ESTUDOS E PESQUISAS EM DIREITO EMPRESARIAL NA CONTEMPORANEIDADE. PROPRIEDADE INTELECTUAL E TECNOLOGIA
CARLOS ALBERTO ROHRMANN (Org.)
Volume I Autores Alexandre de Castro Dantés Carlos Alberto Rohrmann Frederico Félix Gomes Vinícius de Paula Michel
2015
Estudos e Pesquisas em Direito Empresarial na Contemporaneidade. Propriedade E79 Intelectual e Tecnologia, I. / Organização: Carlos Alberto Rohrmann; Autores: Alexandre de Castro Dantés; Carlos Alberto Rohrmann; Frederico Félix Gomes; Vinícius de Paula Michel. – Belo Horizonte: RTM, 2015. 107 p. Programa de Mestrado em Direito Empresarial da Faculdade de Direito Milton Campos. Inclui referências ISBN: Número ISBN: 978-85-63534-92-7 1. Concorrência desleal. 2. Direito de propriedade. 3. Proteção jurídica da informação. 4. Comércio eletrônico. 5. Estabelecimento empresarial. 6. Copyright. I. Rohrmann, Carlos Alberto. II. Dantés, Alexandre de Castro . III. Gomes, Frederico Félix. IV. Michel, Vinicius de Paula. V. Título. CDU347.72
Ficha Catalográfica Elaborada por Emilce Diniz Editoração Eletrônica e Projeto Gráfico - Amanda Caroline Editor Responsável: Mário Gomes da Silva Revisão: Os autores Todos os direitos reservados à Editora RTM. Proibida a reprodução total ou parcial, sem a autorização da Editora. MARIO GOMES DA SILVA – ME Rua João Euflásio, 80 - Bairro Dom Bosco - BH - MG - Brasil. Cep 30.850-050 -Tel: (31) 3417-1628 - (31) 99647-1501 E-mail: rtmeducacional@yahoo.com.br Site: www.editorartm.com.br Loja Virtual: www.rtmeducacional.com.br
ESTUDOS E PESQUISAS EM DIREITO EMPRESARIAL NA CONTEMPORANEIDADE. PROPRIEDADE INTELECTUAL E TECNOLOGIA CARLOS ALBERTO ROHRMANN (Org.)
Volume I 2015
RTM
Estudos e Pesquisas em Direito Empresarial na Contemporaneidade. Propriedade Intelectual e Tecnologia.
Conselho Editorial Carlos Alberto Rohrmann Jason Soares de Albergaria Neto Ricardo Adriano Massara Brasileiro Rodolpho Barreto Sampaio Junior VinĂcius Jose Marques Gontijo
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Sumário
APRESENTAÇÃO.................................................................................7 CAPÍTULO 1.......................................................................................8 INTRODUÇÃO....................................................................................8 1.1 A CONCORRÊNCIA DESLEAL (A CONVENÇÃO DE PARIS), OS CRIMES CONTRA AS MARCAS E A INTERNET................................... 11 1.2 A PRESCRIÇÃO........................................................................... 17 1.3 A DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E A SUA APLICAÇÃO............................................................................... 18 1.4 CONCLUSÃO............................................................................. 24 CAPÍTULO 2......................................................................................29 2.1 ADAPTAÇÕES HISTÓRICAS DO DIREITO DE PROPRIEDADE....... 29 2.2 ALGUNS ASPECTOS ECONÔMICOS DA PROTEÇÃO JURÍDICA DA INFORMAÇÃO............................................................................ 37 2.3 SEGREDOS DO COMÉRCIO......................................................... 41 2.4 POSSE SOBRE ARQUIVOS DIGITAIS........................................... 45 CAPÍTULO 3......................................................................................50 INTRODUCTION............................................................................... 50 3.1 A QUICK LOOK AT WIZARDS OF THE COAST LLC V. CRYPTOZOIC ENTERTAINMENT LLC................................................. 51 3.2 THE COPYRIGHTCLAIM.............................................................. 52 3.3 THE PATENTCLAIM..................................................................... 54 3.4 SOME THOUGHTS ON DAVINCI EDITRICE S.R.L V. ZIKO GAMES LLC...................................................................................... 56 3.5 ARE COPYCAT GAMES REAL VILLAINS FOR THE GAME INDUSTRY? .......................................................................... 58
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3.6 THE RATIONALE FOR INTELLECTUAL PROPERTY AND THE EVIL OF INTELLECTUAL MONOPOLY........................................................ 59 3.7 ALTERNATIVES TO INTELLECTUAL PROPERTY MONOPOLY........ 65 3.8 CONCLUSION............................................................................ 66 REFERÊNCIAS................................................................................... 68
CAPÍTULO 4......................................................................................70 INTRODUÇÃO.................................................................................. 70 4.1 ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL........................................... 71 4.1.1 Teorias e natureza jurídica...................................................... 71 4.1.2 Composição, ponto, aviamento e clientela............................ 75 4.2 COMÉRCIO ELETRÔNICO......................................................... 77 4.3 ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL VIRTUAL............................. 79 4.3.1 Proteção do Ponto Eletrônico................................................. 85 4.3.2 Aviamento de Estabelecimento Virtual.................................. 92 4.3.3 Clientela................................................................................. 95 4.3.4 Proibição da concorrência no âmbito dos estabelecimentos virtuais..............................................................100 4.4 CONCLUSÕES...........................................................................103 REFERÊNCIAS ................................................................................106
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APRESENTAÇÃO
Os nossos estudos de Direito Digital remontam à década de noventa quando começamos a lecionar o tema ainda na Graduação. Já àquela época a relação com a propriedade intelectual era bastante evidente. Após nosso retorno do doutorado na Califórnia, nós passamos a lecionar a disciplina Direito da Propriedade Intelectual no Mestrado em Direito Empresarial. Passados mais de dez anos, em 2015, tivemos muitos orientandos interessados na matéria. Boas pesquisas foram desenvolvidas e boas dissertações já defendidas e aprovadas com nota máxima. Tivemos a ideia de sistematizar tais pesquisas e publicá-las sob a forma de um livro eletrônico inclusive como um incentivo para que as pesquisas em andamento possam ser aprofundadas e encaminhadas para apresentações em congressos e publicações em outros periódicos. Em face do caráter interdisciplinar da matéria, e do avanço da pesquisa nos Estados Unidos, ousamos fazer uso do direito comparado para apresentarmos pesquisas já voltadas para publicações no exterior, apresentando um capítulo em língua inglesa, o que também vai ao encontro da necessidade de internacionalização da área do direito no país. Carlos Alberto Rohrmann Doutor em Direito (Doctor of the Science of Law) pela University of California, Berkeley (2001), possui também mestrado em Direito (Master of Laws - LL.M.) pela University of California at Los Angeles - UCLA (1999), ambos revalidados pela UFMG, mestrado em Direito Comercial pela Universidade Federal de Minas Gerais (1999), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos (1996) e graduação em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Minas Gerais (1994), Titular da Cadeira n. 16 da Academia Mineira de Letras Jurídicas, Procurador do Estado de Minas Gerais, Advogado. 7
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CAPÍTULO 1
O DIREITO DO TITULAR DA MARCA DE IMPEDIR, A QUALQUER TEMPO, O USO ILEGAL POR TERCEIROS. ALEXANDRE CASTRO DANTES1 E-mail: hendrixdantes@hotmail.com INTRODUÇÃO A proteção às marcas no Brasil (assim como no direito norteamericano) decorre não só da legislação ordinária como da própria Constituição da República. O inciso XXIX, do art. 5º, garante que “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”. A partir dessa garantia constitucional, é importante definirmos o significado da marca e, para isso, até pelo caráter internacional que a matéria tem, destacamos o parágrafo 1º do art. 15 do Acordo TRIPS, que assim conceitua a marca: “Qualquer Sinal, ou combinação de sinais, capaz de distinguir bens e serviços de um empreendimento daqueles de outro empreendimento, poderá constituir uma marca. Estes sinais, em particular palavras, inclusive nomes próprios, letras, numerais, elementos figurativos e combinação de cores, bem como qualquer combinação desses sinais, serão registráveis como marcas. Quando os sinais não forem intrinsecamente capazes de distinguir os bens e serviços pertinentes, os Membros poderão condicionar a possibilidade do registro 1
Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG. Mestrando do Programa de Mestrado em Direito Empresarial da Faculdade de Direito Milton Campos. Bacharel em Direito pela PUC/MG (FMD). Especialista em Direito Público pela Faculdade de Direito Milton Campos, MG (2008). Bacharel em Português pela Faculdade de Letras da UFMG (2012). Advogado.
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ao caráter distintivo que tenham adquirido pelo uso. Os Membros poderão exigir, como condição para registro, que os sinais sejam visualmente perceptíveis” (CARVALHO, Nuno Pires, 2009, p. 455).
O “Manual de Marcas” do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), disponível online 2, define a marca como “o sinal aplicado a produtos ou serviços, cujas funções principais são identificar a origem e distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins de origem diversa”. Por seu turno, o art. 129, da Lei 9279/96, é claro ao afirmar que a propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições da referida lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observadas as disposições específicas quanto às marcas coletivas e de certificação. A marca registrada é, portanto, esse sinal (nome, símbolo, logotipo, etc.), usado como identificador dos produtos ou serviços, oficialmente registrado como tal. Em que pese a distinção em relação aos países que se regem pela Common Law, onde o direito de exclusividade da marca se adquire pelo uso (como bem destaca Nuno Pires Carvalho, 2009), no Brasil há uma figura semelhante, o direito de precedência. Nos termos do parágrafo primeiro do citado art. 129 da Lei n. 9.279/96, é garantido a toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, o direito de precedência ao registro. O registro validamente expedido pelo INPI assegura, portanto, ao titular, seu uso exclusivo em todo o território nacional. Entretanto, desde já, destacamos a particularidade em relação ao nome levado a registro na Junta Comercial. Isso porque, a colisão entre nome empresarial e marca não é resolvida tão somente sob a ótica dos 2
http://manualdemarcas.inpi. gov.br/projects/manual/wiki/02_O_ que_%C3%A9_marca#2-O-que-%C3%A9-marca, acessado dia 08 de agosto de 2015, às 11h24.
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princípios da especialidade e da anterioridade do registro.
Nesses casos, deve ser levado em conta, ainda, o princípio da territorialidade, no que concerne ao âmbito geográfico de proteção, uma vez que a tutela ao nome empresarial se circunscreve à unidade federativa de competência da junta comercial em que registrados os atos constitutivos da empresa (o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que a proteção ao nome empresarial só poderia ser estendida a todo o território nacional caso fosse feito o pedido complementar de arquivamento nas demais juntas comerciais) 3. Fato é que os princípios da anterioridade, da especialidade e da territorialidade – e suas exceções – são a base teórica principal a ser aplicada ao caso concreto para interpretar a legislação pertinente e, por isso, são essenciais para qualquer solução de questões que envolvem o registro e a utilização das marcas. Conforme afirma o Professor Marcos Wachowicz, em seu artigo “Os paradoxos da sociedade informacional e os limites da propriedade intelectual” (p. 2491), o “desafio constante para a Ciência do Direito é fornecer respostas às modificações das relações sociais ocorridas em decorrência das inovações tecnológicas”. Isso nos leva a refletir, também, sobre o significado da proteção da marca quando falamos dos metatags (palavras inseridas nos códigos de programação dos web sites para serem localizados por programas de buscadores da internet). Assim, aqui, para que não se perca de vista a análise proposta por este artigo, importante estabelecer um quadro fático, no qual o proprietário da marca registrada é aquele que utilizou, em primeiro lugar, a marca no Brasil e teve o registro deferido pelo INPI para o seu produto ou serviço. A questão é, portanto, exclusivamente, se há, ou não, que se falar em extinção da pretensão de titular da marca registrada de exigir de empresa concorrente a abstenção do uso de 3
O RESP n. 1359666/RJ, teve como Relatora a Ministra NANCY ANDRIGHI, da TERCEIRA TURMA, julgado em 28/05/2013 e o acórdão foi publicado em 10/06/2013.
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sua marca. A análise é feita a partir da interação entre o Direito, a inovação, a Propriedade Intelectual e a concorrência. 1.1 A CONCORRÊNCIA DESLEAL (A CONVENÇÃO DE PARIS), OS CRIMES CONTRA AS MARCAS E A INTERNET. Em breve síntese, podemos afirmar que a maior razão para a proteção das marcas registradas é que elas servem para que os consumidores possam distinguir os produtos e os serviços de qualidades melhores daqueles que não são de tanta qualidade. Em outras palavras, as marcas servem para tornar a vida dos consumidores mais fácil em sua tarefa de consumir. Há críticas de alguns economistas acerca da função econômica das marcas registradas, pois, para alguns, elas acabariam por criar um “oligopólio artificial” que não seria vantajoso para o consumidor em função dos preços dos produtos e serviços que acabariam por refletir os altos investimentos em publicidade que a formação e a manutenção de uma marca requerem (Cf. ROSEN, 1978).
De qualquer forma, a par dessa discussão, importante para este artigo é definirmos o significado de concorrência desleal. Podemos afirmar que o sistema jurídico brasileiro de repressão à concorrência desleal repousa em lei especial, dispositivos decorrentes de tratados internacionais e legislação nacional. Nenhuma lei interna define a concorrência desleal, sendo a definição comumente aceita pela doutrina aquela constante do art. 10 bis (2) da Convenção de Paris (CUP – redação dada pela Revisão de Estocolmo, 1967), que assim expressa: “Art. 10 bis: (...) 2 - Constitui ato de concorrência desleal qualquer ato de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial”. O inciso IV, do art. 170, da Constituição Federal, consagra o direito à livre concorrência e o art. 195 da Lei 9279/96 traz as hipóteses dos crimes de concorrência desleal: 11
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Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: [...] III - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem; IV - usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos; V - usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências; [...] Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
Antes de fazermos uma análise dos tipos penais, desde já, vale ressaltar quão pequena é a pena para o crime de concorrência desleal, o que certamente não condiz com a extensão e a preocupação com o dano possível de ser causado (desde a confusão ao consumidor até à própria quebra e prejuízo direto do empresário prejudicado). Fato é que o inciso “V”, acima transcrito, parece-nos ser aplicável aos casos nos quais alguém faz o registro do nome de domínio com o mesmo nome comercial de terceiro concorrente, com má-fé. Nota-se que há de se observar a presença da má-fé, o dolo do tipo penal em questão, pois, eventualmente, o mesmo nome pode ser usado para dois produtos completamente distintos (uma revista e um produto de limpeza, digamos), hipótese na qual não há nem sequer que se falar em concorrência entre as empresas, muito menos em concorrência desleal. O inciso “IV” do artigo de lei em análise, também, pode ser aplicado nos casos em que o nome de domínio registrado faz referência a uma determinada expressão de propaganda de terceiro e, assim, presente mais uma vez a má-fé no sentido de se fazer concorrência desleal (seria o dolo do tipo penal). Por fim, o inciso “III” seria uma espécie de “vala comum” na qual poderíamos incluir todas as fraudes do comércio eletrônico que tenham como objetivo o desvio, em proveito próprio, da clientela de terceiros. 12
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Ainda sobre o inciso “III”, vale um breve comentário sobre a utilização dos chamados metatags 4. Sabe-se que a internet, como um dos locais de maior importância do comércio eletrônico, é uma grande rede de computadores na qual está disponível um imenso número de web sites de empresas. Uma das formas utilizadas pelas pessoas para localizar os web sites é a digitação direta do nome de domínio relacionado com o que se deseja localizar. Assim, por exemplo, caso um consumidor precise localizar um web site que vende carros, poderia digitar “carros.com” ou “cars. com” ou “car.com”. É claro que o consumidor também poderia digitar a marca de um determinado fabricante de veículos, seguida do “.com”.
Uma forma de facilitar a localização de web sites “perdidos” na grande quantidade de informação disponível na internet é a utilização dos chamados “mecanismos de busca” ou “motores de busca” (expressão que corresponde à tradução do termo usado na língua inglesa, qual seja “search engines”) ou web sites de busca na rede, ou, simplesmente, do buscador de web sites da internet. Cada um dos muitos web sites de busca na rede pode ter um programa de computador próprio com um algoritmo específico para a localização de outros sites na internet. Normalmente, a pessoa que quer localizar algum web site sobre determinado assunto digita a palavra que se relaciona com o assunto (ou com o produto, caso esteja à procura de um fornecedor). O algoritmo do programa de computador do buscador gera uma lista indexada de web sites que se relacionam com a palavra que foi o objeto da busca. A lista gerada pelo buscador costuma colocar em primeiro lugar aquele web site que mais relação teria com a palavra que foi objeto da busca. Como cada programa usado por cada buscador pode adotar um algoritmo diferente dos demais, as listas ordenadas e indexadas dos web sites geradas pelos vários buscadores da internet não são necessariamente 4
Como esclarecido acima, os metatags são palavras inseridas nos códigos de programação dos web sites para serem localizados por programas de buscadores da internet.
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iguais.
Aparecer em primeiro lugar na lista de web sites gerada pelos buscadores pode ser uma grande vantagem na medida em que, normalmente, significará ser a primeira opção a ser clicada pela pessoa que faz a pesquisa. Outro ponto importante é aparecer na primeira “página” da lista de web sites gerados pelo programa buscador, visto que, de um modo geral, as pessoas tentam os web sites que estão na primeira página e deixam os demais para o caso de não acharem o que precisam. Uma forma que os programas buscadores utilizam para localizar qual seria o web site que mais se relaciona com a palavra pedida pela pessoa é a pesquisa de palavras-chave em alguns locais, como no nome de domínio, no texto da página principal do web site ou nos metatags. Sabe-se que as páginas de web sites são escritas pelos programadores de computador em código de uma linguagem de programação, a HTML. Os metatags são parte do código da programação usado para descrever o conteúdo do web site. Há várias formas de se usarem os metatags, porém, normalmente, usam-se os metatags de “descrição” dos sites. Quanto mais vezes uma determinada palavra aparecer nos metatags da página da internet (e também quanto mais vezes ela aparecer no próprio texto da página) tanto maiores serão as chances de aquele web site ter um “ponto” nos programas dos buscadores. Como o web site que tiver o maior número de “pontos” será aquele que aparecerá em primeiro lugar, a escolha de boas palavras como metatags é uma forma importante, não só de facilitar a sua localização, como também (e principalmente) de assegurar a sua classificação entre os primeiros web sites na lista indexada do resultado da pesquisa. Mais uma vez, surge a questão da possibilidade da ocorrência de concorrência desleal quando algum concorrente de uma determinada marca de terceiro utiliza como metatags na descrição do seu web site uma palavra que corresponda à marca registrada de 14
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terceiro (ou até mesmo que corresponda ao nome comercial ou ao título de estabelecimento comercial de terceiro).
Pela leitura dos transcritos incisos IV e V do artigo 195 da Lei n. 9.279/96, conclui-se que, em tese, poder-se-ia configurar crime de concorrência desleal quando se inclui como metatag de descrição de determinada página a marca, o nome comercial ou expressões de propaganda utilizados pelo concorrente. Como já explicado, os efeitos sobre as pessoas que utilizam os buscadores da internet são evidentes na medida em que, na procura de um determinado produto de uma determinada marca, o buscador pode conduzir a pessoa para o web site de um concorrente que, maliciosamente, incluiu entre os metatags de descrição de sua web page a marca concorrente. Importante, por fim, ressaltar que a jurisprudência norteamericana já tem casos julgados com entendimento de que o uso de metatags com expressões comerciais de concorrente caracteriza concorrência desleal. Trata-se de um caso decidido pelo tribunal federal que abrange a região da Califórnia (9th Circuit). Este caso foi acerca do uso, por uma cadeia de locadoras de vídeos, no nome de domínio do seu web site, e dentre os seus metatags, de palavra que corresponderia à marca registrada de uma empresa provedora de informações sobre a indústria do entretenimento. A decisão foi no sentido da aplicabilidade das leis tanto de proteção ao direito marcário, como também de repressão à concorrência desleal, em favor da titular dos direitos da marca registrada (a empresa de fornecimento de informações sobre a indústria do entretenimento) 5. Neste sentido, Aires José ROVER: “Hoje mais do que em qualquer outro tempo na história da humanidade, há a necessidade de enfrentar a complexidade tanto administrativa quando técnica 5
Caso Brookfield Communications, Inc. v. West Coast Entertainment Corporation, 174 F.3d 1036 (9th Cir. 1999).
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do sistema jurídico, respondendo adequadamente às demandas da sociedade. Deve-se exigir dos operadores do Direito respostas de qualidade e em uma velocidade que dê conta dos conflitos” (ROVER, Aires J. Direito, Sociedade e Informática. Florianópolis: Funjab, 2000, p.207). Percebe-se, portanto, que, em qualquer caso, o fator preponderante para que fique caracterizada a concorrência desleal é a má-fé do concorrente, que se utiliza de atos desonestos e ilegais para se beneficiar na disputa, no nosso caso, confundir os consumidores utilizando-se de marcas iguais (ou semelhantes) e tentar se beneficiar com essa confusão, com o desvio, em proveito próprio, de clientela de outrem. Acrescente-se que o Capítulo III, da Lei 9279/96 (DOS CRIMES CONTRAS AS MARCAS), traz, especialmente no artigo 189, a expressa previsão de que “Comete crime contra registro de marca quem: I reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão; ou II altera marca registrada de outrem já aposta em produto colocado no mercado. Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa”.
Isto é, comete crime contra o registro da marca quem reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão, ou, ainda, altera marca registrada de outrem já aposta em produto colocado em mercado. A contrafação, ou seja, a violação da marca registrada, conforme define João da Gama Cerqueira (2010), é um ilícito civil e, também, um ilícito penal (a pena é a detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa – conforme citado art. 189). Já aqui, percebe-se a razão pela qual é possível afirmar que sempre que a marca estiver sendo utilizada ou alterada, será direito do titular do registro, exigir a abstenção do uso, afinal, a Constituição Federal (a livre concorrência), a Convenção de Paris e a Lei 9279/96 (o veto à concorrência desleal e a criminalização da conduta) garantem esse direito ao titular da marca, inclusive em relação ao uso de metatags com expressões comerciais de concorrente, o que, como 16
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vimos, caracteriza a concorrência desleal. 1.2 A PRESCRIÇÃO.
Antes de analisarmos o recente acórdão proferido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, fixaremos mais alguns pontos a fim de evitar discussões diferentes do objeto do artigo. Quanto à prescrição, partimos do seguinte conceito do professor Humberto Theodoro Júnior (2003, vol. 3, t. 2, p.151): “A prescrição faz extinguir o direito de uma pessoa a exigir de outra uma prestação (ação ou omissão), ou seja, provoca a extinção da pretensão, quando não exercida no prazo definido em lei”. Como sabemos, não é o direito subjetivo descumprido pelo sujeito passivo que a inércia do titular faz desaparecer, mas o direito de exigir em juízo a prestação inadimplida que fica comprometido pela prescrição. A pretensão consiste, portanto, na faculdade do titular do direito de exigir uma prestação daquele que age contra o seu direito. Daí surge a questão deste artigo: não há extinção da pretensão do titular da marca de exigir a abstenção do uso ilegal por terceiro. A Lei 9279/96 previu, no art. 225, o prazo de 05 (cinco) anos de prescrição da ação que vise reparar o dano causado ao titular da marca. Foi omissa, entretanto, quanto ao prazo prescricional para impedir ou interditar a abstenção de uso por terceiros (esbulho praticado contra qualquer dos legitimados à marca). Em que pese o entendimento do professor Rubens Requião, exposto em seu renomado curso de direito empresarial (2008, p. 268), de que, em face dessa omissão legal valeria “o prazo comum de 10 (dez) anos de prescrição, estabelecido no Código Civil, art 205”, com a devida vênia, esse prazo e esse entendimento não podem prevalecer. Ora, os prazos de prescrição se vinculam a princípios de ordem pública e atuam como instrumentos de certeza e segurança das relações jurídicas no meio social e, assim, todo prazo tem um termo 17
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inicial (a quo) e tem um termo final (ad quem).
Ocorre que o artigo 189 do Código Civil afirma que violado o direito, nasce para o titular a pretensão e a violação, neste caso (a ilegal utilização da marca registrada do titular), é um ato continuado, também conhecido como relação de trato sucessivo, em que o lapso prescricional renova-se diariamente, a cada dia de uso ilegal da marca (o que gera, inclusive, a concorrência desleal). Daí porque a pretensão do titular da marca é imprescritível. Conforme preceitua o Professor Humberto Theodoro (2003, vol. 3, t. 2, p.158), “É, pois, a actio em sentido material – direito à prestação que irá reparar o direito violado – que será objeto da prescrição”. Logo, se o direito é violado a cada dia em que a parte mantém a utilização ilegal da marca, não há que se falar em prescrição do direito do titular exigir a abstenção do uso, afinal, há um ato lesivo que se renova continuamente. 1.3 A DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E A SUA APLICAÇÃO. Em 05 de fevereiro deste ano, foi publicada notícia na internet, em site jurídico especializado, com o seguinte título: “Prescrição de prazo. Hotel não consegue impedir uso de marca por prescrição de direito”6 . Não bastasse a estranheza do título, o que mais chama a atenção são os fundamentos e a base jurisprudencial indicada na sentença do Juiz de 1ª instância: o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, proferido no RESP 1.357.912-SP (2012/0258134). Pois bem, a sentença proferida no processo n. 000273676.2012.8.24.0082 7, em síntese, entendeu que apesar do autor ter o 6
http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI215172,21048-Hotel+nao+con segue+impedir+uso+de+ marca+por+prescricao+de+direito, acessado dia 09 de agosto de 15, às 10h38 7 Processo em curso perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Florianópolis. A
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registro da marca ”Hotel Cambirela” no INPI (vigente), mesmo diante da improcedência da outra ação ajuizada pelo réu com o objetivo de anular o registro do autor (que, portanto, continuou válido), o direito do autor de proteger a sua marca registrada e exigir a abstenção de uso por terceiro não deveria prevalecer, em face da prescrição (o d. Juiz sustenta que a “contagem do prazo prescricional iniciou com a utilização indevida da marca registrada do autor pelo réu, no momento do registro do nome empresarial deste último na Junta Comercial, o que ocorreu em 19/08/1991”).
Com essa decisão, o Juiz permitiu que o réu continuasse a usar a mesma marca do autor, “Hotel Cambirela”, na mesma especialidade e extinguiu o processo nos termos do art. 269, IV, do CPC (pois, foi acolhida a questão prejudicial de mérito - a prescrição), em total afronta a todos os princípios e legislação que regem as marcas. Ora, o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no RESP n. 1.357.912-SP não trata especificamente dessa prescrição arguida e acolhida, como abaixo veremos. A questão é que houve uma confusão entre o nome empresarial, a marca e o que foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça. Como dito acima, o registro validamente expedido pelo INPI assegura ao titular da marca o seu uso exclusivo em todo o território nacional. Em relação ao nome levado a registro na Junta Comercial (nome empresarial, que nada tem a ver com a marca a ser utilizada e explorada pela empresa), a tutela se circunscreve à unidade federativa de competência da junta comercial em que registrados os atos constitutivos da empresa. Podemos destacar algumas diferenças da tutela entre a marca e o nome empresarial que caracterizam a distinção: o órgão de registro (a marca deve ser registrada no INPI e o nome empresarial no respectivo órgão competente, por exemplo, na Junta Comercial do Estado), o âmbito territorial da tutela (a marca tem proteção nacional e o nome empresarial regional), o âmbito material (a marca decisão ainda não transitou em julgado, pois, pelo andamento processual, há embargos de declaração a serem apreciados.
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é caracterizada pela especialidade, enquanto o nome empresarial não tem essa restrição) e o âmbito temporal (a vigência do registro da marca tem prazo determinado (decênio), que pode ser renovado; o nome empresarial, uma vez registrado, não tem prazo de proteção pré-determinado).
Conforme nos ensina o Professor Denis Borges Barbosa, “não há, na norma brasileira de proteção aos nomes de empresa, nenhuma regra formal de especialidade”. Entretanto, é fato que o registro estadual não permite a confusão, por isso, é correto afirmar que se aplica ao nome empresarial o princípio da unicidade de proteção. Logo, “O nome empresarial deve distinguir-se de qualquer outro já inscrito no mesmo registro; se o nome for idêntico ao de outros já inscritos, deverá acrescentar designação que o distinga (CC 2002, art. 1.163)” (BARBOSA, Denis Borges, Uma introdução à propriedade intelectual. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003). Em pesquisa na jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, é possível perceber que aquele Tribunal tende a tutelar o nome empresarial em face dos conflitos com signos marcários de modo que o nome empresarial prevaleça, desde que tenha sido objeto de depósito anterior ao pedido de registro no INPI (exemplos: apelação cível de nº 98.02.12489-3, apelação cível de nº 1999.51.01.01028-7 e apelação Cível de nº 2002.02.01.019407-4). Como destaca o citado Professor, “Em alguns casos, é suscitada a tese de que os nomes comerciais teriam, inclusive, proteção absoluta, especialmente na hipótese de identidade mercadológica (mas em alguns casos, nem afinidade de ramos fora exigido pelos magistrados)”. Por outro lado, parece ser unânime que os nomes empresariais só teriam tal amplitude de tutela caso tivessem conhecimento público que assim justificasse. Deste modo, mesmo que houvesse a precedência do nome empresarial – face à marca – não necessariamente implicaria na nulidade de marca depositada de um “terceiro”, posterior ao arquivamento do nome perante a Junta Comercial pertinente. É inquestionável que somente com notoriedade da denominação do terceiro se faz possível a conduta 20
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de apropriação indevida dos atributos relacionados.
Dessa forma, sem ignorar as divergências relativas a este ponto, fato é que nos filiamos ao antigo entendimento do Supremo Tribunal, esposado no RE n. 11.971-4, SP, da 2.ª Turma, pelo Relator Min. CARLOS MADEIRA, RTJ 122/1.148, de 31.3.87, assim ementado: “Nome Comercial e Marca. Apesar da anterioridade do registro na Junta Comercial, a denominação e a marca usadas pela firma cedem vez às da firma mais nova que as registrou no Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Eficácia do registro no órgão federal, que afasta a do órgão local.” Cabe acrescentar que nos parece evidente que, em qualquer caso, o uso pessoal de nome só é lícito quando se é titular desse nome. E é o direito desse titular que não se deve permitir desaparecer. Com essas considerações, vejamos o que foi decidido no RESP 1.357.912SP, que teve a seguinte ementa: DIREITO EMPRESARIAL. AÇÃO PELO RITO ORDINÁRIO EM QUE SE PRETENDE A ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA, TROCA DE NOME EMPRESARIAL E PERDAS E DANOS. COLIDÊNCIA ENTRE NOME EMPRESARIAL E MARCA. PRESCRIÇÃO. ANTERIORIDADE DO REGISTRO. PERDAS E DANOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1.- Conforme recente jurisprudência da Terceira Turma deste Tribunal, havendo colidência entre marca e nome comercial, a questão não deve analisada apenas sob a ótica da anterioridade do registro, mas também pelos princípios da territorialidade e da especialidade. 2.- Hipótese em que o Acórdão recorrido reconhece, diante das peculiaridades fáticas do caso concreto, a anterioridade do registro da marca efetuado 11.9.1948, junto ao INPI, não obstante ter se efetivado em sub-classe diversa daquela referente ao produto efetivamente comercializado pelas partes do processo. 3.- Prazo prescricional que não se conta da data da aquisição da marca, mas, dado o princípio da accessio temporis, desde a data em que o antecessor tinha conhecimento da alegada violação, que, no caso, deu-se pelo registro do nome na Junta Comercial. Caso contada a prescrição a partir da aquisição da marca, o curso da prescrição restaria sob a discricionariedade unilateral, pois a só cessão da marca ensejaria reinício da
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contagem do prazo - abrindo-se risco à comercialização da marca à beira do prazo prescricional e, consequentemente, do próprio instituto da prescrição, que deixaria de ser instrumento de paz e estabilidade das relações jurídicas e sociais. 4.- Nesse contexto, tem-se que a contagem do prazo prescricional se iniciou com a utilização indevida da marca registrada da autora pela ré, no momento do registro do nome empresarial desta última na Junta Comercial, em 4.4.1978, e não em 21.9.1999, como considerou o Acórdão recorrido, momento em que a marca foi novamente registrada pela autora, dessa vez no produto efetivamente comercializado pelas partes, após, inclusive, a propositura da presente ação. 5.- Reconhecida a prescrição do pedido de abstenção do uso da marca como parte do nome empresarial, afasta-se a condenação em danos materiais decorrentes do uso indevido da marca. 6.- Recurso Especial provido para reconhecer a prescrição do pedido de abstenção de uso da expressão “GUARANI” como parte integrante de nome comercial e para afastar a condenação imposta a título de perdas e danos. Ônus da sucumbência redistribuídos. (REsp 1357912/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/03/2014, DJe 10/04/2014).
Com a devida vênia, em que pese a Colenda Turma julgadora não ter trilhado o bom caminho ao aplicar a prescrição (e, assim, ignorar, inclusive, entendimento pacífico do próprio Superior Tribunal de Justiça 8), fato é que, ao contrário do que foi defendido na sentença, o Superior Tribunal não se pronunciou em relação ao ponto que interessa para o artigo (isto é, não foi objeto de análise a questão acerca da suposta extinção da pretensão do direito de exigir 8
O Superior Tribunal já reconheceu, em outros casos, que, quando se trata de ato continuado, o qual envolve relação de trato sucessivo, quanto ao valor a ser indenizado, a prescrição deveria atingir tão somente as parcelas vencidas contado o prazo prescricional a partir da propositura da ação - entendimento já acolhido no enunciado 85 da Súmula do STJ: “nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior a propositura da ação”.
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a abstenção do uso irregular da marca, ou seja, jamais foi admitida a possibilidade de utilização da marca pelas duas partes, como faz a sentença de primeiro grau).
A ementa do acórdão acima citado resume o que o Superior Tribunal decidiu: “a prescrição do pedido de abstenção do uso da marca como parte do nome empresarial”. Isto é, os Ministros não enfrentaram a questão da marca ser utilizada por ambas as partes, mas, tão somente, entenderam que mesmo o autor sendo o titular do registro da marca perante o INPI não poderia impedir que o réu usasse a marca em seu nome empresarial. Logo, em que pese o acórdão entender que “o termo inicial da prescrição é a data em que se deu o registro da marca no INPI”, a decisão trata exclusivamente do pedido de abstenção de uso da marca pelo réu em seu nome empresarial, registrado na Junta Comercial, no caso, muitos anos antes do registro do INPI. Talvez, o que faltou ao referido acórdão foi deixar mais evidente essa distinção, mas, o d. Ministro Relator, no julgamento dos embargos de declaração, interpostos pelo réu (que questionava exatamente esse ponto, isto é, pensava ter conseguido o direito de uso da marca registrada pelo autor), foi preciso e claro: “Quanto ao pedido de abstenção do uso da marca “GUARANI”, cumpre consignar que este foi julgado procedente pela sentença de primeiro grau, que não houve reforma quanto a esse ponto no acórdão recorrido” (EDcl no RESP 1.357.912). Assim, como não poderia deixar de ser, o Superior Tribunal sanou qualquer possibilidade de obscuridade no julgado e expressamente reconheceu que não se tratava de extinção da pretensão de abstenção do uso ilegal da marca, mas, tão somente, da prescrição quanto ao pedido referente ao uso da marca para compor o nome empresarial da ré. E é esse, portanto, o equívoco do julgado noticiado no site citado, pois, como acima reiteradamente esclarecido, não há que se falar em “prescrição” para a proteção da marca devidamente registrada e vigente. Logo, sem questionar o acerto, ou não, da decisão, pode-se extrair que é direito do titular pleitear, a qualquer tempo, que terceiro deixe de utilizar a sua marca 23
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sem autorização, ou seja, cesse o ato ilegal.
Por fim, cabe apenas acrescentar que há hipóteses, sim, de extinção do registro da marca (o registro da marca extingue-se pela expiração do prazo de vigência; pela renúncia (abandono voluntário do titular ou pelo representante legal); pela caducidade (falta de uso da marca) ou pela inobservância do disposto no art. 217 da LPI). Pode-se optar, de acordo com o caso, pela via administrativa (apresentar oposição ou mesmo instauração de processo administrativo de nulidade, conforme arts. 168 e seguintes da LPI) ou judicial (ação de nulidade, conforme arts. 173 e seguintes da LPI) para se questionar a marca de terceiro, caso se entenda ser seu o direto de usar. O que não se pode admitir é que, em face de lapso temporal, o titular da marca registrada, vigente e em uso, tenha que aceitar o uso por terceiro que pratica a concorrência desleal, engana o consumidor e comete crime contra as marcas. 1.4 CONCLUSÃO Por tudo o que aqui expusemos, parece-nos evidente equívoco admitir a prescrição da pretensão do direito do titular da marca de exigir e impedir o uso ilegal por terceiros. Ao contrário, a fim de impedir e evitar qualquer benefício para o terceiro que faz o uso ilegal e pratica a concorrência desleal, não há que se falar em prescrição. Ora, não se pode admitir que a confusão entre nome empresarial e a marca permita que, em face de lapso temporal, o titular da marca registrada, vigente e em uso, tenha que aceitar o uso por terceiro que pratica a concorrência desleal, engana o consumidor e comete crime contra as marcas. O bem a ser tutelado (a marca registrada) tem reflexos muito além dos limites do patrimônio do titular. Podemos dizer que a necessidade de registro e a importância da regulação das marcas estão diretamente relacionadas à tentativa de impedir a fraude pela semelhança dos bens ou serviços, ou seja, ganham não só os empresários (sejam fabricantes ou revendedores), mas, 24
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principalmente, os consumidores, por isso, inverter essa lógica, seria como ir de encontro a todo o sistema regulatório das marcas.
Conforme destacado por Nuno Pires de Carvalho (2009, p. 642), há alguns anos, uma escritora Canadense, Naomi Klein, escreveu um livro com um virulento ataque às marcas. A escritora sustentava que as marcas se libertaram dos produtos e serviços que deveriam distinguir e isso teria permitido às grandes empresas multinacionais se concentrarem na promoção dessas marcas, em vez de se dedicarem à produção de bens físicos. O Direito Marcário deve, portanto, evoluir e buscar o seu lugar dentro dos novos tempos, a fim de garantir os seus objetivos: a proteção do titular e do consumidor. Na lição de Denis Borges Barbosa, o interesse constitucional nas marcas está em “proteger o investimento em imagem empresarial, mas sem abandonar, e antes prestigiar, o interesse reverso, que é o da proteção do consumidor” (Proteção das marcas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 240). Logo, o titular da marca possui a prerrogativa de utilizá-la, com exclusividade, no âmbito da especialidade, em todo o território nacional, pelo prazo de duração do registro no INPI (e, portanto, protegê-la a qualquer momento), inclusive o direito relativa ao uso exclusivo nas metatags, das expressões comerciais, pois, a utilização por terceiros caracteriza a concorrência desleal. Assim, tem o direito de zelar pela sua integralidade material e reputação. A qualquer tempo, portanto, poderá tomar as medidas cabíveis em face de quem estiver utilizando a sua marca registrada, sem autorização. A ação para abstenção do uso da marca por terceiro, seja o uso já por nós conhecido ou mesmo como metatags, não pode se extinguir por prescrição antes do direito de propriedade da marca, porque corresponde à faculdade integrante de um direito subjetivo maior e não se concebe que possa ter destino diferente deste. Devese aplicar, portanto, a regra de que as faculdades não prescrevem, enquanto subsistem os direitos subjetivos de que fazem parte. Como aqui reiterado e já reconhecido pelo Superior Tribunal, a finalidade da proteção ao uso das marcas é dupla: por um lado, 25
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protegê-la contra usurpação, proveito econômico parasitário e o desvio desleal de clientela alheia e, por outro, evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto 9. E é exatamente por isso que não se pode admitir o uso da marca alheia em metatags, muito menos, privar o titular de impedir esse abuso.
Aceitar a extinção da pretensão do direito do titular da marca de exigir a abstenção da utilização ilegal por terceiros, é o mesmo que permitir a prática de um crime continuado e isso afronta todos os princípios do Direito e, em especial, a legislação que rege o registro e uso das marcas. Essa utilização ilegal por parte de terceiros, na vigência de marca registrada, não é só diluição, mas, verdadeira contrafação (violação da exclusividade), tanto para o parâmetro civil, como penal e, portanto, não pode ser aceita. REFERÊNCIAS BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003. __________. Da aplicação da regra da especialidade aos nomes de emresa. Disponível em http://www.denisbarbosa.addr.com/ arquivos/novidades/especialidadeaosnomes.pdf, acessado em 06/12/2015. CRETELLA JÚNIOR, J. Curso de direito romano. 18. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. CARVALHO, Nuno Pires. A estrutura dos sistemas de Patentes e de Marcas. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2009. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. vol. I São Paulo : Paz e Terra, 1999. GAMA CERQUEIRA, João da, Tratado da Propriedade Industrial, vol. II, 3ª. Ed., (anotado por Newton Silveira e Denis Borges Barbosa), Lumen Juris, 2010, vol. III. 9
REsp 1418171/CE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/04/2014, DJe 10/04/2014)
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CAPÍTULO 2
PROPRIEDADE E O MEIO DIGITAL CARLOS ALBERTO ROHRMANN E-mail: crohrmann@mcampos.br 2.1 ADAPTAÇÕES HISTÓRICAS DO DIREITO DE PROPRIEDADE A internet e o mundo virtual têm causado profundos desafios para o Direito da Propriedade Intelectual. Os motivos são simples: a facilidade de localização da propriedade intelectual no mundo virtual, a perfeição e a rapidez das cópias e o baixo custo (que muitas vezes aproxima-se de quase nada). Antes de adentrarmos no estudo do Direito de Propriedade Intelectual, vamos fazer uma breve pesquisa sobre o direito de propriedade, propriamente dito, com algum enfoque na ótica comparada e no histórico evolutivo do instituto. O direito de propriedade 1 é garantido no Brasil por força do disposto na Constituição da República de 1988 e do próprio Código Civil de 2002. O Código Civil de 2002, seguindo a tradição do Código Civil de 1916, não define o direito de propriedade, apenas declina os direitos do proprietário (usar, gozar, dispor e o direito de rever, reivindicar a coisa de quem quer que a possua ou detenha injustamente). 2 1
CR-88, art 5º, caput e incisos XXII e XXIII, verbis: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social”; 2 Código Civil, art. 1228, caput: “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.
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A origem de tais direitos do proprietário, no direito brasileiro, remonta ao direito romano, ou, mais especificamente, ao Corpus Iuris Civilis. 3
O Corpus Iuris Civilis foi escrito em Constantinopla, depois da queda do Império Romano do Ocidente, quando Justiniano era o imperador do Império Romano do Oriente – Império Bizantino.4 Trata-se de uma busca do resgate do esplendor do direito romano, determinada por Justiniano. O direito de propriedade, no direito romano, era visto como o “direito que liga o homem a uma coisa”. Por se tratar de um direito potencialmente absoluto, o direito de propriedade possibilitaria, ao seu titular, retirar da coisa todo o uso e toda a utilidade possíveis.5 Houve, mesmo no direito romano, ao longo dos anos, uma evolução no sentido de se tornar o direito de propriedade menos individualista e mais social. Uma análise da definição romana do direito de propriedade como o direito que dá a ligação do homem à “coisa” decorre como o direito de propriedade estava intimamente associado ao caráter tangível do seu objeto. Lembre-se de que o termo “coisa” corresponde ao termo res do latim, o qual, no sentido estrito, refere-se apenas àquelas que são dotadas de existência física, embora doutrinadores apontem para dúvidas, dentro do direito romano, quanto à possibilidade de res referir-se também a “outras entidades relevantes para o direito”.6 3
Cf. CRETELLA JÚNIOR, 1995. A versão do Corpus Iuris Civilisutilizada para a nossa consulta e para a nossa pesquisa é umatradução do original, emlatim, para o inglês: SCOTT, S. P. The civil lawincludingtheTwelveTables, theInstitutes of Gaius, the Rules of Ulpian, theOpinions of Paulus, theEnactments of Justinian, and theConstitutions of Leo. Cincinnati: Ed. The Central Trust Company, v. 1. 5 CRETELLA JÚNIOR, 1995, p. 169. 6 Ibid., p. 151: O vocábulo res é tomado ora em sentido restrito, designando apenas o que cai sob os sentidos – tudo que tem existência real, no mundo concreto, ora tal sentido é alargado pelas investigações e exigências dos juristas a ponto de abranger a res 4
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Todavia, como se depreende da lição do prof. Cretella Júnior, transcrita a seguir, não se poderia dizer que o termo jurídico res teria chegado a abranger, no direito romano, as obras do espírito humano:
Nunca, porém, a mentalidade prática e concreta do romano chega a rotular como res certas entidades imateriais como serviços, prestações pessoais, obras do espírito humano, irredutíveis a algo material. 7
A evolução do direito de propriedade aponta uma primeira fase como sendo um direito voltado, principalmente, para o bem tangível, especialmente com vista à proteção dos bens imóveis. O direito de propriedade sobre os bens móveis, inicialmente uma consequência lógica do direito sobre os imóveis, tornou-se mais elaborado ao longo da Idade Média e da Idade Moderna. Por fim, foi somente há menos de trezentos anos que surgiu a proteção específica do direito da propriedade intelectual, com a edição das primeiras leis de copyright na Grã-Bretanha, como se verá adiante. Nota-se que no texto do Corpus Iuris Civilis também há referências ao direito sobre a “propriedade incorpórea”. Todavia, tal direito referia-se mais a “direitos”, como o direito de herança e os direitos de usufruto 8 e de servidão 9, do que a direitos sobre propriedades intelectuais, como os direitos autorais e as patentes. Curiosamente, apesar de a edição de lei de copyright somente ter surgido no final da Idade Média, um estudo mais aprofundado do Corpus Iuris Civilis aponta para algumas manifestações da presença do embrião do Direito da Propriedade Intelectual no direito romano. Tal manifestação está presente no trecho do Corpus Iuris Civilis que trata da chamada acessão física. A princípio, é considerado incorporales. 7 Ibid., p. 151. 8 Corpus Iuris Civilis, ed. cit., Título II, itens 1 e 2, v. 2. 9 Ibid., item 3 e Título III
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bem imóvel tudo aquilo que o homem incorporar definitivamente ao solo, uma vez que o Corpus Iuris Civilis determina que, por exemplo, a planta originada da semente lançada à terra pertence ao “dono da terra”, ainda que a semente seja de terceiro. Ou seja, tudo aquilo que o homem incorporar permanentemente ao solo pertence ao dono do solo como um bem imóvel (ainda que proveniente de terceiro, com direito a indenização em certos casos).10
O interessante é que o Corpus Iuris Civilis vai além do exemplo da semente e preceitua que até mesmo os escritos de terceiros devem pertencer ao dono do papel, e não àquele que redigiu o texto, senão vejamos: (33) O escrito, também, ainda que se pense em escrito de ouro, pertence ao papiro, assim como as edificações e as plantas pertencem ao solo; e, consequentemente, se Titius tiver escrito um poema, uma estória ou um discurso, no seu papiro, você, e não Titius, há de ser considerado como o dono do escrito. 11 (tradução nossa)
Apesar desta regra geral da propriedade, seja por acessão física, no caso da semente lançada à terra, ou, ainda, no caso das edificações, seja por acessão intelectual, no caso do escrito em papel de outrem, há algumas exceções no Corpus Iuris Civilis. Cuida-se de algumas dúvidas que são levantadas em hipóteses de pinturas, o que pode corresponder ao início do reconhecimento do direito de propriedade intelectual ou da proteção jurídica das chamadas “obras do espírito”, conforme se depreende do texto que segue imediatamente ao número (33), transcrito anteriormente: (34) Quando alguém pinta na tela de outrem, algumas pessoas pensam que a tela deveria pertencer à pintura, e 10
Assim também dispõe o art. 79 do Código Civil Brasileiro. Ressalta-se que o revogado Código Civil de 1916 era mais específico ao tratar, em seu art. 43, da “semente lançada ao solo” como um bem imóvel (trata-se de uma redação, digamos, mais próxima daquela do direito romano, adotada pelo texto do Corpus Iuris Civilis). 11 Corpus Iuris Civilis, ed. cit., Título I, item número 33, v. 2.
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outros são de opinião que a pintura, seja de que tipo for, é parte da tela. Parece-Nos (sic) preferível que a tela deva pertencer à pintura, uma vez que seria ridículo que uma pintura de Apelles ou de Parrhasius pudesse ser considerada a adição a uma tela. Assim, se uma pessoa estiver na posse de uma tela e o artista que a pintou resolve demandá-la, se este último não estiver disposto a pagar o preço da tela, ele pode ser impedido com base na fraude; mas se ele, que a pintou, estiver de posse dela, decorrerá que uma ação pode ser ajuizada contra ele pelo dono da tela, de forma que, se não pagar o preço da pintura, em todos os casos, ele também poderá ser impedido por uma exceção com fundamento na fraude; se ele, quem a pintou, obteve a posse da tela em boafé, é evidente que, se o artista ou qualquer terceiro adquirir a tela sub-repticiamente, o seu dono terá um direito de ação por furto. 12 (tradução nossa)
Assim, pode-se concluir que até mesmo Justiniano já admitia que seria um erro considerar sempre que ao dono da tela pertenceria a pintura (é interessante que também o revogado Código Civil Brasileiro de 1916, em seu art. 62, excepcionava a pintura em relação à tela, como benfeitorias acessórias). Esta regra demonstra a importância da propriedade intelectual como algo que se desprende de seu suporte físico. Em outras palavras, caso alguém seja dono do suporte físico onde está alguma propriedade intelectual, isto não lhe confere, por si só, algum direito de propriedade sobre a obra intelectual, ou a “obra do espírito”. O direito da Common Law, por seu turno, como um sistema bem menos elaborado e bem menos abstrato do que o direito romano, cuidou do direito de propriedade de duas formas, a “propriedade real” que se referia à terra e a “propriedade pessoal” que tratava dos bens móveis.13 A “propriedade real” da Common Law, dada a sua grande importância durante a Idade Média, por ser o local onde as pessoas moravam e dela retiravam o seu sustento, seja pela agricultura, 12
Ibid., n. 34. Cf. BAKER, 1990.
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seja pela criação de animais, era regulamentada pelo regime feudal (feudal tenure). O direito do regime feudal de propriedade (feudal tenure), que era bastante complexo, dados os direitos e as obrigações dos senhores feudais e dos servos que habitavam a terra. 14
O direito que regulamentava a “propriedade pessoal” da Common Law, por seu turno, foi bastante singelo, devido à falta de valor econômico dos bens móveis durante a Idade Média (o que era explicado pelo feudalismo e a excessiva valorização da terra, além do fato de a atividade comercial ter sido relativamente pequena durante o período feudal na Grã-Bretanha). É claro que mesmo durante o feudalismo já se desenvolvia o direito de propriedade sobre bens móveis na Grã-Bretanha, mas foi com o advento da Revolução Industrial que o direito de propriedade pessoal, ou o direito de propriedade sobre os bens móveis consolidou-se. A Common Law adotou o termo chattels 15para o bem móvel (um termo que tem origem na língua francesa) e, segundo o regime da Common Law, o direito de propriedade sobre um chattel começava pela sua criação ou pela feitura de uma coisa nova. Tratase da aplicação da teoria romana da specificatio, segundo a qual a coisa pertence ao seu fabricante, àquele que, com as suas mãos, fez a coisa. Assim como o direito da propriedade móvel decorreu da evolução do feudalismo e, principalmente, da grande mudança trazida pelo comércio e pela Revolução Industrial, o Direito de Propriedade Intelectual também surgiu como decorrência da técnica, ou, mais especificamente, do surgimento da imprensa. O primeiro direito de “copyright” foi conferido por um decreto real em 1556, na Grã-Bretanha, pouco após o advento da imprensa. 16 Há discussões na doutrina no que se refere à existência de outros decretos semelhantes e anteriores a esse, o que não invalida a
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Ibid., p. 255. Ibid., p. 428. 16 Cf. MERGES, 1997 15
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importância do decreto de 1556. 17
A primeira lei inglesa que regulamentou o copyright foi o Statuteof Anne, passada pelo parlamento britânico em 1710. Esta lei conferia aos autores o direito exclusivo sobre as suas obras, por um prazo de quatorze anos, renováveis por outro período de mais quatorze anos. O direito continental foi conhecer a proteção legal dos direitos dos autores também no Século XVIII. Pode-se exemplificar com a França, que teve um decreto editado pelo governo revolucionário em 1791, decreto este que dispunha sobre uma série de direitos morais dos autores. Outros exemplos de leis protetivas da propriedade intelectual que demonstram a evolução histórica do instituto da propriedade podem ser aquelas que se referem aos direitos sobre as marcas registradas e sobre as patentes de invenções. Os dois exemplos das marcas e das patentes têm seu surgimento intimamente ligado ao desenvolvimento do comércio, motivo pelo qual o Direito Canônico e o direito da Common Law não foram os precursores da proteção. Quanto às patentes, foi em Veneza, uma cidade-estado que se dedicou ao comércio, que surgiu a primeira lei, com origem no senado veneziano, em 1474. A Lei de Veneza conferia ao inventor um privilégio ou monopólio sobre a invenção pelo prazo de dez anos.18 Também em Florença, então cidade-estado dedicada ao comércio, houve as primeiras manifestações de proteção de direitos dos inventores, semelhantes ao direito das patentes. 19 O direito da Common Law britânica só foi conhecer o instituto das patentes em meados do Século XVI 20 e, posteriormente, o direito foi levado para os Estados Unidos. 17
Ibid., p. 321. Ibid., p. 122. 19 Ibid. 20 Ibid., p. 123. 18
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Quanto às marcas, há casos ingleses do início do Século XIX que já reconheciam a proteção jurídica das marcas contra o uso por terceiros. A proteção deslocou-se da Common Law para a proteção legal nos Estados Unidos, com a primeira lei federal sobre o tema em 1870.21
A evolução que vimos muito brevemente neste capítulo demonstra que a proteção jurídica tende a ser tão mais elaborada para a propriedade conforme a época e conforme o tipo de propriedade que tem a maior importância prática e econômica na vida das pessoas. Uma tendência também notada em relação ao direito de propriedade é a observância da função social como um fator limitador do antigo direito absoluto que a propriedade oferecia ao dono em relação ao seu bem. A chamada função social da propriedade está contida em preceito da Constituição do Brasil 22 e foi também detalhada no Código Civil Brasileiro de 2002.23 É incontestável que a função social da propriedade aplica-se também à propriedade intelectual e industrial, uma vez que a Constituição da República não a excepcionou e, como se depreende, por exemplo, das quebras de patentes de medicamentos em certos casos específicos. Atualmente, vemos um crescimento da importância da propriedade intelectual, seja através da indústria do entretenimento que demanda proteção para os programas de computador, para as músicas, para os filmes e para os jogos em geral; seja através da indústria que necessita das proteções patentárias para suas invenções e para os seus modelos de utilidade com aplicações industriais. Observa-se, ainda, o aumento da importância da informação na economia, informação está presente não só em obras protegidas pela propriedade intelectual, como em bancos de dados (os quais, a 21
Ibid., p. 524. CF-88, art. 5º, inciso XXIII. 23 Código Civil, art. 1.228, §§ 1º e ss. 22
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princípio, não receberiam proteção). Destarte, passamos agora a uma explicação das formas de adaptação que o direito de propriedade vive em relação à proteção dos bens imateriais, com foco nos desafios trazidos pela virtualização da propriedade intelectual. 2.2 ALGUNS ASPECTOS ECONÔMICOS DA PROTEÇÃO JURÍDICA DA INFORMAÇÃO. A importância da informação como uma verdadeira “mercadoria” do mundo virtual é evidenciada nos serviços dos web sites de busca na rede. Nota-se que a informação, independentemente do suporte físico em que se encontra, é sempre um bem não dotado de existência física, uma vez que a informação se refere a uma idéia, ou ao acréscimo de um certo conhecimento já existente. A proteção da informação será ou pelo Direito da Propriedade Intelectual ou por alguma forma análoga, como as normas contra a concorrência desleal.
Há algumas características econômicas dos bens imateriais que são importantes de serem rapidamente analisadas, em função das consequências para o direito. Tais conceitos econômicos são aplicáveis aos bens imateriais economicamente apreciáveis. Em especial, podemos exemplificar os programas de computador e as informações utilizadas nos mercados da internet. Tomaremos os programas de computador como exemplo a ser analisado, por se tratar de área onde a informação é extremamente valiosa e, ao mesmo tempo, juridicamente protegida no Brasil sob o regime dos direitos de autor (embora nos Estados Unidos admitam-se patentes de programas de computador – software patents). Dois conceitos econômicos são, pois, aplicáveis aos programas de computador: “bens públicos” (e aqui, ressalta-se, não se faz qualquer referência ao conceito jurídico de bens públicos, mas a um conceito econômico) e os chamados “efeitos de rede”. Os “bens públicos da economia”, por seu turno, apresentam duas características marcantes: a “não exclusão” e o chamado “uso não rival”. 37
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A “não exclusão” refere-se à dificuldade de se impedir que aqueles que não pagaram pelo bem consumam o bem (ou extraiam dele as suas utilidades da mesma maneira como aqueles que pagaram pelo bem). A grande pirataria de programas de computador que é vista ao redor do mundo demonstra bem esta característica. Caso uma pessoa adquira o programa de computador legalmente, pagando pela licença de uso, e resolva fazer muitas cópias dele para seus amigos, estes o usarão e dele poderão extrair todas as mesmas utilidades como aquele que pagou pelo programa. É muito difícil de se impedir este uso dos que não pagam pelo programa de computador. O advento da internet tornou esta característica ainda mais evidente. Basta que a pessoa que adquire legalmente o programa de computador o disponibilize em uma página na rede para qualquer interessado, através da internet, fazer cópias idênticas do programa. Esta prática, despida de qualquer interesse comercial por parte daquele que mantém a página na rede com a versão do programa a ser copiado, tornou-se tão comum ao longo da década de noventa que chegou a motivar a edição de lei que criminaliza tal “furto eletrônico” na terminologia do direito norte-americano. Cuidase do The No ElectronicTheftAct, de 1997, que criminalizou a feitura de cópias, com fins comerciais, ou até sem fins lucrativos, desde que as cópias de obras protegidas por direitos autorais (inclusive fonogramas) excedam o valor de mil dólares norte-americanos, no prazo de 180 dias. 24 Nota-se que o exemplo do programa de computador pode ser aplicado a outras obras protegidas por direitos autorais, como as músicas em arquivos de computador. A outra característica econômica dos “bens públicos” é aquela 24
http://www.gseis.ucla.edu/iclp/hr2265.html.In verbis: “CRIMINAL INFRINGEMENT- Any person who infringes a copyright willfully either-(1) for purposes of commercial advantage or private financial gain, or (2) by the reproduction or distribution, including by electronic means, during any 180-day period, of 1 or more copies or phonorecords of 1 or more copyrighted works, which have a total retail value of more than $ 1,000 shall be punished as provided under section 2319 of title 18, United States Code. For purposes of this subsection, evidence of reproduction or distribution of a copyrighted work, by itself, shall not be sufficient to establish willful infringement”.
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chamada de “uso não rival”. Ela também é aplicável aos programas de computador e às músicas digitais. Trata-se da característica segundo a qual novos consumidores do bem intangível, como os programas de computador, não diminuem a quantidade de bens (programas de computador) disponíveis para os demais consumidores. A internet demonstra bem esta característica, na medida em que caso uma pessoa resolva fazer a cópia daquele programa de computador disponibilizado em um determinado web site, gratuitamente, isto não impede que todas as outras que queiram fazer cópias o façam.25
Muitos críticos da proteção que a propriedade intelectual empresta aos programas de computador valem-se destas duas características dos “bens públicos da economia” para argumentar que a proteção seria “artificial”. Este argumento decorre do fato de o direito de propriedade, em termos gerais, servir para ligar o homem à coisa que é escassa por definição e, por consequência, para garantir, juridicamente, esta escassez. Assim, caso se trate de um lote de terra, ou de um quilo de sementes, em ambos os casos, é fácil excluir aqueles que não pagaram pelos produtos ou pelos benefícios e utilidades que se podem extrair daquelas coisas. Ao mesmo tempo, mais consumidores de lotes ou de sementes vão diminuir a quantidade de lotes e de sementes disponíveis para negócios, e, desta feita, conforme a lei da oferta e da procura, haverá consequências nos preços dos bens. Cumpre ao direito garantir que aquele que tem um lote de terra ou um quilo de sementes possa ter juridicamente assegurado o seu direito de excluir os terceiros de qualquer benefício decorrente do direito de propriedade. Tal hipótese, segundo os críticos da propriedade intelectual, não acontece com os bens intangíveis porque não haveria custo com a feitura de novas cópias (como no exemplo do programa de computador ou dos arquivos de música digital e de sons disponibilizados pela internet, de graça, para cópias piratas). O outro conceito econômico aplicado aos programas de computador e aos demais bens intangíveis protegidos pelo Direito da Propriedade Intelectual é o “efeito de rede” (além de outras 25
LEMLEY et al., 2000.
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situações econômicas, como serviços ou até mesmo o conhecimento de idiomas, como se verá a seguir).
Este efeito de rede diz respeito à característica econômica de certos produtos que tendem a ter a satisfação do consumidor aumentada na medida em que também aumenta o número de consumidores daquele mesmo produto. Trata-se de uma consequência da padronização que é tão desejada pelos consumidores de certos produtos, como no caso dos programas de computador, e de produtos de tecnologia, por exemplo. O “efeito de rede” pode ser exemplificado com o caso do serviço de telefonia fixa comutada. Quanto maior o número de pessoas que têm aparelhos telefônicos (e, por conseguinte, acesso ao serviço telefônico) tanto mais interessante será para um consumidor adquirir o serviço, porque conseguirá comunicar-se com um número maior de pessoas. Um outro exemplo interessante é o padrão de disposição das teclas do teclado das máquinas de escrever, que foi adaptado para os teclados de computador. O chamado padrão “QWERTY” foi transportado para os computadores em atendimento ao efeito de rede. 26 Como praticamente todos os datilógrafos já conheciam e usavam o padrão “QWERTY”, nada melhor do que mantê-lo nos teclados de computador, ainda que o padrão não seja o melhor. O conhecimento de idiomas também apresenta o efeito de redes. É o caso da língua inglesa que, por ser uma espécie de “idioma internacional”, acaba por ter a preferência como “segunda língua”. A tendência à padronização decorrente do efeito de rede no caso dos programas de computador tem como consequências o retardamento da evolução dos produtos e uma perigosa tendência à formação de monopólios, quase sempre indesejados pela concorrência e combatidos no âmbito do Direito Econômico. Um problema associado à tendência de monopolização que decorre da padronização é a própria forma de proteção jurídica 26
Ibid., p. 34.
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da propriedade intelectual, seja através do direito autoral (ou do copyright), seja mediante a concessão de patentes. Em ambos os casos, o direito está a conferir um monopólio temporário legal, o que representa mais um fator que contribui para a formação de monopólios empresariais.
A proteção jurídica de bens imateriais, como a informação, é, pois, algo complexo do ponto de vista da técnica jurídica. Essa complexidade decorre da necessidade de se fazer adaptação no instituto da propriedade para torná-lo eficiente no tocante ao atendimento das garantias de uso exclusivo e de uso rival para os bens imateriais (o que, como visto, contraria a própria natureza econômica de tais bens). A tecnologia permite que a propriedade intelectual desprenda-se, cada vez mais, do suporte físico. Enquanto, até pouco tempo atrás, um livro somente podia ser disponibilizado em papel, um suporte tangível, atualmente, já se pode ter o livro digital, no qual a propriedade intelectual figura completamente desassociada de uma base física tangível. Uma forma interessante de proteção que foi evoluindo ao longo dos anos para atender às necessidades de proteção à informação intangível, porém, economicamente apreciável, é o segredo do comércio, como se verá a seguir. 2.3 SEGREDOS DO COMÉRCIO É inegável a existência de certas informações empresariais sigilosas que têm considerável valor econômico para a indústria e para o comércio. Imagine-se, por exemplo, a fórmula de determinada bebida de grande consumo mundial ou o método de alguma atividade de logística. Quando se pensa na forma jurídica de se obter proteção para informações sigilosas e valiosas para as empresas, um primeiro instituto a ser utilizado seria o da patente. Com a patente, o titular do direito teria um direito de propriedade com todos os benefícios de tão importante direito. 41
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Sabe-se que a patente é um monopólio temporário, conferido pelo Estado ao titular, em troca das informações de como fazer o objeto da patente. As informações são posteriormente publicizadas para que, após a queda das patentes, já em domínio público, outras pessoas possam explorar o que foi, no passado, objeto da proteção patentária. A solução de se pedir uma patente pode não ser muito interessante em certos casos de segredos comerciais em função do prazo de proteção de apenas vinte anos contados da concessão da proteção. Ademais, ocorrem certas situações e certos casos de segredos do comércio que não são, em tese, passíveis de receberem proteção patentária por não se enquadrarem nas hipóteses legais próprias.
Um instituto jurídico que surgiu e teve considerável desenvolvimento no regime da Common Law é o que protege, como direito de propriedade, os chamados “segredos do comércio”, também conhecido como trade secrets no direito norte-americano. As raízes do direito dos segredos estão fincadas na Revolução Industrial Britânica. A origem do instituto jurídico do trade secretremonta às decisões das cortes britânicas de proteção aos segredos (British SecrecyLaws) que surgiram ao longo da Revolução Industrial, como uma forma de proteção, à época, ainda dentro do instituto do dano civl (torts). Os primeiros casos na Grã-Bretanha foram decididos em 1817, e, nos Estados Unidos, em 1837. 27 Segundo o regime do trade secret norte-americano, merece proteção como direito de propriedade o segredo que tenha valor econômico e sobre o qual sejam gastos esforços para que o segredo seja mantido afastado do conhecimento de terceiros, dos concorrentes e do grande público, o que ficou decidido em um caso 28 da Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1974 (trata-se do surgimento de uma decisão judicial da suprema corte norte27
MERGES, 1997, p. 30. Caso Kewanee Oil Co. v. Bicron Corp., 416 U. S. 470 (1974).
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americana que, de certa forma, curiosamente, “cria” um direito de propriedade).
A proteção do direito norte-americano leva em conta alguns fatores para se determinar se uma informação pode ou não merecer a proteção jurídica do trade secret. Dentre tais fatores citam-se alguns quesitos a serem respondidos, relativos a até que ponto a informação da empresa: a) – é conhecida por terceiros fora da atividade empresarial; b) – é de conhecimento dos próprios empregados que trabalham na empresa; c) - tem valor para a própria empresa e para seus concorrentes; d) - poderia ser facilmente adquirida ou alcançada mediante pesquisa por terceiros; e) - decorreu de gastos empresariais em sua pesquisa e em seu desenvolvimento; e, f) - é efetivamente mantida em sigilo pelos esforços (inclusive econômicos) dentro da atividade empresarial. O objeto da proteção dos trade secretsé a informação sigilosa, o segredo (que não precisa ser absoluto, pode ter um pequeno descortinamento para alguns empregados ou para empresas fornecedoras, por exemplo) economicamente apreciável. Em termos exemplificativos, qualquer fórmula, padrão, compilação, programa, dispositivo, método, técnica ou processo sigilosos e valiosos poderiam merecer, em tese, proteção jurídica sob o trade secret norte-americano. Ainda sobre o objeto do trade secret, a jurisprudência norteamericana vem aceitando a definição contratual do que seria um trade secret. É uma curiosa situação de quase criação de direito de propriedade por via contratual! 29 A legislação brasileira não confere, ainda, direito de propriedade ao titular do segredo do comércio, mesmo porque o direito de propriedade, no Brasil, decorre de lei e existe em números fechados. A Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula os direitos 29
Caso do “Listerine”, Warner-Lambert Pharmaceutical Co. v. John J. Reynolds, Inc., United States District Court for Southern District of New York,178 F. Supp. 655(S.D.N.Y. 1959).
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e as obrigações relativos à propriedade industrial, em seu art. 195, trata dos chamados “crimes de concorrência desleal”. Alguns dos referidos crimes, especialmente os tipificados nos incisos XI, XII e XIV, cuidam de uma proteção criminal similar àquela dispensada aos trade secrets, conforme se depreende da leitura de tais dispositivos de lei, transcritos a seguir: Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: [...] XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato; XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou [...] XIV - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais como condição para aprovar a comercialização de produtos. [...] Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
A doutrina brasileira considera estes os principais textos de lei que têm referência à proteção dos segredos do comércio no Brasil.30 Importante destacar quão pequena é a pena fixada pela legislação brasileira para um crime tão grave, que pode gerar consequências econômicas tão nefastas para as empresas atuantes neste país, como o caso dos crimes de concorrência desleal. Algumas críticas à legislação brasileira residem no fato de a mesma não chegar a conferir o direito de propriedade (como uma 30
Cf. FEKETE, 2001; DINIZ, 2002.
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modalidade da propriedade industrial) ao segredo do comércio. Trata-se de uma tendência que vem crescendo, o que assegura maior tranquilidade ao empresário.
A proteção por direito de propriedade talvez seja favorável às pequenas empresas que, ao contrário das grandes companhias, não dispõem de grandes somas para investir na segurança e na manutenção do sigilo. Por outro lado, assegurar um direito de propriedade sobre uma informação também pode ser perigoso para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, máxime quando se pensa na possibilidade de, assim como o direito norte-americano permite, reconhecer o estabelecimento, por contrato, de um determinado sigilo de comércio que seria protegido sob o pálio do direito de propriedade. Uma vez que vimos neste tópico a possibilidade de se estender o conceito de propriedade para alcançar a informação, através do trade secret, vamos agora para uma breve explicação sobre a possibilidade de se aplicar a proteção possessória aos arquivos digitais. 2.4 POSSE SOBRE ARQUIVOS DIGITAIS Antes de se adentrar no estudo da possibilidade da aplicação da proteção possessória para os arquivos digitais de computador, e, desta forma, proteger a informação que eles contêm, devem ser analisadas as inovações do Direito Civil Brasileiro em relação aos bens móveis. Assim dispõe o novo Código Civil Brasileiro sobre os bens móveis: Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social. Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: I - as energias que tenham valor econômico.
Uma importante inovação do Código Civil foi estender o conceito de bem móvel às “energias que tenham valor econômico”. 45
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É inegável que os arquivos digitais de computador são “energia armazenada”, seja em meio magnético (discos flexíveis de computador do tipo “disquetes” ou discos rígidos de computador do tipo “HDs”), seja em meio ótico (discos do tipo “CDs”). Há, também, induvidosamente, o direito de propriedade sobre o meio físico que armazena os arquivos digitais. O dono do computador é o dono, o proprietário dos discos onde estão gravados os dados sob a forma de arquivos digitais.
Para a análise que será desenvolvida neste capítulo, vamos desprendermo-nos da proteção de propriedade intelectual que incide sobre o conteúdo dos arquivos digitais. Tais arquivos podem conter programas de computador ou arquivos de música digital, por exemplo. Nota-se que a criação intelectual representada pelos arquivos digitais, como no caso dos exemplos acima, pode ser protegida, indiscutivelmente, pelo Direito de Autor (ou pelo regime do copyright do direito anglo-saxão), uma forma de proteção à propriedade intelectual. Há, no direito brasileiro, consenso no sentido de que o direito possessório não alcança a proteção de direitos pessoais nem os direitos autorais (conforme a súmula 228 do STJ – “É inadmissível o interdito proibitório para proteção do direito autoral”). A primeira interpretação poderia ser na direção de que não cabem os interditos possessórios para a proteção dos arquivos digitais. Embora o STJ não admita a proteção possessória de direitos autorais, há algumas situações interessantes no caso das linhas telefônicas. Existe, no direito brasileiro, a possibilidade de se usucapir o direito de uso de linha telefônica. Deste direito, decorre, logicamente, que existe posse do direito de uso da linha telefônica, o que abre margem para uma interpretação no sentido de que seria possível a proteção possessória também para os arquivos de computador. Nota-se que a justiça brasileira já pacificou o tema da possibilidade de se conceder proteção possessória no caso das linhas telefônicas, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça sumulou que 46
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o direito de uso de linha telefônica é susceptível de aquisição por usucapião (súmula 193 do STJ – “O direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião”). É bem verdade que a súmula do STJ faz referência ao “direito de uso” de linha telefônica como aquele que seria susceptível de posse e, consequentemente, usucapível. Por outro lado, um ponto da maior importância que se retira dos acórdãos do STJ que trataram da matéria é o que se refere à distinção entre direito pessoal (este não sujeito a usucapião) e o direito real (este sim, sujeito a usucapião). A jurisprudência brasileira firmou, pois, entendimento pela posição doutrinária de que o direito de uso de linha telefônica é um direito real. Não restam dúvidas de que tal direito sobre as linhas telefônicas não é dotado de existência física, da mesma forma que os arquivos digitais não o são. real:
A doutrina civilista mais moderna assim conceitua o direito [...] o direito real pode, destarte, ser conceituado como relação jurídica em virtude da qual o titular pode retirar da coisa, de modo exclusivo e contra todos, as utilidades que ela é capaz de produzir. O direito pessoal, por seu turno, conceitua-se como relação jurídica mercê da qual ao sujeito ativo assiste o poder de exigir do sujeito passivo determinada prestação, positiva ou negativa. 1
Da lição do professor Washington de Barros extrai-se que o direito sobre os arquivos digitais poderia ser considerado como um direito real, haja vista a possibilidade de o titular retirar as utilidades, por exemplo, de um determinado web site, o que, sob a garantia jurídica, há de lhe ser deferida de forma exclusiva. Outros aspectos que também são encontrados nos acórdãos que tratam da proteção possessória para linhas telefônicas dizem respeito ao seu valor elevado (obviamente antes da privatização das
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BARROS MONTEIRO, 1976, p.11. STJ, RESP no. 34.774-2, São Paulo.
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chamadas teles, o que, em muito, reduziu o preço de instalação de uma linha telefônica) bem como ao da negociabilidade das linhas telefônicas. Ora, ambos os itens são aplicáveis nos casos de web sites. É indiscutível o valor de um site tão visitado como o das páginas comerciais de empresas que operam no mundo virtual e, não restam dúvidas, tal site pode ser negociado. Assim, poder-se-ia aplicar a proteção possessória para os arquivos digitais de um web site em certos casos de turbações à posse no mundo online.
Exemplos práticos de situações que configurariam a turbação possessória de um web site podem ser algumas situações análogas às seguintes: Um determinado operador de computador dirige suas atividades para um web site para retirar-lhe dados (fazer cópias excessivas de tais dados); como não há, a princípio, proteção de direitos autorais sobre os dados copiados, o titular do web site poderia conseguir uma liminar possessória para impedir que o terceiro viesse a acessar o web site (a turbação possessória residiria no fato de que os computadores que hospedam o web site estivessem sendo sobrecarregados pelo excesso de acessos oriundos de terceiro com uma consequente perda de desempenho, perda esta que poderia ser prejudicial caso se tratasse de um web site de empresa de comércio eletrônico, que teria os possíveis clientes insatisfeitos). Neste exemplo, poder-se-ia falar em uma proteção, ainda que por via oblíqua, às informações contidas no web site. Outro caso é a aplicação da proteção possessória para impedir o envio de spam. Tome-se o caso de um provedor de acesso à internet, cujos computadores armazenam os e-mails ainda não lidos dos seus clientes. Seus computadores se encontram sobrecarregados por envio excessivo de mensagens oriundas de um mesmo computador. Trata-se de um prejuízo para o provedor, uma vez que os acessos aos seus computadores estariam sempre sobrecarregados pelo número excessivo de e-mails que são recebidos continuadamente. Também aqui o provedor poderia conseguir uma ordem de proteção possessória para que aquele que envia os e-mails excessivos fosse 48
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proibido de turbar-lhe a posse sobre seus computadores, e, por consequência, sobre os arquivos digitais. 3
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Há caso decidido nos Estados Unidos com fatos muito próximos aos do exemplo acima: CompuServe v. CyberPromotions, 962 F.Supp. 1015 (S.D.Oh. 1997).
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CAPÍTULO 3
SHOULD IP LAW PROTECT THE GAME INDUSTRY FROM COPYCATS?* FREDERICO F. GOMES** E-mail: ffelix2210@gmail.com INTRODUCTION The future of the gaming industry might be redefined by the result of two recent cases. The first 1 involving the digital version of the game Magic: The Gathering, and the second 2 regarding a western themed card game, called“Bang”. In both these cases, law suitst have been brought against alleged copycat games, relying on causes of action like copyright, trade dress and patent infringement. These suits raise important and interesting questions, such as:(i) Is it possible to protect the rules and implementation of a game? (ii) What about the characters, their interaction, plots and dialogues? (iii) What other elements of a game can be protected? Discussions about those issues are quite relevant, since the mobile gaming industry is experiencing an invasion of clones or copycat games. While cloning has a long and varied history, it has become more prevalent with the explosion of social media and mobile games. For example, popular games such as “Minecraft” and “Flappy Bird” were followed by a great number of copycats, which took a free ride on their success. As game development times decrease and their useful lifetime *Paper presented as partial requirement for approval on the course “IP Theory”, ministered by Prof. Dr. David E. Friedman, at the University of Santa Clara School of Law, on the fall of 2014 **Master of Laws (LL.M) student at the University of Santa Clara School of Law. Class of 2014/2015. 1 Wizards of the Coast LLC v. Cryptozoic Entertainment LLC, Nº 2:14-CV-00719 (U.S District Court, Western District of Washington , filed 05.14.2014) 2 DaVinci Editrice S.R.L. v. ZiKo Games LLC (United States District Court, S.D. Texas, Houston Division.August 8, 2014 Slip Copy111 U.S.P.Q.2d 1692)
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diminishes, cloning has become a very lucrative business. The game pool is full, and copying methods are increasingly easier and cheaper. The influx of copycat games in the mobile space raises some other issues, worth discussing. Are copycat games merely off-brand digital replicas or are they pure andshameless theft? Historically, protection for video games has been obtained through intellectual property law like Copyright Law and Patent Law. The first may extend to the expressive, non-functional elements of a game, such as audiovisual display and the underlying source code, but not the ideas behind the game itself, while the latter extends to the functional aspects of games, such as gameplay mechanics.
Notwithstanding these protections, the limitations of Intellectual Property to deter cloning are a sore spot for the industry. Law suits can be expensive, lengthy, and uncertain. The protection afforded by Copyrights in video games is still a gray area. While a game itself may not be copyrightable, all of its constituent elements are .3 On the other hand, patents can take years to obtain and the process may be very expensive. In addition, the costs of being a victim of cloning has increased as developers invest more and more in marketing their games, only to see knockoffs emerge after a game reaches popularity and become lucrative. However, one might argue that cloning actually propels the industry (economically speaking), creating whole genres, instigating creativeness and consequently benefiting the entire industry. 3.1 A QUICK LOOK AT WIZARDS OF THE COAST LLC V. CRYPTOZOIC ENTERTAINMENT LLC. On May of 2014, Wizards of the Coast (WotC), a Hasbro subsidiary responsible for publishing successful tabletop games such as“Dungeons & Dragons” and “Magic: the Gathering”, filed a law suit in the U.S District Court for the Western District of Washington against Cryptozoic Entertainment and its related company Hex 3
Bruce E. Boyden, Games and Other Uncopyrightable Systems, 18 Geo. Mason L. Rev. 439, 445 (2011)
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Entertainment, the developers of a digital trading card game called “Hex: Shards of Fate”. Wizards of the Coast alleges that the game “Hex” is a copycat of “Magic: the Gathering”, specifically its online version, therefore infringing a number of aspects of Wizard’s intellectual property, including copyright, patent, and trade dress.
The game “Hex: Shard of Fate” was subject of a very successful Kickstarter 4 funding campaign, which rose over US $2.000.000, 00. Its Kickstarter page markets the game as a fusion between “Massively Multiplayer Online Games” like World of Warcraft (for which a trading card game called “Hearthstone” was previously published by Cryptozoic) and “Trading Card Games”. To a layman, one card game featuring medieval fantasy clichés like dragons, warriors and mages is much the same as any other. Butfrom a legal perspective, that might not be the case. 3.2 THE COPYRIGHTCLAIM Copyright protection subsists, in accordance with Section 102 of the Copyright Act of 1976 5, on original works of authorship fixed in any tangible medium of expression, now known or later developed, from which they can be perceived, reproduced, or otherwise communicated, either directly or with the aid of a machine or device. It includes categories such as literary works, musical works, including any accompanying words, dramatic works, including any accompanying music, pantomimes and choreographic works, pictorial, graphic, and sculptural works, motion pictures and other audiovisual works, sound recordings, and architectural works. However there is no intrinsic protection for “games”, except to the extent the game is comprised of individual copyrightable elements, for example, the game’s artwork, the plot or dialogue, the background music, or in the specific case of a video game, the source code for the game software. The mechanics and rules of a game,
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https://www.kickstarter.com/projects/cze/hex-mmo-trading-card-game United States Code Annotated. Title 17. Copyrights
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however, are not entitled to copyright protection .6
In Tetris 7, Desiree Golden, a recent college graduate, and founder of a company calledXio decided to create a multiplayer puzzle game for the iPhone called “Mino” and admittedly used Tetris as inspiration. Indeed, Golden was more than inspired by Tetris as it readily admits that its game was copied from Tetris and was intended to be its version of Tetris. Regarding the copyrightable elements of Tetris, the court held: “[In] addition to the design and movement of the playing pieces as discussed above (including the use of bright colors, the individually delineated squares within the pieces, and the downward, lateral, and rotating movement), I find the following elements are also protected expression and further support a finding ofinfringement: the dimensions of the playing field, the display of “garbage” lines, the appearance of “ghost” or shadow pieces, the display of the next piece to fall, the change in color of the pieces when they lock with the accumulated pieces, and the appearance of squares automatically filling in the game board when the game is over. None of these elements are part of the idea (or the rules or the functionality) of Tetris, but rather are means of expressing those ideas. I note that standing alone, these discrete elements might not amount to a finding of infringement, but here in the context of the two games having such overwhelming similarity, these copied elements do support such a finding. It is the wholesale copying of the Tetris look that the Court finds troubling more than the individual similarities each considered in isolation”. Wizardsclaim also includes alleged infringement of “play sequence and flow”, which is not an ordinarily recognized copyrightable work. The computer code that makes up the game software would be copyrightable, but there is no suggestion in WotC’s claim that Cryptozoic or Hex has copied any of the computer 6
Tetris Holding LLC v. Xio Interactive, INC (United States District Court, D. New Jersey. 2012 Copr.L.Dec. P 30,267, 103 U.S.P.Q.2d 1959). 7 Id.
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code, only the game elements themselves.
This potentially opens the door for copycats to imitate a successful game, without technically infringing copyright. Such practice can be quite successful (remember “Minecraft” and “Flappy Bird”?). Unlike a film, a book, or a drawing, the rules or mechanics of a videogame will often be the key distinguishing feature or innovation that makes the game successful. However, game rules are merely ideas, and cannot be copyrighted themselves. Once again, in Tetris the court held that “[user] manipulation of pieces composed of square blocks of differing geometric shapes, to fit pieces falling from top of game board with accumulated pieces at the bottom, were general, abstract ideas underlying computer-based video game and could not be protected by copyright”. Does that mean an imitator merely needs to change the aesthetic coating of the game to avoid infringement while keeping the rules or mechanics identical? The answer would be affirmative if copyright was the only option to protect agame. However that is not the case, which leads us to the next topic. 3.3 THE PATENTCLAIM Wizards also allegepatent infringement, specifically US Patent No. RE 37.957 8 (a re-issue of the earlier US Patent 5.662.332), which claims in essence the method of a “trading card game”. The patent refers to the game involving “game components” rather than “cards”, so it does not appear to be limited to the physical manifestation of the game and could include implementations using digital objects. This isimportant because WotC brought law suit against Hex regarding the electronic version of Magic and it’s allegedly copycat Shards of Fate. It is true that the patent was filed with a priority date of 22 8
https://www.google.co.in/patents/USRE37957?dq=RE37957&hl=en&sa=X&ei =W6R2VMu7GomyogTM34KICQ&ved=0CBsQ6AEwAA
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June 1994 – which means its 20 year life span has already come to an end. Even if Wizards succeeds in its patent infringement argument, it could not obtain an injunction to prevent Cryptozoic and Hex from launching their game. Its only remedy would be damages or an account of profits made during the period between the first infringement and 22 June 2014. But other issues arise: Is the patent for a method of trading card game a valid one? What about other video games “rules and mechanics”? The U.S. Patent & Trademark Office has issued over 15.000 patents with the word “game” in the title .9 In addition, the Manual of Patent Classification includes two classes, (273 and 463), entitled “Amusement Devices: Games.” Before the Bilski decision, the Patent Office frequently rejected patent claims that did not recite a “machine or transformation,” which at first blush would seemingly exclude many games from patent eligibility under 35 U.S.C. §101 – Bilski v. Kappos (Supreme Court of the United States - June 28, 2010 - 561 U.S. 593 - 130 S.Ct. 3218 - 177 L.Ed.2d 792) However, cases such as Bilski do not directly address patent protection for games. Thus, based on the general prohibition against patenting “abstract ideas” laid down in those cases and preexisting law dealing with games, there are some general guidelines for obtaining patent protection for games. First, there is the issue of what cannot be patented, in other words, the rules of games alone. Patent Office policy holds that “games defined as a set of rules” are not eligible for patent protection (Section 2106 of the Manual of Patent Examining Procedure 10). Thus, a method claim that defines nothing more than the “rules of a game” without requiring anything tangible will likely be deemed unpatentable. Therefore, the rulesalone are not to obtain patent protection, even if they are sufficiently novel and non-obvious. So, what can be patented then? Unlike the rules of a game, the physical components used to play the game may provide a basis for obtaining patent protection. 9
http://hanseniplaw.com/patenting-of-games/ http://www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/s2106.html
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For example, the game pieces or cards, the game board, or any other physical components (hardware) used to play the game, or the processes that are independent of play, such as scoring 11, may be patented.
In the specific case of Wizard v. Hexthe court will have to decide whether the functionality and structure of Shards of Fate are different from Magic, therefore not infringing. If this case proceeds to final judgment, it will be an important landmark for the future of the gaming industry. Will the possible patent protection of rules and implementation of a game be sufficient to keep clones from competing? Or will game developers have to rely on the copyright in the visual, literary, and software elements of their game? By changing those elements in order to avoid infringement while using the same idea will competitors increase and evolve the game industry? In that case, should game design be given some form of sui generis intellectual property protection in functional gameplay elements, or at the “play sequence and flow”? 3.4 SOME THOUGHTS ON DAVINCI EDITRICE S.R.L V. ZIKO GAMES LLC Meanwhile, in the non-digital world, another “cloning” lawsuit is underway. In Texas, Italian company DaVinci Editrice S.R.L., the creator of the spaghetti-western themed card game “Bang!”,has commenced action against Ziko Games LLC and Yoka Games, the creators of a competing card game named “Legends of the Three Kingdoms” based on the Chinese historical period and the associated mythology .12 DaVinci Editrice is alleging that “Legend of the Three Kingdoms” uses the same mechanical features of “Bang!”but changes 11
Shubha Ghosh, Patenting Games: Baker v. Selden Revisited, 11 Vand. J. Ent. & Tech. L. 871, 894-95 (2009) 12 DaVinci Editrice S.R.L v. Ziko Games LLC (United States District Court, S.D. Texas, Houston Division - August 8, 2014 - Slip Copy - 111 U.S.P.Q.2d 1692)
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the aesthetic (including artwork and instructions) to an Asian-themed alternative, including for example the hidden roles taken by each player (Sheriff, Deputy, Outlaw, and Renegade in Bang!; Monarch, Minister, Rebel, and Turncoat in “Legend of the Three Kingdoms”) and the associated objectives, and the character cards used by the players.
DaVinci Editrice claims that in doing so, “Legend of the Three Kingdoms” infringes the copyrights in “Bang!” and is in breach of Texas’s unfair competition state law. DaVinci Editrice sought a preliminary injunction, while Ziko and Yoka sought summary dismissal. The court released an initial opinion in which injunction was denied, on the basis that the artistic differences between the two games meant that a jury could reasonably find that they were not substantially similar (notwithstanding the duplication of some elements), which was insufficient to discharge the burden required to obtain preliminary injunctive relief. The court also rejected DaVinci Editrice’s claims under Texas state law, as it did not plead any conduct separate from the claims under US federal copyright law, and so its unfair competition and unjust enrichment claims were explicitly preempted by the federal law. However, the court held that the character cards used in “Bang!” and the roles defining interaction between the players were creative expressions that were eligible for copyright protection, and noted that in role-playing games such as these, the artwork has less of an impact on the “total concept and feel” of the finished product than does the other creative methods a designer uses to shape the experience of the players through their individual decisions and interactions. As a result, DaVinci Editrice had presented a claim on which relief was possible, given the similarity of gameplay mechanics between the two games. Although only a first step in the litigation, this decision potentially strengthens the position of game designers such as WotC, as the more functional elements of gameplay could be considered creative expression eligible for copyright protection(Magic “play 57
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sequence and flow”)independently of the art, music, story, or other copyrightable elements of the game that may not themselves be infringed by an imitator. 3.5 ARE COPYCAT GAMES REAL VILLAINS FOR THE GAME INDUSTRY? Some might argue that cloning is beneficial to game industry and especially for consumers. Generally, this is not a popular opinion. But these “clones” may be considered the building blocks of entire game genres, such as “real time strategy” games and “first person shooting” games, and many others. It is important not to forget that most games are kind of a“remix”, especially nowadays. “Remixes” and memes drive our popular culture. There is probably no better recent example than the extreme success of Minecraft and its spawns, like“Terraria” -2D Minecraft combined with Castlevania;“Ace of Spades” - Minecraft mashed-up with Team Fortress 2; “StarForge” - remixes Minecraft with sci-fi shooting reminiscent of Halo. It is also true that for every smart evolution of Minecraft’s basic premise there are plenty of shameless copies,that to do nothing more than tag along on Minecraft’s success without actually adding anything to the “sandbox building” genre. But even some of these clones end up innovating. As I told before, none of this is new to followers of video games, or even the pop culture in general. For example, three years after the release of groundbreaking shooter “Doom”, virtually every subsequent shooter was referred to as a “Doom clone,” regardless of how much it actually borrowed from it. Of course, most shooters of that era did copy heavily from Doom – the label was usually wellearned. But as the genre continued to grow and become more diverse, the term “first person shooter” rapidly increased in usage. Now no one thinks of games like “Halo”, “Call of Duty” or “Killzone” as “Doom clones”. The genre evolved. That might not be the case if the creators of “Doom” decided to patent the rules or mechanics of “first person shooting”. 58
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Another issue is when an already-big company “borrows” from the little guy. A lot of Zynga’s critics contend that the company’s entire multi-billion dollar social gaming empire is built on a business model of waiting for a small company to come up with an idea that works and then co-opting and improving it. Should this matter? Does it mean that the original game was not ready to be introduced to the market? In this case is there a “first mover” advantage, considering Zyngas’s marketing power? 13 On the other hand, considering the increasing investments on social media games, not to say the whole game industry, shouldn’t the underlying ideas regarding game mechanics and rules (the truly innovative element of that game) be protected by Intellectual Property Law, in order to promote innovation and development of the industry?
It is safe to say that not all clones and copies are created equal. Some push genres forward, while others are created by greedy opportunists. But both always take a “free ride” on its predecessor success, and it always will. Is that a good or bad thing for the game industry? 3.6 THE RATIONALE FOR INTELLECTUAL PROPERTY AND THE EVIL OF INTELLECTUAL MONOPOLY The term “intellectual property” refers to a loose cluster of legal doctrines that regulate the uses of different sorts of ideas and insignia. The economic and cultural importance of this collection of rules (copyright, patents, trademarks and rights of publicity) is increasing rapidly. The fortunes of many businesses now depend heavily on intellectual-property rights. A growing percentage of the legal profession specializes in intellectual-property disputes. And lawmakers throughout the world are busily revising their intellectualproperty laws. Partly as a result of these trends, scholarly interest in the field has risen dramatically in recent years. In law reviews and in journals of economics and philosophy, articles deploying “theories” http://www.ign.com/articles/2012/06/19/in-defense-of-game-clones
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of intellectual property have proliferated .14
Most of the recent theoretical writing consists of struggles among and within four approaches. The first and most popular of the four employs the familiar utilitarian guideline that lawmakers’ beacon when shaping property rights should be the maximization of net social welfare. Pursuit of that end in the context of intellectual property, it is generally thought, requires lawmakers to strike an optimal balance between, on one hand, the power of exclusive rights to stimulate the creation of inventions and works of art and, on the other, the partially offsetting tendency of such rights to curtail widespread public enjoyment of those creations .15 The second of the four approaches that currently dominate the theoretical literature springs from the propositions that a person who labors upon resources that are either unowned or “held in common” has a natural property right to the fruits of his or her efforts – and that the state has a duty to respect and enforce that natural right. These ideas, originating in the writings of John Locke, are widely thought to be especially applicable to the field of intellectual property, where the pertinent raw materials (facts and concepts) do seem in some sense to be “held in common” and where labor seems to contribute so importantly to the value of finished products .16 The premise of the third approach – derived loosely from the writings of Kant and Hegel – is that private property rights are crucial to the satisfaction of some fundamental human needs; policymakers should thus strive to create and allocate entitlements to resources in the fashion that best enables people to fulfill those needs. From this standpoint, intellectual property rights may be justified either on the ground that they shield from appropriation or modification artifacts through which authors and artists have expressed their “wills” (an activity thought central to “personhood”) or on the ground that 14
http://www.law.harvard.edu/faculty/tfisher/iptheory.html Id. 16 See Justin Hughes, “The Philosophy of Intellectual Property,” Georgetown Law Journal, 77 (1988). 15
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they create social and economic conditions conducive to creative intellectual activity, which in turn is important to human flourishing.17
The last of the four approaches is rooted in the proposition that property rights in general – and intellectual-property rights in particular – can and should be shaped so as to help foster the achievement of a just and attractive culture. Theorists who work this vein typically draw inspiration from an eclectic cluster of political and legal theorists, including Jefferson, the early Marx, the Legal Realists, and the various proponents (ancient and modern) of classical republicanism. This approach is similar to utilitarianism in itsteleological orientation, but dissimilar in its willingness to deploy visions of a desirable society richer than the conceptions of “social welfare” deployed by utilitarians .18 Not surprisingly, the principal philosophical theory applied to the protectionof works within the United States has beenutilitarianism.19 The social value of utilitarian works lies principally if not exclusively in their ability to perform tasks (for example, a better mousetrap) or satisfy desires more effectively or at lower costs. It is logical, therefore, that society would seek to protect such works within a governance regime that itself is based upon utilitarian precepts. Furthermore, inventions – new processes, machines, manufactures, or compositions of matter – unlike artistic or literary expression do not generally implicate personal interests of the creator. The United States Constitution expressly conditions the grant of power to Congress to create patent and copyright laws upon a utilitarian foundation: ‘to promote the Progress of Science and useful Arts’. Economic theory, a particular instantiation of utilitarianism, has 17
See Margaret Jane Radin, Reinterpreting Property (Chicago: University of Chicago Press, 1993). 18 See James Harrington, Oceana (Westport, Conn.: Hyperion Press, 1979); Thomas Jefferson, Notes on the State of Virginia (New York: Norton, 1972). 19 Merges, Robert P., Menell, Peter S., Lemley, Mark A. and Jorde, Thomas M. (1997), Intellectual Property in the New Technological Age, New York, Aspen Publishers, Inc.
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provided the principal framework for analyzing intellectual property.
In addition, the utilitarian perspective has relevance to other forms of intellectual property. Trade secret law often protects utilitarian works. Trademark law is principally concerned with ensuring that consumers are not misled in the marketplace and hence is particularly amenable to economic analysis. Even copyright law, which implicates a broader array of personal interests of the creator than patent law, may benefit from the application of the utilitarian framework to the extent that society seeks the production and diffusion of literary and artistic works.The utilitarian framework has been particularly central to the development of copyright law in the United States. Notwithstanding the clear dominance of utilitarian theories in the US, non-utilitarian theories play an important role in justifying intellectualproperty. This is particularly true with regard to the protection of literary and artistic expression and publicity. The European nations have grounded intellectual property protection for such intellectual effort within non-utilitarian theories of rights. This difference in philosophical perspective is reflected in part in the ways in which intellectual property systems are designated. Whereas protection for literary and artistic expression in the United States comes within the ‘copyright’ law - the title of which emphasizes limits on the public’s right to make copies - the analogous bodies of law in Europe are labelled ‘author’s rights’: droit d’auteur in France, Urheberrecht in Germany and derecho de autor in Spain.20 Even in the United States, however, there is a respected view to justify intellectual property law and to develop intellectual property doctrines on a broader base than the utilitarian model. There are authors who make a positive analysis relating to intellectual property. As in many areas of private law, law and economics scholars reflecting the Chicago tradition have argued that intellectual property doctrine can be explained as a means for promoting efficient resource allocation. 20
http://levine.sscnet.ucla.edu/archive/ittheory.pdf
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Kitch (1966, 1977) and Grady and Alexander (1992) have argued that patent law as applied by the courts has evolved toward an efficient set of doctrines relating to the standards for and scope of protection. Oddi (1996), Merges (1992) and Martin (1992) point out numerous inconsistencies with these claims. Landes and Posner (1987, 1989) have argued that the main contours of trademark and copyright promote economic efficiency. Grady (1994) makes similar claims for the right of publicity .21
Merges (1995) notes a general shift inthe societal baseline toward a presumption of protection. He also observes that intellectual property rights are increasingly seen as an off-budget form of subsidies and hence they create strong incentives for interested parties to engage in rent-seeking. Karjala (1995), Lavigne (1996) and Sterk (1996) highlight the pressure to expand the term of copyright protection, notwithstanding any showing that such extension promotes creation of intellectual works .22 However, one truth remains unaltered, whether one chooses the utilitarian approach or the non-utilitarian theories. New technologies pose significant analytical challenges as a result of the ways in which they change key factors on which existing institutional rules and structures are based - for example, the nature of personal and liberty interests of creators and users, network dimensions, transaction costs. As intellectual property and technology have gained importance over the past three decades, the philosophical debates have melded with broader social and political discourse bearing upon the very foundation of modern society. This is particular true on the video game industry. Nowadays, copying a successful game is becoming increasingly cheaper, whereas creating a new one demands investments in time, creativeness and development of existing technologies. Considering the positive economic analysis of Intellectual Property, one might argue that the role of Law is absolutely necessary, because provide protection for an 21
窶オd. 窶オbid.
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author or inventor and promotes technological innovation, which is beneficial to society as a whole. But is this approach entirely correct?
According to Boldrin & Levine (2008), from a theoretical point of view the answer is murky. In the long-run, intellectual monopoly provides increased revenues tothose that innovate, but also makes innovation more costly. Innovations generally build on existing innovations. While each individual innovator may earn more revenue from innovating if he has an intellectual monopoly, he also faces a higher cost of innovating: he must pay off all those other monopolists owningrights to existing innovations. Indeed, in the extreme case when each new innovation requires the use of lots of previous ideas, the presence of intellectual monopoly may bring innovation to a screeching halt .1 Also, the authors notice that intellectual monopoly provides the incumbent with a dominant position that discourages competitors from entering the market, thereby reducing the incentive for the incumbent to innovate to keep ahead. They also make an argument that the response of innovation to the strengthening of intellectual monopoly is not uniform over time. In the short-run – for example, immediately after the first introduction of legislation allowing for patents – we would expect innovation to increase, as the revenues from innovating go up, but costs will not increase until sometime in the future when many ideas have been patented. Therefore, from a theoretical point of view, it is possible that, in the shortrun introducing patents leads to more innovation and eliminating patents after they have been in place for a while increases innovation as well .2 Returning to the game industry, it is unclear that the absence of Intellectual Property Law would lead to more inventiveness. However, in my opinion one thing is clear: the granting and enforcement of a patent on the mechanics of a “revolutionary” game would definitely affect, on a negative way, the development of 1
Michel Boldrin & David Levine, Against Intellectual Monopoly (2008) Id.
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a genre and the popularity of it. Once again I reiterate the case of FPS games. If the mechanics on Doom were the object of a patent claim, a whole genre might not exist today, considering a monopoly for 20 years. Investments would not be made if royalties ought to be paid. My conclusion is that IP should not play a decisive role when it comes to video game mechanics. I think the benefit from the absence of such protection surpasses the risk of a diminishment of innovation. However when it comes to the copyrightable elements of a video game, the story may be different. In another sense, the case for treating copyright under the natural rights framework is more attractive to me than the utilitarian approach. In my opinion such works are the expression and extension of an author’s personality. That is the reason why protection is secured upon creation, and registration is unnecessary (except for the purpose of law suits). 3.7 ALTERNATIVES TO INTELLECTUAL PROPERTY MONOPOLY Considering that the game industry is better without Intellectual Property Law, when it comes to games mechanics, what options does developers who invest a lot of money on their game projects have, in order to avoid eventual loss of money to clones competitors? One alternative is the option and reinforcement of Nondisclosure Agreement (NDA). Before sharing source code, demos, or ideas with potential partners, developers may consider executing an NDA that specifically prohibits cloning or the use of any derivation of the IP shown to the other party. Contracts negotiations are not limited to some strictures of Intellectual property Law.
Another alternative comes from technology itself. Computer science professor Amit Sahai and a team of researchers from UCLA have designed a system to encrypt software so that it only allows someone to use a program as intended while preventing any deciphering of the code behind it .3 3
 http://eandt.theiet.org/news/2013/jul/software-obfuscation-encryption.cfm
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The process is known in computer science as “software obfuscation”. According to Sahai, the new system puts up an “iron wall” making it impossible for an adversary to reverse-engineer the software without solving mathematical problems that take hundreds of years to work out on today’s computers. The researchers said their mathematical obfuscation mechanism can be used to protect intellectual property by preventing the theft of new algorithms and by hiding the vulnerability a software patch is designed to repair when the patch is distributed.The key to this successful obfuscation mechanism is a new type of “multilinear jigsaw puzzle.” The new technique for software obfuscation paved the way for another breakthrough called functional encryption. With functional encryption, instead of sending an encrypted message, an encrypted function is sent in its place.
Notwithstanding these solutions, the creator of a true innovative, breakthrough video game will always have the first mover advantage, securing a privileged spot on the market. 3.8 CONCLUSION After research and analysis on the role of Intellectual Property on the game industry, especially its function regarding innovation and development of the industry, some conclusions ought to be made: Historically, games (digital and non-digital) have always been protected by Intellectual Property Law. Patent Law may protect the mechanics of a game, or the physical components used to play the game, for example, the game pieces or cards, the game board, or any other physical components (hardware) used to play the game, and even the processes that are independent of play, such as scoring, may be patented. On the other hand copyright Law provides protection to individual elements of that game, for example, the game’s artwork, the plot or dialogue, the background music, or in the specific case of a video game, the source code for the game software. 66
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On Wizards of the Coast v. Hex the parties are disputing if copyright protection extends to what Wizards call the “play sequence and flow” of the online version of the game Magic: The Gathering. It seems to me as an attempt to extend copyright protection to a patent which expired on July 2014. However, it is not unlikely that the court may grant relief on the above claim, due to the ruling on DaVinci v. Ziko. The court held that the character cards used in “Bang!” and the roles defining interaction between the players were creative expressions that were eligible for copyright protection, and noted that in role-playing games such as these, the artwork has less of an impact on the “total concept and feel” of the finished product than does the other creative methods a designer uses to shape the experience of the players through their individual decisions and interactions. As a result, DaVinci Editrice had presented a claim on which relief was possible, given the similarity of gameplay mechanics between the two games. Although only a first step in the litigation, this decision potentially strengthens the position of game designers such as WotC, as the more functional elements of gameplay could be considered creative expression eligible for copyright protection (Magic “play sequence and flow”) independently of the art, music, story, or other copyrightable elements of the game that may not themselves be infringed by an imitator. It remains uncertain how these decisions will affect the video game industry. We might see a decrease on the creation of copycat games, which enjoy a free ride on truly innovative games that present the market with revolutionary game mechanics. It is not clear if that is a good thing or not. On one hand, it may give more incentive and protection for investments. On the other hand, it may compromise the formation or consolidation of an entire possible genre. Maybe the solution to the problem of balancing interests does not rely on Intellectual Property Law. Contract Law, technology and first mover advantages may providegame developers that invest a lot of money on the development of new games the same level of protection that IP does, however with less social costs. 67
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REFERÊNCIAS
BRUCE E. Boyden, Games and Other Uncopyrightable Systems, 18 Geo. Mason L. Rev. 439, 445 (2011) Da Vinci Editrice S.R.L v. Ziko Games LLC (United States District Court, S.D. Texas, Houston Division - August 8, 2014 - Slip Copy - 111 U.S.P.Q.2d 1692) Da Vinci Editrice S.R.L. v. ZiKo Games LLC (United States District Court, S.D. Texas, Houston Division.August 8, 2014 Slip Copy111 U.S.P.Q.2d 1692) http://eandt.theiet.org/news/2013/jul/software-obfuscationencryption.cfm http://hanseniplaw.com/patenting-of-games/ http://www.ign.com/articles/2012/06/19/in-defense-of-gameclones http://www.law.harvard.edu/faculty/tfisher/iptheory.html http://www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/s2106.html https://www. google.co.in/patesa=X&ei= W6R2VMu7GomyogTM34KICQ&ved=0CBsQ6AEwAA MERGES, Robert P., Menell, Peter S., Lemley, Mark A. and Jorde, Thomas M. (1997), Intellectual Property in the New Technological Age, New York, Aspen Publishers, Inc SEE JAMES HARRINGTON, Oceana (Westport, Conn.: Hyperion Press, 1979); Thomas Jefferson, Notes on the State of Virginia (New York: Norton, 1972). SEE JUSTIN HUGHES, “The Philosophy of Intellectual Property,” Georgetown Law Journal, 77 (1988). 68
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SEE MARGARET JANE RADIN, Reinterpreting Property (Chicago: University of Chicago Press, 1993). SHUBHA GHOSH, Patenting Games: Baker v. Selden Revisited, 11 Vand. J. Ent. & Tech. L. 871, 894-95 (2009)
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CAPÍTULO 4
O ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL VIRTUAL: CONCEITO E TUTELA JURÍDICA. VINÍCIUS DE PAULA MICHEL1 E-mail: vimichel@gmail.com INTRODUÇÃO Inspirado no direito italiano, o direito brasileiro assumiu que empresário é aquele que personifica a atividade econômica desenvolvida, podendo ser a pessoa física capaz (empresário individual) e a pessoa jurídica, constituída pelas sociedades empresárias. Serão as pessoas descritas no art. 966, ou seja, aquelas que, atendendo aos exatos dizeres do código, exercem profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços, excetuando-se os exercentes de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda, que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. De toda sorte, a empresa sempre se valeu de um instrumento essencial à sua atividade: o estabelecimento empresarial. Atualmente, contudo, a revolução digital impõe modificações na sociedade globalizada como um todo e seus reflexos são sentidos no direito das obrigações, contratos e empresarial, dentre outros ramos. O presente trabalho, dividido em 5 partes, incluindo a presente introdução, buscou, no segundo capítulo, tecer breve explicação da teoria clássica dos estabelecimentos empresariais, perpassando por evolução histórica, pluralidade teórica, conceito, natureza jurídica e bens que o compõem, com especial atenção ao ponto comercial, clientela, aviamento e trespasse. 1
Mestrando em Direito Empresarial na Faculdade Milton Campos. Professor de Direito Empresarial na Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC) de Conselheiro Lafaiete.
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O terceiro capítulo cuidará de introduzir o tema do comércio eletrônico, diretamente ligado ao problema esposado neste trabalho, traçando suas características elementares e, assim, situando o leitor na nova realidade do direito empresarial. O quarto capítulo buscou conceituar o estabelecimento empresarial virtual e a demonstrar as repercussões de sua existência no âmbito do direito empresarial, elucidando como se verifica seu aviamento, formação da clientela, proteção do ponto empresarial e modo de aplicação da cláusula de proibição de concorrência caso ocorra seu trespasse, bem como algumas modalidades de comércio exercidas por este fundo. O quinto e último capítulo apresenta as conclusões alcançadas, todas fincada na hipótese de que se pode falar, de fato, em estabelecimento virtual, sob o marco teórico de estabelecimento empresarial como universalidade fática que corresponde à reunião de bens, pelo empresário, para exercício da empresa. 4.1 ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL 4.1.1 Teorias e natureza jurídica O estabelecimento empresarial é instituto que instiga e instigou diversos debates no âmbito jurídico. Afinal, nunca se chegou a um consenso sobre sua composição, natureza jurídica e conceito. Algumas hipóteses são mais aceitas e outras são menos. Marcelo Féres destaca que, atualmente, são três os principais sistemas de regulação do estabelecimento empresarial: o francês, o alemão e o italiano: a) o sistema francês, no qual o fundo de comércio é tutelado principalmente em virtude da clientela. Para alguns, a titularidade do estabelecimento chega a se confundir com o próprio direito à clientela. Quanto à sua negociação, firma-se um rígido sistema de publicidade por meio do qual os credores são informados sobre o trespasse e podem a ele se opor. Em regra, não se transmitem as dívidas ao adquirente do estabelecimento. O campo de entrega 71
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obrigacional é definido pelas partes envolvidas no negócio;
b) o sistema alemão, em que o estabelecimento é tratado, no mais das vezes, como sinônimo de empresa. Existem normas sobre o trespasse, mas que não se ocupam de maneira expressa das relações obrigacionais. Admite-se, contudo, que o adquirente suceda ao alienante quando continuar a exploração da empresa (atividade) sob a firma original; e c) o sistema italiano, que disciplina o estabelecimento como o conjunto organizado de bens que o empresário emprega no exercício de sua atividade. São previstos, expressamente, os efeitos obrigacionais do trespasse sobre os créditos, os contratos e os débitos do alienante da fazienda. 2 Sobre o sistema francês, Requião 3 explica que, segundo a doutrina daquele país, não existe elementos determinados que integram o estabelecimento, razão pela qual ele consiste, a bem na verdade, no direito de exploração de determinada clientela. A teoria francesa entende que, muito embora composto de diversos bens, o estabelecimento, quando considerado como bem singular, tratase de um bem imaterial, traduzido, por vezes, na própria clientela, com ela se confundindo, mercê dos ensinamentos de Planiol (maior defensor), Ripert e Escarra, dentre outros. Esta teoria parece não ter muito fundamento, afinal, seria muita pretensão dizer que determinado empresário tem direito de clientela quando, em verdade, em um Estado democrático pautado pelo princípio da livre concorrência, não há que se falar em mercado cativo ou em monopólio. Ademais, nem sempre o empresário, pelo simples fato de possuir um estabelecimento empresarial, terá, necessariamente, uma clientela, tal como são os neófitos na atividade mercantil. O que possuirão, com certeza, é um arranjo que se destina a angariar consumidores e, destarte, formarem a clientela. 2
FÉRES, Marcelo Andrade. Estabelecimento empresarial: trespasse e efeitos obrigacionais. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 9-10. 3 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 28ª ed. ver. e atualizada por Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva, 2009. V. 1
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Outro ponto fraco desta teoria é aquele previsto por Requião, à luz dos ensinamentos de Julliot de La Morandière e Van Ryn, bastante alinhavados com o que disse em linhas anteriores, para quem este direito a clientela pereceria quando paralisada a organização do estabelecimento: Esse direito incorpóreo, que consubstancia o fundo de comércio, constituído sobre outros tantos bens imateriais e materiais, é essencialmente precário, como notam alguns autores. Esse direito só se mantém enquanto permanece a exploração da organização montada pelo empresário sobre o conjunto de bens que formam o estabelecimento (art. 1.142 do Código Civil Brasileiro). Cessando esse exercício, perde-se a clientela. Daí por que, como anota van Ryn, a proteção jurídica de que goza o proprietário do fundo de comércio é resultado da ação contra a concorrência desleal visando a proteger a clientela. E por isso se compreende por que Planiol chegou ao extremo de identificar o fundo de comércio à própria clientela. Nada impede, via outra, que o direito preveja hipóteses de proteção do empresário contra a concorrência desleal, até mesmo porque, neste caso, não se estaria protegendo nada mais do que o citado princípio da livre iniciativa sob um jaez ético. A segunda grande teorização acerca do estabelecimento é a da Alemanha a qual, seguindo Gierke, considera o estabelecimento como a própria empresa, vez que representaria, além do patrimônio separado – especial – do empresário, feixe complexo de atividades. Também não se vislumbra como esta pode prosperar sob a luz da teoria da empresa, para qual esta seria a atividade desenvolvida pelo empresário. Se o estabelecimento é complexo de bens e a empresa atividade, não se pode pugnar pela confusão entre os dois princípios. Até mesmo porque bem é coisa, ao passo que a atividade, por seu turno, é um agir cujos caracteres específicos – profissional, habitual, organizada, econômica, que guarneça o mercado de bens e serviços – são guardados por lei. Em outras palavras, vale dizer que coisa não é sinônimo de conduta e vice-versa. A terceira corrente, a italiana, entende a “azienda” como uma universalidade destinada ao exercício empresarial. Desta máxima 73
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surgem três vertentes distintas. A primeira a concebe como complexo único. A segunda, atomista, entende que esta tem uma função unitária, mas tão somente em relação aos negócios empresariais, pelo que seus bens devem ser unitariamente concebidos, sob pena de não se poder exercer sobre eles direito real de propriedade. A terceira e última, eclética, a entende como complexo de bens destinado à empresa quando se tem concebido o direito de gozo que terceira pessoa sobre ela exerce e, paralelamente, quando utilizada pelo empresário apenas em relação a um ou alguns de seus bens integrantes, exercendo o jus fruendi.
Parece, contudo, que nenhuma destas teorias explica de forma adequada a real essência do estabelecimento que nada mais é que um complexo de bens reunidos pelo empresário para o exercício de sua atividade negocial. Este complexo deve ser unitariamente concebido. Entretanto, nada impede que o empresário goze de determinado bem, que compõe o fundo, de forma unitária, sem com isso desnaturar seu sentido. Tanto é que em determinadas situações os bens que integram o estabelecimento podem não ser de propriedade do empresário – casos de aluguel, arrendamento, etc. – e, mesmo assim, considerada a união que enfeixam com outros bens, formam um estabelecimento. Daí porque o caráter instrumental – de exercício da empresa – é o que sobressai em sua caracterização e, não menos, fixa sua natureza jurídica, como melhor demonstrado em linhas adiantes. Fato é que a definição de estabelecimento empresarial no Brasil é trazida pelo art. 1.142 do C.C/2002, onde se lê que “considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para o exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”. Esta disposição legal nada mais é do que repetição do art. 2.555 do Código Italiano. Tal repetição não surpreende, tendo em vista a declarada inspiração italiana na construção da vigente legislação empresarial pátria. A grande maioria dos doutrinadores entende ser o fundo de comércio uma universalidade de fato, dada a sua composição 74
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de bens individualmente considerados reunidos pelo desígnio do empresário, nos moldes do artigo 90 do Código Civil de 2002 que versa: “Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária”. O presente trabalho filia-se a este entendimento. 4.1.2 Composição, ponto, aviamento e clientela. A lei civil não traz consigo definição específica acerca da composição do estabelecimento empresarial. O art. 1.142 orienta que ele será toda a reunião de bens utilizada pelo empresário ou sociedade para exercício da atividade. Coube à doutrina fazer a distinção entre esses bens, sendo feita a divisão clássica entre bens corpóreos e incorpóreos. Os bens corpóreos, ou tangíveis, são aqueles de maior percepção, eis que sua existência se projeta no plano físico. Podem ser máquinas, computadores, móveis, materiais, veículos, enfim, tudo aquilo que se utiliza na cadeia da atividade empresarial com característica de matéria. Já os bens incorpóreos ou intangíveis, não são palpáveis e não estão incorporados em algum bem físico, existem, portanto, somente num plano abstrato. Assim são as marcas, as patentes, pontos de negócio, títulos de estabelecimento e o trade dress – a roupagem da marca, o estilo único que a identifica no mercado por seus desenhos e leiautes. O “ponto comercial” é o local onde se situa o estabelecimento, ou seja, a localidade na qual a atividade empresarial é desenvolvida. O ponto é elemento crucial do potencial lucrativo do fundo do comércio, vez que, na maioria das vezes, é escolhido a partir de determinada estratégia mercadológica ou, então, representa local comumente reconhecido pelos fregueses. Daí a razão da existência do direito de proteção ou inerência ao ponto, inaugurado pelo Decreto 24.150/34, conhecido como a Lei de Luvas, e confirmado pela atual Lei de Locações (Lei federal 8.245/1991). Se a empresa busca o lucro e o estabelecimento é o principal instrumento nesta corrida, deve dotar de certas características que revelem eminente potencial lucrativo, e a “clientela” é uma delas. Um 75
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estabelecimento de renome, reconhecido pela sua boa qualidade, certamente será capaz de formar uma quantidade de clientes leais que irão demandar, com certa regularidade e reincidência, seus produtos e serviços. Para Marcelo Pietro Iacomini, a “clientela” tem o seguinte significado: Por sua vez, a clientela, de modo singelo, pode ser conceituada como o conjunto de pessoas que afluem ao estabelecimento no intuito de adquirir produtos ou serviços oferecidos pelo comerciante. Aqui, também, não se deve entender a clientela como um bem imaterial. No nosso sentir, a clientela é um atributo do estabelecimento comercial. Ou conforme já proclamou Oscar Barreto Filho: “A clientela é o resultado do aviamento”. 4
Há que se chamar a atenção para o fato de que, muito embora não exista um direito de clientela, o direito deve proteger o empresário de atos atentatórios a seu negócio ou que proclamem certa concorrência desleal. Entretanto, tudo redundará no velho imperativo jurídico do neminem laedere ou na tutela contratual quando, por ocasião de venda de estabelecimento, se pactuou cláusula que proíbe o restabelecimento. O “aviamento”, por seu turno, assim como a “clientela”, se afigura como atributo do estabelecimento, este, em sentido mais amplo, consistente em aptidão para exercício da empresa de forma lucrativa –, que, em decorrência de uma organização efetivada pelo empresário, lhe traz um valor adicional. Decorre de características próprias ou do empresário, pelo que pode ser classificado em objetivo ou subjetivo. O primeiro tipo seria aquele oriundo de atributos específicos do local, das instalações e das comodidades que apresenta e o segundo tipo, de características próprias do empresário ou de seus colaboradores que, por exemplo, dispensam ao consumidor um tratamento cortês e atencioso. É o aviamento que, quando presente, tem o condão 4
IACOMINI. Marcello Pietro. Da alienação do Estabelecimento Comercial. De acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Livraria Paulista, 2004. p. 22-23.
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de atrair a clientela e, assim, contribuir para o surgimento do lucro naquele estabelecimento. As expressões estrangeiras mais comuns que identificam este instituto são: avviamento (Itália) e good will (Estados Unidos da América e Inglaterra). 4.2 COMÉRCIO ELETRÔNICO
Seguindo a tendência mundial, o Brasil é um dos países que apresenta grande volume de transações comerciais firmadas no âmbito da rede mundial dos computadores. Dados do portal eletrônico E.Commerce 5 revelam que o Brasil é o sexto país com o maior número de usuários de internet e movimenta um mercado que fatura mais de 10 bilhões de reais em vendas online. A mercancia atual acompanha a evolução dos meios de comunicação e se encontra muito bem situada e adaptada na rede mundial de computadores. E nem poderia ser diferente, pois é natural que o empreendedor mercantil se adeque aos anseios, linguagem, cultura e necessidades da clientela. Se antes a clientela podia ir a estabelecimentos físicos com frequência, hoje opta por realizar compras no conforto do lar. Parte da doutrina especializada entende que o comércio eletrônico não traduz, a priori, nenhuma grande novidade contratual, sendo que: “nada mais é do que uma modalidade de compra à distância, consistente na aquisição de bens e/ou serviços, através de equipamentos eletrônicos de tratamento e armazenamento de dados, nos quais são transmitidas e recebidas informações.”6 Entretanto, como será demonstrado mais adiante, não se pode concordar com o posicionamento acima transcrito. Jorge José Lawand explica as razões da semelhança havida entre um contrato comum e o eletrônico: As formas de contratar e as suas características passaram por muitas modificações desde a antiguidade até os dias de 5
E-COMMERCE. Estatísticas. Disponível em: <www.e-commerce.org.br>. Acesso em: 20 nov. 2013 6 BRUNO, Gilberto Marques (s.n.t.) apud FINKELSTEIN, Maria Eugênia Rei. Aspectos Jurídicos do Comércio Eletrônico. P.orto Alegre: Síntese, 2004. p. 53
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hoje, amoldando-se às novas tendências de massificação do comércio e da indústria como modo de se tornarem mais eficazes os processos de venda. Os contratos eletrônicos são a expressão jurídica do comércio eletrônico, que significa em sua essência, um fluxo e refluxo de bens e serviços realizados mediante uma rede de comunicações informatizada. E os problemas que suscitam não são substancialmente distintos daqueles relativos à contratação ordinária.7
Se o comércio eletrônico pauta-se em um chamado “contrato eletrônico” que, por sua vez, assemelha-se ao contrato tradicional, tem-se que o elemento fundamental de sua formação, como não havia de ser diferente, repousa na vontade exteriorizada do agente. Ana Paula Gambogi Carvalho, estudando o assunto sob a ótica do BGB alemão, traz lição que se amolda com o aqui exposto: As “declarações de vontade eletrônicas” são, em sua maior parte, digitadas e processadas pelo autor com o auxílio de um teclado e então transmitidas ao destinatário por via eletrônica (por ex. por email ou por um “clique” de mouse em uma homepage). Existem também, entretanto, aquelas declarações de vontade que não apenas são transmitidas ao destinatário pela via digital, como também são automaticamente produzidas por um programa de computador. Estas são conhecidas como declarações de vontade automatizadas.8
Há que se separar as relações feitas de comerciante para comerciante que no inglês são conhecidas por business to business, pelo que recebem a sigla B2B e aquelas entabuladas entre comerciantes para consumidores, então business to consummer de sigla B2C e, ainda, as relações consumer to consumer C2C, assunto que será cuidado em linhas mais avançadas. Ressalta-se, igualmente, a importância da oferta neste tipo 7
LAWAND. Jorge José. Teoria geral dos contratos eletrônicos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p. 34 8 CARVALHO, Ana Paula Gambogi. Contratos via internet. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 32
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de contratação, que pode ser de caráter permanente, enquanto posta em sítio de comércio específico (estabelecimento virtual) ou efetivada de forma casual, pelas mais variadas vias de comunicação que a rede permite. Fato é que, nos termos das legislações cíveis e consumeristas pátrias, o proponente se obriga a seus termos, a menos que faça a desistência chegar ao conhecimento do oblato antes ou de forma simultânea à proposta, conforme prelecionam os artigos 427 e seguintes da Lei 10.406/2003. Logo, resta indubitável que os contratos entabulados em um comércio eletrônico são válidos e eficazes quanto os tradicionais, sendo impossível sua inferiorização. 4.3 ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL VIRTUAL
Viu-se neste trabalho que o estabelecimento empresarial compreende o conjunto de bens que, reunidos e organizados pelo agente titularizador, resultam no efetivo exercício da empresa. Portanto, não se pode confundir estabelecimento com empresa, empresário e tampouco com um mero local ou endereço. Sua caracterização vai mais além e exige que ele seja aquele complexo, aquele todo, necessário para o desenvolvimento da atividade empresária prescrita como objeto social. O estabelecimento é o ferramental necessário ao exercício da empresa. Não necessariamente os bens reunidos neste complexo ferramental devem ser físicos, pois já se verificou que o estabelecimento compreende o complexo de bens corpóreos e, igualmente, incorpóreos: eis o ponto chave deste trabalho. É que em nenhum momento da ciência jurídica se verificou a necessidade de bens tangíveis para o exercício da empresa, seja pela lei, doutrina ou jurisprudência. Neste momento, é de bom tom que o leitor não se apresse a confundir a necessidade de indicação da sede das sociedades, em logradouro de imóvel físico, como o mínimo tangível exigido, pois tais disposições atendem a requisitos mais das ciências tributárias e administrativas do que empresariais. Em outras palavras, vale dizer que determinada sociedade empresária tem sua sede discriminada apenas para fins de eleição de foro e de sujeito 79
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tributário ativo ou, ainda, para que ali funcionem escritórios ou salas inerentes à burocracia da administração do negócio e, quando muito, galpões para estoque. Tais locais, todavia, não revelam o exercício da empresa que é feito no estabelecimento, este sim, propicia o ambiente adequado para a decorrência dos negócios da empresa e contribui para o alcance do seu objetivo maior, que é o lucro. Não seria concebível imaginar, por exemplo, uma sociedade empresária operando venda varejista no mesmo local de sua sede administrativa ou, até mesmo, em seus galpões de estoque. Nestes locais não existe aviamento, não há o apelo à freguesia, não estão reunidos os elementos necessários para o saudável desenvolvimento da empresa pelo que dos estabelecimentos, serão, quando muito, elementos auxiliares.
Fato é que nos tempos atuais, em que se verificam, inclusive, bens intangíveis passíveis de comercialização, um site é plenamente capaz de reunir em seu todo os instrumentos necessários ao exercício da empresa. O consumidor internauta, visitando uma página virtual destinada ao comércio, acessa toda a gama de produtos ofertados pelo empresário, verifica quantidade disponível para venda, lê as características de cada produto, identifica preço e prazo de entrega, conversa via eletrônica com vendedores e técnicos que sobre suas dúvidas, efetua a compra e faz o pagamento em tempo real via cartão de crédito, débito ou transferência bancária. Sem falar na possibilidade de receber, também pela via virtual, o produto adquirido via download no caso de serem programas de computador, músicas, vídeos e demais bens intangíveis programados e passíveis de arquivo digital. Não se pode, portanto, concordar com a teoria que diz que o comércio eletrônico é idêntico ao comércio feito a distância pela via telefônica ou escrita. A esse respeito, Waine Domingos Peron, que também se dedicou ao estudo dos estabelecimentos virtuais em sua dissertação de mestrado na Faculdade Autônoma de Direito (Fadisp), discorreu com profunda técnica e assertividade: Há quem diga não haver diferença entre uma linha telefônica
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e um web site, que as transações realizadas neste também poderiam ser realizadas por meio de um telefona. Sob essa ótica, o web site não pode ser considerado como um efetivo estabelecimento, mas apenas mais um meio pelo qual são divulgados produtos e serviços, tal e qual um telemarketing, como apontam Fábio Tokars e Elidie Palma Bifano, de quem ousamos discordar. É que o elemento virtualidade do web site é substancialmente diferente do elemento daquele relativo a uma simples linha telefônica. Neste, atuando de forma ativa ou passiva, o consumidor poderá até obter informações detalhadas a respeito do produto ou serviço que pretende adquirir, ou contratar, como as informações técnicas (medidas, cores, velocidade, etc.), preço, condições de pagamento, dentre outras. Mas, por telefone, a satisfação de transações, com seu início e término, é deveras limitada, podendo ser reduzida ao exemplo acima. O contratado, titular da linha telefônica, não pode dela se utilizar, por exemplo, para transacionar e entregar (ou transmitir eletronicamente) um bem incorpóreo, intangível, como programas de computador, jogos de videogame, filmes, músicas, etc. Enquanto o telefone permite esgotar a relação jurídica de obrigações de fazer, o web site vai muito além, permitindo que operações mercantis também se perfaçam acabadas, inclusive com a execução do contrato, mediante a entrega (eletrônica) do bem ou direito adquirido via download. (...) Não é possível imaginar o sucesso de vendas do AMAZON. COM, do FACEBOOK.COM, ou do GOOGLE.COM por meio de uma simples linha telefônica. De fato, o consumidor pode navegar virtualmente no web site quase tal e qual transitaria numa loja física, observando os produtos disponibilizados pela loja virtual, quantos estão em estoque, observando as cores, modelos e medidas disponíveis para cada modelo, etc. Corrobora tal assertiva o fato de o consumidor acessar um web site para adquirir aleatória e despropositadamente um produto qualquer de sua escolha e que já fica virtualmente à sua disposição para que seja visualizado, dado o elevado grau de interatividade que o estabelecimento virtual lhe proporciona. Ao revés, normalmente, as relações jurídicas fixadas por meio do canal de televendas comportam produtos ou serviços previamente desejados pelo contratante, ou
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previamente oferecidos pelo contratado, de modo que o contratante utiliza o telefone apenas como um simples canal de comunicação.9
Este trabalho adere, sem qualquer ressalva, às palavras do autor no trecho transcrito, acrescendo, ainda, que o comércio a distância via telefone ou outro meio de comunicação não permite a transferência imediata de valores para a finalização do negócio, devendo o consumidor, quase sempre, se sujeitar a informar dados sigilosos e pessoais de seu cartão de crédito para o preposto do empresário, para que este, de seu lado, efetive a transação financeira. Quando diferente, o empresário que vende a distância tem de emitir boleto para a quitação bancária ou informar números de conta para depósito. Em todos os casos, o transporte de valores não se opera na via telefônica ou outro meio de comunicação à distância. No estabelecimento virtual, de seu turno, há a possibilidade de transferência online de quantias, de quitação em tempo real da dívida assumida e de efetivação de operações de cartões de crédito diretamente com os agentes financeiros envolvidos e, quase sempre, parceiros do site comercial. Outra vantagem é que o estabelecimento virtual funciona 24 horas por dia, sem suspensão das atividades ao longo do ano, salvo por motivo de manutenção da tecnologia de hospedagem. Há que se fazer menção ao estudo de Fábio Ulhoa Coelho que ressalta a virtualidade do acesso como outro traço distintivo do estabelecimento virtual. Sua posição é compartilhada com Maria Eugênia Finkelstein que, indo mais além, entende que a modalidade de acesso é a única distinção que se pode verificar entre o estabelecimento virtual e o físico: 10
9
PERON, Waine Domingos. Estabelecimento Virtual no Espaço Cibernético. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito). FADISP, São Paulo. p . 92-93. Disponível em: <http://www.fadisp.com.br/download/turma_m4/waine_domingos_peron.pdf>. Acesso em: 23 out. 2010 10 10 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. De acordo com o novo Código Civil e alterações da LSA. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3. p. 34-35
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Este é caracterizado pela inacessibilidade física: o consumidor manifesta a aceitação em relação às ofertas por meio da transmissão eletrônica de dados. Não há o deslocamento físico do mesmo ao imóvel em que se encontra a empresa para adquirir algum produto ou serviço como ocorre no estabelecimento físico. Os estabelecimentos físico e virtual diferenciam-se basicamente quanto à acessibilidade dos consumidores e adquirentes interessados nos produtos, serviços ou utilidades oferecidos. Quanto à natureza jurídica, os estabelecimentos físico e virtual não apresentam diferenças. 11
De fato seu acesso é diferente do acesso a um local físico, exigindo que o consumidor tenha meios de utilização da rede mundial com um computador para, então, poder visualizar toda a gama de ofertas, produtos, serviços e operações ali disponibilizadas pelo empresário em seu web site. Eis os dois pontos essenciais que caracterizam um estabelecimento virtual: (i) Composição de bens incorpóreos e (ii) acesso virtual. A essa altura do trabalho, o tema encontra-se suficientemente maduro a comportar uma definição de cunho conceitual, sugerida da seguinte maneira: estabelecimento empresarial virtual é o complexo de bens organizados pelo empresário, dotado de nome de domínio, título e ponto eletrônico, destinado e suficientemente capaz para o exercício da empresa, na rede mundial de computadores, operado e explorado por empresário ou sociedade empresária. Atendendo à melhor didática da hipótese proposta, melhor que se destrinche o conceito: a) Complexo de bens organizados pelo empresário – esta parte inicial do conceito é necessária à salvaguarda da natureza jurídica de universalidade de fato. Da mesma forma, ao conceber um fundo virtual, o empresário reúne toda a sorte de bens para dar- lhe funcionamento, tais como, conforme mencionado, marcas, símbolos, insígnias, leiaute, nome de domínio 11
FINKELSTEIN, Maria Eugênia Rei. Aspectos Jurídicos do Comércio Eletrônico. Porto Alegre: Síntese, 2004. p. 66.
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e projeto de site. É a hábil articulação desses elementos que lhe permite o exercício da empresa no ambiente da rede mundial de computadores, alcançando consumidores antes inatingíveis.
b) Dotado de nome de domínio, título e ponto eletrônico – um fundo virtual prescinde, obrigatoriamente, de um nome de domínio habilitado na internet, pois é este elemento que irá conectá-lo aos usuários/consumidores, expô-lo no ambiente eletrônico, servir de título e, igualmente, de ponto de estabelecimento. Sem o nome de domínio não há que se falar em estabelecimento virtual, sendo requisito obrigatório para sua caracterização; c) Destinado e suficientemente capaz para o exercício da empresa – não se olvida, em nenhuma teoria conceitual de estabelecimento, que ele é necessário ao exercício da empresa. Ele é capaz de efetivar no plano concreto 12 o objeto social da empresa. Se a empresa tem por objeto o comércio varejista, é o estabelecimento o instrumento para alcance dessa finalidade, pois é através dele que o empresário venderá seus produtos aos consumidores finais. Assim, o estabelecimento virtual deve ser capaz de, sozinho, ainda que demande o suporte de mecanismos auxiliares 13, praticar a atividade lucrativa descrita em ato constitutivo. d) Operado e explorado por empresário ou sociedade empresária – um fundo virtual, por se utilizar de um sítio eletrônico projetado ao comércio, demanda o controle de seus elementos, destacando-se as atividades de atualização de página, revisão de textos e descrição de produtos, manutenção de provedores de internet, solução de conflitos/problemas típicos das ciências da programação, manutenção do status online ,14 controle das operações financeiras e gestão de estoque, dentre outras. E quem detém o monopólio dessa operação e exploração é, senão outro, o 12
Concreto enquanto ocorrido, acontecido, efetivado, diferente da concepção de real/físico. 13 Tais como centrais de estoque, escritórios administrativos e outros. 14 Diz-se que uma página (site) está online quando pode ser acessada por qualquer usuário de internet
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empresário, ainda que por seus colaboradores ou mandatários de qualquer tipo. É o empresário absoluto senhor da empresa, ainda que contrate os serviços especializados de hospedagem e manutenção de “webpages”. Conhecido o estabelecimento empresarial, imperativo que se apresentem algumas consequências de sua conceituação. 4.3.1 Proteção do Ponto Eletrônico Viu-se neste trabalho que o ponto comercial é o local onde o empresário comumente desenvolve sua atividade, conceito este criado sob o paradigma de um estabelecimento empresarial físico. O ponto comercial é considerado bem incorpóreo da azienda. Viuse, outrossim, que a importância do ponto liga-se diretamente ao bom êxito da empresa, de vez que o empresário ali finca sua base territorial com base em pesquisa mercadológica prévia. Ao menos, é o que pugnam as boas práticas do marketing comercial e da administração.
Há que se perceber, portanto, o quanto o local do estabelecimento contribui para a formação do lucro da empresa, se ele não for quase que essencial, pois, concorre para a formação da clientela, chega a integrar o aviamento e é fundamental para o bom proveito da atividade empresária. Resta saber se o estabelecimento empresarial virtual é dotado de semelhante bem intangível. Neste ponto, este trabalho caminha numa resposta positiva. Waine Domingos Perón adentra neste tema. Contudo, parece que vem a misturar os conceitos e não deixa claro se o ponto empresarial é o nome de domínio ou o próprio estabelecimento virtual: A nosso ver, pois, o web site transcende a qualificação de mero ponto virtual. Ele próprio é um estabelecimento, que dá funcionalidade à empresa no âmbito do espaço cibernético. Como é cediço, o ponto empresarial é o local onde se situa o estabelecimento, conferindo estabilidade à atividade por ele exercida, no trato com a clientela e os fornecedores, na logística já inerente a ele, na identidade com a vizinhança e
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captação de parcerias, etc. 15
Não se pode concordar que o web site – que, por ora, coincide com estabelecimento virtual – é, de per si, o ponto empresarial, de modo que o nome do domínio melhor se adequa aos conceitos deste instituto. No universo das coisas corpóreas, o comerciante quando, deseja adentrar em determinado estabelecimento, dirige-se a seu ponto mediante deslocamento físico. No mundo virtual, por sua vez, este deslocamento se dá mediante a aposição do nome de domínio no navegador que se utiliza. Digitado, ele conecta o internauta à página/estabelecimento. Ele é, sim, um local de desenvolvimento da empresa, mas situado naquele ambiente complexo e intangível que é a rede mundial de computadores, mesmo assim, preserva sua característica essencial, que é como servir de referência de determinada azienda. O nome de domínio, inclusive, também concorre para o bom êxito da empresa, seja por suas características próprias de boa memorização e/ou pelo reconhecimento do nome pelo mercado. Tanto é que se já pratica, a teor do aluguel de imóveis, negócios de aluguéis de nomes de domínios. 16 Esse negócio, inclusive, já sofre massiva especulação ,17 e pululam na rede de computadores modelos de contrato desta natureza. Por essas razões, há que se falar em parcialidade de equivalência dos conceitos – ponto empresarial e nome de domínio – pelas razões seguintes: (a) natureza jurídica 15
PERON, Waine Domingos. Estabelecimento Virtual no Espaço Cibernético. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito). FADISP, São Paulo. p. 128. Disponível em: <http://www.fadisp.com.br/ download/turma_m4/waine_domingos_peron. pdf>. Acesso em: 23 out. 2010. 16 Para fins de exemplo, sugere-se a visita virtual aos seguintes endereços: http:// www.absites.com.br/vendadesites.htm e http://www.alugueldominio.com.br/. 17 Empresários procuram registrar nomes de domínios de fácil memorização e de ampla utilização, como, por exemplo: www.imovel.com.br; www.advogado. adv.br; www.comprarápida.com e etc. Muitos têm interesse em contar com uma página com este nome de domínio, eis que sua divulgação é quase que natural e sua digitação, pelo internauta, é quase que intuitiva. Nestes casos, o próprio nome de domínio faz propaganda da página de internet que abriga
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idêntica: pois ambos se enquadram no conceito de bem incorpóreo; (b) função: de situar o local do estabelecimento, em seus respectivos ambientes – físico e virtual (c) capacidade: de concorrer ao bom êxito empresarial e (d) necessidade de proteção legal .18 Em outras palavras, pode-se falar que todo nome de domínio é ponto empresarial ,19 mas a recíproca jamais poderá ser verdadeira, pois os ambientes físicos e virtuais são separados por dimensões distintas. Marcelo Féres concorda com o posicionamento adotado:
Essas duas dimensões do e-commerce são bastante distintas, mas autorizam uma conclusão comum. O nome de domínio, em verdade, é um ponto virtual, e não um estabelecimento. Por ele o empresário relaciona-se com seus clientes. O site é elemento de referência espacial – no espaço virtual – do empresário; por seu intermédio, a clientela frequenta a empresa e adquire produtos e serviços.20
Cediço de que o ponto virtual é necessário ao bom funcionamento e proveito do estabelecimento virtual, razão pela qual sua proteção pelo direito é imperiosa. Entretanto, a par do que acontece com o título de estabelecimento ,21 este por si só não pode ser registrado, restando dificultada sua defesa que, diante deste cenário, poderá ser feita e caracterizada pelas maneiras seguintes: a) Proteção originária: decorre do próprio protocolo do DNS, que não permite o registro de nomes de domínios idênticos em mesma categoria ou país de origem ,22 contudo, essa proteção é muito 18
Quanto ao quarto critério acima descrito, de pronto, questiona-se sobre a forma de proteção, sabedor de que o ponto empresarial físico tem tutela jurídica própria, contudo, o item seguinte deste capítulo cuidará melhor deste particular 19 A partir deste momento, o presente trabalho adotará as expressões ponto eletrônico ou ponto empresarial virtual quando tratar do instituto convencional (ponto empresarial) aplicado à realidade dos estabelecimentos virtuais 20 FÉRES, Marcelo Andrade. Estabelecimento Empresarial: trespasse e efeitos obrigacionais. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 33 21 Encontrar nas páginas 48/49 o que foi explicado acerca da impossibilidade de se registrar títulos de estabelecimentos. Alterou página? 48 e 49. 22 Conforme esclarecimentos acerca de DNS feitos nas páginas 45 e 46.
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frágil e permite que o núcleo do nome de domínio seja repetido de forma exaustiva e pode colocar o consumidor em dúvida, razão pela qual o empresário deve utilizar a proteção seguinte.
b) Proteção indireta por coincidência: o empresário utiliza nome de domínio que coincide com sua marca ou nome empresarial devidamente registrados nos órgãos respectivos (INPI e Junta Comercial) e, diante de um caso concreto de usurpação daqueles (marca e nome) deverá requerer em juízo que este ou aquele site se abstenha de manter a utilização de nome de domínio causador de fundada dúvida entre a comunidade internauta. É bom registrar que não basta a repetição do núcleo do nome de domínio, mas que exista a efetiva ou potencial confusão entre os sites a que se referem. Há que se notar que as hipóteses descritas acima tratam da proteção ao nome do domínio por força do direito de propriedade que o empresário exerce sobre ele. Tal opinião é compartilhada com o jurista argentino Ricardo Lorenzetti: Os nomes de domínio são equivalentes a um direito de propriedade, são embargáveis e executáveis. O nome de domínio opera no âmbito da web e, portanto, tem as características que são próprias ao meio: é global, não respeita fronteiras nacionais, é ilimitado e regido pelo princípio da universalidade. Neste plano, é necessário diferenciá-lo das marcas, que têm um âmbito limitado ao registro nacional (princípio da territorialidade) e aos produtos que são registrados juntamente com ela (princípio da especialidade).23 [grifos do autor]
Aquelas defesas não amparam o empresário locatário de ponto eletrônico, que fica à mercê do proprietário que detém o registro do nome do domínio, tendo em vista a inexistência de legislação específica a respeito do assunto. Assim, nada mais natural do que o fato de esta dissertação buscar conclusões no sentido de achar tal guarida no direito já existente e se seria possível, em ultima 23
LORENZETTI, Ricardo L. Comércio Eletrônico. Tradução de Fabiano Menke; com notas de Cláudia Lima Marques. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 217
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ratio, aplicar o instituto de renovação ao ponto, construído para o estabelecimento físico na especificidade dos estabelecimentos virtuais.
Oscar Barreto Filho 24 ensina que a proteção ao ponto remonta a datas bastante antigas e cita a legislação portuguesa (Decreto de 12 de novembro de 1910), francesa (Lei de 30 de junho de 1926 e Decreto 24.150, de 20 de abril de 1934) e italiana (Lei de 27 de janeiro de 1963). As doutrinas e as jurisprudências do Brasil, Portugal, França e Itália cuidam, até hoje, de questões relativas ao contrato de locação empresarial e geram muitas dúvidas, principalmente se tal contrato se estende aos sucessores do estabelecimento sem anuência do locador. Fato é que se pode falar em verdadeiro direito ao ponto empresarial, conclusão sobre a qual não pairam dúvidas. Dessa feita, por dedução, também há que se falar em direito ao ponto eletrônico, uma vez considerado o nome de domínio como tal. No Direito brasileiro, a proteção ao ponto é tutelada pela vigente Lei de Locações que fixa base bem definidas para o exercício do direito ao ponto locado, todas elencadas em seu art. 51. Para a renovação, o legislador optou por 3 (três) requisitos mínimos: (a) forma – contrato escrito por tempo determinado; (b) tempo – 5 (cinco) anos de contrato, ainda que pela acessio temporis e (c) continuidade – devendo ter o empresário exercido o mesmo negócio pelo prazo de 3 (três) anos. Percebe-se claramente quanto ao último requisito que o legislador elegeu um lapso temporal condizente com a maturidade do negócio, criando uma presunção iuris et de iuris de que este prazo é suficiente para o alcance deste objetivo. Cumprido estes requisitos, o locatário poderá ingressar em juízo com o pedido de renovação da locação, mediante a conhecida ação renovatória. É de hialina clareza a percepção do elemento teleológico da norma: garantir o direito ao ponto empresarial. E tal poderia, numa análise perfunctória, ser aplicável por analogia aos casos de locação de ponto eletrônico. 24
BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do Estabelecimento comercial. São Paulo: Max Limonad, 1969
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É que a ação renovatória, embora inserta no mesmo diploma legal que cuida da locação de imóvel urbano, conforme claramente definido em seu preâmbulo, tem por objeto não tratar de mera locação de imóveis, mas sim garantir o chamado “direito de inerência” ao ponto empresarial. Entretanto, a economia legislativa – sempre conjugada com a fúria legiferante característica do Congresso Nacional – fez com que os assuntos fossem tratados conjuntamente. Contudo, o Direito Empresarial tem autonomia própria e não é mitigado ou inserto como mera divisão dos Direitos das Obrigações, ainda que suas maiores disposições estejam no Código Civil ou em legislações esparsas e de assuntos múltiplos. Portanto, a hermenêutica deve ser utilizada no caso em tela para interpretar os artigos 51 e seguintes da Lei de Locações de forma extensivamente, de modo a abarcar, outrossim, o ponto virtual. Até mesmo porque se assim não fosse considerar o nome de domínio como verdadeiro ponto empresarial não traria nenhuma aplicabilidade ou benefício ao Direito, mas, tão somente, debates sem escopos que não sejam puramente conceituais. A norma deve ser interpretada conforme os anseios e as realidades sociais e o comércio eletrônico demonstrou ser fenômeno que veio para ficar. O raciocínio deve ser dedutivo: (b) se nome de domínio é ponto empresarial; (b) se o empresário faz jus à inerência ao ponto e (c) se a legislação brasileira trata do direito ao ponto em lei específica. Logo, a conclusão não é outra senão a de que referida lei se aplica a todo e qualquer ponto empresarial. Até mesmo porque os requisitos legais para a ação renovatória são plenamente aplicáveis aos pontos virtuais, vez que não há embargo na contratação escrita e por prazo determinado, lapso temporal de 5 (cinco) anos de contrato ou pelo exercício de mesma natureza pelo prazo mínimo de 3 (três) anos. Poderia se falar, ainda, em princípios gerais como, por exemplo, função social do contrato e função social da propriedade. Mas apenas os ditames específicos da ciência do Direito Empresarial bastam para solver esta razoável dúvida, sob pena de esta hipótese recair em infinito palco de discussão genérica. O empresário, por seu turno, que quiser se valer das benesses 90
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da renovação de ponto empresarial na modalidade virtual deverá, antes de vencida a locação, ajuizar a ação renovatória e requerer a antecipação parcial da tutela pretendida, com fulcro no art. 273 do Código de Processo Civil, para resguardar o jus fruendi do nome de domínio, pois tal direito poderia ser suprimido facilmente, ao mero clique de um mouse25 pelo locador. Mesma facilidade não teria o senhorio de um imóvel sujeito à burocracia de um processo de despejo. Girando o prisma da renovação do ponto, há que se levantar as hipóteses de exceções à ação renovatória que poderão ser opostas ao locatário, consubstanciadas no art. 52 da Lei de Locações: Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se: 1. - por determinação do Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificações de tal natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade; 2. - o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente. §1º Na hipótese do inciso II, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de comércio, com as instalações e pertences. §2º Nas locações de espaço em shopping centers , o locador não poderá recusar a renovação do contrato com fundamento no inciso II deste artigo. §3º O locatário terá direito a indenização para ressarcimento dos prejuízos e dos lucros cessantes que tiver que arcar com mudança, perda do lugar e desvalorização do fundo de comércio, se a renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em melhores condições, ou se o locador, no prazo de três meses da entrega do imóvel, não der o destino alegado ou não iniciar as obras determinadas pelo Poder
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Vocábulo inglês que indica equipamento periférico de computador, destinado ao movimentar de setas e cursores em tela de trabalho. A tradução livre corresponde a rat.
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Público ou que declarou pretender realizar.
De plano, no âmbito do ponto virtual, há que se negar aplicação à primeira parte do inciso primeiro, pois as obras citadas são, por excelência, de alvenarias próprias da engenharia civil e adequadas à política de zoneamento urbano do local do ponto. De mesma forma, deve negar aplicação à segunda parte do inciso, pois um mero nome de domínio não comporta obras em sua estrutura. Neste particular, forçoso fazer a distinção do nome de domínio e do próprio site/estabelecimento, pois somente este último teria aptidão de sofrer melhorias estruturais. Portanto, igualmente inaplicáveis os parágrafos primeiro e segundo. Quanto ao inciso segundo, este sim poderia ser oposto ao locatário de ponto virtual, pois bastante crível que o locador ou seus familiares diretos dele se valham para O exercício de empresa própria. Entretanto, se assim não procederem, deverão indenizar o locatário nos termos do parágrafo terceiro. 4.3.2 Aviamento de Estabelecimento Virtual Além da proteção do ponto eletrônico, outras implicações podem se verificar do reconhecimento empresarial virtual, tais como: tipo de clientela, aferição do aviamento, trespasse e como efetivar a cláusula de proibição de concorrência, isso no âmbito do direito empresarial. As linhas adiantes tratarão de estudar tais implicações. Viu-se que o aviamento é, em verdade, uma aptidão/atributo/ característica do estabelecimento que pugnaria pela sua capacidade de gerar bons resultados. O aviamento é fruto da específica organização feita pelo empresário quando da reunião dos bens de seu estabelecimento e não se confunde com o potencial lucrativo do objeto social, pois este é idêntico para todos os exercentes de mesma atividade econômica. O aviamento implica a existência de um sobrevalor ao estabelecimento, que não poderá, pois, ser avaliado economicamente apenas pela consideração da expressão financeira de seus bens, mas, igualmente, pelo potencial lucrativo 92
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que possui decorrente de sua boa organização .26 A doutrina, até hoje, cuidou de verificar o aviamento em conceito aplicado a uma realidade física, mas não existe nada consolidado acerca do virtual. Ocorre que, assim como uma loja de comércio material, o estabelecimento virtual também deve reunir elementos e organizálos de forma tal que proporcione facilidade, segurança, clareza de informações e suporte necessário a sua freguesia, de modo a ser reconhecido por tais características e, assim, ligar-se, diretamente, ao bom êxito da empresa. No entanto, no que toca a um sítio eletrônico voltado para a empresa, pode-se identificar com clareza elementos e características capazes de lhe gerar determinado sobrevalor: visual agradável, detalhamento dos produtos/serviços negociados, segurança no tráfego de informações, existência de acompanhamento de pedidos, mecanismos de cálculo automático de valor de fretes e outros encargos, formas de pagamento diversas e suporte online, dentre outros. Considerando-se o mercado de comércio eletrônico brasileiro,27 pautado por uma clientela jovem, com bom nível de escolaridade e renda familiar, o aviamento de estabelecimento virtual deve ligar-se, ainda, a elementos visuais de boa estética, com alto apelo à tecnologia de ponta, boa escrita e meios de pagamento eletrônico em tempo real. Entretanto, dentre todos estes atributos, um deles se destaca e merece maior atenção: a segurança das operações. Tendo em vista que o comércio eletrônico se dá sem que haja o contato físico do consumidor com o operador do empresário, o 26
A questão do aviamento é o palco das maiores discussões em negócios de transferências de estabelecimentos, principalmente quando o assunto é quantificar este valor adicional. As ciências econômicas e contábeis tentam traçar critérios objetivos para essa finalidade, contudo, não se pode olvidar que se trata de prognosticar o inesperado, pois as condições de sucesso de um negócio são rapidamente alteráveis por fatores humanos, sociais e naturais 27 Segundo o site www.e-commerce.org.br, maior parcela de consumidores brasileiros de comércio virtual: possui renda média mensal entre R$1.000,00 a R$3.000,00 (38%); enquadra-se na faixa etária de 25 a 49 anos (70%) e possui superior completo (32%). (Acessado em 20 de Maio de 2.011).
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elemento confiança tende a ficar prejudicado, pois, prima facie, não se consegue identificar quem são as pessoas por detrás daquele empreendimento ou, ainda, alguém com quem se pudesse “tirar satisfações” no caso de um negócio mal finalizado. Sem falar que a internet também é palco de inúmeros atos ilegais, tais como: invasões a redes privadas, desvio de dinheiro de contas correntes, quebra de sigilo bancário e de correspondência eletrônica e tantas outros que foram e que podem ser perpetrados sob influência de nefasta intenção. Geralmente, os atores destes atos são conhecidos como “hackers”. 28 Para Maurício Devoto, sem segurança, o comércio eletrônico não pode se desenvolver como mercado apropriado:
Para que mercado digital global torne-se um meio adequado para o comércio, deve haver uma maneira de garantir que os emissores e receptores de informações digitais possam ser identificados com algum grau de certeza de que as informações prestadas não foram alteradas. Para entender o tipo de solução é necessária para implementar uma infra-estrutura global de informações necessárias para compreender o tipo de tráfego comercial que é procurado pelas redes. 29 [tradução livre]
Segundo Maria Eugênia Finkelstein, vários dispositivos já foram criados no sentido de aprimorar a segurança em transações de internet, destacando-se os sistemas de controle de acessos, de tráfegos de informações autorizadas – por programas denominados 28
Vocábulo inglês sem correspondente na língua portuguesa. Tradução livre de “para que dicho mercado global se convierta en un medio apropiado para el comercio, debe existir una forma de asegurar que los emisores y receptores de dichos ceros y unos puedam ser identificados con cierto grado de certeza y que la información transmitida no haya sufrido alteraciones. Para comprender el tipo de solución que se necesita a efectos de implementar una infraestructura global de informaciónes indispensable entender el tipo de tráfico comercial que se desea efectuar por las redes”. DEVOTO, Maurício. Claves para el êxito de uma infraestructura de firma digital: La importância de la intervención notarial en la solicitud del certificado de clave pública”. SILVA JÚNIOR, Ronaldo Lemos da; WAISBERG, Ivo (Org.) Comércio Eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 121.
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como “firewalls”, criptografia, monitoramento e assinaturas digitais que são, em maior escala, utilizadas em operações bancárias e notariais/oficiais, conceituadas. Reforça a autora, da seguinte maneira:
Desta forma, enquanto assinatura é pessoal, físico e intransferível, a assinatura digital é uma seqüência de bits, representativos de um fato, registrados em um programa de computador. É um comando que identifica a origem e o remetente, sendo muito similar à senha do cartão bancário eletrônico. Apesar dessas diferenças estruturais, porém, a assinatura digital cumpre as mesmas funções da assinatura física, quais sejam: 1) identificação do autor do documento; 2) paternidade e vinculação às obrigações nele constantes;e 3) função probatória. 30
Assim como pode existir grau de incerteza em desfavor do consumidor de comércio eletrônico, no que diz respeito ao agente empresário que faz a oferta mesma insegurança pode se efetivar em desfavor do empresário, que, virtualmente estabelecido, pode não ter a certeza de que seu cliente é, de fato, a pessoa que se obrigou em negócio. É por isso que a segurança da troca de informações eletrônicas é vital para o sucesso do negócio eletrônico e para o aviamento do estabelecimento virtual. 4.3.3 Clientela Ao contrário do que se possa pensar, a clientela de estabelecimento virtual não é, igualmente, virtual. Esse pensamento é, a bem da verdade, uma confusão semântica que se faz em relação à comunidade que realiza compras no ambiente eletrônico, mas que, contudo, é real e corresponde a determinada pessoa física ou jurídica que realiza o negócio. O estabelecimento pode ser virtual em razão de não ser uma pessoa, razão pela qual é um objeto de direito. O 30
FINKELSTEIN, Maria Eugênia Rei. Aspectos Jurídicos do Comércio Eletrônico. Porto Alegre: Síntese, 2004. p. 172.
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consumidor, por seu turno, sempre será um sujeito de direito.
Neste trabalho, adotou-se o entendimento de clientela como o resultado do aviamento consistente no conjunto de pessoas que usufruem do estabelecimento para adquirir bens e serviços. Quanto ao estabelecimento virtual, contudo, há que mencionar que existem meios operacionais objetivos que permitem, com maior facilidade, reconhecer a clientela, conhecidos por “sistemas de cadastro eletrônico”. Por eles, o empresário colhe informações necessárias à identificação do cliente, tais como, mas sem limitarse isso a, endereço, idade, número de inscrição na Receita Federal (CPF), número de identificação do registro geral (RG) e endereço de correspondência eletrônica (Email). Consegue, ainda, por meio de identificação de acesso 31, verificar quais as seções comerciais mais visitadas por cada cliente, podendo, assim, direcionar sua mídia publicitária de acordo com os interesses demonstrados por aquele. No mesmo passo que possui facilidades de cadastro conhecimento do perfil da clientela, existem outras dificuldades/desvantagens quanto à sua fidelização, tendo em vista que o consumidor pode visitar inúmeros estabelecimentos virtuais de forma simultânea. No ambiente virtual não há que se falar em amarras territoriais. Aliás, a razão de os empresários se lançarem neste ambiente é a de, justamente, ampliar seu âmbito de atuação e chamar para si fregueses de outros estabelecimentos, ante uma comodidade global de situar-se próximo de qualquer pessoa com um computador dotado de acesso à rede mundial. Na rede, não se limitam os acessos dos usuários que podem, assim, navegar por páginas de empresários locais ou longínquos. Daí a razão de se não poder aceitar a teoria de Waine Domingues Perón, ora transcrita: “No ambiente virtual, podemos dizer que a freguesia é aquela comunidade formada pelos chamados blogueiros, ou seja, um grupo seleto de pessoas que comungam de pensamentos semelhantes e que formam uma
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Por meio do endereço IP (Internet Protocol), é possível descobrir quais foram os sites visitados por determinado ponto de acesso, como computadores pessoais ou de redes domésticas, corporativas e públicas.
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espécie de vizinhança virtual.” 32
Como o autor não explica o pensamento acima, limitandose a jogar a ideia ao vento, procurar-se-á aqui clarear a hipótese e reforçar sua inexatidão. Inicialmente, forçoso esclarecer que o blog é uma página privada da rede mundial, utilizada (geralmente) por única pessoa, que possui a mesma (ou similar) utilidade dos conhecidos diários pessoais, 33 cadernos que abrigam as escritas íntimas, opiniões e pensamentos de seu titular. A diferença mais eminente de um diário para um blog é que este último é publicado na rede mundial, tornando-se visível a quem quer que queira acessálo. O escritor de um blog é conhecido por “blogueiro” e existem as comunidades firmadas por pessoas, “blogueiros” ou blogs parceirosque comungam opiniões diversas. Mesmo assim, o fato de se reunirem em páginas similares não configura, per si, limitação ou critério regional, de modo que não há que se falar em “vizinhança virtual”. Afinal, de qualquer modo, apenas a página de blog pode situar-se em mesmo ambiente virtual. O consumidor internauta, por seu turno, é livre e pode negociar com quem quer que seja. Logo, inexorável o entendimento da inexistência de uma freguesia virtual. Quanto à clientela de estabelecimento virtual, evidente sua existência, contudo, não parece ser de bom tom em considerá-la virtual, pois, crê-se que apenas o estabelecimento e o acesso o são. José Olinto de Toledo Ridolfo vai mais além e entende que a clientela de um empreendimento digital chega a ser verdadeiro bem, um ativo das empresas digitais; Se, de alguma forma, a Clientela compunha, no passado, um dos elementos constitutivos do corpo etéreo do que conhecemos por Fundo de Comércio, com o advento da Internet a Clientela, neste caso, o Usuário ou Internauta, 32
PERON, Waine Domingos. Estabelecimento Virtual no Espaço Cibernético. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito). FADISP, São Paulo. p. 138. Disponível em: <http://www.fadisp.com.br/ download/turma_m4/waine_domingos_peron. pdf>. Acesso em: 23 out. 2010 33 Que nada tem a ver com o livro diário, de escrituração obrigatória a todos os empresários, conforme art. 1.180 do Código Civil Brasileiro.
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ganhou a dimensão de Ativo Imaterial. A tal ponto é um ativo que é objeto de transação de Cessão e Transferencia, quando de Venda e Compra simplesmente, sob a égide da denominada Base de Assinantes ou, ainda, Plataforma de Assinantes. É tido, pelas empresas deste segmento como Ativo, ainda que volátil, e tem seu preço de mercado perfeitamente definível quando comparado aos custos de captação de um usuário individual. Sofreu, recentemente no Brasil, grande variação em seu “preço” por força do ingresso no mercado do Provimento de Acesso Gratuito que, contudo, não impediu que ocorressem várias transações tendo por objeto a “Base de Assinantes”. Hoje, a Clientela, ou melhor, o Conjunto de Usuários, passa por uma transformação de significativa importância. Os mecanismos de acesso e a oferta de conteúdo já lhe são suficientemente conhecidos de forma a permitir-lhe melhores condições de escolha e, portanto, definição de preferência. Aqui ocorre o primeiro acontecimento importante para inserção da Clientela/Usuário como elemento componente da valoração de um Empreendimento Digital, Considerando o fato de que a Clientela/Usuário já tem dado mostras de preferência quanto a certos Conteúdos, forma de aproximação e condições tecnológicas de conectividade, é possível estabelecer-se mecanismos de fidelização mais eficazes e, com isto, garantir um volume “estável” de Usuários e que, neste caso, passam a condição de Assinantes de determinado Portal ou Site. Assim, o planejamento e o direcionamento comercial e tecnológico de um determinado empreendimento digital podem ser feitos tomando-se por base dados mais confiáveis e, sobretudo, auditáveis, como tem sido o caso, por várias empresas dedicadas a esta tarefa, seja em âmbito nacional (IVC), seja em âmbito internacional (IPRO-USA). Esta audiência auditada é, portando, outro elemento de valoração de um Empreendimento Digital oriundo única e especificadamente da Clientela/Usuário. 34
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RIDOLFO, José Olinto de Toledo. Aspectos da Valoração do Estabelecimento Comercial de Empresas da Nova Economia. In: LUCCA, Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto (Coord.). Direito e Internet – aspectos jurídicos relevantes. Bauru: Edipro, 2001. p. 266
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Embora o autor do trecho acima transcrito tenha opinião bastante alinhada com a hipótese deste trabalho, não se pode concordar com a tese esposada de que a clientela é ativo do estabelecimento, pois este vocábulo prende-se, conceitualmente, à ideia de coisa ou de direito economicamente valorativo cujo resultado se opere futuramente. É indissociável, para a apreensão do conceito de ativo, que se tenha em mente a perspectiva de benefício futuro, tal como explica o contabilista André Moura Cintra Goulart:
Depreende-se, portanto, que precisa estar incluído no ativo, em sua parte mais íntima, em seu âmago, em seu cerne, um direito específico a benefício futuro. Assim, vai sendo clarificada a importância fundamental da idéia de benefícios futuros na conceituação do termo ativos. 35
A clientela, sob nenhuma hipótese, poderia ser considerada como “bens de estabelecimentos”. A uma porque não é coisa (res); a duas, porque o mero cadastro, seja ele físico ou digital, não implica negócios futuros; e, por derradeiro, em razão de que, ainda que existam clientes fidelizados, por força de contrato de assinatura ou outro qualquer, o que se transmitiria seriam os direitos dos contratos firmados, e não a clientela propriamente dita. Sem falar que o autor tem em perspectiva não um site destinado ao comércio – aqui denominado de “estabelecimento comercial virtual” – mas um empreendimento de provedor de internet ou de acesso a canal de notícias. Tais atividades, contudo, não criam obrigações distintas daquelas oriundas de um contrato de fornecimento de energia elétrica ou de assinatura de revistas, jornais e periódicos, ainda que por intermédio de um estabelecimento virtual, que, em caso de trespasse – tal como ocorreria nos exemplos mencionados (energia elétrica e assinatura de mídia impressa 35
GOULART, André Moura Cintra. O Conceito de Ativos na Contabilidade. Um fundamento a ser explorado. Revista Contabilidade e Finanças, USP. Disponível em: <http://www.eac.fea.usp.br/ cadernos/completos/cad28/Revista_28_parte_4. pdf>. Acesso em: 14 abr. 2011
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–, o que se transmitiria seria os direitos e obrigações contratualmente assumidas, mas jamais a clientela.
A existência de cadastro de usuários, tal como posta pelo autor, poderia, ainda, sugerir a existência de aviamento e de sobrevalor financeiro ao empreendimento e, sob uma perspectiva da ciência econômica, sugerir a potencialidade do mercado explorado. Portanto, adere-se à opinião de Marino Luis Postiglione: Enfim, podemos entender que não há no trespasse a cessão de clientela, pois não seria possível, por ato contratual, fazer com que os clientes se transferissem de um estabelecimento a outro, ou, ainda, certo estabelecimento. O que pode ocorrer em contrato é a avença de abstenção de concorrência, isto é, de determinado comportamento do alienante quanto a sua antiga freguesia. Isso, contudo, não significa a cessão de freguesia, que teria a conotação de transferência. A que se visa, efetivamente, é impedir a interferência na preferência de fregueses, visto que essa preferência é ato de vontade de quem prefere, no caso, é ato de vontade de cada um dos clientes. 36
4.3.4 Proibição da concorrência no âmbito dos estabelecimentos virtuais Não se discorda que, para que um mercado evolua a atenda aos anseios sociais, deve haver uma leal competição entre os agentes operantes (fornecedores de serviços e produtos), de modo que a população consumidora tenha acesso efetivo aos bens da vida que lhe são necessários e sem ficarem expostas à nefasta exploração. Entretanto, o ambiente de mercado, sob pena de colapso, deve permitir que qualquer agente nele ingresse e tire seu sustento, sem a existência de mercados cativos (monopólios). Daí que se tem a noção de prejuízo de adquirente de estabelecimento quando o alienante, imediatamente após a venda, lhe faz concorrência direta. É que a aquisição de fundo de comércio representa investimento que quase 36
POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial: o estabelecimento e seus aspectos contratuais. Barueri: Manole, 2006. p. 120.
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nunca é de pouca monta, de certo que o médio investidor aposta suas fichas e seu patrimônio no novo negócio. O alienante, por sua vez, conta os inúmeros benefícios oriundos da experiência, sem falar que conhece os pontos fracos e fortes do estabelecimento vendido: reconhece o perfil de seus clientes, a situação econômica deles, além de identificar os fornecedores, a tabela de preços do mercado e outras informações privilegiadas. Assim, caso concorra com novo proprietário, estará em situação de extrema vantagem. Nada impede, contudo, que o adquirente não se importe com iminente e imediata concorrência, podendo, na fruição de sua autonomia da vontade, pactuar cláusula que permita o restabelecimento, como se viu alhures. Caso não o faça, aplica-se o dispositivo legal previsto no Código Civil Brasileiro, e o alienante não pode com ele concorrer pelo prazo de 5 (cinco) anos. Mas qual seria os limites e confrontações desta limitação? Maria Antonieta Lynch de Moraes explica que o restabelecimento proibido abrange aspecto temporal, de objeto e geográfico:
Podemos concluir, portanto, que é lícita a estipulação contratual que obsta o restabelecimento, desde que subordinada a condições temporais, geográficas e substanciais. Desta forma, temos que: - no que se refere ao aspecto temporal, a convenção impediente não pode impor ao alienante uma abstenção permanente de concorrência, pois configuraria uma renúncia definitiva ao direito de exercer determinada atividade econômica, o que é irrenunciável por excelência; - no que se refere ao objeto da convenção, ou seja, ao aspecto substancial do pactuado, a restrição está relacionada ao ramo de atividade desenvolvida pelo estabelecimento titular da clientela e não a outro tipo de atividade; - e, finalmente, no que se refere ao aspecto geográfico, a abstenção de concorrência restringe-se à zona em que ela se trava, não sendo válida fora do âmbito de influencia dos estabelecimentos concorrentes. 37
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MORAES, Maria Antonieta Lynch de (s.n.t.) apud TOKARS, Fábio. Estabelecimento empresarial. São Paulo: LTr, 2006. p. 129.
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O aspecto que por ora merece maior destaque é o geográfico: entende a autora que o restabelecimento fora da zona de concorrência afasta a influência de estabelecimentos concorrentes, pois não seria capaz de ofuscar/prejudicar a fruição do negócio explorado pelo fundo adquirido. Barbosa de Magalhães caminha por mesma senda:
Procurando afastar esse risco, convencionam-se cláusulas pelas quais o alienante se obriga a não se estabelecer com o mesmo ramo de comércio na mesma rua, no mesmo bairro, ou na mesma localidade, durante certo tempo, variando essas restrições quanto à localização e ao tempo, segundo as circunstâncias. 38 Requião, captando lição de Ripert, explica que a proibição da concorrência pode se operar de forma lícita ou ilícita – quando se propuser, em essência, à formação de mercados cativos ou que impeçam o agente de exercer nova atividade lucrativa – mas que, de qualquer modo, para que tal restrição fosse válida, teria que atender critérios objetivos de tempo, gênero de comércio e espaço: “A clientela é, geralmente, local. Na venda de estabelecimento comercial, nenhum prejuízo sofreria o adquirente se o vendedor fosse estabelece-se em outra cidade [...]” . Oscar Barreto já insinuava idêntica posição: Após essa dilucidação, afigura-se, do mesmo modo, plenamente lícita a estipulação de cláusula obstatória do restabelecimento, desde que subordinada a condições precisas de tempo, espaço ou objeto. Tal pacto, importando limitação convencional à liberdade de concorrência, deve ser restrita ao gênero de negócio, e às circunstâncias de duração e de território que tornem provável o desvio de clientela do estabelecimento que foi objeto de trespasse. Não se trata de proibir ao alienante, in genere, o exercício de qualquer atividade comercial ou industrial, ou da mesma atividade, quando, pela distância no tempo ou no espaço, não se configure como exercida com o intuito de fruir das vantagens propiciadas pelas relações particulares anteriores e com os clientes do estabelecimento transferido.
38 MAGALHÃES, Barbosa de. Do Estabelecimento Comercial. Estudo de Direito Privado. Colecção Jurídica Portuguesa. 2. ed. São Paulo: Ática, 1964. p. 281.
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Se a limitação geográfica é possível, mensurável e bem delimitada a ponto de proteger o estabelecimento físico, o mesmo não ocorre na senda dos estabelecimentos virtuais. É que o ambiente virtual da rede mundial de computadores é indiviso, não havendo fronteiras para sua demarcação. Os sites situam-se em território único, como se dispostos paralelamente e acessáveis de forma simultânea. Um usuário pode ao mesmo tempo navegar por páginas de fornecedores americanos e japoneses, na velocidade de um toque das teclas de seu computador. Portanto, há que se considerar a internet como ambiente territorial único, de modo que na hipótese de trespasse de fundo virtual o alienante não possa concorrer com o adquirente na rede mundial no prazo prescrito em lei e no mesmo ramo de negócios. 4.4 CONCLUSÕES O estabelecimento empresarial compreende o conjunto de bens corpóreos e incorpóreos reunidos pelo empresário para o exercício da empresa, tal como ditado pelo Código Civil pátrio. Deste conceito, há que se extrair sua natureza jurídica de universalidade de fato e que é o ferramental que, efetivamente, possibilita o exercício da empresa pelo empresário. É o estabelecimento que lhe confere condições objetivas de praticar a atividade lucrativa descrita no objeto social. O comércio eletrônico é o fenômeno que caracteriza as operações comerciais e financeiras praticadas por intermédio da rede mundial de computadores (internet). Se em tempos antigos a realidade empresarial se limitava ao âmbito de alcance de seu estabelecimento físico, atualmente pode ultrapassar todas as barreiras globais pelo intermédio de um site que, além de fazer a oferta de produtos/serviços, possibilita a efetiva prática do objeto social. Os sites que, dotados de sistemas computadorizados que consigam em seu ambiente na rede efetivar a atividade negocial descrita em objeto social, ainda que com o concurso de elementos auxiliares – tais como os galpões de estoque, escritórios e outros 103
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– são, à luz do direito empresarial, verdadeiros estabelecimentos empresariais virtuais, de composição por bens incorpóreos, em sua maioria. Dentre os bens do estabelecimento empresarial virtual, destaca-se o nome de domínio, comumente conhecido por “endereço virtual”. O nome de domínio, quando digitado na barra de endereços de programa destinado à navegação na rede mundial, faz a conexão do usuário/internauta com o site do empresário. O nome de domínio é registrado seguindo o padrão internacional Domain Name System. Este sistema exige que o nome de domínio indique: (i) a classificação do site – exemplos: .com para comerciais; .org para organizações não governamentais e (ii) o país de sua origem – exemplos: .br para Brasil;
.it para Itália. Portanto, o estabelecimento empresarial virtual é o complexo de bens organizados pelo empresário, dotado de nome de domínio, título e ponto eletrônico, destinado e suficientemente capaz para o exercício da empresa na rede mundial de computadores, operado e explorado por empresário ou sociedade empresária. O nome de domínio não aceita repetição em mesma categoria e possui características que lhe conferem, igualmente, função de título de estabelecimento e ponto virtual. Logo, o empresário que locar ponto virtual poderá, tal como o locatário de fundo físico, pretender em juízo a renovação do contrato de locação. É que, a bem da verdade, a ação renovatória não é mero instrumento processual sem embasamento, pelo contrário. A ação renovatória é a positivação do que se chama de “proteção ao ponto”, caso este não decorra do direito de propriedade. Assim, os requisitos da ação renovatória, pautados em critério que, quando preenchidos, revelem a valorização e importância do ponto para o empresário, podem ser estendidos em prol de empresário que se valham de ponto virtual (nome de domínio locado). O estabelecimento virtual, conquanto composto de bens incorpóreos, primordialmente, possui ainda um projeto de site, traduzindo-se no sistema computadorizado de programação que permite a realização de compras, as transferência de valores, o cadastros de clientes, o suporte ao consumidor e demais atividades inerentes ao escopo empresarial. O projeto de site, quando bem 104
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estruturado, pugna pelo aviamento eletrônico. O aviamento de estabelecimentos
Virtuais pode ser chamado de “aviamento eletrônico” e decorre, além das características pessoais do empresário, de características próprias do site, tais como: segurança no tráfego de informações, cadastro detalhado de produtos/serviços, suporte ao consumidor em tempo real, disponibilidade na rede sem interrupções, nome de domínio com fácil memorização, leiaute agradável e sem poluição visual/sonora e outros atributos capazes de chamar a atenção da clientela. A clientela, por seu turno, sempre será real, e não virtual, pois cada internauta/usuário que negocia com o fundo virtual corresponde a pessoa real, seja física ou jurídica. Como a internet não possui fronteiras, impossível falar-se em freguesia dos estabelecimentos virtuais. Caso ocorra o trespasse de estabelecimento virtual, mas o contrato não permite o restabelecimento, o alienante não poderá concorrer com o adquirente na rede pelo prazo de 5 (cinco) anos, no mesmo ramo de negócios, pois não existe a possibilidade de limitar geograficamente os endereços de navegação da internet. Contudo, nada impede que o alienante exerça o comércio na rede nas outras modalidades possíveis: B2C, B2B ou C2C.
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