexão instantânea entre as pessoas, encurta distâncias e possibilita que alguém que esteja do outro lado do mundo trabalhe “ao lado” de quem esteja deste. Por outro lado, ultrapassando as benesses, ela permite também que o trabalhador permaneça conectado 24 horas por dia, o que dificulta a separação da vida com o trabalho. Acontece desse modo o movimento inverso, a tecnologia, empregada de modo capitalista, no lugar de facilitar a produção e diminuir o tempo de trabalho, aumenta, e como uma máquina do tempo devolve o trabalhador para o século XIX. Pode-se pensar que em que pese seja possível a ocorrência da hiperconexão, de fato isso não ocorra e o trabalhador labora sob a proteção formal do regime de jornada limitada como fora conquistado, entretanto o cumprimento de metas impostas por seu empregador por exemplo pode levá-lo a laborar em jornadas cada vez maiores. Fato é que a luta pela limitação da jornada de trabalho é uma luta que só possui um marco inicial, pois se estende até os dias atuais uma vez que não importa quantos meios telemáticos surjam para facilitar as relações de trabalho, a ânsia desmedida do capital pelo lucro sob a produtividade sempre colocará em cheque os direitos trabalhistas - afinal, se pode produzir mais, por que não? - e o Estado sempre será chamado a regular de modo a harmonizar as relações de trabalho. 3. O DIREITO FUNDAMENTAL À LIMITAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO A luta operária que se estendeu por todo século XIX exigiu do Estado que até então se mantinha inerte e garantia apenas - e formalmente - os direitos de liberdade e igualdade, uma postura intervencionista para que se efetivasse de fato uma proteção concreta aos trabalhadores. Nesse contexto Ingo Wolfgang Sarlet assevera que: 197
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos, atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social. [...] Não se cuida mais, portanto, de liberdade do e perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado. (2015, p. 47).
Os referidos direitos, conhecidos como direitos sociais foram incipientes no aludido período histórico, mas, segundo Paulo Bonavides, dominam todo o século XX em razão de uma ideologia e reflexão antiliberal (BONAVIDES, 2012, p.582) que fortemente se manifestou na busca de uma igualdade material em prol da proteção dos trabalhadores e por consequência do ímpeto do capital. Contudo, somente após a Segunda Guerra Mundial foi que essas garantias se consolidaram constitucionalmente como direitos fundamentais de segunda dimensão (SARLET, 2015, p. 47). Os direitos fundamentais, segundo Konrad Hesse, aspiram criar e manter os pressupostos elementares de uma vida consubstanciada na liberdade e na dignidade humana (1986, apud BONAVIDES, 2012, p.578). Conforme assevera Ricardo José Macedo de Britto Pereira, esses direitos “não se reduzem a disposições estritamente jurídicas e são incompreensíveis se desvinculados dos valores que visam proteger ou alcançar. Ao lado da dimensão jurídica existe uma dimensão moral” (2017, p. 431). Nesse sentido, Paulo Bonavides ao se reportar aos direitos fundamentais de segunda dimensão afirma que “os direitos sociais nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula” (BONAVIDES, 2012, p.582). Destarte, os direitos fundamentais de segunda dimensão se deram por obra de reivindicações concretas motivadas em razão da hostilidade com que era tratado o bem da vida - ou a própria vida – principalmente da classe operária, foi a partir daí que esses direitos passaram a ser tutelados pelo Estado que colocou o indivíduo no centro de uma proteção jurídica, e não mais a propriedade. Os direitos sociais possuem dois pilares, quais sejam a dignidade humana e a igualdade. Nascem com o intuito de valorização do ser, humanização do capital e, unindo esses dois, da valorização do trabalho. Por conseguinte, nesse contexto, despontam os direitos fundamentais dos trabalhadores, por exemplo, o direito às férias e ao repouso semanal remunerado, à garantia de um salário mínimo e à limitação da jornada de trabalho (SARLET, 2015, p. 48) – essa última agora sob uma conjuntura tangível de proteção. Tratando-se em específico acerca da limitação da duração do trabalho diário, o Brasil, desde a Constituição de 1934, resguarda essa garantia, entretanto essa e as demais constituições anteriores a de 1988 ainda possibilitavam que por lei ordinária essa carga fosse aumentada (ABDALA, 2016, p. 332). Ocorre que somente a atual Constituição brasileira que centralizou o trabalho em sua ordem jurídica dispõe, sob o espectro dos direitos fundamentais, a respeito desse tema, limitando de fato a duração diária do trabalho a 8 horas diárias e 44 horas semanais em seu artigo 7º, XIII no Capítulo dos Direitos Sociais. O direito a uma jornada limitada de trabalho deve ser pautado em limites físicos e sociais (MARX, 2016, p. 271), e tem como fundamento três aspectos importantes segundo Vólia Bomfim Cassar: a) Biológicos: o excesso de trabalho traz fadiga, estresse, cansaço ao trabalhador, atingindo sua saúde física e mental. Portanto, os fatores biológicos são extremamente importantes para limitar a quantidade de trabalho diário; b) Sociais: o trabalhador que executa seus serviços em extensas jornadas tem pouco tempo para a família e amigos, o que segrega os laços íntimos com os mais próximos e exclui socialmente o trabalhador; c) Econômicos: um trabalhador cansado, estressado e sem diversões produz pouco e, portanto, não tem vantagens econômicas para o patrão. (2015, p. 617). [Grifo nosso].
198
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Nesse sentido, Mauricio Godinho Delgado declara que “modernamente, o tema da jornada ganhou importância ainda mais notável, ao ser associado à análise e realização de uma consistente política de saúde no trabalho” (2017, p. 974), desse modo, a contenção do tempo diário de trabalho é indispensável à efetivação do direito fundamental à saúde do trabalhador (KLIPELL, 2016, p. 53), bem como do direito fundamental ao lazer. Ademais, ao longo de toda a história constatou-se que uma jornada de trabalho extenuante era – e ainda é - causa de muitos acidentes de trabalho além de doenças relacionadas à atividade laboral. Por essa razão, a redução da carga horária de trabalho diário é também uma norma que objetiva o cumprimento do disposto no artigo 7º, XXII, da Constituição Federal, qual seja a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Dessa maneira, a jornada de trabalho limitada integra as normas de segurança e medicina do trabalho (CASSAR, 2016, p. 617). À vista disso, percebe-se que a limitação da jornada diária de trabalho se trata de uma norma de ordem pública, possui caráter cogente e não representa um fim em si mesmo, visa a garantia da integridade física e psíquica do trabalhador, bem como do seu bem-estar e, portanto é de observância obrigatória, pois segundo Ricardo José Macedo de Britto Pereira: A missão de combater o adoecimento e os acidentes no trabalho torna-se praticamente impossível se são admitidas jornadas excessivas e variáveis que eliminam por completo o projeto de vida dos trabalhadores, convertendo o que deveria ser tempo livre em período de trabalho ou à disposição para eventuais convocações. (2017, p. 429).
Dessa forma, a sua transgressão, de qualquer modo, estaria a ofender frontalmente a dignidade do trabalhador. A flexibilização que não observa o limite constitucional da jornada de trabalho seria a flexibilização da própria dignidade da pessoa humana que constitui um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e representa, conforme Mauricio Godinho Delgado, um “conjunto essencial de valores intangíveis que compõem a personalidade e a individualidade da pessoa humana, como honra, liberdade, segurança física e psíquica, bem-estar físico e psíquico, privacidade e intimidade, respeito, autoestima e, até mesmo, imagem (2017, p.38). 4. O TELETRABALHO E O REGIME DE JORNADA CONFORME A LEI 13.467/2017: UMA INTERPRETAÇÃO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 O avanço tecnológico alterou ao longo do tempo a morfologia do trabalho, principalmente após a Terceira Revolução Industrial que inovou no âmbito da comunicação com a microinformática e a internet. Esse desenvolvimento permitiu uma “intercomunicação imediata e a custo muito mais reduzido” (DELGADO,2017, p. 18) e fez surgir uma nova forma de trabalho: o teletrabalho. O teletrabalho é uma modalidade de trabalho à distância que ocorre a partir do emprego de tecnologias de informação e comunicação. Essa recente forma de labor alterou a geografia do trabalho e impactou o poder diretivo do empregador. O que antes se restringia a um espaço delimitado no qual era desenvolvido a atividade, hoje pode ser estendido a centros de informática e até mesmo para a casa do trabalhador em sua descentralização máxima. Ou seja, a estrutura organizacional que antes era vertical passa a ser horizontal, ocorrendo, desse modo, um distanciamento do ambiente físico do estabelecimento empresarial. Nas palavras de Geraldo Magela Melo, “há uma flexibilização do local de labor, que, em grande medida, passa a ser de responsabilidade ou propriedade do empregado e não mais do empregador” (2017, p. 401). O legislador diante dessa hodierna forma de prestação de serviços editou em 2011 a Lei 12.551 (BRASIL, artigo 1º) que alterou o artigo 6º da legislação trabalhista e lhe acrescentou o parágrafo único, igualando a prestação de trabalho realizado no estabelecimento do empregador ao trabalho realizado no domicílio do empregado e aquele executado à distância, quando presentes os elementos fáticos-jurídicos da relação de emprego, e ainda equiparou os meios telemáticos de controle, comando e supervisão aos meios diretos e pessoais de fazê-los. 199
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Desse modo, reconhecendo as mutações no mundo do trabalho sobretudo pela razão de que as empresas estão cada vez mais adeptas às inovações tecnológicas, integrou o teletrabalhador ao regime de pleno emprego, equiparando-o àquele que labora dentro do ambiente físico no qual se desempenha a atividade empresarial e conferindo-lhe os mesmos direitos. Essa alteração legislativa, segundo Mauricio Godinho Delgado, reconheceu implicitamente o conceito de subordinação estrutural expandindo a relação de emprego, mas não teve o potencial de modificar ou ampliar o conceito de jornada controlada, porquanto são conceitos diferentes (DELGADO, 2017, p. 1024). Desse modo seria perfeitamente aplicável o controle de jornada de trabalho como regra ao teletrabalhador a ser realizado por meio de instrumentos telemáticos, ensejando assim o pagamento de horas extras e de horas de sobreaviso caso ocorressem, e não a exceção constante do artigo 62 da CLT. O dispositivo supracitado com redação conferida pela Lei 8.966/94 trata dos empregados que não são abrangidos pelo regime de jornada fiscalizada em razão da incompatibilidade desse controle com a atividade desempenhada, como é o caso do trabalhador externo e aqueles que exercem cargo de gestão. A justificativa para a primeira hipótese é exatamente a incompatibilidade do controle efetivo do tempo de trabalho pelo motivo do trabalhador externo não estar às vistas de seu empregador e em nenhum local fixo, tendo assim liberdade na condução de seu horário de trabalho. Entretanto essa norma é imbuída apenas de uma presunção relativa na medida em que se for possível o efetivo controle e houver provas nesse sentido, subsistirá o princípio da primazia da realidade. No segundo caso, Maurício Godinho Delgado assevera que: O suposto legal é que tais trabalhadores, por estarem investidos de parcela significativa do próprio poder empregatício, não se submeteriam, logicamente, a estrito controle de horários, sob pena disso até mesmo inviabilizar o exercício precípuo de sua função de poder perante os demais trabalhadores ( 2017, p. 1025).
Ocorre que em 2017 sobreveio a Lei 13.467 que alterou substancialmente o texto celetista, incluindo, dentre tantos outros dispositivos, o inciso III no artigo 62, retirando, sem qualquer justificativa, os teletrabalhadores do regime de jornada controlada de trabalho. Ao contrário do legislador de 1994 que fora diligente, o legislador de 2017 desconsiderou todo o avanço tecnológico extremamente capaz de viabilizar o controle da jornada de trabalho do teletrabalhador como por exemplo os sistemas de login e logout e sensores de presença física. Ora, é lógico pensar que o controle em tempos atuais ocorre de forma mais ampla e potencial do que aquele que ocorria em tempos pré-revolucionários. É como se o empregador tivesse um olho para cada empregado, fazendo-se presente na vida deste como o Big Bother de George Orwell se fazia onipresente por meio de slogans na vida das pessoas em uma sociedade totalitária: “sempre aqueles olhos observando a pessoa e a voz a envolvê-la. Dormindo ou acordada, trabalhando ou comendo, dentro ou fora de casa, no banho ou na cama- não havia saída.” Desse modo “o poder diretivo está incorporado no próprio computador” (VASCONCELOS, 2012, p. 177) o que o torna menos visível, mas ainda bastante incisivo. O controle da prestação de serviços é intrínseco ao poder diretivo e este, por sua vez, possui fundamento no artigo 2º da CLT que define a figura do empregador. O controle faz parte da própria organização da atividade empresarial, sendo, portanto, uma prerrogativa do tomador de serviços, mas é importante pensar nas fronteiras do poder de controle, se há limites a esse direito. A lei nada dispõe nesse sentido, mas é imperioso destacar que a atual Constituição Federal colocou como centro de proteção da ordem jurídica a pessoa humana, sendo a dignidade da pessoa humana o princípio que irá nortear todo ordenamento jurídico, bem como os direitos de personalidade - intimidade, privacidade, integridade - que se destinam à promoção e valorização do ser. Em vista disso, o poder de controle não pode ser exercido de forma ostensiva, invasiva, sobre a vida pessoal do empregado, ultrapassando assim a relação de emprego. 200
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Deve-se respeitar, portanto, os imperativos constitucionais, tendo em vista que o exercício desse poderio de forma exacerbada, principalmente em razão dos eficientes meios eletrônicos de controle, tem até mesmo o potencial de causar efeito psicológico sobre o empregado que ao ter maior liberdade na condução de seus horários incorpora parcela desse poder de controle sobre si mesmo. Ademais, a subordinação jurídica estabelece uma relação objetiva entre empregado e empregador, de modo que o exercício do poder de controle se dê somente sobre a atividade e não sobre a vida pessoal do empregado. (DELGADO, 2017, p. 328, apud, VILHENA, 1975, p. 235). Dessa forma, se faz mister o limite ao poder de controle, pois, condutas fiscalizatórias que ultrapassem o espectro objetivo da relação de trabalho “chocam-se frontalmente com o universo normativo e de princípios abraçados pela Constituição vigorante” (DELGADO, 2017, p. 754). À vista disso, percebe-se que a incompatibilidade genérica apta a justificar a ausência do controle da jornada para os trabalhadores externos não se aplica aqui, uma vez que é incontroverso que os avanços tecnológicos permitem um efetivo – e até incisivo- controle do tempo de trabalho, sendo perfeitamente aplicável ao regime de teletrabalho, pois além da geografia essa nova forma de labor tem como requisito o emprego da tecnologia para a consecução dos trabalhos (MELO, 2017, apud, AMADO, 2016, p. 121). Dessa forma, tendo em vista que a limitação da duração de trabalho em 8 horas diárias e 44 horas semanais é um direito fundamental previsto constitucionalmente, deve ser garantido a todos os trabalhadores por razões diversas já demonstradas no presente artigo. Assim através de uma interpretação conforme a Constituição para que impere seus preceitos, a conclusão que se chega é que se faz necessário uma interpretação sistemática do inciso III do artigo 62 da Consolidação das Leis do Trabalho com o seu inciso I, de modo que a exclusão do teletrabalhador do regime de jornada limitada somente ocorra quando for de fato incompatível com o controle, e nesse caso específico somente será quando a gerência do empregador se fizer sob a produção, ou seja, não houver nenhum tipo de controle sobre o empregado e este for livre para estabelecer seus horários no cumprimento das metas impostas. Essa liberdade na condução dos horários pelo empregado, no entanto, não implica em melhores condições de trabalho ou numa jornada mais fluida e flexível capaz de propiciar ao trabalhador maior qualidade de vida. A imposição de metas exageradas torna essa equação inversamente proporcional, o poder diretivo passa a ser incorporado pelo empregado (VASCONCELOS, 2012, p. 177) que se autofiscalizará no desempenho das atividades para no final do mês receber seu salário e a partir disso se abre portas à superexploração do teletrabalhador, à escravização digital em razão da ocorrência da hiperconexão para a consecução das atividades impostas. Deixar a cargo do empregado o controle de seu trabalho, sobretudo quando são ditadas grandes metas a serem cumpridas, é o mesmo que dizer “ultrapasse o limite constitucional de jornada de trabalho!”, pois, “pela sua condição de hipossuficiência econômica, tende a transigir mesmo com suas necessidades fisiológicas mais básicas, em busca de um lugar ao sol que se abre, normalmente, para um grupo seleto de pessoas que fazem parte a elite do mercado global” (KLIPPEL, 2016, apud BRANCO, p. 131). A par disso, a alteração legislativa apresentada neste tópico possui a real intenção de flexibilização total da jornada de trabalho, pois de modo geral retirou o teletrabalhador da proteção da jornada de trabalho limitada o que reafirma a necessidade da interpretação conforme a Constituição e ainda uma interpretação sistemática para que não sejam solapados os direitos fundamentais. Desse modo, não devem ser admitidas metas exageradas para que se respeite o limite constitucional da jornada de trabalho e assim não sejam violados o direito à jornada de trabalho limitada, bem como o direito à saúde e ao lazer, pois se o contrário ocorrer, consequentemente o direito à desconexão será violado, ensejando assim indenização por dano existencial ao teletrabalhador. 201
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
5. A AUSÊNCIA DA LIMITAÇÃO DE JORNADA PARA OS TELETRABALHADORES, O DIREITO A DESCONEXÃO E A POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE DANO EXISTENCIAL A Constituição Federal, em seu artigo 6º, assegura como direito fundamental social o trabalho, assim como a saúde, o lazer e a segurança. Dessa forma, o direito ao trabalho não possui o condão de excluir o direito à saúde, ao lazer, ao descanso, à vida privada, à intimidade, à sadia qualidade de vida, prevista no artigo 225 da Carta Magna, ou seja, não possui o condão de excluir o direito à desconexão. O trabalho elevado à condição de princípio fundamental da República Federativa do Brasil e direito fundamental constitui-se como elemento imprescindível à garantia da dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, a busca pela asseguração da dignidade da pessoa humana demanda o respeito ao direito à limitação da duração do trabalho e ao direito à desconexão, que proporcionam condições efetivas de descanso, lazer, saúde, segurança e até mesmo de convívio social ao trabalhador. Em face da exclusão dos teletrabalhadores à proteção de jornada e ao controle de tempo de trabalho, conforme o inciso III, do artigo 62, da CLT, acrescido pela Lei 13.467/2017, evidencia-se, claramente, um conflito com os direitos fundamentais previstos constitucionalmente, pois a limitação de jornada e o direito à desconexão permitem a expressão da dignidade da pessoa humana. Nas palavras de Souto Maior, em seu artigo “Do Direito à Desconexão do Trabalho”, o direito à desconexão é o direito de não trabalhar, que possui como bem da vida o não-trabalho, o qual pode ser preservado, em concreto, por uma pretensão que se deduza em juízo (2003, p. 2). Esclarece ainda que: O não-trabalho aqui referido não é visto no sentido de não trabalhar completamente e sim no sentido de trabalhar menos, até o nível necessário à preservação da vida privada e da saúde, considerando-se essencial esta preocupação (de se desligar, concretamente, do trabalho) exatamente por conta das características deste mundo do trabalho marcado pela evolução tecnologia, pela deificação do Mercado e pelo atendimento, em primeiro plano, das exigências do consumo. (2003, p. 3).
O direito à desconexão caracteriza-se pela proibição da invasão do trabalho à vida pessoal do trabalhador, pelo direito de o trabalhador desconectar-se de seu labor após o encerramento de sua jornada, de usufruir efetivamente de seu período de descanso, indispensável à sua vida e saúde física e psíquica, bem como de possuir uma qualidade de vida sadia no meio ambiente de trabalho. Nesse contexto, entendem Almiro Eduardo de Almeida e Valdete Souto Severo que “regular o tempo de trabalho e de descanso é indispensável para que sejamos seres sociais, para a interação, para a solidariedade, para a reflexão e para a transformação de condições que, quando nos encaram frente a frente, revelam-se extremamente cruéis” (2016, p. 17). A jornada de trabalho constitui-se como tempo de vida e sua limitação pauta-se na necessidade de que o trabalhador possa viver efetivamente e de forma saudável além do trabalho. “Uma sociedade de homens que apenas tem tempo para trabalhar é uma sociedade de máquinas, de pseudo-indivíduos, que são reduzidos a sua condição animal” (ALMEIDA; SEVERO, 2016, p. 19). O trabalho exercido pelo teletrabalhador em sua residência, sem controle de tempo de labor e de forma que extrapola o limite constitucional, acarreta a perda de seu espaço privado o enlace do trabalho ao seu ambiente domiciliar. Esta nova forma de labor, ao extrapolar o limite da jornada de trabalho previsto constitucionalmente, muitas vezes em decorrência da imposição de metas exageradas pelo empregador, gera transgressão ao direito ao não-trabalho, em que “a própria vida privada do trabalhador se perde no fato de se transformar a sua residência em local de trabalho, com prejuízo para o próprio convívio familiar” (SOUTO MAIOR, 2003, p. 12). Dessa forma, no regime de teletrabalho, em que o trabalhador não está sob o controle direto do empregador mas que há a viabilidade de vigilância e supervisão, não é razoável que se permita a ocorrência de jornadas extenuantes, decorrentes da ausência do controle de jornada e da imposição 202
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
de metas exorbitantes, jornadas as quais violam o limite constitucional de 8 horas diárias e 44 horas semanais e que são incompatíveis com as alegações de impossibilidade de tal controle, em face dos meios telemáticos existentes e os avanços tecnológicos que estão à disposição do empregador. Em decorrência da ausência de controle de jornada, além de os teletrabalhadores poderem laborar em jornadas extenuantes, há ainda a não incidência de regras sobre horas extraordinárias e intervalos intrajornada e interjonada, o que acaba por solapar garantias e direitos fundamentais, principalmente, no que tange ao direito à desconexão. As horas extraordinárias prestadas de forma ordinária, a não concessão de intervalos ao teletrabalhador e até mesmo a imposição de metas exageradas sob a justificativa de oportunizar o controle do trabalho prestado tornam as condições de trabalho prejudiciais à manutenção de sua sanidade mental e física, o que, como já dito, gera transgressão aos direitos à saúde, segurança, lazer, bem como a ter uma vida sadia, ter convívio social e familiar. No entanto, a necessidade e viabilidade de controle de jornada pelo empregador, através de meios telemáticos e informatizados não deve acarretar a ocorrência de uma conexão e comunicação contínua e integral do empregado com o empregador, de forma que os instrumentos utilizados para estabelecer limites de horários, sejam, na verdade, utilizados para impedir a desconexão do teletrabalhador e, consequentemente, violar seus direitos. Às vistas disso, da mesma forma, o teletrabalhador que se mantém em regime de sobreaviso, conectado 24 por dia, por meio de instrumentos informatizados de comunicação, perde seu direito à desconexão pelo tempo não remunerado e à disposição do empregador. Nas palavras de Souto Maior, “fazer refeição ou tirar férias com uma linha direta com o superior hierárquico, ainda que o aparelho não seja acionado concretamente, estando, no entanto, sob a ameaça de sê-lo a qualquer instante, representa a negação plena do descanso” (2003, p. 17), pois ao mesmo tempo que “a tecnologia proporciona ao homem uma possibilidade quase infinita de se informar e de estar atualizado com seu tempo, de outro lado, é esta mesma tecnologia que, também, escraviza o homem aos meios de informação” (2003, p. 1). Geraldo Magela Melo, por sua vez, ressalta a incidência do estresse o qual os teletrabalhadores podem estar sujeitos, devido a excessiva conexão virtual, denominada de tecnoestresse, pois “os modernos instrumentos comunicacionais obrigam a mudança dos comportamentos sociais e emocionais, principalmente por causa do ritmo de labor exagerado, da vigilância on line e da precariedade dos vínculos trabalhistas” (2017, p. 404). Conforme dito anteriormente, a alteração legislativa apresentada possui a real intenção de flexibilização total e prejudicial da jornada de trabalho, ao retirar o teletrabalhador da proteção da jornada de trabalho limitada. Sérgio Pinto Martins entende que “a flexibilização das normas de Direito do Trabalho visa assegurar um conjunto de regras mínimas ao trabalhador e, em contrapartida, a sobrevivência da empresa” (2009, p. 39). Ocorre que a flexibilização das normas acerca da limitação da duração de jornada ocasiona consequências diversas das que elenca o autor, visto que a alteração legislativa não assegura patamar mínimo de proteção ao teletrabalhador, bem como viola dispositivos constitucionais. Tal flexibilização torna-se extremamente severa, pois a retirada da proteção da jornada limitada, as potenciais jornadas extenuantes e a não concessão de intervalos geram consequências negativas à saúde e segurança do trabalhador, onde “não se atribui efetividade plena ao mandamento constitucional que determina a redução dos riscos inerentes ao trabalho, de acordo com o artigo 7º, inciso XXII da CF/88” (MELO, 2017, p. 404). Diante todo o exposto, a violação às garantias fundamentais e ao direito à desconexão pode gerar, evidentemente, a caracterização de dano existencial e a imputação de responsabilidade, com consequente fixação de indenização, em decorrência desse dano. O dano extrapatrimonial foi reconhecido, primeiramente, no direito italiano, fundamentado legalmente no artigo 2.059 do Código Civil italiano, como responsabilidade civil por danos 203
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
extrapatrimoniais. Posteriormente, houve o reconhecimento do dano de relação e do dano biológico, pautados em violações aos direitos de personalidade e à saúde da pessoa, assentados na dignidade da pessoa humana. Por fim, originou-se uma nova categoria de dano: o dano existencial, o qual supria a insuficiência de proteção proporcionada pelas categorias anteriores. O Tribunal de Milão, conforme Flaviana Rampazzo Soares, em decisão de 1999, afirmou que o dano existencial se trata de: “alteração do bem-estar psicofísico e do ritmo da pessoa, que se reflete sobre a tranquilidade pessoal do sujeito lesado, alterando as atividades cotidianas e provocando um estado de mal-estar difuso, que por não ser uma verdadeira e própria doença, gera ânsia, irritação, dificuldade de fazer frente às normais ocupações, etc.” (2009, p. 44).
Para Flaviana Rampazzo Soares, o dano existencial consiste na alteração negativa das normais atividades do indivíduo, como o repouso, o relaxamento, a atividade de trabalho, mesmo o domiciliar, as relações de estudo, as relações sociais, familiares, afetivas, culturais, artísticas, ecológicas, incidindo prejudicialmente sobre o complexo de afazeres da pessoa, sua vida de relação, sua qualidade de vida, seu bem-estar psicofísico e sua plena existência (2009, p.43 e 44). Constitui-se ainda o dano existencial “na lesão ao complexo de relações que auxiliam no desenvolvimento normal da personalidade do sujeito”, em que, em razão do evento lesivo, o indivíduo precisou modificar a forma de realização normal de atividade de seu cotidiano, até mesmo precisou suprimi-la de sua rotina, ou desenvolveu impedimentos às atividades que poderiam ser realizadas, havendo alteração relevante em sua qualidade de vida (SOARES, 2009, p.44). Flaviana Rampazzo Soares descreve ainda o dano existencial como “os sacrifícios, as renúncias, a abnegação, a clausura, o exílio, o prejuízo do cotidiano, uma interação menos rica do lesado com as outras pessoas” (2009, p. 47). O teletrabalhador, nesse contexto, ao passo que exerce jornadas extenuantes, que comprometem negativamente sua saúde, sua segurança, sua qualidade de vida, seu descanso, seu convívio social e familiar, ou seja, sua existência, gera, consequentemente, a caracterização do dano existencial, de forma que surge uma limitação do progresso normal de sua vida, a qual acarreta renúncias involuntárias. A transgressão do limite constitucional da jornada de trabalho e a supressão dos intervalos, podem, até mesmo, promover condições de trabalho prejudiciais e alterar o meio ambiente de trabalho saudável, qual seja, o ambiente residencial do teletrabalhador, de forma que haja alterações negativas em seu bem-estar psicofísico e seu ritmo de vida normal, caracterizando a ocorrência do dano existencial. Sendo assim, o teletrabalho exercido de modo que proporcione a aferição da duração da jornada, mas que ainda assim, o empregado labore além das 8 horas diárias e 44 horas semanais, com a supressão de intervalos, e tendo seu direito à desconexão violado, é possível que haja a fixação de indenização e responsabilização do empregador decorrente do dano existencial. Ressalta-se que a jurisprudência brasileira já vem por reconhecer o dano existencial, onde houve a fixação de indenização por dano existencial, ainda que este não estivesse previsto expressamente em nossa legislação. Pondera Maurício Godinho Delgado que “pela lógica do teletrabalho, que se estende, em alguma medida, o conceito de ambiente do trabalho também para o ambiente privado do trabalhador, pode-se falar, em tese, abstratamente, na possibilidade de responsabilidade empresarial pelos danos da infortunística do trabalho também nesses casos” (2017, p.140). Com o advento da Lei 13.467/2017, foi acrescido o Título II-A e o artigo 223-B, o qual prevê o dano extrapatrimonial causado por ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, que merecem reparação. Às vistas disso, a previsão do dano decorrente de ofensa à esfera existencial surge como marco regulatório do dano existencial na legislação brasileira, o que pode, potencialmente, alavancar as possibilidades de reparação resultantes de violação ao direito à desconexão. 204
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Por conseguinte, em face do exposto no presente artigo, a permissão de labor em jornadas que desrespeitam o limite constitucional, a ausência de concessão de intervalos, o excesso de conectividade entre o empregado e o empregador, bem como a violação ao direito à desconexão torna o artigo 62, inciso III da Lei 13.467/2017 ultrapassado e conflituoso com as normas constitucionais, podendo ocasionar, ainda, o dano existencial. As novas tecnologias trazidas e postas à disposição do empregador, impedem o labor extraordinário e ampliam de forma considerável a possibilidade de controle de jornada, tornando o obstáculo trazido pela referida alteração legislativa incompatível com a nossa hodierna realidade. A CLT, antes da Lei 13.467/2017, considerava como avanço as conquistas históricas quanto aos limites de jornada de trabalho e quanto à proteção física e psíquica do trabalhador e não como obstáculos ao crescimento, como ocorre com o advento da referida lei (MELO, 2017, p.118). Sandro Nahmias Melo entende que “a ideia de inexistência de limites claros para a jornada de um teletrabalhador nos remete ao passado – próprio da Revolução Industrial – no qual o labor era desenvolvido no limite da exaustão física” (2017, p.118). Sendo assim, a pretensa modernização trazida pela Lei 13,467/2017, no que tange a permissão do labor extraordinário em um contexto no qual pode ser evitado, demonstra o retrocesso dos direitos social conquistados. 6. CONCLUSÃO Em face do exposto, a modificação do artigo 62 da CLT, pela inclusão do inciso III através da Lei 13.467/2017, contraria dispositivos constitucionais, tendo em vista que o teletrabalho prestado de maneira que permita o controle de jornada não pode afastar-se da proteção constitucional quanto a duração do trabalho. Em razão de o legislador ter ignorado a viabilidade de controle, em face dos avanços tecnológicos e meios telemáticos de supervisão, o trabalhador que recebe como imposição o cumprimento de metas exageradas, que labora em jornadas extenuantes e que se mantém conectado ao seu empregador 24 horas por dia tem seu direito à desconexão violado, de forma que há interferência negativa em sua saúde, seu descanso, sua qualidade de vida, seu convívio social e familiar e até mesmo em sua existência. As interferências negativas no cotidiano do trabalhador, em seu ritmo de vida, em seus projetos, em seu bem-estar psicofísico e em sua existência geram o dano existencial, que enseja o direito a reparação ao teletrabalhador, conforme o artigo 224-B, trazido pela Lei 13.467/2017. A alteração legislativa no que se refere a ausência do controle de jornada viola mandamentos constitucionais e demonstra um retrocesso ao século XIX, por solapar conquistas sociais e permitir o retorno do trabalhador ao labor em jornadas exaustivas idênticas ao período industrial. Nesse sentido, o inciso III, do artigo 62, da CLT deve ser aplicado sistematicamente com o inciso I do mesmo artigo e conforme a Constituição Federal, de forma que a exclusão do controle de jornada seja aplicada somente nos casos em que o teletrabalho for incompatível com o referido controle, o que evitará a transgressão de direitos fundamentais, bem como a ocorrência de danos ao teletrabalhador. REFERENCIAL TEÓRICO ALMEIDA, Almiro Eduardo de, SEVERO, Valdete Souto. Direito à desconexão nas relações de trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 2016. DELGADO, Maurício Godinho, Delgado, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil. São Paulo: LTr, 2017. DELGADO, Maurício Godinho, Delgado, Gabriela Neves. Constituição da República e Direitos Fundamentais. 4.ed. São Paulo: LTr, 2017. 205
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
MARTINS, Sérgio Pinto. Flexibilização das Condições de Trabalho. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2009. ESTEVES, Juliana Teixeira, FILHO, Carlo Cosentino. O teletrabalho na lei n. 13.467/17 (reforma trabalhista): uma regulamentação em desacordo com as evidências empíricas. In: MELO, R.S.M., ROCHA, C.J. (coor). Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhista e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017. MELO, Geraldo Magela. O teletrabalho na CLT pós-reforma trabalhista. In: MELO, R.S.M., ROCHA, C.J. (coor). Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhista e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017.
206
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
A REFORMA TRABALHISTA E A REGULAMENTAÇÃO DO TELETRABALHO: O equívoco da exclusão da proteção à jornada de trabalho para os teletrabalhadores, nos termos do artigo 62, III, da CLT. LABOR REFORM AND REGULATION OF TELECOMMUNICATION: The misconception of the exclusion of the protection of working hours for teleworkers, under the terms of article 62, III, CLT. Cristiane Rosa Pitombo306 RESUMO: O presente artigo tem por finalidade apresentar uma pesquisa acerca da regulamentação do teletrabalho trazida pela Lei n. 13.467/2017, por meio dos artigos 75-A ao 75-E, em especial no que tocante a proteção à jornada de trabalho dos trabalhadores submetidos ao regime de teletrabalho. As mudanças advindas da alteração legislativa, ao introduzir, o item III no artigo 62 na CLT, retirou do teletrabalhador a proteção da jornada de trabalho. A presente pesquisa tem por objetivo analisar a referida inovação legislativa, bem como sua compatibilidade com a proteção constitucional referente à jornada de trabalho dos trabalhadores e com as disposições e interpretações do Direito do Trabalho no tocante ao controle de jornada. A Constituição Federal, em seu artigo 7º, XIII, assegura a todos os trabalhadores a jornada de trabalho diária de 8 horas e semanais de quarenta e quatro horas, assim, a análise do artigo 62, III da CLT, inserido pela Lei 13.467/2017, se dará de forma a cotejar o comando constitucional com a nova regulamentação do teletrabalho, e com a possibilidade de controle da jornada de trabalho dos trabalhadores que exercem suas atividades laborais com uso dos meios telemáticos e de comunicação. A pesquisa em questão adotará o método dedutivo, através de uma pesquisa bibliográfica, com a utilização de obras doutrinárias, artigos científicos acerca do tema e a legislação nacional que dispõe acerca da jornada de trabalho. PALAVRAS-CHAVES: Teletrabalho. Regulamentação. Jornada de trabalho. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A proteção constitucional à jornada de trabalho e sua compatibilidade com o regime de teletrabalho; 3. O controle de jornada dos trabalhadores sujeitos ao regime de teletrabalho e a aplicação do artigo 62, III, da CLT diante da ordem constitucional; 4. Conclusões; 5. Referências bibliográficas. ABSTRACT: The purpose of this article is to present a research on the regulation of telework brought by Law 13467/17, through articles 75-A to 75-E, especially with regard to the protection of working hours of workers submitted to the scheme teleworking. The changes resulting from the legislative amendment, introducing item III in article 62 in the CLT, removed from the teleworker the protection of the working day. The aim of this research is to analyze the aforementioned legislative innovation, as well as its compatibility with the constitutional protection of workers’ working hours and with the provisions and interpretations of labor law in relation to day control. The Federal Constitution, in its article 7, XIII, assures all workers the daily working day of 8 hours and weekly of forty-four hours, thus, the analysis of Article 62, III of the CLT, inserted by Law 13467/17 , will be given in order to compare the constitutional command with the new regulation of telework, and with the possibility of controlling the working day of the workers who exercise their work activities using the telematic means and communication. The research in question will adopt the deductive method, through a bibliographical research, with the use of doctrinal works, scientific articles on the subject and the national legislation that regulates the working day. KEYWORDS: Telecommuting. Regulation. Working day. 306
Mestranda do Curso de Direito das Relações Sociais e Trabalhistas do Centro Universitário UDF- Brasília – DF. Especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade Processus-DF. Especialista em Direito, Estado e Constituição pela Faculdades Integrada da União Educacional do Planalto Central. Analista Judiciária do Tribunal Superior do Trabalho. e-mail: cristianepitombo@yahoo.com.br.
207
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
SUMMARY: 1. Introduction; 2. The constitutional protection of the working day and its compatibility with the teleworking regime; 3. The day-to-day control of workers subject to the telework regime and the application of article 62, III, of the CLT before the constitutional order; 4. Conclusions; 5. Bibliographic references. 1. INTRODUÇÃO Incialmente, destaca-se que o presente artigo tem como escopo fazer uma análise da inclusão do inciso III, ao artigo 62 da CLT, por meio da Lei n. 13.467/2017, o qual dispõe que os teletrabalhadores não estão abrangidos pelo regime de jornada de trabalho. Assim, pretende-se demonstrar a incompatibilidade do referido artigo com as normas constitucionais e com a realidade dos trabalhadores submetidos ao regime de teletrabalho. A reforma trabalhista ao inserir os teletrabalhadores no rol do artigo 62 da CLT lhes retirou o direito a proteção a jornada de trabalho, lhes negando direito de receber adicional por horas extras, adicional noturno, intervalo intrajornada, dentre outros. Ocorre que, ao editar tal norma o legislador não considerou a realidade fática daqueles que laboram sob o regime de teletrabalho, pois tais trabalhadores são submetidos a longas e exaustivas jornadas de trabalho, tudo isso com controle e supervisão em tempo real de seus empregadores, dada as facilidades da tecnologia da informação e de comunicação existentes na atualidade. Nesse contexto, o presente estudo demonstrará que tendo em vista a possibilidade de fiscalização e controle aos quais os teletrabalhadores estão submetidos a eles devem ser assegurado o direito de proteção à jornada de trabalho, não lhes sendo aplicável o inciso III do artigo 62 da CLT, devendo-lhes ser garantido a jornada de trabalho prevista na Constituição Federal de oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais. Para tanto, objetiva-se, num primeiro momento, fazer uma análise sobre a proteção constitucional à jornada de trabalho e sua compatibilidade com o regime de teletrabalho, bem como abordar a possibilidade de controle de jornada dos trabalhadores sujeitos ao regime de teletrabalho. Por fim, será feita a hermenêutica em relação a aplicação do artigo 62, III, da CLT diante da ordem constitucional. 2. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À JORNADA DE TRABALHO E SUA COMPATIBILIDADE COM O REGIME DE TELETRABALHO As inovações tecnológicas do mundo moderno alteram substancialmente o modo de vida e de produção dos dias de hoje, tendo repercussões, inclusive, no Direito do Trabalho. A Lei n. 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista, regulamentou uma figura de trabalho decorrente da evolução das tecnologias de informação e de comunicação, o teletrabalho. A Lei n. 13.467/2017 inseriu no ordenamento jurídico trabalhista a regulamentação da prestação de serviço sob o regime de teletrabalho nos artigo 75-A ao 75-E da CLT. Tal regulamentação incluiu para a modalidade em questão, mais dois elementos, além daqueles já existentes para a caracterização do vínculo de emprego: a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências da empresa e a utilização de tecnologias da informação e de comunicação na realização das atividades laborais do empregado. O artigo 75-B da CLT307 traz definição de teletrabalho da seguinte forma: Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho. 307
Art. 75 da CLT, inserido pela Lei n. 13.467/2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivi l_03/ decreto-lei/Del5452compilado.htm>. Acesso em: 26/01/2018.
208
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
A nova legislação cuidou de na definição de teletrabalho além de apontar os dois elementos caracterizadores do regime em questão, ressalvar que tal regime não se constitui como sendo trabalho externo. Assim, sendo caracterizado o vínculo de emprego e ocorrendo essa prestação de serviço no regime de teletrabalho, o teletrabalhador goza dos mesmos direitos e proteções que o trabalhador que labora em regime presencial, devendo-lhes ser assegurado direitos como por exemplo a jornada de trabalho de oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, pagamento de adicional em caso de prestação de serviços extraordinários, pagamento adicional noturno, intervalos intrajornada, repouso semanal remunerado, férias, entre outros. A grande dificuldade em relação essa modalidade de prestação de serviço seria assegurar a esses trabalhadores a proteção à jornada de trabalho, tendo em vista o fato de exercerem suas atividades longe da sede da empresa. Dessa forma, como assegurar a esses trabalhadores tal proteção para que estes não sejam submetidos a uma jornada de trabalho exaustiva pelo simples fato da facilidade de que o empregador tem de controlar e fiscalizar suas atividades laborais decorrente da conectividade. No que diz respeito à jornada de trabalho, importante se faz trazer alguns esclarecimentos acerca do conceito de jornada de trabalho apresentado pela doutrina trabalhista. Primeiramente, em relação ao conceito de jornada de trabalho: Ao lecionar sobre jornada de trabalho, Mauricio Godinho Delgado, explica que308: Jornada de trabalho é expressão com sentido mais restrito do que o anterior, compreendendo o tempo diário em que o empregado tem de se colocar em disponibilidade perante o seu empregador, em decorrência do contrato. O tempo, em suma, em que o empregador pode dispor da força de trabalho em um dia delimitado. (...) Embora a jornada de trabalho refira-se, como visto, ao tempo em que se considera o empregado contratualmente à disposição do empregador em um dia, o avanço do Direito do Trabalho tem produzido a inserção de certos curtos intervalos intrajornadas dentro do conceito de jornada, como forma de remunerar tais curtos períodos e, ao mesmo tempo, reduzir o tempo de efetiva exposição e contato do trabalhador à atividade contratada. Por essa razão é que se afirma que no lapso temporal da jornada deve incluir-se, também, não só o tempo trabalhado e à disposição, mas também o tempo tido como contratual estritamente por imposição legal (caso dos intervalos remunerados) – embora neste último lapso o empregado não labore nem sequer fique à disposição empresarial.
Com suporte em Gustavo Filipe Barbosa Garcia, que nos ensina que o conceito de jornada de trabalho, no Direito do Trabalho Brasileiro, se utiliza de um sistema híbrido, com arrimo na teoria do tempo efetivamente trabalhado e na teoria do tempo à disposição do empregador. Eis o que entende o autor309: No Direito do Trabalho em vigor, não se pode dizer que somente uma dessas teorias é adotada, mas um sistema híbrido, considerando-se jornada de trabalho não só o tempo de serviço, mas adotando certos aspectos das teorias do tempo à disposição do empregador (...).
Corroborando com tal entendimento, tem-se o disposto no artigo 4º, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, que continua em vigência e não foi alterado pela reforma trabalhista encetada pela Lei n. 13.467/2017310: Art. 4º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada. 308
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2017. p. 977-978. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 11. ed. Rio de Janeiro. Forense. 2017. p. 935. 310 Art. 4º da CLT. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm>. Acesso em: 26/01/2018. 309
209
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Acerca do disposto no artigo supracitado, não apenas o tempo de efetivo trabalho deve ser computado para fins de jornada de trabalho do trabalhador, deve, também, ser considerado o tempo em que o trabalhador está à disposição do empregador. Sendo esse, inclusive, o entendimento da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho311. A jornada de trabalho para todos os trabalhadores prevista na Constituição Federal312 em seu artigo 7º, inciso XIII, é de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, sendo facultada, segundo o próprio texto constitucional, a compensação de horário e a redução da jornada apenas mediante negociação coletiva, pela via do acordo ou da convenção coletiva. Tem-se que a Constituição Federal assegura a proteção a jornada de trabalho dos trabalhadores ao estipular a jornada máxima de trabalho. Assim nenhum trabalhador deve ser submetido a uma jornada de trabalho exaustiva, por diversas questões, para proteger a saúde física e mental do trabalhador, para que lhe seja assegurado o direito de descanso entre as jornadas, dentre outros motivos. Acerca dos fundamentos dessa limitação em relação as horas de trabalho, salienta Gustavo Filipe Barbosa Garcia313: A doutrina indica diversos fundamentos para a limitação da jornada de trabalho pelas normas jurídicas, com natureza cogente. Podem ser arrolados, assim, os seguintes fundamentos, de natureza: a) psíquica e psicológica, pois o trabalho intenso, com jornadas extenuantes, pode causar o esgotamento psíquico-psicológico do trabalhador, afetando sua saúde mental e a capacidade de concentração, o que pode até mesmo gerar doenças ocupacionais de ordem psíquica, como a chamada síndrome do esgotamento profissional (burnout); b) física, uma vez que o labor em jornadas de elevada duração também pode acarretar a fadiga somática do empregado, resultando em cansaço excessivo, bem como aumentando o risco de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, colocando a saúde e a vida do trabalhador em risco; c) social, tendo em vista ser necessário, também para a sociedade, que a pessoa, além de trabalhar, exerça outras relevantes atividades na comunidade em que vive, inclusive no seio familiar, por ser a própria base da sociedade; d) econômica, pois jornadas de trabalho de elevada duração podem fazer com que a empresa deixe de contratar outros empregados, passando a exigir trabalho somente daqueles poucos que ali prestam serviços, aumentando o desemprego e, por consequência, gerando crises na economia; e) humana, uma vez que o trabalhador, para garantir sua dignidade preservada, não pode ser exposto a jornadas de trabalho extenuantes, o que afetaria a sua saúde e colocaria em risco a sua própria vida, inclusive em razão de riscos quanto a acidentes de trabalho.
Percebe-se que a limitação à jornada de trabalho estabelecida pela Constituição Federal deve ser respeitada por diversos motivos e estendida a toda e qualquer categoria de profissional. Como bem, também, salienta Sandro Nahmias Melo314: 311
AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE REVISTA. REGÊNCIA DA Lei n. 13.015/2014. TEMPO À DISPOSIÇÃO NÃO REGISTRADO. TROCA DE UNIFORME. 1. O cabimento de recurso de embargos contra acórdão de Turma se restringe às hipóteses previstas no art. 894, II, e § 2º, da CLT, não se considerando atual a divergência superada por iterativa e notória jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. 2. A SbDI-1 uniformizou o entendimento de que deverá ser considerado como jornada de trabalho o tempo à disposição do empregador, no início ou final da jornada, independentemente de ter havido efetiva prestação de serviços, sendo computado para tanto o tempo destinado á troca de uniforme, lanche, higiene pessoal, etc. Inteligência da Súmula nº 366 do TST. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgR-E-ED-RR - 134200-09.2009.5.12.0053, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 14/12/2017, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 19/12/2017). Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultau nificada2/index.jsp>. Acesso em: 26/01/2018. 312 Art. 7º, III, da CF: duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei n. 5.452, de 1943). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/co nstituicaocompilado.htm>. Acesso em: 26/01/2018. 313 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Op. cit., 2017. p. 937. 314 MELO, Sandro Nahmias. Teletrabalho, controle de jornada e direito à desconexão. In: Revista LTt. São
210
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
O direito à desconexão do ambiente de trabalho é inerente a todo e qualquer empregado e consiste no “desligamento”, na desconexão, como o próprio nome sugere, tanto físico ou mental, do empregado ao ambiente em que trabalha.
Aos trabalhadores submetidos ao regime de teletrabalho também lhes deve ser assegurado o direito de descanso ou desconexão, principalmente pelo fato de exercerem suas atividades através da tecnologia da informação e de comunicação. Acerca desse direito de desconexão, Fernda Marders e Bárbara Michele Morais Kunde ressalvam que315: Nesse contexto, o repouso do trabalhador é um dos elementos de uma existência digna, caracterizando a expressão de um direito a desconexão e ao lazer. (...). Contudo, o direito a não trabalhar é no sentido de trabalhar menos com respeito à dignidade física e mental do homem, ou seja, de se preservar outros interesses do trabalhador, como a saúde, o lazer e a vida privada. Significa, pois, que haverá um ócio, e sim uma limitação de jornada para que o trabalhador possa realizar outras tarefas que também dignificam a sua existência.
Dessa forma, deve ser assegurada aos trabalhadores submetidos ao regime de teletrabalho a proteção de suas jornadas, sendo-lhes garantida a jornada de trabalho não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, bem como o pagamento do adicional por serviços extraordinários, adicional noturno, no caso de sua ocorrência. 3. O CONTROLE DE JORNADA DOS TRABALHADORES SUJEITOS AO REGIME DE TELETRABALHO E A APLICAÇÃO DO ARTIGO 62, III, DA CLT DIANTE DA ORDEM CONSTITUCIONAL Segundo o disposto no artigo 75-B da CLT o teletrabalho é aquele em a prestação de serviços ocorre fora das dependências do estabelecimento empresarial, através do uso de tecnologias de informação e comunicação. Manuel Martín Pino Estrada conceitua o teletrabalho como sendo “aquele realizado com ou sem subordinação por meio do uso de antigas e novas formas de telecomunicação em virtude de uma relação de trabalho, permitindo a sua execução à distância, prescindo da presença física do trabalho em lugar específico de trabalho”316. Já Sandro Nahmias Melo nos apresenta o seguinte conceito em relação ao teletrabalho317: (...) o conceito de teletrabalho está indissociavelmente ligado à rotina de trabalho à distância e ao uso dos meios de tecnologia da informação e de comunicação, mas não pode ter seus contornos estratificados, engessados, tampouco implica, necessariamente, em falta de controle de jornada pelo tomador de serviços.”
Importante é a observação final do conceito do autor em relação ao teletrabalho, ao colocar que a prestação de serviços sob o regime de teletrabalho não significa, necessariamente, ausência de controle de jornada. E é de conhecimento geral que o uso dessas tecnologias atuais deixa os indivíduos cada vez mais exposto e vigiado, seja no ambiente profissional ou no ambiente pessoal. Os meios tecnológicos possibilitam que o empregador fiscalize a rotina de trabalho dos empregados submetidos ao regime de teletrabalho de forma on-line, que tenha acesso ao tempo em que esse trabalhador esteve acessando os sistemas da empresa ou desenvolvendo algum tipo de tarefa. Em relação a esse excesso de conectividade, Sandro Nahmias Melo dispõe que318: Paulo, v.81, nº 09, p. 74, setembro 2017. 315 MARDERS. Fernanda; KUNDE. Bárbara Michele Morais. O Direito de desconexão no teletrabalho como concretização do princípio da igualdade na sociedade contemporânea. In: Teletrabalho. LTr, 2017. p. 130. 316 ESTRADA. Manuel Martín Pino. Teletrabalho: conceito e a sua classificação em face aos avanços tecnológicos. In: Teletrabalho. LTr, 2017. p. 11. 317 MELO, Sandro Nahmias. Op. cit., 2017, p. 72. 318 MELO, Sandro Nahmias. Op. cit., 2017, p.70.
211
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
O excesso de conectividade nas relações de trabalho está ligado diretamente ao volume de labor ser desenvolvido diretamente. Os meios informatizados – vinculados a uma atividade de trabalho – ainda que, potencialmente, possam estabelecer maior flexibilidade na rotina do trabalhador, ampliam, sobre maneira, a possibilidade de fiscalização do trabalho diário do mesmo.
Percebe-se que o regime de teletrabalho oferta uma falsa imagem de liberdade, por estar o trabalhador exercendo suas atividades longe dos olhos do seu empregador. Contudo, tal situação pode se mostrar não tão favorável ao empregado ao longo do tempo, tudo dependerá de como seu empregador utilizará esse excesso de conectividade, se submeterá o empregado a uma jornada longa e exaustiva ou se irá respeitar as normas protetivas trabalhistas. Acerca dessa má utilização do excesso de conectividade, ressaltam Juliana Texeira Esteves e Carlo Cosentino Filho319: (...) a telesubordinação tem gerado dano às relações de trabalho quando é utilizada de forma inadequada, como o controle exacerbado dos empregados, obrigados a permanecerem constantemente conectados aos seus empregadores. Esta prática, obviamente, induz o desrespeito ao limite diário de horas de trabalho permitido por lei. Os métodos de gerenciamento e vigilância do trabalho foram aperfeiçoados pelo capital através da tecnologia. É o avanço informacional a serviço do maior aproveitamento possível da força de trabalho. O fetiche da mais-valia é alimentado por uma infinidade de instrumentos que geram informações sobre o processo produtivo em tempo real. A cobrança aumenta até o limite máximo de aproveitamento do trabalho, gerando doenças físicas e psicológicas.
Como já salientado neste presente estudo, existem diversas razões para se assegurar aos teletrabalhadores a observância da proteção à jornada de trabalho estabelecida na Constituição Federal. Diante de possíveis das situações que podem gerar o excesso de conectidade, muito cuidado devese ter na análise e interpretação do disposto no artigo 62, III, da CLT, inserido pela Lei n. 13.467/2017, no capítulo que trata sobre as normas de duração do trabalho, senão vejamos o que dispõe seu texto: Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: (Redação dada pela Lei n. 8.966, de 27.12.1994). III - os empregados em regime de teletrabalho. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017).
A reforma trabalhista excluiu os trabalhadores que laboram sob o regime do teletrabalho da proteção à jornada de trabalho. Contudo a análise do artigo em questão deve ser feita de forma cautelosa e em consonância com o texto constitucional. A regra estipulada pela Constituição Federal é a jornada de oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, nos termos do artigo 7º, XIII, da Constituição Federal, e tendo do art. 6º da CLT equiparado o trabalho realizado a distância o trabalho realizado no estabelecimento do empregador. Deve-se atribuir ao artigo 62, III, da CLT uma interpretação conforme à Constituição Federal, de modo a compatibilizar a aplicação do dispositivo em questão. Fazer uma hermenêutica literal do artigo 62, III, da CLT seria desconsideraram que o avanço tecnológico permite, atualmente, aos empregadores controlar, inclusive, a localização exata do trabalhador, meio de utilização de equipamentos que possuem GPS, como os smartfones. Há também, a possibilidade de fiscalização acerca das atividades e o momento em que essas atividades estão sendo exercidas, podendo ser aferido pelo empregador o início e fim da prestação de serviço, por meio da possibilidade de se aferir o tempo de conexão dos trabalhadores, o tempo de login em sistemas informatizados. A interpretação do item III o artigo 62 da CLT deve dá mesma forma que a do inciso I do artigo em questão, que trata dos trabalhadores externos, onde apenas é considerado excluído da proteção à jornada de trabalho aquele empregado que não sofre nenhum tipo de controle e fiscalização de suas atividades por seu empregador, tendo em vista a similitude de suas atividades no que diz respeito ao fato de suas atividades serem realizadas fora da sede empresarial. 319
ESTEVES. Juliana Teixeira; FILHO. Carlo Cosentino. O teletrabalho na lei 13.467/17 (reforma trabalhista): uma regulamentação em desacordo com as evidências empíricas. In: Constitucionalismo, Trabalho, Seguridade e as Reformas Trabalhistas. São Paulo. LTr, 2017. p. 5.
212
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Tal interpretação, no tocante ao trabalhador externo, já está sedimentada pelo Tribunal Superior do Trabalho, conforme podemos citar o julgado RR-9891900-16.2005.5.09.0004, da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, de relatoria do ministro Cláudio Mascarenhas Brandão. Eis ratio decidendi do acórdão: A exceção prevista no artigo 62, I, da CLT não depende apenas do exercício de trabalho externo, mas também da impossibilidade de controle de horário pelo empregador. No caso, a Egrégia Turma consignou que a empresa detinha a possibilidade de fiscalizar a jornada de trabalho desenvolvida, ainda que a finalidade precípua do rastreamento consistisse na proteção contra roubos. Indubitável, portanto, que o empregador exercia o controle indireto sobre os horários cumpridos pelo empregado. Somente quando se revelar inteiramente impossível o controle, estará afastado o direito ao pagamento de horas extraordinárias, em razão da liberdade de dispor do seu próprio tempo, a exemplo do que ocorre, mesmo nesses casos, com o intervalo para refeição, cujo gozo é presumido, diante da autorização legal para dispensa do registro. Nesse contexto, o reclamante tem direito às horas extras. (DESTAQUE).320
Antonio Umberto de Souza Junior, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto corroboram com essa interpretação analógica ao comentarem o artigo 62, III, da CLT dizendo que321: Contudo, essa desproteção não é absoluta. Primeiro, se houver efetivo controle da jornada, as horas extras e noturnas serão computadas e deverão ser pagas pelo empregador, não podendo a modalidade do teletrabalho servir de escudo à exploração desenfreada do trabalhador. Segundo, se restar demonstrado que houve enorme carga de trabalho para atingir a produção realizada pelo obreiro, pode ficar também caracterizado jornada extraordinária.
Assim, a interpretação do artigo 62, III, da CLT em conformidade com o que preceitua a Constituição Federal deve ser no sentido de que se encontram excluídos da proteção da jornada de trabalho os teletrabalhadores que não possuem nenhuma forma de controle do seu tempo de trabalho. Dessa foram, tal dispositivo apenas tem aplicabilidade àqueles trabalhadores que possuem total liberdade acerca de quando ocorrerá o início e o término de sua jornada, onde a cobrança patronal se dá por meio de cobrança de metas e resultados, sem o acompanhar o momento em que a atividade está sendo realizada. 4. CONCLUSÕES As inovações do mundo moderno nos colocam diante novas situações fáticas nunca antes vivenciadas, tais situações acabam por requer um estudo detido da ciência jurídica para regulamentar as circunstancias advindas dessas mudanças. As novidades decorrentes do uso das tecnologias de informação e comunicação sem sombra de dúvidas é um facilitador da vida moderna, utilizada pela grande maioria da população, desde atividades de lazer, entretenimento, e até a realização de tarefas de grande importância como atividades laborais, de estudo e pesquisa. 320
RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA Lei n. 13.015/2014. HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. MOTORISTA. EQUIPAMENTO DE RASTREAMENTO DO VEÍCULO POR SATÉLITE. CONTROLE INDIRETO DA JORNADA DE TRABALHO. A exceção prevista no artigo 62, I, da CLT não depende apenas do exercício de trabalho externo, mas também da impossibilidade de controle de horário pelo empregador. No caso, a Egrégia Turma consignou que a empresa detinha a possibilidade de fiscalizar a jornada de trabalho desenvolvida, ainda que a finalidade precípua do rastreamento consistisse na proteção contra roubos. Indubitável, portanto, que o empregador exercia o controle indireto sobre os horários cumpridos pelo empregado. Somente quando se revelar inteiramente impossível o controle, estará afastado o direito ao pagamento de horas extraordinárias, em razão da liberdade de dispor do seu próprio tempo, a exemplo do que ocorre, mesmo nesses casos, com o intervalo para refeição, cujo gozo é presumido, diante da autorização legal para dispensa do registro. Nesse contexto, o reclamante tem direito às horas extras. Precedentes. Recurso de embargos de que se conhece e a que se nega provimento. (E-RR - 45900-29.2011.5.17.0161, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 23/02/2017, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 10/03/2017). Disponível em: <http://www.tst.jus.br/web/guest/consulta-unificada>. Acesso em: 29 jan. 2018. 321 SOUZA JUNIOR, Antonio Umberto de; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney e AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista: análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017, p. 96.
213
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Como já mencionado, o regime de teletrabalho é fruto das novidades trazidas pelo uso das tecnologias de informação e comunicação. Essa nova forma realização do trabalho se amolda cada vez mais as aspirações do mundo moderno, onde se busca otimizar o tempo e o dinheiro. Em face de tudo que fora exposto no presente artigo, conclui-se – após a análise da legislação trabalhista e sua compatibilidade com as normas constitucionais vigentes, bem como com a realidade dos trabalhadores submetidos ao regime de teletrabalho – que aos teletrabalhadores devem ser assegurado a proteção à jornada de trabalho estabelecida pela Constituição Federal, garantindo-lhes uma jornada de trabalho de oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais para que lhes sejam assegurado o direito de desconexão do ambiente laboral, proporcionandolhes qualidade de vida e preservando a saúde desses trabalhadores. A atual legislação brasileira acerca do tema teletrabalho é rasa, são apenas cinco artigos inseridos na CLT pela Lei n. 13.467/2017, por certo que a legislação não conseguirá abarcar a infinita gama de situações que estarão sujeitos os empregados submetidos ao regime de teletrabalho. O teletrabalho é uma nova categoria de trabalho que carece de uma legislação específica para que seja assegurado aos empregados submetidos a esse tipo de regime os mesmos direitos dos trabalhadores que laboram dentro do estabelecimento empresarial. O regime de teletrabalho deve se compatibilizar completamente com os ditames constitucionais no tocante a jornada de trabalho. Assim a análise do inciso III, do artigo 62 da CLT deve se dá forma harmoniosa com as normas constitucionais, não devendo o artigo em questão ser analisado de forma literal, sendo que o disposto no texto da lei apenas terá aplicabilidade para aqueles casos em que o trabalhador possuir total liberdade acerca de sua jornada de trabalho, onde o empregador não acompanha o momento em que a atividade está sendo realizada, ou seja, quando não houver um controle e uma fiscalização constante das atividades laborais do empregado, almejando a empresa apenas os resultados, dentro de um padrão de razoabilidade, da atividade laboral do teletrabalhador. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Decreto-lei n.5.452, de 1º de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial da União. Brasília, 9 de agosto de 1943. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. _______. Consulta Unificada de Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em < http://www.tst.jus.br/web/guest/consulta-unificada >. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2017. ESTEVES. Juliana Teixeira; FILHO. Carlo Cosentino. O teletrabalho na lei 13.467/17 (reforma trabalhista): uma regulamentação em desacordo com as evidências empíricas. In: Constitucionalismo, Trabalho, Seguridade e as Reformas Trabalhistas. São Paulo. LTr, 2017. ESTRADA. Manuel Martín Pino. Teletrabalho: conceito e a sua classificação em face aos avanços tecnológicos. In: Teletrabalho. São Paulo. LTr, 2017. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 11. ed. Rio de Janeiro. Forense. 2017. MARDERS. Fernanda; KUNDE. Bárbara Michele Morais. O Direito de desconexão no teletrabalho como concretização do princípio da igualdade na sociedade contemporânea. In: Teletrabalho. LTr, 2017. MELO, Sandro Nahmias. Teletrabalho, controle de jornada e direito à desconexão. In: Revista LTr. São Paulo, v.81, nº 09, setembro 2017. SOUZA JUNIOR, Antonio Umberto de; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney e AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista: análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017.
214
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
A RESPONSABILIDADE CIVIL PELOS ACIDENTES E DOENÇAS OCUPACIONAIS NO TELETRABALHO THE CIVIL RESPONSIBILITY FOR ACCIDENTS AND OCCUPATIONAL DISEASES IN TELEWORK Roberta de Oliveira Souza322 Antonio J. Capuzzi323 RESUMO: Os acidentes e doenças ocupacionais do trabalho no Brasil são marcados pela subnotificação, em virtude do desconhecimento da necessidade de registro e dos aspectos jurídicos e epidemiológicos envolvidos. Nesse contexto, serão delineados os contornos da normativa atribuída ao teletrabalho pela reforma trabalhista (Lei 13.467, de 13 de julho de 2017) e conceituado o instituto da responsabilidade civil. Mais adiante, discutir-se-á, especificamente, qual será o tipo de responsabilidade em relação ao empregador no tocante ao dever de instrução dos empregados quanto às preocupações a tomar a fim de evitar doenças e acidentes do trabalho, considerando o disposto na Convenção 177 da OIT, além do direito ao lazer, à sobrejornada e ao meio ambiente do trabalho seguro. Por fim, será abordada a questão pertinente às medidas preventivas que podem ser adotadas para evitar a ocorrência de doenças relacionadas ao teletrabalho, levando em consideração a Classificação de Schilling e abarcando reflexões sobre doenças psicossomáticas, normas ergonômicas e teleassédio moral. O percurso metodológico utilizado esteve baseado em pesquisa bibliográfica objetivando este artigo traçar as balizas para a caracterização da responsabilidade civil do empregador face ao empregado no regime do teletrabalho. PALAVRAS-CHAVE: Telecommuting. Civil responsability. Work accident. Occupational diseases. Professional diseases. Occupational Diseases. Classification of Schilling. SUMÁRIO: 1. Teletrabalho – Conceito; 2. Natureza jurídica da responsabilidade civil patronal pelo meio ambiente telelaboral; 3. Análise do nexo de causalidade para fins de responsabilidade civil no meio ambiente telelaboral; 4. Ergonomia; 5. Doenças psíquicas; 6. Conclusão; 7. Bibliografia. ABSTRACT: Occupational accidents and diseases in Brazil are marked by underreporting, due to the lack of knowledge of the need for registration and the legal and epidemiological aspects involved. In this context, the contours of the normative attributed to telework by the labor reform will be delineated (Law 13.467, of July 13, 2017) and the institute of civil responsibility will be considered. In the future, it will be discussed specifically what kind of liability to the employer as regards the duty to instruct employees on the concerns to be taken in order to avoid diseases and accidents at work, taking into account the provisions of Convention 177 of the ILO, as well as the right to leisure, to overcrowding and to the environment of safe work. Finally, the pertinent question will be addressed to the preventive measures that can be adopted to avoid the 322
Advogada Graduada pela UERJ. Especialista em Direito Público, Processo e Direito do Trabalho. Autora do Capítulo “Reforma Trabalhista e Trabalho Intermitente: Limites conforme o Direito Comparado (Brasil & Itália)” da Coletânea “Reforma Trabalhista: o Impacto nas Relações de Trabalho”. Autora do Capítulo “ Análise do negociado versus o legislado: perspectivas doutrinária, jurisprudencial e orçamentária da Reforma Trabalhista considerando os argumentos favoráveis e contrários à constitucionalidade da Lei 13.467 de 2017 e as modificações implementadas pela Medida Provisória 808, de 14 de novembro de 2017” que compõe a obra “Desafios da Reforma Trabalhista”. Autora do Capítulo “Orçamento Público na Itália” do Livro “Orçamento Público no Direito Comparado”. Autora de artigos publicados na Folha de SP, no Valor Econômico e na Revista dos Tribunais de Finanças Públicas. robertadeoliveira@live.com. 323 Mestrando em Direito do Trabalho e das Relações Sociais pelo Centro Universitário do DF. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Professor de Direito e Processo do Trabalho em cursos preparatórios para concursos públicos e pós-graduação. Coautor de livros e autor de artigos jurídicos. Advogado trabalhista. antoniojcapuzzi@gmail.com.
215
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
occurrence of diseases related to telework, taking into account the Schilling Classification and including reflections on psychosomatic diseases, ergonomic norms and moral teleassessment. The methodological approach used was based on a bibliographical research aiming at this article to outline the goals for the characterization of the civil liability of the employer vis-à-vis the employee in the teleworking regime. KEYWORDS: Telework. Civil responsability. Work accident. Occupational diseases. SUMMARY: 1. Teleworking - Concept; 2. Legal nature of civil responsability for the teleworking environment; 3. Analysis of the causal link for civil responsability purposes in the teleworking environment; 4. Ergonomics; 5. Psychic diseases; 6. Conclusion; 7. Bibliography. 1. TELETRABALHO – CONCEITO A expressão teletrabalho teve seu nascedouro a partir da doutrina de Jack Nilles no ano de 1973, fundamentada na separação do local físico de labor conjugada à crise do controle de jornada pelo tomador dos serviços como elemento pujante na definição da prestação laboral324. O teletrabalho é definido pelo professor Martín Estrada como o “realizado com ou sem subordinação por meio do uso de antigas e novas formas de telecomunicação em virtude de uma relação, permitindo a sua execução à distância, prescindindo da presença física do trabalhador em lugar específico de trabalho”325. Extrai-se da expressão “antigas e novas formas de telecomunicação”, que a noção de teletrabalho compreende comunicação à distância (telefonia, televisão, satélite, etc.) e telemática (todo tipo de transmissão da informação que combina o uso de computadores e os demais meios de telecomunicação)326. Para a doutrina espanhola, o teletrabalho caracteriza-se por três elementos primordiais que parametrizam sua conceituação, sendo os pressupostos topográfico, tecnológico e organizativo327. O elemento topográfico relaciona-se ao local em que o teletrabalhador se ativa, diluindo a ideia de limitação da prestação do trabalho à circunscrição geográfica em que se situa o plexo empresarial. A atividade do teletrabalhador tem por característica ser desenvolvida em local diverso do que situado o comitente ou empregador, notadamente os escritórios satélites, o domicílio do trabalhador ou, mesmo, qualquer lugar em que possível o desenvolvimento de seu mister328. A condição tecnológica está intrinsecamente correlacionada à via pela qual é prestado o trabalho, especialmente através de meios telemáticos. É o que Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena designa de “meio eletrônico de comunicação”, contudo, exigindo como pressuposto da conceituação do teletrabalhador, que haja um contato do local do teletrabalho (telearbeit) com a central de operações do empregador329. Com isso, pode se afirmar que a matéria-prima do teletrabalho são os equipamentos que se utilizam de conexão à longa distância para disparar o fornecimento de dados, intensificando o fluxo de informações através da internet. Assim é que a antiga necessidade de o empregado se ativar no plexo geográfico empresarial oferta passagem ao “escritório virtual”, independentemente do local físico em que esteja localizado. 324
J. Nilles citado por ORIHUEL, Francisco Pérez de los Cobos; ARANDA, Javier Thibault. El teletrabajo en España: Perspectiva jurídico laboral. Informes y Estudios. Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales. Página 11. 325 ESTRADA, Manuel Martín Pino. Teletrabalho: conceitos e a sua classificação em face aos avanços tecnológicos. In: COLNAGO, Lorena de Mello Rezende; JUNIOR, José Eduardo de Resende Chaves; ESTRADA, Manuel Martín Pino (coordenadores). Teletrabalho – São Paulo: LTr, 2017. Página 11. 326 CAPUZZI, Antonio J. Meio ambiente telelaboral: aspectos controversos. Disponível em: http://ostrabalhistas.com.br/ 327 Cf. J. Nilles citado por ORIHUEL, Francisco Pérez de los Cobos; ARANDA, Javier Thibault. El teletrabajo en España: Perspectiva jurídico laboral. Op. cit., página 17. 328 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos – 3a edição – São Paulo. LTr, 2005. Página 589. 329 Cf. VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos – Op. cit., página 589.
216
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Precisa é a lição de Vilhena ao ensinar que “real ou virtualmente o escritório acompanha o profissional, munido de equipamentos, acessórios e aplicativos FlexiTools e, sobremodo, de acesso à internet”, fazendo com que o teletrabalhador, pela autodisponibilidade de que desfruta em seu trabalho, constitui-se como uma miniempresa que deambula e, de forma mais ou menos intensa, permanentemente se comunica com aquele que toma seus serviços330. Por sua vez, o pressuposto organizativo determina que o teletrabalho é um modo diferente de prestação laborativa, qualificado pela utilização de tecnologia que promove a ruptura com o modelo tradicional de trabalho e que exige maior disciplina do trabalhador nesse modelo. A Lei n. 13.467/17, ao inserir o art. 75-E, na Consolidação das Leis do Trabalho, preceituou que o teletrabalho é a prestação de serviços através de “tecnologias de informação e de comunicação”. Citada definição abarca o uso de computadores (tecnologias de informação) e os meios de telecomunicação (comunicação). E dentro de tal contexto, o trabalhador ativado em regime de teletrabalho insere-se, independentemente do local em que labore, num meio ambiente telelaboral, definido a partir do lugar ou espaço em que são executadas as atividades laborativas, sempre por meio de instrumentos telemáticos331. 2. NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PATRONAL PELO MEIO AMBIENTE TELELABORAL O art. 7º, inciso XXII, da Constituição Federal de 1988, garante a proteção à saúde do trabalhador quando prevê que é seu direito ativar-se em meio ambiente do trabalho hígido, em que os riscos conhecidos e delimitados sejam reduzidos através de políticas e normas de saúde, higiene e segurança do trabalho. A prevenção de acidentes consubstancia-se como comportamentos ou providências que se tomam com o objetivo de reabilitar ou recuperar um ato inseguro ou condição insegura perpetrada por um dos atores sociais componentes da relação de trabalho332. Por meio da análise de riscos locais ou de operação laboral dá-se cumprimento à segurança do trabalho, ao passo que através da verificação da análise dos riscos ambientais, mormente pela elaboração do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, com a identificação de agentes nocivos presentes no habitat laboral, perfectibiliza-se o que se denomina de higiene do trabalho. Já a medicina do trabalho tem por escopo a realização de atividades preventivas e curativas relacionadas à prevenção e controle dos acidentes do trabalho em sentido amplo333. Como ensinam José de Segadas Vianna e Nathanael Telles dos Santos, o acidente do trabalho lato sensu origina-se de atos inseguros e/ou condições inseguras, sendo causas diretas do surgimento do infortúnio laboral334. A gênese do raciocínio teve como idealizadores o Dr. Heinrich, no livro Prevenção de Acidentes Industriais (Industrial Accident Prevention), em que expõe a fórmula através da qual o homem é partícipe da sucessão de atos que culminam na eclosão do infortúnio. Nessa medida, condições inseguras são situações de imperfeição ou anormalidade de ordem técnica no meio ambiente do trabalho, relacionadas às condições de labor analisadas de modo global. Cite-se, como exemplo, a ausência de treinamento adequado para o manuseio de máquina industrial de corte de madeira. De outro giro, atos inseguros vinculam-se ao modo como os obreiros se expõem, consciente ou inconscientemente, a riscos de acidentes335. A jurisprudência é cirúrgica ao afirmar que, tratando 330
Cf. VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. Op. cit., páginas 590 e 591. Cf. CAPUZZI, Antonio J. Meio ambiente telelaboral: aspectos controversos. Op. cit. 332 VIANNA, José de Segadas; SANTOS, Nathanael Telles dos (coordenadores). Manual de prevenção de acidentes. Rio de Janeiro. Freitas Bastos, 1976. Página 44 e 45. 333 Cf. VIANNA, José de Segadas; SANTOS, Nathanael Telles dos (coordenadores). Manual de prevenção de acidentes. Op. cit., páginas 44 e 45. 334 Cf. VIANNA, José de Segadas; SANTOS, Nathanael Telles dos (coordenadores). Manual de prevenção de acidentes. Op. cit., páginas 26 e 27. 335 Cf. VIANNA, José de Segadas; SANTOS, Nathanael Telles dos (coordenadores). Manual de prevenção de 331
217
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
o art. 158, inciso II, da CLT, da observância das normas de segurança e medicina do trabalho pelo empregado, não se pode utilizar a hipossuficiência do trabalhador a fim de justificar/validar condutas relapsas e descompromissadas do obreiro que podem ser caracterizadas como atos inseguros336. Pelos argumentos expostos é que a proteção à saúde do trabalhador goza de tutela pública perpetrada na Constituição Federal, nas leis infraconstitucionais e nas normas infralegais. Eventual descumprimento das normas protetivas poderá gerar dano ao ser obreiro, ensejando responsabilidade civil do gerador do infortúnio. A responsabilidade civil do empregador frente aos danos causados ao empregado é, como regra, de ordem subjetiva, à luz do art. 7º, inciso XXVIII, da CF. Portanto, para que seja imputado o dever de indenizar patronal, devem estar presentes o dano, o nexo de causalidade/concausalidade e a culpa. Obviamente, citada regra geral aplica-se aos danos sofridos pelo empregado ativado em regime de teletrabalho. De todo modo, há a possibilidade de leitura da responsabilidade patronal sob o viés da responsabilidade subjetiva com culpa presumida ou, ainda, da responsabilidade objetiva. Para tanto, deve-se entender o local de prestação telelaboral como espécie do gênero meio ambiente do trabalho, a par de uma leitura holística do espaço de desenvolvimento do teletrabalho. Pontifica o professor Ney Maranhão que a ideia de meio ambiente do trabalho deve ser desacoplada de qualquer viés físico-geográfico ou de sua vinculação com fatores puramente ecológicos, devendo-se considerar o meio em que se insere o ambiente, e não apenas o ambiente em sentido físico. Prossegue anotando que o meio ambiente do trabalho tem de estar centrado estruturalmente numa perspectiva humanista que conjuga, para além de tônicas ecológicas, fatores naturais e humanos a analisar riscos labor-ambientais sob o viés das condições e organização de trabalho, bem como as relações interpessoais inerentes337. Ao entender o teletrabalho como incurso no meio ambiente telelaboral, é possível concluir ser este merecedor de tutela diferenciada, apartada da leitura “em tira”, única e estritamente do art. 7º, inciso XXVIII, da CF, consagradora da responsabilidade civil sob a ótica subjetiva tradicional. Nesse aspecto surge a posição do Ministro Maurício Godinho Delgado338 para quem em se tratando de degradação do meio ambiente do trabalho, a negligência (subespécie de culpa em sentido estrito) se presume, pois é o empregador que, por meio do poder empregatício, planeja, institui, organiza e administra o meio ambiente laborativo, especialmente em se tratando de aparecimento de doenças conectadas à prestação dos serviços. A culpa presumida situa-se na etapa de transição entre a responsabilidade subjetiva e objetiva, lembrando Rui Stocco339 tratar-se de “(...) espécie de solução transacional ou escala intermédia, em que se considera não perder a culpa a condição de suporte da responsabilidade civil (...)”, considerando os “(...) indícios de sua degradação como elemento etiológico fundamental da reparação e aflorem fatores de consideração da vítima como centro da estrutura ressarcitória, para atentar diretamente para as condições do lesado e a necessidade de ser indenizado (...)”. Nada mais é do que a inversão do ônus da prova em favor do trabalhador lesado, a teor art. 818, parágrafos 1º a 3º, da CLT, com o escopo de amenizar o rigor da demonstração da culpa empresarial no infortúnio. Na mesma linha de raciocínio, factível apontar a responsabilidade do empregador sob a ótica objetiva, à luz do disposto nos arts. 225, parágrafo 3º e 200, inciso VIII, da Constituição Federal, acidentes. Op. cit., Páginas 26 e 27. 336 TRT-18 1909200800618000 GO 01909-2008-006-18-00-0, Relator: FERNANDO DA COSTA FERREIRA, Data de Publicação: DJ Eletrônico Ano IV, Nº 51 de 25.03.2010, pág.7. 337 MARANHÃO, Ney. Poluidor Labor-Ambiental. Abordagem conceitual da degradação das condições de trabalho, da organização do trabalho e das relações interpessoais travadas no contexto laborativo. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2017. Página 126. 338 TST - RR: 1980420125020465, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 11/11/2015, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13/11/2015. 339 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7ª edição. São Paulo: RT, 2007. página 679.
218
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
que dispõem acerca da desnecessidade de prova da culpa nos casos danos ao meio ambiente do trabalho. Isso porque a eclosão de doença ocupacional pelo empregado por conta do desequilíbrio labor-ambiental deteria natureza de violação de direito metaindividual, atraindo a aplicação, além dos artigos constitucionais citados, a aplicação do disposto no art. 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/81, recepcionado pela Constituição vigente, e que trata do princípio do poluidor-pagador340. Importa salientar que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral (leading case RE 828040) acerca da aplicação da teoria do risco (art. 927, parágrafo único, do CC) à natureza jurídica da responsabilidade civil do empregador frente a danos a empregado vítima de acidente de trabalho, por conta da previsão do art. 7º, XXVIII, da CF, que prevê a necessidade de dolo ou culpa. A temática a ser apreciada pela Suprema Corte em nada se assemelha à possibilidade de responsabilização do empregador objetivamente por danos perpetrados ao empregado em face de degradação labor-ambiental, pois esta não se vincula ao risco da atividade a ser apreciada pelo Supremo. Enfim, há defensores da responsabilidade contratual sem culpa do empregador, elaboração doutrinária atribuída a Sauzet e Saintctellette. A teoria funda-se no descumprimento contratual pactuado pelo empregador sob a ótica da ocorrência de lesões físicas ou psíquicas ao obreiro, de modo que emerge a responsabilidade patronal pela saúde e segurança do trabalhador, devendo este sair ileso do labor ao fim da jornada diária341. Referido posicionamento não recebeu guarida por parte da doutrina e da jurisprudência. 3. ANÁLISE DO NEXO DE CAUSALIDADE PARA FINS DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO MEIO AMBIENTE TELELABORAL O nexo de causalidade é o vínculo indicador de um ato/fato com uma causa específica, ou seja, tem por objetivo pautar a relação entre um comportamento e um evento. Nas palavras do professor Sérgio Cavalieri342 trata-se de um processo técnico de probabilidade, a fim de descortinar o referencial de pertencialidade entre um determinado ato e sua consequência. O elo de ligação existente entre um ato humano e seu efeito deve ser manifesto a ponto de o ordenamento jurídico deferir tutela jurídica à prestação exasperada. Para que se afira se determinada conduta é geradora de certo dano, basta que, mentalmente se suprima aquela e verifique se, ainda assim, o infortúnio se faz presente. É nessa linha que ensina Coimbra quando anota que “causa é o que, por hipótese suprimido, impede se realize o resultado. Para que uma incapacidade seja considerada efeito do acidente, basta apurar se – abstraído dito evento – ter-se-ia ele verificado. Na hipótese negativa haverá, indubitavelmente, lugar para o efeito das prestações”343. No ordenamento jurídico brasileiro há duas teorias que recebem prestígio da doutrina e da jurisprudência dispostas a averiguar o nexo de causalidade/concausalidade, a ponto de concederlhe contornos específicos e estabelecer uma análise segura entre ato/fato e dano. A teoria da causalidade adequada é o que elege como antecedente apenas aquele apontada como adequado/apropriado para produzir o evento, de modo que se valida para a caracterização do nexo apenas a causa mais acertada para a produção do infortúnio344. Lado outro, há a teoria da causalidade direta e imediata, que define como causa o antecedente fático que, unido por um vínculo de necessariedade ao infortúnio laboral, aponte o último acontecimento com a consequência direta e imediata. 340
TRT-15 - RO: 40848 SP 040848/2008, Relator: JOÃO BATISTA DA SILVA, Data de Publicação: 11/07/2008. TRT-12 - RO: 00003786920135120024 SC 0000378-69.2013.5.12.0024, Relator: JORGE LUIZ VOLPATO, SECRETARIA DA 1A TURMA, Data de Publicação: 27/10/2015. 341 COIMBRA, J. R. Feijó. Acidentes de trabalho e moléstias profissionais. Edições Trabalhistas. 1990. Páginas 13 e 14. 342 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10ª edição. São Paulo. Atlas, 2012. Página 49. 343 Cf. COIMBRA, J. R. Feijó. Acidentes de trabalho e moléstias profissionais. Op. cit., página 24. 344 Cf. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. Op. cit., página 51.
219
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Assim como ensinam os professores Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, o entendimento mais correto da verificação do nexo de causalidade é o que afere este à luz da teoria da causalidade direta e imediata, frente à previsão expressa do art. 403, do Código Civil, contudo, com os olhos voltados para a vertente da causalidade necessária345. No bojo do até aqui explanado, importante trazer à baila a relação existente entre nexo de causalidade/concausalidade e a denominada “classificação de Schilling”. No ano de 1984, o Professor Emérito da Universidade de Londres, Dr. Schilling, publicou um artigo científico no qual pretendeu estabelecer a relação do trabalho para com o desenvolvimento de doenças ocupacionais. Para tanto, concebeu 3 categorias de infortúnios vinculados ao labor. O grupo I elenca doenças em que o trabalho é causa NECESSÁRIA, como as intoxicações agudas de origem ocupacional, sendo exemplo a silicose, doença respiratória gerada pela inalação do pó de sílica presente em diversos minérios. Já no grupo II apresentam-se as doenças em que o trabalho pode ser um fator de risco/contributivo, contudo, não indispensável. Pontue-se que neste grupo a doença é passível de CONTRIBUIR com a eclosão da doença, agindo, portanto, como episódio concorrente do malefício. Cite-se como exemplo uma doença coronariana decorrente de uma obstrução arterial num trabalhador que se ativa como carregador de sacas de café. O trabalho, nesse caso, pode contribuir para o enfarte, mas também é possível que o trabalhador enfarte sem trabalhar. Por sua vez, as doenças componentes do grupo III são aquelas em que o trabalho origina um DISTÚRBIO LATENTE ou AGRAVADOR de uma enfermidade assente ou preexistente. Exemplo relacionado diz respeito a trabalhador alérgico a um determinado fertilizante utilizado para o labor. Caso nunca ocorra o contato com referido produto, a doença não se manifesta, contudo, existindo tal proximidade a doença se manifestará, agravando a debilidade da saúde obreira. O Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde do Ministério do Saúde para doenças relacionadas ao trabalho indica que as doenças presentes nos grupos II e III são consideradas de etiologia múltipla, ou seja, são geradas por múltiplos fatores de risco. Conquanto haja quem entenda contrariamente346, pensamos que o referido manual prevê que nos supracitados grupos o trabalho pode ser um fator de risco para o desenvolvimento de certa doença (probabilidade aumentada), mas não delimita necessariamente, em absoluto, qualquer elo causal pré-determinado347. Com lastro nos fundamentos da sentença da lavra da juíza Fernanda Ferreira, concordamos que o mero enquadramento da doença do trabalhador na classificação de Schilling, não é, por si só, suficiente para estabelecer diretamente o nexo causal348. Isso porque estar-se-ia transformando a classificação supra em potencial referência similar ao nexo técnico epidemiológico presente no art. 21-A, da Lei 8.213/91. Suficiente, portanto, afirmar que a classificação proposta por Schilling foi idealizada para “(...) fixar parâmetros de pesquisa de Nexo Causal, razão pela qual sua utilização com essa finalidade, como acontece na prática, tem gerado distorções alarmantes, no sentido de que todas as doenças que um indivíduo venha a desenvolver durante sua vida produtiva são consequências do trabalho (...)”349. Dito isso, com amparo na bela decisão proferida pela magistrada citada, com amparo na lição de Marco Antônio Borges das Neves extraída do decisum, “(...) o próprio Professor Schilling 345
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Volume III. Responsabilidade Civil. 9ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2011. Página 135. 346 A juíza do Trabalho Fernanda Ferreira no processo RTOrd-0010382-52.2015.5.18.0082, assim se manifesta: “Embora o Manual de Procedimentos para as doenças relacionadas ao trabalho - elaborado pelo Ministério da Saúde do Brasil em 2001 - gere a ilação de que o enquadramento na Classificação de Schilling, em quaisquer de suas categorias (I, II ou III), estabelece automático nexo de concausalidade da patologia com o trabalho”. 347 Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde do Ministério do Saúde. Página 28. http://bvsms.saude. gov.br/bvs/publicacoes/doencas_relacionadas_trabalho1.pdf 348 Cf. RTOrd-0010382-52.2015.5.18.0082. Juíza do Trabalho Fernanda Ferreira. 349 RTOrd-0010382-52.2015.5.18.0082. Juíza do Trabalho Fernanda Ferreira.
220
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
reconhece que as doenças ocupacionais seriam somente aquelas em que o trabalho é um fator causal necessário, ou seja, aquelas integrantes do Grupo I da Classificação de Schilling”. Portanto, insofismável concluir que as doenças dispostas no grupo I são as caracterizadas como doenças profissionais, gerando um nexo causal presumido com o labor, à luz dos ensinamentos do professor Schilling. Ainda, as doenças relacionadas nos grupos II e III são incapazes, de per si, de apontarem nexo de causalidade presumido, devendo haver análise do caso concreto, sobretudo nos casos de infortúnios ocupacionais relacionados à ergonomia e doenças psíquicas presentes no regime do teletrabalho. 4. ERGONOMIA A ergonomia tem sido definida como sendo “o estudo da adaptação do trabalho ao homem”. Isto significa que o trabalho deve ser dimensionado de acordo com as capacidades naturais do trabalhador envolvido naquela situação de trabalho. A ergonomia (Research Society) apresenta uma definição mais específica: “estudo anatômico fisiológico e psicológico do homem ao seu ambiente de trabalho”350. De par com isso, ponderam Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado que “no teletrabalho a comprovação da figura do dano torna-se mais difícil do que o padrão usual de comprovação do nexo causal e da culpa do empregador”351, de modo que “apenas o acúmulo de experiências práticas, ao longo do tempo, poderá agregar maiores dados para a mais aprofundada reflexão a respeito”. Todavia, em relatório recente divulgado pela EUROFOUND AND THE INTERNACIONAL LABOUR OFFICE352 acerca dos efeitos do teletrabalho em diversos países do mundo, dentre eles o Brasil, foram estabelecidas classificações acerca dessa modalidade de prestação de serviços, quais sejam: a) teletrabalhadores baseados em casa; b) teletrabalhadores ocasionais, com média a baixa mobilidade e frequência fora do estabelecimento do empregador; e c) teletrabalhador com alta mobilidade, com alta frequência de trabalho em vários lugares, inclusive no âmbito doméstico353.
Nessa perspectiva, pontifica Rodrigo Carelli que, segundo estudo realizado pela Organização Internacional do Trabalho, a frequência da utilização dessa forma de labor varia muito a depender da nação analisada, sendo que no Japão e nos Estados Unidos chega-se ao máximo de 40%. E prossegue afirmando que: “A maior parte dos trabalhadores em teletrabalho pertence a nível gerencial, realiza vendas ou trabalho administrativo e pertence ao gênero masculino. As mulheres utilizam mais o trabalho baseado em casa, combinando o trabalho doméstico com o familiar, o que demonstra que o gênero – e seus papéis e modelo – importa no contexto do teletrabalho”.
No tocante aos resultados da pesquisa, sinaliza Carelli que: “a duração do trabalho dos teletrabalhadores, principalmente os com alta mobilidade, são tipicamente maiores do que aqueles que trabalham no estabelecimento do empregador. Os teletrabalhadores trabalham mais à noite e nos finais de semana, tendo, por outro lado mais autonomia quanto aos horários de trabalho”. 350
VIANNA, José de Segadas; SANTOS, Nathanael Telles dos (coordenadores). Manual de prevenção de acidentes. Rio de Janeiro. Freitas Bastos, 1976. Página 293. 351 DELGADO, Maurício Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com os comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. Página 140. 352 EUROFOUND AND THE INTERNACIONAL LABOUR OFFICE, Working anytime, anywhere: The effcts on the world work, Publications Office of the European Union, Luxembourg, and Internacional Labour Office, Geneva 2017. 353 MAIOR, Jorge Luiz Souto. SEVERO, Valdete Souto (coordenadores). Resistência: aportes teóricos contra o retrocesso trabalhista. “O teletrabalho” por Rodrigo Carelli, p. 329. São Paulo: Expressão Popular, 2017, página 327 - 334.
221
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Contudo, o trabalho em sobrejornada é frequentemente inadimplido (situação institucionalizada com a articulação do art. 62, inciso III354 da CLT, com redação dada pela Lei n. 13.467/17, embora trata-se de presunção iuris tantum). Alerta o relatório sobre os riscos à saúde quanto à intensidade do trabalho, longas jornadas extraordinárias que perfectibilizam elevado nível de estresse, problemas do sono e impacto percebido na saúde. Assim, a depender do tipo de teletrabalho e se há ou não sua realização ocasional os efeitos em relação à saúde do teletrabalhador poderão ser mais ou menos intensos. O ideal, segundo dados da OIT, para evitar a fadiga física e mental, seria a sua realização ocasional. Outrossim, “impõe-se que o trabalhador realize trocas em ambiente de trabalho e se realize no ou355 tro” , razão pela qual o teletrabalho ocasional é a modalidade mais adequada em termos sociais e médicos. Diante do exposto, e apesar das variadas modalidades de frequência e local de realização do teletrabalho, existem parâmetros mínimos estabelecidos na Norma Regulamentadora 17 (“NR 17”) do Ministério do Trabalho que apontam parâmetros a serem obedecidos nas relações de trabalho, a fim de que seja alcançada a plena “adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente” 356 . Desta feita, dispõe o item 17.1.2 da NR infra que “para avaliar a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiologicas dos trabalhadores, cabe ao empregador realizar a análise ergonômica do trabalho, devendo a mesma abordar, no mínimo, as condições de trabalho”. Nessa perspectiva, dispõe os itens 17.3 e seguintes, pertinentes ao mobiliário dos postos de trabalho que os assentos utilizados devem atender aos seguintes requisitos mínimos de conforto: a) altura ajustável à estatura do trabalhador e à natureza da função exercida; b) características de pouca ou nenhuma conformação na base do assento; c) borda frontal arredondada; d) encosto com forma levemente adaptada ao corpo para proteção da região lombar. Além disso, para as atividades em que os trabalhos devam ser realizados sentados, a partir da análise ergonômica prévia do trabalho, poderá ser exigido suporte para os pés, que se adapte ao comprimento da perna do trabalhador. No que tange aos equipamentos dos postos de trabalho nas atividades que envolvam leitura de documentos para digitação, datilografia ou mecanografia deve: a) ser fornecido suporte adequado para documentos que possa ser ajustado proporcionando boa postura, visualização e operação, evitando movimentação frequente do pescoço e fadiga visual; b) ser utilizado documento de fácil legibilidade sempre que possível, sendo vedada a utilização do papel brilhante, ou de qualquer outro tipo que provoque ofuscamento (item 17.4.2). Os equipamentos utilizados no processamento eletrônico de dados com terminais de vídeo devem observar o seguinte: a) condições de mobilidade suficientes para permitir o ajuste da tela do equipamento à iluminação do ambiente, protegendo-a contra reflexos, e proporcionar corretos ângulos de visibilidade ao trabalhador; b) o teclado deve ser independente e ter mobilidade, permitindo ao trabalhador ajustá-lo de acordo com as tarefas a serem executadas; c) a tela, o teclado e o suporte para documentos devem ser colocados de maneira que as distâncias olho-tela, olho- teclado e olho-documento sejam aproximadamente iguais; d) serem posicionados em superfícies de trabalho com altura ajustável (item 17.4.3). Nos locais de trabalho onde são executadas atividades que exijam solicitação intelectual e atenção constantes, tais como: salas de controle, laboratórios, escritórios, salas de desenvolvimento ou análise 354
Em relação à exclusão do teletrabalhador do regime da duração do trabalho, insta ressaltar que tal presunção é relativa, admitindo-se prova em sentido contrario, em nome da interpretação conforme ao art. 7º, XIII da Constituição, que traz balizas limitadoras da jornada, além, é claro, dos princípios da vedação ao enriquecimento sem causa e do abuso do direito pelo empregador, bem como do direito ao lazer e a uma existência digna. 355 Cf. MAIOR, Jorge Luiz Souto. SEVERO, Valdete Souto (coordenadores). Resistência: aportes teóricos contra o retrocesso trabalhista. “O teletrabalho” por Rodrigo Carelli, Op. cit., página 329. 356 item 17.1
222
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
de projetos, dentre outros, são recomendadas as seguintes condições de conforto: a) níveis de ruído de acordo com o estabelecido na NBR 10152, norma brasileira registrada no INMETRO; b) índice de temperatura efetiva entre 20ºC (vinte) e 23oC (vinte e três graus centígrados); c) velocidade do ar não superior a 0,75m/s; d) umidade relativa do ar não inferior a 40 (quarenta) por cento (item 17.5.2). Em todos os locais de trabalho deve haver iluminação adequada, natural ou artificial, geral ou suplementar, apropriada à natureza da atividade (item17.5.3), a qual deve ser uniformemente distribuída e difusa (item 17.5.3.1). Destacadas as principais regras de ergonomia capazes de, ao menos em relação à saúde física do trabalhador, preservá-la, é preciso ressaltar que não há incompatibilidade material entre a inviolabilidade de domicílio e o dever do empregador de fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, nos termos do arts. 157 da CLT e 3º, 4º, 7º e 9º357 da Convenção Internacional 177 da OIT, a qual, embora não ratificada e limitada apenas ao “trabalho à domicílio”, estabelece o princípio da não discriminação entre o teletrabalhador e o trabalhador presencial. No mesmo sentido, art. 169, §3º do Código do Trabalho Português358, passível de ser utilizado como “fonte interpretativa” do direito nacional, nos termos do art. 8º, §1º da CLT, haja vista a ausência de disposições exaustivas sobre todas as situações que compreendem o teletrabalho pela Lei n. 13.467/2017. 357
Artículo 3 Todo Miembro que ratifique el presente Convenio deberá adoptar, aplicar y revisar periódicamente una política nacional en materia de trabajo a domicilio destinada a mejorar la situación de los trabajadores a domicilio, en consulta con las organizaciones de empleadores y de trabajadores más representativas y, cuando las haya, con las organizaciones que se ocupan de los trabajadores a domicilio y las organizaciones de los empleadores que recurren a trabajadores a domicilio. Artículo 4 1. En la medida de lo posible, la política nacional en materia de trabajo a domicilio deberá promover la igualdad de trato entre los trabajadores a domicilio y los otros trabajadores asalariados, teniendo en cuenta las características particulares del trabajo a domicilio y, cuando proceda, las condiciones aplicables a un tipo de trabajo idéntico o similar efectuado en una empresa. 2. La igualdad de trato deberá fomentarse, en particular, respecto de: (a) el derecho de los trabajadores a domicilio a constituir o a afiliarse a las organizaciones que escojan y a participar en sus actividades; (b) a protección de la discriminación en el empleo y en la ocupación; (c) la protección en materia de seguridad y salud en el trabajo; (d) la remuneración; (e) la protección por regímenes legales de seguridad social; (f) el acceso a la formación; (g) la edad mínima de admisión al empleo o al trabajo; (h) la protección de la maternidad. Artículo 7 La legislación nacional en materia de seguridad y salud en el trabajo deberá aplicarse al trabajo a domicilio teniendo en cuenta las características propias de éste y deberá determinar las condiciones en que, por razones de seguridad y salud, ciertos tipos de trabajo y la utilización de determinadas sustancias podrán prohibirse en el trabajo a domicilio. Artículo 9 1. Un sistema de inspección compatible con la legislación y la práctica nacionales deberá garantizar el cumplimiento de la legislación aplicable al trabajo a domicilio. 2. Deberán preverse y aplicarse de manera efectiva medidas apropiadas, que incluyan, cuando proceda, sanciones, para los casos de infracción de dicha legislación. 358 Artigo 169. Igualdade de tratamento de trabalhador em regime de teletrabalho 1 - O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, nomeadamente no que se refere a formação e promoção ou carreira profissionais, limites do período normal de trabalho e outras condições de trabalho, segurança e saúde no trabalho e reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional. 2 - No âmbito da formação profissional, o empregador deve proporcionar ao trabalhador, em caso de necessidade, formação adequada sobre a utilização de tecnologias de informação e de comunicação inerentes ao exercício da respetiva atividade. 3 - O empregador deve evitar o isolamento do trabalhador, nomeadamente através de contactos regulares com a empresa e os demais trabalhadores.
223
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Por isso, não se mostra razoável que a mera assinatura do termo de responsabilidade pelo empregado, se comprometendo a seguir as instruções do empregador, conforme art. 75-E da CLT, com redação dada pela reforma, retire toda a sua responsabilidade face à questões de segurança, ergonomia, higiene e medicina do trabalho. Do contrário, ter-se-ia notória violação aos arts. 7º, XXII da Constituição e 6º da CLT. Nesse cenário, o Código do Trabalho Português (“CTP”), nos artigos 165 a 175, socorre o lacunoso ordenamento jurídico nacional ao trazer diretrizes para a fiscalização em relação às normas de saúde e segurança do trabalho. Nesse ângulo, dispõe o art. 170 do CTP que: Artigo170. Privacidade de trabalhador em regime de teletrabalho 1 - O empregador deve respeitar a privacidade do trabalhador e os tempos de descanso e de repouso da família deste, bem como proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como psíquico. 2 - Sempre que o teletrabalho seja realizado no domicílio do trabalhador, a visita ao local de trabalho só́ deve ter por objeto o controlo da atividade laboral, bem como dos instrumentos de trabalho e apenas pode ser efetuada entre as 9 e as 19 horas, com a assistência do trabalhador ou de pessoa por ele designada. 3 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo.
Ora, é evidente que cabe ao empregador cumprir e fazer cumprir as normas de medicina e segurança do trabalho, conforme disposto no art. 157, I da CLT, não bastando a mera instrução do empregado com a respectiva assinatura do termo de responsabilidade. Em vista disso, surge a controvérsia acerca de quem deve ser o responsável por arcar com os custos da adequação ambiental. É possível argumentar que esse custo seria contratualmente previsto, na linha do preconizado pelo art. 75-D da CLT. Afinal, o princípio da proteção foi substituído pela proteção da autonomia do empregado, sem pressupor a abstração incondicionada da hipossuficiência, dando prevalência à vontade das partes pactuantes. Não obstante, apesar de gastos ordinários em um sistema, por exemplo, de teletrabalho à domicílio (home office), poderem ser atribuídos ao empregado sem que ele assuma os riscos da atividade econômica, a situação se inverte no caso de gastos com infraestrutura de elevado custo e longo prazo para amortização não se mostra razoável, nem proporcional, que esse custo seja arcado pelo empregado. Assim, caso o empregado estipule com o empregador que comprará uma mesa e uma cadeira que deseja que permaneçam em sua casa para que, futuramente, ele tenha um escritório ergonômico, em não havendo vício na manifestação de vontade, a ser aferida no caso concreto, o acordo deve prevalecer. 5. DOENÇAS PSÍQUICAS O trabalhador ativado em regime de teletrabalho detém um grau acentuado de desenvolvimento de doenças psíquicas relacionadas a transtornos de ansiedade e depressão. A afirmação tem base em literatura médica psiquiátrica que dispõe que “(...) os estresses do emprego podem causar ou acentuar doença mental” 359. Não obstante preocupante a assertiva declinada, deve-se elidir qualquer perspectiva generalizante quando se diz respeito a trabalho e desenvolvimento de doenças psíquicas, sendo necessário aferir o preciso vínculo causal de forma a possibilitar a exclusão de eventual estado mórbito preexistente. A cautela é necessária, pois para se avaliar se uma ocorrência é detectada ou não como estressante sob o ângulo laboral perpassa pelos recursos do indivíduo trabalhador, de suas defesas 359
SADOCK, Benjamin James; SADOCK, Virginia Alcott. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. Tradução Claudia Dornelles ... [et al.] – 9a edição. Porto Alegre: Artmed, 2007. página 1458.
224
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
psicológicas, bem como sua capacidade de lidar com certas tensões. Do ponto de vista da psiquiatria, tais referências abarcam o ego e toda a abstração coletiva do ser humano, especialmente sob o aspecto de acontecimentos externos e/ou os impulsos internos360. Os Drs. Benjamin James Sadock e Virginia Alcott Sadock, tratando especificamente de morbidez laboral afirmam que “(...) os conflitos de causas externas costumam ser interpessoais, enquanto os de causas internas são intrapsíquicos ou intrapessoais (...)”, sendo possível a verificação de ambos no caso de trabalhador em que o empregador seja excessivamente rigoroso a provocar impulsos tendentes a demonstrar o temor pela perda do emprego361. Ou seja, o conflito interpessoal se subjaz na relação do empregado com seu superior, ao passo que o conflito intrapsíquico é inerente aos impulsos naturais individuais de cada ser humano e do modo como reage a circunstâncias adversas. Por tudo isso, salutar afirmar que os acontecimentos traumáticos como, por exemplo, cobranças excessivas de cumprimento de metas e humilhações por parte do empregador, são etiologicamente importantes para aferir a eclosão e/ou agravamento de doença psíquica e sua causalidade direta e imediata com o labor, especialmente pelo fato de que tais doenças apresentam origens multicausais. Assim é que o Ministério do Trabalho e Emprego vedou a utilização pelo empregador de métodos que gerem assédio moral, medo ou constrangimento ao trabalhador, notadamente o estímulo abusivo à competição entre obreiros ou equipes de trabalho (Norma Regulamentadora 17, anexo II). Embora a NR se refira ao trabalhador ativado na função de telemarketing, a normatização pode ser aplicável ao teletrabalhador, tendo em vista a similitude de situações fáticas vivenciadas no tocante à busca por resultados/produtividade de seu labor. No aspecto, cumpre enfatizar o caso da “ilha sem papel”, nome atribuído a um programa de computador utilizado para a troca de informações/mensagens instantâneas entre trabalhadores e o superior hierárquico. Durante várias vezes ao dia a produtividade do trabalhador era aferida e, os que não atingissem a expectativa, constavam na planilha do superior como perdedores, designados também de improdutivos ou desqualificados. O controle patronal era apresentado pela supervisão a todos os demais trabalhadores que se ativavam na mesma função. O caso foi apreciado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, concluindo que o empregador sobejou os limites inerentes ao poder diretivo, concedendo ao trabalhador indenização por dano moral362. No bojo do teletrabalho a prática pode ser plenamente verificada, caracterizando-se presente a figura do assédio moral exercido virtualmente ou também nominado de teleassédio moral. Trata-se de figura peculiar colocada em prática por meio de controle via sofwtares de computadores e/ou smartphones, de modo a permitir a fiscalização diuturna do expediente, da realização das tarefas, bem como da produtividade laboral363. À luz de todo o exposto, concluímos o presente texto citando Sebastião Geraldo de Oliveira quando ensina que o velho ditado “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, está ficando na poeira da história, concedendo passagem ao raciocínio de que manda quem pode sim, contudo, sempre respeitando a ética, a moralidade, os limites do contrato de trabalho e do respeito à dignidade do ser humano364. 360
Cf. SADOCK, Benjamin James; SADOCK, Virginia Alcott. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. Tradução Claudia Dornelles ... [et al.] – Op. cit., páginas 631 e 632. 361 Cf. SADOCK, Benjamin James; SADOCK, Virginia Alcott. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. Tradução Claudia Dornelles ... [et al.] – Op. cit., páginas 631 e 632. 362 TRT-3 - RO: 00231201003503000 0000231-64.2010.5.03.0035, Relator: Convocada Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim, Turma Recursal de Juiz de Fora, Data de Publicação: 24/02/2011,23/02/2011. DEJT. Página 96. Boletim: Não. 363 Processo Nº RTOrd-10687-35.2013.5.18.0008. Sentença do juiz do Trabalho Luiz Eduardo da Silva Paraguassu. 364 TRT-3 - RO: 00593201102403009 0000593-65.2011.5.03.0024, Relator: Sebastiao Geraldo de Oliveira, Segunda Turma, Data de Publicação: 14/03/2012,13/03/2012. DEJT. Página 92. Boletim: Sim.
225
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
6. CONCLUSÃO O teletrabalho ganhou tratamento expresso com a reforma trabalhista, tendo sido regulamentado nos arts. 75-A a 75-E da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017, podendo ser definido, conforme lição do professor Martín Estrada como o “realizado com ou sem subordinação por meio do uso de antigas e novas formas de telecomunicação em virtude de uma relação, permitindo a sua execução à distância, prescindindo da presença física do trabalhador em lugar específico de trabalho”. No tocante à responsabilidade civil do empregador, estabeleceu o art. 75-E da CLT o dever de instrução pelo polo patronal, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a serem tomadas pelo empregado. De par com isso, deve o empregado assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a segui-las. Contudo, a redação do art. 75-E, tal qual expressa no texto celetista, faz nascer a controvérsia acerca da responsabilidade do empregador, se subjetiva ou objetiva e, mais além, se ele estaria isento desta com a “mera instrução” das precauções a serem adotadas pelo empregado. Nesse contexto, insta ressaltar que a responsabilidade civil do empregador frente aos danos causados ao empregado é, como regra, de ordem subjetiva, à luz do art. 7º, inciso XXVIII, da CF. Portanto, para que seja imputado o dever de indenizar patronal, devem estar presentes o dano, o nexo de causalidade e a culpa. De todo modo, há a possibilidade da leitura da responsabilidade patronal sob o viés da responsabilidade subjetiva com culpa presumida ou, ainda, da responsabilidade objetiva. Para tanto, deve-se entender o local de prestação telelaboral como espécie do gênero meio ambiente do trabalho, a par de uma leitura holística do espaço de desenvolvimento do teletrabalho. Nesse aspecto, sublinha Ministro Maurício Godinho Delgado365 para quem em se tratando de degradação do meio ambiente do trabalho a negligência (subespécie de culpa em sentido estrito) se presume, pois é o empregador que, por meio do poder empregatício, planeja, institui, organiza e administra o meio ambiente laborativo, especialmente em se tratando de aparecimento de doenças conectadas à prestação dos serviços. Nada obstante, o planejamento de um meio ambiente laboral adequado não prescinde da fiscalização, pelo empregador, do meio ambiente laboral. Do contrário, estar-se-ia negando aplicação aos arts. 157, I e 6º, parágrafo único, da CLT, bem como institucionalizando a discriminação entre o empregado presencial e o teletrabalhador em afronta à Carta da República e à Convenção 177 da OIT, embora não ratificada pelo Brasil. Desse modo, socorre o lacunoso ordenamento jurídico nacional o Código do Trabalho Português que, nos arts. 165 a 175, trata da matéria, dispondo, em especial no art. 170, que o tratamento entre o empregado presencial e o teletrabalhador deverá ser igualitário. Por isso, o dever de cuidado do empregador não se restringe à mera instrução do empregado (com a respectiva assinatura do termos de responsabilidade) devendo haver efetiva fiscalização, nos moldes do Código do Trabalho Português e, ser adotada, por analogia, as normas regulamentadoras previstas na NR 17 do Ministério do Trabalho. Ademais, no que tange às doenças ocupacionais decorrentes do teletrabalho, estas podem variar a depender do tipo de teletrabalho adotado, ou seja, se baseado em casa, se ocasional, com média a baixa mobilidade e frequência fora do estabelecimento do empregador; ou, ainda, se com alta mobilidade, com alta frequência de trabalho em vários lugares, inclusive no âmbito doméstico. Outro fator de grande repercussão consiste no gênero (se masculino ou feminino) e capacidade individual de absorção de pressões, de modo que cada organismo reage de uma forma à fatores externos, relacionados ao trabalho. 365
Cf. DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. Op. cit. página 140.
226
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Outrossim, segundo dados da OIT, o ideal para evitar a fadiga mental e física seria a adoção parcial do teletrabalho, porquanto há uma tendência de realização de sobrejornada no teletrabalho “com alta modalidade e alta frequência” o que pode gerar o esgotamento do teletrabalhador, que já detém um grau acentuado de desenvolvimento de doenças psíquicas relacionadas a transtornos de ansiedade e depressão. A afirmação tem base em literatura médica psiquiátrica de Benjamin James Sadock e Virginia Alcott Sadock. Diante do exposto, o escopo deste artigo consistiu em analisar a responsabilidade civil a partir da interpretação conforme do art. 75-E da CLT, considerando as doenças ocupacionais pertinentes ao teletrabalho de âmbito físico e mental, questionando de forma crítica o art. 62, III do mesmo diploma que, apesar de numa leitura literal, admitir a sobrejornada de forma ilimitada, deve ser interpretado em consonância com o art. 7º, XIII da Constituição, rechaçando o enriquecimento ilícito e o abuso do direito. Por fim, restou igualmente analisada a Classificação de Schilling e a questão pertinente ao teleassédio moral. BIBLIOGRAFIA CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10ª edição. São Paulo. Atlas, 2012. COIMBRA, J. R. Feijó. Acidentes de trabalho e moléstias profissionais. Edições Trabalhistas. 1990. FARIA, Ministro Bento de. Dos acidentes do trabalho e doenças profissionais. Livraria Editora Freitas Bastos. 1947. DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. EPIPHANIO, Emilio Bicalho; VILELA, José Ricardo de Paula Xavier (coordenadores). Perícias médicas: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Volume III. Responsabilidade Civil. 9ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2011. MAGANO, Octávio Bueno. Lineamentos de infortunística. São Paulo, Bushatsky, 1976. MAIOR, Jorge Luiz Souto. SEVERO, Valdete Souto (coordenadores). Resistência: aportes teóricos contra o retrocesso trabalhista. 1ª Edição. Editora Expressão Popular. São Paulo, 2017. MARANHÃO, Ney. Poluidor Labor-Ambiental. Abordagem conceitual da degradação das condições de trabalho, da organização do trabalho e das relações interpessoais travadas no contexto laborativo. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2017. NAHAS, Thereza; PEREIRA, Leone; MIZIARA, Raphael. CLT Comparada Urgente – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. ORIHUEL, Francisco Pérez de los Cobos; ARANDA, Javier Thibault. El teletrabajo en España: Perspectiva jurídico laboral. Informes y Estudios. Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales. SADOCK, Benjamin James; SADOCK, Virginia Alcott. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. Tradução Claudia Dornelles ... [et al.] – 9a edição. Porto Alegre: Artmed, 2007. SILVA. Homero Batista Martins da. Comentários à reforma trabalhista. Editora Revista dos Tribunais, 2017. 227
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7ª edição. São Paulo: RT, 2007. TUPINAMBÁ, Carolina. GOMES, Fábio Rodrigues. A Reforma Trabalhista O Impacto nas Relações de Trabalho. Editora Fórum, 1ª Edição, 2018. VIANNA, José de Segadas; SANTOS, Nathanael Telles dos (coordenadores). Manual de prevenção de acidentes. Rio de Janeiro. Freitas Bastos, 1976. VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos – 3a edição – São Paulo. LTr, 2005. Site: www.ostrabalhistas.com.br Site: www.jusbrasil.com.br
228
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
O TRABALHO INTERMITENTE COMO FORMA DE PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DE DANO EXISTENCIAL INTERMITTENT WORK AS A PRECARIOUS FORM OF WORK AND EXISTENTIAL DAMAGE Caroline Ramos da Silva Bastos366 RESUMO: A presente pesquisa possui como finalidade precípua a análise do trabalho intermitente, que constitui nova forma de trabalho trazida pela Reforma Trabalhista, nos artigos 443, 452-A a 452-H da CLT, mediante alterações promovidas pela Lei n. 13.467/2017 e pela Medida Provisória nº 808/2017. Nesta nova modalidade de trabalho, tem-se uma prestação de serviços de forma não contínua, em que o empregador convocará o empregado, com pelo menos três dias corridos de antecedência, informando-o acerca de sua jornada de trabalho, e o empregado, por sua vez, terá o prazo de vinte e quatro horas para responder ao chamado. A pesquisa em questão terá por finalidade a análise da possível ocorrência de violação a direitos trabalhistas garantidos constitucionalmente e a possível ocorrência de precarização do trabalho, considerando que a prestação de serviços nesta modalidade permite, como por exemplo, que o período de inatividade não remunerado, em que o trabalhador ficará à disposição da convocação do empregador, repercuta negativamente sobre outros direitos, ou a possibilidade de aplicação de multa diante da desistência do trabalhador. Além disso, será objeto de análise a eventual identificação de tais disposições concernentes ao trabalho intermitente ao dano existencial, em razão da alteração das normais atividades, hábitos, ritmo de vida e bem-estar psicofísico do indivíduo, bem como das escolhas de vida que teriam sido feitas de forma diversa caso o evento danoso não tivesse ocorrido. PALAVRAS-CHAVE: Trabalho Intermitente. Precarização do trabalho. Dano Existencial. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A regulamentação do trabalho intermitente; 3. Direitos fundamentais sociais: uma garantia de todos?; 4. O trabalho intermitente e a (des)valorização do pleno emprego. O sofisma da reforma trabalhista; 5. O trabalho intermitente e o dano existencial; 6. Conclusão; 7. Referencial teórico. ABSTRACT: The present research has as its main purpose the analysis of intermittent work, which constitutes a new form of work brought by the Labor Reform, in articles 443, 452-A to 452H of the CLT, through changes promoted by Law nº 13467/2017 and by Provisional Measure nº 808/2017. In this new type of work, there is a non-continuous service provision, in which the employer will call the employee, at least three days in advance, informing him about his working hours, and the employee, on the other hand, will have twenty-four hours to respond to the call. The purpose of this research is to analyze the possible occurrence of a violation of labor rights guaranteed by the Federal Constitution and the possible occurrence of precarious work, considering that the provision of services in this modality allows, for example, that the period of unpaid inactivity, in which the worker will be at the disposal of the employer’s call, negatively affects other rights, or the possibility of imposing a fine upon resignation of the worker. Besides that, it will be analyzed the possible identification of such provisions concerning the intermittent work to existential damage, due to the alteration of the normal activities, habits, rhythm of life and psychophysical well-being of the individual, as well as the life choices that would have been made differently in case the damaging event had not occurred. KEY-WORDS: Intermittent work. Precarious work. Existential damage. SUMMARY: 1. Introduction; 2. The regulation of intermittent work; 3. Social fundamental rights: a guarantee of all? 4. The intermittent work and the (und) valorization of full employment. The sophistry of labor reform; 5. Intermittent work and existential damage; 6. Conclusion; 7. Theoretical reference. 366
Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário do Distrito Federal – UDF; caroline.rsbastos@hotmail.com.
229
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
1. INTRODUÇÃO Em um contexto de desajustes econômicos e de crise do mercado, onde há a incessante busca pelo lucro, através da consolidação e do império capitalista, é que surge o trabalho intermitente, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro mediante justificativas falaciosas e sofismas de modernização, multiplicação de empregos e incremento de produtividade. A figura do trabalho intermitente foi implementada em nossa legislação por meio da aprovação, sem o devido debate democrático, da Lei 13.467/2017, posteriormente alterada pela Medida Provisória nº 808/2017. Esta nova forma de labor alterou substancialmente elementos considerados indispensáveis para se promover o valor social do trabalho e o pleno emprego, assim como a dignidade da pessoa humana. A regulamentação do trabalho intermitente, através de seus dispositivos, gera a transgressão de direitos fundamentais sociais conquistados ao logo dos séculos e garantidos constitucionalmente, além de proporcionar a precarização do trabalho, das condições do trabalho e a subjugação do trabalhador. O presente artigo possui como finalidade precípua a análise desta alteração legislativa, no que se refere ao trabalho intermitente, como causadora de tal problemática: a violação de direitos assegurados constitucionalmente e a agressiva precarização acarretada, bem como suas consequências e efeitos na realidade fática vivida pelos trabalhadores, restando justificada esta pesquisa pela possível ocorrência de danos aos trabalhadores intermitentes, sobretudo de dano existencial. 2. A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO INTERMITENTE A partir da crise do Estado de bem-estar social (Welfare State), implementou-se a cultura do neoliberalismo/ultraliberalismo, que em razão de uma incessante e voraz busca pelo capital e lucro, veio por solapar direitos trabalhistas e destruir o primado do trabalho e emprego.367 Nesse contexto de retirada de direitos conquistados e fragilização da classe trabalhadora, por intermédio de uma falaciosa justificativa de modernização e da implementação de um capitalismo sem peias, criou-se a reforma trabalhista, mediante a aprovação da Lei 13.467, no dia 13 de julho de 2017 e que entrou em vigor no dia 11 de novembro do mesmo ano. A referida lei, que foi aprovada sem o devido debate democrático, alterou substancialmente diversos aspectos da legislação trabalhista, bem como trouxe a figura do trabalho intermitente ao ordenamento jurídico brasileiro. A referida alteração legislativa, sob um discurso de implementação de suposta modernização e consequente aumento de empregos e incremento da produtividade, na realidade, “busca por romper com essa lógica democrática e inclusiva do Direito do Trabalho, por meio da desregulamentação ou flexibilização de suas regras imperativas incidentes sobre o contrato trabalhista” (DELGADO, M.; DELGADO, G., 2017a, p.41) e atua como “instrumento justificador e apologético de certo tipo de gestão pública da sociedade e do sistema econômico” (DELGADO, 2015, p. 68). Diante disso, inicialmente, é importante ressaltar que os preceitos legais que versam e regulamentam o trabalho intermitente afrontam direitos e garantias previstos constitucionalmente, fragilizando a classe trabalhadora e tornando o que antes era ilícito em lícito. A Lei 13.467/2017, que regulamentou o trabalho intermitente, conferiu nova redação ao artigo 443 da CLT e acrescentou o §3º, onde é previsto e conceituado o contrato de trabalho intermitente como o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. 367
“A nova corrente de pensamento, com impressionante voracidade de construção hegemônica, teria mesmo de agredir, de maneira frontal, a matriz cultural afirmativa do valor trabalho/emprego, por ser esse valor o grande instrumento teórico de construção e reprodução da democracia social no Ocidente” (DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego. 2. Ed. São Paulo: LTr, 2015, p. 33.
230
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Tem-se que o legislador, ao editar o artigo 443, ignorou os elementos que constituem a relação de emprego e até mesmo os princípios do Direito do Trabalho, permitindo a não continuidade da prestação de serviços e em razão disso, a assunção pelo empregado dos riscos do negócio, tendo em vista que este prestará seus serviços de acordo com a necessidade e conveniência do empregador e se sujeitará a receber sua contraprestação pecuniária somente quando houve demanda. Nas palavras de Emmanuel Teófilo Furtado, como se dizer não eventual o contrato cuja quantidade de horas, dias, semanas, ou meses de trabalho ficam em aberto, de acordo com o risco do empreendimento, que é ínsito ao empregador e que doravante passa a ser incoerentemente dividido com o trabalhador, sem que este galgue a condição de sócio, muito ao reverso, tendo daqui para frente encarar a chamada jornada zero hora? (2017, p. 111).
Além disso, a desvinculação do tipo de atividade exercida à natureza da intermitência só traz benefícios ao empregador, que poderá manter seu empreendimento em funcionamento 24 horas por dia. Desta forma, conforme Emmanuel Teófilo Furtado, uma empresa cuja atividade não estaria relacionada a qualquer demanda intermitente atuaria sem possuir um empregado efetivo sequer, o que vai contra a lógica da intermitência e gera fraude, caracterizada pela relação falseada entre uma atividade permanente e vários trabalhos intermitentes (2017, p. 111-112). A referida lei havia incluído o artigo 452-A, o qual previa as especificidades desta nova modalidade de contrato. Entretanto, sobreveio a Medida Provisória nº 808, de 14 de novembro de 2017, que alterou alguns dos dispositivos trazidos pela Reforma Trabalhista. No que tange aos artigos referentes ao trabalho intermitente, a Medida Provisória nº 808 de 2017 alterou o artigo 452-A, bem como alguns de seus parágrafos, revogou os parágrafos 4º, 5º e 8º e incluiu os parágrafos de 10 a 15. Além disso, foram acrescidos pela referida Medida Provisória os artigos 452-B ao 452-H. Conforme o inciso II do artigo 452-A, o contrato de trabalho intermitente conterá o valor da hora ou do dia do trabalho, não podendo este valor ser inferior ao valor do horário ou diário do salário mínimo e estando assegurada a remuneração do trabalho noturno superior ao diurno. Evidentemente, apesar de tal dispositivo falaciosamente tentar demonstrar o respeito ao direito fundamental ao salário mínimo, previsto no inciso VII do artigo 7º, da Constituição Federal, o referido inciso viola o mandamento constitucional, porquanto a incerteza de convocação e a instabilidade da remuneração, que podem, nem mesmo, garantir o valor mensal mínimo capaz de suprir as necessidades do trabalhador e de sua família. Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado reconhecem que: os novos preceitos jurídicos parecem querer criar um contrato de trabalho sem salário. Ou melhor, o salário poderá existir, ocasionalmente, se e quando o trabalhador for convocado para o trabalho, uma vez que ele terá o seu pagamento devido na estrita medida desse trabalho ocasional. (2017a, p,155).
Os parágrafos 1º e 2º do artigo 452-A da CLT dispõem que o empregador convocará o empregado para prestar serviços, por qualquer meio de comunicação eficaz e informando qual será a jornada, com pelo menos três dias corridos de antecedência, e o empregado, por sua vez, terá o prazo de vinte e quatro horas para responder ao chamado, sendo presumida a recusa no silêncio. Além disso, o parágrafo 3º do mesmo artigo determina que a recusa da oferta não descaracterizará a subordinação no contrato de trabalho intermitente. Quanto às parcelas recebidas pelo trabalhador intermitente, o parágrafo 6º do artigo 452A determinou que o empregado receberá de imediato sua remuneração, férias proporcionais com acréscimo de um terço, décimo terceiro salário proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais, havendo discriminação dos valores pagos relativos a cada parcela, conforme o parágrafo 7º do mesmo artigo. Ocorre que o legislador não se atentou para a realização dos cálculos das referidas verbas, como o valor recebido a título de décimo terceiro salário, tendo em vista que o trabalhador 231
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
intermitente poderá não ter salário em alguns dias e meses, diante da ausência de convocação e da inatividade, bem como o cálculo do repouso semanal remunerado, que poderá não ser efetivamente gozado, haja a vista a necessidade de trabalhar para obter o seu sustento. Tais empecilhos ao gozo efetivo de tais direitos, de certa forma, acabam por violar garantias constitucionais previstas no artigo 7º da Carta Magna. Os parágrafos 9º e 10º tratam das férias do trabalhador intermitente, prevendo que a cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze subsequentes, um mês de férias, no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador, e que o empregado poderá usufruir suas férias em até três períodos, mediante acordo prévio com seu empregador. Novamente, surgem dúvidas acerca de como será usufruído, de fato, tal garantia, visto que o legislador é omisso quanto a forma de cálculo do período aquisitivo das férias. Considerando que o trabalhador intermitente poderá não ser convocado até mesmo durante meses, seu direito a usufruir um mês de férias restará obstado, até que atinja os doze meses de período aquisitivo e enfim possa usufruir. Além disso, somada a dificuldade do cálculo do período aquisitivo, há ainda a determinação do gozo de férias sem o recebimento simultâneo da verba e de seu adicional, situação em que o empregado estará proibido de prestar serviços, neste período, ao mesmo empregador, bem como estará enfrentando dificuldades financeiras. Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado entendem que alternativa disposta não é viável do ponto de vista jurídico, pois “aparentemente, imagina a literalidade da lei que as férias podem ser gozadas sem o pagamento da remuneração e do terço constitucional, em manifesto descumprimento do disposto no art. 7º, XVII, da Constituição” (2017a, p. 157). Quanto ao parágrafo 12 do artigo 452-A, que possui conteúdo que antes da alteração pela Medida Provisória estava contido no caput do artigo 452-A, entendem D’Agnello e Finelli que a determinação de o salário devido ao trabalho intermitente não ser inferior ao valor horário ou diário do salário mínimo, bem como àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função, ocasiona apenas o impedimento da equiparação salarial, em razão da previsão de isonomia do trabalhador intermitente apenas aos que exerçam a mesma função no estabelecimento (2017, p. 379). O artigo 452-B, por sua vez, determina que é facultado às partes convencionar por meio do contrato os locais de prestação de serviços, os turnos para os quais o empregado será convocado, as formas e instrumentos de convocação e de resposta, bem como o formato de reparação recíproca na hipótese de cancelamento dos serviços previamente agendados. Diante deste artigo, tem-se que é possível haver uma desproporção, mediante imposição do empregador, nas formas de convocação e de resposta, de forma que o empregado, visando garantir uma fonte de sustento e de sua família, poderá submeter-se a abusos e consequentemente a violações, como ao seu direito a intimidade, ao descanso, e à desconexão. Além disso, a revogação do parágrafo 4º do artigo 452-A implicou no acréscimo deste artigo, onde havia anteriormente aplicação de multa de 50% ao empregado que aceitasse a oferta do empregador e posteriormente descumprisse sem motivo e que agora há liberdade para convencionar a reparação recíproca na hipótese de cancelamento dos serviços. Desse modo, novamente, o empregado acabará por sujeitar-se ao empregador, que diante de sua posição vantajosa na relação de emprego, poderá determinar um percentual de multa ainda maior do que previa o revogado parágrafo 4º do artigo 452-A, ocasionando evidente incompatibilidade com o princípio da proteção. No que se refere ao período de inatividade, o artigo 452-C dispõe que tal período se trata do intervalo temporal distinto daquele para o qual o empregado intermitente haja sido convocado e tenha prestado serviços. Além disso, conforme o parágrafo 1º deste artigo, durante o período de inatividade, o empregado poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviço, utilizando contrato de trabalho intermitente ou outra modalidade de contrato de trabalho. 232
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Por fim, prevê o parágrafo 2º deste artigo, de mesmo conteúdo do revogado parágrafo 5º do artigo 452-A, que o período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador e não será remunerado, hipótese em que restará descaracterizado o contrato de trabalho intermitente caso haja remuneração por tempo à disposição no período de inatividade. Apesar de alteração legislativa declarar expressamente que o período de inatividade não constitui tempo à disposição do empregador, a realidade fática encontrada nesta situação demonstra o inverso. O período em que o trabalhador intermitente aguarda a próxima convocação interfere diretamente nas possibilidades de haver outras contratações, sejam elas intermitentes ou não, pois o trabalhador, ao tentar garantir a provável remuneração do contrato firmado, prefere manter-se disponível para responder ao eventual chamado e evitar potencial despedida. Nesse sentido, entende Emmanuel Teófilo Furtado que: O argumento de que haveria benefício para o empregado pelo fato de ele poder conciliar dois ou mais empregos é frágil, pois embora formalmente possa recusar uma convocação patronal para determinada jornada, sem que fique descaracterizada a subordinação, na prática, num mercado de alto índice de desemprego, cada recusa é uma pá de areia que o obreiro cava para sua própria sepultura, qual seja, a despedida e o consequente desemprego, pela recusa de comparecimento na conveniência do patrão que o convocou (2017, p. 111).
Além disso, a constante espera por uma convocação e necessidade de o empregado se manter disponível para sua fonte de subsistência pode gerar danos à própria existência, bem como violar seu direito a ter uma vida digna, com qualidade de vida, e até mesmo de desconectar-se. O artigo 452-D, por sua vez, prevê que decorrido o prazo de um ano sem qualquer convocação do empregado pelo empregador, contado a partir da data da celebração do contrato, da última convocação ou do último dia de prestação de serviços, o que for mais recente, será considerado rescindido de pleno direito o contrato de trabalho intermitente. Dispõe o art. 452-E que ressalvadas as hipóteses de rescisão por justa causa e rescisão indireta, quando extinto o contrato de trabalho intermitente, serão devidas, pela metade, as verbas rescisórias de aviso prévio indenizado, bem como a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e serão devidas na integralidade as demais verbas, sendo permitida a movimentação da conta vinculada do trabalhador no FGTS, limitada a até oitenta por cento do valor dos depósitos e não sendo autorizado o ingresso do trabalhador intermitente no Programa de Seguro-Desemprego. O artigo 452-F determina que as verbas rescisórias e o aviso prévio, necessariamente indenizado, serão calculados com base na média dos valores recebidos pelo empregado no curso do contrato de trabalho intermitente, onde serão considerados apenas os meses durante os quais o empregado tenha recebido parcelas remuneratórias no intervalo dos últimos doze meses ou o período de vigência do contrato de trabalho intermitente, se este for inferior. Conforme o artigo 452-G, até 31 de dezembro de 2020, o empregado registrado por meio de contrato de trabalho por prazo indeterminado demitido não poderá prestar serviços para o mesmo empregador por meio de contrato de trabalho intermitente pelo prazo de dezoito meses, contado da data da demissão do empregado. E por fim, prevê o artigo 452-H que no contrato de trabalho intermitente, o empregador efetuará o recolhimento das contribuições previdenciárias próprias e do empregado e o depósito do FGTS com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações, observado o disposto no art. 911-A. Ocorre que assim como no cálculo das férias, o legislador não considerou a dificuldade de se promover a contagem do fator de tempo trabalhado, o que impactará negativamente na aposentadoria do trabalhador intermitente, demonstrando mais uma vez, que esta nova forma de contratação precariza as relações de trabalho e enfraquece a classe trabalhadora, em prol da obtenção desenfreada de lucros, mas sob um discurso de que tal alteração legislativa nos levará a modernização. 233
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
O modelo proposto pela Lei 13.467/2017, bem como da Medida Provisória nº 808/2017 desestruturam a arquitetura da relação de trabalho no Brasil, ao flexibilizar a definição prévia de jornadas concentradas, atenuar a fixação do empregado na empresa, criar no empregado a figura do trabalhador-objeto, totalmente descartável e que só é importante para a empresa quando lhe for útil (FURTADO, 2017, p. 114). 3. DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS: UMA GARANTIA DE TODOS? Os direitos fundamentais sociais, denominados direitos fundamentais de segunda dimensão, já contemplados de forma incipiente na Constituição de 1824, foram consolidados na Constituição de 1988, haja vista a retirada destes direitos da esfera de disponibilidade. Dessa forma, a instituição dos direitos fundamentais na Carta Magna permitiu que fossem asseguradas aos indivíduos prestações sociais por parte do Estado. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2015, p. 309). Os direitos fundamentais, sobretudo os sociais, instituídos na Constituição Federal de 1988, constituem-se a partir de elementos essenciais para a realização de uma justiça social, preservação dos interesses da pessoa e para garantir o mínimo necessário à vida digna do ser humano (SOARES, 2009, p. 28-30). Destarte, conforme Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado, os direitos trabalhistas se estruturam no plano constitucional reforçando a teoria dos direitos fundamentais a partir do sentido de dignidade (2017, p.30)368. Nas palavras dos referidos autores, Para se ter dignidade, não é preciso necessariamente se ter direitos positivados, haja vista ser a dignidade uma intrínseca condição humana. De toda forma, reconhece-se que o Estado, pela via normativa, desempenha função singular com vistas à proteção e manutenção da condição de dignidade do homem (p. 67).
O artigo 6º e o artigo 7º da Constituição Federal asseguram aos trabalhadores direitos fundamentais individuais e sociais, como direitos trabalhistas e previdenciários, onde são estabelecidos patamares mínimos civilizatórios, sobretudo no artigo 7º, pautado no sentido de garantia do direito fundamental ao trabalho digno. Conforme leciona Sarlet, De acordo com a vontade do constituinte originário, os direitos dos trabalhadores representam uma espécie do gênero direitos fundamentais consagrados no Título II da CF, sem prejuízo, por certo, de outros direitos dos trabalhadores, sejam eles decorrentes do regime e dos princípios constitucionais, sejam eles reconhecidos em tratados internacionais de direitos humanos (2017, p. 128).
O direito do trabalho corresponde ao direito a um trabalho minimamente protegido, com respeito à integridade física e moral do trabalhador, à contraprestação pecuniária mínima, pois, caso contrário, não haverá dignidade da pessoa humana (DELGADO; DELGADO, 2017b, p. 67). Assim, tais garantias constitucionais devem ser observadas na relação de trabalho e na gestão empresarial a fim de propiciar valorização ao trabalhador a partir de sua condição humana, e da mesma forma, é dever do Estado garantir que os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana sejam assegurados de forma universal. Entretanto, a partir da regulamentação do trabalho intermitente, mediante a Lei 13.467/2917, tem-se que tal alteração legislativa não busca potencializar e dar efetividade aos direitos garanti368
A respeito da dignidade da pessoa humana, Ingo Sarlet afirma que consiste na qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (2004, apud DELGADO, M.; DELGADO, G. 2017b, p. 66).
234
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
dos constitucionalmente. O que realmente ocorre é que a referida legislação infraconstitucional está a desvalorizar a pessoa do trabalhador bem como ceifar os preceitos constitucionais e o valor social do trabalho. Nessa senda, a determinação de que o valor da hora ou do dia de trabalho não poderá ser inferior ao valor horário ou diário do salário mínimo, sendo assegurada a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno torna-se ineficaz, pois o trabalho dispendido pelo trabalhador intermitente nem sempre lhe garantirá um valor mensal que respeite o valor do salário mínimo, dada a instabilidade de convocações e consequentemente da prestação de serviço. Maurício Godinho Delgado assevera que: O salário atende, como regra, a um essencial universo de necessidades pessoais do empregado e de seus familiares. Na verdade, ele surge, na sociedade contemporânea, como o primeiro e mais comum mecanismo de enfrentamento de carências básicas de um indivíduo e de seus familiares, como alimentação, habitação, vestuário, educação e saúde. (2002, p. 67, apud MUNIZ, 2010, p. 68).
Sendo assim, considerando que o salário do trabalhador é sua fonte de subsistência e de sua família, capaz de suprir necessidades vitais básicas como alimentação, moradia, educação, vestuário, saúde, lazer e outras, verifica-se que o comprometimento da forma de subsistência do trabalhador intermitente, ou seja, da remuneração mínima, frente, como já evidenciado, viola o inciso VII do artigo 7º da Constituição Federal, o qual protege o salário mínimo, bem como ocasiona violação aos direitos fundamentais sociais assegurados no artigo 6º da Carta Magna, sobretudo ao trabalho digno. Da mesma forma, tem-se que a regulamentação do trabalho intermitente traduz-se, potencialmente, na transgressão de outros direitos previstos no artigo 7º da Constituição Federal, em decorrência da impossibilidade de efetiva fruição dos direitos às férias, aos intervalos, ao repouso semanal remunerado, ao décimo terceiro salário, à duração de trabalho limitada e até mesmo da previdência social, assegurada no artigo 6º, bem como traduz-se em uma instabilidade fático-jurídica para proteção dessas garantias. Além disso, a proibição de ingresso do trabalhador no Programa de Seguro-Desemprego, em razão de desemprego involuntário, também viola o inciso II do artigo 7º. Ressalta-se que como dito anteriormente, o período de inatividade e que na realidade fática, é à disposição do empregador, pode gerar violação ao direito à desconexão, bem como a saúde do trabalhador, que se preocupará em estar constantemente disponível aos chamados do empregador, de modo a ocasionar dano existencial. Nessa lógica, não é possível admitir-se uma ausência de vinculação do legislador aos preceitos constitucionais impositivos em matéria de justiça social, pois assim, estar-se-ia chancelando uma fraude à Constituição (SARLET, 2017, p. 133), assim como não é possível admitir-se a ausência da eficácia vinculante na esfera privada, ou seja, no âmbito das relações privadas (MUNIZ, 2010, p. 175). Os direitos fundamentais possuem um conteúdo essencial mínimo, o qual é protegido de ingerências externas e que serve como garantia frente à atividade legislativa (SOARES, 2009, p. 32). Nesse contexto, não basta simplesmente dar-lhes positivação jurídica, mas sim torna-los efetivos (MUNIZ, 2010, p. 155). As alterações substanciais trazidas pela reforma trabalhista, aprovada pelo Estado, sem o devido debate democrático, sobretudo a regulamentação do trabalho intermitente, demonstram de forma clara a ocorrência da transgressão de direitos, subjugação dos limites que o legislador deve respeitar e a consequente transubstanciação do ilícito em lícito, de forma que os mandamentos constitucionais se aplicam a determinadas formas de labor, mas no que se refere aos trabalhadores intermitentes, tais mandamentos possuem sua eficácia limitada. Nas palavras de Villatore e Rau, “esta nova forma de trabalho é muito nebulosa quanto aos seus efeitos, mas é uma clara ‘coisificação’ do trabalhador, que passa a ser mero instrumento da consecução empresarial, ferramenta descartável do risco da atividade econômica” (2017, p. 157). 235
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
A regulamentação do trabalho intermitente proporcionou a objetificação do trabalhador, em um contexto de incessante e voraz busca pelo lucro, capaz até mesmo de criar uma relação de sujeição do trabalhador às condições precárias de trabalho, diante das dificuldades impostas pelo próprio empregador e por esta nova forma de labor. Dessa forma, são gerados empecilhos para a garantia efetiva e universal dos direitos fundamentais sociais garantidos constitucionalmente, de forma que direitos que deveriam ser assegurados a todos tornam-se privilégios de apenas determinadas classes. 4. O TRABALHO INTERMITENTE E A (DES)VALORIZAÇÃO DO PLENO EMPREGO. O SOFISMA DA REFORMA TRABALHISTA “Que alguns silogismos o são realmente, enquanto outros parecem ser, mas não são realmente, é evidente, pois como isso sucede em outros domínios por força de uma certa semelhança entre o verdadeiro e o falso, o mesmo também sucede com os argumentos” (ARISTÓTELES, 2010, p.545). Segundo o dicionário Priberam da Língua Portuguesa, a palavra sofisma significa argumento capcioso com que se pretende enganar ou fazer calar o adversário, ou seja, significa argumento ardiloso, capaz de induzir o outro ao erro. Trata-se de uma conclusão falsa, que aparenta ser correta de forma a confundir o interlocutor, é uma falácia. A palavra sofisma também era tratada por Aristóteles por refutações sofísticas ou por silogismos aparentes, tendo em vista as críticas perpetradas por ele aos sofistas. Para Aristóteles, “a arte do sofista consiste na sabedoria aparente e não na real”, pois para os sofistas, é “essencial exercer a função de sábio, em lugar de realmente exercê-la, sem parecer que o fazem”, tendo em vista que “aqueles que não são hábeis na manipulação das pequenas pedras de cômputo são ludibriados pelos experientes” (2010, p.546-547). É nesse contexto que se insere a reforma trabalhista, implementada pela Lei 13.467/2017 e as alterações promovidas pela Medida Provisória nº 808/2017, visto que a referida lei foi aprovada sem o devido debate democrático, acarretando alterações legislativas substanciais, através de argumentos ardilosos e falsos, de falácias, de sofismas articulados por intelectuais persuasivos que detém o poder e conhecimento, para a consolidação de um capitalismo sem peias e para a transgressão de direitos sociais, sobretudo os trabalhistas. A referida alteração legislativa, com a regulamentação do trabalho intermitente, bem como de outras formas de trabalho que contrariam preceitos constitucionais, acaba por precarizar as relações e condições de trabalho, mediante a flexibilização extrema de direitos e através da desvalorização do pleno emprego e do trabalhador. No que se refere à flexibilização trabalhista, Maurício Godinho Delgado afirma que se trata de, Possibilidade jurídica, estipulada por norma estatal ou por norma coletiva negociada, de atenuação da força imperativa das normas componentes do Direito do Trabalho, de modo a mitigar a amplitude de seus comandos e/ou os parâmetros próprios para a sua incidência. Ou seja, trata-se da diminuição da imperatividade das normas justrabalhistas ou da amplitude de seus efeitos, em conformidade com autorização fixada por norma heterônoma estatal ou por norma coletiva negociada (DELGADO, 2016, p. 67).
Sérgio Pinto Martins entende por precarização do trabalho o trabalho incerto, instável e indefinido, bem como a regulamentação insuficiente do trabalho ou a ausência de regulamentação, ficando o trabalhador marginalizado e sujeito à lei do mercado. Já por flexibilização do trabalho, entende o autor que se trata de alterações das normas trabalhistas e a diminuição da intervenção do Estado, para a sobrevivência da empresa, porém garantindo a manutenção de um nível mínimo de legislação, com garantias básicas ao trabalhador (2009, p. 14-15 e 40). Ocorre que a alteração da legislação trabalhista, com a regulamentação do trabalho intermitente, permite uma flexibilização extrema das condições do trabalho, nas relações de trabalho e de direitos considerados indisponíveis pelo texto constitucional, assim como permite a existência de precarização, o que coisifica o trabalhador e o desvaloriza. 236
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Dessa forma, a flexibilização exagerada atribuída à remuneração do trabalhador intermitente, como já tratado, acaba por violar a proteção assegurada constitucionalmente ao salário mínimo mensal, não podendo o empregador transferir os riscos do empreendimento ao empregado, que receberá sua remuneração esporadicamente, em razão da instabilidade das convocações. Igualmente, há violação de direitos trabalhistas assegurados constitucionalmente, diante da flexibilização exacerbada aplicada às jornadas de trabalho do trabalhador intermitente, à concessão dos intervalos e do repouso semanal remunerado, assim como das férias, que acabam gerando um desgaste físico e mental do trabalhador, obrigado a trabalhar em condições precárias decorrentes de tais violações. Maurício Godinho Delgado pondera ainda que: A desregulamentação trabalhista consiste na retirada, por lei, do manto normativo trabalhista clássico sobre determinada relação socioeconômica ou segmento das relações de trabalho, de maneira a permitir o império de outro tipo de regência normativa. [...] A desregulamentação (ou desregulação) trabalhista ocorre, regra geral, por meio de iniciativas legais, que abrem exceção ao império genérico da normatização trabalhista clássica (2016, p. 69).
Nessa senda, é possível ainda que se contemple, além da flexibilização exacerbada e da precarização trabalhista, a incidência de uma desregulação normatizada através da figura do trabalho intermitente. Diante da ausência de garantia de salário e da prestação de serviços, o trabalhador intermitente, da mesma forma que pode encontrar-se inseguro para firmar outros contratos e garantir sua forma de subsistência e de sua família, pode encontrar-se também em uma situação de urgência e desespero, frente a necessidade de sujeitar-se a condições precárias de trabalho e até mesmo a labores extraordinários, a fim de garantir sua remuneração, o que, evidentemente, gera dano à saúde do trabalhador e viola, mais uma vez, o disposto no artigo 6º e 7º da Constituição Federal. O trabalho intermitente traz evidente impedimento à efetivação dos direitos assegurados constitucionalmente ao trabalhador intermitente, como a dificuldade para o que se complete o período concessivo das féria, assim como seu efetivo gozo e o recebimento simultâneo da remuneração e do adicional de um terço, a concessão de intervalos, a limitação da duração de jornada, o fator temporal atribuído ao recolhimento das contribuições previdenciárias, bem como o seu direito à desconexão, frente ao período à disposição do empregador, havendo a caracterização óbvia da precarização trabalhista e da violação à mandamentos constitucionais. Em face das imposições do empregador ao trabalhador intermitente, proporcionadas pela reforma trabalhista, o trabalhador sujeita-se a elas, diante de sua necessidade de prover seu sustento e de sua família. Entretanto, como pondera Mirella Muniz, A necessidade não pode tornar o trabalhador um objeto, ele tem de ser reconhecido como o sujeito da relação de trabalho. Ele não é “coisa”, tampouco uma máquina que vende sua força de trabalho, mas um indivíduo dotado de poder criativo, vontade, sentimento, imaginação preocupações, necessidades, objetivos, história e valores pessoais (2010, p. 126).
O pleno emprego constitui-se como instrumento assecuratório de certo patamar de garantias ao ser humano, de afirmação da democracia na vida social e no mais importante veículo de afirmação socioeconômica da grande maioria dos indivíduos da sociedade capitalista, onde a sua manutenção inviabiliza a conservação do império do mercado econômico estruturado pelo pensamento neoliberal (DELGADO, 2015, p. 31-33). Logo, a transformação da legislação trabalhista, sobretudo a regulamentação do trabalho intermitente, agride de forma direta a matriz cultural afirmativa do valor trabalho/emprego e consequentemente impede o suporte para condições mais igualitárias nas relações trabalhistas, dado através do valor social do trabalho e do pleno emprego, de forma a desvalorizar o trabalho regulado e protegido constitucionalmente. 237
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Pondera Emmanuel Téofilo Furtado que se o primado é o da relação de emprego, para haja manutenção e melhoria da condição social dos trabalhadores, de modo a favorecer o desenvolvimento econômico socialmente sustentável, não é possível conceber que a intermitência seja posta em paralelo com a relação de emprego (2017, p. 111). O trabalho intermitente, além de gerar a precarização do trabalho e das condições de trabalho, gera concorrência entre os trabalhadores e ainda dumping social, através do descumprimento de direitos trabalhistas em busca da redução dos custos de produção e do incentivo dado pela Lei 13.467/2017, no que se refere a tornar condutas ilícitas praticadas pelo empregador em lícitas. A implementação da reforma trabalhista e da falaciosa modernização ocorreu às custas da precarização e da flexibilização extremada do trabalho e emprego, visando a redução de garantias e de direitos conquistados ao longo de séculos, sobretudo no trabalhado intermitente, o que gera danos à pessoa do trabalhador. A eliminação da insegurança jurídica não ocorrerá, mas ao reverso, vai ao chão a malha protetiva do obreiro; geração de empregos é ilusão, pois o que gera emprego é o crescimento econômico e o que foi posto nada mais restou que a normatização da precarização do emprego (FURTADO, 2017, p. 110).369 Conforme Ingo Wolfgang Sarlet, A doutrina especializada tem sustentado o ponto de vista de que sobre qualquer medida que venha a provocar alguma diminuição nos níveis de proteção (efetividade) dos direitos socioambientais recai a suspeição de sua ilegitimidade jurídica, portanto, na gramática do Estado Constitucional, de sua inconstitucionalidade, acionando assim um dever no sentido de submeter tais medidas a um rigoroso controle de constitucionalidade, em que assumem importância os critérios da proporcionalidade, da razoabilidade e do núcleo essencial dos direitos sociais, sem prejuízo de outros critérios, como é o da segurança jurídica e dos seus respectivos desdobramentos (2017, p. 134).
Dessa forma, o sofisma da reforma trabalhista, assim como do trabalho intermitente, violam expressamente garantias protegidas constitucionalmente, bem como afrontam princípios e normas que orientam o Direito do Trabalho, o que traduz uma clara situação de inconstitucionalidade, a qual deve ser sanada através de intervenções judiciais que declararem tais alterações legislativas inconstitucionais as retirem do ordenamento jurídico pátrio, restaurando a situação de segurança jurídica, de proteção ao valor do trabalho/emprego, sobretudo do pleno emprego, à pessoa do trabalhador e à sua dignidade. 5. O TRABALHO INTERMITENTE E O DANO EXISTENCIAL Em face das violações aos direitos fundamentais sociais previstos nos artigos 6º e 7º da Constituição Federal, bem como a outras garantias contidas em nosso ordenamento jurídico pátrio, em decorrência da implementação do trabalho intermitente, tem-se que a consequência de tal afronta é a ocorrência de danos à pessoa do trabalhador, sobretudo o dano existencial, visto que o trabalhador, em razão das dificuldades vivenciadas, sujeita-se a condições precárias de trabalho para garantir de forma muito embaraçosa uma remuneração, ainda que instável, e a possibilidade de gozar, de forma insatisfatória alguns de seus direitos garantidos, afetando dessa forma até mesmo sua existência. Dessa forma, uma vez ocasionado dano existencial ao trabalhador intermitente, haverá necessidade de imputação de responsabilidade e consequente reparação do dano, através da fixação de indenização em ação judicial. 369
Nesse sentido, Souto Maior entende que não se pode querer adaptar os princípios e objetivos do Direito do Trabalho aos desajustes econômicos, de modo a corroborar a vontade do setor empresarial de reduzir seus custos por meio da diminuição de direitos dos empregados, ou, validar, juridicamente, de forma generalizada, o subemprego, na ilusão de que se esteja, com isso ampliando o acesso de mais trabalhadores ao mercado de trabalho (2017, apud FURTADO, 2017, p. 110).
238
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
O dano existencial foi reconhecido, primeiramente, no direito italiano, sendo enquadrado, inicialmente, como dano extrapatrimonial, o qual estava positivado no artigo 2.059 do Código Civil italiano, como responsabilidade civil por danos extrapatrimoniais. Em seguida, a jurisprudência italiana enquadrou o dano extrapatrimonial como dano à vida de relação, em 1950, e posteriormente, como dano biológico, em 1970, os quais amoldavam-se em violações aos direitos de personalidade e à saúde, ligados à integridade física e moral, bem como à dignidade da pessoa humana. Por fim, originou-se uma nova categoria de dano: o dano existencial, o qual supria a insuficiência de proteção proporcionada pelas categorias anteriores. Dessa forma, o Tribunal de Milão reconheceu a existência do dano existencial, bem como o definiu em decisão proferida em 1999, afirmando que o dano existencial se trata de: Alteração do bem-estar psicofísico e do ritmo da pessoa, que se reflete sobre a tranquilidade pessoal do sujeito lesado, alterando as atividades cotidianas e provocando um estado de mal-estar difuso, que por não ser uma verdadeira e própria doença, gera ânsia, irritação, dificuldade de fazer frente às normais ocupações, etc.” (SOARES, 2009, p. 44).
Os conceitos de dano existencial são bem variados, entretanto, estão sempre relacionados a alterações substanciais na vida cotidiana da pessoa lesada, de forma que haja afetação de sua própria existência. Para Flaviana Rampazzo Soares, o dano existencial consiste na desordem transitória ou permanente nos hábitos da vítima, decorrente do evento lesivo. Trata-se de alteração negativa das normais atividades do indivíduo, como o repouso, o relaxamento, a atividade de trabalho, mesmo o domiciliar, as relações de estudo, as relações sociais, familiares, afetivas, culturais, artísticas, ecológicas, incidindo prejudicialmente sobre o complexo de afazeres da pessoa, sua vida de relação, sua qualidade de vida, seu bem-estar psicofísico, seus projetos de vida, e sua plena existência (2009, p. 43-44). Nas palavras da referida autora, “o dano existencial é a lesão ao complexo de relações que auxiliam no desenvolvimento normal da personalidade do sujeito, abrangendo a ordem pessoal ou a ordem social”, é uma afetação em que, em razão do evento lesivo, o indivíduo precisou modificar a forma de realização normal de atividade de seu cotidiano, até mesmo precisou suprimi-la de sua rotina, ou desenvolveu impedimentos às atividades que poderiam ser realizadas, havendo alteração relevante em sua qualidade de vida. (SOARES, 2009, p.44). Flaviana Rampazzo Soares descreve ainda o dano existencial como “os sacrifícios, as renúncias, a abnegação, a clausura, o exílio, o prejuízo do cotidiano, uma interação menos rica do lesado com as outras pessoas” (2009, p. 47). Destarte, os direitos tutelados na Constituição Federal, em especial no artigo 6º e 7º da Carta Magna, identificam-se com os objetos lesados pelo dano existencial. Assim, a manutenção da integridade física da pessoa, de sua saúde, alimentação, moradia, lazer, segurança, de uma vida digna, assim como a manutenção de direitos trabalhistas como limitação de jornada, de respeito ao salário mínimo, às férias, aos intervalos, ao décimo terceiro salário, de desconectar-se do trabalho, entre outros, impede a ocorrência de lesão à existência do trabalhador. Logo, a violação de direitos fundamentais pressupõe a violação da dignidade da pessoa humana, o que afeta significamente sua existência, caracterizando desta forma o dano existencial. O trabalho intermitente, ao permitir que o trabalhador tenha uma remuneração instável e que esta remuneração até mesmo não exista, dada a inexistência de demanda e consequente inexistência de convocação, permite que haja alterações negativas na vida cotidiana do trabalhador, de forma que interfira em sua qualidade de vida, em sua alimentação, moradia, saúde, lazer, em seus projetos de vida, em seus hábitos, em sua vida cotidiana e até mesmo em suas relações sociais, familiares, em seu bem-estar psicofísico e em sua existência, caracterizando, por conseguinte, o dano existencial. Da mesma forma ocorre com a violação à proteção constitucional dada a jornada de trabalho limitada. O trabalhador intermitente, diante da necessidade e das dificuldades financeiras, pode submeter-se a labores extraordinários, bem como a outras condições precárias de trabalho, 239
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
como a estadia incessante à disposição do empregador para eventual convocação, justificados pela busca de uma remuneração digna e capaz de suprir suas necessidades e de sua família. Neste caso, há novamente a caracterização de dano existencial, decorrente da violação dos direitos tutelados pela Constituição Federal, e que são os objetos lesados pelo referido dano, havendo interferências negativas na existência do trabalhador. Quanto a impossibilidade do gozo efetivo de férias, intervalos, e do fator temporal para a aposentadoria do trabalhador intermitente, há novamente violação de direitos fundamentais, a impedir o descanso do trabalhador intermitente, seu direito à desconexão, sua saúde e integridade física, seu bem-estar psicofísico, seu lazer, seus planos e projetos de vida, sua qualidade de vida e sua plena existência, o que ocasiona, mais uma vez o dano existencial. Ressalta-se ainda a possibilidade de imposição de multa ao trabalhador pela desistência da prestação após ter respondido ao chamado do empregador, o que afronta diretamente o princípio da proteção, bem como gera danos materiais e extrapatrimoniais, podendo afetar até mesmo a plena existência e a vida digna do trabalhador intermitente. A Constituição Federal de 1988 trata dos danos extrapatrimoniais como sinônimo de danos morais, em seu artigo 5º, inciso V. A reforma trabalhista, por sua vez, introduziu em nosso ordenamento jurídico Título II-A e o artigo 223-B, o qual prevê o dano extrapatrimonial causado por ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, que merecem reparação. Nesse sentido, tem-se que haverá maiores possibilidades de fixação de indenização por dano existencial, haja vista o referido artigo ter feito menção a lesão que ofenda a esfera existencial. Não obstante a reforma trabalhista ter legitimado condutas que eram consideras ilícitas e que violam mandamentos constitucionais, “a injustiça do dano e os valores constitucionais são elementos suficientes para identificar os danos merecedores de tutela reparatória, ainda que provocados no exercício de atividade legítima, mas com consequências injustas” (SOARES, 2009, p. 85). Sendo assim, as disposições implementadas pela reforma trabalhista, sobretudo o trabalho intermitente, sob uma justificativa falaciosa de modernização, aumento de empregos e incremento da produtividade, na realidade, fortaleceu o capitalismo sem limites, de modo que passou a permitir o descumprimento de normas trabalhistas essenciais para a manutenção da dignidade do trabalhador sem a devida responsabilização, tendo em vista que tais condutas tornaram-se lícitas. Ressaltam D’Angelo e Finelli que especialmente o trabalho intermitente, mas também as outras novas formas de trabalho, revelam a transubstanciação do perfil do trabalhador contemporâneo, para que ele se ajuste às exigências do mercado, tornando mais importante para o trabalhador ser empregável do que empregado em si e prover-se de conhecimentos e habilidades que o tornem mais atraente para o mercado de trabalho, dentro ou fora do emprego e da empresa, de modo que o que antes era lícito agora é o legalmente protegido e desejado (2017, p. 382). Logo, a “coisificação” do trabalhador, para adaptação às crises do mercado, foi ocasionada através da retirada e da lesão a seus direitos fundamentais garantidos constitucionalmente, de forma a desvalorizar a pessoa do trabalhador intermitente ocasionar dano à sua existência. 6. CONCLUSÃO Em face do exposto no presente artigo, restou evidente que a introdução do trabalho intermitente ao ordenamento jurídico brasileiro ocasionou a violação de direitos assegurados na Constituição Federal de 1988, assim como a precarização do trabalho e das condições de trabalho, sob os fundamentos falaciosos de modernização trazidos pela Lei n. 13.467/2017 e pela Medida Provisória nº 808/2017, de forma que o trabalhador intermitente passa a sujeitar-se a estas condições em troca de sua subsistência e de sua família. As modificações proporcionadas por esta nova forma de labor fizeram com que direitos conquistados se tornassem restritos, de forma a impedir a efetiva fruição destes direitos pelos trabalhadores e a ocasionar danos, sobretudo o dano existencial. 240
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
O pleno emprego, contemplado como a melhor forma de afirmação social e de garantia de justiça social tornou-se desvalorizado em razão da implementação de um capitalismo sem reciprocidade, através da aprovação da reforma trabalhista e consequentemente do trabalho intermitente. Sendo assim, diante das transgressões ocasionadas por esta nova forma de trabalho, temse que a alternativa viável para o impedimento da retirada dos direitos fundamentais sociais, principalmente os trabalhistas, é a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos concernentes ao trabalho intermitente, que consequentemente assegurará a devida proteção ao fundamento basilar de nosso texto constitucional: a dignidade da pessoa humana. REFERÊNCIAL TEÓRICO ARISTÓTELES. Órganon. 2. Ed. São Paulo: Edipro, 2010. ALMEIDA, Almiro Eduardo de; SEVERO, Valdete Souto. Direito à desconexão nas relações sociais de trabalho. 2. Ed. São Paulo: LTr, 2016. D’ANGELO, Isabele Bandeira de Moraes; FINELLI, Lília Carvalho. A captura da crítica social, a transubstanciação do ilícito trabalhista e as novas formas de trabalho legitimadas pela reforma trabalhista: o efeito backlash. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Cláudio Jannotti da. Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhista e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017; DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil. São Paulo: LTr, 2017; DELGADO, Maurício Godinho; Delgado, Gabriela Neves. A constituição da república e direitos fundamentais. 4. Ed. São Paulo: LTr. DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego. 2. Ed. São Paulo: LTr, 2015; DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15. Ed. São Paulo: LTr, 2016; http://www. leadercard.com.br/solicitacao-de-senha/#carousel-interno. FURTADO, Emmanuel Teófilo. A reforma trabalhista e o trabalho intermitente – o tiro de misericórdia na classe trabalhadora. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; TREVISO, Marco Aurélio Marsiglia; FONTES, Saulo Tarsício de Carvalho. Reforma trabalhista, visão, compreensão e crítica. São Paulo: LTr, 2017. MUNIZ, Mirella Karen de Carvalho Bifano. O direito fundamental ao salário mínimo digno. São Paulo: LTr, 2010. PORTO, Noemia. Dano extrapatrimonial: análise sobre o alcance dos direitos fundamentais. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; TREVISO, Marco Aurélio Marsiglia; FONTES, Saulo Tarsício de Carvalho. Reforma trabalhista, visão, compreensão e crítica. São Paulo: LTr, 2017. SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 4. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2015. SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos dos trabalhadores como direitos fundamentais e sua proteção na constituição federal brasileira de 1988. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Cláudio Jannotti da. Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhista e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 40. Ed. São Paulo: Malheiros, 2017. SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. VILLATORE, Marco Antônio César; RAU, Lucas Moraes. A reforma trabalhista e a falácia das garantias. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Cláudio Jannotti da. Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhista e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017. 241
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Clรกudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
242
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
O MEIO AMBIENTE DE TRABALHO E A REFORMA TRABALHISTA: Os efeitos transindividuais da higienização do uniforme pelo trabalhador THE WORKING ENVIRONMENT AND THE LABOR REFORM: The transindividual effects of the uniform’s hygiene on the worker Francisco Matheus Alves Melo370 Carlos Ioney Carneiro Melo371 RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar os impactos na coletividade diante da Lei n. 13.467/17, que transferiu para o trabalhador a responsabilidade de higienizar os seus uniformes. O objetivo desta pesquisa é analisar o meio ambiente laboral de forma gestáltica, como um todo complexo e indissociável, que engloba o trabalhador, a coletividade à sua volta e até as gerações futuras, tendo como marco teórico as obras de Ney Maranhão e Raimundo Simão de Melo. Assim, este trabalho científico adotará o método dedutivo, por meio de pesquisa bibliográfica e legislativa no âmbito nacional, buscando demonstrar a necessidade de se observar o meio ambiente equilibrado, não apenas em relação ao trabalhador, como também para os que o cercam. O resultado esperado é demonstrar que o meio ambiente do trabalho é um patrimônio comum da humanidade e um bem público mundial, que contribui para a sadia qualidade de vida dos seres humanos. Portanto, deve-se buscar o desenvolvimento sustentável, em consonância com os princípios da prevenção e precaução, capaz de propiciar a dignificação e bem-estar do obreiro e de toda a coletividade. PALAVRAS-CHAVES: Meio ambiente laboral. Direitos transindividuais. Reforma trabalhista. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Meio ambiente do trabalho; 2.1. O direito fundamental ao meio ambiente; 2.2. Conceito de meio ambiente do trabalho; 3. Natureza gestáltica do direito ambiental do trabalho; 4. A higienização do uniforme pelo trabalhador sob a perspectiva gestáltica do meio ambiente do trabalho; 5. Conclusão; 6. Referências bibliográficas. ABSTRACT: This articles aims to analyze the impacts into the collectivity caused by the law 13.467/17, that transferred to the workers the responsibility to hygiene their uniforms. This research intents to analyze the labor environment in a gestaltic way, as a complex and inseparable wholesome, that includes the worker, collectivity around him and future generations, based on the theoretical framework of Ney Maranhão and Raimundo Simão de Melo. So, this paper will adopt a deductive method through a bibliographical and legislative research intended to demonstrate the necessity to observe the balanced environment not only to the worker, but everyone surround him. The result expected is to demonstrate the labor environment as a common property of humankind and a public global good, that contributes for the healthy quality of life for all human beings. Therefore, it must search for a sustainable development, in line with prevention and precaution principles, to be able to promote dignity and wellbeing to worker and the collectivity. KEYWORDS: Labor enviroment. Transindividual rights. Labor law reform. SUMMARY: 1. Introduction; 2. Work environment; 2.1. The fundamental right to the environment; 2.2. Concept of work environment; 3. Gestalt nature of environmental labor law; 370
Francisco Matheus Alves Melo é Mestrando em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF). Pós-graduado em Direito Material e Processual do Trabalho pela Faculdade Entre Rios do Piauí (FAERPI). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Advogado. email: matheus.melo.mestrado@gmail.com. 371 Carlos Ioney Carneiro Melo é Mestrando em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Público. Graduado em Direito, com ênfase em Direito do Trabalho. Assessor Jurídico de Gabinete de Subprocurador-Geral do Trabalho - Ministério Público do Trabalho. Professor convidado em Direito Constitucional do Trabalho. email: carlosioney@gmail.com.
243
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
4. The hygienization of the uniform by the worker under the Gestalt perspective of the work environment; 5. Conclusion; 6. References. 1. INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo analisar os impactos causados na coletividade em virtude de a Lei n. 13.467/17 transferir para o trabalhador a responsabilidade de higienizar os seus uniformes. Neste sentido, o objetivo desta pesquisa é analisar o meio ambiente laboral de forma gestáltica, como um todo complexo e indissociável, que engloba o trabalhador, a coletividade à sua volta e até as gerações futuras, tendo como marco teórico as obras de Ney Maranhão e Raimundo Simão de Melo. Assim, este trabalho científico adotará o método dedutivo, por meio de pesquisa bibliográfica e legislativa no âmbito nacional, buscando demonstrar a necessidade de se observar o trabalho digno, protegido por normas legais, constitucionais e tratados internacionais ratificados pelo Brasil -, não apenas em relação ao trabalhador, como também para aqueles que o cercam. O resultado esperado é demonstrar que o meio ambiente do trabalho é um patrimônio comum da humanidade e um bem público mundial, que contribui para a sadia qualidade de vida dos seres humanos. Portanto, deve-se buscar o desenvolvimento sustentável, em consonância com os princípios da prevenção e precaução, capaz de propiciar a dignificação e bem-estar do obreiro e de toda a coletividade, inclusive no caso da higienização do uniforme pelo trabalhador. 2. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO A noção de meio ambiente não se encontra restrita aos seus aspectos naturais, bióticos e abióticos. Nesse sentido, para compreender o meio ambiente do trabalho como uma das perspectivas que formam o todo do meio ambiente, deve-se adentrar na sua visão global. Assim, para que se possa compreender o sentido de meio ambiente do trabalho, faz-se necessário conceituar o sentido amplo do direito fundamental ao meio ambiente. Para, então, identificar o ambiente laboral e caracterizar suas relações com os demais sentidos de meio ambiente. 2.1 O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE Os direitos humanos são aqueles imprescindíveis para a concretização da dignidade humana. Eles são fruto de um processo histórico marcado por lutas da humanidade, sendo concebidos em diferentes momentos histórico-sociais. O traço da historicidade realça a sua característica expansiva. Isto é, existe a tendência de que à medida que os direitos fundamentais são reconhecidos, novos direitos surjam e ampliem a proteção à pessoa. Neste sentido, Sarlet372 leciona que a dignidade da pessoa humana, como um conceito vago e aberto, em constante evolução, deve ser capaz de englobar a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano. Embora não seja possível uma conceituação precisa, há um núcleo essencial que abrange duas dimensões. Uma defensiva e limitadora da atuação do Estado, garantindo proteção contra atos degradantes e desumanos. De outra banda, temos uma dimensão prestacional, a qual exige a garantia do mínimo existencial para o bem-estar físico, mental e social e da busca pela felicidade. Conforme as lições de Bonavides373, no processo evolutivo dos direitos humanos e da compreensão do que configuraria uma vida digna, após as dimensões de direitos individuais e sociais, advieram direitos difusos de terceira dimensão. Consistem em direitos voltados à coletividade, ou seja, que ultrapassam o interesse do indivíduo. Cabe destacar, entre eles, o direito universal ao meio ambiente equilibrado, matéria do direito ambiental. 372
SARLET, Ingo Sarlet. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 7ª ed. rev. e atual. Rio Grande do Sul: Livraria do Advogado, 2009, p. 67. 373 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 581-586.
244
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Tal ramo do direito disciplina o impacto da atividade humana efetiva ou potencial no meio ambiente. Ademais, tem como objetivo defender, melhorar e preservar o meio ambiente, de modo a garantir a qualidade de vida da coletividade para as gerações presentes e futuras. Não faz parte do seu escopo questões da natureza sem a interferência do homem. É oportuno mencionar que o direito ambiental é um ramo recente dentro da ciência jurídica. Apenas após superar as fases individualista e fragmentária, na década de 1980, este campo da ciência jurídica alcançou autonomia ao ser visto de forma holística. Isto ocorreu quando o meio ambiente passou a ser entendido como um todo integrado. A partir do momento em que a sociedade passa a tomar consciência das consequências da degradação ambiental, passa-se a buscar um desenvolvimento sustentável. Há, a partir de então, uma preocupação generalizada sobre a necessidade de preservar a natureza, como meio de promoção dos direitos sociais do homem374. Hodiernamente, entende-se que o meio ambiente é o lugar onde se manifesta a vida – o que inclui, tanto os seres vivos, quanto os elementos não vivos que contribuem para que a vida ocorra –, levando em consideração, ainda, aspectos de ordem cultural, econômica, política e social. No mesmo diapasão, o meio ambiente não se restringe aos recursos da natureza, podendo-se falar também em meio ambiente artificial, laboral e cultural. No ordenamento jurídico pátrio, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, consagrou, de forma inovadora, que todos têm direito ao meio ambiente equilibrado. Embora a Lei Maior não tenha definido de forma precisa, estabeleceu tal direito fundamental por meio de conceito aberto. Inclusive, acrescentando uma nova dimensão (social), ao considerá-lo como direito de todos e bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida. No cenário internacional, a Declaração Universal do Meio Ambiente de Estocolmo em 1972 já previa como princípio que o meio ambiente equilibrado é um direito fundamental para alcançar uma vida digna e permitir o desfrute de condições de vida adequadas. Por conseguinte, todos têm a obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. Cabe destacar que as proteções constitucionais e internacionais adotam a visão antropocentrista alargada. Isto significa que se tem o ser humano como destinatário dos recursos naturais, sem olvidar da interdependência da natureza. Deve, assim, ser protegido o meio ambiente apenas por meio de medidas voltadas ao interesse humano. Neste sentido, Maranhão375 entende que a relação entre o homem e a natureza deve ser pautada no antropocentrismo solidário. O homem não tem apenas direitos e poderes perante o meio ambiente, o qual não está restrito a uma visão utilitarista dos benefícios que pode trazer ao homem. Este também possui deveres éticos de cuidar com respeito, bem como proteger tudo que o cerca, já que a natureza não tem como fazê-lo por conta própria. O mesmo autor376 destaca, ainda, que as noções jurídicas sobre o meio ambiente são fruto de uma construção cultural, assim como o próprio Direito. Logo, a sua compreensão é sensível às percepções e necessidades da sociedade de determinado período. Hoje, portanto, meio ambiente não pode mais ser restrito à natureza, englobando componentes culturais e sociais (socioesfera). Ou seja, o homem não é apenas agente externo, mas integrante do meio ambiente. Daí se pode falar em meio ambiente artificial, cultural e laboral, além da dimensão ambiental natural377. As duas primeiras vertentes do meio ambiente tratam, respectivamente, da 374
BARROS, Marina Dorileo; SILVEIRA, Paula Galbiatti; DINIZ, Bismarck Duarte. Trabalho decente atrelado à preservação ambiental: análise do programa empregos verdes. Veredas do Direito, v. 13, n. 25, jan./abr. 2016, p. 202. 375 MARANHÃO, Ney. Poluição Labor-ambiental: abordagem conceitual da degradação das condições de trabalho, da organização do trabalho e das relações interpessoais travadas no contexto laborativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 18-23. 376 MARANHÃO, Ney. Op. cit. p. 35-41. 377 Ney Maranhão (Op. cit., p. 43) esclarece que as quatro dimensões ambientais são apenas destaques da mesma realidade, os quais se relacionam. Não podem ser vistos de forma estanque e autônoma. Apenas facilitam o encontro do ponto de equilíbrio do meio ambiente.
245
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
intervenção do homem no espaço urbano habitável e da história, formação e cultura de uma sociedade378. Já o meio ambiente do trabalho será abordado de forma mais aprofundada no item seguinte, por ser o objeto de estudo desta pesquisa. 2.2 CONCEITO DE MEIO AMBIENTE DO TRABALHO Costa, Gonçalves e Almeida379 apontam justamente para a árdua tarefa de conceituar o meio ambiente do trabalho. Eles entendem que a cada dia se fazem necessários novos contornos para concretizar um meio ambiente do trabalho equilibrado diante da diversificação das formas de prestação de serviço. Como visto acima, o meio ambiente do trabalho, considerado uma extensão do conceito de meio ambiente artificial. Em um primeiro momento, na visão atual, podemos defini-lo como o conjunto de fatores que se relacionam às condições do ambiente laboral, como o local de trabalho, as ferramentas, as máquinas, os agentes químicos, biológicos e físicos, as operações, os processos e a relação entre o trabalhador e o meio físico e psicológico. Os primeiros estudos sobre adoecimento laboral datam do século IV a.C. Todavia, a sua cientificidade decorre ocorreu quando o meio ambiente do trabalho passou a ser estudado por diversas áreas de conhecimento com a degradação da natureza e do ser humano provocada pela Revolução Industrial380. Este processo se deu já em meados do século XVIII, quando os trabalhadores tomaram consciência de que são necessários para o processo produtivo. Nesse sentido, eles se organizaram para a defesa de melhores condições de trabalho. Tais movimentos fizeram pressão social por mudanças nos ambientes de trabalho, eclodindo nas primeiras legislações sobre higiene e segurança do trabalho381-382. Assim, pode-se dizer que a conscientização dos efeitos deletérios do meio ambiente do trabalho adveio no período da Revolução Industrial, tendo em vista as condições de trabalho nas fábricas383. Hoje, o meio ambiente do trabalho é um princípio fundamental com previsão constitucional, conforme os arts. 200, VIII, e 225, caput, da Constituição Federal de 1988. Ademais, “ele está claramente vinculado à promoção de condições de vida dignas para o trabalhador, que deve ser resguardado no exercício de sua atividade laboral”384-385. Portanto, pode-se dizer que o meio ambiente do trabalho consiste em uma das modalidades de meio ambiente. Trata-se de meio artificial, ou seja, criado pelo homem, relacionado com o de378
MELO, Raimundo Simão de. A Tutela do Meio Ambiente do Trabalho e da Saúde do Trabalhador na Constituição Federal do Brasil. In: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de (coord.). Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo: LTr, 2015, p. 28. 379 COSTA, Aline Moreira da; GONÇALVES, Leandro Krebs; ALMEIDA, Victor Hugo de. Op. cit., p. 134. 380 TIMBÓ, Maria Santa Martins; EUFRÁSIO, Carlos Augusto Fernandes. O meio ambiente do trabalho saudável e suas repercussões no brasil e no mundo, a partir de sua evolução histórica. Pensar, Fortaleza, v. 14, n. 2, jul./dez. 2009, p. 345. 381 TIMBÓ, Maria Santa Martins; EUFRÁSIO, Carlos Augusto Fernandes. Op. cit. p. 351. 382 COSTA, Aline Moreira da; GONÇALVES, Leandro Krebs; ALMEIDA, Victor Hugo de. Meio ambiente do trabalho e proteção jurídica do trabalhador: (re)significando paradigmas sob a perspectiva constitucional. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João (coord.). Direito Ambiental do Trabalho: apontamentos para uma teoria geral. V. 1. São Paulo: LTr, 2013, p. 123-124. 383 Ver mais em: COSTA, Aline Moreira da; ALMEIDA, Victor Hugo de. Meio ambiente do trabalho: uma abordagem propedêutica. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João; MARANHÃO, Ney (coord.). Direito Ambiental do Trabalho: apontamentos para uma teoria geral. V. 3. São Paulo: LTr, 2017, p. 50-54. 384 BARROS, Marina Dorileo; SILVEIRA, Paula Galbiatti; DINIZ, Bismarck Duarte. Trabalho decente atrelado à preservação ambiental: análise do programa empregos verdes. Veredas do Direito, v. 13, n. 25, jan./abr. 2016, p. 203-204. 385 No mesmo sentido: “Carta Magna serviu como verdadeiro ponto de culminância para um sadio processo de realinhamento jurídico-axiológico entre saúde, meio ambiente e trabalho, cujo elemento de intersecção é precisamente o meio ambiente laboral” (MARANHÃO, Ney. Op. cit., p. 87).
246
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
sempenho de atividades laborais. Nesse sentido, todo trabalhador tem direito constitucional a um ambiente adequado e seguro, que preserve a sua incolumidade físico-psíquica, englobando não só o local de trabalho, como também os instrumentos, o modo de produção e o seu tratamento386. No mesmo sentido, Menezes387 entende que o meio ambiente do trabalho está diretamente relacionado à incolumidade física e psicológica do trabalhador. Mas também, indiretamente, atinge a qualidade de vida da coletividade. Portanto, de forma estrita, tal ambiente estaria restrito ao local em que se exerce a profissão, ao passo que, na visão abrangente, engloba também onde o trabalhador reside e o meio ambiente urbano. Já Timbó e Eufrásio388, ao tratarem da amplitude do meio ambiente de trabalho, observam que este engloba condições objetivas e subjetivas, de modo que: (...) não pode ser confundido com o estabelecimento onde são desempenhadas atividades laborais físicas ou intelectuais e compreende o conjunto de condições objetivas, como a utilização de equipamentos de proteção individual, bem como subjetivas como as relações pessoais existentes entre os que ali convivem e atuam diretamente na qualidade de vida do trabalhador, tanto em seu aspecto físico quanto mental.
Alvarenga389 defende que a proteção ao meio ambiente visa a garantir o direito à vida com qualidade. Assim, o meio ambiente laboral, por se tratar de concepção mais específica de meio ambiente, também deve resguardar a vida, segurança e saúde do trabalhador, com arrimo na dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho, livre iniciativa e cidadania. Em outras palavras, o meio ambiente de trabalho deve ser concebido como meio propício para a dignificação e bem-estar do obreiro. Nesse sentido, a autora leciona que “meio ambiente do trabalho e proteção à saúde do trabalhador instauram-se, pois, sobre um caráter indissociável, uma vez que o respeito ao direito ao meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado implica prática defensiva do direito à vida”390. 3. NATUREZA GESTÁLTICA DO DIREITO AMBIENTAL DO TRABALHO O Direito Ambiental do Trabalho não pode mais ser visto de forma estrita, sob pena de prejudicar a sua efetividade. Deve-se buscar novas abordagens sobre o tema para garantir a sua plena proteção. Por isso o estudo abordará a visão de Ney Maranhão sobre a natureza gestáltica do meio ambiente laboral. Como visto antes, o meio ambiente do trabalho é importante para que se preservem a saúde e segurança do trabalhador. Inclusive, o meio ambiente de trabalho ganha destaque a partir da Constituição Federal de 1988. O constituinte entende que os efeitos dos danos a este meio ambiente impactam diretamente o homem-trabalhador. Todavia, não basta a proteção constitucional como uma carta de intenções sem efetividade. Conforme lição de Ricardo Pereira, a realidade encontra-se distante da proteção constitucional, pois: O sistema protetivo impõe pronta reação a condições inadequadas e degradantes de trabalho, o que pressupõe o caráter indisponível das disposições sobre saúde, higiene e segurança no trabalho. Em contexto de elevados índices de acidentes e adoecimentos no trabalho, mais se justifica o fortalecimento da natureza cogente das previsões relacionadas à matéria e não a sua flexibilização.391 386
MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2013, p. 28-29. 387 MENEZES, Kathe Regina Altafim. O meio ambiente do trabalho como direito fundamental. In: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de (coord.). Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo: LTr, 2015, p. 181-182. 388 TIMBÓ, Maria Santa Martins; EUFRÁSIO, Carlos Augusto Fernandes. Op. cit. p. 346. 389 ALVARENGA, Rubia Zanotelli de. Trabalho decente: direito humano e fundamental. São Paulo: LTr, 2016, p. 132-134. 390 ALVARENGA, Rubia Zanotelli de. Op. cit. p. 134. 391 PEREIRA, Ricardo José de Britto. Saúde, higiene e segurança no trabalho no contexto do Trabalho digno:
247
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Nesse sentido, Raimundo Simão de Melo392 destaca a importância da reformulação dessa proteção, que necessita sair do papel e entrar na prática diária. Pois, nem mesmo as indenizações por danos morais, estéticos e materiais “pagam” a vida e as consequências sociais e humanas de um acidente laboral393. O problema ambiental depende da variação do padrão do pensamento humano sobre o tema, ou seja, da ética e da solidariedade sobre o meio ambiente. Deve-se ter ciência que a relação entre o homem e a natureza se modificou ao longo do tempo. E já há algum tempo que nos deparamos com uma crise ecológica e uma exploração socioeconômica, que desarticulam éticas ambientais e comprometem o futuro das gerações atuais e futuras394. Inclusive, Ney Maranhão destaca que: Todavia, mesmo hoje, já sob a égide do Estado Democrático e também já declarado Socioambiental de Direito, permanece, na prática, o renhido combate pelo refreamento de todo e qualquer ímpeto lastreado em uma lógica de “livre” uso, gozo e disposição não apenas da natureza, mas sobretudo da vida e da saúde do próprio homem.395
Nesse sentido, o mesmo autor fala em um antropocentrismo solidário. Isto significa que o homem, mesmo diante da sua condição em relação aos outros seres vivos, deve prezar e cuidar dos demais. Não se trata de instrumentos do bem-estar do homem. Deve existir um comportamento responsável e sustentável, pautado na solidariedade. Não se pode valer de visão utilitarista para orientar a atuação na proteção da natureza, sob pena de se desconsiderar o valor intrínseco dessa última e diminuir o valor do próprio homem396. Desde a abordagem clássica, poder-se-ia dizer que, no tocante ao meio ambiente laboral, o homem é direta e imediatamente afetado. Ele é o centro de tal dimensão do meio ambiente397. Do mesmo modo, não se pode falar em meio ambiente do trabalho apenas com elementos ambientais e técnicos, se não houver a ação laborativa do trabalhador398. Já na visão gestáltica do meio ambiente do trabalho, sustenta-se que o meio ambiente é um todo complexo e inissociável, “onde todos os seus elementos estão em permanente e profundo estado de interação e solidariedade”399. Assim, não basta analisar especificamente cada elemento ambiental, técnico ou humano que compõe o meio ambiente laboral, devendo-se compreender de forma sistêmica a interação homem-homem, homem-natureza. Logo, embora a dimensão laboral do meio ambiente se diferencie das demais, por afetar diretamente a relação homem-homem, não pode se restringir o seu estudo a tal dinâmica. O seu resguardo deve alcançar não apenas o equilíbrio ecológico, como também a preservação da vida400. Situação que ganha maior ênfase se considerarmos que grande parte do tempo útil do trabalhador é gasto no meio ambiente de trabalho. O labor acaba por determinar o estilo de vida, A fragmentação do meio ambiente de trabalho operada pela reforma trabalhista. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Claúdio Jannotti da (coord.). Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhistas e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017. 392 MELO, Raimundo Simão de. Op. cit, 2013, p. 37. 393 Ver mais em OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Fundamentos da tutela labor-ambiental. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João; MARANHÃO, Ney (coord.). Direito Ambiental do Trabalho: apontamentos para uma teoria geral. V. 3. São Paulo: LTr, 2017, p. 92-97. 394 MARANHÃO, Ney. Op. cit. p. 15-16. 395 MARANHÃO, Ney. Op. cit. p. 17-18. 396 MARANHÃO, Ney. Op. cit. p. 18-22. 397 MELO, Raimundo Simão de. Op. cit, 2013, p. 304. 398 MARANHÃO, Ney. Op. cit. p. 104. 399 MARANHÃO, Ney. Op. cit. p. 28. 400 Costa e Almeida entendem que esta relação homem-homem e homem-natureza consubstancia o princípio da bidirecionalidade, assim “o trabalhador integra o meio ambiente do trabalho e não apenas nele se encontra; ambos se relacionam e se influenciam, recíproca e continuamente”. Neste sentido, fatores pessoais (biogenéticos, comportamentais e psicológicos) devem ser analisados em conjunto com fatores ambientais (geográficos, arquiteturais-tecnológicos, socioculturais e organizacionais) (COSTA, Aline Moreira da; ALMEIDA, Victor Hugo de. Op. cit. p. 57-58).
248
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
interfere no humor do trabalhador401. Portanto, pode-se dizer que a qualidade de vida do obreiro depende da qualidade de tal meio ambiente, de modo a afetar a saúde física e mental do trabalhador, seu estilo de vida e a qualidade das relações interpessoais desenvolvidas no lar 402-403. No mesmo passo, Costa, Gonçalves e Almeida404 defendem a transformação da noção de meio ambiente do trabalho. Sustentam que não é mais admissível uma abordagem imutável. Deve refletir as evoluções sociais e técnicas, haja a sua natureza interdependente associada com o elemento vivo (trabalhador). Do mesmo modo, cabe salientar que a proteção jurídica dada ao meio ambiente do trabalho é diversa do Direito do Trabalho405. Este agrega normas jurídicas sobre a relação entre empregado e empregador. Já o meio ambiente do trabalho resguarda a saúde e segurança do trabalhador quanto ao ambiente em que desenvolve suas atividades406. Para Raimundo Simão de Melo407, o meio ambiente do trabalho é um direito fundamental do todo trabalhador408. Não é um direito vinculado ao contrato de trabalho, tratando-se de direitos difusos e coletivos voltados à proteção do ambiente laboral, como um bem de uso comum do povo. Por isso, medidas de saúde e segurança asseguram, não só a qualidade de vida do trabalhador, como de toda a sociedade. Assim, valendo-se da Gestalt, pode-se compreender que o meio ambiente do trabalho é um direito transindividual capaz de afetar o trabalhador, a natureza e a coletividade. Neste diapasão, para entender a sua magnitude cabe resgatar princípios próprios do Direito Ambiental, como da prevenção409-410, precaução411 e da educação412 –que, justamente, por quedarem em área cinzenta entre o Direito Ambiental e o Direito do Trabalho, são negligenciados na seara do meio ambiente laboral. 401
CAMARGO, Thaísa Rodrigues Lustosa de; MELO, Sandro Nahmias. Op. cit., p. 29. MARANHÃO, Ney. Op. cit. p. 90-92. 403 No mesmo sentido: “Assim, toda a estrutura de um ambiente empresarial (...) é um novo espaço, alterado pelo homem, para a consecução de suas finalidades. Este local, meio ambiente artificial, abrigará os trabalhadores que desenvolverão a atividade econômica e, consequentemente esse é o meio em que passaram um terço de suas horas diárias. Logo, esse ambiente deve ser seguro, saudável, propiciar a auto-estima, a qualidade de vida, ..., enfim, ser sustentável” (POZZETI, Valmir César. Direito empresarial e a natureza jurídica do meio do trabalho. Revista Jurídica, Curitiba, vol. 2, nº 43, 2016, p. 164). 404 COSTA, Aline Moreira da; GONÇALVES, Leandro Krebs; ALMEIDA, Victor Hugo de. Op. cit., 2013, p. 136. 405 Minardi sustenta a autonomia do Direito Ambiental do Trabalho. Esse ramo abordaria tanto aspectos do meio ambiente vital quanto a busca pela qualidade de vida no trabalho, mesclando normas trabalhistas de segurança e medicina do trabalho com princípios e postulados do Direito Ambiental. (MINARDI, Fabio Freitas. Direito Ambiental do trabalho: origem, autonomia e princípios. In: GUNTHER, Luiz Eduardo; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de (coord.). BUSNARDO, Juliana Cristina; BACELLAR, Regina Maria Bueno (org.). Direitos humanos e meio ambiente do trabalho. São Paulo: LTr, 2016, p. 43-45). 406 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Tutela constitucional da defesa do meio ambiente como princípio da atividade econômica em face do denominado desenvolvimento sustentável. Revista Novos Estudos Jurídicos, v. 22, n. 2, mai./ago. 2017, p. 485. 407 MELO, Raimundo Simão de. Op. cit, 2013, p. 32-34. 408 No mesmo sentido temos a lição de Camargo e Melo no sentido que “para fins de conceituação de meio ambiente do trabalho, não está restrito a uma relação de emprego subjacente, e sim à uma atividade produtiva” (CAMARGO, Thaísa Rodrigues Lustosa de; MELO, Sandro Nahmias. Princípios de direito ambiental do trabalho. São Paulo: LTr, 2013, p. 26). 409 Assim também se posicionam Costa, Gonçalves e Almeida: “Em razão da predileção do legislador constitucional contra os riscos inerentes à atividade laborativa, o método mais correto de concretizá-lo é por meio da prevenção. Nessa perspectiva, compreende a adoção de medidas de combate aos agentes agressores, de modo a impedir os danos à saúde” (COSTA, Aline Moreira da; GONÇALVES, Leandro Krebs; ALMEIDA, Victor Hugo de. Op. cit., 2013, p. 127). 410 Ver mais em CAMARGO, Thaísa Rodrigues Lustosa de; MELO, Sandro Nahmias.Op. cit., p. 63-72. 411 Ver mais em CAMARGO, Thaísa Rodrigues Lustosa de; MELO, Sandro Nahmias. Op. cit., p. 73-102. 412 Rúbia Alvarenga propõe, com base no princípio da prevenção, estabelecer como meta “a consciência em preservar, a todo custo, o material humano, proporcionando aos trabalhadores os meios e os equipamentos necessários, além, é claro, da preparação suficiente para libertá-los das contingências desfavoráveis no ato de exercício do labor” (ALVARENGA, Rubia Zanotelli de. Princípios fundamentais de Direito Ambiental do Trabalho. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João; MARANHÃO, Ney (coord.). Direito Ambiental do Trabalho: apontamentos para uma teoria geral. V. 3. São Paulo: LTr, 2017, p. 78). 402
249
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Com base nos princípios da prevenção e precaução, deve-se evitar o perigo de dano ambiental, mesmo que não haja certeza científica sobre os efeitos e extensão413. Assim, a atuação do empregador, do Estado e da sociedade deve ser pautada na proteção do meio ambiente do trabalho, evitando efeitos nefastos ao obreiro, à natureza e à coletividade. De acordo com o princípio da participação e educação ambiental, o Estado, os sindicatos, os empregadores e até os próprios empregados devem proteger o meio ambiente de trabalho por meio da promoção da informação e educação ambiental. Assim, o trabalhador tem o direito de “tomar conhecimento sobre as condições ambientais a que está exposto, bem como sobre as formas de prevenção e de treinamento adequadas”414-415. Nota-se a importância do empregador para o meio ambiente gestáltico. Deste modo, é oportuno destacar que deve haver a compatibilização dos meios de produção e de desenvolvimento adotados com a proteção do meio ambiente laboral. Deve-se proteger não só o trabalhador, como também a natureza e a coletividade. Nesse sentido, cabe destacar trecho abaixo de Barros, Silveira e Diniz416: Não se pode olvidar que o modelo de desenvolvimento adotado tem o poder de afetar sobremaneira o meio ambiente do trabalho, uma vez que muitos tomadores de serviço privilegiam o lucro em detrimento das condições de trabalho a que está submetido o trabalhador, a exemplo do que ocorre no crime de redução às condições análogas à de escravo, nas quais, na busca de lucro, o tomador degenera os direitos mais básicos do trabalhador, que acabará por ter sua dignidade violada.
Não se pode olvidar a função social da empresa. Os meios de produção e o desenvolvimento nacional estão sujeitos aos ditames do art. 170 da Constituição Federal, que estabelece os princípios da atividade econômica. Tal dispositivo – o qual tem como fundamentos a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa – determina que o modelo econômico adotado pela Constituição deve assegurar a existência digna nos termos da justiça social, bem como a defesa do meio ambiente417. Ademais, para a compatibilização da ordem econômica com a defesa do meio ambiente, cabe ainda a sua interpretação sistemática com outras normas constitucionais. Assim, a atividade econômica para desempenhar sua função social e ambiental também necessita respeitar a dignidade da pessoa humana, bem como obedecer aos objetivos constitucionais de construir uma sociedade livre, justa e solidária e, ao mesmo tempo, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais418. Pode-se dizer, portanto, que a visão gestáltica do meio ambiente do trabalho deve ser a mais abrangente. Deve-se ponderar os riscos causados pelo uso da propriedade privada, da livre iniciativa e do desenvolvimento nacional na dignidade do trabalhador, considerando os efeitos gerados para o equilíbrio ambiental e os efeitos indiretos sobre a coletividade. 413
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Meio Ambiente do Trabalho: direito, segurança e medicina do trabalho. 4ª ed. São Paulo: Método, 2014, p. 20. 414 ALVARENGA, Rubia Zanotelli de. Op. cit, 2016, p. 150. 415 No mesmo sentido: “Na aplicação desse princípio [prevenção] no âmbito trabalhista, deve-se levar em conta a educação ambiental a cargo do Estado, mas também das empresas, nos locais de trabalho, orientando os trabalhadores sobre os riscos ambientais e fornecendo-lhes os equipamentos adequados de proteção, como menciona a CLT no art. 157, podendo, inclusive, depois de bem orientar os trabalhadores sobre os riscos ambientais, puni-los pela recusa em observar as normas de segurança e medicina do trabalho (art. 158)” (MELO, Raimundo Simão de. Op. cit, 2013, p. 55). Posição também adotada por Costa, Gonçalves e Almeida (COSTA, Aline Moreira da; GONÇALVES, Leandro Krebs; ALMEIDA, Victor Hugo de. Op. cit., 2013, p. 131). 416 BARROS, Marina Dorileo; SILVEIRA, Paula Galbiatti; DINIZ, Bismarck Duarte. Op. cit. p. 204. 417 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Op. cit., p. 464-465. 418 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Op. cit., p. 464-465.
250
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
4. A HIGIENIZAÇÃO DO UNIFORME PELO TRABALHADOR SOB A PERSPECTIVA GESTÁLTICA DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO A Lei n. 13.467/17, conhecida como reforma trabalhista, alterou diversos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Sob o discurso de modernização das relações de emprego, modificou a dinâmica do próprio Direito do Trabalho, inclusive nas matérias de saúde e segurança do trabalho419. Nota-se que as modificações da CLT são contrárias ao patamar civilizatório mínimo. Vemos a Lei n. 13.467/2017 legitimando práticas contra o trabalho digno420. As alterações promovidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) mostram o intuito de romper a proteção da incolumidade física e psíquica de todos, principalmente no ambiente de trabalho421, a exemplo do que ocorre com a higienização do uniforme pelo trabalhador (parágrafo único do art. 456-A da Consolidação422). O dispositivo em questão, além de transferir o risco do negócio para o empregado que arcará com os gastos da limpeza do seu uniforme, afeta a saúde e segurança do obreiro e de seus familiares. Raimundo Simão de Melo423 destaca a vagueza da ressalva feita pelo legislador, o que acaba “estimulando o espraiamento dos agentes de risco e contaminantes para o trabalhador, sua família e para o conjunto da sociedade”. Por isso, faz-se necessário fortalecer a natureza gestáltica que envolve o meio ambiente laboral. A partir de tal abordagem, deve-se robustecer a função interpretativa sistemática para reconhecer a jusfundamentalidade do meio ambiente laboral equilibrado, com base no desenvolvimento sustentável. Assim, conforme as lições de Ney Maranhão424, o meio ambiente do trabalho não pode ser menosprezado, tendo em vista que: Quando se deixa de tributar ao meio ambiente do trabalho a magnitude constitucional que já lhe é oficialmente reconhecida, a mensagem que fazemos reverberar para a sociedade, ainda que inconscientemente, é a de que a ambiência laboral é uma faceta jusambiental de menor importância (...).
419
Neste sentido: “A reforma trabalhista implementada pela Lei n. 13.467/2017, que entrará em vigor em 12.11.2017, trouxe importantes alterações no mundo do trabalho, reduzindo parâmetros protetivos em relação à saúde e segurança dos trabalhadores. Os autores da reforma não consideraram o fato de que o adoecimento e morte dos trabalhadores acarretam graves problemas sociais e econômicos não somente para as vítimas e seus familiares, mas também para a sociedade, que finalmente responde pelas mazelas decorrentes dos acidentes de trabalho” (MELO, Raimundo Simão de. Aspectos da tutela legal do meio ambiente do trabalho e da saúde do trabalhador no Brasil. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Claúdio Jannotti da (coord.). Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhistas e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017). 420 De acordo com Ricardo Pereira, teoria e prática contra o trabalho digno buscam: “a naturalização das violações a esses direitos como se fossem inevitáveis, inviabilizando o potencial transformador dos direitos fundamentais; a individualização dos interesses, esvaziando organizações e ações coletivas para alcançar equilíbrio em relações de poder díspares, que atribuem a cada um, de acordo com suas capacidades, a responsabilidade de enfrentar o poderio social, econômico ou político; o pseudoassistencialismo, no sentido de que a exploração de seres humanos é apresentada como oportunidade” (PEREIRA, Ricardo José de Britto. Op. cit. p. 432). 421 SEVERO, Valdete Souto. O ideal de construção de um ambiente de trabalho saudável e os desafios da Lei n. 13.467/17: elementos para resistência. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Claúdio Jannotti da (coord.). Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhistas e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017, p. 438. 422 Art. 456-A, parágrafo único da CLT: “A higienização do uniforme é de responsabilidade do trabalhador, salvo nas hipóteses em que forem necessários procedimentos ou produtos diferentes dos utilizados para a higienização das vestimentas de uso comum”. 423 MELO, Raimundo Simão de. Op. cit., 2017, p. 423. 424 MARANHÃO, Ney. Op. cit. p. 9.
251
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Proteção presente também na seara internacional, pois a busca pelo meio ambiente saudável é um dos objetivos da OIT, ao estabelecer como seus princípios a erradicação do trabalho infantil (Convenções 138 e 182) e do trabalho forçado (Convenções 29 e 105). Presente ainda na Declaração da Filadélfia, a qual dispõe que o trabalho não é mercadoria e que a luta contra a carência exige o esforço internacional425. Em analogia à concepção de Oliveira e Maljean-Dubois426, pode-se extrair que o meio ambiente do trabalho é um patrimônio comum da humanidade e um bem público mundial que contribui para a sadia qualidade de vida do ser humano. Portanto, deve-se buscar que o desenvolvimento sustentável também abranja medidas voltadas ao ambiente de trabalho salubre. Já Barros, Silveira e Diniz427 destacam que as pessoas mais vulneráveis são as que mais precisam do desenvolvimento sustentável, por isso é “necessário pensar em um desenvolvimento equitativo e em condições de promoção do bem-estar e dignidade, a fim de corrigir essas distorções sociais, preocupação vinculada ao desenvolvimento sustentável”. É oportuno ressaltar que o desenvolvimento sustentável está previsto nos princípios 3 e 4 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, de modo que o desenvolvimento econômico não pode ser encarado de forma isolada. Deve observar as necessidades intergeracionais e a proteção do ambiente e dos direitos sociais (no caso, do meio ambiente do trabalho). Ressalta, assim, o dever de solidariedade, previsto nos arts. 3º, I e 225, ambos da CR/88428. A implementação do desenvolvimento sustentável não está adstrita à utilização consciente dos recursos escassos. Ela também deve planejar meios de garantir a qualidade de vida de forma geral, por intermédio da diminuição de desigualdades sociais e do fomento de condições de trabalho dignas. Exige-se, portanto, uma nova ética da relação entre o homem e a natureza, bem como o respeito do homem pelo homem, principalmente no que se refere ao meio ambiente de trabalho429-430. No mesmo sentido, Fiorillo e Ferreira431 defendem a importância do meio ambiente para que se possa falar em desenvolvimento sustentável, pois: Como se percebe, o princípio [desenvolvimento sustentável] possui grande importância, porquanto numa sociedade desregrada, à deriva de parâmetros de livre concorrência e iniciativa, o caminho inexorável para o caos ambiental é uma certeza. Não há dúvida de que o desenvolvimento econômico também é um valor precioso da sociedade. Todavia, a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico devem coexistir, de modo aquela não acarrete a anulação deste.
Portanto, deve-se falar em jusfundamentalibilidade do meio ambiente, o qual Sueli Padilha aduz que não cabe uma visão fragmentada e isolada no tocante ao ambiente laboral. A sua dimensão multifacetada exige a ampliação dos mecanismos de proteção da qualidade de vida do 432
425
DELGADO, Gabriela Neves. Direitos humanos dos trabalhadores: perspectiva de análise a partir dos princípios internacionais do direito do trabalho e do direito previdenciário. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 77, n. 3, jul./set. 2011, p. 69-72. 426 OLIVEIRA, Carina Costa de; MALJEAN-DUBOIS, Sandrine. Os limites dos termos bem público mundial, patrimônio comum da humanidade e bens comuns para delimitar as obrigações de preservação dos recursos marinhos. In: Revista de direito internacional, Brasília, v. 12, n. 1, 2015, p. 110-111. 427 BARROS, Marina Dorileo; SILVEIRA, Paula Galbiatti; DINIZ, Bismarck Duarte. Op. cit. p. 201. 428 BARROS, Marina Dorileo; SILVEIRA, Paula Galbiatti; DINIZ, Bismarck Duarte. Op. cit. p. 205-206. 429 BARROS, Marina Dorileo; SILVEIRA, Paula Galbiatti; DINIZ, Bismarck Duarte. Op. cit. p. 209-210. 430 Para Raimundo Simão de Melo (Op. cit., 2013, p. 61), o princípio do desenvolvimento sustentável converge a livre-iniciativa com outras políticas desenvolvimentistas, tais como o social, o cultural, o humano e o ambiental. Nesse raciocínio, embora todos almejem ao desenvolvimento econômico, não pode ocorrer livremente. Existem limites contra o seu exercício de forma predatória, almejando o equilíbrio entre os interesses do empreendedor e da sociedade. 431 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Op. cit., p. 470. 432 PADILHA, Norma Sueli. Meio Ambiente do Trabalho: um direito fundamental do trabalhador e a superação da monetização do risco. Revista do TST, v. 79, n. 4, out./dez. 2013, p. 173-174.
252
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
obreiro e da coletividade433. Daí se extrai a importância da Gestalt para a interpretação das normas trazidas pela Lei n. 13.467/17 à luz da proteção ambiental do trabalho. Inclusive, a mesma autora434 defende, ainda, a importância da interpretação das normas de proteção da saúde e segurança do trabalho, como forma de efetivação do direito fundamental ao equilíbrio do meio ambiente do trabalho, conforme trecho abaixo: (...) toda interpretação das normas referidas ao contexto da saúde do trabalhador no seu ambiente do trabalho deve respeitar a eficácia irradiante do direito fundamental ao equilíbrio do meio ambiente do trabalho, e estando o aplicador do direito diante de várias interpretações possíveis de norma infraconstitucional sobre o tema, deverá optar por aquela que garanta a maior eficácia a este direito fundamental do trabalhador.
Cabe destacar, ainda, que para que a jusfundamentabilidade do meio ambiente do trabalho equilibrado seja completa, deve-se prezar também pela eficácia horizontal de tal direito fundamental. Assim, independentemente da atividade econômica, o empregador deve “atuar por meio de práticas sustentáveis e de equidade, priorizando práticas de precaução e a promoção do desenvolvimento sustentável em prol dos seus funcionários e da comunidade”435-436. Além do mais, deve-se falar na aplicação do princípio da vedação do retrocesso social para a real compreensão do meio ambiente do trabalho equilibrado. Este princípio protege as conquistas e avanços relacionados à dignidade humana. Se a garantia ao ambiente laboral está diretamente relacionada à dignificação do obreiro e da coletividade, deve ser protegida contra alterações que tragam retrocesso social437. Inclusive, Busetti438 sustenta que: Sobretudo, em relação ao meio ambiente, o princípio da vedação do retrocesso agrega importância singular em razão da urgência de se considerar o esgotamento dos recursos ambientais e o dever de preservação e proteção do ambiente para as futuras gerações (...) atua como mecanismo de controle social e jurídico do desenvolvimento e de suas consequências de consumação dos recursos naturais destinado a impor ao Estado políticas voltadas ao desenvolvimento sustentável que tenham em conta, além da preservação dos recursos existentes, uma melhoria da qualidade de vida ambiental para as gerações presentes e futuras.
Logo, com base na vedação do retrocesso social, deve-se interpretar a Lei n. 13.467/17 sob o viés da fundamentabilidade das normas de saúde e segurança do trabalho. Pois, os direitos 433
No mesmo sentido, lecionam Costa e Almeida: “Deve, portanto, o Estado promover a elaboração de normas e procedimentos que indiquem o mínimo necessário para que o trabalhador possa realizar seu ofício sem qualquer risco à sua saúde ou à sua segurança, sob qualquer aspecto. E ainda, coibir intervenções prejudiciais àquele ambiente, por meio da tipificação das condutas lesivas como crimes ou infrações administrativas” (COSTA, Aline Moreira da; ALMEIDA, Victor Hugo de. Op. cit. p. 60). 434 PADILHA, Norma Sueli. Op. cit., p. 177. 435 PADILHA, Norma Sueli. Op. cit. p. 178. 436 No mesmo sentido: “Assim, considerada a importância do direito ao meio ambiente na conjuntura dos demais direitos fundamentais como a vida, a integridade física, o desenvolvimento da personalidade e a saúde, valores estes conectados com o princípio da dignidade humana, resta evidente a sua fundamentalidade” (BUSETTI, Caroline. O princípio da vedação do retrocesso e o direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado. Revista de Direito Brasileira, ano 3, v. 4, jan./abr. 2013, p. 364). 437 Valdete Severo, no mesmo sentido, entende que a ideia nuclear da vedação ao retrocesso social é a inconstitucionalidade de medidas que venham a suprimir ou restringir conquistas sociais. Assim, impede-se que o homem seja transformado em meio para atingir o fim almejado. Desse modo, as conquistas sobre meio ambiente do trabalho, a exemplo das normas regulamentares, não podem retroceder (SEVERO, Valdete Souto. Meio ambiente do trabalho: uma visão sistêmica de um direito humano e fundamental. In: In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João; MARANHÃO, Ney; SEVERO, Valdete Souto (coord.). Direito Ambiental do Trabalho: apontamentos para uma teoria geral. V. 2. São Paulo: LTr, 2015, p. 76). 438 BUSETTI, Caroline. Op. cit. p. 377.
253
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
fundamentais à redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII, da CF/88), bem como o direito à saúde (arts. 6º e 196, da CF/88), ao serem combinados com os princípios da prevenção e do meio ambiente ecologicamente equilibrado trazem o fim da conquista da sadia qualidade de vida do trabalhador439. Não pode prevalecer a monetização440 da pessoa do trabalhador, nem muito menos reduzir ou extinguir aspectos da sua proteção ao meio ambiente do trabalho digno. Defendemos que o mesmo raciocínio também deve ser aplicado para a proteção dos familiares e da sociedade, que, direta e indiretamente – respectivamente –, também passam a correr o risco do meio ambiente do trabalho ao entrarem em contato com os uniformes do trabalhador441. Pois, na visão ampla e gestáltica, o meio ambiente do trabalho também deve proteger os parentes e a sociedade que interagem com o obreiro, já que não pode ser restringir o meio ambiente laboral ao local de trabalho, ao mesmo passo que se trata de direito difuso. Portanto, mesmo que não se possa determinar precisamente como os demais sujeitos correm risco com a higienização do uniforme do trabalhador, deve-se aplicar o princípio da precaução para garantir seus direitos fundamentais à sadia qualidade de vida. 5. CONCLUSÃO O presente estudo analisou a natureza gestáltica do meio ambiente do trabalho, de modo a concluir pela importância da proteção (prevenção, precaução e educação) do obreiro, da natureza e da coletividade. Diante de tais análises, constatou-se que o direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado é um direito fundamental, resguardado pelo princípio da vedação do retrocesso social. Ademais, notou-se que as alterações da CLT trazidas pela Lei n. 13.467/17 modificaram a dinâmica do próprio Direito do Trabalho, inclusive nas matérias de saúde e segurança do trabalho. Conclui-se que o legislador negligenciou que direitos relacionados ao meio ambiente laboral são fundamentais para o alcance da vida digna do trabalhador e da coletividade que o cerca – já que são direitos transindividuais. Neste diapasão, concluiu-se, com base na visão gestáltica, a importância do princípio da precaução para impedir eventuais danos à a saúde do trabalhador, dos seus familiares e da sociedade. Não sendo, portanto, permitido transferir o risco do negócio para o trabalhador para arcar com os custos da higienização do uniforme, muito permitir a monetização da saúde dos sujeitos envolvidos, ignorando a importância do meio ambiente do trabalho equilibrado.
439
Na visão de Norma Padilha, para a conquista da sadia qualidade de vida, “não existem soluções parciais, ou seja, em toda e qualquer atividade humana deve estar presente, como princípio irrefutável, o respeito ecológico. O meio ambiente do trabalho, segundo o redimensionamento imposto pela Constituição Federal à questão do equilíbrio ambiental, compreende o próprio ‘ecossistema’ que envolve as inter-relações da força do trabalho humano com os meios de produção, e sua afetação no meio ambiente em que é gerada” (PADILHA, Norma Sueli. Meio ambiente do trabalho: diálogo entre o direito do trabalho e o direito ambiental. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João; MARANHÃO, Ney; SEVERO, Valdete Souto (coord.). Direito Ambiental do Trabalho: apontamentos para uma teoria geral. V. 2. São Paulo: LTr, 2015, p. 120). 440 Janaína Castro, ao tratar da monetização do trabalhador, leciona que os direitos sociais não podem ser reduzidos com base no custo empresarial por incompatibilidade com o art. 7º, XXII, da Constituição, de modo que “não se deve admitir que empresas adotem posturas equivocadas e tenham a opção de monetizar a saúde do trabalhador porque entendem que matematicamente é mais barato pagar os adicionais do que investir na prevenção em matéria de saúde e segurança do trabalho” (CASTRO, Janaína Vieira de. Poluição labor-ambiental (prevenção e repressão): medidas legislativas, técnicas e médicas. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João; MARANHÃO, Ney (coord.). Direito Ambiental do Trabalho: apontamentos para uma teoria geral. V. 3. São Paulo: LTr, 2017, p. 459). 441 Inclusive, Raimundo Simão de Melo adverte: “Para quem duvida desses prejuízos lembro o caso da contaminação da Shell em Paulínia/SP, quando gerações de familiares foram contaminadas pelos resíduos levados pelos trabalhadores para casa. Trata-se de mais um desprezo para com a vida e saúde dos trabalhadores simplesmente para diminuir custos da atividade produtiva (Proc. N. 0022200-28.2007.5.15.0126)” (MELO, Raimundo Simão de. Op. cit., 2017, p. 423).
254
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVARENGA, Rubia Zanotelli de. Trabalho decente: direito humano e fundamental. São Paulo: LTr, 2016. _____________________________. Princípios fundamentais de Direito Ambiental do Trabalho. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João; MARANHÃO, Ney (coord.). Direito Ambiental do Trabalho: apontamentos para uma teoria geral. V. 3. São Paulo: LTr, 2017, p. 67-79. BARROS, Marina Dorileo; SILVEIRA, Paula Galbiatti; DINIZ, Bismarck Duarte. Trabalho decente atrelado à preservação ambiental: análise do programa empregos verdes. Veredas do Direito, v. 13, n. 25, jan./abr. 2016, p. 199-221. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013. BUSETTI, Caroline. O princípio da vedação do retrocesso e o direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado. Revista de Direito Brasileira, ano 3, v. 4, jan./abr. 2013, p. 361-382. CAMARGO, Thaísa Rodrigues Lustosa de; MELO, Sandro Nahmias. Princípios de direito ambiental do trabalho. São Paulo: LTr, 2013. CASTRO, Janaína Vieira de. Poluição labor-ambiental (prevenção e repressão): medidas legislativas, técnicas e médicas. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João; MARANHÃO, Ney (coord.). Direito Ambiental do Trabalho: apontamentos para uma teoria geral. V. 3. São Paulo: LTr, 2017. COSTA, Aline Moreira da; GONÇALVES, Leandro Krebs; ALMEIDA, Victor Hugo de. Meio ambiente do trabalho e proteção jurídica do trabalhador: (re)significando paradigmas sob a perspectiva constitucional. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João (coord.). Direito Ambiental do Trabalho: apontamentos para uma teoria geral. V. 1. São Paulo: LTr, 2013. _____________________; ALMEIDA, Victor Hugo de. Meio ambiente do trabalho: uma abordagem propedêutica. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João; MARANHÃO, Ney (coord.). Direito Ambiental do Trabalho: apontamentos para uma teoria geral. V. 3. São Paulo: LTr, 2017. DELGADO, Gabriela Neves. Direitos humanos dos trabalhadores: perspectiva de análise a partir dos princípios internacionais do direito do trabalho e do direito previdenciário. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 77, n. 3, jul./set. 2011, p. 59-76. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Tutela constitucional da defesa do meio ambiente como princípio da atividade econômica em face do denominado desenvolvimento sustentável. Revista Novos Estudos Jurídicos, v. 22, n. 2, mai./ago. 2017, p. 461-488. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Meio Ambiente do Trabalho: direito, segurança e medicina do trabalho. 4ª ed. São Paulo: Método, 2014. MARANHÃO, Ney. Poluição Labor-ambiental: abordagem conceitual da degradação das condições de trabalho, da organização do trabalho e das relações interpessoais travadas no contexto laborativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. MELO, Raimundo Simão de. A Tutela do Meio Ambiente do Trabalho e da Saúde do Trabalhador na Constituição Federal do Brasil. In: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de (coord.). Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo: LTr, 2015, p. 185-200. _______________________. Direito ambiental do trabalho e saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2013. _______________________. Aspectos da tutela legal do meio ambiente do trabalho e da saúde do traba255
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
lhador no Brasil. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Claúdio Jannotti da (coord.). Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhistas e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017 MENEZES, Kathe Regina Altafim. O meio ambiente do trabalho como direito fundamental. In: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de (coord.). Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo: LTr, 2015. p. 179-184. MINARDI, Fabio Freitas. Direito Ambiental do trabalho: origem, autonomia e princípios. In: GUNTHER, Luiz Eduardo; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de (coord.). BUSNARDO, Juliana Cristina; BACELLAR, Regina Maria Bueno (org.). Direitos humanos e meio ambiente do trabalho. São Paulo: LTr, 2016, p. 41-49. OLIVEIRA, Carina Costa de; MALJEAN-DUBOIS, Sandrine. Os limites dos termos bem público mundial, patrimônio comum da humanidade e bens comuns para delimitar as obrigações de preservação dos recursos marinhos. In: Revista de direito internacional, Brasília, v. 12, n. 1, 2015, p. 109-124. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Fundamentos da tutela labor-ambiental. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João; MARANHÃO, Ney (coord.). Direito Ambiental do Trabalho: apontamentos para uma teoria geral. V. 3. São Paulo: LTr, 2017, p. 91-102. PADILHA, Norma Sueli. Meio Ambiente do Trabalho: um direito fundamental do trabalhador e a superação da monetização do risco. Revista do TST, v. 79, n. 4, out./dez. 2013, p. 173-182. _____________________. Meio ambiente do trabalho: diálogo entre o direito do trabalho e o direito ambiental. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João; MARANHÃO, Ney; SEVERO, Valdete Souto (coord.). Direito Ambiental do Trabalho: apontamentos para uma teoria geral. V. 2. São Paulo: LTr, 2015. PEREIRA, Ricardo José de Britto. Saúde, higiene e segurança no trabalho no contexto do Trabalho digno: A fragmentação do meio ambiente de trabalho operada pela reforma trabalhista. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Claúdio Jannotti da (coord.). Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhistas e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017. POZZETI, Valmir César. Direito empresarial e a natureza jurídica do meio do trabalho. Revista Jurídica, Curitiba, vol. 2, nº 43, 2016, p. 159-184. REIS, Thais Barbosa; MORAES, Maria Dione Carvalho de. Meio ambiente de trabalho em empresas agropecuárias nos cerrados piauienses: disciplinamento do corpo e resistência de trabalhadores/as rurais. Revista Jurídica da Presidência, v. 13, n. 99, fev./mai. 2011, p. 111-131. SARLET, Ingo Sarlet. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 7ª ed. rev. e atual. Rio Grande do Sul: Livraria do Advogado, 2009. SEVERO, Valdete Souto. Meio ambiente do trabalho: uma visão sistêmica de um direito humano e fundamental. In: In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João; MARANHÃO, Ney; SEVERO, Valdete Souto (coord.). Direito Ambiental do Trabalho: apontamentos para uma teoria geral. V. 2. São Paulo: LTr, 2015. ____________________. O ideal de construção de um ambiente de trabalho saudável e os desafios da Lei n. 13.467/17: elementos para resistência. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Claúdio Jannotti da (coord.). Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhistas e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017. STÜMER, Gilberto. Direitos humanos e meio ambiente do trabalho. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 13, n. 25, jan./abr. 2016, p. 155-172. TIMBÓ, Maria Santa Martins; EUFRÁSIO, Carlos Augusto Fernandes. O meio ambiente do trabalho saudável e suas repercussões no brasil e no mundo, a partir de sua evolução histórica. Pensar, Fortaleza, v. 14, n. 2, jul./dez. 2009, p. 344-366. 256
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
DISPENSA COLETIVA NA LEI 13.467/2017 EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA MASS DISMISSAL IN LAW 13.467/2017 IN FRONT OF THE CONSTITUTION OF THE REPUBLIC Priscila Mousinho de Moura Fé442 RESUMO: O trabalho na Constituição de 1988 é valor e fonte de dignidade para o ser humano, cabendo a sua proteção, por decorrência lógica, a todo o sistema jurídico pátrio. Assim, ao envidar esforços no sentido de cumprir o imperativo constitucional que reconhece valor ao trabalho, deve-se buscar incentivar não apenas a empregabilidade, mas a própria manutenção duradoura do emprego, evitando o mal consistente no desemprego. Todavia, questiona-se: a dispensa coletiva de trabalhadores, nos moldes em que preconizada pelo artigo 477-A da Consolidação das Leis do Trabalho, é capaz de levar a cabo o mandamento constitucional protetivo ao trabalho? Em que medida o novel dispositivo legal se harmoniza com o ideário de trabalho construído pelo legislador constituinte de 1988? A investigação a ser aqui empreendida objetiva munir os operadores do Direito do Trabalho, por meio de pesquisa bibliográfica e análise legislativa, doutrinária e jurisprudencial, com elementos que os permitam alcançar percepção global da dispensa coletiva, perquirindo acerca do seu conceito, requisitos, natureza jurídica e efeitos, para fins de demonstrar se é possível concluir pelo desacerto do legislador infraconstitucional ao equiparar as modalidades de despedida individual, plúrima e coletiva. Ademais, intenciona verificar se a hipótese de indispensabilidade da negociação coletiva no tópico se confirma. A mudança de paradigma promovida pela Lei n. 13.467/2017 atesta a relevância e a atualidade do tema. PALAVRAS-CHAVE: Dispensa Coletiva. Lei n. 13.467/2017. Equiparação de dispensas. Negociação coletiva. Inconstitucionalidade. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A dispensa coletiva antes da lei n. 13.467/2017; 3. A dispensa coletiva após a lei n. 13.467/2017; 4. O cenário de proteção ao trabalho no Brasil; 5. Conclusão; 6. Referências. ABSTRACT: The work in the 1988 Constitution is a value and source of dignity for the human being, and its logical protection for the entire legal system of the country. Thus, by striving to fulfill the constitutional imperative that recognizes the value of work, we must seek to encourage not only employability, but the very long-term maintenance of employment, avoiding the consistent evil of unemployment. However, it is questioned: is the mass dismissal of workers, in the manner recommended by Article 477-A of the Consolidation of Labor Laws, capable of carrying out the constitutional protective order to work? To what extent does the novel legal system harmonize with the work ideas constructed by the constituent legislator of 1988? The research to be undertaken here aims to provide the labor law operators with bibliographical research and legislative, doctrinal and jurisprudential analysis, with elements that allow them to reach a global perception of the mass dismissal, asking about their concept, requirements, legal nature and effects, in order to demonstrate whether it is possible to conclude by the misconception of the infraconstitutional legislator by equating the individual, plural and massive farewell modalities. In addition, it intends to verify if the hypothesis of indispensability of collective bargaining in the topic is confirmed. The paradigm shift promoted by Law n. 13.467/2017 attests to the relevance and timeliness of the theme. KEYWORDS: Mass Dismissal. Law n. 13.467/2017. Equalization of waivers. Collective bargaining. Unconstitutionality. 442
Mestranda em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pelo Centro Universitário do Distrito Federal – UDF. E-mail: priscila.mmfe@gmail.com.
257
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
SUMMARY: 1. Introduction; 2. The collective dismissal before the law n. 13.467 / 2017; 3. The collective dismissal after the law n. 13.467 / 2017; 4. The scenario of labor protection in Brazil; 5. Conclusion; 6. References. 1. INTRODUÇÃO A Lei n. 13.467, de 13.07.2017, denominada Reforma Trabalhista443, provocou consideráveis mudanças no mundo do trabalho em nível nacional, atingindo, sobretudo, o trabalhador e a proteção que se lhe deve prestar o Estado. Daí perguntar: Seria capaz o novel artigo 477-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com redação dada pela Lei n. 13.467/2017, alterar a feição da dispensa coletiva de trabalhadores, extraível do ordenamento jurídico pátrio, sobretudo da Constituição Federal de 1988 e das Normas Internacionais internalizadas, tais como as Convenções n. 98 e 154 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)? Não se pode negar a existência fática da dispensa coletiva nem tampouco a possibilidade de sua válida configuração no seio empresarial, contudo, chama a atenção o uso indiscriminado da ferramenta como artifício patronal potestativo e absoluto para dar cabo a uma multiplicidade de contratos de trabalho em virtude de fato alheio ao comportamento obreiro, ignorando o quão socialmente impactante é o seu caráter, motivo por que demanda tratamento especial. Ao longo do presente artigo, discorrer-se-á a respeito da dispensa coletiva de trabalhadores, analisando-se o cenário jurídico do instituto coletivo de antes da famigerada Lei n. 13.467/2017 e também de após o advento deste diploma legal ordinário, cuja vigência se iniciou em 11.11.2017, tendo em vista seu período de 120 (cento e vinte) dias de vacatio legis. Tendo em conta o valor trabalho444 como albergado na Magna Carta de 1988, permite-se inferir que “Onde há trabalho, há dinamismo, construtividade, progresso e bem-estar social. Onde não há trabalho há desemprego, miséria, estagnação social e desconstrutividade” (SILVA, 2009, p. 651), pelo que se examinará, outrossim, a perspectiva constitucional, mormente principiológica, à luz da teoria da força normativa da Constituição, bem como convencional da matéria sob espeque, a fim de possibilitar ao leitor uma interpretação conforme a Lei Maior. 2. A DISPENSA COLETIVA ANTES DA LEI N. 13.467/2017 De início, insta definir a dispensa coletiva para assim melhor compreender sua distinção das modalidades individual e plúrima de despedimento. Tem-se a dispensa coletiva como objeto de estudo do Direito Coletivo do Trabalho, delineada já nos idos de 1974 por Orlando Gomes (1974, p. 575) como “a rescisão simultânea, por 443
Muito se critica a nomenclatura dada à Lei n. 13.467/2017. Por exemplo, nas palavras de Reginaldo Melhado, “Reformar, na lexicologia, sugere a ideia de reconstruir, de melhorar, aprimorar, restaurar. Nada disso aparece na Lei n. 13.467/2017: ela representa uma tentativa de devastação, de derruimento brutal, de excisão impiedosa e retrógrada não apenas no direito do trabalho, mas da própria noção de cidadania e de sociedade democrática. Não é razoável chamá-la reforma. MELHADO, Reginaldo. Trabalhador pseudossuficiente: o conto do vigário da autonomia da vontade na “reforma” trabalhista. FELICIANO, Guilherme Guimarães; TREVISO, Marco Aurélio Marsaglia; FONTES, Saulo Tarcísio de Carvalho (Orgs,). In: Reforma trabalhista: visão, compreensão e crítica. São Paulo: LTr, 2017, p. 95, nota de rodapé 1. Para Francisco Meton e Francisco Péricles Marques de Lima, a Lei n. 13.467/2017 “não dialogou com os seus destinatários e os legítimos interlocutores sociais, padecendo de ilegitimidade originária. Trata-se de uma lei unilateral, concebida e concluída apenas por um segmento da sociedade – as grandes empresas. LIMA, Francisco Meton Marques; LIMA, Francisco Péricles R. Marques. A Lei n. 13.467/2017 abalou, mas não implodiu os fundamentos do direito do trabalho. FELICIANO, Guilherme Guimarães; TREVISO, Marco Aurélio Marsaglia; FONTES, Saulo Tarcísio de Carvalho (Orgs,). In: Reforma trabalhista: visão, compreensão e crítica. São Paulo: LTr, 2017, p. 65. 444 Ver mais in DELGADO, Gabriela Neves. O trabalho enquanto suporte de valor. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte - n. 49, jul./dez. 2006, p. 63-78. E também in: DELGADO, Gabriela. Trabalho digno: valor-fonte do estado democrático de direito. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, Belo Horizonte, n. 13, 2006, p. 477-502.
258
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
motivo único, de uma pluralidade de contratos de trabalho numa empresa, sem substituição dos empregados dispensados”. Segundo Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 388) é coletiva a espécie de dispensa que alcança “mais de um empregado, por um único motivo igual para todos, quase sempre razões de ordem objetiva da empresa, como problemas econômicos, financeiros e técnicos”. São características peculiares da dispensa coletiva, a ensejar sua completa diferenciação dos demais despedimentos, os pressupostos atinentes: (i) à particularidade da causa motivadora da despedida; e (ii) ao intuito único de reduzir permanentemente o quadro de funcionários (GOMES, 1974, p. 575). Isso porque, a partir desses traços determinantes, é possível sepultar confusão que por vezes se estabelece entre os variados modelos de dispensas. Enquanto que a intenção patronal aqui é tornar mais enxuto o quadro de pessoal de forma definitiva, sem vistas à substituição de trabalhadores, seja em virtude da desnecessidade superveniente de seus serviços, seja porque a empresa não dispõe de condições de mantê-los, a motivação que se exige para a configuração do despedimento coletivo se revela por meio da sua exclusividade, isto é, “não visa o empregador a pessoas concretas, mas a um grupo de trabalhadores identificáveis apenas por traços não pessoais” (GOMES, 1974, p. 575). De lado diametralmente oposto, encontra-se a dispensa individual, tema de que se ocupa o Direito Individual do Trabalho, a mais comumente praticada na realidade brasileira (SANTOS, 2017, p. 26). Conceitua-se como sendo aquela que “envolve um único trabalhador, ou que, mesmo atingindo diferentes empregados, não configura ato demissional grupal, ou uma prática maciça de rupturas contratuais (o chamado layoff)” (DELGADO, 2017, p. 1314). No tópico, o Brasil adota a teoria do employment at will, segundo a qual inexistem no ordenamento jurídico amarras ao direito de dispensar o trabalhador, ainda que sem motivação, assemelhando-se, assim, à denúncia vazia do contrato civil de locação, ato aperfeiçoado com o adimplemento dos consectários previstos em lei (SANTOS, 2017, p. 26). Nesses moldes, há quem julgue se tratar a dispensa individual de prática primitiva e retrógrada, visto que completamente desviada do sistema de princípio e direitos fundamentais inscritos na Magna Carta de 1988 (SANTOS, 2017, p. 26), em afronta à literalidade da norma contida no inciso I do artigo 7º, deste Texto Constitucional (BRASIL, 1988)445. A dispensa plúrima, a seu turno, ocorre quando “numa empresa se verifica uma série de despedidas singulares ou individuais, ao mesmo tempo, por motivo relativo à conduta de cada empregado dispensado” (GOMES, 1974, p. 576). Para Nelson Mannrich (2000, p. 198), a diferença entre as despedidas reside “no motivo: quando a dispensa decorrer da mesma causa, englobando e compreendendo todos os empregados, é coletiva; quando os motivos forem distintos, é plúrima”. Ainda quando a dispensa individual implique cessação de grande número de contratos de trabalho (despedida plúrima), não se desfigurará, contanto que o seu fato gerador tenha pertinência com a relação entre empregado e empregador, a corroborar com a extinção contratual pautada em uma diversidade de motivos (SILVA, 2009, p. 656). De igual sorte, a caracterização da despedida coletiva se perfaz independentemente do critério quantitativo, mesmo que importe a dispensa de apenas um trabalhador, mas desde que corresponda a motivo de ordem interna do empregador e não tenha por intenção a substituição do quadro de pessoal (MANNRICH, 2000, p. 216). Entretanto, a Constituição Federal de 1988, não obstante previsão expressa em seu artigo 7º, inciso I, da proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa como direito social fundamental, até o momento, não teve cumprido o seu comando quanto à exigência de regulamentação 445
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.
259
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
via lei complementar, frustrando o próprio sentido da norma, a despeito da aplicabilidade imediata que lhe é inerente por força do § 1º do artigo 5º da Lei Fundamental (BRASIL, 1988)446. Embora silente o legislador ordinário brasileiro acerca da conceituação, bem como quanto à procedimentalização do instituto da dispensa coletiva, há rápida referência a ela no artigo 165 da Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 1943)447, que trata dos órgãos de segurança e de medicina do trabalho nas empresas, enunciando os motivos que configuram uma despedida arbitrária, quais sejam, disciplinar, técnico, econômico ou financeiro. Com exceção do disciplinar, os demais podem amparar a dispensa coletiva (SILVA, 2009, p. 657). Já a Organização Internacional do Trabalho (OIT) adotou normativa acerca do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador em 1982, a Convenção n. 158 (OIT, 1982), que em seu artigo 4º dispõe serem motivos justificadores do término da relação de trabalho pelo empregador os relativos à capacidade ou ao comportamento do trabalhador ou, ainda, se fundado nas necessidades da empresa, do estabelecimento ou do serviço. O artigo 13, por sua vez, estabelece condições para a consumação do término da relação de trabalho por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos, sendo elas o oferecimento das informações sobre a dispensa à representação obreira e a tentativa de negociação coletiva para evitar ou limitar as extinções pactuais. A citada Norma Internacional supriria a omissão legislativa brasileira, porquanto serviu de baliza para fixar o conceito de dispensa coletiva em sendo aquela “que importa o desligamento de um número significante de empregados por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos” (SILVA, 2009, p. 657). Contudo, embora tenha sido ratificada internamente em 10 de abril de 1996, por meio do Decreto 1.855, deixou de vigorar a partir de 20.11.1997, por força do Decreto 2.100, de XXXX, passando a prevalecer o entendimento de que o inciso I do artigo 7º da Constituição de 1988 impõe seja lei complementar a disciplinar a proteção contra a despedida arbitrária e injusta. Alçada ao status de mera lei ordinária, a Convenção n. 158 da OIT não teria, portanto, preenchido requisito formal de constitucionalidade, mesmo antes de expurgada do ordenamento jurídico pátrio (GARCIA, 2016, p. 676). Com efeito, continua a tramitar no Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1625-3) (BRASIL, STF, 1997) questionando a constitucionalidade da denúncia da Convenção n. 158 da OIT pelo Estado brasileiro, sob o fundamento de que por ser a denúncia ato complexo, dependeria de anuência tanto do Presidente da República como do Congresso Nacional para ter validade, não tendo sido dado consentimento parlamentar para tanto (GARCIA, 2016, p. 681). Ademais, argumenta-se ainda em sede da ADI 1625-3 que a mencionada denúncia teria sido intempestiva, dado que fora do prazo fixado pela Norma Internacional. Ambos os argumentos aguardam decisão final pelo Excelso Pretório. Diante do impasse jurídico pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade ou não da denúncia da Convenção n. 158 da OIT, ante, ainda, a falta de regramento legal sobre o tema e à luz da principiologia adota pela Constituição de 1988 e pela Ordem Internacional, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho (TST), instada por meio do Dissídio Coletivo nº TST-RODC 0030900-12.2009.5.15.0000 (BRASIL, TST, 2009) a se manifestar sobre o despedimento de mais de 4 mil trabalhadores de 446
Art. 5º, § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Art. 165 - Os titulares da representação dos empregados nas CIPA (s) não poderão sofrer despedida arbitrária,
447
entendendo-se como tal a que não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro. Parágrafo único - Ocorrendo a despedida, caberá ao empregador, em caso de reclamação à Justiça do Trabalho, comprovar a existência de qualquer dos motivos mencionados neste artigo, sob pena de ser condenado a reintegrar o empregado.
260
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
uma grande empresa brasileira, decidiu, por maioria, ser indispensável a negociação coletiva prévia para a ocorrência de lídima despedida massiva. O voto de relatoria do Ministro Mauricio Godinho Delgado baseia-se na existência e aplicabilidade de um estuário normativo o qual não permitiria equiparar a dispensa coletiva à individual, dispondo detidamente que: (...) a ordem constitucional e infraconstitucional democrática brasileira, considerada a Constituição de 1988 e diversos diplomas internacionais ratificados (ilustrativamente, Convenções OIT n. 11, 98, 135 e 141), todo esse universo normativo não autorizaria o “manejo meramente unilateral e potestativista das dispensas trabalhistas coletivas, por se tratar de ato/fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, e não Direito Individual, exigindo, por consequência, a participação do(s) respectivo(s) sindicato(s) profissional(is) obreiro(s) (BRASIL, TST, 2009).
Todavia, a premissa de imprescindibilidade da negociação coletiva foi fixada, vencido o Relator, apenas para os casos de dispensa coletiva ocorridos após a data do julgamento, 10.08.2009, sem também os reflexos decorrentes, tais como reintegração, indenização ou prorrogação contratual, por exemplo. De fato, o TST-RODC 0030900-12.2009.5.15.0000 consiste em importante decisão por levar em conta os efeitos nocivos da equiparação de ambos os despedimentos e por entender imprescindível a interveniência sindical prévia à despedida, tendo de leading case alçado o status de “precedente judicial decisivo na análise de validade das dispensas coletivas no Brasil” (MELO e ROCHA, 2018, mimeografado). Ressalta Mitidiero (2016, p. 96), vale recordar, a distinção entre precedente e mera decisão judicial: Os precedentes não são equivalentes às decisões judiciais. Eles são razões generalizáveis que podem ser identificadas a partir das decisões judiciais. O precedente é formado a partir da decisão judicial e colabora de forma contextual para a determinação do direito e para a sua previsibilidade. (Grifos do original).
Assim, de acordo com a sistemática introduzida no ordenamento jurídico pátrio pelo novo Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)448, os precedentes detêm aptidão para se firmar como paradigma para casos futuros. 3. A DISPENSA COLETIVA APÓS A LEI N. 13.467/2017 Sob o argumento de “assegurar a igualdade no tratamento entre os empregados quanto aos direitos oriundos da rescisão imotivada no contrato de trabalho, independentemente da modalidade de dispensa: individual, plúrima ou coletiva” (BRASIL, Câmara dos Deputados, 2017), a dispensa ou despedida coletiva de trabalhadores foi versada pela Lei 13.467/2017 com a introdução do artigo 477-A à Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (BRASIL, 1943), para fazer constar que, in litteris: Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação. 448
Art. 489. São elementos essenciais da sentença: § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (...) V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
261
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
No tocante à disposição jurídica da dispensa coletiva na Lei n. 13.467/2017, tem-se o seguinte panorama. Prima facie, é possível extrair do novel texto legal que o desligamento coletivo de trabalhadores continua não procedimentalizado, porquanto permanece a omissão legislativa a respeito do seu conceito, requisitos e parâmetros para sua configuração válida no mundo jurídico laboral. Ato contínuo, depreende-se do dispositivo acima transcrito que a dispensa coletiva foi igualada para todos os fins às demais dispensas, em que pese a natureza jurídica distinta de cada uma delas. Ademais, ficou claramente reconhecida e oficializada a prática arbitrária das dispensas, isto é, sem que haja qualquer motivação do ato, mesmo em relação à despedida coletiva, tendo em vista a expressa previsão da desnecessidade de justificação do despedimento nas suas modalidades individual, plúrima e coletiva, em afronta à norma contida no inciso I do artigo 7º da Magna Carta (GARCIA, 2017, p. 189). Além disso, relegou à mera faculdade das partes a submissão das dispensas à negociação coletiva, o que equivale ao seu total desincentivo, em clara ofensa aos artigos 7º, inciso XXVI, e 8º, incisos III e VI, ambos da Constituição Federal, a revelar evidente desprestígio da negociação coletiva e das entidades de classe da massa trabalhadora, de modo a enfraquecê-los. Muito embora a Lei n. 13.467/2017 somente tenha, como dito antes, iniciado sua vigência a partir de 11.11.2017, seus efeitos já têm sido sentidos no âmbito forense em todo território nacional. Mesmo o expediente das despedidas coletivas de trabalhadores tem sido manejado pelo patronato brasileiro nos moldes em que preconizado pelo artigo 477-A da CLT. Nesse passo, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, por exemplo, foi instado a se manifestar por meio da Ação Civil Pública nº 1001897-48.2017.5.02.0041 (BRASIL, TRT2, 2017), manejada pelo Ministério Público do Trabalho, em caso em que dois hospitais pertencentes ao mesmo grupo econômico dispensaram coletivamente, ainda em setembro de 2017, isto é, antes de a Lei n. 13.467/2017 passar a viger, sem negociação coletiva prévia, mais de 100 (cem) empregados para recontratar alguns deles como terceirizados. Ao argumento de que tanto as dispensas coletivas como as recontratações mediante contrato de terceirização são ilícitas, tendo em vista o caráter redução de custos e responsabilidades patronais às custas da subtração de direitos obreiros, o Parquet do Trabalho requereu o cancelamento das despedidas e a reintegração dos empregados. Em sede de decisão liminar publicada em 21.11.2017, o Juízo da 41ª Vara do Trabalho de São Paulo/SP reverteu as dispensas coletivas, declarando “canceladas as demissões em massa” perpetradas pelos hospitais e determinando a reintegração dos trabalhadores, além de cominar pena de multa às empresas caso não se abstenham de cometer novas dispensas coletivas sem prévia interveniência sindical (BRASIL, TRT2, 2017). Em casos que tais ao acima narrado, os empregadores têm aviado Correição Parcial com pedido liminar perante o TST que, por meio de sua Presidência, não obstante o instrumento jurídico utilizado possuir finalidade diversa, tem suspendido os efeitos da tutela de urgência antecipada para permitir, baseando-se apenas no princípio da legalidade do qual entende que decorreria o “império da lei”, despedidas coletivas sem prévia participação sindical, conforme a literalidade do artigo 477-A da CLT (BRASIL, TST, 2018). Eis o atual panorama legal e jurisprudencial da dispensa coletiva de trabalhadores no Brasil. 4. O CENÁRIO DE PROTEÇÃO AO TRABALHO NO BRASIL A dispensa de trabalhadores, seja ela individual ou coletiva, é motivo de grande preocupação por parte da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Essa categórica afirmação se baseia não somente na quantidade de vezes em que o Texto Constitucional vigente trata do trabalho como “suporte de valor”449, com realce aos artigos 1º, 449
Ver mais in DELGADO, Gabriela Neves. O trabalho enquanto suporte de valor. Revista da Faculdade de
262
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
incisos III e IV; 3º, incisos I, III e IV; 170, caput e inciso VIII e 193, o que por si só já denota a relevância do tema, mas também no fato de que a alocação do valor trabalho vem sustentada em princípios fundamentais da República e da sua ordem econômica e financeira, além de social, o que, não por acaso, teve a finalidade premeditada de impregná-lo de sentido450. É por reconhecer a carga valorativa inerente ao trabalho que a Norma Fundamental de 1988 cuidou de lhe conceder tamanho destaque e especial zelo, não se atendo a preconizá-lo, a exemplo do que fez a Carta Política de 1946 em seu artigo 145, como mera obrigação social que proporciona digna existência, assim relegando o homem à condição de simples instrumento para consecução dos fins do Estado em vez de torná-lo alvo para o qual devem convergir toda e qualquer atividade estatal (PANCOTTI, 2009, p. 43)451. De forma inédita, o panorama da história constitucional brasileira foi alterado em 1988 para inserir os direitos sociais, particularmente, em posição de destaque, inclusive se comparado a outros ordenamentos constitucionais, tendo sido inovatório, pois: Não apenas em termos quantitativos, ou seja, no que diz respeito ao número expressivo de direitos sociais expressa e implicitamente consagrados pela Constituição, mas também em termos qualitativos, considerando especialmente o regime jurídico-constitucional dos direitos sociais, a Assembléia Constituinte de 1988 foi inequivocamente (para alguns em demasia!) amiga dos direitos sociais (...) (SARLET, 2008, p. 2).
Assim, os direitos sociais foram erigidos à categoria de direitos fundamentais, superando discussões que defendiam o contrário, bem como a problemática sobre a sua eficácia e efetividade, mesmo a par das críticas ferozes a respeito da sua própria constitucionalização, bem quanto ao regime jurídico-constitucional que se lhes deveria assegurar e a sua extensão (SARLET, 2008, p. 2-20). Como fruto da histórica evolução política que culminou na promulgação, em 5 de outubro de 1988, da Constituição Federal, o trabalho no Brasil alçou sentido e projeção nunca vistos até então no contexto interno, passando, assim, a receber tratamento constitucional que permitiu edificá-lo como verdadeiro valor social, tendo em vista que: (...) subjacente e presente como ideia-central que norteia o nosso ordenamento jurídico constitucional. Basta um exame rápido da Constituição para detectar em várias passagens o destaque especial do fator trabalho como fundamento para o desenvolvimento humano, econômico e como base do bem-estar e da justiça sociais (PANCOTTI, 2009, p. 42).
O recém-inaugurado Estado Democrático de Direito brasileiro, imediatamente antes de prever de forma expressa o valor social do trabalho e da livre iniciativa na Magna Carta, houve por bem incluir a dignidade da pessoa humana como ideal máximo a reger a diversidade de aspectos que compõem a vida em sociedade, dentre eles o econômico e o social, porquanto é por meio do trabalho que o homem se realiza e se insere no cenário social, efetivando, assim, a pessoa humana como valor-fonte, conforme matriz eminentemente democrática (DELGADO G., 2008, p. 4). Já desde o preâmbulo da Constituição Cidadã de 1988, o Constituinte Originário afirmou a pessoa humana, e não qualquer outro ser ou ente, como alvo de sua atenção e em função de quem ele é instituído e se desenvolve. Nesse sentido: A eleição da pessoa humana como ponto central do novo constitucionalismo, que visa a assegurar sua dignidade, supõe a necessária escolha constitucional da Democracia Direito da Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte - n. 49, jul./dez. 2006, p. 63-78. 450 Sob a perspectiva formal, lembra Gabriela Neves Delgado, a novel ordem constitucional de 1988 revolucionou ao introduzir em capítulo próprio, “Dos Direitos Sociais”, os direitos trabalhistas, outrora incluídos no domínio da ordem econômica e social, cf. a obra A centralidade do trabalho digno na vida pós-moderna. Disponível em: <http:// tpmagister.lex.com.br/lexnet/dll/Dout/4ca?f=templates&fn=document-frame.htm&2.0>. Acesso em: 20 abr. 2016. 451 Ver mais a respeito in SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
263
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
como o formato e a própria energia que tem de perpassar toda a sociedade política e a própria sociedade civil. Sem democracia e sem instituições e práticas democráticas nas diversas dimensões do Estado e da sociedade, não há como se garantir a centralidade da pessoa humana e de sua dignidade em um Estado Democrático de Direito. Sem essa conformação e essa energia democráticas, o conceito inovador do Estado Democrático de Direito simplesmente perde a consistência, convertendo-se em mero enunciado vazio e impotente (DELGADO, M., 2015, p. 43).
A partir do reconhecimento da centralidade da pessoa humana no Estado brasileiro por força da Constituição de 1988, é possível concluir, por decorrência lógica, que o trabalho a que lá se faz menção, alvo de previsão e proteção estatais, não é outro senão o digno, já que: Se o trabalho é um direito fundamental, deve pautar-se na dignidade da pessoa humana. Por isso, quando a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 refere-se ao direito ao trabalho, implicitamente já está compreendido que o trabalho valorizado pelo texto constitucional é o trabalho digno. Primeiro, devido ao nexo lógico existente entre os direitos fundamentais e o fundamento nuclear do Estado Democrático de Direito que é a dignidade da pessoa humana. Segundo, porque apenas o trabalho exercido em condições dignas é que é instrumento capaz de construir a identidade social do trabalhador (DELGADO, G., 2008, p. 9).
Afinal, “o homem sem o trabalho é um cérebro sem a ferramenta transformadora. Viver é, antes de tudo, trabalhar” (SILVA, 2009, p. 650). “O trabalho, manifestação da personalidade, é o instrumento pelo qual alguém passa de indivíduo a pessoa e passa a ter respeito no ambiente social em que se manifesta” (PAULA, 2011, p. 211). Em virtude de, como já dito antes, a natureza jurídica do instituto da dispensa coletiva ser de Direito Coletivo do Trabalho, o qual se ocupa das regras, princípios, institutos e instituições distintos daqueles de que cuida o Direito Individual do Trabalho, encarregando-se dos direitos de natureza metaindividual e também daqueles da mais alta dignidade humana, redunda em interesse que transcende a esfera individual, merecendo tratamento especial (SANTOS, 2017, p. 28). É acerca da feição coletiva e sua peculiar proteção que continua a discorrer Enoque Ribeiro dos Santos (2017, p. 28): A presença do interesse público primário de toda a sociedade impõe a esse ramo do Direito uma proteção especial, com a efetiva e necessária participação dos legitimados ou autores ideológicos, entre eles o Ministério Público do Trabalho, neste desiderato, como gestor do microssistema de tutela coletiva e dos instrumentos de que dispõe para proteger os direitos sociais e indisponíveis dos trabalhadores.
Segundo Cláudio Jannotti da Rocha (2017, p. 135-143), a proteção contra a despedida coletiva trata-se de direito que se enquadra na categoria de direito metaindividual, na acepção mais ampla do termo, porquanto se adequa aos três casos dispostos no artigo 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor – CDC (BRASIL, 1990), quais sejam, relembre-se, direitos difusos, direitos individuais homogêneos e direitos coletivos em sentido estrito. Assim, requer atenção diferenciada a modalidade injusta e coletiva de despedida de trabalhadores, porquanto “gera impactos econômicos em diversas famílias, dizima financeiramente comunidades inteiras, aumenta-se o exército de desempregados, acentua-se as desigualdades sociais, enfim, precariza-se” (TEODORO e SILVA, 2010, p. 153). No campo do Direito Coletivo do Trabalho, para atingir a compreensão e a lógica do sentido e do alcance da norma jurídica, deve-se lançar mão, também aqui, dos métodos científicos interpretativos do Direito, quais sejam, o lógico-racional, o sistemático e o teleológico, de forma conjugada, em detrimento dos métodos gramatical-literal e histórico, já superados por sua fragilidade científica (DELGADO M. e DELGADO G., 2017, p. 216-218). Para fins exegéticos, há que ser considerada, ainda, a peculiaridade juslaboral de dar tonicidade à índole finalística das disposições normativas relativas ao Direito do Trabalho, visto que 264
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
estas têm por incumbência efetivar valores humanos, suplantando interesses individualistas do poderio econômico (DELGADO M. e DELGADO G., 2017, p. 223). Seguindo a regra que se aplica a todo novo diploma normativo, agora para examinar a compatibilidade do artigo 477-A da Lei 13.467/2017 com o ordenamento jurídico que o envolve, é preciso submeter o dispositivo, em primeiro lugar, ao sistema jurídico-constitucional, fonte da qual exsurgem os alicerces essenciais do Estado Democrático de Direito brasileiro (DELGADO M. e DELGADO G., 2017, p. 21). Há que levar em conta, ainda, a diretriz principiológica trazida por este novo paradigma constitucional do Estado Democrático de Direito, bem como a tessitura dos direitos fundamentais intrínsecos ao ser humano, além do ideário do Direito enquanto ferramenta civilizatória, os quais também devem permear o estudo do tema (DELGADO M. e DELGADO G., 2017, p. 22-38). É preciso guardar que os princípios têm caráter e conteúdo normativo, como afirma Mauricio Godinho Delgado (2015, p. 168), segundo quem: (...) tal concepção é conquista de mais de sessenta anos na história do Direito e na cultura jurídica ocidental. É preciso que se passe, de fato, a reconhecer aos princípios efetiva força normativa. Não é tolerável mais que vejamos certo modestíssimo artigo de lei, certo modestíssimo parágrafo ou inciso de texto de lei inviabilizando, esterilizando, frustrando comandos firmes, lógicos, transparentes, diretos de toda uma gama impressionante de princípios jurídicos constitucionais (...).
Nas palavras de Paulo Bonavides (2014, p. 300), a mencionada força normativa dos princípios é teoria que prevalece na fase atual, em que vigora o pós-positivismo jurídico, mediante processo que se deu com a seguinte evolução: Em resumo, a teoria dos princípios chega à presente fase do pós-positivismo com os seguintes resultados já consolidados: a passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor de densidade normativa; a transição crucial da ordem jusprivatista (sua antiga inserção nos Códigos) para a órbita juspublicística (seu ingresso nas Constituições); a suspensão da distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação de sua normatividade; a perda de seu caráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma, e, finalmente, por expressão máxima de todo este desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a total hegemonia e preeminência dos princípios. (Grifos nossos).
Nesse sentido, a partir da utilização do já ultrapassado método interpretativo gramatical ou literal, enaltecidos pelo intento reformista, em especial quanto ao inscrito no artigo 477-A, conclui-se que muitos princípios de matriz humanística e social preconizados com o advento da Magna Carta de 1988 foram negligenciados, são eles: (...) centralidade da pessoa humana na ordem socioeconômica e jurídica, da dignidade da pessoa humana, do bem-estar individual e social, da inviolabilidade física e psíquica do direito à vida, da igualdade em sentido material, da segurança em sentido amplo e social, ao invés de apenas em sua antiga acepção patrimonial, além do princípio da valorização do trabalho e emprego – este em paridade e simetria (ao contrário de subordinação) com o princípio da livre iniciativa –, sem contar, ainda, o princípio da subordinação da propriedade à sua função social, todos esses princípios e normas constitucionais de 1988 são descurados pela literalidade da regra inserida no recente art. 477-A da CLT. (DELGADO M. e DELGADO G., 2017, p. 181).
A lógica do procedimento de despedida que pauta a Lei 13.467/2017 altera, apenas formalmente, a nomenclatura de trabalho precarizado em emprego, mas sem lhe conferir proteção, ao que desnatura o vínculo jurídico consubstanciado pelo contrato de trabalho e descumpre o Direi265
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
to do Trabalho, por meio da sua legislação, o mister de dar a dignidade que cabe ao empregado (ALMEIDA, 2017, p. 266-270). Bem de encontro, também, aos fundamentos decisórios tomados pela maioria da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST por ocasião do julgamento do paradigmático RODC 0030900-12.2009.5.15.0000 e, por consequência, ao arcabouço jurídico à disposição na Carta Política de 1988 e em diplomas internacionais vários ratificados pelo Brasil no acórdão retratado, a Lei n. 13.467/2017 prescreve parca mas astuciosamente aquilo que larga doutrina, inclusive estrangeira, combate: a equiparação entre dispensas individuais e coletivas (GOMES, p. 577-578). Segundo o voto do relator no citado processo TST-RODC 0030900-12.2009.5.15.0000 (BRASIL, TST, 2009), impõe-se o reconhecimento da “distinção normativa entre as dispensas meramente tópicas e individuais e as dispensas massivas, coletivas, as quais são social, econômica, familiar e comunitariamente impactantes”. Em virtude justamente das consequências diversas, amplas e violentas da dispensa coletiva no seio social é que seria pertinente envidar esforços para obstar o seu evento, pois, ainda quando não se puder evitá-la, seria importante que fosse antecedida por mecanismos capazes de, ao menos, atenuar seus efeitos perante a própria classe trabalhadora interessada, bem como a sociedade, sobre quem também ecoam as implicações do ato patronal injusto e não arbitrário de extinção do contrato (GARCIA, 2017, p. 188). A inércia patronal em nem sequer tentar instrumentalizar a dispensa coletiva por meio de expedientes que se não eliminem o risco do desligamento abrandem seus impactos sociais, em atenção ao imperativo constitucional e convencional de participação sindical profissional nos conflitos de interesses da categoria que representa, levam a inferir, no mínimo, a nulidade dessa espécie de prática despeditória, conforme a seguir: Isso permite afirmar a obrigatoriedade de ser observar o processo de diálogo entre os envolvidos sob pena de ‘nulidade’ procedimental ou até abusividade (para não dizer de má-fé, contrariedade aos bons costumes e ilicitude nas condutas) da decisão unilateral da empresa de demitir diversos trabalhadores. (TEODORO e SILVA, 2010, p. 156).
Nessa vereda, ao prever a dispensabilidade da negociação coletiva prévia, o artigo 477-A da CLT recém-alterada feriu, também, o Código Civil (BRASIL, 2002)452 no seu artigo 422 e a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (BRASIL, 1942)453 no seu artigo 5º, contrariando a boa-fé objetiva que deve pautar os contratos civis e, com mais razão, os contratos de trabalho, sem olvidar da transgressão aos princípios da confiança e da informação, de maneira a evidenciar abuso do direito, na conformidade do artigo 187 do Digesto Civil (ROCHA, 2010, p. 224). Tal fundamento civilista amparou a decisão regional do dissídio coletivo em tela no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (BRASIL, TRT15, 2009), tendo constado do voto vencedor do relator a declaração de abusividade, à guisa de negociação coletiva, da dispensa coletiva perpetrada pela Embraer em caso emblemático que deu origem ao precedente judicial no TST. No âmbito internacional, também, o mundo do trabalho tem sido objeto de uma pluralidade de Tratados, Convenções e Recomendações, em especial, por parte da Organização das Nações Unidas – ONU –, bem como da Organização Internacional do Trabalho – OIT. Nessa perspectiva, apesar de gozarem elas de status de norma supralegal, a desarmonia com os propósitos da Lei n. 13.467/2017 é manifesta, atingindo tratados internacionais de direitos humanos, dentre eles alguns dos Diplomas da OIT, a saber, as Convenções n. 98, 144, 154 e a 158. No que concerne à Convenção n. 158 (OIT, 1982), conquanto já não mais detenha validade no território nacional, admite-se a utilização dela como fonte formal do Direito do Trabalho por 452
Art. 422 - Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 453 Art. 5º - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
266
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
imposição do artigo 8º, bem como da interpretação estrita do § 2º do artigo 5º, da Constituição (SOUTO MAIOR, 2017, p. 2). Dessarte, o artigo 477-A da CLT, introduzido pela Lei n. 13.467/2017, sucumbe ao exame de compatibilidade vertical com a Convenção n. 158 da OIT, que não admite a cessação da relação jurídica formal de emprego por alvitre exclusivo do patrão quando a causa for estranha à pessoa do empregado, consoante artigos 4º e 13, do Diploma Internacional, a prescrever procedimentos para a terminação válida do vínculo, tais como pré-aviso da intenção de despedir e negociação coletiva. Nem mesmo o fato de o Brasil ter sido membro fundador da Organização Internacional do Trabalho e ter participado da Conferência Internacional do Trabalho desde a sua primeira reunião o inibiu de, por meio do artigo 477-A da CLT, ignorar as ratificadas e vigentes Convenções n. 98 e 154 (OIT, 1949 e 1981), que cuidam, respectivamente, do direito de sindicalização e de negociação coletiva e do fomento à negociação coletiva. Nada obstante, a Convenção n. 98, a seu turno, trazer previsão explícita no seu artigo 4º a respeito da necessidade de estimular a negociação entre os atores sociais que formam a relação de emprego – a fim de estabelecer não somente as condições de emprego como também os seus termos –, e a de número 154, ambas da OIT, a seu lado, impor a notificação e a participação sindical obreira nas decisões patronais que ressoem no conjunto de seus empregados, o novo padrão de despedimento imposto por força do artigo 477-A da CLT as rejeita também flagrantemente. 5. CONCLUSÃO Sendo o trabalho o meio, por excelência, pelo qual o ser humano alcança dignidade, porquanto permite a identificação pessoal, a inclusão social e a subsistência do indivíduo trabalhador e de sua família, o presente artigo buscou evidenciar que ele precisa e merece ser, efetivamente, protegido, motivo porque foi inserto na Constituição Federal de 1988 como bem jurídico fundamental e em favor de quem foi disponibilizado um arsenal assecuratório. A contrario sensu, não o reconhecer como dotado da fundamentalidade e aplicabilidade advindas da própria Constituição consubstanciaria real desproteção e, portanto, violação ao cerne civilizatório que se extrai dos preceitos constitucionais da nova ordem estatuída no Brasil desde 1988. O fiel cumprimento dos princípios e demais imperativos constitucionais atinentes ao trabalho, de forma a dar o máximo de concretude à Lei Maior, é dever do Estado e da sociedade, em especial dos operadores do Direito do Trabalho, auxiliados que são pela ordem jurídica internacional, afastando a aplicação de tudo quanto não se coadunar com o que incorporado pela vigente Constituição da República de 1988, pois, como observa Mauricio Godinho Delgado (2015, p. 168): (...) no regime de império da Constituição, esta, evidentemente, há de prevalecer sobre o labor mais cotidiano de construção e divulgação normativas infraconstitucionais. As leis, é claro, como se sabe, devem ser lidas em conformidade com o Texto Máximo – e não o inverso.
Por força do artigo 8º, incisos III e VI da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988)454, a participação sindical não se coloca ao alvitre das partes como mera faculdade, mas como direito, afinal “onde quer que os interesses da empresa e dos trabalhadores nas relações laborais estiverem em jogo, far-se-á imprescindível a participação do sindicato obreiro” (EBERT, 2010, p. 438). 454
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (...) III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; (...) VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;
267
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Nessa medida e de acordo com a análise aqui empreendida, é possível concluir que o artigo 477-A, introduzido pela Lei (ordinária) n. 13.467/2017, não alterou a feição do instituto da dispensa coletiva, que continua sob a tutela do Direito Coletivo do Trabalho, já que impacta fortemente empregado, empregador e toda a sociedade, pelo que necessária a prévia interveniência sindical para fins de evitar as extinções contratuais abusivas ou, ao menos, minorar seus efeitos, consoante interpretação constitucional e internacional. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Paula Freitas de. Good-bye, loser! – O sistema de despedimento na CLT. TEIXEIRA, Marilane Oliveira... [et al.]. In: Contribuição crítica à reforma trabalhista. Campinas, SP: UNICAMP/IE/ CESIT, 2017. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 29ª. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 300. BRASIL. Câmara dos Deputados. Parecer Substitutivo da Comissão Especial no Projeto de Lei 6.787/2016, voto do Relator, Deputado Federal Rogério Marinho. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1544961&filename=SBT+1+PL678716+%3D%3E+PL+6787/2016>. Acesso em: 30 nov. 2017. BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocomp ilado.htm>. Acesso em: 18 fev. 2017. BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei n. 4.657, de 4 setembro 1942. (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Disponível em: <http://planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 28 nov. 2017. BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei 5.452, de 1º maio 1943. (Consolidação das Leis do Trabalho). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 17 fev. 2017. BRASIL. Presidência da República. Lei 8.078, de 11 setembro 1990. (Código de Defesa do Consumidor). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 27 nov. 2017. BRASIL. Presidência da República. Lei 10.406/2002, de 10 janeiro 2002. (Código Civil). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 28 nov. 2017. BRASIL. Presidência da República. Lei 13.105, de 16 março 2015. (Código de Processo Civil). Disponível: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 28 nov. 2017. BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 1.625-3/1997. Relator Ministro Maurício Côrrea. Aguarda julgamento. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 04 nov. 2017. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. RODC 0030900-12.2009.5.15.0000. Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado. Sessão de 10.8.2009 (DEJT de 4.9.2009). Disponível em: <http:// www.tst.jus.br>. Acesso em: 23 dez. 2017. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Notícia do TST: Presidente do TST aplica nova norma da CLT em liminar sobre dispensa coletiva da Estácio de Sá. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/ web/guest/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/presidente-do-tst-aplica-nova-norma-da-clt-em-liminar-sobre-dispensa-coletiva-da-estacio-de-sa?inheritRedirect=false&redirect=http%3A%2F%2Fwww. 268
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
tst.jus.br%2Fweb%2Fguest%2Fnoticias%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_89Dk%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_col_id%3Dcolumn-1%26p_p_col_ pos%3D2%26p_p_col_count%3D5>. Acesso em: 15 jan. 2018. BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO. ACP-1001897-48.2017.5.02.0041. Disponível em: https://consulta.pje.trtsp.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/DetalhaProcesso.seam?p_num_pje=1928146&p_grau_pje=1&popup=0&dt_autuacao=&cid=424313. Acesso em: 30 nov. 2017. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO. TRT-SDC-309/2009-000-15-00.4. Relator Desembargador José Antonio Pancotti. Disponível em: <http://portal.trt15.jus.br/>. Acesso em: 23 dez. 2017. DELGADO, Gabriela Neves. A centralidade do trabalho digno na vida pós-moderna. Disponível em: <http://tpmagister.lex.com.br/lexnet/dll/Dout/4ca?f=templates&fn=document-frame.htm&2.0>. Acesso em: 20 abr. 2016. DELGADO, Gabriela Neves. O trabalho enquanto suporte de valor. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte - n. 49, jul./dez. 2006, p. 63-78. DELGADO, Gabriela. Trabalho digno: valor-fonte do estado democrático de direito. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, Belo Horizonte, n. 13, 2006, p. 477-502. DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16ª. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2017. DELGADO, Mauricio Godinho. Justiça do trabalho e sistema trabalhista: elementos para a efetividade do direito do trabalho e do direito processual do trabalho no brasil. DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. In: Constituição da República e direitos fundamentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho. – 3ª. ed. – São Paulo: LTr, 2015. EBERT, Paulo Roberto Lemgruber. O direito à negociação e as despedidas em massa: os deveres de participação do sindicato profissional nas tratativas prévias e de atuação das partes segundo a boa-fé. Revista LTr: legislação do trabalho, São Paulo, v. 74, n. 4, abr. 2010, p. 435-453. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 10ª ed. rev., atual., e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Reforma trabalhista: análise crítica da Lei 13.467/2017. 2ª. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2017. GOMES, Orlando. Dispensa coletiva na reestruturação da empresa: aspectos jurídicos do desemprego tecnológico. LTr: revista de legislação do trabalho, v. 38, n. 7, jul. 1974, p. 575-579. LIMA, Francisco Meton Marques de; LIMA, Francisco Péricles R. Marques de. A Lei n. 13.467/2017 abalou, mas não implodiu os fundamentos do direito do trabalho. FELICIANO, Guilherme Guimarães; TREVISO, Marco Aurélio Marsiglia; FONTES, Saulo Tarcísio de Carvalho (Orgs.). In Reforma Trabalhista – visão, compreensão e crítica. São Paulo: LTr, 2017. MANNRICH, Nelson. Dispensa coletiva: da liberdade contratual à responsabilidade social. São Paulo: LTr, 2000.
269
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
MELHADO, Reginaldo. Trabalhador pseudossuficiente: o conto do vigário da autonomia da vontade na “reforma” trabalhista. FELICIANO, Guilherme Guimarães; TREVISO, Marco Aurélio Marsaglia; FONTES, Saulo Tarcísio de Carvalho (Orgs.). In: Reforma trabalhista: visão, compreensão e crítica. São Paulo: LTr, 2017. MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Cláudio Jannotti da. A dispensa coletiva na reforma trabalhista e os seus maléficos efeitos econômicos, sociais e humanos. São Paulo: LTr, 2018, mimeografado. MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 34ª. ed. São Paulo: LTr, 2009. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção 98, de 1949. Convenção sobre direito de sindicalização e de negociação coletiva. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/temas/ normas/WCMS_235188/lang--pt/index.htm>. Acesso em: 18 fev. 2017. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção 154, de 1981. Convenção sobre fomento à negociação coletiva. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_236162/ lang--pt/index.htm>. Acesso em: 18 fev. 2017. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção 158, de 1982. Convenção sobre terminação da relação de trabalho. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/convencoes/ WCMS_236164/lang--pt/index.htm>. Acesso em: 18 fev. 2017. PANCOTTI, José Antonio. Aspectos jurídicos das dispensas coletivas no brasil. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 35, jul./dez. 2009, p. 39-67. PAULA, Carlos Alberto Reis de. Dispensa coletiva e negociação. Revista do Tribunal Superior do Trabalho – TST, v. 77, n. 2, abr./jun. 2011, p. 209-217. ROCHA, Cláudio Jannotti da. A tutela jurisdicional metaindividual trabalhista contra a dispensa coletiva no brasil. São Paulo: LTr, 2017. ROCHA, Cláudio Jannotti da. Reflexões sobre a dispensa coletiva brasileira. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, v. 51, n. 81, jan./jun. 2010, p. 219-228. SANTOS, Enoque Ribeiro dos. A dispensa coletiva na Lei n. 13.467/2017 da reforma trabalhista. Revista Síntese: trabalhista e previdenciária, v. 29, n. 338, ago. 2017, p. 26-32. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais como direitos fundamentais: contributo para um balanço aos vinte anos da constituição federal de 1988. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 27 out. 2017. SILVA, Antônio Álvares da. Dispensa coletiva e seu controle pelo poder judiciário. Revista LTr: legislação do trabalho, v. 73, n. 6, jun. 2009, p. 650-670. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Os 201 ataques da “reforma” aos trabalhadores. Disponível em: <http:// www.jorgesoutomaior.com/blog/os-201-ataques-da-reforma-aos-trabalhadores>. Acesso em: 30 nov. 2017. TEODORO, Maria Cecília Máximo; SILVA, Aarão Miranda da. Os limites da dispensa coletiva. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, São Paulo, n. 5/2010, p. 149-164. 270
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Oficina IV
271
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Clรกudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
272
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
TUTELA DE EVIDÊNCIA: APLICAÇÃO À JUSTIÇA DO TRABALHO DE ACORDO COM AS NORMAS DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EVIDENCE CARE: APPLICATION TO JUSTICE OF WORK ACCORDING TO THE RULES OF THE NEW CIVIL PROCESS CODE Jamila Guimarães Santos 455 RESUMO: Este trabalho analisa a aplicação do artigo 311 do Novo Código de Processo Civil ao Processo Trabalhista, a partir da análise dos princípios norteadores do processo do trabalho e dos princípios basilares do instituto da tutela antecipada de evidência, perpassando pelos requisitos da concessão, sendo o principal a verossimilhança; as hipóteses previstas no dispositivo. É feita a analise do artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho e o artigo 15 do Novo Código de Processo Civil que preveem a aplicação do Código de Processo Civil de forma subsidiária e supletiva ao Processo Trabalhista, sem que haja superposições, conforme entendimento doutrinário exposto no trabalho, chegando à conclusão de que o instituto da tutela antecipada de evidência poderá ser aplicado ao processo trabalhista, principalmente porque tem como base os princípios norteadores da Justiça do Trabalho, efetividade processual, duração razoável do processo e a proteção aos direitos do trabalhador. PALAVRAS-CHAVE: Tutela antecipada de evidência. Novo Código de Processo Civil. Aplicabilidade ao Processo do Trabalho. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Tutela de evidência; 2.1. Hipóteses da tutela de evidência; 2.2. Princípios norteadores da tutela de evidência; 3. A tutela de evidência na Justiça do Trabalho; 4. Conclusão; 5. Referências. ABSTRACT: This work analyses the application of the article 311 of the New Civil Code Procedure to the Labor Process, based on of the analyses of principles guiding of the Labor Process and basilar principles of the institute of injunctive relief of evidence, permeating by grant requirements, being the verisimilitude the main point. It is analyzed the article 769 of the Consolidation of Labor Laws and the article 15 of the New Civil Code Procedure which predict the application of the New Civil Code Procedure in a subsidiary and suppletive form to the Labor Process, without superimpositions, as doctrinal understanding exposed at work, reaching the conclusion that injunctive relief of evidence may apply to the labor process, mainly because it is based on the guiding principles of the Labor Justice, procedural effectiveness, reasonable length of proceedings ant the protection of workers’ rights. KEYWORDS: Injunctive relief of evidence. New Civil Code Procedure. Applicability to the Labor Procedure. SUMMARY: 1. Introduction; 2. Truthfulness of evidence; 2.1. Hypotheses of the guardianship of evidence; 2.2. Guiding principles of evidence; 3. The protection of evidence in the Labor Court; 4. Conclusion; 5. References. 1. INTRODUÇÃO O presente artigo analisa a aplicação do processo civil à norma de processo do trabalho, a partir do exame da compatibilidade dos institutos do processo civil ao processo trabalhista, observando que as tutelas provisórias já são aplicadas na seara trabalhista, e verificando a possibilidade de aplicação da antecipação das tutelas de evidência ao processo do trabalho. 455
Advogada e mestranda no programa de mestrado do Programa de Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas do UDF. E-mail: jamilaguimaraes@hotmail.com.br.
273
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Baseado em pesquisas bibliográficas que tratam diretamente do assunto, assim como de pontos vinculados ao tema principal do trabalho, artigos de leis que amparam a tutela de evidência, além de diversos artigos científicos que tratam do tema. A Lei 13.105/2015, novo Código de Processo Civil, buscou aperfeiçoar os institutos processuais que têm se tornado obsoletos e ultrapassados diante da dinâmica social que tem se apresentado de forma acelerada. Com isso, o processo que deveria ser sinônimo de segurança e solução dos problemas de forma eficaz, passou a ser tradução de angústia e descrédito daqueles que buscam o Poder Judiciário, principalmente no que concerne ao tempo da prestação jurisdicional, em razão do rito processual que tem se mostrado cada vez mais vagaroso. Um dos institutos que visam a aceleração do procedimento, buscando assegurar os princípios da efetividade e duração razoável do processo, é a tutela antecipada de evidência. Posteriormente, trata-se das hipóteses da tutela de evidência previstas no artigo 311 do Novo Código de Processo Civil. Sobre o instituto foram analisados quais os princípios norteadores da tutela de evidência, pois estes são a base e a finalidade para a qual o instituto foi criado, ou seja, com base no princípio da efetividade busca-se a duração razoável do processo, entre outros tantos princípios que são destrinchados ao longo do tópico específico do tema. Por fim, o foco principal do trabalho é o estudo da aplicação da tutela de evidência na Justiça do Trabalho. Importante pontificar o emprego do Código de Processo Civil ao Processo Trabalhista. Dessa forma, foram expostos exemplos de aplicação da tutela antecipada de evidência ao processo do trabalho, como forma de garantir a efetividade e proteger os direitos sociais amparados pela Consolidação das Leis do Trabalho. 2. TUTELA DE EVIDÊNCIA A ideia básica que orienta a regra da tutela de evidência para demonstrar a incontroversa ou evidência do direito é baseada na certeza e exigibilidade da prova acostada aos autos. Nesse sentido, Paulo Afonso Brum Vaz, exprime com propriedade a essência da tutela antecipada de evidência, quando sustenta que o instituto foi criado na busca de maior efetividade à tutela jurisdicional desvinculada dos requisitos básicos previstos pelas mesmas espécies, tutelas antecipatórias.456 Ainda sobre o tema, Luiz Fux assevera que as situações para deferimento das tutelas evidentes vão além do fumus boni iuris, tratam na realidade de uma probabilidade de certeza do direito alegado, unida à injustificada demora que o processo de conhecimento pode levar até a satisfação do pedido devidamente comprovado pela parte autora, e a demora causaria não apenas a injustiça pela falta de prestação jurisdicional, mas uma espera injusta.457 Dessa forma, se não houver controvérsia, ou se houver controvérsia, mas não sendo pertinente e/ou relevante, ou estando devidamente comprovado pelas provas documentais, ou em caso de defesa protelatória do réu, o direito se torna evidente, sendo esses os requisitos que ensejam o deferimento da tutela de evidência. Por fim, Marinoni assevera que a veracidade dos fatos está intimamente ligada ao grau de convencimento do juiz, e que atestar a veracidade de um fato é significado de que atingiu a consciência de quem julga, alcançando o grau máximo de verossimilhança diante dos meios processuais existentes, sendo esses meios que geram a certeza subjetiva do fato verificado.458 Ainda sobre os requisitos, Pedro Roberto Decomain atesta que o requisito da verossimilhança não opera apenas no terreno dos fatos, há a necessidade de que dos fundamentos jurídicos 456
VAZ, Paulo Afonso Brum. Tutela antecipada fundada na técnica da ausência de controvérsia sobre o pedido (§6º do art. 273 do CPC). RePro, São Paulo, n.131, p.124-144, jan. 2006. 457 FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela da evidência: fundamentos da tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 1996. 458 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil: o acesso à justiça e os institutos fundamentais do direito processual. São Paulo: Ed. RT, 1993.
274
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
do pedido decorra o direito que o autor afirma ter. Não basta que haja razoável segurança como os fatos ocorreram, é preciso, também, que a causa de pedir, representada pelos fundamentos jurídicos, mais as provas apresentadas, conjuntamente façam o julgador concluir que o direito vindicado realmente decorre dos fatos.459 A partir daí o que se pode concluir é que a evidência tem como importante requisito o convencimento do julgador, o qual está estritamente ligado às provas apresentadas no processo. 2.1. HIPÓTESES DA TUTELA DE EVIDÊNCIA Segundo interpretação dada por Marinoni, no artigo 311 do Código de Processo Civil de 2015, o legislador buscou caracterizar a evidência do direito a partir de quatro situações arroladas nos incisos do artigo supramencionado, todos com um denominador comum que as abrange sendo a noção de defesa inconsistente. Dessa forma a tutela pode ser antecipada em razão de defesa inconsistente ou da probabilidade de que seja.460 De acordo com os dizeres de Marinoni, “O que o legislador fez nos incisos do art. 311 foi especificar aquilo que entende como defesa efetiva ou potencialmente inconsistente.”461 E assim afirma e critica o legislador expressando a ideia de que a existência de uma obrigação não contestada já seria suficiente para abarcar todas as hipóteses prevista no artigo 311 do Código de Processo Civil de 2015, a partir de inspiração obtida pelo Autor do direito francês com referência ao artigo 809 do Code de Procedure Civile. O que os incisos do artigo 311 do Código de Processo Civil de 2015 trazem são situações de abuso do direito de defesa e manifesto propósito protelatório, casos de antecipação de tutela não fundados em perigo.462 Afirmou Bodart, que o Código de Processo Civil de 2015 está imbuído pelo espírito da efetividade e economia processual, tendo uma notável preocupação com a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal), que rechaça a procrastinação indevida da tutela aos direitos evidentes, desde a disposição do artigo 4º do Código de Processo Civil de 2015 que traz o direito das partes em obter em prazo razoável a solução integral do mérito.463 Concomitantemente, o Autor assevera que é uma injustiça a demora na tutela dos interesses decorrente do incorreto manejo dos mecanismos processuais por parte do legislador ou pelo juiz, vez que o artigo da Constituição acima citado impõe que o tempo deve ser gerido com razoabilidade, não apenas quanto a decisão final do processo, mas quanto à escolha da parte que irá suportar os inconvenientes advindos da demora no julgamento.464 O que os Autores confrontam é a probabilidade do direito do demandante em detrimento ao risco do erro judiciário. Sendo aquela mais provável de estar correta, não sendo tutelada em tempo razoável traria prejuízo à parte requerente, diante da pouca probabilidade de possível erro do judiciário. Da mesma forma Bodart afirma que o processo não pode recompensar a resistência em juízo, para que não seja vantajoso àquele que busca a dilatação do tempo do curso do processo para se beneficiar, enquanto prejudica aquele que busca a tutela do direito. Assim, tem o entendimento que a possibilidade de proferir decisão diante da evidência de direito, estimulará o réu a solucionar a controvérsia, buscando, inclusive, a conciliação. 465 459
DECOMAIN, Pedro Roberto. Tutela de Urgência e Tutela da Evidência no Novo CPC. Revista Dialética de Direito Processual n. 152. São Paulo. Novembro-2015. p. 6. 460 MARINONI, Luiz Guilherme, Curso de Processo Civil. 1. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 200. 461 MARINONI, Luiz Guilherme, Curso de Processo Civil. 1. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 201. 462 MARINONI, Luiz Guilherme, Curso de Processo Civil. 1. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 201. 463 BODART, Bruno V. da Rós, Tutela de Evidência. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 109-110. 464 BODART, Bruno V. da Rós, Tutela de Evidência. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 112. 465 BODART, Bruno V. da Rós, Tutela de Evidência. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 112.
275
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Para Marinoni, o inciso I do artigo 311 do CPC/2015 deve ser lido como uma regra aberta para todos os casos de antecipação de tutela sem urgência aliado aos casos de uma defesa frágil, e à robustez dos argumentos do demandante e das provas por ele apresentadas na petição inicial. Declara que a tutela de evidência é uma técnica processual voltada à concretização do princípio da igualdade e da paridade de armas entre os litigantes, sendo uma forma de concretizar o lado oculto do processo, ou seja, o lado que vai além do processualismo puro e simples em que o código de processo costuma tratar, buscando desfazer a resistência indevida do processo, principalmente quando o autor depende economicamente do bem tutelado.466 Bodart trata da necessidade ou não do trânsito em julgado da decisão paradigma a ser invocada como fundamento para a tutela de evidência disposta no inciso segundo, ressaltando que não há exigência legal de trânsito em julgado da decisão a ser usada como precedente, mas apenas que tenha sido usada em julgamento de casos repetitivos, visto que não seria razoável aguardar o julgamento de embargos de declaração opostos em face de um acórdão que já estudou e julgou a matéria solucionando a controvérsia.467 O julgamento antecipado de parte ou da totalidade dos pedidos diante da existência de precedente pode ser tanto favorável como desfavorável ao demandante. Não haveria necessidade da citação do demandado se o pedido do autor da ação já se encontra previamente decidido e estabilizado por precedentes dos tribunais, pois acarretaria na oneração com citação, e realização de diligências desnecessárias. Já em caso de provimento ao autor da ação, se houver precedente no sentido de deferimento e havendo documentação comprobatória do direito do demandante, retardar a decisão de deferimento seria ferir o princípio da razoabilidade, pois fazer o demandante aguardar maior tempo não seria razoável diante da demonstração inequívoca diante dos olhos do julgador ao requerimento daquela inicial. Argumenta Lucas Buril de Macêdo que após a fixação da ratio decidendi por tribunal superior, as teses argumentativas passam a ficar limitadas, tornando pouco provável aquele que adotar tese diametralmente oposta, ressalvada a possibilidade de o caso possuir distinção significativa com o caso precedente.468 Nesse sentido, Bodart afirma que não cabe alegação de violação ao princípio do contraditório, pois a tese do autor está embasada em jurisprudência consolidada, sendo remotas as possibilidades de ganho do réu ao final do processo. E mais, o Autor analisa que o erro judiciário significa menor risco do que a morosidade na realização do direito.469 Quanto ao deferimento ou não da tutela de evidência baseada em precedentes, o entendimento é de que os efeitos serão inaudita altera pars. Macêdo, em seu artigo assevera que a prova documental tratada pelo inciso II do artigo 311, CPC/2015 deve tratar de baixa complexidade, ou seja, provas documentais que têm grande eficácia probatória para formar a convicção aproximada da verdade, e exemplifica casos em que basta a parte comprovar a qualidade de servidor público, ou algum fato que parta do pressuposto da conclusão de uma relação jurídica.470 2.2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA TUTELA DE EVIDÊNCIA Ao longo da leitura dos livros e periódicos referidos neste trabalho foram observados diversos princípios norteadores do instituto da tutela de evidência, os quais serão pinçados e asso466
MARINONI, Luiz Guilherme, Curso de Processo Civil. 1. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 201. BODART, Bruno V. da Rós, Tutela de Evidência. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 124. 468 MACÊDO, Lucas Buril de. Antecipação da tutela por evidência e os precedentes obrigatórios. Revista de Processo. Brasília: Revista dos Tribunais, ano 40, vol. 242, abril/2015. 469 BODART, Bruno V. da Rós, Tutela de Evidência. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 126. 470 MACÊDO, Lucas Buril de. Antecipação da tutela por evidência e os precedentes obrigatórios. Revista de Processo. Brasília: Revista dos Tribunais, ano 40, vol. 242, abril/2015. 467
276
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
ciados fundamentadamente ao requerimento da tutela de evidência, podendo ser citados entre os princípios mais destacados a boa-fé objetiva, o princípio da cooperação processual, da efetividade da jurisdição, da igualdade processual, aceleração procedimental, garantia ao acesso à justiça, segurança jurídica, celeridade processual e duração razoável do processo. Sobre o tema, Oscar Valente Cardoso afirma que a hipótese do inciso I, artigo 311 do Código de Processo Civil de 2015, busca aniquilar a má-fé processual, pois o inciso deriva dos princípios da boa-fé objetiva e da cooperação devidamente previstos no artigo 5º e 6º do NCPC.471472 Segundo o inciso I do artigo que trata da tutela de evidência, o abuso do exercício do direito de defesa, e o manifesto protelatório não devem ser tutelados pela Justiça, razão pela qual deferir à parte em tutela antecipada o direito evidente seria uma forma de proteger a parte que está agindo de boa-fé, punir a parte que está agindo de má-fé em busca de procrastinação, e assegurar que o processo busca a cooperação processual. Certo que surgiram exigências sociais novas, e que se tornaram cada vez mais aceleradas diante do ritmo social atual, devendo o direito buscar uma dinâmica mais acelerada e aperfeiçoar seus institutos, pois o ordenamento jurídico não tem acompanhado o ritmo acelerado da vida atual da sociedade, estando, muitas vezes, obsoleto, ultrapassado, trazendo angústias enquanto as pessoas buscam solução e guarida para as violações sofridas.473 A demora na prestação jurisdicional causa frustração e cada vez mais busca aliar as normas processuais a uma tutela de distribuição racional do tempo do processo. A tutela de evidência prevê uma antecipação de fração ideal do direito amparada em um juízo de certeza, o que atribui maior efetividade ao procedimento judicial e equilibra a duração razoável do processo.474 Nitidamente se observa que é tutelada a igualdade processual, esta que determinará quem deverá arcar com o ônus do tempo do processo.475 As alterações processuais estão voltadas para a aceleração do procedimento, visto que o Autor da ação, aquele que geralmente tem a privação do direito é quem arca com o ônus do tempo no processo, sendo o instituto da tutela de evidência uma forma de buscar essa igualdade processual diante do ônus temporal, a fim de garantir efetividade da jurisdição para que a parte ré não usufrua do objeto litigioso que provavelmente irá sucumbir quanto a ele. Nesse prisma, Macêdo afirma que “a tutela de evidência é uma forma importante de tutela sumária que visa satisfazer a efetividade da jurisdição, a economia processual e a duração razoável do processo”.476 O atraso no proferimento de decisão para tutelar o direito evidente da parte é uma forma de eliminar o acesso à justiça e efetividade do processo, razão pela qual, muitas vezes o princípio do contraditório é sobreposto por esses outros dois princípios mais importantes diante da evidência, ressalvando que este princípio não será desrespeitado, mas apenas postergado.477 471
Art. 5o Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé. Art. 6 Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. 472 CARDOSO, Oscar Valente. A Tutela Provisória no Novo Código de Processo Civil: Urgência e Evidência. Revista Dialética de Direito Processual n. 148. São Paulo. Julho -2015. p.97. 473 CAMPOS, Diones Santos. A natureza jurídica da decisão que concede a tutela antecipada de evidência e seu papel na entrega tempestiva da prestação jurisdicional. REVISTA DE DIREITO DO TRABALHO. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 36, n. 140, out.-dez./2010. p.13. 474 CAMPOS, Diones Santos. A natureza jurídica da decisão que concede a tutela antecipada de evidência e seu papel na entrega tempestiva da prestação jurisdicional. REVISTA DE DIREITO DO TRABALHO. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 36, n. 140, out.-dez./2010. p.13. 475 MACÊDO, Lucas Buril de. Antecipação da tutela por evidência e os precedentes obrigatórios. REVISTA DE PROCESSO. Brasília: Revista dos Tribunais, ano 40, vol. 242, abril/2015. p.523. 476 MACÊDO, Lucas Buril de. Antecipação da tutela por evidência e os precedentes obrigatórios. REVISTA DE PROCESSO. Brasília: Revista dos Tribunais, ano 40, vol. 242, abril/2015. p.536. 477 MACÊDO, Lucas Buril de. Antecipação da tutela por evidência e os precedentes obrigatórios. REVISTA DE PROCESSO. Brasília: Revista dos Tribunais, ano 40, vol. 242, abril/2015. p.544. o
277
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
A respeito do tema, no que concerne a previsão do artigo 311, inciso II no NCPC, o autor Macêdo afirma que “O respeito aos precedentes judiciais é a forma relevantíssima de garantir segurança jurídica, igualdade e eficiência jurisdicional.”478 A segurança jurídica é um dever imposto ao judiciário, e assim previsto no novo Código de Processo Civil nos artigos 926 e 927479, que estabelecem programa de precedentes obrigatórios, que devem respeitar uma hierarquia entre os institutos judiciais diante de um caso similar. Assim o NCPC exige do magistrado observar precedentes anteriores dos tribunais a respeito do tema a ser julgado, conforme dispositivos mencionados acima.480 Macêdo pontifica de forma irretocável, ainda, que os dispositivos dos artigos 926 e 927 são grandes avanços na outorga da segurança jurídica e igualdade aos jurisdicionados. Dessa forma, não pode se negar a aplicar os precedentes hierárquicos superiores os magistrados que julgam em instâncias inferiores. Como já tratado em tópico anterior, os precedentes limitam as argumentações diante de uma questão pacificada que gerou um ratio decidendi, não havendo razão para indeferir tutela antecipada de evidência, desde que o fato esteja documentalmente comprovado, visto que ausência de cumprimento do inciso II do artigo 311 c/c com os artigos 926 e 927, todos do NCPC, seria negar vigência aos princípios da segurança jurídica, igualdade e efetividade.481 3. A TUTELA DE EVIDÊNCIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO Existem apenas duas possibilidades de antecipação de tutela previstas na Consolidação das Leis do Trabalho de forma expressa, estando no dispositivo do artigo 659, incisos IX e X. 478
MACÊDO, Lucas Buril de. Antecipação da tutela por evidência e os precedentes obrigatórios. REVISTA DE PROCESSO. Brasília: Revista dos Tribunais, ano 40, vol. 242, abril/2015. p.529. 479 Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. § 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. § 2o Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação. Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo. § 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgandoos, preferencialmente, na rede mundial de computadores. 480 MACÊDO, Lucas Buril de. Antecipação da tutela por evidência e os precedentes obrigatórios. REVISTA DE PROCESSO. Brasília: Revista dos Tribunais, ano 40, vol. 242, abril/2015. p.540. 481 MACÊDO, Lucas Buril de. Antecipação da tutela por evidência e os precedentes obrigatórios. REVISTA DE PROCESSO. Brasília: Revista dos Tribunais, ano 40, vol. 242, abril/2015. p.542.
278
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Diante da análise dos princípios norteadores do instituto da tutela antecipada de evidência, tais como os princípios da boa-fé objetiva, cooperação processual, efetividade da jurisdição, igualdade processual, aceleração procedimental, garantia ao acesso à justiça, segurança jurídica, celeridade processual e duração razoável do processo, parece clara a aplicação deste instituto à seara trabalhista, visto que são princípios constitucionais aliados aos princípios específicos da Justiça do Trabalho que respaldam a antecipação dos direitos evidentes. É perfeitamente possível a aplicação do instituto da antecipação da tutela jurisdicional na Justiça do Trabalho, em caráter subsidiário, uma vez que os princípios do Direito e Processo do Trabalho e as particularidades daí decorrentes permanecem respeitados e inalterados. Aliás, pelo próprio cunho alimentar dos créditos trabalhistas, não se pode olvidar que o processo do trabalho seja realmente um dos ramos do Direito em que a tutela antecipada seja mais que necessária. Corroborando a aplicabilidade do instituto da tutela antecipada de evidência ao processo trabalhista podemos citar a possibilidade de concessão liminar para reintegrar empregado com estabilidade provisória, em vista dos casos previstos em lei ou convenção coletiva, bem como quando a medida se faça razoável, a exemplo das situações descritas na OJ 142 da SDI-II do TST, evolvendo o dirigente sindical, aposentado, integrante de comissão de fábrica, portador de doença profissional e portador de vírus HIV. Além disso, há previsão nas súmulas do TST das formas de impugnação das decisões que concedem a antecipação dos efeitos da tutela ou a concessão de liminar, cabendo mandado de segurança quando a tutela seja deferida em desconformidade com a legislação. Diante da possiblidade de ajuizar uma ação com pedido apenas de tutela de evidência, a inteligência da OJ 63 da SDI-2 do TST pode ter sido superada pelo NCPC, pois a cautelar não seria uma espécie de ação, mas sim uma espécie de tutela da ação, e, portanto, não seria possível impetrar mandado de segurança, conforme previsão da referida orientação jurisprudencial. O artigo 489 do CPC/1973 previa que a ação rescisória não impedia a interposição e seguimento do cumprimento de sentença, ressalvando apenas os casos em que houvesse a concessão de medidas cautelares ou antecipações de tutela. Na nova redação do CPC/2015 não há previsão de medidas cautelares, mas apenas de concessão de tutela provisória, visto que a tutela antecipada é prevista em caso de novo julgamento, e a cautelar poderá ser interposta para suspensão dos efeitos da execução, tendo aplicações diferentes. Diante dessas alterações o TST alterou a Súmula 405 que não admitia a tutela antecipada em sede de ação rescisória, e passou a admitir o pedido de tutela provisória. Todavia, parece que a alteração ainda não está em consonância com o NCPC, visto que neste instituto a tutela antecipada é prevista para os casos de novo julgamento, enquanto que o TST admitiu a tutela provisória apenas com a finalidade de suspender a execução da decisão rescindenda, o que seria realizado por meio de cautelar. Analisando as hipóteses do artigo 311 do NCPC aplicadas à Justiça do Trabalho, o inciso primeiro e o quarto trazem a hipótese de um deferimento de tutela antecipada posterior à apresentação de defesa, ou, ainda, na primeira audiência, visto que na Justiça do Trabalho a regra é da realização da primeira audiência em busca de um acordo entre as partes. Eventual deferimento de tutela de evidência em audiência ou após a análise da contestação, se trata de uma tutela antecipada incidental. Alguns dos possíveis casos vislumbrados para a antecipação da tutela de evidência neste momento processual poderiam ser elencados de forma exemplificativa: a) quando o Reclamado não apresenta contestação, evento normalmente ocorrido quando está desacompanhado de advogado, apresentando alegações apenas infundadas, ou protelatórias, ou, ainda, confirmando que deve, mas que não tem condições de pagar as verbas requeridas, ou parte das verbas requeridas; b) apresentando contestação, o Reclamado não junta nenhum documento comprobatório dos eventuais argumentos modificativos e/ou extintivos de direito, mostrando que a defesa apresentada é meramente protelatória. 279
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
O inciso II do artigo 311 do NCPC trata de comprovação documental e tese firmada em casos repetitivos ou com súmula vinculante. Se o requerimento estiver amparado por súmula do Tribunal Superior do Trabalho, ou dos Tribunais Regionais, não há porque o juiz negar a antecipação da tutela de evidência, que neste caso é antecedente, pois pode ocorrer antes da primeira audiência e da apresentação de contestação. 482 O inciso terceiro do artigo 311 do NCPC não parece ter aplicação prática na trabalhista visto que trata de instituto meramente cível, o contrato de depósito. No processo trabalhista é possível associar a aplicabilidade às ações possessórias, ou a retenção de bens do empregado para pagamento de verbas rescisórias, ou a guarda de bens deixados com o depositário fiel. Todavia, duvidosa a aplicação do referido inciso, pois existem dispositivos específicos na CLT que regem os institutos acima exemplificados. O jurista Sérgio Pinto Martins elenca os casos de aplicabilidade da tutela antecipada prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil de 1973, conforme segue adiante:483 a) para empregado que prova receber abaixo do salário mínimo nacional, ou abaixo do piso normativo ou profissional; b) para cobrança de diferenças salariais; c) para hipótese de não pagamento de salários ao empregado por período igual ou superior a três meses, sem motivo grave ou relevante, importando a mora contumaz salarial de que trata o § 1º do art. 2º do Decreto-Lei n. 368/68, desde que depois da defesa do empregador, pois este poderá provar, neste ato, que o empregado faltou ou ficou afastado por doença ou outro motivo; d)para gestante que trabalha em pé e necessita trabalhar sentada em razão da gravidez; e) para o caso de empresa que exige serviços com pesos excessivos, além de 20 quilos para o trabalho contínuo ou 25 quilos para o trabalho ocasional para a mulher (artigo 390 da CLT) e o menor (§ 5º do artigo 405 da CLT); f) para não rebaixar o trabalhador de função; g) para promover o obreiro nos casos de quadro organizado em carreira, por merecimento e antiguidade. h) para anotação e entrega de CTPS. O que se observa nos exemplos elencados por Martins são possibilidades de antecipação de direitos evidentes, facilmente comprovados pela parte Reclamante da demanda, e que se não houver prova que aparece o deferimento antecedente, não apresentando prova em contrário, não há porque negar o deferimento de forma incidental. Importante distinguir quando será cabível a antecipação parcial do mérito, casos em que há o cumprimento e a efetivação da obrigação determinada, de caráter irreversível; e, quando será o caso de antecipação da tutela de evidência, de cunho reversível. Restou consignado que o princípio do contraditório é um dos requisitos diferenciadores dos institutos. Não pode existir o julgamento parcial sem que haja contraditório, mas existe a possibilidade da decisão de antecipação de tutela de evidência deixar de observar o princípio do contraditório, conforme previsão no artigo 9º, parágrafo único, inciso II do NCPC, além da ressalva de casos excepcionais. Outro ponto diferenciador seria o caráter provisório da decisão de antecipação de tutela de evidência, que enseja execução provisória, e no âmbito trabalhista a execução provisória tem rito diferenciado da definitiva, tendo como consequência apenas a garantia do juízo naquela; já a antecipação parcial do mérito comporta execução definitiva, diante do seu caráter permanente.484 O julgamento antecipado parcial do mérito permite a parte liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão, independentemente de caução e ainda que haja recurso contra esta interposta. Vale ressaltar que, nesse caso, a decisão que julga antecipada e parcialmente o mérito não dependerá de ulterior confirmação: ela já é a decisão definitiva, que poderá resultar em coisa julgada parcial antes mesmo de o processo ser extinto, ensejando, portanto, execução definitiva. 482
De Almeida, Cléber Lúcio. Direito Processual do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2016. MARTINS, Sergio Pinto. Tutela Antecipada e Tutela Específica no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002. 484 De Almeida, Cléber Lúcio. Direito Processual do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2016. 483
280
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Aos exemplos citados acima podemos ainda incluir o pagamento de verbas rescisórias quando incontroversas a modalidade de dispensa e a comprovação da ausência de pagamento; a expedição de alvará para liberação de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e liberação de guias de Seguro Desemprego, na modalidade de dispensa sem justa causa incontroversa. Apesar do caráter provisório previsto pelo NCPC às decisões de antecipação de tutela de evidência, não carece de insegurança a decisão que deferiu tutela evidente por antecipação, tampouco as partes, visto que a segurança não surge apenas pela profundidade de cognição, pois pode haver um processo de cognição exauriente que seja deficiente, e os casos de tutela de direito evidente são baseados em uma verossimilhança dos fatos chegando a um grau de convencimento do juízo capaz de deferir o direito e o pagamento de quantias. Importante frisar o dispositivo das súmulas 414 e 418 do TST que tratam dos mecanismos de impugnação da antecipação de tutela já referidas no tópico 3.6 deste trabalho, onde foram expostas as formas de impugnação no processo do trabalho da decisão que tratar de tutela antecipada de evidência. Se a tutela antecipada for concedida por meio de decisão interlocutória, o meio de impugnação é o mandado de segurança, visto que no processo do trabalho não há recurso cabível de decisão interlocutória.485 Caso a concessão da antecipação ocorra na sentença, é cabível recurso ordinário, não sendo possível a interposição do referido recurso mais mandado de segurança. E, caso a parte tente obter o efeito suspensivo à decisão o mecanismo hábil é a ação cautelar. 486 E, nos casos de antecipação parcial de mérito, na seara cível o recurso cabível é o agravo de instrumento, enquanto que na trabalhista é admitido o recurso ordinário. Nesta senda, o que se observa é que a aceitação da aplicação da antecipação da tutela de evidência ao processo do trabalho é mais uma forma de garantir efetividade, celeridade e proteção aos direitos sociais do trabalhador. 4. CONCLUSÃO O Novo Código de Processo Civil expõe as hipóteses de antecipação de tutela de evidência, aas quais são um panorama inicial para outros casos que surgirão na prática do judiciário. O referido instituto fora inserido no ordenamento para alcançar a aplicação dos princípios da boa-fé objetiva, cooperação processual, efetividade da jurisdição, igualdade processual, aceleração procedimental, garantia ao acesso à justiça, segurança jurídica, celeridade processual e duração razoável do processo, entre outros princípios norteadores do instituto. Considerando o estudo realizado nesse artigo que concerne à aplicação da tutela de evidência antecipada ao processo do trabalho, nada mais razoável a aceitação do instituto à Justiça do Trabalho, exatamente porque buscam a aplicação de institutos que visam a aceleração do procedimento, como forma de garantir aos trabalhadores direitos sociais que lhes são tolhidos diante do desrespeito às normas trabalhistas e que por diversas vezes se mostram evidentes antes mesmo da prolação da sentença, como a reintegração ao emprego para empregados que tenham estabilidade provisória, nos casos devidamente sumulados, decorrentes de lei ou da convenção coletiva, o reconhecimento de um vínculo de emprego, ou o direito ao recebimento de verbas rescisórias diante da forma de dispensa incontroversa. Importante frisar que o instituto é de grande valia no âmbito trabalhista, pois os direitos tutelados são garantidores da subsistência do trabalhador, e a espera, ou seja, o tempo em que o processo leva para solucionar a lide causa grande injustiça, e ao invés de proteger os direitos acaba por violá-los, motivo pelo qual o instituto deve ser aplicado à seara trabalhista. 485
486
De Almeida, Cléber Lúcio. Direito Processual do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2016. De Almeida, Cléber Lúcio. Direito Processual do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2016.
281
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
REFERÊNCIAS BODART, Bruno V. da Rós, Tutela de Evidência. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 05.10.1988. Lei 5.869, de 11.01.1973. Institui o Código de Processo Civil. DOU. Brasília. Lei 13.105, de 16.03.2015. Institui o Código de Processo Civil. DOU. Brasília. Decreto-Lei 5.452, de 01.05.1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. DOU. Brasília. CAMPOS, Diones Santos. A natureza jurídica da decisão que concede a tutela antecipada de evidência e seu papel na entrega tempestiva da prestação jurisdicional. REVISTA DE DIREITO DO TRABALHO. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 36, n. 140, out.-dez./2010. CARDOSO, Oscar Valente. A Tutela Provisória no Novo Código de Processo Civil: Urgência e Evidência. Revista Dialética de Direito Processual n. 148. São Paulo. Julho -2015. DECOMAIN, Pedro Roberto. Tutela de Urgência e Tutela da Evidência no Novo CPC. Revista Dialética de Direito Processual n. 152. São Paulo. Novembro-2015. DE ALMEIDA, Cléber Lúcio. Direito Processual Do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTR, 2016. FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela da evidência: fundamentos da tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 1996. MACÊDO, Lucas Buril de. Antecipação da tutela por evidência e os precedentes obrigatórios. REVISTA DE PROCESSO. Brasília: Revista dos Tribunais, ano 40, vol. 242, abril/2015. MARINONI, Luiz Guilherme. Sérgio Cruz Arenhart. Daniel Mitidiero. Curso de Processo Civil. 1. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil: o acesso à justiça e os institutos fundamentais do direito processual. São Paulo: Ed. RT, 1993. MARTINS, Sérgio Pinto. Tutela Antecipada e Tutela Específica no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002. VAZ, Paulo Afonso Brum. Tutela antecipada fundada na técnica da ausência de controvérsia sobre o pedido (§6º do art. 273 do CPC). RePro, São Paulo, n.131, p.124-144, jan. 2006.
282
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
OS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS NA REFORMA TRABALHISTA E SUA APLICAÇÃO CONFORME O DIREITO INTERTEMPORAL THE SUCCESSFUL HONORARY IN THE LABOR REFORM AND ITS APPLICATION UNDER THE INTERTEMPORARY LAW Roberta de Oliveira Souza487 RESUMO: O escopo desse artigo é estabelecer os critérios de aplicação intertemporal da normativa pertinente aos honorários sucumbenciais, no processo civil e do trabalho, atribuindo especial ênfase às ações ajuizadas antes da entrada em vigor da reforma trabalhista, mas julgadas posteriormente, considerando o profundo impacto social e individual nas ações judiciais desta Especializada e o disposto no art. 2º da Medida Provisória 808. Ao longo da narrativa, para além da análise da nova regulamentação relativa aos honorários sucumbenciais nesta Especializada, será ilustrado o seu conceito e sua natureza jurídica, além de aclarado o cenário da derrocada da súmula 326 do STJ e a propositura de noção inovadora no tocante à sucumbência recíproca. De par com isso, será examinado o cabimento de condenação em honorários contratuais alicerçado no princípio da reparação integral. A metodologia utilizada consistiu no levantamento bibliográfico de obras especializadas e análise jurisprudencial de precedentes do STJ. Palavras-Chave: Direito Intertemporal. Honorários Sucumbenciais. Honorários Recursais. Honorários Contratuais. Reforma Trabalhista. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 2.1. Conceito e regulamentação normativa dos honorários sucumbenciais antes e depois da reforma; 2.2. Natureza jurídica; 2.3. Marco temporal aplicável e correntes sustentáveis: quando surge o direito à percepção dos honorários sucumbenciais?; 2.4. Recente decisão proferida pela sexta turma do TST sobre honorários sucumbenciais; 2.5. Por quê os honorários sucumbenciais tal qual previstos na reforma trabalhista contemplam regras mais rígidas do que as contidas no processo civil?; 2.6. O princípio da reparação integral do dano e os honorários contratuais; 2.7. O declínio da súmula 326 do STJ e o conceito de sucumbência recíproca; 3. Conclusão; 4. Referências. ABSTRACT: The labour reform (Law 13.467/2017) established its own and innovative regulations regarding the hypotheses of fitting of legal fees in the Labor Court. Nevertheless, the Legislator did not determine the intertemporal rules applicable in this case, except for the provisional measure 808, published November 14, 2017. Thus, the present foreshadowing aims to equalize possible interpretations of being adopted in the application of sucumbencial fees in Labor Court considering the actions that were filed before its entry into force with a subsequent judgment. First, the legal nature of the institute will be discussed. Second, it will be discussed what doctrinal and jurisprudential currents that discuss the controversy. Third, it will be analyzed the fitting of contractual fees in the Labor Court. The methodology used consisted in the bibliographic survey of specialized works and jurisprudential analysis of Superior Court of Justice precedents. Keywords: Labour Reform. Legal Fees. Intertemporal Law. 487
Advogada Graduada pela UERJ. Especialista em Direito Público, Processo e Direito do Trabalho. Autora do Capítulo “Reforma Trabalhista e Trabalho Intermitente: Limites conforme o Direito Comparado (Brasil & Itália)” da Coletânea “Reforma Trabalhista: o Impacto nas Relações de Trabalho”. Autora do Capítulo “ Análise do negociado versus o legislado: perspectivas doutrinária, jurisprudencial e orçamentária da Reforma Trabalhista considerando os argumentos favoráveis e contrários à constitucionalidade da Lei 13.467 de 2017 e as modificações implementadas pela Medida Provisória 808, de 14 de novembro de 2017” que compõe a obra “Desafios da Reforma Trabalhista”. Autora do Capítulo “Orçamento Público na Itália” do Livro “Orçamento Público no Direito Comparado”. Autora de artigos publicados na Folha de SP, no Valor Econômico e na Revista dos Tribunais de Finanças Públicas. robertadeoliveira@live.com.
283
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
SUMMARY: 1. Introduction; 2. Development; 2.1. Concept and normative regulation of sucumbencial fees before and after retirement; 2.2. Legal nature; 2.3. Applicable temporal framework and sustainable currents: when does the right to the collection of sucumbencial fees arise? 2.4. Recent decision handed down by the sixth tst class on sucumbencial fees; 2.5. Why do succumbing fees, as envisaged in the labor reform, contemplate stricter rules than those contained in civil proceedings? 2.6. The principle of full compensation for damages and contractual fees; 2.7. The decline of the Supreme Court’s 326 summit and the concept of reciprocal succumbency; 3. Conclusion; 4. References. 1. INTRODUÇÃO Se “a missão fundamental das instituições judiciárias nas atuais democracias (...): mais que preservar a ordem ou a paz social”, consiste em, sobretudo, “preservar a identidade mínima dos direitos humanos fundamentais da pessoa humana – ou, no limite, reparar e punir sua violação488”, não basta que os magistrados e os operadores do direito apenas conheçam com perfeição as leis, sendo necessário que percebam, igualmente, a sociedade (ou a Justiça) na qual essas leis serão aplicadas. Por isso, o direito e o processo do trabalho devem ser interpretados com autonomia, levando em consideração sua principiologia própria, sob pena de um irrefreável desmantelamento de toda sua lógica protetiva. Feita essa ressalva, faz-se imprescindível delinear a rota irrefreável de desconstrução do direito material e processual do trabalho cumulada com a implementação de mecanismos limitadores do acesso à justiça para compreender como a sucumbência se configura como apenas uma peça do quebra cabeça da perversidade instaurada pela reforma trabalhista. Ora, o desmonte do direito do trabalho pode ser observado desde a consagração de formas ainda mais precárias de instrumentalização da relação de emprego, tal qual ocorre com o trabalho intermitente489490, passando pela mitigação da execução de ofício, pela idealização de um termo de quitação anual, pela equiparação entre dispensas individuais e coletivas, pela criação de um mecanismo de flexibilização de saída, até a retirada da compulsoriedade da contribuição sindical anual com a paradoxal hipertrofia dos poderes sindicais, o que se revela um contrassenso491. Esses são apenas alguns exemplos do desmonte do direito material e processual do trabalho insculpidos na reforma trabalhista, a qual, no dia 14 de novembro de 2017, sofreu nova alteração pela Medida Provisória 808. 488
Feliciano, 2016, p. 319. Na reclassificação humanística das relações privadas, os contratos sociais (dentre eles o de emprego) ganham especial relevância, sendo marcados por três princípios fundamentais, quais sejam: o da dimensão humana, o da atenção à situação do contratante vulnerável e o da garantia de um mínimo existencial. Nesse contexto, a European Social Contract vem estudando o fenômeno desde 2005. Contudo, o trabalho intermitente, como estipulado no Brasil, não respeita a lógica existencial dos contratos. Para mais informações no tocante ao enfrentamento do contrato intermitente consulte a obra “Desafios da Reforma Trabalhista” organizada pelos drs. Luciano Martinez e Ricardo Guimarães, 1ª Edição, publicada pela Editora Revista dos Tribunais, à fls. 137-147, no artigo “O controvertido contrato de trabalho intermitente” de autoria da Magistrada do Trabalho do TRT4 Luciane Cardoso Barzotto. 490 Nessa linha de raciocínio indaga-se ao o legislador o motivo de importar o trabalho intermitente da legislação estrangeira de forma lacunosa e precarizante. Afinal, o Brasil deve precisa de mais empregos dignificantes em termos de qualidade ou, apenas, em termos estatísticos, de números que se prestem a iludir o cidadão em pesquisas eleitorais? 491 Afinal, se o negociado há de prevalecer sobre o legislado, por que retirar a principal fonte de custeio sindical de um órgão profissional que precisa estar fortemente preparado para lidar com o empregador e com o sindicato patronal, sob pena de sofrer pressões e dilações indevidas? Por qual motivo a inexistência de indicação de contrapartidas recíprocas em acordo ou convenção coletivos de trabalho não ensejará sua nulidade, devendo o magistrado quedarse restrito à análise formal do negócio jurídico? Sob quais fundamentos optou o legislador por excluir as regras de duração do trabalho e de intervalos do enquadramento enquanto normas de saúde, higiene e segurança do trabalho (art. 611-B)? Por que estabelecer que apenas o Juiz do Trabalho, que atua na maximização dos direitos fundamentais sociais dos trabalhadores, deve pautar sua atuação pelo princípio da intervenção mínima (art. 8º, §3º)? 489
284
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
A princípio, a MP 808 encontra-se afinada aos ditames constitucionais, ao menos no que diz respeito à limitação do dano extrapatrimonial ao teto previdenciário e não mais ao salario do ofendido, bem como ao afastamento imediato da gestante que labora em ambiente insalubre492 e, mais ainda, em relação à jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso. Nada obstante, de modo sub-reptício, a MP 808 inseriu o art. 911-A na CLT, determinando a complementação previdenciária pelos trabalhadores que percebam menos que um salario mínimo mensal, resolvendo, por óbvio, o problema tributário493, mas criando um problema social, porquanto se a complementação não for realizada pelo empregado a condição de segurado não será adquirida e mantida perante o Regime Geral da Previdência Social. Além disso, o art. 2º da MP 808 determinou a aplicação imediata da reforma trabalhista. Contudo, defende o magistrado Cláudio Victor de Castro Freitas, na Coletânea Desafios da Reforma Trabalhista494, que não houve qualquer alteração das regras de direito processual pela MP 808, nem poderia, em razão da vedação constitucional prevista no art. 62, §1º, I, b da Constituição da República, devendo ser aplicada a teoria do isolamento dos atos processuais495. Porém, a MP tratou de litisconsórcio no §5º do art. 611-A, e, nessa parte, é flagrantemente inconstitucional. De outro giro, na mesma Coletânea, porém tratando sobre as regras de direito material, defendeu o advogado e professor Raphael Miziara496, a inconstitucionalidade do art. 2º da MP 808, tendo fundamentado seu posicionamento na ADI 493 que decidiu que a Lei 8.177/1991 não poderia alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela. Confira-se, por oportuno, excerto desse julgado: Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. O disposto no art. 5º, XXXVI da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedentes do STF.497
Desta feita, Miziara demonstrou a inconstitucionalidade do art. 2º da MP 808/2017, defendendo a aplicação temperada da nova lei trabalhista, com ponderações casuísticas a depender da imperatividade da norma, nos termos do art. 912 da CLT. Evidencia-se, por conseguinte, que a própria noção envolvendo a aplicabilidade imediata da reforma trabalhista, conforme preceituado pela MP 808, gerou celeuma na doutrina e ainda é um terreno movediço para que afirme com certeza qual será a interpretação definitiva. 492
Um dos grandes problemas da MP 808 foi a revogação da regra da “gravidez de risco” pelo fato de inexistir na empresa local salubre para a alocação da gestante, o que ensejaria a percepção de salário maternidade. Em termos constitucionais tributários a opção foi correta, já que não havia fonte de custeio correspondente, o que violaria art. 195, §5º da Constituição, que dispõe que “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.” Entretanto, surge a dúvida quanto a quem incumbe o pagamento dos salários da gestante empregada nesse período. Será o ônus do empregador? E se for, tal medida não poderá ensejar condutas discriminatórias em face de mulheres em idade fértil? Essas são apenas algumas reflexões de problemas sociais trazidos pela MP 808. Assim, espera-se que ou o legislador resolva a controvérsia (tendo em vista as 967 emendas apostas à MP 808) ou, em última análise, caberá aos tribunais pacificá-la. 493 Em especial do empregado intermitente, a tempo parcial e aprendiz que percebam menos que o salario mínimo. 494 FREITAS, 2017, p. 40-51. 495 Contudo, discorda-se dessa tese apenas no que diz respeito aos honorários sucumbenciais, seja, como se verá adiante, pelo fato da sucumbência nascer no momento de prolação da sentença, como sublinham Araken de Assis e Chiovenda, seja pelo entendimento manifestado em sentido diametralmente oposto no Enunciado 98 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, que preza pela aplicação do princípio da não surpresa e da causalidade, entendendo que a parte determina os riscos que irá correr no momento do ajuizamento da demanda. 496 MIZIARA, 2017, p. 20-37. 497 MIZIARA, 2017, p. 20-37.
285
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
No que tange aos obstáculos ao acesso à justiça, tamanha a perplexidade gerada pelas restrições apostas que, antes da entrada em vigor da Lei 13.467, o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, já havia ajuizado Ação Direta de Inconstitucionalidade, registrada sob o nº 5766, questionando os artigos 790-B, caput e §4º, 791-A e 844, §2º da CLT, com redação dada pela reforma trabalhista. Os referidos dispositivos fazem menção à responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais e sucumbenciais e, ainda, à condenação em custas pelo não comparecimento à audiência. Evidencia-se, portanto, que houve notória desconstrução do direito material do trabalho com a concomitante inefetivação do direito processual, indicando um caminho de restrição aos avanços civilizatórios e à regulamentação dos direitos fundamentais. 2. DESENVOLVIMENTO A reforma trabalhista, contrariando a tradição que militava nesta Especializada, consubstanciada na súmula 219 do Colendo TST 498regulamentou, no art. 791-A da CLT, as hipóteses em que deverão ser pagos e de que forma deverão ser arbitrados os honorários de sucumbência. Dessa maneira, em um primeiro momento, será ilustrado o conceito e a natureza jurídica dos honorários sucumbenciais. Em seguida, será investigado o momento do surgimento do direito à sua percepção. Após, serão abordadas as correntes doutrinárias e jurisprudenciais acerca da aplicação intertemporal dos honorários advocatícios, tanto recursais, quanto sucumbenciais, considerando precedentes do STJ, Enunciados da Segunda Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho e farta doutrina, com destaque para Chiovenda e Araken de Assis. Mais adiante, será externada recente decisão, prolatada em 6 de dezembro de 2017, pela 6ª Turma do TST, envolvendo a temática em voga. Outrossim, será examinado o cabimento da condenação em honorários contratuais na Justiça do Trabalho, considerado o conceito, a origem e o escopo do princípio da reparação integral, insculpido no art. 944 do Código Civil, cujo ideário foi extraído do direito francês: “tout le dommage, mais rien que le dommage” (todo o dano, mas nada mais que o dano). Por fim, será apreciado o conceito de sucumbência recíproca e o enunciado sumular registrado sob o nº 326, do STJ, que se encontra em eminente declínio, dada a entrada em vigor do CPC de 2015. 2.1 CONCEITO E REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS ANTES E DEPOIS DA REFORMA Os honorários sucumbenciais constituem dívida da parte vencida frente ao advogado da parte vencedora, totalmente desvinculada da condenação principal. Trata-se, portanto, de obrigação criada perante a parte vencida, independentemente da natureza ou conteúdo da sentença – se declaratória, constitutiva (negativa ou positiva), condenatória ou mandamental – frente ao advogado da parte vencedora da demanda. O tema ganhou bastante relevância pelas modificações trazidas pela vigência do Código de Processo Civil de 2015 (dentre elas a inserção dos honorários recursais na sistemática processual civilista prevista no art. 85, §11). 498
A súmula 219 encontrava-se na pauta de “adaptações” da sessão plenária realizada no dia 6 de fevereiro de 2018 que tinha por escopo “atualizar” a jurisprudência do TST às disposições da reforma trabalhista. Todavia, no dia 6 de fevereiro de 2018 a sessão foi suspensa para que se analisasse, como questão prejudicial, a constitucionalidade do procedimento previsto no art. 702, I, f da CLT. De todo modo, a Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos encaminhou proposta de revisão de enunciados da Corte ao Presidente do TST à súmula 219 e de cancelamento da súmula 329. Em relação à súmula 219, a modificação consistiria, em um primeiro momento, na afirmação de que “às ações ajuizadas a partir de 11.11.2017, aplica-se o princípio da sucumbência em relação aos honorários advocatícios, nos termos do art. 791-A da CLT, acrescido pelo art. 1º da Lei n. 13.467/2017”, sendo acrescido mais um inciso (VII) à súmula 219 se aprovada a sugestão pelo Pleno do TST.
286
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Entretanto, na Justiça do Trabalho, havia lacuna normativa em relação ao tratamento atribuível aos honorários sucumbenciais de primeiro grau (embora ainda persista a lacuna em relação aos honorários recursais), motivo pelo qual o TST, tendo em vista a existência do jus postulandi preconizava não serem devidos honorários advocatícios sucumbenciais em virtude da mera sucumbência nas lides que versassem sobre relação de emprego (IN 27/05499 c/c súmula 425500 do TST). Sobre a controvérsia pertinente à efetividade do jus postulandi, faz-se imprescindível ressaltar que, apesar de declarado constitucional na ADI 1.127501 proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil, a questão não é pacífica na doutrina, embora o Supremo tenha afastado a incidência do art. 1º do Estatuto da OAB aos Juizados Especiais e à Justiça do Trabalho. Nesse sentido, Antônio Carlos Faciolo Chedid, citado por Carolina Tupinambá na Coletânea “A Reforma Trabalhista O Impacto nas Relações de Trabalho ” analisou a questão no VI Encontro Baiano de Advogados Trabalhistas, em 1989, para afirmar que: “Em uma nação subdesenvolvida como a nossa, com desigualdades sociais sendo eternizadas, não há maior violação de igualdade processual, do contraditório e da ampla defesa do que a permissão nefasta de que os menos favorecidos pela sorte se digladiem, judicialmente, uns ao abrigo da defesa técnica, outros não.”502
De par com isso, parcela da doutrina, manifestada por expoentes como Celso Braga e Adilson Bassalho503 defendem ser incompatível com a nova ordem constitucional (art. 133, CF/88) o 499
Instrução Normativa nº 27 de 2005. Dispõe sobre normas procedimentais aplicáveis ao processo do trabalho em decorrência da ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional nº45/2004. Art. 5º Exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência. 500 JUS POSTULANDI NA JUSTIÇA DO TRABALHO. ALCANCE. Res. 165/2010, DEJT divulgado em 30.04.2010 e 03 e 04.05.2010 O jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho. 501 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. ESTATUTO DA ADVOCACIA E A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. DISPOSITIVOS IMPUGNADOS PELA AMB. PREJUDICADO O PEDIDO QUANTO À EXPRESSÃO “JUIZADOS ESPECIAIS”, EM RAZÃO DA SUPERVENIÊNCIA DA LEI 9.099/1995. AÇÃO DIRETA CONHECIDA EM PARTE E, NESSA PARTE, JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. I - O advogado é indispensável à administração da Justiça. Sua presença, contudo, pode ser dispensada em certos atos jurisdicionais. II - A imunidade profissional é indispensável para que o advogado possa exercer condigna e amplamente seu múnus público. III - A inviolabilidade do escritório ou do local de trabalho é consectário da inviolabilidade assegurada ao advogado no exercício profissional. IV - A presença de representante da OAB em caso de prisão em flagrante de advogado constitui garantia da inviolabilidade da atuação profissional. A cominação de nulidade da prisão, caso não se faça a comunicação, configura sanção para tornar efetiva a norma. V - A prisão do advogado em sala de Estado Maior é garantia suficiente para que fique provisoriamente detido em condições compatíveis com o seu múnus público. VI - A administração de estabelecimentos prisionais e congêneres constitui uma prerrogativa indelegável do Estado. VII - A sustentação oral pelo advogado, após o voto do Relator, afronta o devido processo legal, além de poder causar tumulto processual, uma vez que o contraditório se estabelece entre as partes. VIII - A imunidade profissional do advogado não compreende o desacato, pois conflita com a autoridade do magistrado na condução da atividade jurisdicional. IX - O múnus constitucional exercido pelo advogado justifica a garantia de somente ser preso em flagrante e na hipótese de crime inafiançável. X - O controle das salas especiais para advogados é prerrogativa da Administração forense. XI - A incompatibilidade com o exercício da advocacia não alcança os juízes eleitorais e seus suplentes, em face da composição da Justiça eleitoral estabelecida na Constituição. XII - A requisição de cópias de peças e documentos a qualquer tribunal, magistrado, cartório ou órgão da Administração Pública direta, indireta ou fundacional pelos Presidentes do Conselho da OAB e das Subseções deve ser motivada, compatível com as finalidades da lei e precedida, ainda, do recolhimento dos respectivos custos, não sendo possível a requisição de documentos cobertos pelo sigilo. XIII - Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente. ADI 1127/ DF – DISTRITO FEDERAL. STF. Órgão Pleno. Relator Ministro Marco Aurélio. Julgamento 17.05.2006. 502 Citado por Carolina Tupinambá no artigo “O processo do trabalho em cifras” da Coletânea A Reforma Trabalhista O Impacto nas Relações de Trabalho. Editora Fórum, 1ª Edição, p. 96. 503 Citado por Carolina Tupinambá no artigo “O processo do trabalho em cifras” da Coletânea A Reforma Trabalhista O Impacto nas Relações de Trabalho. Editora Fórum, 1ª Edição, p. 96-97.
287
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
art. 791 da CLT, devido à indispensabilidade do advogado à administração da Justiça, não tendo o dispositivo celetista sido recepcionado pela Magna Carta. Nesse contexto, assevera a professora e advogada dra. Carolina Tupinambá que os Tribunais jamais demonstraram unidade na aceitação do ius postulandi, pois a atuação da parte em juízo sem advogado violaria o princípio igualitário. E prossegue afirmando que: “O que se tem observado na prática é que, quando uma das partes se apresenta em juízo sem advogado, o magistrado trabalhista (i) ou adia a audiência para que a parte constitua advogado (ii) ou solicita que algum advogado que esteja presente na sala de audiência funcione como advogado dativo, “convite” em geral aceito com muita má vontade, apenas em consideração à boa convivência com o magistrado solicitante; (iii) ou direciona a parte para o seu sindicato, que deve prestar-lhe assistência jurídica gratuita. (...) Em suma, no dia a dia dos fóruns, dificilmente a parte exercerá o ius postulandi no processo trabalhista.” 504
Nota-se, portanto, que apesar da decisão do Pretório Excelso em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade ainda existem divergências na doutrina acerca da recepção do ius postulandi pela Constituição de 1988. Por isso, em boa hora, a contratação de advogados nesta Especializada deixou de ser encarada como um mero “artigo de luxo”, já que com a reforma, o art. 791-A da CLT passou a prever os parâmetros de arbitramento dos honorários sucumbenciais, malgrado tenha preservado o jus postulandi. Assim, dispôs o art. 791-A da CLT, com redação dada pela reforma, que “ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.” Na reconvenção serão, igualmente, devidos honorários de sucumbência (§5º). De par com isso, ao fixar os honorários sucumbenciais deverão ser observados pelo magistrado os seguintes parâmetros: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Nesse contexto, destaca-se que, na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará os honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários. Por fim, se “vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário”. Ressalta-se, todavia, que tal disposição vem sendo questionada na ADI 5766 ajuizada pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, em 28.08.2017. 2.2 NATUREZA JURÍDICA Consoante precedentes do STJ, a sucumbência é definida pela norma vigente no momento da prolação da sentença, pois é esse o estágio no qual surge o direito subjetivo de crédito do advogado. Esse entendimento resulta da natureza híbrida dos honorários advocatícios, processual, por disciplinar técnica de solução de conflitos pelo Estado e, material, por tratar de adequada atribuição de bens da vida à indivíduos505. Confira-se, por oportuno, excerto de julgado do STJ nessa diretriz: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ Nº 08/2008. EMBARGOS INFRINGENTES. ART. 504
Tupinambá, 2017, p. 98. REsp 1.465.535-SP.
505
288
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
530 DO CPC. DISCUSSÃO SOBRE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO. (...) 3. Ademais, o arbitramento dos honorários não é questão meramente processual, porque tem reflexos imediatos no direito substantivo da parte e de seu advogado. Doutrina de CHIOVENDA. 4. Os honorários advocatícios, não obstante disciplinados pelo direito processual, decorrem de pedido expresso, ou implícito, de uma parte contra o seu oponente no processo e, portanto, formam um capítulo de mérito da sentença, embora acessório e dependente. (...) 9. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao art. 543-C do CPC e à Resolução STJ n.o 08/2008. (REsp 1113175/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, CORTE ESPECIAL, julgado em 24/05/2012, DJe 07/08/2012)”.
Verifica-se, portanto, que os honorários repercutem na esfera substantiva dos advogados, constituindo direito de natureza alimentar. Nascem contemporaneamente à sentença e não preexistem à propositura da demanda. 2.3 MARCO TEMPORAL APLICÁVEL E CORRENTES SUSTENTÁVEIS: QUANDO SURGE O DIREITO À PERCEPÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS? Uma vez fixada a natureza jurídica dos honorários sucumbenciais é preciso definir o marco temporal para a aplicação das novas regras previstas na reforma trabalhista, tendo em vista o art. 2º da Medida Provisória 808, cuja constitucionalidade foi questionada no primeiro capítulo deste escorço. Nesse contexto, será analisado o REsp 1.465.535-SP. Contudo, cabe ressaltar que embora o cerne da questão do precedente supramencionado diga respeito aos embargos à execução invocando cláusula compromissória de arbitragem, força maior e desequilíbrio econômico, surgiu, como debate subsidiário nesse recurso, a discussão acerca das normas que iriam incidir sobre a regulação dos honorários, isto é, se as do CPC/73 ou se as do CPC/2015. Nesse recurso discutia-se se os honorários recursais poderiam ser fixados pelo Tribunal quando a sentença havia sido prolatada antes da entrada em vigor do CPC de 2015, ou seja, quando inexistia tal sistemática. Afinal, a sucumbência recursal é um dos novos institutos concebidos pelo CPC de 2015, porquanto até a vigência do CPC/73, a interposição de recursos não fazia surgir o direito à nova verba honorária, razão pela qual ao prolatar a sentença, deveria o juiz estabelecê-la integralmente. O que existia até 17.03.2016 era, portanto, apenas e tão somente, a disciplina dos honorários sucumbenciais de primeiro grau e não a dos honorários recursais. O que havia, na égide do CPC/73, na seara recursal, era o exercício do controle sobre a fixação dos honorários sucumbenciais de primeiro grau, mediante impugnação específica do recorrente, ou em caso de omissão através da fixação em primeiro momento pelo Tribunal. O CPC de 2015, portanto, criou uma situação inovadora porque disse que a interposição da apelação ensejará nova verba honorária.506 Assim, no REsp 1.465.535-SP, o que se debateu foi a legislação aplicável quanto aos honorários recursais quando, no processo, já havia sido proferida sentença na égide do CPC/73, tendo o STJ decidido que o arbitramento de honorários recursais (inovação advinda da vigência do hodierno diploma processual civil) não se pode conferir eficácia retroativa ao seu conteúdo em virtude da impossibilidade de prejudicar a parte em razão de ato praticado antes do início da vigência da nova lei. A hermenêutica propugnada pretendeu cristalizar a seguinte ideia: se o capítulo acessório da sentença, referente aos honorários sucumbenciais, foi publicado em consonância com o CPC/73, serão aplicadas as regras do vetusto diploma processual até a ocorrência do trânsito em julgado. Por outro lado, nos casos de sentença proferida a partir do dia 18.3.2016, as normas do novel CPC cingirão a situação concreta, inclusive no que tange à fixação dos honorários recursais. (Ministro Luis Felipe Salomão - 4ª Turma - Data do Julgamento 21/06/2016). Nesse cenário, concluiu o Relator no sentido de não ser aplicável aos honorários recursais a teoria do isolamento dos atos processuais, uma vez que é o momento de prolação da sentença 506
JORGE, Flávio Cheim. Os honorários advocatícios e o novo CPC – A sucumbência recursal, publicado no site migalhas.com.br.
289
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
que determina qual a legislação aplicável aos honorários sucumbenciais (de primeiro grau e recursais), ou seja, apenas se publicada a sentença após 18 de março de 2016 seria aplicável a sistemática do CPC de 2015 e admissível o arbitramento de honorários recursais pelo Tribunal. Dessa maneira, interposto o recurso não há alteração das regras fixadas no momento da prolação da sentença, porquanto é nesse episódio que se determina se a parte é ou não sucumbente. Por outro lado, pontifica com maestria a Desembargadora Thais Verrastro de Almeida507 que “enquanto a parte não for sucumbente em determinada demanda, sobre ela não incidiu a norma acerca da sucumbência e, portanto, não há direito adquirido ao sistema de despesas da data da propositura da ação”. De par com isso, frise-se que o STJ aprovou, na seção de 2 de março de 2016, o Enunciado administrativo nº 7 estabelecendo que “somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC”. (Grifo nosso). Explicando de forma clara o acórdão do Recurso Especial 1.465.535, o Ministro Moura Ribeiro, em decisão monocrática508, publicada em 17.08.2017, sublinhou, com absoluta precisão que: (...) O acórdão do REsp 1.465.535/SP, por consequência, afastou a adoção simplista do sistema de separação dos atos processuais, invocando precedentes do STJ no sentido de que a sucumbência há de ser regida pelas normas vigentes ao tempo da sentença que a reconhece. (...) Deveras, em sendo o arbitramento de honorários recursais inovação advinda da vigência do hodierno diploma processual civil, não se pode conferir eficácia retroativa ao seu conteúdo em razão da impossibilidade de prejudicar a parte em razão de ato praticado antes do início da vigência da nova lei.
Resta evidente que, apesar de entender que a sucumbência nasce na sentença, o STJ, pautado no princípio da não surpresa, optou por não aplicar a teoria do isolamento dos atos processuais, que permitiria o arbitramento dos honorários recursais pelo Tribunal, para não prejudicar a parte. Assim, com muito mais razão, na Justiça do Trabalho, que não era habituada à disciplina dos honorários sucumbenciais estes não devem ser aplicados de imediato às ações ajuizadas antes da entrada em vigor da reforma, ainda que julgadas posteriormente a 11.11.2017. Entretanto, resta a dúvida no tocante à interpretação que será dada pelo TST e magistrados do trabalho à controvérsia pertinente ao momento de aplicação da nova lei (reforma trabalhista), isto é, se aplicarão o art. 2º da MP 808, a teoria do isolamento dos atos processuais ou, ainda, se adotarão o princípio da causalidade e da não surpresa. Adotando o que na Justiça do Trabalho seria a terceira corrente supramencionada, Jorge Amaury Maia Nunes e Guilherme Pupe da Nóbrega, analisando o CPC de 2015, afirmaram que: “Em outras palavras, a análise sobre os riscos e ônus decorrentes do ajuizamento da ação, da oferta da contestação ou da interposição do recurso é feita, precisamente, quando do ajuizamento da ação, da oferta da contestação ou da interposição do recurso. Não haveria falar, por conseguinte, em que a natural demora do processo autorizasse, diante da superveniente entrada em vigor do novo Código, que regras eventualmente mais gravosas para a parte alterassem aqueles elementos considerados por ela quando da escolha pelo ajuizamento da ação, pela contestação ou pela interposição do recurso.” (Grifo nosso).
Nessa seara, é defensável o posicionamento que entende que a parte que ajuizou sua ação antes da reforma não pode ser surpreendida com o ônus da sucumbência, ainda que esta, tecnicamente, surja no momento de prolação da sentença. De par com isso, destaca José Affonso Dallegrave Netto que: “(…) o julgador só poderá aplicar os honorários advocatícios de sucumbência recíproca para as ações ajuizadas após a vigência da Lei 13.467/17 (em 10.11.2017509). Do 507
Processo nº 0000128-93.2015.5.02.0331. REsp nº 1.678.612 - RO (2017/0141111-0). 509 Discorda-se do insigne Dallegrave apenas no tocante à data da entrada em vigor da reforma trabalhista, que 508
290
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
contrário, haverá flagrante ofensa à segurança jurídica e ao princípio que veda surpreender de forma prejudicial os litigantes que iniciaram a relação processual sob a égide da lei velha. Ressalte-se que a ordem jurídica não permite a retroatividade lesiva da lei nova, ex vi do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.”
Nesse sentido, o Enunciado nº 98 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho que estabelece que os honorários de sucumbência são inaplicáveis aos processos em curso haja vista a garantia da não surpresa. In verbis, o inteiro teor do enunciado: HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. INAPLICABILIDADE AOS PROCESSOS EM CURSO. Em razão da natureza híbrida das normas que regem honorários advocatícios (material e processual), a condenação imposta à verba sucumbencial só poderá ser imposta nos processos iniciados após a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, haja vista a garantia de não surpresa, bem como em razão do princípio da causalidade, uma vez que a expectativa de custos e riscos é aferida no momento da propositura da ação.
Contudo, considerando que o art. 2º da MP 808 determina a aplicação imediata da reforma trabalhista aos contratos em vigor, a solução dessa querela dependerá do posicionamento dos magistrados, Tribunais e do C.TST em face dos princípios processuais constitucionais. Se for mais técnico e formalista, aplicará a lei de imediato (caso não considere que a MP 808 é inconstitucional por determinar a aplicação imediata de regras processuais em afronta ao art. 62 da CF ou, ainda, por admitir a retroatividade, vedada pela Constituição conforme disposto na ADI 493); do contrário, seguirá o enunciado 98 da 2ª Jornada, o qual, embora não vinculante, traça as balizas constitucionais fundamentais para afastar sua aplicação deletéria e violadora do acesso à justiça. 2.4 RECENTE DECISÃO PROFERIDA PELA SEXTA TURMA DO TST SOBRE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS Recentemente, em 6 de dezembro de 2017, decidiu a 6ª Turma do TST510, que a reforma trabalhista possui aplicação imediata no que concerne às regras de direito processual, “contudo, a alteração em relação ao princípio da sucumbência só tem aplicabilidade aos processos novos, uma vez que não é possível sua aplicação aos processos que foram decididos nas instancias ordinárias sob o pálio da legislação anterior”. Note-se que o fato de constar da decisão que “a sucumbência possui aplicação apenas em relação à processos novos, uma vez que não é possível sua aplicação aos processos que foram decididos em instancias ordinárias sob o pálio da legislação anterior” é um indicativo de que a 6ª ocorreu em 11.11.2017 e não em 10.11.2017, considerando a LC 95, no artigo 8º, §1º dispõe que: “a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral.” Desse modo, ocorrendo a publicação da Lei 13.467 em 14 de julho de 2017, este deve ser considerado o 1º dia da contagem do prazo. Assim, o centésimo vigésimo dia da vacatio correspondeu ao dia 10 de novembro de 2017. Logo, considerando que as leis entram em vigor no dia subsequente ao da consumação integral da vacância, dia 11 de novembro é, efetivamente, o dia da entrada em vigor da Lei 13.467/2017, ou seja, da reforma trabalhista. 510 PROCESSO Nº TST-RR-20192-83.2013.5.04.0026 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AUSÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SINDICAL. A Corte Regional deferiu o pedido de pagamento de honorários advocatícios sem que o reclamante estivesse assistido por sindicato da categoria. Até a edição da Lei 13.467/2017, o deferimento dos honorários advocatícios na Justiça do Trabalho estava condicionado ao preenchimento cumulativo dos requisitos previstos no art. 14 da Lei 5.584/70 e sintetizados na Súmula no 219, I, desta Corte (sucumbência do empregador, comprovação do estado de miserabilidade jurídica do empregado e assistência do trabalhador pelo sindicato da categoria). A Lei 13.467/2017 possui aplicação imediata no que concerne às regras de natureza processual, contudo, a alteração em relação ao princípio da sucumbência só tem aplicabilidade aos processos novos, uma vez que não é possível sua aplicação aos processos que foram decididos nas instâncias ordinárias sob o pálio da legislação anterior e sob a qual se analisa a existência de violação literal de dispositivo de lei federal(...)Verificada contrariedade ao entendimento consagrado na Súmula nº 219, I, do TST. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.
291
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Turma do TST (embora não tenha tratado expressamente sobre ação judicial ajuizada antes da reforma e julgada posteriormente, mas sim de ação ajuizada e sentenciada antes de 11 de novembro de 2017) sinalizou que é a data da sentença que irá reger a legislação aplicável no tocante a honorários. Ao menos é essa, em um primeiro momento, a diretriz que parece emanar dessa decisão. Trata-se de um palpite. No entanto, considerando que não houve manifestação expressa da 6ª Turma nesse sentido e, tampouco, do Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, deve-se aguardar a posição definitiva da Corte. Registra-se, por outro lado, que a proposta emanada da Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos do TST, sobre a adaptação da jurisprudência da Corte à reforma, nos termos dos artigos 54, III e 158 do Regimento Interno do TST, sugeriu o cancelamento da súmula 329 e a alteração da súmula 219 para prever que apenas às ações ajuizadas após 11 de novembro de 2017 seja aplicada a sistemática dos honorários sucumbenciais. Todavia, a análise dos 34 temas sujeitos à adaptação jurisprudencial conforme à reforma na sessão do dia 6 de fevereiro de 2018 foram suspensos para a apreciação como questão prejudicial da constitucionalidade ou não do procedimento previsto no art. 702, I, f da CLT, com redação dada pelo art. 1º da Lei 13.467, de 13 de julho de 2017 no processo E-RR 69625.2012.5.05.0463. Assim, por mais esse motivo, ainda não é possível afirmar qual será o posicionamento final do TST. 2.5 POR QUÊ OS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS TAL QUAL PREVISTOS NA REFORMA TRABALHISTA CONTEMPLAM REGRAS MAIS RÍGIDAS DO QUE AS CONTIDAS NO PROCESSO CIVIL? Dispõe o art. 833, inciso IV do CPC de 2015 que são impenhoráveis: IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;
Desse modo, evidencia-se que tantos os honorários de advogado como o salário e a remuneração do empregado possuem natureza salarial, sendo, a princípio, impenhoráveis. Feita essa ressalva é preciso observar a exceção insculpida no §2º do art. 833 do CPC de 2015. Segundo a previsão ali contida o disposto no inciso IV não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, razão pela qual a OJ 153 da SBDI-2 foi adaptada. Na nova redação da OJ 153 da SDBI-2 determinou-se que ofende direito líquido e certo decisão que determina o bloqueio de numerário existente em conta salário, para satisfação de crédito trabalhista, ainda que limitado a determinado percentual dos valores recebidos, pelo fato de o CPC de 1973, no art. 649, conter norma imperativa que não admite interpretação ampliativa. Isso porque para o CPC de 1973 o termo “prestação alimentícia” seria espécie e não gênero de crédito de natureza alimentícia, situação que foi claramente modificada no CPC de 2015 que tratou de prestação alimentícia “independentemente de sua origem”. Nesse contexto, se a leitura do art. 833 do CPC de 2015 não alcançasse a parte final do §2º sua interpretação estaria incompleta e causaria a impressão de não ter havido grandes mudanças na esfera juslaboral em relação à espera processual civil. Todavia, não é esse o melhor entendimento, até porque o fato da suspensão da exigibilidade dos honorários advocatícios sucumbenciais ser de apenas de 2 anos para o beneficiário da gratuidade de justiça, enquanto na processualística civil é de 5 anos, conduziria à interpretação equivocada de que a sistemática sucumbencial na trabalhista é mais branda, não sendo esta, definitivamente, a interpretação correta. 292
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Posto isso, é preciso analisar a parte final do §2º do art. 833 do CPC de 2015 quando pontifica que a constrição deve observar o art. 528, §8º e 529, §9º do mesmo código. O art. 528, §8º trata da impossibilidade de prisão do executado e não é tão relevante para a análise das mudanças em termos de sucumbência entre processo civil e do trabalho. Já o art. 529, §3º limita a 50% dos rendimentos líquidos do executado o objeto da execução e admite seu parcelamento mensal. Desse modo, é exatamente nessa disposição que o processo civil e do trabalho se diferenciam. Evidencia-se, por oportuno, que é justamente o art. 529, §3º do CPC de 2015 um dos principais artigos que demonstram como a sistemática dos honorários sucumbenciais na seara trabalhista é mais onerosa para o (ex) empregado do que para o postulante no processo civil (isso sem contar com a dantesca diferença implementada em relação ao beneficiário da gratuidade que será oportunamente analisada adiante). Assim, enquanto no processo civil o débito da parte que não é beneficiária da justiça gratuita obedece ao 529, §3º (que dispõe que “sem prejuízo do pagamento dos alimentos vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de seus ganhos líquidos”) na seara processual trabalhista não existe nenhum limite de percentual ou possibilidade de parcelamento expressa na Lei 13.467/2017. Isso significa que enquanto no processo civil existem limites que levam em consideração a dignidade do executado, no processo do trabalho, cuja lógica é muito mais sensível do que a processual civil, inexistem tais limites. E a situação só piora quando se observa a precária situação do beneficiária da justiça gratuita no art. 791, §4º da CLT. Segundo art. 791, §4º da CLT “vencido o beneficiário da justiça gratuita que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade”, ou seja, somente se o crédito obtido em juízo não for suficiente para custear os honorários sucumbenciais é que a sua exigibilidade será suspensa por 2 anos. Essa sistemática, todavia, é o avesso do propugnado nos §§2º e 3º do art. 98 do CPC de 2015 que tratam da gratuidade de justiça. De acordo com os parágrafos 2º e 3º do art. 98 do CPC de 2015 “a concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência”, porém “vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário”. Por conseguinte, a lógica do processo civil, para o beneficiário da justiça gratuita é de suspender, de plano, de imediato, de pronto, a exigibilidade das obrigações decorrentes da sucumbência. De outro giro, no processo do trabalho, para o beneficiário da gratuidade de justiça o escopo é alcançar integralmente o crédito alimentar obtido em juízo para arcar com as obrigações decorrentes da sucumbência, ainda que em outro processo, e, somente se não for possível executá-lo nesses termos será a exigibilidade suspensa (pelo prazo de 2 anos). Percebeu a sutileza? Nesse sentido, resta patente que os honorários sucumbenciais na justiça do trabalho receberam contornos mais rígidos do que os do processo civil que, quando trata de parte hipossuficiente, suspende a exigibilidade do crédito e, em não se tratando de beneficiário da gratuidade, estabelece limites percentuais e possibilidade de parcelamento para saldar o crédito, regulamento ignorado pela reforma. A inconstitucionalidade nesse aspecto é tão flagrante que ensejou o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, registrada sob o nº 5766, antes mesmo da entrada em vigor da reforma pelo ex-Procurador Geral da República, Rodrigo Janot. 293
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
2.6 O PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO E OS HONORÁRIOS CONTRATUAIS Positivado no art. 944511 do Código Civil, o princípio da reparação integral do dano possui origem no direito francês, consubstanciado na máxima “tout le dommage, mais rien que le dommage” (todo o dano, mas nada mais que o dano). Ou seja, o principio da reparação integral possui dupla função: (i) piso indenizatório ou função compensatória dos prejuízos sofridos e (ii) teto indenizatório, cujo escopo é coibir o enriquecimento ilícito do lesado. Feitas tais considerações é preciso destacar que em virtude da existência do jus postulandi na Justiça do Trabalho (que se manteve intacto com a reforma trabalhista), vem sendo questionada a possibilidade de condenação dos honorários contratuais pela parte que deu causa à demanda. No entanto, é preciso perquirir se os honorários contratuais, que integram os valores devidos à título de reparação por perdas e danos, com fulcro nos arts. 389, 395 e 404 do CC/02 podem ser subsidiariamente aplicados ao processo do trabalho. Nesse sentido, confira-se, por oportuno, o excerto de entendimento firmado pela 3ª Turma do STJ, no julgamento do REsp 1027797/MG, publicado em 23.02.2011, de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA. VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. HONORÁRIOS CONVENCIONAIS. PERDAS E DANOS. PRINCÍPIO DA RESTITUIÇÃO INTEGRAL. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO CIVIL. (...) 4. Os honorários convencionais integram o valor devido a título de perdas e danos, nos termos dos arts. 389, 395 e 404 do CC/02. 5. O pagamento dos honorários extrajudiciais como parcela integrante das perdas e danos também é devido pelo inadimplemento de obrigações trabalhistas, diante da incidência dos princípios do acesso à justiça e da restituição integral dos danos e dos arts. 389, 395 e 404 do CC/02, que podem ser aplicados subsidiariamente no âmbito dos contratos trabalhistas, nos termos do art. 8º, parágrafo único, da CLT. (...).
Evidencia-se, portanto, que aquele que deu causa ao processo deve restituir os valores despendidos pela outra parte com os honorários contratuais, que integram o valor devido a título de perdas e danos, nos termos dos arts. 389, 395 e 404 do CC/02, subsidiariamente aplicáveis ao processo do trabalho, nos termos do art. 8º, §1º da CLT, com redação dada pela reforma trabalhista. Nesse sentido, REsp 1.134.725 – MG. Ora, se o STJ já entendia que mesmo antes da implementação, pela reforma trabalhista, da disciplina dos honorários sucumbenciais, era devido pagamento dos honorários contratuais, com muito mais razão agora, após 11.11.2017, devem ser indenizados os valores pagos com a contratação de advogado. Afinal, como muito bem lembrado pelo insigne doutrinador Cleber Lúcio de Almeida“pau que bate em Chico, bate em Francisco.” Porém, para evitar interpretações equivocadas, cumpre esclarecer que, embora os honorários convencionais componham os valores devidos pelas perdas e danos, o valor cobrado pela atuação do advogado não pode ser abusivo. Destarte, “se o valor dos honorários contratuais for exorbitante, o juiz poderá, analisando as peculiaridades do caso concreto, arbitrar outro valor, podendo utilizar como parâmetro a tabela de honorários da OAB512”. 511
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização. 512 REsp 1.134.725 – MG.
294
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
2.7 O DECLÍNIO DA SÚMULA 326 DO STJ E O CONCEITO DE SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA Por fim, outra grande querela a ser enfrentada quanto ao presente artigo consiste em saber se a sucumbência recíproca corresponderá à improcedência total do pedido ou à procedência parcial, como, por exemplo, no caso de um dano moral que é acolhido em valor inferior ao pedido. Nesse sentido, a súmula 326 do STJ dispõe que não importa sucumbência recíproca o provimento parcial do dano moral. Contudo, a mencionada súmula do STJ encontra-se em declínio desde a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, porquanto, no CPC de 1973, o arbitramento dos danos morais ficava ao critério do magistrado e, ainda que houvesse indicação do valor desejado, este era encarado como “mera estimativa”, não vinculando o juiz e tampouco ocasionando a sucumbência quando do arbitramento a menor. Ora, se no CPC de 1973 a indenização era fixada pelo juiz e o autor não necessitava precisar o quantum pretendido, não seria ético impor o acolhimento da sucumbência recíproca em caso de procedência a menor do pedido, sob pena de onerar a parte em virtude de uma variável que não lhe seria dado controlar513. Todavia, com o CPC de 2015, o art. 292, V passou a prever, expressamente que “o valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido”, sendo esse dispositivo aplicável à seara do processo do trabalho, nos termos da IN 39/2016 do TST, a qual, embora não seja vinculante, consiste na recomendação da Corte Superior Especializada, face à lacuna e compatibilidade com o processo do trabalho. Nesse aspecto, o pedido genérico só terá lugar, por exemplo, quando não for possível precisar, desde logo, a extensão do dano, nos termos do art. 324, II do CPC de 2015. Observa-se, portanto, que com o CPC de 2015 desenvolve-se a noção de autorresponsabilização das partes, com o escopo de coibir o “demandismo temerário” conforme pontuado por Lúcio Delfino e Diego Crevelin de Sousa em artigo publicado sob o título “A Derrocada do Enunciado Sumular 326 do Superior Tribunal de Justiça”. Nada obstante, apesar de preservar a noção de responsabilidade do pleito almejado, tal dispositivo não pode prejudicar a parte que diligentemente postulou um dano considerando julgados prolatados em casos semelhantes. Afinal, a discricionariedade no arbitramento do dano sem uma “criteriologia objetiva” não pode servir de parâmetro para punir a parte, sublinham Delfino e Crevelin. É evidente, portanto, que não se pretende desrespeitar a jurisprudência do STJ, mas, em sentido contrário, sugerir que a sucumbência recíproca no CPC de 2015 (e o mesmo vale para o processo do trabalho) só seja reconhecida quando a parte houver formulado pedido fora da média objetiva que a jurisprudência fornece para casos semelhantes. Nesse contexto, considerando a interpretação sugerida, busca-se utilizar o mesmo critério para determinar se houve ou não sucumbência recíproca face à normativa pertinente à reforma trabalhista. De outro giro, foi aprovado o Enunciado de nº 99 na Segunda Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, prevendo que a sucumbência recíproca, nessa Especializada, ocorrerá apenas em caso de indeferimento total do pedido específico. O enunciado restou assim ementado: ENUNCIADO 99. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. O juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca (art. 791-A, §3º, da CLT) apenas em caso de indeferimento total do pedido específico. O acolhimento do pedido, com quantificação inferior ao postulado, não caracteriza sucumbência parcial, pois a verba postulada restou acolhida. Quando o legislador mencionou “sucumbência parcial”, referiu-se ao acolhimento de parte dos pedidos formulados na petição inicial. 513
DELFINO, Lúcio. SOUSA, Diego Crevelin. A Derrocada do Enunciado Sumular326 do Superior Tribunal de Justiça publicado no Conjur.
295
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Assim, apesar da ausência de vinculação dos referidos enunciados, nota-se que todos os aqui mencionados abordam interpretações salutares e consentâneas com o acesso à justiça, bem como com os artigos 1.707 do CC/02, 5º, LXXIV e 7º, caput da CF e 98 §1º do CPC de 2015. 3. CONCLUSÃO A reforma trabalhista arquitetou notória desconstrução do direito material do trabalho com a concomitante inefetivação do direito processual, indicando um caminho de restrição aos avanços civilizatórios e à regulamentação dos direitos fundamentais, seja quando limitou o acesso à justiça, seja quando maximizou os riscos do ajuizamento da demanda, seja quando precarizou o contrato existencial de trabalho com a implementação de formas “flexíveis” de contratação e dispensa, seja quando retirou a fonte de custeio dos entes sindicais e, na contramão, lhe atribuiu poderes para renunciar direitos indisponíveis, consagrando na CLT o princípio da intervenção mínima. De par com isso, estabeleceu normativa própria e inovadora no tocante ao arbitramento e hipóteses de cabimento dos honorários sucumbenciais na Justiça do Trabalho, sem, contudo, estipular o momento de sua aplicação, lacuna que “aparentemente” teria sido sanada pelo art. 2º da Medida Provisória 808. Não obstante, há posicionamento doutrinário que defende não haver qualquer alteração nesse aspecto no tocante às regras de direito processual pela MP 808, em razão da vedação constitucional prevista no art. 62, §1º, I, b da Constituição da República, devendo ser aplicada a teoria do isolamento dos atos processuais. De outro giro, há outra vertente, que sustenta a inconstitucionalidade do art. 2º da MP 808, em virtude de flagrante violação à irretroatividade das leis, considerando o posicionamento do Pretório Excelso na Ação Direta de Inconstitucionalidade 493. Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se explicitando que o marco temporal processual para a aplicação das normas que regulam honorários sucumbenciais é a sentença, já que nela surge o direito autônomo e material do advogado à sua percepção. Nessa perspectiva, a hermenêutica propugnada pelo STJ cristalizou a seguinte ideia: se o capítulo acessório da sentença, referente aos honorários sucumbenciais, foi publicado em consonância com o CPC/73, serão aplicadas as regras do vetusto diploma processual até a ocorrência do trânsito em julgado. Por outro lado, nos casos de sentença proferida a partir do dia 18.3.2016, as normas do novel CPC cingirão a situação concreta, inclusive no que tange à fixação dos honorários recursais. (Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Data do Julgamento 21/06/2016). Assim, o precedente ilustrado afastou a adoção simplista do sistema de separação dos atos processuais, para determinar que a sucumbência há de ser regida pelas normas vigentes ao tempo da sentença que a reconhece. Corroborando esse entendimento, o próprio STJ elaborou uma série de enunciados administrativos sobre o CPC de 2015, cujo objetivo foi orientar a comunidade jurídica sobre a questão do direito intertemporal, tendo o Enunciado nº 7 fixado que “somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC”. No mesmo sentido, Enunciado 241 do FPPC. Deveras, em sendo o arbitramento de honorários recursais inovação advinda da vigência do diploma processual civil de 2015, não se pode conferir eficácia retroativa ao seu conteúdo em razão da impossibilidade de prejudicar a parte em virtude de ato praticado antes do início da vigência da nova lei. Assim, seguindo, no que cabe, a mesma lógica, aplicar o ônus da sucumbência (de primeiro grau) às ações ajuizadas na Justiça do Trabalho antes da entrada em vigor da reforma trabalhista, mas que foram sentenciadas posteriormente, implicaria imputar à parte o ônus da morosidade judicial em notória violação aos princípios da segurança jurídica, da não surpresa e da causalidade. Afinal, a parte define os riscos que irá correr no momento do ajuizamento da ação. Além 296
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
disso, a ordem jurídica não permite a retroatividade lesiva da lei nova, conforme previsto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal e ADI 493. Nesse sentido, Enunciado 98 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho. Indo além, em 6 de dezembro de 2017, decidiu a 6ª Turma do TST que “a Lei 13.467/2017 possui aplicação imediata no que concerne às regras de natureza processual, contudo, a alteração em relação ao princípio da sucumbência só tem aplicabilidade aos processos novos, uma vez que não é possível sua aplicação aos processos que foram decididos nas instâncias ordinárias sob o pálio da legislação anterior”, o que sinaliza a adoção de uma interpretação na diretriz da sedimentada pelo STJ (de que a sucumbência nasce na sentença). Entretanto, como no “processo nº TST-RR20192-83.2013.5.04.0026514 não foi analisada, especificamente, a situação de ação ajuizada antes da reforma e julgada após a sua entrada em vigor seria precipitado exarar qualquer conclusão nesse sentido. Por isso, deve-se aguardar o posicionamento definitivo do TST enquanto se raciocina o direito. De outro giro, cabe ressaltar que a súmula 219 encontrava-se na pauta de “adaptações” da sessão plenária realizada no dia 6 de fevereiro de 2018 que teria por escopo “atualizar” a jurisprudência do TST às disposições da reforma trabalhista. Todavia, a sessão foi suspensa para a análise de questão prejudicial pertinente à constitucionalidade do art. 702, I, f da CLT. De todo modo, se futuramente adotada pelo TST a proposta elaborada pela Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos quanto à revisão da súmula 219 e ao cancelamento da súmula 329 somente “às ações ajuizadas a partir de 11.11.2017, aplicar-se-á o princípio da sucumbência em relação aos honorários advocatícios, nos termos do art. 791-A da CLT, acrescido pelo art. 1º da Lei n. 13.467/2017”. Nada obstante, como a sessão foi suspensa515 não há certeza quanto ao posicionamento final que será adotado pelo TST a respeito. Lado outro, em relação à rigidez atribuída à normativa dos honorários sucumbências pela reforma é flagrante a inconstitucionalidade do condicionamento da suspensão da exigibilidade do crédito trabalhista à inexistência de créditos suficientes, em qualquer processo, para saldar as despesas decorrentes da sucumbência, sendo esta disposição totalmente contrária àquela prevista no CPC de 2015, nos artigos 98, §§2º e 3º. Isso sem contar com a inexistência de limites à execução dos honorários sucumbenciais, tal qual disposto no art. 833, §2º c/c 529, §3º do CPC de 2015 aos que não são beneficiários da gratuidade de justiça. Por sua vez, no tópico relativo ao princípio da reparação integral, defendeu-se o cabimento da fixação de honorários contratuais nesta Especializada, com fulcro na máxima “tout le dommage, mais rien que le dommage” e nos arts. 389, 395 e 404 do CC/02, aplicáveis subsidiariamente no âmbito dos contratos trabalhistas, nos termos do art. 8º, §1º, da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017 e precedentes do STJ de relatoria da Ministra Nancy Andrighi. Outrossim, o conceito de sucumbência defendido neste artigo é o mesmo consagrado no Enunciado 99 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, qual seja, o que de o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca (art. 791-A, §3º, da CLT) apenas em caso de indeferimento total do pedido específico, de modo que o acolhimento do pedido, com quantificação inferior ao postulado, não caracteriza sucumbência parcial, pois a verba postulada restou acolhida. Logo, quando o legislador mencionou “sucumbência parcial”, referiu-se ao acolhimento de parte dos pedidos formulados na petição inicial. Por fim, o próprio conceito de sucumbência foi repensado neste escorço, pois apesar de, com o CPC de 2015, desenvolver-se a noção de autorresponsabilização das partes, com o escopo de coibir o “demandismo temerário”, tal dispositivo não pode prejudicar a parte que diligente 514
A hipótese analisada se referiu à ação sentenciada antes da entrada em vigor da reforma trabalhista. Deve-se aguardar a decisão do TST no processo E-RR 696-25.2012.5.05.0463 para que se obtenha um posicionamento claro quanto à constitucionalidade ou não do procedimento previsto no art. 702, I, f da CLT antes da alteração/adaptação das súmulas e orientações jurisprudenciais do TST conforme proposta da Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos da Corte. 515
297
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
e responsavelmente postulou, por exemplo, um dano extrapatrimonial, considerando julgados proferidos em casos semelhantes. Dessa maneira, mesmo com a derrocada da súmula 326 do STJ, em virtude do art. 292, V do CPC de 2015, aplicável ao processo do trabalho, conforme disposto na IN 39/2016 do TST, o magistrado deve ter em vista, ao distribuir a sucumbência, se o pleito foi realizado de forma proporcional e razoável, devendo essa lógica ser aplicada para toda e qualquer postulação responsável. REFERÊNCIAS CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995. CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Vol. I, 3a ed. São Paulo: Saraiva, 1969. DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Aplicação imediata dos honorários de sucumbência recíproca no processo trabalhista. DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V.1. 14ª Ed. Jus Podivm, 2012. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol I, 6a ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. DELGADO, Maurício Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil com os comentários à Lei 13.467/2017. Editora LTr, outubro de 2017. FELICIANO, Guilherme Guimarães. Por um processo realmente efetivo: tutela processual de direitos humanos fundamentais e inflexões no “Due Process of law”. São Paulo, Ltr, 2016. GUIMARÃES, Ricardo Pereira de Freitas. MARTINEZ, Luciano. Desafios da Reforma Trabalhista de acordo com a MP 808/2017 e com a Lei 13.509/2017 impresso em dezembro de 2017. Editora Revista dos Tribunais, 1ª Edição. MAIOR, Jorge Luiz Souto. SEVERO, Valdere Souto. Resistência. Aportes Teóricos Contra o Retrocesso Trabalhista. 1ª Edição. Editora Expressão Popular. São Paulo, 2017. MELO, Raimundo Simão de. ROCHA, Cláudio Jannoti. Constitucionalismo, Trabalho, Seguridade Social e as Reformas Trabalhista e Previdenciária. I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e da Seguridade Social. Editora LTr, 2017. REVISTA DOS TRIBUNAIS, vol. 985. São Paulo: Ed. RT, novembro de 2017. TUPINAMBÁ, Carolina. GOMES, Fábio Rodrigues. A Reforma Trabalhista O Impacto nas Relações de Trabalho. Editora Fórum, 1ª Edição, 2018. O STJ decidiu: a sentença é o marco temporal-processual para identificação das normas a regular os honorários. E aí? Por Jorge Amaury Maia Nunes e Guilherme Pupe da Nóbrega A derrocada do enunciado sumular 326 do Superior Tribunal de Justiça (por Luciano Delfino e Diego Crevellin de Sousa publicado no Conjur).
298
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
TRABALHO INTERMITENTE: uma nova modalidade de contrato de trabalho e sua flagrante incompatibilidade com os princípios fundamentais das relações justrabalhistas INTERMITTENT WORK: a new modality of labor contract and its flagrant incompatibility with the fundamental principles of labor relations Valdilene Ângela de Carvalho Guimarães516. RESUMO: Este estudo tem por finalidade fazer uma abordagem sobre a nova redação conferida ao caput do art. 443 e seu § 3º, bem como acerca do novo art. 452-A, ambos da CLT, introduzidos pela Lei n. 13.467/2017, a qual dispôs sobre o contrato de trabalho intermitente, demonstrando a sua incompatibilidade com os princípios justrabalhistas. A análise hermenêutica dos artigos em comento se dará de forma a comparar a interpretação do ordenamento jurídico trabalhista anterior com os preceitos introduzidos pela Lei n. 13.467/2017, no que tange ao contrato de trabalho intermitente. O estudo em questão adotará o método dedutivo, por meio de uma pesquisa bibliográfica, com a utilização de obras doutrinárias, artigos científicos e a legislação nacional que dispõe acerca do contrato de trabalho intermitente. PALAVRAS-CHAVES: Reforma trabalhista. Contrato de trabalho intermitente. Princípios fundamentais do Direito do Trabalho. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A regulamentação trazida pela Lei n. 13.467/2017 acerca do contrato de trabalho intermitente; 3. Os princípios constitucionais e do direito do trabalho aplicáveis as relações justrabalhistas; 4. Dos princípios constitucionais; 4.1. Princípio da dignidade da pessoa humana; 5. Dos princípios do direito do trabalho. 5.1. Princípio da alteridade; 6. A análise interpretativa dos artigos 443, §3º, e 452-A, ambos da CLT, em consonância com os princípios que norteiam as relações justrabalhista; 7. Conclusões; 8. Referências bibliográficas. ABSTRACT: This study aims to make an approach on the new wording conferred to the caput of art. 443 and its § 3, as well as on the new art. 452-A, both of CLT, introduced by Law no. 13467/17, which disposed of the zero-hour contract, demonstrating its incompatibility with the principles of Labour Law. The hermeneutical analysis of the articles in question will be done in such a way as to compare the interpretation of the previous labour legal system with the articles introduced by Law 13467/177, when it comes to the zero-hour contract. This study will adopt the deductive method, through a bibliographical research, using doctrinal works, scientific articles and the national legislation that regulates the zero-hour contract. KEYWORDS: Labour reform. Zero-hour contract. Fundamental principles of Labour Law. SUMMARY: 1. Introduction; 2. The regulations introduced by law 13.467/177 on intermittent employment contracts; 3. The constitutional and labor law principles applicable to labor relations; 4. The constitutional principles; 4.1. Principle of the dignity of the human person; 5. The principles of labor law. 5.1. Principle of otherness; 6. The interpretative analysis of articles 443, §3, and 452-A, both of the CLT, in accordance with the principles that guide the work relations; 7. Conclusions; 8. References. 1. INTRODUÇÃO A Lei n. 13.467, de 2017, que implementou a denominada reforma trabalhista, alterou a redação do caput do art. 443 da CLT e nele inseriu o §3º, tendo também introduzido o art. 452-A 516
Mestranda do Curso de Direito das Relações Sociais e Trabalhistas do Centro Universitário UDF- Brasília – DF e Pós-Graduada (Especialização) em Direito do Trabalho pela Faculdade Fortim (2008) e Pós-Graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil (2012) pela Faculdade de Araraquara em parceria com o Instituto dos Magistrados do Distrito Federal – IMAG/DF e Professora Universitária e Advogada e email:valdileneangela@hotmail.com.
299
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
na Consolidação das Leis do Trabalho, composto por diversos parágrafos e incisos, ambos afrontando os princípios constitucionais e trabalhistas que norteiam as relações juslaborais. Resultado da força do capital sobre o Poder Legislativo, a Lei n. 13.467, de 2017, foi aprovada com o intuito velado de ampliar o lucro por meio da superexploração do trabalhador. O presente estudo demonstrará que a novel legislação busca extirpar, do ordenamento jurídico brasileiro, os direitos e garantias trabalhistas estruturados e conquistados, há décadas, pelas categorias sociais, mormente no que se refere ao salário e à jornada de trabalho. Assim, será feita uma análise hermenêutica do contrato trabalho intermitente no mundo justrabalhista, trazido pela Lei n. 13.467/2017, a partir de uma interpretação em consonância com os princípios constitucionais e os princípios fundamentais do Direito do Trabalho, que norteiam as relações laborais, demonstrando a sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. Por último, por meio da interpretação jurídica dos artigos 443, § 3º, e 452-A, ambos da CLT, em conformidade com os princípios acima mencionados, será demonstrado que a reforma trabalhista é um verdadeiro retrocesso social, uma vez que viola todos os princípios elencados no presente estudo. 2. A REGULAMENTAÇÃO TRAZIDA PELA Lei n. 13.467/2017 ACERCA DO CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE A reforma trabalhista introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o chamado contrato de trabalho intermitente, o qual garante que o empregado fique subordinado ao contratante, ao mesmo tempo em que este tem o direito de utilizar de seu labor de acordo com a sua necessidade.517 O parágrafo terceiro do art. 443 da CLT, dispõe que: Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.
Com efeito, o contrato de trabalho intermitente permitirá a prestação de serviços de forma não contínua, com possibilidade de alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, não existindo nenhuma ressalva quanto à adoção do trabalho intermitente, exceto para os aeronautas. Esse também é o entendimento exarado no dossiê do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) - UNICAMP: Conforme previsto no projeto, esse contrato permitirá a prestação de serviços de forma descontínua, podendo alternar períodos em dia e hora e, com isso, atender às demandas especificas de determinados setores, com o respectivo pagamento proporcional ao número de horas trabalhadas. A redação do texto deixa evidente que não haverá nenhuma restrição à adoção do trabalho intermitente. Desta forma, empregadores que prefiram remunerar seus trabalhadores apenas pelas horas trabalhadas, ao invés de estabelecer uma jornada pré-definida de trabalho, terão total liberdade para fazê-lo.
Verifica-se, portanto, que a “adoção do contrato intermitente tem o propósito de se ajustar às especificidades de cada segmento e, com isso, os empregadores poderão utilizar-se de distintas formas de contratação conforme as suas necessidades”.518 Para aqueles que defendem a reforma trabalhista, a regulamentação do trabalho intermitente nada mais é do que a regulamentação do “bico”, uma realidade já existente no Brasil. Para eles a normatização desse tipo de contrato de trabalho dá segurança a ambas as partes, bem como cria uma fonte de renda. 517
DOSSIÊ REFORMA TRABALHISTA (em construção). GT Reforma Trabalhista CESIT (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho) IE / UNICAMP. Campinas: junho de 2017. p. 34. 518 DOSSIÊ REFORMA TRABALHISTA (em construção). GT Reforma Trabalhista CESIT (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho) IE / UNICAMP. Campinas: junho de 2017. p.34.
300
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Para essa corrente, essa modalidade contratual traz vários benefícios à classe trabalhadora, como por exemplo: gera novos empregos; cria oportunidade para o cidadão que está acessando o primeiro emprego ou que precisa conciliar trabalho e estudo.519 No entanto, ao contrário do que sustenta essa corrente, não se vislumbra nenhum benefício ao trabalhador, pois o contrato de trabalho intermitente tem um caráter totalmente imprevisível e precariza a relação de trabalho. Ademais, o referido “bico” nada mais é do que o trabalho informal e, portanto, um ilícito que deve ser combatido por meio do devido registro do empregado. A esse respeito, assim explicita o dossiê do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) - UNICAMP: Essa forma de contratação subordina o trabalho a necessidades eventuais do empregador. O trabalhador e a trabalhadora ficam disponíveis 24 horas por dia e vinculados a um contratante que poderá dispor de seu trabalho a qualquer momento pagando apenas pelas horas trabalhadas. Não há nenhuma previsibilidade em relação ao número de horas contratadas, nem à remuneração a ser recebida, o que produz incerteza para o trabalhador, além de um forte impacto social, na medida em que reduz as contribuições previdenciárias e os direitos trabalhistas.
Esse também foi o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho exarado no aresto abaixo transcrito: RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. JORNADA MÓVEL E VARIÁVEL. INVALIDADE. Entende-se pela invalidade de cláusula prevista em contrato de trabalho que fixa jornada móvel e variável porque prejudicial ao trabalhador, pois, embora não exista vedação expressa sobre a prática adotada pela requerida, percebe-se que a contratação efetivada visa a que o trabalhador fique sujeito a ato imperativo do empregador que pode desfrutar do labor de seus empregados quando bem entender, em qualquer horário do dia, pagando o mínimo possível para auferir maiores lucros. Esta prática, contratação na qual os trabalhadores ficam à disposição da empresa durante 44 horas semanais, em que pese esta possa utilizar-se de sua força laborativa por apenas 8 horas semanais, na medida de suas necessidades, é ilegal, porquanto a empresa transfere o risco do negócio para os empregados, os quais são dispensados dos seus serviços nos períodos de menor movimento sem nenhum ônus e os convoca para trabalhar nos períodos de maior movimento sem qualquer acréscimo nas suas despesas. Entender o contrário implicaria desconsiderar as disposições contidas nos artigos 4º, caput, e 9º da CLT, que disciplinam o tempo à disposição do empregador e nulificam os atos praticados com o objetivo de desvirtuar ou fraudar os dispositivos regulamentadores da CLT. Recurso de revista conhecido e provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-9891900-16.2005.5.09.0004; Recorrente: Ministério Público do Trabalho da 9ª Região; Recorrida: Arcos Dourados Comércio de Alimentos LTDA; Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, Ministra Relatora Dora Maria Da Costa; julgado em 23/02/2011 e publicado em 25/02/2011.
Ressalta-se que o contrato de trabalho intermitente é ainda mais perverso do que a adoção da jornada móvel e variável, já ilícita, pois não assegura ao trabalhador sequer a percepção do piso salarial previsto na norma coletiva aplicável, ou mesmo do salário mínimo mensal. Ademais, o trabalho intermitente gera diminuição da remuneração, aumento da carga de trabalho, bem como redução das horas pagas. Essa modalidade de contrato de trabalho já existe em outros países, onde demonstrou ser totalmente calamitosa para o trabalhador, não lhe assegurando condições de vida e de trabalho minimamente dignas, além de comprometer a sua saúde física e mental. Conforme lecionam Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado: (...) não há dúvida de que a nova fórmula jurídica poderá ter um efeito avassalador quanto ao rebaixamento do valor do trabalho na economia e sociedade brasileiras. É que ostentando 519
DOSSIÊ REFORMA TRABALHISTA (em construção). GT Reforma Trabalhista CESIT (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho) IE / UNICAMP. Campinas: junho de 2017. p. 34-35.
301
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
essa fórmula uma amplitude bastante extensa (vide a generalidade da regra constante do §3º do art.443 da CLT), ela tenderá a instigar os bons empregadores a precarizarem a sua estratégia de contratação trabalhista tão logo os concorrentes iniciarem esse tipo de prática. (...) A precarização instigada por esse instituto é tão evidente que o pagamento das verbas é realizado no próprio dia da prestação de serviços.520
De igual forma, esse foi o entendimento expresso no dossiê do Cesit – Unicamp, senão vejamos: Esse tipo de contrato já existe em outros países e suas consequências são desastrosas para a saúde e para a vida dos trabalhadores. Pesquisas já realizadas apontam que trabalhadores submetidos a esse regime trabalham, a depender de cada período, muito mais ou muito menos do que os empregados contratados em regimes normais. Ou seja, suas vidas passam a ser completamente determinadas pelas demandas de curto prazo das empresas. Assim, ao invés de se subordinar aos ditames empresariais apenas durante a jornada de trabalho, os trabalhadores passam a ter toda a sua vida vinculada como apêndice aos desígnios empresarias. Na prática, os trabalhadores ficam ininterruptamente à disposição dos empregadores, já que sua condição precária não traz qualquer alternativa que não aceitar qualquer trabalho que surgir. São nefastas as repercussões em termos de condições de acidentalidade, tanto pelos prolongamentos excessivos das jornadas, quanto pela ausência de continuidade nas atividades, reduzindo o vínculo do trabalhador com seu processo de trabalho, por conseguinte, seu saber fazer em dado ambiente.
Percebe-se que a nova fórmula jurídica implica flagrante supressão de direitos e garantias do trabalhador, em uma tentativa de desmantelar toda uma interpretação jurídica já construída pelo Tribunal Superior do Trabalho e pela doutrina quando da análise do sistema de jornada móvel e variável, que consegue ser superado em termos de nocividade e perversidade ao trabalhador pelo contrato de trabalho intermitente, como visto. Nesse sentido, também lecionam Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Delgado que: O contrato de trabalho intermitente, nos moldes em que foi proposto pela Lei da Reforma Trabalhista – caso lidas, em sua literalidade, as regras impostas por esse diploma legal, - busca romper com dois direitos e garantias justrabalhistas importantes, que são estruturas centrais do Direito do Trabalho: a noção de duração do trabalho (e de jornada) e a noção de salário”521. (g.n.).
De igual sorte, Souto Maior afirma que “o trabalho intermitente regulamentado cria um estágio tal de submissão que legitima toda forma de exploração do trabalho, desprovido de tutela, afrontando cabalmente a condição humana dos trabalhadores”522. Nesse particular, os novos preceitos legais devem ser interpretados em conformidade com o disposto em nossa Constituição Federal, bem como com toda a sistemática do Direito do Trabalho, devendo, portanto, ser observados os princípios constitucionais e trabalhistas que norteiam as relações juslaborais. 3. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E DO DIREITO DO TRABALHO APLICÁVEIS AS RELAÇÕES JUSTRABALHISTAS Para Mauricio Godinho Delgado, “os princípios conceituam-se como proposições fundamentais que informam a compreensão do fenômeno jurídico. São diretrizes centrais que se inferem de um sistema jurídico e que, após inferidas, a ele se reportam, informando-o”.523 520
DELGADO, Mauricio Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. p. 156. 521 DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017, p.154. 522 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Trabalho intermitente e golpismo constante. Revista Síntese: trabalhista e previdenciária. São Paulo, v. 28, n. 334, abr. 2017, p. 213. 523 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16ª ed. São Paulo: LTr, 2017. p. 210.
302
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Os princípios fazem parte do complexo do ordenamento jurídico. Este se projeta ou se traduz em princípios, logicamente anteriores às regras, conforme leciona Jorge Miranda: O direito não é mero somatório de regras avulsas, produto de atos de vontade, ou mera concatenação de fórmulas verbais articuladas entre si, o Direito é ordenamento ou conjunto significativo e não conjunção resultada de vigência simultânea; é coerência ou, talvez mais rigorosamente, consistência; é unidade de sentido, é valor incorporado em regra. E esse ordenamento, esse conjunto, essa unidade, esse valor, projeta-se ou traduz em princípios, logicamente anteriores aos preceitos. Os princípios não se colocam, pois, além ou acima do Direito (ou do próprio Direito positivo); também eles – numa visão ampla, superadora de concepções positivistas, literalistas e absolutizantes das fontes legais – fazem parte do complexo ordenamental. Não se contrapõem às normas, contrapõem-se tão somente aos preceitos; as normas jurídicas é que se dividem em normas-princípios e normas-disposições524.
Percebe-se, portanto, que os princípios são os elementos de sustentação do ordenamento jurídico, elementos estes que lhe dão coerência interna525.” Eles protegem e equilibram a desigualdade existente entre as partes da relação de trabalho. Assim, cabe ao Poder Legislativo, ao criar um novo preceito legal, observar se está em conformidade com as aspirações idealizadas pelo seu povo. Todavia, ao contrário do que almeja o jurisdicionado brasileiro, a reforma trabalhista, nesse ponto, visou tão somente a atender a avidez do capital pelo lucro fácil, tornando mais evidente a desigualdade entre as partes da relação de trabalho. 4. DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 4.1. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA A Constituição Federal Brasileira inseriu em seu núcleo o princípio da dignidade da pessoa humana, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, o qual é considerado por muitos doutrinadores como um mecanismo de efetivação dos ideais da democracia. Vejamos: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana;
A respeito do princípio da dignidade da pessoa humana, Mauricio Godinho Delgado ensina que: A Constituição brasileira, como visto, incorporou o princípio da dignidade da pessoa humana em seu núcleo, e o fez de maneira absolutamente atual. Conferiu-lhe status multifuncional, mas combinando unitariamente todas as suas funções: função, princípio e objetivo. Assegurou-lhe abrangência a toda a ordem jurídica e a todas as relações sociais. Garantindo-lhe amplitude de conceito, de modo a ultrapassar sua visão estritamente individualista em favor de uma dimensão social e comunitária de afirmação da dignidade da pessoa humana526.
De igual maneira, o doutrinador Carlos Henrique Bezerra Leite pontua com maestria que “o epicentro de todo ordenamento jurídico brasileiro é o princípio da dignidade humana (CF, art.1º, III), razão pela qual não há necessidade de muito esforço intelectivo para demonstrar que tal princípio alcança em cheio o direito do trabalho, pois todo trabalhador (ou trabalhadora) é, antes de tudo, uma pessoa humana”527. 524
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4ª ed. Tomo 1. Coimbra: Coimbra, 1990. p. 197-198. RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011. p. 18. 526 DELGADO. Mauricio Godinho. Princípios constitucionais do trabalho e princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2017. p. 41. 527 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 88. 525
303
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser considerado o ponto central de toda a ordem jurídica, visto que é uma garantia constitucional assegurada pelo Poder Constituinte originário a toda pessoa humana. Pontua Gabriela Neves Delgado que: Sob o prisma da dignidade do trabalho é que o homem trabalhador revela a riqueza de sua identidade social, exercendo sua liberdade e a consciência de si, além de realizar, em plenitude, seu dinamismo social, seja pelo desenvolvimento de suas potencialidades, de sua capacidade de mobilização ou de seu efetivo papel na lógica das relações sociais.528
Assim, a reforma trabalhista, ao prever a possibilidade de trabalho intermitente em seus artigos 443, caput e §3º, e 452-A, da CLT, introduzidos pela Lei 13.467/2017, viola o princípio da dignidade humana, rompendo com a proteção assegurada ao trabalhador no que tange à duração do trabalho e à remuneração, entre outras normas protetivas, conforme citado alhures. Segundo o dossiê do CESIT - Unicamp, essa forma de contratação subordina o trabalho a necessidades eventuais do empregador. O trabalhador fica disponível 24 horas por dia e vinculado a um contratante que poderá dispor de seu labor a qualquer momento, pagando apenas pelas horas trabalhadas. Não há nenhuma previsibilidade em relação ao número de horas contratadas, nem à remuneração a ser recebida, o que produz incerteza para o trabalhador, além de um forte impacto social, na medida em que reduz as contribuições previdenciárias e os direitos trabalhistas.529. Invocando as lições de Marx e Engels, pode-se afirmar que a reforma trabalhista “reduziu a dignidade pessoal a simples valor de troca e, em nome das inúmeras liberdades estatuídas e arduamente conquistadas, erigiu a liberdade única e implacável do comércio.530 Desta feita, percebe-se que a nova legislação tem como objetivo destruir, de forma sorrateira, o Direito do Trabalho, violando vários princípios constitucionais e fundamentais do Direito Laboral, além de diversos dispositivos da própria Consolidação das Leis do Trabalho. O legislador, ao criar a Lei n. 13.467/2017, simplesmente olvidou os fundamentos da República Federativa do Brasil ao desconsiderar o princípio da dignidade da pessoa humana e, por consequência, o próprio valor social do trabalho. 4.2 PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO Um dos princípios de suma importância para proteger e preservar os direitos sociais, arduamente conquistados pela sociedade e que está implícito nas normas expressas na Constituição Federal é o do não Retorno/Entrincheiramento ou Entrenchment. Segundo Mauricio Godinho Delgado, na Constituição de 1988, o princípio desponta implícito em diversas diretrizes constitucionais convergentes, como os princípios da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e do emprego, do bem-estar individual e social, da justiça social, da subordinação da propriedade à sua função socioambiental – diretrizes todas integrantes do núcleo de princípios cardeais do Texto Máximo da República (Preâmbulo; Título I: “Dos Princípios Fundamentais”; Título II: “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”)531. Para esse mesmo autor, pelo princípio do não retorno “proíbe-se a criação ou ratificação de normas jurídicas que propiciem o retrocesso social em determinada sociedade civil e sociedade política”532. Nesse sentido, leciona Grijalbo Fernandes acerca do princípio da proibição do retrocesso: “O pressuposto de sua aplicação, longe de negar o dinamismo da sociedade, capta-o integralmente para impedir movimentos tendentes a liquidar conquistas históricas dos 528
DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006. p. 214 -242. DOSSIÊ REFORMA TRABALHISTA (em construção). GT Reforma Trabalhista CESIT (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho)IE / UNICAMP. Campinas: junho de 2017. p.46. 530 MARX, Karl; Engels, Friedrich. Manifesto do partido comunista. Porto Alegre: L&PM POCKET, 2009. p. 27-28. 531 DELGADO. Mauricio Godinho. Princípios constitucionais do trabalho e princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2017.p. 98-99. 532 DELGADO. Mauricio Godinho. Princípios constitucionais do trabalho e princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2017. p.97. 529
304
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
grupos sociais explorados ou oprimidos pelo regime da mercantilização de valores dos mais diferentes matizes. E assim o é porque ainda se imagina que a proteção humana é o mais relevante, ao contrário dos movimentos realizados pela burguesia mundial para tornar a vida do seu oponente classista coisa pouco relevante”.533
No entanto, o legislador, ao criar a Lei n. 13.467/2017, não respeitou a ideia de não-diminuição e do não retorno a direitos fundamentais já conquistados pelas classes sociais. Portanto, é nítido que essa nova modalidade de contrato de trabalho (intermitente) viola o princípio da proibição ao retrocesso social inerente ao Direito do Trabalho. 5. DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO. 5.1 PRINCÍPIO DA ALTERIDADE Etimologicamente, alteridade significa “característica, estado ou qualidade de ser distinto e diferente, de ser outro”534. Segundo Ricardo Resende, no âmbito do Direito do Trabalho e mais especificamente da relação de emprego, o requisito da alteridade significa que o empregado trabalha por conta alheia, o que implica que ele não assume o risco do negócio535. Por esse princípio quem assume os riscos do contrato de trabalho e de sua execução, bem como da própria atividade empresarial, é o empregador. No entanto, com a reforma trabalhista, há uma ruptura sorrateira desse princípio. A esse respeito, Érica Fernandes e Nicolle Wagner ensinam que: (...) A alteridade, que até então era uma característica do contrato de trabalho, atribuindo ao empregador os ônus da relação de emprego foi flagrantemente atacada. Assim, quis a nova lei inverter seu sentido atribuindo ao empregado a responsabilidade de garantir e gerenciar sua sobrevivência no mercado de trabalho, alternando a sua existência entre ocupar postos de trabalho e procurar por outros postos de trabalho para serem ocupados, tudo isso dentro de um curto período de tempo536.
Esse princípio é extraído do art. 2º da CLT, o qual não foi alterado pela reforma trabalhista (Leis n. 13.429/2017 e 13.467/2017 e Medida Provisória 808/2017), dispõe que: Art. 2º. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
Com efeito, verifica-se que a alteridade é primordial na configuração da relação de emprego. Conforme aponta Ricardo Resende, se não houver alteridade, haverá autonomia, e, logo mera relação de trabalho, e não de emprego537. Portanto, conforme demonstrado com maestria pelas doutrinadoras Érica Fernandes e Nicolle Wagner, as tutelas até então asseguradas na legislação celetista foram atacadas e a Lei 13.467/2017 permitiu a flexibilização de normas imperativas trabalhistas, agredindo direitos do trabalhador538, como exposto alhures. 533
COUTINHO, Grijalbo Fernandes. Terceirização: máquina de moer gente trabalhadora. A inexorável relação entre a nova marchandage e a degradação laboral, as mortes e mutilações no trabalho. São Paulo: LTr, 2015. p.216. 534 Disponível em <http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=&t=&palavra=alteridade> Acesso em 13 dez. 2017. 535 RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011. p.73. 536 TEIXEIRA, Érica Fernandes; GONÇALVES, Nicolle Wagner da Silva. Afrontas ao pacto constitucional: o trabalho intermitente regulamentado e a flagrante. Afronta aos direitos trabalhistas no Brasil. Revista do TRT 10, São Paulo, v. 21, n. 2, nov. 2017, p. 36. 537 RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011. p.78. 538 TEIXEIRA, Érica Fernandes; GONÇALVES, Nicolle Wagner da Silva. Afrontas ao pacto constitucional: o trabalho intermitente regulamentado e a flagrante. Afronta aos direitos trabalhistas no Brasil. Revista do TRT 10, São Paulo, v. 21, n. 2, nov. 2017, p. 31.
305
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
6. A ANÁLISE INTERPRETATIVA DOS ARTIGOS 443, §3º, E 452-A, AMBOS DA CLT, EM CONSONÂNCIA COM OS PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM AS RELAÇÕES JUSTRABALHISTAS Tendo em vista a regulamentação do contrato de trabalho intermitente, previsto no art.443, caput e §3º, bem como no art. 452-A, da CLT, o qual retira vários direitos sociais já conquistados pela classe trabalhadora, cabe a nós, operadores do direito, fazermos uma hermenêutica jurídica quanto à sua compatibilidade ou não com os princípios justrabalhistas, bem como com toda a ordem jurídica vigente. Os preceitos legais539, objeto do presente estudo, prevem a possibilidade de pactuação do contrato de trabalho intermitente. Com efeito, a reforma trabalhista, no que tange a essa modalidade de contrato trabalho (intermitente), não se compatibiliza com os princípios da dignidade da pessoa humana e da alteridade, bem como com o princípio do não retorno (vedação ao retrocesso social). 531
Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente (Redação dada pela Lei n. 13.467, de 2017) § 3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente será celebrado por escrito e registrado na CTPS, ainda que previsto acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva, e conterá: (Redação dada pela Medida Provisória nº 808, de 2017). I identificação, assinatura e domicílio ou sede das partes; (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). II valor da hora ou do dia de trabalho, que não poderá ser inferior ao valor horário ou diário do salário mínimo, assegurada a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno e observado o disposto no § 12; e (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). III - o local e o prazo para o pagamento da remuneração. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 1º O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). § 2º Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de vinte e quatro horas para responder ao chamado, presumida, no silêncio, a recusa. (Redação dada pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 3º A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). § 4º Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017) (Revogado Medida Provisória nº 808, de 2017). § 5º O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017) (Revogado Medida Provisória nº 808, de 2017). § 6º Na data acordada para o pagamento, observado o disposto no § 11, o empregado receberá, de imediato, as seguintes parcelas:(Redação dada pela Medida Provisória nº 808, de 2017). I - remuneração; (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). II - férias proporcionais com acréscimo de um terço; (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). III - décimo terceiro salário proporcional; (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). IV - repouso semanal remunerado; e (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). V - adicionais legais. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017) § 7º O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas referidas no § 6o deste artigo. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). § 8º (Revogado Medida Provisória nº 808, de 2017). § 9º A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). § 10. O empregado, mediante prévio acordo com o empregador, poderá usufruir suas férias em até três períodos, nos termos dos § 1º e § 2º do art. 134. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 11. Na hipótese de o período de convocação exceder um mês, o pagamento das parcelas a que se referem o § 6º não poderá ser estipulado por período superior a um mês, contado a partir do primeiro dia do período de prestação de serviço. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 12. O valor previsto no inciso II do caput não será inferior àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 13. Para os fins do disposto neste artigo, o auxílio-doença será devido ao segurado da Previdência Social a partir da data do início da incapacidade, vedada a aplicação do disposto § 3º do art. 60 da Lei n. 8.213, de 1991. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 14. O salário maternidade será pago diretamente pela Previdência Social, nos termos do disposto no § 3º do art. 72 da Lei n. 8.213, de 1991. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017). § 15. Constatada a prestação dos serviços pelo empregado, estarão satisfeitos os prazos previstos nos § 1º e § 2º. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017).
306
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
Com a criação do contrato de trabalho intermitente, haverá um aumento da exploração do ser humano, pois o intuito foi fugir da proteção dada pelo Direito do Trabalho e legitimar toda forma de exploração do trabalho, afrontando, por conseguinte, a dignidade da pessoa humana. Érica Fernandes e Nicolle Wagner apontam que: (...) A ganância pela maximização do lucro do mercado torna-se mais desastrosa quando, em detrimento de todo arcabouço tuitivo acerca do trabalho humano, são criadas e recriadas inovadoras modalidades de prestação de serviço destoantes da relação de emprego clássica, a fim de escapar da tutela justrabalhista. A regulação da precarização do trabalho, travestido de novas modalidades de prestação de serviço, torna o trabalhador ainda mais vulnerável com sua mão-de-obra barateada, com a flexibilização das formas de contratação e dispensa e com a interposição de cada vez mais personagens entre ele e o tomador de serviço, fragmentando não só direitos como o próprio trabalho digno nos moldes constitucionais540.
Assim, em face de tamanho retrocesso, haja vista que o trabalho precarizado foi regulamentado por meio da modalidade de contrato de trabalho intermitente, é fundamental dar efetividade aos princípios justrabalhistas, em especial aos princípios da dignidade da pessoa humana, da alteridade e da vedação ao retrocesso social, bem como aos dispositivos constitucionais, no que se refere ao trabalho digno. 7. CONCLUSÕES Com a reforma trabalhista e sob o manto de modernização das relações de trabalho, o atual governo feriu de morte os preceitos da Constituição Federal de 1988. Com a aprovação da Lei n. 13.467/2017, principalmente no que se refere à criação do contrato de trabalho intermitente, verifica-se um verdadeiro retrocesso social, bem como um ataque aos direitos sociais previstos em nossa ordem jurídica, em especial em nossa Constituição Cidadã, bem como aos princípios justrabalhistas. Ora, o contrato intermitente nada mais é que a legitimação da precarização do trabalho, uma vez que retira da classe trabalhadora os direitos mais básicos, tais como salário, jornada, etc. Portanto, o que se percebe é uma verdadeira fragmentação de direitos e do trabalho digno, cabendo, portanto, ao Poder Judiciário, em especial à Justiça do Trabalho, interpretar os referidos dispositivos em conformidade com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho e com a Constituição Federal, a fim de proteger os direitos sociais conquistados há décadas pelas classes sociais. Tudo isso para proteger o trabalhador que é a parte mais frágil/hipossuficiente da relação empregatícia. Quando os legisladores de uma nação, legítimos representantes dos cidadãos, se encontram comprometidos e atrelados com as benesses do capital, o resultado são leis desconectadas dos interesses da sociedade e de conquistas de décadas de lutas e evolução. Não é, ainda, o retorno às senzalas e ao embalo do chicote do feitor, mas a involução e o retrocesso dos direitos básicos tão necessários para que tenhamos estruturas sociais mais justas e comprometidas com os valores humanos acima dos valores econômicos; um mundo menos individualista e exludente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COUTINHO, Grijalbo Fernandes. Terceirização: máquina de moer gente trabalhadora. A inexorável relação entre a nova marchandage e a degradação laboral, as mortes e mutilações no trabalho. São Paulo: LTr, 2015. DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006. 540
TEIXEIRA, Érica Fernandes; GONÇALVES, Nicolle Wagner da Silva. Afrontas ao pacto constitucional: o trabalho intermitente regulamentado e a flagrante. Afronta aos direitos trabalhistas no Brasil. Revista: TRT10: São Paulo v. 21, n. 2, p. 35, Nov. 2017.
307
Coordenadores:Beatriz Maria Eckert Hoff, Mauricio Godinho Delgado, Bernardo Petriz de Assis, Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto, Marcelo Fernando Borsio - Organizadores: Felipe Vasconcellos Benicio Costa, Luiza Baleeiro Coelho Souza
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16ª ed. São Paulo: LTr, 2017. DELGADO. Mauricio Godinho. Princípios constitucionais do trabalho e princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2017. DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. DOSSIÊ REFORMA TRABALHISTA (em construção). GT Reforma Trabalhista CESIT (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho) IE / UNICAMP. Campinas: junho de 2017. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. MAIOR, Jorge Luiz Souto. Trabalho intermitente e golpismo constante. Revista Síntese: trabalhista e previdenciária, São Paulo, v. 28, n. 334, abr. 2017, p. 213. MARX, Karl; Engels, Friedrich. Manifesto do partido comunista. Porto Alegre: L&PM POCKET, 2009. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4ª ed. Tomo 1. Coimbra: Coimbra, 1990. RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011. TEIXEIRA, Érica Fernandes; GONÇALVES, Nicolle Wagner da Silva. Afrontas ao pacto constitucional: o trabalho intermitente regulamentado e a flagrante afronta aos direitos trabalhistas no Brasil. Revista do TRT da 10ª Região, São Paulo, v. 21, n. 2, nov. 2017, p.36. Sites: BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: <http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/ consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=9891900&digitoTst=16&anoTst=2005&orgaoTst=5&tribunalTst=09&varaTst=0004>. Acesso em: 12 dez. 2017. DICIONÁRIO MICHAELIS. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f =&t=&palavra=alteridade>. Acesso em: 13 dez. 2017.
308
Anais do I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social
309