ESTUDOS E PESQUISAS EM EMPRESARIAL NA CONTEMPORANEIDADE PROPRIEDADE INTELECTUAL E TECNOLOGIA
CARLOS ALBERTO ROHRMANN Volume II 2016 Autores Alexandre de Castro Dantés Carlos Alberto Rohrmann Frederico Félix Gomes
Conselho Editorial Carlos Alberto Rohrmann Jason Soares de Albergaria Neto Ricardo Adriano Massara Brasileiro Rodolpho Barreto Sampaio Junior VinĂcius Jose Marques Gontijo
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Estudo e pesquisa empresarial na contemporaneidade : argumentos propriedade intelectual e tecnológica / Alexandre de Cstro Dantés, Carlos Alberto Rohramnn, Frederico Félix Gomes.- Belo Horizonte, MRT, 2017 ISBN: 978-85-9471-016-1
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1 Propriedade intelectual 2- Direito empresarial 3. Informática 4 Sistemas de recuperação da informação I Dantés, Alexandre de Castro II Rormann, Alexandre de Castro, III Félix, Frederico IV Título
E82 CDU: 347.78:007
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Editoração Eletrônica e Projeto Gráfico - Amanda Caroline Capa - Amanda Caroline Editor Responsável: Mário Gomes da Silva Revisão: os autores Editora RTM - MARIO GOMES DA SILVA – ME Rua João Euflásio, 80 - Bairro Dom Bosco - BH - MG - Brasil Cep 30850-050 Tel: 31-3417-1628 - 9647-1501 E-mail: rtmeducacional@yahoo.com.br Site: www.editorartm.com.br Loja Virtual: www.rtmeducacional.com.br
Conselho Editorial: Andréa de Campos Vasconcellos Antônio Álvares da Silva Antônio Fabrício de Matos Gonçalves Carlos Henrique Bezerra Leite Cleber Lucio de Almeida Ellen Mara Ferraz Hazan Gabriela Neves Delgado Lívia Mendes Moreira Miraglia Marcella Pagani Marcio Tulio Viana Maria Cecília Máximo Teodoro Raimundo Cezar Britto Renato Cesar Cardoso Rômulo Soares Valentini
SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .......................................................................... 7 CAPÍTULO - 1 MARCAS REGISTRADAS E NOMES DE DOMÍNIO ................. 9 1.1 O PROBLEMA DA CONCORRÊNCIA DESLEAL........................................... 9 1.2 A ICANN E A ARBITRAGEM INTERNACIONAL ............................ 18 1.3,,O REGISTRO DOS NOMES DE DOMÍNIO NO BRASIL E A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA PREDOMINANTE SOBRE OS CONFLITOS COM AS MARCAS. ............................................................... 22 1.4,,SOLUÇÕES PARA OS CONFLITOS DE NOMES DE DOMÍNIO BUSCADAS NO DIREITO COMPARADO................................................. 31 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 35
CAPÍTULO - 2 A ANÁLISE DA PROTEÇÃO DOS CONTRATOS DE SOFTWARE NA HIPÓTESE DE FALÊNCIA DO DESENVOLVEDOR ..................................................................... 37 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 37 2.1,,PERSPECTIVAS DISTINTAS QUANTO AO TRATAMENTO DE BENS: PROPRIEDADE INTELECTUAL VS. SISTEMA FALIMENTAR. 41 2.2 A PERSPECTIVA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL .................... 42 2.3 A PERSPECTIVA DO SISTEMA FALIMENTAR................................. 50 2.4,O CONTRATO DE DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARE COMO OBJETO DE ESTUDO E A PROBLEMÁTICA DA FALÊNCIA DO LICENCIANTE. ............................................................................................ 56 2.5,ESCROW DO CÓDIGO-FONTE COMO MECANISMO DE PROTEÇÃO (INCOMPLETA) DOS CONTRATOS DE DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARE.................................................... 65 2.6 CONCLUSÃO ......................................................................................... 74 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 76
CAPÍTULO - 3 REVISÃO SOBRE O PRINCÍPIO DA EXAUSTÃO NACIONAL DAS MARCAS E PATENTES NO BRASIL: UMA VISÃO LEGAL E JURISPRUDENCIAL ................................................................ 79 3.1 INTRODUÇÃO........................................................................................ 79
3.2 IMPORTAÇÃO PARALELA .................................................................. 81 3.3 CONCLUSÃO........................................................................................ 104 REFERÊNCIAS ........................................................................................... 115
APRESENTAÇÃO
O ano 2016 foi de grandes desafios para a propriedade intelectual no Brasil. Por um lado, o INPI começa a conceder patentes de sistemas de fluxogramas de programas de computador com maior desenvoltura. Por outro lado, o poder judiciário começa a enfrentar a discussão acerca da validade de tais patentes. A presente obra reflete a pesquisa comparada realizada no âmbito do programa de mestrado da Faculdade Milton Campos, no projeto de pesquisa sobre propriedade intelectual na contemporaneidade. Trata-se de pesquisas que envolvem o direito de marcas, os direitos autorais e as patentes que vem sendo realizada ao longo dos últimos anos.
Carlos Alberto Rohrmann Doutor em Direito (Doctor of the Science of Law) pela University of California, Berkeley (2001), possui também mestrado em Direito (Master of Laws - LL.M.) pela University of California at Los Angeles - UCLA (1999), ambos revalidados pela UFMG, mestrado em Direito Comercial pela Universidade Federal de Minas Gerais (1999), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos (1996) e graduação em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Minas Gerais (1994), Titular da Cadeira n. 16 da Academia Mineira de Letras Jurídicas, Procurador do Estado de Minas Gerais, Advogado.
Estudos e Pesquisas em Direito Empresarial na Contemporaneidade. Propriedade Intelectual e Tecnologia. Vol. II
CAPÍTULO 1
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MARCAS REGISTRADAS E NOMES DE DOMÍNIO
CARLOS ALBERTO ROHRMANN E-mail: crohrmann@mcampos.br
1.1
O PROBLEMA DA CONCORRÊNCIA DESLEAL
Uma das primeiras questões jurídicas que surgiram com o advento do uso comercial da internet foi a que se relaciona ao endereçamento e à atribuição de nomes para os web sites, devido ao potencial conflito com as marcas registradas. Sabe-se que cada computador e cada web site da internet estão associados a um único endereço, o “endereço IP” que é utilizado para localização. Uma vez que os endereços IP são formados por quatro bytes, a sua numeração, que é de 0 a 255, resulta em endereços exclusivamente numéricos, com quatro números de 0 a 255, separados por pontos, algo do tipo “17.129.203.241”. O endereço numérico é difícil de ser utilizado pelas pessoas e pelo comércio eletrônico, uma vez que a memorização dos números que compõem o endereço 9
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eletrônico normalmente não remeteria a nenhum nome ou a qualquer marca conhecida. O advento dos nomes de domínio buscou facilitar a tarefa de endereçamento e localização dos computadores na grande rede. Através da atribuição de um nome ao endereço IP numérico, tornou-se mais fácil a tarefa de localização. Assim, ao invés de se localizar uma página da rede por sequências de números, como vimos acima, utilizam-se nomes do tipo “lojaX.com.br”. A primeira parte do nome é de escolha do seu titular, ao passo que o sufixo refere-se à atividade desenvolvida e ao local de registro, como, por exemplo, “.com” para comercial, “.gov” para entidades governamentais, “.tv” para emissoras de televisão ou “.br” para web sites brasileiros. O registro de domínios de web sites é feito, normalmente, pelo sistema do “primeiro a chegar pode registrar”, e, no Brasil, pode ser feito por meio do web site do “registro.br”. Os problemas surgiram quando domínios conflitantes com marcas registradas começaram a ser registrados por terceiros que não eram os legítimos titulares daqueles direitos das marcas. Outra situação também problemática ocorre quando se registra um nome de domínio que, embora não seja o mesmo nome de uma marca registrada, de certa forma poderia induzir o consumidor a erro quanto ao verdadeiro titular do web site. É evidente a insatisfação do titular da marca registrada quando se depara com o mesmo nome que é objeto de seu registro (e, consequentemente, de proteção do direito marcário) 10
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utilizado como um “.com” por um terceiro, o qual, muitas vezes, mantém um web site comercial e concorrente. Nota-se que nem sempre se trata de um concorrente, podendo haver casos, como efetivamente existem, e não são poucos, de um terceiro registrar o nome de domínio apenas para vendê-lo no futuro. A primeira reação que o titular do direito de marca pode ter é quanto à possibilidade de desvio da clientela, em face de os consumidores poderem digitar o seu nome, seguido do “.com”, na esperança de alcançar o web site da empresa e acabarem sendo “desviados” para web sites de terceiros. Este tipo de “desvio” eletrônico de clientela também não é recente. Houve, nos Estados Unidos, um caso interessante, decidido em 1996, no qual a cadeia de hotéis Holiday Inns ajuizou um processo contra um terceiro que se valia dos números de telefones mais discados quando havia engano pelo consumidor ao teclar o número do telefone de reserva do hotel. A decisão foi no sentido de que o uso de tais números de telefone, pelo concorrente do Holiday Inns não constituía ofensa aos direitos de marcas registradas. 1 Os conflitos envolvendo as marcas e nomes de domínio também podem ser considerados como os sucessores, ou os correspondentes aos conflitos que já haviam sido objeto de estudo e de muitos casos decididos no Brasil entre as marcas registradas e o nome comercial. 2 1
,,Holiday Inn v. 800 Reservation, Inc., 86 F.3d 619 (6th Circuit, 1996). Cf. SOARES, 2000.
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Retornamos, pois, à questão da concorrência desleal, agora sob o seguinte enfoque: um comerciante virtual tenta, de forma ilícita, desviar a clientela do concorrente para o seu web site. Para fazê-lo, usa um nome de domínio que, de alguma forma, pode remeter o consumidor a outro fornecedor que não o do verdadeiro titular do nome de domínio. Antes de se adentrar na questão, deve-se definir o que seria uma “concorrência desleal”, bem como qual o tratamento que o direito brasileiro dispensa ao tema. Não é tarefa simples definir quando uma concorrência é desleal. Sabe-se que a concorrência é a mola do sistema capitalista de livre iniciativa, e o seu objetivo final é proporcionar os melhores produtos e serviços ao preço mais accessível possível aos consumidores. O Direito Constitucional Brasileiro consagra a livre concorrência como um dos princípios a serem observados pela ordem econômica, consoante o disposto no art. 170, inciso IV da CF-88, verbis: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] IV - livre concorrência;
A concorrência torna-se desleal quando existe má-fé e fraude praticada com a finalidade de desviar parte da clientela do concorrente. A má-fé é aparentemente difícil de ser 12
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provada, todavia, uma análise mais precisa da lei pode clarear as situações que são tidas como de concorrência desleal. A Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula os direitos e as obrigações relativos à propriedade industrial, ao tratar em seu art. 195 dos crimes de concorrência desleal, em seus quatorze incisos, apresenta alguns que podem muito bem ser aplicados em casos como o da utilização de artifícios para desviar a clientela de um web site comercial para outro: Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: [...] III - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem; IV - usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos; V - usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências; [...] Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
Antes de se fazer uma análise dos tipos penais, vale ressaltar quão pequena é a pena para o crime de concorrência desleal. 13
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O inciso “V” acima transcrito parece-nos ser aplicável aos casos nos quais alguém faz o registro do nome de domínio com o mesmo nome comercial de terceiro concorrente, com má-fé. Nota-se que há de se observar a presença da má-fé, o dolo do tipo penal em questão, pois, eventualmente, o mesmo nome pode ser usado para dois produtos completamente distintos (uma revista e um produto de limpeza, digamos), hipótese na qual não há nem sequer que se falar em concorrência entre as empresas, muito menos em concorrência desleal. O inciso “IV” do artigo de lei em análise também pode ser aplicado nos casos em que o nome de domínio registrado faz referência a uma determinada expressão de propaganda de terceiro, e, presente mais uma vez a má-fé no sentido de se fazer concorrência desleal (seria o dolo do tipo penal). Por fim, o inciso “III” seria uma espécie de “vala comum” na qual poderíamos incluir todas as fraudes do comércio eletrônico que tenham como objetivo o desvio, em proveito próprio, da clientela de terceiros. Ainda sobre o inciso “III”, vale um breve comentário sobre a utilização dos chamados metatags. Os metatags, como veremos a seguir, são palavras inseridas nos códigos de programação dos web sites para serem localizados por programas de buscadores da internet. Sabe-se que a internet, como um dos locais de maior importância do comércio eletrônico, é uma grande rede de computadores na qual está disponível um imenso número de web sites de empresas. Uma das formas utilizadas pelas 14
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pessoas para localizar os web sites é a digitação direta do nome de domínio relacionado com o que se deseja localizar. Assim, por exemplo, caso um consumidor precise localizar um web site que vende carros, poderia digitar “carros.com” ou “cars.com” ou “car.com”. É claro que o consumidor também poderia digitar a marca de um determinado fabricante de veículos, seguida do “.com”. Uma forma de facilitar a localização de web sites “perdidos” na grande quantidade de informação disponível na internet é a utilização dos chamados “mecanismos de busca” ou “motores de busca” (expressão que corresponde à tradução do termo usado na língua inglesa, qual seja “searchengines”) ou web sites de busca na rede, ou, simplesmente, do buscador de web sites da internet. Cada um dos muitos web sites de busca na rede pode ter um programa de computador próprio com um algoritmo específico para a localização de outros sites na internet. Normalmente, a pessoa que quer localizar algum web site sobre determinado assunto digita a palavra que se relaciona com o assunto (ou com o produto, caso esteja à procura de um fornecedor). O algoritmo do programa de computador do buscador gera uma lista indexada de web sites que se relacionam com a palavra que foi o objeto da busca. A lista gerada pelo buscador costuma colocar em primeiro lugar aquele web site que mais relação teria com a palavra que foi objeto da busca. Como cada programa usado por cada buscador pode adotar um algoritmo diferente dos demais, as listas 15
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ordenadas e indexadas dos web sites geradas pelos vários buscadores da internet não são necessariamente iguais. Aparecer em primeiro lugar na lista de web sites gerada pelos buscadores pode ser uma grande vantagem na medida em que, normalmente, significará ser a primeira opção a ser cliclada pela pessoa que faz a pesquisa. Outro ponto importante é aparecer na primeira “página” da lista de web sites gerados pelo programa buscador, visto que, de um modo geral, as pessoas tentam os web sites que estão na primeira página e deixam os demais para o caso de não acharem o que precisam. Uma forma que os programas buscadores utilizam para localizar qual seria o web site que mais se relaciona com a palavra pedida pela pessoa é a pesquisa de palavras-chave em alguns locais, como no nome de domínio, no texto da página principal do web site ou nos metatags. Sabe-se que as páginas de web sites são escritas pelos programadores de computador em código de uma linguagem de programação, a HTML. Os metatags são parte do código da programação usado para descrever o conteúdo do web site. Há várias formas de se usarem os metatags, porém, normalmente, usam-se os metatags de “descrição” dos sites. Quanto mais vezes uma determinada palavra aparecer nos metatags da página da internet (e também quanto mais vezes ela aparecer no próprio texto da página) tanto maiores serão as chances de aquele web site ter um “ponto” nos programas dos buscadores. Como o web site que tiver o maior número de “pontos” será aquele que aparecerá em primeiro lugar, a escolha de boas palavras como metatags é uma forma importante, não só de 16
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facilitar a sua localização, como também (e principalmente) de assegurar a sua classificação entre os primeiros web sites na lista indexada do resultado da pesquisa. Mais uma vez, surge a questão da possibilidade da ocorrência de concorrência desleal quando algum concorrente de uma determinada marca de terceiro utiliza como metatags na descrição do seu web site uma palavra que corresponda à marca registrada de terceiro (ou até mesmo que corresponda ao nome comercial ou ao título de estabelecimento comercial de terceiro). Pela leitura dos transcritos incisos IV e V do artigo 195 da Lei n. 9.279/96, conclui-se que, em tese, poder-se-ia configurar crime de concorrência desleal quando se inclui como metatagde descrição de determinada página a marca, o nome comercial ou expressões de propaganda utilizados pelo concorrente. Como já explicado, os efeitos sobre as pessoas que utilizam os buscadores da internet são evidentes na medida em que, na procura de um determinado produto de uma determinada marca, o buscador pode conduzir a pessoa para o web site de um concorrente que, maliciosamente, incluiu entre os metatags de descrição de sua web page a marca concorrente. Importante, por fim, ressaltar que a jurisprudência norte-americana já tem casos julgados com entendimento de que o uso de metatags com expressões comerciais de concorrente caracteriza concorrência desleal. Trata-se de um caso decidido pelo tribunal federal que abrange a região da Califórnia (9th Circuit). Este caso foi acerca do uso, por uma cadeia de locadoras de vídeos, no nome de domínio do seu web 17
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site, e dentre os seus metatags, de palavra que corresponderia à marca registrada de uma empresa provedora de informações sobre a indústria do entretenimento. A decisão foi no sentido da aplicabilidade das leis tanto de proteção ao direito marcário, como também de repressão à concorrência desleal, em favor da titular dos direitos da marca registrada (a empresa de fornecimento de informações sobre a indústria do entretenimento). 3 Passamos agora ao estudo específico do uso de marcas registradas como nomes de domínio e o tratamento dado aos conflitos, tanto no direito internacional quanto no direito pátrio.
1.2
A ICANN E A ARBITRAGEM INTERNACIONAL
Inicialmente, vamos tratar dos nomes de domínio registrados internacionalmente (como os “.com”), por cuidar da fonte mais importante de controvérsias, haja vista a possibilidade de qualquer um ao redor do mundo vir a registrar, pela internet, um nome de domínio do tipo “.com” mesmo que tal titular do nome de domínio do tipo “.com” esteja fora dos Estados Unidos e explore as suas atividades empresariais apenas em um determinado país. A coordenação e a gerência da atribuição de nomes de domínio aos mais variados endereços eletrônicos dos web sites foram entregues pelo governo dos Estados Unidos a uma 3
,Caso Brookfield Communications, Inc. v. West Coast Entertainment ..Corporation, 174 F.3d 1036 (9th Cir. 1999).
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entidade privada sem fins lucrativos, a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers– ICANN. 4 A ICANN também credencia empresas que servem como “registradoras” de nomes de domínio na internet (as domain name registrars). A ICANN determina os padrões mínimos a serem observados pelas empresas “registradoras” de nomes de domínio na internet no desempenho de suas funções. A própria ICANN, em seu web site define o que vem a ser a consequência de se “registrar um nome de domínio” como sendo: “a forma de se associar o nome de domínio a um computador na internet que foi designado pelo tempo no qual o registro estiver em efeito”. 5 É também importante destacar que os nomes de domínio que têm uma determinada terminação referente ao país (como o “.com.br” para o Brasil, “.jp” para Japão ou o “.com.ar” para a Argentina) são registrados conforme as regras estabelecidas por esses próprios países. Ademais, costuma-se reservar alguns destes nomes de domínio para serem registrados exclusivamente pelos nacionais do país correspondente. O tratamento jurídico dado às disputas de nomes de domínio brasileiros “.br” será objeto de análise no próximo tópico. Insista-se que os registros de nomes de domínio que não têm a terminação referente ao país podem ser feitos, em tese, por qualquer pessoa ao redor do globo, através da própria 4 5
http://www.icann.org ,Cf. ICANN, 2003.
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internet, pelas registradoras credenciadas pela ICANN para web pagesa serem hospedadas em computadores também localizados em qualquer país do mundo (e accessíveis por todos aqueles que têm acesso à internet). Uma vez que qualquer pessoa ao redor do globo pode, em tese, registrar um nome de domínio do tipo “.com”, a probabilidade de ocorrência de conflitos de nomes com marcas registradas em determinados países é muito grande. Assim, não são poucos os casos de um nome de domínio do tipo “.com” registrado pelo nacional de um país apresentar conflito com a marca registrada em outro país. Uma vez que a internet é uma rede global, ocorrem várias situações nas quais o registro do nome de domínio em um país com a marca registrada em outro pode ser prejudicial aos interesses do titular da marca quando este desejar registrar o seu nome de domínio do tipo “.com,” e, é claro, quiser valer-se de sua marca registrada. A solução apresentada pela ICANN é uma arbitragem internacional (conhecida como Uniform Dispute Resolution Policy), a qual apresenta-se inclusive como uma solução de cunho obrigatório para todos aqueles que registram nomes de domínio não associados a um determinado país, digamos, “nomes de domínio internacionais”. Esta forma de solução pela via arbitral tem sido objeto de uma certa crítica por parte de doutrinadores 6 que questionam alguns itens do regulamento 7 arbitral. Dentre as 6 7
http://www.icannwatch.org/ http://www.icann.org/dndr/udrp/policy.htm
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maiores fontes de críticas, podemos citar o fato de a arbitragem ser obrigatória, a imposição da adoção da língua inglesa e, principalmente, a impossibilidade de as partes recorrerem ao judiciário após a decisão arbitral (no que se refere ao mérito da decisão). 8 A arbitragem da ICANN ocorre no âmbito da Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI e não são poucos os laudos sobre os conflitos entre nomes de domínio e marcas. 9 Há vários casos relacionados com empresas brasileiras que foram levados à arbitragem da ICANN. As decisões arbitrais são, normalmente, favoráveis ao titular das marcas registradas no sentido de se evitarem confusão e a sua diluição no ambiente virtual. Dentre tais decisões, temos dois exemplos que envolvem o Brasil. Primeiro, o caso “O Globo” que envolveu o domínio “globo.com”. O segundo, o caso “Embratel” e o domínio “embratel.com”. Em ambos os casos, os laudos arbitrais foram favoráveis às empresas brasileiras dada a importância das marcas no Brasil. 10 Uma vez que a Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996, que dispõe sobre a arbitragem, em seu art. 35, não oferece vedação à adoção da arbitragem estrangeira, abrindo inclusive a possibilidade da execução da sentença arbitral estrangeira, após a homologação do Supremo Tribunal Federal, maiores 8
,LEMLEY, et al., 2000, p. 835. ,http://www.wipo.org/ 10 ,http://arbiter.wipo.int/domains/decisions/html/2000/d2000-0533.html; .http://arbiter.wipo.int/domains/decisions/html/2000/d2000-0164.html 9
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problemas não existem para as empresas brasileiras se valerem dessa via para a solução de pendências no âmbito dos nomes de domínio internacionais. A execução da decisão arbitral em estudo não se dá no Brasil uma vez que, voltamos a ressaltar, a arbitragem da ICANN aplica-se aos casos de nomes de domínio internacionais (como os “.com”). Quanto aos nomes de domínio brasileiros (como os do tipo “.com.br”), veremos, a seguir, que a jurisprudência brasileira também reconhece os direitos do titular da marca registrada.
1.3 O REGISTRO DOS NOMES DE DOMÍNIO NO BRASIL E A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA PREDOMINANTE SOBRE OS CONFLITOS COM AS MARCAS. Os conflitos sobre nomes de domínio no Brasil também têm sido objeto de pesquisa e de boa produção doutrinária, 11 inclusive também com vista ao enfoque sob a ótica comparativa. 12 A justiça brasileira já decidiu alguns casos acerca de dois tipos de conflitos que envolvem os nomes de domínio, tanto os conflitos com as marcas registradas quanto os conflitos com nomes de pessoas naturais. 11 12
Cf. ROVER (Org.), 2000. Cf. LEMOS; WAISBERG (Org.), 2003.
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A proteção às marcas, no Brasil (assim como no direito norte-americano), decorre não só da legislação ordinária como da própria Constituição da República que assim dispõe sobre o tema, em seu art. 5º, inciso XXIX, verbis: XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.
As marcas são protegidas no direito brasileiro como um direito de propriedade que se adquire através do registro validamente expedido pelo INPI, conforme o disposto no caput do art. 129 da Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996, verbis: Art. 129. A propriedade da marca adquirese pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.
O motivo para a proteção das marcas registradas reside no fato de elas servirem para que os consumidores possam distinguir os produtos e os serviços de qualidades melhores daqueles que não são de tanta qualidade. Em outras palavras, as 23
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marcas serviriam para tornar a vida dos consumidores mais fácil em sua tarefa de consumir. Há críticas de alguns economistas acerca da função econômica das marcas registradas que, para alguns, elas acabariam por criar um “oligopólio artificial” que não seria vantajoso para o consumidor em função dos preços dos produtos e serviços que acabariam por refletir os altos investimentos em publicidade que a formação e a manutenção de uma marca requerem. 13 Os nomes de domínio, por seu turno, neste momento, ainda não são objeto de regulamentação de lei específica. 14 Como as hipóteses de direito de propriedade existem em numerus clausus, há a obrigatoriedade de existir uma lei que crie o direito de propriedade para que ele tenha reconhecimento no direito brasileiro com todas as faculdades do seu titular (direito de usar, de extrair frutos e de dispor da coisa, além do direito de reivindicá-la de quem quer que injustamente possua ou detenha a coisa). A regulamentação dos nomes de domínio brasileiros segue no âmbito infralegal do Comitê Gestor Internet do Brasil – CG. 15 Este Comitê foi criado em 1995 e foi um marco no início da disponibilização da Internet para o uso do grande público no Brasil. 16
13
Cf. ROSEN, 1978. CUSTÓDIO FILHO, apud SCHOUERI (Org.), p. 83; LABRUNIE, apud .DE LUCCA, 2000, p. 239. 15 http://www.cg.org.br 16 .Id. 14
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Nota-se que o Decreto n. 4.829, de 3 de setembro de 2003, criou o agora Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGIbr e dispõe sobre o modelo de governança da Internet no Brasil. O mesmo Decreto n. 4.829/2003 assim dispõe, em seu art. 10, sobre a execução do registro dos nomes de domínio, verbis: Art. 10. A execução do registro de Nomes de Domínio, a alocação de Endereço IP (Internet Protocol) e a administração relativas ao Domínio de Primeiro Nível poderão ser atribuídas a entidade pública ou a entidade privada, sem fins lucrativos, nos termos da legislação pertinente.
O Comitê Gestor estabelece um sistema no qual o primeiro a pedir o registro tem o direito ao nome de domínio. Trata-se do princípio do first applicant – first served, segundo o qual aquele que encaminhar primeiro o pedido de registro será a quem o nome de domínio ficará assegurado, que é o que rege os registros dos nomes de domínio internacionais e que foi transplantado para o nosso sistema, conforme o disposto no art. 1º da Resolução n. 001/98, do CG, verbis: Art. 1º O Registro de Nome de Domínio adotará como critério o princípio de que o direito ao nome do domínio será conferido ao primeiro requerente que satisfizer, quando do requerimento, as exigências para o registro do nome, conforme as 25
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condições descritas nesta Resolução e seus Anexos. 17
O CG imediatamente delegou à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP a competência “para realizar as atividades de registro de nomes de domínio, distribuição de endereços IPs e sua manutenção na rede eletrônica Internet”. 18 Lembra-se que, atualmente, o registro dos nomes de domínio brasileiros se dá através do web site do “registro.br”. 19 Torna-se interessante destacar que o art. 2º da referida Resolução n. 001/98 assim dispõe sobre quem pode efetuar o registro dos nomes de domínio brasileiros: Art. 2º É permitido o registro de nome de domínio tão-somente para entidades que funcionem legalmente no País, profissionais liberais e pessoas físicas, conforme disposto no Anexo II desta Resolução.
Houve, logo de início, uma verdadeira “corrida aos nomes de domínio” a fim de se assegurarem o maior número e a maior variedade possíveis dos nomes de domínio brasileiros, 17
Resolução n. 001/98 do Comitê Gestor Internet do Brasil – CG, art. 1º, ---publicado no D.O.U em 15 maio 1998 - Seção 1 - Folhas 57 e 58. 18 Resolução n. 002/98 do Comitê Gestor Internet do Brasil – CG, art. 1º, ---publicado no D.O.U em 15 maio 1998 - Seção 1 - Folhas 57 e 58. 19 www.registro.br
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em especial os chamados “.com.br” que tanto interesse despertaram naqueles que pretendiam lançar-se no comércio eletrônico com o desenvolvimento da internet no Brasil. Rapidamente, surgiram os primeiros conflitos entre os nomes de domínio já registrados e marcas. Tais conflitos envolviam, muitas vezes, nomes de domínio que haviam sido precocemente registrados por terceiros que não tinham sequer qualquer interesse de explorar web site sob aquela denominação. Tratava-se de pessoas que queriam, na realidade, revender o seu direito ao nome de domínio para as empresas que, realmente, haveriam de se interessar em ter um web site voltado para o comércio eletrônico sob aquela denominação por se referir ao nome do estabelecimento ou mesmo à uma marca registrada da empresa, explorada, normalmente, fora do mundo online. A competência para conhecer e julgar as causas que discutem os conflitos entre os nomes de domínio e marcas ou nomes de pessoas físicas é, a princípio, da justiça estadual, por não haver interesse da União no feito. 20 Quanto aos casos 21 pode-se dizer que os autores são normalmente os titulares das marcas registradas e os réus são aqueles que fizeram o registro sem ter grandes relações empresariais prévias com o nome de domínio, e, eventualmente, também a FAPESP, por ser ela quem controla o 20
STJ, decisão do conflito de competência n. 28.136, Paraná, n. ---1999/0110981-7, rel. Min. Nilson Naves, publicado no DJU em 17 abr. ---2000. 21 Cf. KAMINSKI, apud LEMOS; WAISBERG (Org.), 2003.
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registro dos nomes de domínio no Brasil e contra a qual deve ser expedida a ordem para efetuar a transferência do registro. 22 Assim, faz sentido incluir a FAPESP no pólo passivo, dada a necessidade de se obter uma ordem contra aquela entidade ou de se obter um julgamento de uma eventual obrigação de fazer da FAPESP (caso ela, por exemplo, se recuse a efetuar o registro de um certo nome de domínio por qualquer que seja o motivo). O Tribunal de Alçada de Minas Gerais tem entendimento corretíssimo acerca da proteção do direito de propriedade das marcas registradas em ambiente virtual: o registro de nome de domínio, ainda que não seja idêntico, mas que seja bastante similar ao da marca registrada, constitui violação do direito de propriedade. Ressaltamos, mais uma vez, que o registro do nome de domínio no Brasil não confere nenhum “direito de propriedade intelectual” sobre o referido nome. Fica claro, pois, que o direito de propriedade é o que se aplica à proteção da marca registrada, inclusive no espaço virtual, e não aos nomes de domínio. Vejamos, a seguir, a ementa da lúcida decisão do TAMG: 22
-.Casos nesse sentido, por exemplo: Telemig Celular v. Paulo Roberto Gentil Alves, sobre o nome de domínio www.celularcard.com.br, processo n. 024.99.129.278-0 (pedido julgado procedente, autos remetidos ao Tribunal de Alçada de Minas Gerais em 08 abr. 2003); TV Globo Ltda. v. FAPESP; ML Editora de Jornais e Revistas Ltda., sobre nomes de domínio www.globoesporte.com.br e www.jornalnacional.com.br, processo n. 143/99 da 7ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo e o “caso Bloomberg” que envolveu a disputa sobre o nome de domínio www.bloomberg.com.br, Bloomberg LP v. Confecções New Top Ltda., perante a 20ª Vara Cível de São Paulo.
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AGRAVO DE INSTRUMENTO DOMÍNIO DE MARCA NA INTERNET VIOLAÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE. - O registro de nome de domínio idêntico ou bastante similar ao de marca registrada e já divulgada no mercado constitui violação ao direito de propriedade da marca, podendo-se, inclusive, em cogitar de crime de reprodução não autorizada, tudo conforme os artigos 129 e 189 da Lei de Propriedade Industrial. Recurso não provido. (AI 0371867-6, rel. Alberto Aluizio Pacheco de Andrade, j. 13.08.02)
Quanto à utilização do nome de pessoas naturais como nome de domínio, temos que também há de se respeitar a vontade da pessoa em preservar o seu nome, especialmente se se tratar de pessoa famosa. Trata-se de uma proteção dos direitos da personalidade dentro da sistemática do atual Código Civil Brasileiro, a saber:
Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome. Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória. 29
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Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial. Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.
Assim, nos casos em que alguém tente fazer o registro de um nome de domínio contendo o nome de terceiro, a princípio, o terceiro tem direito de cancelar o registro. É claro que o princípio da boa-fé deve ser observado quando do registro do nome de domínio. Tomem-se, por exemplo, casos nos quais alguém registra o nome de um artista famoso, ou de um político, candidato nas eleições do ano, com o nome seguido do seu número. Não se pode negar que em casos como os de tais exemplos está evidente a má-fé, uma vez que o que se deseja é poder lucrar com a eventual transferência dos direitos sobre o nome de domínio para o verdadeiro interessado. Entendemos que os artigos do Código Civil sobre os direitos de personalidade transcritos acima asseguram à pessoa titular do nome o direito sobre os respectivos nomes de domínio e as suas derivações mais evidentes (como o caso do nome de um candidato a cargo eletivo, seguido do ano das eleições, por exemplo). A proteção em tela estende-se inclusive para os casos nos quais há alguma aplicação comercial do nome como um nome de domínio, nos termos do art. 18 do Código Civil vigente (o que, ressalta-se, já vinha sendo decidido, pelo 30
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judiciário brasileiro, mesmo antes da vigência do novo Código Civil de 2002). 23 A boa-fé deve ser respeitada nos casos de pessoas com nomes idênticos. Nestes casos, conforme explicado anteriormente, aplica-se o princípio do first applicant, decorrente do art. 1º da Resolução n. 001/98, do CG. Esta questão da boa-fé foi a pedra de toque observada pelo direito norte-americano em sua legislação sobre o tema em foco, como teremos a oportunidade de estudar brevemente, logo a seguir.
1.4 SOLUÇÕES PARA OS CONFLITOS DE NOMES DE DOMÍNIO BUSCADAS NO DIREITO COMPARADO. Os conflitos entre nomes de domínio e marcas registradas surgiram muito rapidamente nos Estados Unidos, logo após o início do uso comercial da internet, tendo no caso mcdonalds, em 1995, uma das primeiras controvérsias. 24 23
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Conforme o decidido no caso Ayton Senna Promoções e Empreendimentos
Ltda. v. Laboratório de Aprendizagem Meu Cantinho Ltda., AC 86.3825, rel. Des. Sidney Moura, publicado em 10 abr. 2000, do TJPR, acerca do nome de domínio www.ayrtonsenna.com.br (o acórdão faz referência à infração ao direito de personalidade) e no caso que teve a tutela antecipada deferida envolvendo Ayrton Senna Promoções e Empreendimentos Ltda. v. África Systems Informática, Consultoria, Com. e Rep. Ltda., 12ª Vara Cível de Belo Horizonte, acerca do nome de domínio www.assena.com.br. TESSLER, apud FERREIRA; BAPTISTA (Coord.), 2002, p. 35.
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A prática de se registrar um nome de domínio envolvendo marca registrada de terceiro ou nome de alguma pessoa, com má-fé, para no futuro tentar uma negociação com o interessado com vista à transferência da titularidade do nome de domínio, foi intitulada, nos Estados Unidos, de “cybersquatting” (o que poderia ser traduzido como “posseiro virtual”). Os casos decididos pelo judiciário norte-americano, ao longo da segunda metade da década de noventa, incorporaram o princípio de que registrar um nome de domínio “.com” apenas com o intuito de transferi-lo para terceiro com o objetivo de lucro indica uma presunção de má-fé. 25 Foi no ano 1999 que o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma lei contra os chamados “posseiros virtuais”. Cuida-se da lei intitulada Anti cybersquatting Consumer Protection Act – ACPA. 26 É indiscutível que o objetivo desta 25
26
Por exemplo, no caso PanavisionInternattional, L.P. v. Toeppen, 141F.3d
1316 (1998) ficou decidido que o réu registrara o nome de domínio “.com”, que continha a marca registrada do autor, apenas para “extorquir dinheiro” do titular da marca; assim como em PlannedParenthoodFederationofAmerica, Inc. v. Bucci, 42 U.S.P.Q.2d 1430 (1997) a decisão foi favorável ao titular da marca registrada. Por outro lado, em AveryDennison Corporation v. Sumpton, 51 U.S.P.Q.2d 1801 (1999), íntegra do acórdão disponível em: http://techlawjournal.com/courts/avery/19990823.htm, o tribunal federal do 9th circuit decidiu contrariamente em um caso envolvendo um nome de domínio do tipo “.net”. O AnticybersquattingConsumerProtectionAct, S.1255 (1999), aprovado em 26o TrademarkAct, e foi codificado em 15 U.S.C. §1525(d). O texto integral da lei está disponível em: http://thomas.loc.gov/cgibin/bdquery/z?d106:s.01255.
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lei é dar mais força para que os titulares de direitos sobre marcas registradas possam demandar contra os “posseiros virtuais”. 27 Dentre algumas inovações do ACPA que servem para conferir maior proteção para os titulares de marcas registradas em face dos registros de nomes de domínio similares por parte dos “posseiros virtuais”, podemos citar a desnecessidade de o titular da marca registrada fazer uso dela no espaço virtual para demandar contra o “posseiro virtual”, bastando, pois, a prova da má-fé e a criação de uma lista não exaustiva de fatores que são usados para determinar a presença da má-fé do “posseiro virtual”. 28 O ACPA também protege especificamente não só o nome das pessoas naturais quando registrado como nome de domínio por terceiros, como também outros nomes que são
27 28
Cf. HIEBER, 2000; PLAVE, 2000. Conforme o disposto no texto da lei norte-americana, ACPA, seção 2 (d)(1)(A)(i) e na seção 2 (B), verbis: “(B) In determining whether there is a bad-faith intent described under subparagraph (A), a court may consider factors such as, but not limited to-(i) the trademark or other intellectual property rights of the person, if any, in the domain name; (ii) the extent to which the domain name consists of the legal name of the person or a name that is otherwise commonly used to identify that person; (iii) the person's prior lawful use, if any, of the domain name in connection with the bona fide offering of any goods or services; (iv) the person's lawful noncommercial or fair use of the mark in a site accessible under the domain name;”
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utilizados para identificar uma pessoa natural. 29 Outro ponto também especificamente tratado pelo ACPA é o que estende tal proteção do nome de pessoa natural ainda que tal nome não seja utilizado para fins comerciais. A solução legislativa específica adotada nos Estados Unidos é interessante, todavia parece-nos que os dispositivos do novo Código Civil Brasileiro que foram estudados no capítulo anterior e a própria Lei n. 9.279/96 já regulamentam bem o tema no direito brasileiro (máxime quando se relembra o acertado rumo que a jurisprudência brasileira vem dando aos casos que lhe foram submetidos). Acerca da lei norte-americana (o ACPA) é curioso que, apesar de se tratar de um país onde vige o sistema da Common Law, e, apesar de os primeiros casos já terem sido decididos naquele país no sentido de se reconhecer a proteção dos direitos do titular da marca registrada no espaço virtual, ainda assim optou-se pela edição de uma lei federal sobre o tema. O objetivo principal do ACPA foi deixar claro que a proteção à marca registrada aplica-se ao espaço virtual independentemente de o titular da marca fazer uso efetivo dela no mundo online.
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Ibid. “ii) the extent to which the domain name consists of the legal name of the person or a name that is otherwise commonly used to identify that person;”
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REFERÊNCIAS FILHO, apud SCHOUERI (Org.), p. 83; LABRUNIE, apud DE LUCCA, 2000, p. 239. Resolução n. 001/98 do Comitê Gestor Internet do Brasil – CG, art. 1º, publicado no D.O.U em 15 maio 1998 - Seção 1 Folhas 57 e 58. Resolução n. 002/98 do Comitê Gestor Internet do Brasil – CG, art. 1º, publicado no D.O.U em 15 maio 1998 - Seção 1 Folhas 57 e 58. STJ, decisão do conflito de competência n. 28.136, Paraná, n. 1999/0110981-7, rel. Min. Nilson Naves, publicado no DJU em 17 abr. 2000.
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CAPÍTULO 2
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A ANÁLISE DA PROTEÇÃO DOS CONTRATOS DE SOFTWARE NA HIPÓTESE DE FALÊNCIA DO DESENVOLVEDOR. CARLOS ALBERTO ROHRMANN * FREDERICO FÉLIX GOMES ** E-mail: crohrmann@mcampos.br ffelix2210@gmail.com INTRODUÇÃO Atualmente, os programas de computador ou softwares, são comumente comercializados através dos conhecidos *
Doutor em Direito pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Mestre em Direito pela Universidade da Califórnia em Los Angeles – UCLA. Mestre em Direito Comercial pela UFMG. Bacharel em Direito (FDMC) e em Ciência da Computação (UFMG). Professor de Direito Virtual e de Direito Empresarial da Faculdade de Direito Milton Campos. Professor titular e Diretor da Faculdade de Administração Milton Campos. Coordenador-Geral da Pós-Graduação das Faculdades Milton Campos e Coordenador didático do Mestrado em Direito Empresarial da Faculdade de Direito Milton Campos. Membro da Academia Mineira de Letras Jurídicas, titular da Cadeira Acadêmica número dezesseis, patrono Raul Soares de Moura. Procurador do Estado de Minas Gerais. Advogado. ** Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos.LL.M em Direito da Propriedade Intelectual pela Santa Clara University School of Law (Califórnia). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Advogado.
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“contratos de licença”, nos quais a empresa desenvolvedora (licenciante) concede ao seu cliente (licenciado) o direito de usar aquele programa de computador, porém apenas na forma de “código-objeto”, mantendo um controle restrito sobre o “código-fonte”. A razão disso deriva das distintas características do código-objeto e do código-fonte. Quando um software é distribuído em código-objeto, o código-fonte é essencialmente inacessível, principalmente em razão da engenharia reversa, um processo em que um programador concorrente parte de um produto final (software) disponível no mercado e, desconstruindo-o em pequenas partes, consegue aprender como o programador original o criou. Com efeito, através do código-objeto o licenciado tem acesso apenas ao produto em linguagem de máquina, e não ao código-fonte. Essa distribuição por meio de código-objeto protege o produto original e facilita o controle do licenciante sobre a manutenção, suporte, produtos derivados e atualizações. Todos esses são elementos fundamentais e estratégicos na continuação do negócio do desenvolvedor, bem como uma garantia de retorno do investimento despendido no desenvolvimento daquele software. Embora o licenciante esteja protegido pelas Leis de Propriedade Intelectual, especialmente as Leis 9.609/1998 (Leis do Software) e 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais), o controle sobre o código-fonte é um método mais efetivo e menos oneroso do que exercer um monitoramento do mercado 38
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ou mesmo ingressar com demandas judiciais para reafirmar aqueles direitos. Entretanto, em muitos programas de computador, o pronto acesso ao código-fonte é essencial para o destinatáriofinal, caso o desenvolvedor não esteja mais disposto, ou não tenha condições, de dar suporte aquele software. A tensão entre a necessidade do licenciante de limitar acesso ao código-fonte, e a necessidade do licenciado de ter acesso ininterrupto ao software, é um problema real e constante. Existem soluções de natureza contratual que visam amenizar esse conflito, que pode ser inclusive mediado por um terceiro de confiança. Este, agindo como verdadeiro depositário fica encarregado de administrar aquele bem (código-fonte) depositado pelo desenvolvedor. Este bem ficará em poder do depositário, a não ser que determinado evento ocorra, situação esta em que o terceiro revelará o código-fonte ao licenciado. Tais eventos são tipicamente baseados em alguma falha, ou ameaça de falha, do licenciante em atender às expectativas criadas pelo licenciado quando da assinatura do contrato de licença. Outra solução semelhante pode ser a previsão desses eventos dentro do próprio contrato entre as partes, caso este em que o próprio licenciante detém a guarda de seu produto. Licenciantes e licenciados são motivados a firmar, por exemplo, umescrow agreement do código-fonte. A motivação do licenciado confunde-se com o desejo de mitigar o risco de perda de acesso ao software e as suas funcionalidades. O escrow é normalmente visto como uma maneira do licenciado 39
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exercer uma maior “influência” sobre o licenciante, caso não esteja satisfeito com os serviços de suporte prestados. Doutro lado, licenciantes ficam relutantes em depositar o código-fonte nas mãos de um terceiro, ou mesmo revelar os segredos que revestem seu produto, tendo em vista a possibilidade desvalorização deste perante o mercado consumidor. Contudo, em razão da crescente dependência do licenciado em ter acesso ao software, bem como dos riscos que envolvem o negócio, além da competição típica desse nicho de mercado, os licenciantes estão cada vez mais propícios a firmarem um escrow do código-fonte. Como em todas as relações comerciais reguladas por meio de contratos, a capacidade das partes de elaborar cláusulas diversas é limitada pelas normas imperativas presentes no ordenamento jurídico. Neste caso, podemos citar novamente as Leis 9.609/1998 e 9.610/1998, bem como a Lei 11.101/2005. O grau com que o administrador judicial de uma falência pode limitar ou alterar direitos e obrigações das partes contratantes, especificamente com relação a uma cláusula ou contrato, que concedem acesso ao código-fonte de um programa de computador e, seus efeitos perante uma economia de mercado é justamente o tema deste trabalho, parte integrante de uma futura dissertação de mestrado.
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2.1 PERSPECTIVAS DISTINTAS QUANTO AO TRATAMENTO DE BENS: PROPRIEDADE INTELECTUAL VS. SISTEMA FALIMENTAR.
As normas referentes ao Direito de Propriedade Intelectual e as referentes ao Direito Falencial refletem perspectivas bem divergentes quanto ao tratamento de bens. As leis de Propriedade Intelectual geralmente se preocupam com a criação de bens, encorajando condições ideais para promoção de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, bem como na maximização dos valores que podem ser extraídos desses bens eventualmente concebidos. Grande parte do valor advindo de bens incorpóreos e, regulados pelo Direito da Propriedade Intelectual, emanam de seu licenciamento, bem como de determinados serviços relacionados. Destarte, a liberdade com que um autor pode negociar sua criação através de instrumentos contratuais desempenha importante papel na consolidação do valor potencial de sua invenção, abrindo caminho para um mercado robusto, sustentado pelo licenciamento do seu produto, maximizando a exploração de sua criação intelectual. Em contrapartida, o sistema falimentar enxerga a atividade econômica da perspectiva da preservação da empresa, compreendida pela maximização dos ativos da sociedade empresária, falida ou em recuperação. A fim de promover tal escopo, as normas falimentares conferem ao administrador da falência elevado poder para rescindir contratos bilaterais, de modo a sanar e reorganizar as finanças do empreendimento 41
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fracassado. É justamente neste ponto que reside o conflito com as normas de Propriedade Intelectual. De modo a prover um contexto para futura análise desta tensão, esta parte do trabalho busca traçar os objetivos das leis de Propriedade Intelectual quanto ao tratamento de bens e serviços, objetos de contrato de licenciamento. Igualmente, iremos analisar os contornos gerais da Lei 11.101/2001, sobretudo seu escopo no tocante aos bens do falido. Em seguida, justificaremos a escolha do contrato de desenvolvimento de software como objeto de estudo, bem como demonstraremos como a solução contratual para a celeuma em destaque é insuficiente, demandando solução na esfera legislativa.
2.2 A PERSPECTIVA INTELECTUAL
DA
PROPRIEDADE
Antes de adentrarmos ao objeto específico do item proposto, impende fazermos algumas considerações quanto as diferentes teorias que tentam justificar a necessidade de protegemos a atividade inventiva através do direito de exclusiva. De maneira bem resumida, tais teorias divergem quanto à natureza jurídica da Propriedade Intelectual, se um direito natural ou de cunho econômico. A maior parte da doutrina moderna se baseia em quatro teorias. 42
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A primeira, e mais popular entre países anglosaxônicos, particularmente nos Estados Unidos da América (EUA), diz respeito à perspectiva utilitária (utilitarian approach), que busca moldar os direitos de propriedade intelectual através da maximização do bem-estar social. Seus estudiosos buscam atingir um balanço perfeito entre o direito de exclusiva, de modo a estimular a criação de novas invenções e obras de arte, e a tendência desses direitos de cercear o acesso do público geral a essas criações (AGAWARLAI e PRASAD, 2009). Um exemplo deste pensamento doutrinário encontra guarida nos estudos de William Landes e Richard Posner. Argumentam os autores que as características que distinguem a maioria das criações intelectuais é que estas são facilmente copiadas e ainda, que o usufruto dessas criações por uma pessoa não impede sua fruição por outras pessoas. A combinação dessas características dá margem a uma situação perigosa, onde criadores de obras originais são incapazes de recuperar os seus "custos de expressão" (costs of expression), ou seja,o tempo e esforço dedicados para escrever um poema ou compor uma canção, bem como os “custos de negociação”, com editoras ou gravadoras (LANDES e POSNER, 1989). Parte-se do pressuposto de que tais custos serão reduzidos, ou eliminados, por “piratas”, que suportam apenas os "custos de produção", quais sejam, os custos de fabricação e distribuição dos produtos copiados, podendo oferecer aos consumidores produtos idênticos a preços mais baixos. 43
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A noção deste “perigo”, ou situação desvantajosa, eventualmente irá desencorajar os autores de criações intelectuais com valor social de produzirem seus inventos ou obras originais. Nesse contexto, a sociedade precisa evitar tal ineficiência econômica (market failure) conferindo a esses autores o direito exclusivo de copiar ou reproduzir suas obras, por um tempo determinado. Destarte, autores teriam o direito de cobrar um valor específico pelas suas produções, valor este superior aquele eventualmente cobrado em um mercado plenamente competitivo. A segunda corrente que busca justificar a proteção das criações intelectuais por um direito de exclusiva parte da ideia de que uma pessoa que emprega sua força de trabalho em recursos desconhecidos ou “em domínio público” possui um direito de propriedade natural aos frutos de seus esforços. Tais estudos originaram-se do pensamento de John Locke, e são amplamente concebidos como aplicáveis à área do direito de Propriedade Intelectual, onde materiais básicos para produção de uma ideia, como fatos e conceitos, parecem residir em um “domínio público”, e ainda, que o emprego de esforços pessoais contribui de maneira significativa no valor do produto final (HUGHES, 1988). A premissa para a terceira corrente parte essencialmente dos estudos de Kant e Hegel. Para esta parte da doutrina, o direito a propriedade privada é crucial para satisfação de algumas das mais fundamentais necessidades humanas. Dessa maneira, governantes deveriam se esforçar para criar direitos 44
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que tornem possível o acesso a determinados recursos, de modo a maximizar a satisfação dessas necessidades. Deste ponto de vista, a Propriedade Intelectual pode ser justificada como sendo um mecanismo de proteção contra a apropriação e modificação de trabalhos onde autores e artistas expressaram sua “vontade” (atividade central da “personalidade” humana), como também pode ser justificada pela simples razão de que a Propriedade Intelectual cria condições sociais e econômicas propícias para a atividade inventiva, que por sua vez é fundamental para o desenvolvimento humano (RADIN, 1993). Por último, a quarta das correntes possui suas raízes no fato de que o direito à propriedade em geral – e a Propriedade Intelectual em particular – podem e devem ser moldadas de modo a ajudar a promover uma cultura justa e atrativa. Doutrinadores que seguem essa posição se inspiram em um arcabouço eclético de teorias legais e políticas, incluindo Thomas Jefferson, Karl Marx (em seus primórdios) e, autores provenientes do Realismo Jurídico. Tal corrente é similar ao utilitarismo em sua orientação teleológica, porém difere em sua vontade de alcançar uma sociedade mais rica e desenvolvida do que aquela prevista no estado do bem-estar social (MICHELMAN, 1988). Estabelecidas as bases para nosso conhecimento, podemos passar para a segunda etapa deste item específico, que é propor e assentar os objetivos do direito de Propriedade Intelectual, especialmente no tocante ao tratamento de bens incorpóreos. 45
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Impende esclarecermos que, as duas primeiras correntes são, definitivamente, as mais populares, representadas respectivamente pelos sistemas de Copyright nos Estados Unidos da América e na Inglaterra, e Droit d'Auteur (ou Direitos Autorais) com presença na Europa Continental. De maneira extremamente simplória, podemos afirmar que a principal diferença entre os dois sistemas é a presença dos chamados “direitos morais” do autor. Ocorre que com a tentativa de uniformização, ou pelo menos harmonização, dos diferentes sistemas de proteção da propriedade intelectual 30, presenciamos uma justaposição entre essa teorias. Enquanto os países anglo-saxônicos incorporam regras semelhantes aos “direitos morais” tão importantes na Europa Continental, estes por sua vez admitem cada vez mais a importância do raciocínio econômico na justificação do Direito de Propriedade Intelectual (ROHRMANN, 2005). Destarte, vamos basear nossas asserções na lógica econômica, que pretende justificar os mecanismos de proteção da propriedade intelectual em uma falha de mercado a ser corrigida. Entretanto, admitimos a importância que a teoria do “Direito Natural” possui neste cenário, sobretudo, no Brasil, que optou por adotar um modelo baseado nos “Direitos de Autor”. Porém, como dissemos anteriormente, o escopo deste 30
A referida tentativa de uniformização das normas de proteção da propriedade intelectual, sobretudo aquelas que visam resguardar os direitos de obras originais, se dá, sobretudo, pela assinatura de tratados internacionais, com destaque para a Convenção de Berma e o Tratado TRIPS.
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trabalho é demonstrar e (tentar) resolver um possível cenário econômico, ou mesmo, uma potencia falha no mercado de licenciamento de tecnologias. Daí, optarmos por um raciocínio de cunho utilitarista, em detrimento a uma base ideológica “naturalista”. Partindo dessa perspectiva utilitarista, o arcabouço ideológico da Propriedade Intelectual pode ser dividido em duas áreas: a) os modos de proteção focados principalmente em promover a inovação e criatividade e; b) aqueles focados em proteger a integridade do mercado (MENELL e SCOTCHMER, 2007). O primeiro diz respeito às Patentes e Direitos Autorais (Copyright Law) e, em menor escala, aos segredos industriais ou comerciais. Já o segundo, faz-se presente nos direitos marcários e nas normas que regulam a competição desleal. Como o foco do nosso trabalho é o estudo dos contratos de licença de programas de computador (a ser posteriormente melhor abordado), nos ateremos à primeira área, ou seja, vamos nos preocupar apenas com o escopo da Propriedade Intelectual no tocante ao seu papel de proteger e promover a atividade inventiva e, consequentemente, na criação e proteção de bens imateriais com valor social de mercado. Para entendermos a conexão entre a adoção de um modelo que garante um direito de exclusiva sobre invenções e criações e a promoção do bem-estar-social, devemos considerar um cenário hipotético, onde não há nenhuma proteção à propriedade intelectual. Invenções originais, em regra, requerem investimentos em recursos humanos e técnicos. Em 47
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uma economia de mercado, indivíduos motivados pela oportunidade de auferir valores econômicos somente realizarão investimentos se o retorno financeiro superar os custos de produção. O lucro advindo de uma invenção ou obra científica está diretamente ligado com a possibilidade de o respectivo autor conseguir vender sua criação para terceiros, ou então, pela possibilidade desta criação colocar esse mesmo autor em uma posição economicamente vantajosa em relação aos seus competidores. Ocorre que ideias são de difícil controle, especialmente na ausência de algum tipo de proteção jurídica. Mesmo que determinada ideia apresente-se útil para o autor e ele consiga reduzi-la a um estado de técnica ou expressão científica ou literária, este autor somente irá obter o devido retorno financeiro na medida em que esta ideia seja mantida fora do alcance de seus competidores. Nesse diapasão, a situação agrava-se na hipótese de o autor desejar vender sua ideia para um terceiro. A venda de uma informação requer necessariamente sua revelação para a parte compradora. Uma vez revelada, o controle dessa informação torna-se uma tarefa extremamente complicada. Informações possuem características daquilo que os economistas chamam de “bem público”, pode ser consumida por várias pessoas sem que se esgote, sendo ainda complicado identificar aqueles que não irão pagar pelo seu usufruto, bem como excluí-los do grupo das pessoas que legitimamente usufruem desse bem. 48
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Obviamente existem mecanismos que atenuam eventuais danos advindos de uma revelação indevida, tais como Acordos ou Termos de Confidencialidade (Nondisclosure agreements). Porém tais soluções contratuais são muito mais mecanismos de repressão do que de prevenção propriamente dita, em razão do efeito inibitório possivelmente gerado a partir de eventuais indenizações previstas em tais instrumentos. Entretanto, o controle eficaz da informação é deficitário, e as cláusulas desses contratos são limitadas pelos institutos do Direito Civil. Tendo em vista essa falha de mercado, criaram-se os sistemas de patentes e direitos autorais. Tais modelos protetivos, mesmo que sujeitos a diversas limitações, efetivamente proíbem o uso e venda de invenções e obras protegidas sem a autorização do detentor da respectiva propriedade intelectual. Dessa maneira, inventores e autores possuem a prerrogativa de prevenir uma competição injusta com terceiros, pelo período em que aquela invenção ou obra resta protegida. Levando em consideração a prerrogativa acima apontada, a maneira mais inteligente, e prática, de um autor auferir lucro com sua invenção ou obra é através de um contrato de licenciamento. A robustez do mercado de licenças desempenha papel fundamental no desenvolvimento do pensamento criativo. Conclui-se, portanto, que o Direito de Propriedade Intelectual confere (e encoraja) considerável liberdade contratual no que diz respeito à negociação dessas licenças (MENNEL, 2007). Em contrapartida, o concurso de 49
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credores impõe limitações à liberdade de contratar, conforme veremos adiante. 2.3
A PERSPECTIVA DO SISTEMA FALIMENTAR
De maneira geral e resumida, podemos dizer que os objetivos gerais da Lei 11.101/2005 estão fixados em seus artigos 47 e 75. Nas palavras do Professor Vinícius Gontijo, em seminário realizado no ano de 2005 (FREITAS, 2012), tanto o art. 47, quanto o art. 75, da citada Lei, por terem seus objetivos fixados em lei, o intérprete fica vinculado a estes objetivos, obrigando-o, pelo menos, a buscar alcançá-los. Nas suas palavras:
Não se pode fazer uma interpretação gramatical, ou uma interpretação lógico sistemática, ou ainda uma interpretação histórica. Estamos vinculados a uma interpretação teleológica, finalística. Temos que interpretar a Nova Lei de Falências visando atingir aquilo que foi a previsão legal.
O artigo 47 estabelece como objetivo primordial a recuperação da atividade, a partir da viabilização da superação de crise econômico-financeira do devedor. Os benefícios indiretos seriam a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. Na mesma 50
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linha, ressaltou a importância da preservação da empresa, sua função social e o estímulo á atividade econômica. Nesse contexto, o artigo 75 da Lei n. 11.101/2005 igualmente inovou o procedimento falimentar brasileiro, na medida em que trouxe como seu objetivo o afastamento do devedor, a fim de preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis da empresa. A falência, portanto, visa também preservar a empresa, não, apenas, liquidar os estabelecimentos e bens, como era a essência do revogado Decreto-Lei n. 7.661/1945. Podemos então dizer que o sistema falimentar procura preserva o valor corrente dos empreendimentos fracassados, a fim de maximizar a efetividade da execução. Buscando cumprir seu escopo, a lei de falência visa “otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa”. Impende esclarecer que o objeto de estudo deste trabalho, no caso os contratos de licenciamento de software e, consequentemente, seu respectivo código-fonte, incluem-se no rol de bens intangíveis do empreendimento eventualmente fracassado. Ora, não é de se espantar que a Lei de Falências constrinja a liberdade contratual previamente existente entre devedor e credor, dando amplos poderes ao administrador da falência e ao comitê de credores. Nesse contexto, a falência influi na execução do contrato bilateral e a Lei concede ao seu administrador judicial o direito de executar, ou não, os referidos contratos, conforme lhe parecer mais conveniente aos interesses da massa falida (SIMIONATO, 2008). Ao fazer isso, 51
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o sistema falimentar adota uma visão oposta à Propriedade Intelectual, na medida em que se “preocupa” somente com a situação “pós-contratual”. Obviamente que tal “preocupação”, bem como as citadas limitações a liberdade contratual devem observar, consoante o referido art. 75 da Lei 11.101/2005, não só a preservação da empresa, mas também sua função social e o estímulo à atividade econômica, esta última de fundamental importância neste trabalho. Quando se fala de cumprimento da função social e do estímulo à atividade econômica, a própria Constituição da República deixa bem claro, seja por meio do artigo 1º, seja por força do artigo 170 e seguintes, que o Brasil tem que buscar seu assento na economia de mercado, sem se descuidar da parte social. Muito embora não seja objeto deste trabalho o esgotamento do que se entende por função social da empresa, além de ainda ser de extrema dissonância doutrinária, cujo enfrentamento, neste, não se justifica, o assunto merece algumas referências. De início as palavras de Rachel Sztajn (2007): A função social da empresa presente na redação do artigo indica, ainda, visão atual referentemente à organização empresarial, cuja existência está estribada na atuação responsável no domínio econômico, não para cumprir as obrigações típicas do Estado nem substitui-lo, mas sim no 52
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sentido de que, socialmente, sua existência deve ser balizada pela criação de postos de trabalho, respeito ao meio-ambiente e à coletividade e, nesse sentido é que se busca preservá-la. Ao se referir a estímulo à atividade econômica, está implícito o reconhecimento de que a empresa é uma das fontes geradoras de bem-estar social e que, na cadeia produtiva, o desaparecimento de qualquer dos elos pode afetar a oferta de bens e serviços, assim como a de empregos, por conta do efeito multiplicador da economia.
Observe-se que a função social da empresa pode ser destacada, de forma simplificada, seguindo a linha de raciocínio acima esposada, tanto por seu conteúdo objetivo, quanto pelo seu conteúdo subjetivo. Quando se trata do conteúdo especialmente objetivo, é verdade que a atividade empresarial visa o lucro, mas ter-se-á em mente que a empresa tem outra função, que é promover o desenvolvimento sustentável, sem que isto implique redução dos resultados auferidos. O que se deve buscar é preservar os sistemas, a cultura, o meio-ambiente, por meio de práticas eficazes capazes de movimentar a economia, sem agredir os patrimônios sociais. Estas considerações são parte de análise particular da Agenda 21, da Conferência Das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (FREITAS, 2012). 53
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Do ponto de vista subjetivo, o legislador também teve seu papel de incentivar a função social, haja vista que em diversos dispositivos estabeleceu requisitos de regulação da atividade, especialmente na composição do quadro societário; no modo de administração das pessoas jurídicas; na possibilidade de participação e proteção dos sócios minoritários; no direito de retirada; no fomento às Microempresas, às Empresas de Pequeno Porte e ao Cooperativismo, dentre outros vários. Observa-se que tais dispositivos não se encontram em um mesmo diploma, fazendo parte, além do Código Civil, de legislação esparsa e até mesmo da Constituição da República. Assim, tem-se que a função social da empresa deve tanto perseguir os objetivos pela qual a atividade foi criada e vem se desenvolvendo, quanto cuidar dos reflexos sociais que tal atividade provoca. Seria uma forma de responsabilidade interna e externa, um misto de objetivo e subjetivo que faz todo sentido, especialmente quando trata da recuperação da atividade empresarial. Se percorrido todo o caminho para a recuperação, sem, contudo, se obter êxito, promover-se-á o afastamento do devedor de suas atividades, visando preservar e aperfeiçoar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, nos dizeres do artigo 75, da Lei 11.101/2005. Mesmo na drasticidade da situação da quebra, a função social da empresa não se coloca em segundo plano, entretanto, nesta situação, o que se perseguirá é minimizar os prejuízos dos envolvidos com a atividade, seja interna ou externamente. 54
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No tocante a função de “estimular a atividade econômica”, nos chama à atenção a interpretação de Raquel Sztajn (2007) que entende que “está implícito o reconhecimento de que a empresa é uma das fontes geradoras de bem-estar social”. Percebe-se a partir da citada passagem que os ideais de uma sociedade guiada pelo bem-estar social permeiam o espírito da nova Lei de Falência, assim como a teoria utilitarista que busca explicar a natureza da Propriedade Intelectual, conforme explicamos anteriormente. Tal fato é de extrema relevância, na medida em que eventual e futura colisão entre princípios e regras (a ser discutido posteriormente) deverá levar em consideração essa base principiológica. Assim, a fim de concluirmos nosso pensamento quanto ao presente tópico, reiteramos que, a princípio, a Lei 11.101/2005 e seus institutos buscam limitar a liberdade contratual previamente existente entre devedor e credor, dando amplos poderes ao administrador da falência a ao comitê de credores, de modo a maximizar o valor dos ativos pertencentes à massa falida. Ao fazer isso, o sistema falimentar adota uma visão oposta à Propriedade Intelectual, na medida em que se “preocupa” somente com a situação dos bens do falido em uma fase “pós-contratual”, enquanto que o foco da primeira recai sobre a situação dos bens (intangíveis) do licenciante e, eventualmente falido, em uma fase “pré-contratual”.
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2.4 O CONTRATO DE DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARE COMO OBJETO DE ESTUDO E A PROBLEMÁTICA DA FALÊNCIA DO LICENCIANTE.
Com o crescimento da tecnologia informática, o mercado envolvendo o licenciamento de programas de computador, os chamados softwares, tornou-se extremamente atrativo. Tais contratos geralmente englobam diversas modalidades de propriedade intelectual. É de grande valia diferenciarmos os contratos de licença business-to-business (B2B) - que envolvem softwares customizados para computadores e redes de larga-escala, bem como licenças envolvendo desenvolvedores de softwares e empresas no setor de hardware, websites, e outros empreendimentos que distribuem programas de computador – daqueles contratos business-to-consumer (B2C) – que geralmente envolvem os chamados “softwares de prateleira”. No tocante a primeira modalidade (B2B), nos setores envolvendo computadores de alta plataforma (mainframes) e os (quase extintos) minicomputadores, muitas empresas de software disponibilizavam seus produtos de maneira personalizada, ou customizada, com importantes responsabilidades recorrentes. Essas empresas normalmente utilizam-se de contratos de licenciamento complexos, que incluem serviços de manutenção, suporte e upgrade. Tais licenças são caracterizadas por uma contínua confidencialidade e restrição no uso e reprodução do programa objeto do contrato, bem como elaboração de relatórios e pagamentos 56
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periódicos. Dessa maneira, podem facilmente ser incluídos no rol de contratos bilaterais de trato sucessivo ou, execução continuada. Nessa mesma categoria, temos os chamados contratos de desenvolvimento de sistemas por encomenda, ou contratos de desenvolvimento de programas de computador, ou de software. Na maioria dos casos uma empresa contrata, com outra empresa o desenvolvimento de um sistema, sob medida, ou por encomenda, para informatizar uma atividade, uma rotina, ou mesmo as funções de todo um departamento. Há situações em que a software house subcontrata o desenvolvimento de trechos do programa ou sistema encomendado, que não serão tratados no presente estudo. Tais contratos são também incluídos no rol de contratos bilaterais de trato sucessivo ou, execução continuada, por igualmente preverem obrigações contínuas, tais como suporte e atualização. Diverso é o caso dos contratos de software B2C. São contratos que se caracterizam pelo estado de oferta permanente do produto ou serviço e pelo distanciamento existente entre as partes contratantes. É um contrato próprio do mundo contemporâneo, onde a oferta do produto ou serviço se dirige a usuários indistintos e numerosos. A comercialização de softwares-produtos, embalados e prontos para serem utilizados é comumente feita através de contratos de adesão: uma licença de uso simplificada, composta de alguns parágrafos acerca dos deveres do usuário e direitos do proprietário do programa (CERQUEIRA, 2011). 57
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A adesão é feita pelo ato de abrir o envelope ou caixa, rasgar o lacre, etc. Programas são geralmente comercializados pela Internet com a utilização de contratos de adesão, onde o destinatário lê e concorda com as condições estabelecidas para “descarregar” o programa. No entanto, em que pese tal contrato perfazer a aparência de um contrato de compra e venda, o que se dá é a aquisição pelo licenciamento de uso. Cumpre salientar que, em regra, esses contratos não são de trato sucessivo, não havendo previsão de obrigações contínuas por parte do licenciante. Feitas as devidas considerações, impende esclarecermos a razão da escolha dos contratos de desenvolvimento de software como objeto de estudo. Obviamente que existem outras modalidades de Propriedade Intelectual, como patentes, marcas registradas, desenhos industriais e cultivares, porém além de fascinante, o tema objeto de estudo nos causa reflexão pelas particularidades envolvidas. Muitas empresas prestadoras de serviços de desenvolvimento de sistemas, por falta de experiência, de recursos e conhecimento técnico – algumas vezes por falta de idoneidade – acabaram por meter os pés pelas mãos, engajando-se em empreitadas acima de suas capacidades. Com isso sistemas foram desenvolvidos pela metade no dobro do tempo, com triplo dos custos, em prejuízo para ambas às partes contratantes. As varas cíveis e empresariais, em todo o território brasileiro, encontram-se envolvidas em demandas que possuem como objeto contratos de desenvolvimento de sistema descumpridos pelas empresas prestadoras de serviços. 58
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Consoante antiga indagação de Carvalho de Mendonça (1964): “em que situações ficam as relações jurídicas oriundas de contratos, que o devedor celebrou antes da sentença declaratória de falência, e que no dia dessa sentença ainda não produziram todos os seus efeitos?” Ora, a partir dessa passagem vemos que os contratos bilaterais de trato sucessivo sempre foram objeto de controvérsia no direito falimentar. Nosso objetivo é igualmente transportar essa antiga celeuma para o mercado moderno, onde o contrato de desenvolvimento de programa de computador desempenha papel relevante. Podemos dizer que no Brasil, o perigo de quebra por software houses é maior do que aquele envolvendo grandes empresas que licenciam tecnologias objeto de patentes. Ainda, embora seja o programa de computador protegido por lei pelos mecanismos próprios dos direitos autorais, outras modalidades de licenciamento próprias desse ramo da propriedade intelectual geralmente envolvem pessoas naturais, afastando assim a aplicabilidade do instituto da falência. Portanto, as licenças de softwares possuem maior recorrência no mercado de licenciamento de propriedade intelectual envolvendo empresários e sociedades empresárias. Mas então, porque não estender o objeto de estudo, de modo a incluir os contratos B2C, amplamente comercializadas em nossa sociedade? A resposta para tal questionamento encontrase justamente nos termos destes contratos. Como a maioria dos contratos bilaterais, as licenças envolvendo programas de computador preveem hipóteses de resolução das obrigações acordadas. Em ambos os tipos de 59
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contratos, B2B e B2C, a falência (e mesmo a recuperação judicial) figura como uma dessas hipóteses. Todavia, nos contratos B2C somente é hipótese de resolução do contrato a falência requerida pela parte licenciada, o usuário final, enquanto que nos modelos de contrato B2B, a resolução poderá se dar pela falência de qualquer uma das partes. Como dissemos o foco do presente trabalho encontra-se na eventual falência do desenvolvedor do programa de computador. Ainda, a aplicação das regras da falência para contratos bilaterais de trato sucessivo sempre foi objeto de maior discussão pela doutrina. Mas então, onde está o problema da falência do desenvolvedor de um software se a quase totalidade dos contratos possuem uma cláusula de resolução pela decretação dessa falência? Primeiramente, há uma discussão jurídica quanto à validade (ou não) da cláusula expressa de resolução de contrato bilateral pela decretação da falência ou recuperação judicial. Segundo, temos que a decretação da falência pela parte licenciante de um programa de computador é capaz de causar diversos problemas para a parte licenciada, colocando em risco, inclusive, a continuação de seus negócios. O risco de uma falência pode comprometer os incentivos para que os players de mercado negociem o licenciamento de uma propriedade intelectual. Na hipótese de falência do licenciante, a Lei 11.101/2005 permite que o administrador daquela falência cumpra ou não aquele contrato, baseado na conveniência deste cumprimento em relação aos ativos da massa falida. Ocorre que tal “conveniência” fica a 60
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julgamento do administrador falência, que muitas vezes resta despreparado para lidar com contratos envolvendo tecnologias de ponta. Tal fato pode levar a resultados particularmente danosos para a parte licenciada, que pode ter construído seu modelo de negócios, ou linha de produtos, baseados no uso da propriedade intelectual licenciada pelo falido. Caso o administrador da falência opte em não dar continuidade ao contrato de licenciamento, a única opção do licenciado é requerer perdas e danos e habilitar seu crédito na categoria apropriada. Se não bastasse a parte licenciada perde o direito de continuar usando aquela propriedade intelectual. Como vemos, o licenciado fica “a ver navios”, devendo buscar uma nova empresa para que desenvolva um novo programa de computador, já que não é possível continuar utilizando o programa de titularidade do falido, sob pena de contrafação, fato este que simplesmente duplica os investimentos naquela tecnologia específica, que geralmente não é barata, colocando em cheque, como dissemos anteriormente, a continuidade dos negócios do licenciado. Vemos que nesse cenário, a discussão quanto à validade da cláusula resolutiva pela falência torna-se secundária, na medida em que não é vantajoso para o licenciado encerrar abruptamente seu contrato de licenciamento, pois perderá o direito de uso daquela tecnologia. Uma opção de solução é recorrer a outro desenvolvedor, para que este construa um novo programa tendo como base o programa previamente licenciado. Ocorre que tal solução não é tão simples quanto parece. Existem dois caminhos para o desenvolvimento de um 61
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programa semelhante, capaz de minimizar os prejuízos iminentes advindas da perda do direito de uso do programa de computador. A primeira é através de engenharia reversa, solução esta que demanda novos investimentos e consome considerável tempo, algo que a empresa licenciada talvez não possa se dar ao luxo de perder. A segunda opção é o desenvolvimento de um novo software com base no códigofonte do programa objeto de licenciamento prévio. Fato é que estes softwares são comumente comercializados na forma de código-objeto, sendo que a empresa licenciante costuma manter controle restrito sobre o código-fonte. A razão disso deriva das distintas características do código-objeto e do código-fonte. Para melhor entendermos tal distinção, interessante o uso de uma analogia culinária, simples, porém valiosa. Considerando que o código-objeto é a refeição já pronta e servida, o código-fonte é a receita detalhada daquele prato, que permite a um chef habilidoso recriar esse mesmo prato várias vezes. Por serem secretos os ingredientes e impossíveis de serem determinados somente pelo exame sensorial (cheiro, gosto, etc.), caso esse chef venha a falecer ou o restaurante, por alguma razão, “feche suas portas”, é provável que ninguém mais volte a degustar aquele prato. Mas, se você possui a receita, não dependerá do restaurante; qualquer chef habilidoso será hábil a recriar aquele prato. Quando um software é distribuído em código-objeto, o código-fonte é essencialmente inacessível, principalmente em razão da já citada engenharia reversa. Com efeito, através do 62
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código-objeto o licenciado tem acesso apenas ao prato, e não à receita. Essa distribuição por meio de código-objeto protege o produto original e facilita o controle do licenciante sobre a manutenção, suporte, produtos derivados e atualizações. Todos esses são elementos fundamentais e estratégicos no modelo de negócio de qualquer desenvolvedor, bem como uma garantia de retorno do investimento despendido no desenvolvimento daquele software. Embora o licenciante esteja protegido pelos mecanismos próprios da Propriedade Intelectual, especificamente as Leis 9.609/1998 (Lei do Software) e 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais), o controle sobre o código-fonte é um método mais efetivo e menos oneroso se comparado ao monitoramento de mercado ou mesmo o ingresso de demandas judiciais para reafirmar a titularidade de direitos, ou requerer perdas e danos. A tensão entre a necessidade do licenciante de limitar acesso ao código-fonte, e a necessidade do licenciado de ter acesso ininterrupto ao software é um problema recorrente. Felizmente, existem soluções de natureza contratual que visam amenizar esse conflito, que pode ser inclusive mediado por um terceiro de confiança. Este, agindo como verdadeiro depositário fica encarregado de administrar aquele bem (código-fonte) depositado pelo desenvolvedor. Este bem ficará em poder do depositário, a não ser que determinado evento ocorra (ex.: caso o chef morra), situação esta em que o terceiro revelará o código-fonte ao licenciado. 63
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Tais eventos são tipicamente baseados em alguma falha, ou ameaça de falha, do licenciante em atender às expectativas criadas pelo licenciado quando da assinatura do contrato de desenvolvimento e licenciamento, como é o caso de uma eventual falência. Outra solução semelhante pode ser a previsão desses eventos dentro do próprio contrato entre as partes, caso este em que o próprio licenciante detém a guarda de seu produto. Nessa esteira, licenciantes e licenciados são motivados a firmar o chamado contrato deescrow do código-fonte (melhor estudado no item “2.4”). O escrow é normalmente visto como uma maneira do licenciado exercer uma vantagem sobre o licenciante, caso não esteja satisfeito com os serviços de suporte prestados. Doutro lado, licenciantes ficam relutantes em depositar o código-fonte nas mãos de um terceiro, ou mesmo revelar os segredos que revestem seu produto, tendo em vista a possibilidade desvalorização deste perante o mercado consumidor. Contudo, em razão da crescente dependência do licenciado em ter acesso ao software, bem como dos riscos que envolvem o negócio, os licenciantes estão cada vez mais propícios a firmarem um contrato de escrow do código-fonte. Como em todas as relações comerciais reguladas por meio de contratos, a capacidade das partes de elaborar cláusulas diversas, e mesmo contratos acessórios, é limitada pelas normas imperativas presentes no ordenamento jurídico. Neste caso, podemos citar especificamente a Lei 11.101/2005, como exemplo e objeto de estudo. 64
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2.5 ESCROW DO CÓDIGO-FONTE COMO MECANISMO DE PROTEÇÃO (INCOMPLETA) DOS CONTRATOS DE DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARE.
Em sentido amplo, o vocábulo escrow significa depósito com função de garantia. Em sentido estrito, o termo denota o documento escrito, confidencial, eventualmente selado, que prova a existência de obrigações entre duas ou mais pessoas, confiado em garantia a um terceiro, que se compromete a restituí-lo ao depositante ou a entregá-lo ao beneficiário, em função da verificação ou não de condição prédeterminada (ANTUNES, 2007). Daí é possível extrair-se que o escrow é um contrato necessariamente ligado a uma relação jurídica principal, baseado na fidúcia que as partes assentam em terceiro a quem se confiará o bem, cuja função consiste na garantia de cumprimento de obrigações, assegurando-se ao beneficiário do depósito que, demonstrado seu status de credor, poderá facilmente realizar seu crédito. Dentre seus elementos essenciais, no que tange às partes, a doutrina portuguesa aponta o escrow como um contrato trilateral, subscrito por duas partes contratantes em negócio jurídico coligado, em razão do qual se realiza o depósito, e um ente fiduciário, o depositário escrow, que acompanhará a execução do contrato principal e, a quem se confia a guarda dos bens dados em sua garantia (ANTUNES, 2007). 65
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Diferentemente de outras formas de garantias oriundas do direito anglo-saxão, a exemplo dos trusts, o depositante não transfere o domínio do bem depositado in escrow, mantendo-se como legítimo proprietário enquanto não verificada condição que obrigue sua alienação ao beneficiário do depósito. O depositário escrow, ou “escrow holder”, independente e imparcial, por sua vez, recebe o bem dado em garantia, obrigando-se perante os sujeitos do contrato principal a guardar, administrar e, eventualmente lhe dar a destinação acordada. Ainda, integra a relação contratual o eventual beneficiário do bem depositado, o que confere o caráter trilateral ao escrow. O beneficiário torna-se parte no contrato para verificar se o destino do bem dado em garantia pelo depositante ao “escrow holder” está sendo cumprido, sendo que sua participação se justifica pela existência de um negócio jurídico conexo ao depósito de que é titular como credor eventual. A qualidade de credor do beneficiário é dita eventual, porque depende de vicissitudes subsequentes do negócio subjacente (futuras e incertas) a que estão condicionadas a produção de seus efeitos e que determinarão o legitimado a exigir a entrega do bem ao depositário. Conforme Antunes (2007): A qualidade de credor do beneficiário do depósito é, conforme sublinhado, meramente eventual. Com efeito, o seu 66
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direito de crédito (caucionado com o depósito) está dependente das vicissitudes ocorridas ao nível do contrato conexo ao depósito escrow, nomeadamente do preenchimento da condição (suspensiva) a que as partes subordinaram a produção da totalidade ou parte dos efeitos do referido contato. Neste caso, a atribuição ao beneficiário do depósito do direito a exigir a entrega dos bens depositados está dependente, apenas e só, da verificação do evento condicionante que poderá desencadear a produção dos efeitos do negócio jurídico celebrado.
A ausência desse caráter de eventualidade descaracterizará o escrow como tal, como no caso em que a condição de credor se subordina a evento futuro e certo, por exemplo, a morte do depositante, em que o beneficiário nada faz além de aguardar o implemento do termo. Quanto a sua natureza jurídica, o contrato de depósito evoluiu de sua função inicial de satisfazer uma necessidade prática de custódia e conservação de uma determinada coisa no interesse de outrem para ser aproveitado para a finalidade de garantia, como é o caso de depósito com função de garantia, quando adquire natureza acessória ao contrato principal, cujo cumprimento visa assegurar. O contrato com função de garantia escrow tem suas raízes na antiga prática negocial do direito anglo-saxônico, sobretudo nos Estados Unidos, consistente na entrega de bens 67
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de valor elevado em garantia do cumprimento de obrigações à terceiro, que se compromete a guardá-los até que se verifiquem ou não determinadas condições. De acordo com a doutrina e jurisprudência norteamericanas o escrow se aproxima do instituto da “agency”, contrato pelo qual uma pessoa (denominado principal) outorga a outra (o agent) poderes para agir em seu nome, encarregando-o da prática de atos constitutivos, modificativos e extintivos de direito, que tem como características essenciais a relação consensual e fiduciária e, a atribuição de poder-dever, assemelhando-se ao contrato de mandato brasileiro e ao de representação do direito português. No direito brasileiro, o art. 632 do Código Civil de 2002 prescreve:“Se a coisa houver sido depositada no interesse de terceiro, e o depositário tiver sido cientificado deste fato pelo depositante, não poderá ele exonerar-se restituindo a coisa a este, sem consentimento daquele”.Pode-se dizer que, a rigor, que o citado dispositivo consagra uma espécie particular de depósito em que o direito do depositante de reaver a coisa está condicionado ao consentimento do terceiro beneficiário. No entanto, a doutrina distingue duas principais espécies de depósito com funções de garantia: (i) o depósito no interesse de terceiro (que é regulado pelo direito brasileiro), e (ii) o depósito em favor de sujeito alternativamente determinado (suspensivamente condicionado quanto à pessoa legitimamente autorizada a exigir a entrega da coisa). Este último, sem regramento legal (ANTUNES, 2007). 68
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A função de garantia desta espécie de contrato reside no fato de que o terceiro tem mais confiança no adimplemento do depositário, normalmente um Banco de primeira linha, de liquidez indiscutível, do que na pessoa de seu devedor: o depositante. Há, na verdade, a substituição da pessoa do devedor. Por outro lado, o depósito em dinheiro, caracteriza depósito irregular, entendido como aquele que recai sobre coisas não individuadas, fungíveis e consumíveis, em que não é possível a devolução da própria coisa depositada, mas outra do mesmo gênero, quantidade e qualidade, razão pela qual desvirtua a natureza do contrato, alterando-lhe a causa, aplicando-se as regras concernentes ao mútuo. O depósito irregular não se confunde totalmente com o mútuo, porque preserva para o depositante a faculdade de exigir a restituição do equivalente à coisa fungível depositada. Dai porque muitos entendem que “o depósito irregular não é mútuo nem depósito propriamente dito, mas negócio especial” (GOMES, 1999). Em conclusão, entende-se que o escrow é um depósito irregular, inominado e atípico, com função de garantia, em favor de sujeito alternativamente determinado, não contemplado pelo artigo 632 do Código Civil. Embora incomum na prática jurídica brasileira, o contrato escrow vem sendo cada vez mais utilizado no mercado de licenciamento de programas de computador. Como dito anteriormente, num contrato de desenvolvimento de software, o licenciante receia que o licenciado faça alguma utilização 69
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indevida do programa, não tendo interesse, assim, em entregar a este último o código-fonte, mas apenas em transmitir-lhe o programa sob a forma de código-objeto. Por outro lado, o licenciado teme que, por circunstâncias alheias a sua vontade, o licenciante deixe de assegurar os serviços de manutenção, suporte e atualização necessários a utilização corrente do software, estando, pois, interessado em ter acesso ao código-fonte do programa. O depósito escrow do código-fonte junto à terceiro de confiança, dotado de conhecimentos técnicos específicos, permite salvaguardar os riscos presentes: o risco do licenciante em ver o código-fonte indevidamente utilizado pelo licenciado, por outro lado, o risco deste último em possuir material informático sem qualquer aplicação prática. O escrow celebrado no mercado informático tem sido amplamente estudado por autores norte-americanos. Relativamente às principais características desta modalidade particular de escrow, conhecida como “soft code escrow agreement”, cumpre salientarmos determinados pontos (ANTUNES, 2007): Primeiramente, aquilo que o titular do software deposita in escrow é apenas um suporte informático (por exemplo, um CD-ROM ou um USB), uma vez o código-fonte – como bem incorpóreo – não pode ser objeto de depósito. Da mesma maneira, deposita-se toda documentação referente aquele código-fonte, em especial, o manual de instruções e todos os documentos que permitem manter o software em pleno 70
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funcionamento, sem necessidade de recorre a ajuda do licenciante. Em segundo lugar, em razão da natureza especial do bem depositado, é importante que se estabeleçam algumas cláusulas particulares, que não existem na generalidade dos contratos de depósito escrow, como por exemplo, as que impõem ao depositário (holder) o dever de confidencialidade, as que determinam a atualização periódica do código-fonte em caso de novas versões ou releases do software, ou ainda, as que preveem a realização de testes periódicos pelo depositário, a fim de comprovar que essas novas versões estão aptas a funcionar corretamente. Em terceiro lugar, o escrow do código-fonte não garante plenamente a posição jurídica do licenciado. Isto porque o licenciado não está em condições de verificar se o material depositado em garantia corresponde, de fato, ao verdadeiro código-fonte. Por outro lado, porque a informação depositada é, em muitos casos, insuficiente para assegurar ao licenciado a plena utilização do código-fonte. Finalmente, porque, em certos casos, a entrega efetiva do código-fonte ao licenciado não é automática, ou seja, não ocorre imediatamente após a verificação do fato condicionante previsto no contrato, podendo o licenciante (ou terceiro legitimamente interessado) opor-se aquela, frustrando, assim, com evidentes prejuízos para o licenciado, o processo de entrega do bem. Justamente neste último caso que focamos os esforços deste trabalho. Para que o licenciado tenha acesso ao código71
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fonte e toda a documentação correlata, é necessário que determinado(s) evento(s) ocorra(m). Tal cláusula que condiciona a entrega da coisa à ocorrência de certos eventos, chamada pela doutrina norte-americana de “triggering clause”, normalmente, está relacionada a alguma falha por parte do licenciante, sendo que o fracasso do empreendimento, notadamente através da decretação da falência, é condição amplamente presente neste tipo de contrato. Entretanto, partindo da premissa de que a revelação do código-fonte para terceiro, no caso o licenciado/beneficiário, acarreta na diminuição do valor de mercado do programa de computador depositado, pode o administrador judicial da falência exercer a prerrogativa contida no artigo 117 da lei 11.101/2005, se opondo a entrega do bem? Primeiramente, antes de respondermos tal questionamento, impende esclarecermos a relação entre o valor de mercado de um programa de computador e, o quão secreto é mantido seu código-fonte. Como o custo marginal de se produzir uma cópia de um software é, na prática, nulo (ou quase nulo), vez se trata de bem imaterial, o controle sobre o código-fonte do produto se torna essencial para o desenvolvedor. Assim, trata-lo como segredo industrial é medida imperativa, de modo a se manter a frente de seus competidores. A partir do momento que o código-fonte abandona sua condição de segredo, seu valor irá inexoravelmente diminuir. Seria tal redução no valor de mercado conveniente para a massa falida? A nosso ver, a resposta é negativa. 72
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Temos que o administrador judicial da falência pode, de fato, opor-se a entrega do bem depositado in escrow em caso de falência do licenciante, prevista tal condição como triggering event. Ora, a regra geral estabelecida pela 11.101/2005 é a de que os contratos não se resolvem pela falência. Conforme nos ensina Trajano de Miranda Valverde (1948): As obrigações a cargo do falido, quer resultem de contratos unilaterais, quer representem a contraprestação devida por força de um contrato bilateral, já totalmente cumprido pela outra parte, o credor, vencem-se no dia da abertura da falência, e quanto aos contratos bilaterais, ainda não cumpridos no todo ou em parte, pelos contratantes, é ponto firmado na doutrina e assinalado pela lei que ele, em princípio, não se resolvem com a falência de qualquer do contratantes.
Entendemos que, apesar da Lei 11.101/2005 não fazer referência expressa aos contratos trilaterais, como é o caso do contrato de depósito escrow, a regra geral prevista para os contratos bilaterais de trato sucessivo se aplicam ao caso. Ora, se tal regra se aplica a contratos unilaterais e bilaterais, não há porque haver exceção para os trilaterais, a não ser que expressamente prevista em lei, o que não é o caso. A falência influi na execução do contrato bilateral e a lei concede ao administrador da falência o direito de executar, 73
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ou não, os referidos contratos, conforme lhe parecer mais conveniente aos interesses da massa falida. Isso significa não agravar a situação econômica da própria massa falida. A razão é simples: ao administrador judicial é vedado prejudicar o interesse dos credores. Como a falência existe no interesse de todos os credores, seria uma iniquidade permitir que a situação desses mesmos credores sofresse prejuízo, vendo sua possibilidade de recebimento dissipar no interesse individual de um terceiro credor, nesse caso o beneficiário do escrow. A falência é juízo de igualdade (par conditio creditorum). Os interesses são coletivos, não individuais, por isso a decisão de cumprir ou não o contrato deve levar em consideração o interesse de todos os credores (SIMIONATO, 2008). Se não houver conveniência para a massa falida o administrador judicial pode não executar total ou parcialmente o contrato, mas a outra parte tem o direito de exigir da massa falida a devida indenização pelas perdas e danos. Todavia, como dissemos anteriormente, tal opção, de longe, não é a ideal.
2.6
CONCLUSÃO
Por fim, podemos concluir que o contrato de depósito escrow do código-fonte é uma solução interessante para o licenciado, visando se resguardar de eventual fracasso no empreendimento do licenciante. Todavia, é uma solução 74
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imperfeita, ou mesmo incompleta, pois a entrega do bem depositado in escrow não é automática, podendo ser obstada pelo administrador judicial da falência, caso este entenda que tal revelação se dê em sentido contrário aos interesses econômicos da massa falida, não sendo assim conveniente, na acepção legal do termo. Assim, como na situação em que o administrador judicial interrompe o contrato de desenvolvimento e licenciamento do programa de computador encomendado, deixando o licenciado “a ver navios”, essa mesma interferência advinda da prerrogativa do artigo 117 da Lei 11.101/2005 deixa o licenciado novamente em situação delicada. A nosso ver, tal situação pode gerar efeitos inibitórios (chilling effects) em relação a um cenário de investimentos neste mercado. Cabe, assim, ao legislador prover segurança jurídica às empresas que pretendem modernizar-se. Na ausência de legislação específica, a solução seria se a cláusula resolutiva expressa pela falência fosse ineficaz, dando condições para que o licenciado continuasse a exercer sua empresa, sem interrupções, confiando no bom-senso e no julgamento razoável do administrador judicial da falência, de que a continuação do contrato apresenta-se conveniente para a massa falida. Porém, tal solução não é ideal. Maior segurança jurídica residiria em solução de cunho legislativo, semelhante ao que fizeram os norte-americanos ao criar o Intellectual Property Bankruptcy Protection Act, representado pela seção 365(n) do Bankruptcy Act, o qual é objeto de estudo a ser apresentado em futura dissertação. 75
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REFERÊNCIAS
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CAPÍTULO 3
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REVISÃO SOBRE O PRINCÍPIO DA EXAUSTÃO NACIONAL DAS MARCAS E PATENTES NO BRASIL: UMA VISÃO LEGAL E JURISPRUDENCIAL CARLOS ALBERTO ROHRMANN ALEXANDRE DE CASTRO DANTES *
3.1 INTRODUÇÃO Como já exploramos em trabalhos anteriores, o princípio da exaustão do direito de propriedade intelectual (originário do desenvolvimento jurisprudencial alemão, no início do século 31) é uma limitação ao direito de exploração *
Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos. Bacharel em Direito pela PUC/MG (FMD). Especialista em Direito Público pela Faculdade de Direito Milton Campos, MG. Bacharel em Português pela Faculdade de Letras da UFMG. Advogado. 31 BORGES. Valesca Raizer. As importações paralelas nas relaçõesregionais: a exaustão dos direitos de propriedade intelectual no debate sobre a Área de Livre Comércio das Américas – ALCA. Faculdade de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo. Fonte: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/8193-8192-1PB.htm, acessa dia 04/08/2016.
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exclusiva da propriedade intelectual, a partir da seguinte acepção: “o direito de exclusividade não confere ao titular o poder de controlar a revenda do produto protegido, uma vez que este tenha sido colocado no mercado por ele ou por seus licenciados” 32. O objetivo do princípio da exaustão é buscar um equilíbrio entre os interesses patrimoniais de seu titular e o interesse comum ao livre acesso, circulação e utilização de mercadorias que incorporem direitos de propriedade intelectual. Daí porque ser importante a distinção entre a exaustão nacional e a internacional, pois seus efeitos são bastante distintos. Há exaustão nacional quando, para que exista esgotamento de direito, a ordem jurídica exige que a colocação do produto tenha ocorrido no mercado nacional, logo, há apenas o esgotamento desse direito dentro desse território. Nestes casos, a importação paralela é proibida (a importação paralela é a introdução, sem a autorização do titular do direto intelectual, no mercado interno de um país de um produto não falsificado que tenha sido legitimamente colocado no mercado externo pelo próprio titular do direito, ou com a sua autorização). A importação paralela só é autorizada quando a legislação do país importador admitir a exaustão internacional.
32
ALEXANDER, Willy, “Exhaustion of Trade Mark Rights in the European Economic Area”, European Law Review, vol.24, fevereiro, 1999, pp. 56-67. Fonte: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/81938192-1-PB.htm, acessa dia 04/08/2016.
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3.2 IMPORTAÇÃO PARALELA
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No Brasil, vige a regra da exaustão nacional, pois, o legislador expressamente utilizou a expressão “no mercado interno”, na redação dos artigos 43 e 132 da LPI/96 (incisos IV, do art. 43 e III, do artigo 132, da LPI/96 - o primeiro, referente às patentes e, o segundo, às marcas 33). Dessa forma, ao adotar o princípio da exaustão nacional, a colocação do produto no mercado estrangeiro não exaure o direito exclusivo do titular de controlar as importações. Aqui, citamos Maristela Basso, por sua clareza e precisão ao ressaltar que “a partir da nova LPI, o titular da marca não pode impedir a livre circulação de produto colocado no 'mercado interno' com 'o seu consentimento' e com isso foi introduzido no sistema brasileiro o conceito de exaustão dos direitos sobre a marca, segundo o qual, após a primeira venda do produto no mercado interno (nacional), o direito sobre a marca se esgota, de modo que o titular da marca não poderá mais invocar o direito de exclusividade para impedir as vendas
33
“Art. 43. O disposto no artigo anterior não se aplica: (...)IV - a produto fabricado de acordo com patente de processo ou de produto que tiver sido colocado no mercado interno diretamente pelo titular da patente ou com seu consentimento” e “Art. 132. O titular da marca não poderá: (...) III - impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno, por si ou por outrem com seu consentimento, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 68”.
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subsequentes” 34. Neste ponto, não há diferença substancial no conteúdo dos direitos das patentes e das marcas. Em ambos os casos são conferidos direitos nos quais se inclui o poder de excluir terceiros da prática de atos não autorizados pelos titulares dos direitos e a exaustão que se aceita, a partir da interpretação dos referidos incisos IV, do art. 43 e III, do artigo 132, da LPI/96, é apenas a nacional (diante da expressa referência ao mercado interno em ambos os incisos). Logo, no que diz respeito aos limites no exercício dos direitos de marca, o Brasil incorporou o conceito de exaustão de direitos em nível nacional, de forma que uma vez comercializado legalmente o produto marcado no mercado interno (nacional), o titular da marca não pode controlar as operações de venda ou uso subsequentes à primeira venda (first sale doctrine), uma vez que os direitos de exploração comercial sobre um determinado produto extinguem-se a partir da sua primeira venda no mercado interno. E isso tem efeitos e consequências nas relações dos mercados, consumidores, importadores e titulares dos direitos de propriedade industrial. Tanto que a matéria não é pacífica e comporta acesa discussão em nossos Tribunais. A decisão que destacamos do Superior Tribunal de Justiça, publicada em 34
BASSO. Maristela. “A Importação Paralela e o Princípio da Exaustão. Especial Referência às Marcas”, em “Ensaios sobre o Direito Imaterial Estudos Dedicados a Newton Silveira”, Org. KARIN GRAU KUNZ e DENIS BORGES BARBOSA, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, p. 204
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março de 2013, teve como Relator, o então Ministro Sidnei Agostinho Beneti e foi proferida no julgamento dos recursos especiais ns. 1249718/CE e 1.200.677/CE (informativo n. 0514, de 20 de março de 2013). Antes de adentrarmos ao mérito dessa decisão, é importante lembrar que o Superior Tribunal de Justiça já havia, em 23 de agosto de 2011, enfrentado parcialmente o tema no julgamento do RESP 120952/AM, entretanto, os limites formais e, talvez, a limitação dos fatos (em especial, o detalhe de que havia recondicionamento dos produtos vendidos) não permitiu mais profunda análise da questão da exaustão dos direitos. De qualquer forma, importante destacar que houve discussão acerca da tese da recorrente de que “os produtos comercializados são originais e importados de revendedora autorizada da marca Minolta, não podendo a titular da marca no Brasil impedir a comercialização dos produtos licitamente inseridos no mercado interno”. Entretanto, a aplicação do enunciado da Súmula n. 7 do Superior Tribunal (impossibilidade de rever fatos do processo) impediu que a matéria fosse devidamente apreciada, porém, restaram as seguintes observações importantes: “No caso em julgamento, o Tribunal de origem apurou que não há autorização, pela titular da marca, para a importação dos produtos, portanto o artigo 132, inciso III, da Lei 9.279/96, não socorre a recorrente, pois não há materialização de hipótese de incidência da norma que, como ressalvado no texto legal, exige que o produto tenha sido inserido no mercado brasileiro com a anuência do titular da marca” e “No mesmo sentido, já decidiu 83
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este colegiado, realçando que as importações paralelas lícitas são contratos firmados com o titular da marca no exterior, ou com quem tem o consentimento deste para comercializar o produto”. Vê-se, assim, que o Superior Tribunal já sinalizava para a opção do entendimento da aplicação exclusiva da exaustão nacional, com base na interpretação da legislação brasileira. Pois bem, o outro acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça julgou dois recursos especiais (ns. 1249718/CE e 1.200.677/CE), originários de duas ações conjuntas, referentes à questão da importação paralela de produtos, decorrentes, ambas, do fato da GAC IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA haver sido impedida de realizar, como o fazia desde as primeiras vendas em 1967, a compra, no mercado exterior (nos Estados Unidos da América), para venda no Brasil, de “scotchs whiskies” produzidos pela DIAGEO BRANDS B V (titular de marca no exterior), objeto de autorização de comercialização no país pela DIAGEO BRASIL LTDA (sua distribuidora autorizada no Brasil), de quem a GAC IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA vinha adquirindo produtos, no mercado nacional, desde 1998. A primeira ação (autoras, DIAGEO BRANDS e DIAGEO BRASIL) visava à cessação de importação, distribuição e comercialização de produtos das marcas “Johnie Walker”, “White Horse”, “Black & White” e variações, realizadas em virtude da “importação paralela”, bem como ao pagamento de indenização por perdas e danos. 84
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A segunda ação (autora, GAC), visava à cessão de “boicote” às importações dos mesmos produtos, sob pena de pagamento de multa diária, bem como à obrigação de concessão do direito de importar os produtos das marcas aludidas e, ainda, à indenização, pelo tempo de duração da recusa de vender, compreendendo lucros cessantes, até a cessação da recusa. A sentença única, proferida para ambos os processos, julgou procedente a ação movida por GAC, mas improcedente a ação movida por DIAGEO BRANDS e DIAGEO BRASIL e teve o seguinte dispositivo: “(I) Declarar GAC Importação e Exportação Ltda como detentora do direito de importar para o Brasil as marcas de uísque licenciadas em nome de Diageo Brands Ltda, desde que colocadas por esta no mercado externo: (II) condenar Diageo do Brasil Ltda a indenizar GAC Importação e Exportação Ltda pelas perdas e danos decorrentes da 'recusa em vender', compreendendo os lucros cessantes frustrados, que devem ser apurados desde a origem do fato – março de 2004 – até a cessação da recusa ou apuração em liquidação por arbitramento”. Dessa forma, pode-se afirmar que a sentença estava fundada em três fundamentos principais: o primeiro, que o registro validamente expedido pelo INPI confere ao titular o uso exclusivo da marca no território nacional, mas, não constitui impedimento à livre concorrência de produtos autênticos da mesma marca de origem diversa. O segundo, de que a função principal da marca é distinguir produtos; logo, a importação paralela não afetaria os 85
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direitos do titular da marca e, o terceiro, que merece nosso destaque, de que a importação paralela apenas é ilegal quando os seus objetos são produtos contrafeitos, conforme interpretação dada pelo Juiz do art. 132, III, da LPI/96. Cabe ainda destacar que o Juiz deixou claro que a propriedade privada é um direito individual constitucionalmente garantido (art. 5º, XXII, CF) que tem função social (art. 170, III, CF) e que o conteúdo dos direitos de propriedade garantidos pela marca são aqueles conferidos pelo registro e pela lei, obsevados os limites constitucionais. Justificou, ainda, que o seu entendimento tutela os direitos de propriedade intelectual e confere maior eficácia ao princípio da livre concorrência, ou seja, trata-se de evidente entendimento a favor da livre circulação de bens. O acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Ceará manteve íntegra a sentença, sob o seguinte entendimento: “1. O registro validamente expedido assegura ao seu titular o direito de uso exclusivo da marca em todo o território nacional, mas não constitui óbice à livre concorrência entre produtos autênticos da mesma marca de origens diversas. 2. Se a função moderna da marca é distinguir produtos e serviços entre si, a importação paralela de produtos autênticos em nada afeta os direitos do proprietário da marca. 3. A aplicação da técnica da interpretação conforma a constituição ao art. 132, inciso III, da Lei 9.179/96, enseja a conclusão de que só é vedada a importação paralela de produtos contrafeitos, que imitam, reproduzem ou falsificam fraudulentamente outros 86
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de marca registrada. 4. Apelação improvida. Sentença confirmada”. Observação importante dessa decisão foi que o Desembargador reconheceu que “Na prática, a importação paralela tornar absolutamente inócua a cláusula contratual que atribui a exclusividade dos produtos identificados pela marca, no mercado nacional. Todavia, o só fato de um produto legítimo e genuíno ser originário do exterior e importado de terceiro, que não o titular ou o licenciado da marca no mercado local, não implica violação a quaisquer direitos de propriedade industrial. Desse modo, a importação paralela qualifica-se como atividade inequivocamente tutelada pelo princípio constitucional da livre concorrência. E sendo assim, eventuais perdas comerciais para o titular da marca que sejam decorrentes da importação paralela serão uma contingência natural do exercício da atividade econômica em um mercado globalizado”. Mais do que interessante esse posicionamento, a sentença e o acórdão proferidos levantam questões modernas, a partir de interpretação e equilíbrio de fundamentos e princípios constitucionais. Com isso, o Tribunal chega à conclusão de que “Inexiste, pois, no contexto da ordem positiva vigente, fundamento jurídico apto a impedir a importação paralela”. Dessa forma, tanto o Juiz de primeira instância, como o Tribunal de Justiça do Ceará, expressamente defendem a aplicação da regra da exaustão internacional para as marca.
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Como destaca Maristela Basso 35, Karin Grau-Kuntz, em seu estudo “Importação paralela no Brasil”, afirma que “o Tribunal chegou a uma decisão diferente da LPI (art. 132, III) porque deixou de considerar a regra da territorialidade em sua análise da questão das importações paralelas e, consequentemente, não soube diferenciar entre o conteúdo jurídico do dispositivo e o programa político ali inserido”. Neste momento, preferimos destacar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Pois bem, interpostos os recursos especiais em face do referido acórdão, a matéria chegou ao Superior Tribunal de Justiça que proferiu decisão em sentido oposto ao entendimento das instâncias inferiores. O Ministro Sidnei Beneti, Relator do acórdão que julgou os recursos especiais, em seu voto, destaca que o art. 132, III, da Lei da Propriedade Industrial insere-se na modalidade de restrição à comercialização “combinando o critério territorial e o critério do fundamento jurídico”, ou seja, estabelece, “ex-vi legis”, a restrição à comercialização no país via importação paralela. Dessa forma, reconhece que, no Brasil, há uma restrição legal que se aplica a todo e qualquer agente de comercialização, no território nacional, de produtos de marca importada. O Relator destaca que no âmbito da União Europeia segue-se a exaustão regional (como vimos acima, a partir da colocação do produto pelo titular, ou com o seu consentimento, dentro de um dos Estados integrantes da União Europeia).
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BASSO, Maristela. Obra cit. p. 99.
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Destaca, ainda, que, naquele momento, nos Estados Unidos, a exaustão estaria se restringido às vendas nacionais, mas, já admite que o princípio “vem sendo mitigado em algumas circunstâncias”. O d. Relator, ainda, registra “a recusa do sistema da exaustão internacional (adotado por alguns Estados, como a Alemanha, mas rechaçados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia)” e lembra o caso específico dos medicamentos, que tendem a ter um tratamento diferenciado, imposto por necessidades dos Estados, seja em regular o preço ou importar o medicamento, em face da necessidade de fornecimento de determinados produtos à população, o que não é o caso dos uísques (que considera ser produto “desprovido de fornecimento imprescindível”). Diante disso, o Ministro Relator reconhece que o disposto no “art. 132, III, da Lei da Propriedade Industrial (lei 9.279/96), exigindo o consentimento do titular da marca para a legalidade da importação, é de clareza contra a qual se esboroa a tentativa de interpretação conducente ao sentido contrário às palavras, bem valendo o brocardo “in claris cessat interpretatio”. Assim, conclui que, pela lei brasileira “a exaustão do uso da marca deve dar-se mediante a introdução legítima, com o consentimento do titular da marca, no mercado nacional”, porque, presume-se que o titular, quando coloca o produto no mercado doméstico, encontra-se automaticamente remunerado e não poderá impedir que tal produto circule indiscriminadamente. 89
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Logo, com isso, ao contrário do entendimento esposado pelo Juiz de primeira instância e pelo Tribunal de Justiça do Ceará, entendeu que não vale “como exaustão, para validação da importação paralela, a colocação no mercado externo” e, assim, reconheceu que “o titular da marca internacional tem, portanto, em princípio, o direito de exigir seu consentimento para a importação paralela para o mercado nacional, com o ingresso e a exaustão da marca nesse mercado nacional”. Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça firmou a tese da necessidade de consentimento do proprietário da marca para a realização de vendas em importação paralela e, assim, limitou o resultado dos recursos à ocorrência, ou não, desse consentimento. No caso concreto, entendeu que foi consentida a importação paralela pelo prazo de cerca de quinze anos (“duração diante da qual, aliás, impossível negar o consentimento, por não oposição por longo tempo”) e, por isso, a importação paralela, que vinha sendo realizada pela GAC, não podia ser tida por ilícita ante a não oposição da DIAGEO BRANDS e DIAGEO BRASIL, por longo tempo, “o que conferiu o consentimento, constante da lei como causa obstativa da ilegalidade da importação paralela”. Por isso, sem adentrar aos detalhes da condenação (que fogem ao objeto deste estudo), as empresas DIAGEO BRANDS e DIAGEO BRASIL foram condenadas a indenizar a GAC pela recusa da venda, considerando-se a legalidade da 90
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importação paralela exclusivamente em face do consentimento (e, não, pela exaustão de direitos). Detalhe importante foi que mesmo deferida a indenização, diante do entendimento em relação à exaustão nacional, foi afastado o direito ao prosseguimento da importação paralela, ante a oposição da titular da marca (diante da qual era impossível sustentar o necessário consentimento exigido pelo art. 132, III, da Lei da Propriedade Industrial). Por fim, em que pese o julgamento unânime, acrescente-se que o voto vista do Ministro Ricardo Villas Boas Cuevas, seguiu o mesmo entendimento e foi preciso ao afirmar que “a introdução da expressão "mercado interno", constante na redação final aprovada do dispositivo legal em análise, objeto de substitutivo do Senado Federal, atrai a conclusão de que a adoção do princípio da exaustão nacional de direitos segundo o qual o direito de exclusividade do titular da marca se exaure somente após a inserção do produto no mercado local foi, portanto, fruto de consciente opção legislativa”. Em que pese ainda não haver o trânsito em julgado dessa decisão, os fundamentos ali apontados são importantes porque confirmam o entendimento do Superior Tribunal de que o Brasil adotou esgotamento nacional dos direitos de marca e, assim, cria um precedente para outros distribuidores exclusivos cujos direitos são violados por importações paralelas. Sem diminuir a importância do decidido no citado acórdão, cabe destacar a escassez de decisões do Judiciário brasileiro em relação ao tema, além dos julgados citados, 91
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inclusive no Superior Tribunal de Justiça. Isso certamente reflete na falta de especialização do Judiciário, em geral, em relação à propriedade intelectual que, apesar do seu constante aumento e importância, parece-nos ainda não ter merecido o devido destaque na nossa Corte Superior, ou mesmo no Supremo Tribunal Federal. No caso do Supremo Tribunal Federal são raras as decisões recentes (para se ter uma ideia, uma pesquisa, em 2016, pelo vocábulo “patente” leva apenas a 02 (dois) casos de repercussão geral referentes a patentes de Oficiais da Polícia Militar - ARE 691306 RG/MS e RE 601146 RG/MS), em especial, porque nas oportunidades que o Supremo teve de se manifestar, entendeu estar diante de recursos que teriam discussão referente à matéria infraconstitucional (o que faz com que o caso não seja analisado pela Suprema Corte Brasileira, em face da sua competência), ou que exigiriam revolvimento de matéria fática (o que, também, é vedado ao Supremo Tribunal Federal) 36. O Superior Tribunal de Justiça, apesar de nunca ter se debruçado de forma mais profunda sobre este tema da exaustão internacional, como a matéria merece (à exceção dos 36
Por exemplo, ARE 921883 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 24/11/2015; ARE 874940 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 28/04/2015; AI 857526 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 26/02/2013; AI 812912; ARE 656103 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 14/02/2012 e AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 02/12/2010.
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julgados analisados acima, nos recursos especiais 1249718/CE e 1.200.677/CE que, apesar de terem enfrentado diretamente a questão, o fizeram de forma ainda superficial, em especial por não terem enfrentado os fundamentos das instâncias inferiores acerca da natureza e objetivo das importações paralelas e significado social da exaustão de direitos internacional para o Brasil) tem importantes decisões sobre a propriedade intelectual (vide, em especial, a pesquisa selecionada na edição n. 24: Propriedade Intelectual, das teses firmadas no Superior Tribunal 37). De qualquer forma, reitero que há uma evidente falta de especialização do nosso Judiciário, que causa distorções capazes de inibir, inclusive, o fortalecimento do nosso sistema de proteção à propriedade intelectual. Um exemplo que citou com frequência é o recente acórdão do Superior Tribunal de Justiça, proferido no RESP 1.357.912-SP (2012/0258134) e sua interpretação por um Juiz de primeira instância da Comarca de Florianópolis. Senão, vejamos. Foi proferida sentença no processo n. 0002736-76.2012.8.24.0082 (proferida pelo Juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Florianópolis, SC) que, em síntese, entendeu que apesar do autor ter o registro da marca ”Hotel Cambirela” no INPI (vigente), mesmo diante da improcedência de outra ação ajuizada pelo réu, com o objetivo de anular o registro do autor (que, portanto, continuou válido), o direito do 37
Vide “Jurisprudência em Teses”, disponível no site do Superior Tribunal de Justiça. A Edição n. 24 é a referente à Propriedade Intelectual. Fonte: http://www.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp, acessado dia 30 de abril de 2016.
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autor de proteger a sua marca registrada e exigir a abstenção de uso por terceiro não deveria prevalecer, em face da prescrição (o d. Juiz sustentou que a “contagem do prazo prescricional iniciou com a utilização indevida da marca registrada do autor pelo réu, no momento do registro do nome empresarial deste último na Junta Comercial, o que ocorreu em 19/08/1991”). Com essa decisão, o Juiz, supostamente com fundamento em decisão do Superior Tribunal de Justiça, permitiu que o réu continuasse a usar a mesma marca do autor, “Hotel Cambirela” (para a mesma atividade, dentro do Brasil) e extinguiu o processo nos termos do art. 269, IV, do CPC (pois, foi acolhida a questão prejudicial de mérito - a prescrição), em total afronta a todos os princípios e legislação que regem as marcas, além do próprio entendimento do Superior Tribunal de Justiça citado como fundamento da decisão. Ora, acontece que o acórdão que fundamentou a decisão, proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no RESP n. 1.357.912-SP se, de um lado, tinha diversos sintomas da falta de profundidade da análise da questão em relação à propriedade intelectual, de outro, não tratou especificamente dessa prescrição arguida e acolhida e jamais permitiu tal absurdo de uso de duas marcas iguais, para o mesmo serviço, dentro do Brasil. O equívoco do d. Juiz foi fazer confusão entre o nome empresarial, a marca e o que foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça. Como dito acima, o registro validamente expedido pelo INPI assegura ao titular da marca o seu uso exclusivo em todo o território nacional. Em relação ao nome 94
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levado a registro na Junta Comercial (nome empresarial, que nada tem a ver com a marca a ser utilizada e explorada pela empresa), a tutela se circunscreve à unidade federativa de competência da junta comercial em que registrados os atos constitutivos da empresa. Feita essa distinção, foi decidido no RESP 1.357.912-SP, o seguinte: “1- Conforme recente jurisprudência da Terceira Turma deste Tribunal, havendo colidência entre marca e nome comercial, a questão não deve analisada apenas sob a ótica da anterioridade do registro, mas também pelos princípios da territorialidade e da especialidade. 2.- Hipótese em que o Acórdão recorrido reconhece, diante das peculiaridades fáticas do caso concreto, a anterioridade do registro da marca efetuado 11.9.1948, junto ao INPI, não obstante ter se efetivado em sub-classe diversa daquela referente ao produto efetivamente comercializado pelas partes do processo. 3.- Prazo prescricional que não se conta da data da aquisição da marca, mas, dado o princípio da accessio temporis, desde a data em que o antecessor tinha conhecimento da alegada violação, que, no caso, deu-se pelo registro do nome na Junta Comercial. Caso contada a prescrição a partir da aquisição da marca, o curso da prescrição restaria sob a discricionariedade unilateral, pois a só cessão da marca ensejaria reinício da contagem do prazo - abrindo-se risco à comercialização da marca à beira do prazo prescricional e, consequentemente, do próprio instituto da prescrição, que deixaria de ser instrumento de paz e estabilidade das relações jurídicas e sociais. 4.- Nesse contexto, tem-se que a contagem do prazo prescricional se iniciou com a utilização indevida da 95
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marca registrada da autora pela ré, no momento do registro do nome empresarial desta última na Junta Comercial, em 4.4.1978, e não em 21.9.1999, como considerou o Acórdão recorrido, momento em que a marca foi novamente registrada pela autora, dessa vez no produto efetivamente comercializado pelas partes, após, inclusive, a propositura da presente ação. 5.Reconhecida a prescrição do pedido de abstenção do uso da marca como parte do nome empresarial, afasta-se a condenação em danos materiais decorrentes do uso indevido da marca. 6.Recurso Especial provido para reconhecer a prescrição do pedido de abstenção de uso da expressão "GUARANI" como parte integrante de nome comercial e para afastar a condenação imposta a título de perdas e danos. Ônus da sucumbência redistribuídos (REsp 1357912/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/03/2014, DJe 10/04/2014)”. Com a devida vênia, em que pese o acórdão entender que “o termo inicial da prescrição é a data em que se deu o registro da marca no INPI”, a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça tratava exclusivamente do pedido de abstenção de uso da marca pelo réu em seu nome empresarial, registrado na Junta Comercial, no caso, muitos anos antes do registro do INPI. Talvez, o que faltou ao referido acórdão foi deixar mais evidente essa distinção (nome empresarial e marca), mas, o d. Ministro Relator, no julgamento dos embargos de declaração (que questionava exatamente esse ponto, isto é, pensava uma das partes ter conseguido o direito de uso da 96
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marca registrada da outra parte), foi preciso e claro: “Quanto ao pedido de abstenção do uso da marca “GUARANI”, cumpre consignar que este foi julgado procedente pela sentença de primeiro grau, que não houve reforma quanto a esse ponto no acórdão recorrido” (EDcl no RESP 1.357.912). Assim, como não poderia deixar de ser, o Superior Tribunal sanou qualquer possibilidade de obscuridade no julgado e expressamente reconheceu que não se tratava de extinção da pretensão de abstenção do uso ilegal da marca, mas, tão somente, da prescrição quanto ao pedido referente ao uso da marca para compor o nome empresarial. E é esse, portanto, o equívoco do referido julgado (ainda, hoje, pendente de apreciação pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina – apelação cível n. 000273676.2012.8.24.0082), pois, como acima reiteradamente esclarecido, não há que se falar em “prescrição” para a proteção da marca devidamente registrada e vigente. Como é reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, há anos, “O termo inicial da prescrição da ação indenizatória por uso indevido de marca surge a partir da violação do direito, prolongando-se no tempo nos casos de violações permanentes ou continuadas” 38. Logo, é direito do titular pleitear, a 38
Tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça com base nos julgamentos dos REsp 1282969/SC,Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA,Julgado em 21/08/2014,DJE 08/09/2014 e REsp 1320842/PR,Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, Julgado em 14/05/2013,DJE 01/07/2013 que consta do item 10, da Edifição n. 24, da Jurisprudência de Teses do referido Superior Tribunal.
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qualquer tempo, que terceiro deixe de utilizar a sua marca sem autorização, ou seja, cesse o ato ilegal. Isso certamente é sintoma da falta de contato com a matéria (propriedade intelectual) do nosso Judiciário, como dito, carente de decisões com maior aprofundamento técnico e teórico. Quanto à pesquisa referente à doutrina de exaustão dos direitos no Brasil, encontramos decisões esparsas. No Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por exemplo, os únicos acórdãos encontrados, proferidos nos julgamentos dos recursos de agravo de instrumento e apelação cível interpostos no processo n. 0024.08.100.442-6, tiveram a sintomática falta de enfrentamento da questão (a Canon Kabushiki Kaisha havia juizado ação de obrigação de fazer em desfavor de Filibras Comercial Importação e Exportação Ltda., para tentar compelir a parte ré de se abster da prática de veiculação da marca "Canon" no logotipo, site e material publicitário da empresa, além de cessar a exploração comercial de produtos da marca oriundos de importação paralela, bem como abster-se de reproduzir material de propriedade da autora em folders e portfólios, sites e etc.). Interessante é que no julgamento do agravo (1.0024.08.100.442-6/001), a Desembargadora Claudia Maia, então Relatora, ao tratar da concessão da tutela antecipada deferida pelo Juiz de 1ª instância, enfrentou o tema exaustão de direitos, em uma análise preliminar, nos seguintes termos: “A questão de fundo diz respeito à concessão de tutela antecipada em sede de relação jurídico-processual travada em torno da 98
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ocorrência eventual da denominada importação paralela, instituto referido pela Lei n° 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), pela qual se dá a importação não autorizada de produtos colocados no mercado externo pelo próprio titular da patente ou por pessoa distinta, mas com seu consentimento (AHLERT, Ivan B. Importação paralela e licença compulsória. Revista da ABPI - Associação Brasileira da Propriedade Intelectual. Publicado na edição de março/abril de 1997)”. Diante disso, nesse julgamento preliminar entendeu que “não é concebido ao detentor da patente impedir a livre circulação do produto que foi colocado no mercado interno por outrem, mas chancelado por seu consentimento. No caso dos autos, a Agravante importou as mercadorias de empresas sediadas nos Estados Unidos, havendo inclusive prova nos autos no sentido de demonstrar que tais sociedades são revendedoras autorizadas da Agravada, conforme se constata, por exemplo, às fls. 604/605-TJ”. Daí porque, naquele momento, “A indagação que restaria a formular diz respeito à existência de permissão, por parte da Canon, a essas empresas para que possam exportar para o Brasil mencionados produtos, a teor dos arts. 43, IV e 132, III, da Lei de Propriedade Industrial. Ocorre que tal resposta não se encontra presente nos autos, a par de incidir sobre a Agravada o ônus de produzi-la, pois a ela cabe provar os fatos constitutivos de seu direito (art. 333, I, do CPC)”. Entretanto, quando do julgamento do recurso de apelação (1.0024.08.100.442-6/004), o Desembargador Nicolau Maselli, simplesmente ignorou a discussão em relação 99
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à exaustão de direitos e importação paralela e resumiu o seu voto no seguinte entendimento: “a autora apresentou às fls.25/30 documentos que comprovam ser a mesma detentora do registro da marca perante o INPI, daí que, apesar da apelante alegar que a compra do material que revende é feita por representante legal da Canon, tal fato não lhe gera o direito de usar a marca que pertence com exclusividade à parte apelada, que tem direito de proteger legalmente seus direitos”. Ou seja, ignorou completamente a discussão acerca da exaustão de direitos. Nenhum outro acórdão foi encontrado no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, mesmo com a utilização de vocábulos como “importação paralela”, “exaustão de direitos” e “propriedade industrial e doutrina e primeira venda”. Os poucos julgados existentes sobre a matéria (propriedade intelectual) resumem-se, a grande maioria, a discussões sobre a existência, ou não, de cópia de produtos patenteados 39, ou reprodução de marcas registradas 40.
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Por exemplo, TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0223.15.0175154/001, Relator(a): Des.(a) Rogério Medeiros , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/08/2016, publicação da súmula em 24/08/2016 ; TJMG - Apelação Criminal 1.0056.13.006353-2/001, Relator(a): Des.(a) Octavio Augusto De Nigris Boccalini , 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 06/10/2015, publicação da súmula em 16/10/2015; 40 Por exemplo, TJMG - Apelação Cível 1.0024.07.769259-8/004, Relator(a): Des.(a) Rogério Medeiros , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/06/2016, publicação da súmula em 01/07/2016; TJMG - Apelação Cível 1.0079.05.220245-8/004, Relator(a): Des.(a) Mônica Libânio , 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/09/2015, publicação da súmula em 07/10/2015 e TJMG - Apelação Cível 1.0394.10.012328-7/001,
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O mesmo se repetiu em relação ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, onde aparecem muitos julgados referentes a pedidos de nulidade de patentes, em face da necessidade de participação do INPI nesses casos, o que atrai a competência para a Justiça Federal 41, mas, nada expressivo em relação à exaustão de direitos. Destacamos que apesar das referências das pesquisas ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais e ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a intenção da pesquisa era concentrar no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a fim de evitar exaustiva análise de casos esparsos em todos os Tribunais de Justiça do Brasil, daí porque lembramos que a pesquisa realizada não esgotou o entendimento desses outros Tribunais, dos quais apenas destacamos, abaixo, um interessante e recente acórdão. É o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferido no julgamento do recurso de apelação n. 017139576.2008.8.26.0100 (recurso julgado em 19 de dezembro de 2014). Tratava-se de ação com pedido de obrigação de não fazer, promovida por Brother International Corporation do Brasil Ltda. em face de Plena Comercial Atacadista Ltda. e Relator(a): Des.(a) Domingos Coelho , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/04/2015, publicação da súmula em 08/05/2015. 41 AC 0028921-35.2009.4.01.3800 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 de 11/05/2016); AC 0005955-39.2009.4.01.3813 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Rel.Conv. JUÍZA FEDERAL HIND GHASSAN KAYATH (CONV.), SEXTA TURMA, e-DJF1 p.1113 de 10/02/2015)
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outras. A sentença proferida, em 02 de março de 2009, julgou procedente a ação para condenar as rés ao pagamento de lucros cessantes à autora, a serem calculados em liquidação de sentença, consistentes nas receitas auferidas pelas rés com a exploração comercial dos equipamentos Brother desde a citação até a cessação do ato ilícito (assim, ficaram impedidas de veicular e explorar comercialmente a marca “Brother” e seus produtos). Destaque foi que o Juiz de primeira instância entendeu que o ponto central da questão era a importação paralela e, por isso, havia concluído que a importação paralela não era permitida no Brasil por interpretação do art. 132, III, da LPI/96. Assim, comprovado o direito de exclusividade de comercialização dos produtos da Brother no Brasil (averbado no INPI), esse direito havia tornado-se oponível a todos, nos termos do art. 140 da LPI/96. Dessa decisão, as rés apelaram ao Tribunal de Justiça de São Paulo, sob os seguintes (e principais) fundamentos: que compram os produtos de distribuidor autorizado da Brother Industries e os trazem regularmente ao Brasil; que a importação paralela é legal; que as importações paralelas beneficiam os consumidores, pois baixam os preços e é benéfica à livre concorrência; que o entendimento em contrário cria monopólio artificial; que apenas comercializam produtos que já foram colocados no mercado; que possuem autorização do titular da marca; que a postura da autora é contraditória, considerando que a Brother Industries coloca seus produtos no mercado, comercializando-os e ganhando com isso e, 102
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posteriormente, por meio de sua subsidiária, tenta coibir a circulação dos produtos; afirmam que há exaustão dos direitos de propriedade industrial com a primeira venda. O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, já de início, citou o seu entendimento e destacou que “O debate perpassa a questão da exaustão dos direitos de propriedade intelectual. A questão é: considerado que a exaustão seja nacional, uma vez que se adquire produto cuja propriedade intelectual pertence a determinado proprietário, exauriu-se o direito intelectual do proprietário àquele produto e o comprador pode fazer o que bem entender com o produto, inclusive importa-lo e comercializá-lo em outros países. Por outro lado, considerando que a exaustão seja internacional, persiste a proteção integral à comercialização do produto pelo proprietário, de modo que a compra do produto em determinado país não libera o comprador a importa-lo e comercializá-lo em outro, dependendo assim de autorização, mediante negociação, do proprietário”. A par de algumas confusões em relação a conceitos, o referido acórdão traz, em seu relatório, breve histórico do princípio da exaustão, do qual destaco a observação de que o acordo TRIPS deixou em aberto o entendimento de cada país em relação ao assunto (exaustão nacional, ou internacional – art. 6, acima citado por nós), mas, que “não se chegou, na negociação havida entre países, a um consenso”. Assim, chega a seguinte afirmação: “O Brasil, sabese, não é dos maiores detentores de patentes. Contudo, mesmo autorizado pelo mencionado acordo TRIPS a adotar 103
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entendimento permissivo à importação paralela, e internacionalmente pressionando em tal sentido, não o fez. E, na criação da legislação, todo o debate permeou a adoção do artigo 43, inciso IV da Lei 9.279/1996”. E, por isso, o acórdão nos parece ter demonstrado clareza em sua assertiva e ter seguido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, esposado acima, proferido no julgamento do RESP 1200677/CE. Destaque especial merece, ainda, a seguinte passagem: “Tudo isto para deixar claro que, diante do respeitável posicionamento das rés e de todos possíveis benefícios que trariam a importação paralela ao país, inclusive considerando os princípios elencados (do livremercado, da concorrência, etc), o legislador brasileiro optou, conscientemente, a adotar entendimento diverso, que prioriza outros princípios igualmente constitucionais (notadamente o da propriedade privada)”. Daí a razão pela qual o Tribunal mantém a sentença de primeiro grau, que havia que condenado as rés a uma obrigação de não fazer, para que se abstivessem de veicular e explorar comercialmente produtos da marca “Brother” oriundos de importação paralela. Esse acórdão ainda não transitou em julgado e, hoje, há recursos especial e extraordinário pendentes de análise e julgamento. 3.3 CONCLUSÃO O último relatório anual da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (WIPO) mostra que o número de patentes validadas no Brasil está muito atrás dos países 104
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considerados referência em inovação. No referido relatório, com dados de 2012 dos 20 maiores escritórios de concessão de patentes no mundo, os Estados Unidos estão em primeiro lugar, com 2,2 milhões de patentes, seguido do Japão, que tem 1,6 milhão. Depois, estão China (875 mil), Coreia do Sul (738 mil), Alemanha (549 mil), França (490 mil), Reino Unido (459 mil) e até o principado de Mônaco (42.838). O Brasil estava na 19ª posição, com 41.453 patentes válidas 42.
De acordo com os atuais dados fornecidos pelo INPI, essa situação ainda parece longe de mudar. Na área de patentes, a variação no número de pedidos em 2014 e 2015 foi muito pequena: houve uma queda de 0,4%, o que fez com que passássemos de 33.182 em 2014 para 33.043 no ano passado. Até setembro deste ano de 2016, tivemos 22.901 pedidos, com apenas 3.461 concessões. Na área de marcas, em 2015, houve um tímido crescimento de 1% (um por cento) nos pedidos, assim, chegamos a 158.709 contra 157.016 registrados em 2014. Até setembro de 2016, foram feitos 124.937 pedidos de registro de marca (sendo 71.327 deferidos), o que dificilmente levará a um crescimento este ano 43. Por isso, a grande questão é como tentar mudar esse cenário de forma que o Brasil consiga, de fato, desenvolver o 42
Fonte: http://www.portaldaindustria.com.br/cni/imprensa/2014/04/1,35905/brasil -ocupa-penultima-posicao-em-ranking-de-patentes-validas.html, acessado em 12/05/2016, 43 Dados disponíveis no site do INPI, http://www.inpi.gov.br/sobre/estatisticas/estatisticas-preliminares-2013-apartir-de-2013, acessado dia 04 de outubro de 2016.
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seu conhecimento, sem continuar no caminho da contrafação (no Brasil há uma enorme aceitação do consumo de produtos falsificados 44) e do baixo conhecimento gerado nas nossas pesquisas, até aqui incapazes de mudar o cenário do número de patentes registradas, o que é visto nos números do INPI.
Claro, tal resposta passa por diversas áreas do conhecimento humano (social, político, econômico, etc.), com destaque para a função do Direito de cumprir, também, o seu papel de maximizar a economia e, com isso, multiplicar a riqueza e o bem-estar econômico, entretanto, a teorias econômicas, conforme afirmam Posner e Landes, “são grandes simplificadoras da lei” 45, o que nos leva a ter diversos cuidados ao simplesmente nortear os rumos que pretendemos a partir do cenário econômico. Daí porque todo o foco em encontrar nos limites da propriedade intelectual ferramentas de disseminação do conhecimento, sob a ótica da legalidade. Ora, o direito das patentes e o das marcas (e da propriedade intelectual, em geral) não foi criado para gerar 44
Vide resultado das pesquisas realizadas no artigo de NOVELLI, Douglas Henrique e SOARES, Isaak Newton, “O consumo de produtos falsificados em diferentes estratos sociais”, Fonte http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/percurso/article/viewFile/1148/ 774, acessado dia 10 de agosto de 2016 e no site http://www.bonde.com.br/economia/noticias/71-dos-brasileiros-compramprodutos-piratas-aponta-pesquisa-362800.html, acessado nesse mês dia de agosto de 2016 e teve a notícia com o seguinte título: “71% dos brasileiros compram produtos piratas, aponta pesquisa”. 45 LANDES, Willian; POSNER, Richard. The economic structure of intelectual property Law. Cambridge: Harvard University Press, 2003, p. 420.
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grandes fortunas ou privilégios exagerados aos titulares, mas, para assegurar o progresso das ciências e das artes, através de uma relação de equilíbrio entre a proteção do titular do conhecimento e a utilidade do bem comum a fim de beneficiar a sociedade. Dentre todos os limites à propriedade intelectual, certamente a construção e aplicação da doutrina exaustão dos direitos merece destaque, também, pela sua característica de que nenhum outro sistema adotado pelas diversas nações encontrou uma solução firme e tranquila. Ao contrário, essa mutabilidade apresentada e a capacidade de interpretação tornam a exaustão de direitos uma ferramenta potente para o comércio de um País, ainda a ser devidamente explorada. Nietzsche afirma que a busca pela justiça envolve sempre uma troca entre as partes: “A justiça (a equidade) nasce entre homens quase igualmente poderosos, como bem o compreendeu Tucídides (no terrível diálogo entre os deputados atenienses e melienses). Significa isto que: onde não existe um poderio claramente reconhecido como predominante e onde uma luta só poderia provocar danos recíprocos sem qualquer resultado, nasce a ideia de tentar um entendimento e de entabular negociações sobre as pretensões de um e outro lado: o carácter de troca é o carácter inicial da justiça. Cada um dá satisfação ao outro, posto que cada um recebe aquilo a que dá mais valor que o outro. Dá-se a cada um o que ele pretende ter, como sendo doravante seu, e recebe-se em troca o objeto do próprio desejo”. A exaustão internacional pode, sim, significar 107
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uma questão de Justiça ao permitir essa troca entre países e regiões de produtos legalmente produzidos. Não é algo simples e mágico, capaz de alterar todo o sistema que envolve o mercado entre países, mas, é ferramenta capaz de mudar uma realidade brasileira, principalmente dos produtos falsificados. Entretanto, atentos aos ensinamentos e pesquisas de Maristela Basso 46, devemos lembrar que a ilustre autora, em seu estudo, chegou à conclusão de que a “importação paralela é prejudicial aos direitos de propriedade intelectual e, por conseguinte, ao livre comércio, tanto para os países desenvolvidos quanto para aqueles em desenvolvimento, pelas seguintes razões, dentre outras: os benefícios para os consumidores são sensivelmente diminuídos; os consumidores, geralmente, ficam insatisfeitos e não fazem maior economia; os investimentos realizados pela titular do direito e licenciado ficam comprometidos; geralmente, a importação paralela vem associada a problemas relativos à embalagem, qualidade, adequação e questões ambientais e pode facilitar a contrafação”. Entretanto, é possível uma conclusão diferente, em especial, por dois pontos. O primeiro, a real possibilidade de países desenvolvidos, em especial, os Estados Unidos, adotarem a exaustão internacional, o que traria provavelmente distorção no nosso mercado interno, uma vez que, ainda hoje, a maioria dos produtos que consumimos e utilizamos são de propriedade intelectual desses países, que passariam a ter ainda 46
BASSO, Maristela. Propriedade intelectual e importação paralela – São Paulo: Atlas, 2011. p. 221.
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mais interesse em “controlar” os nossos produtores de bens e serviços, o que poderia gerar comportamento direcionado a práticas de comércio restritivo e anticoncorrencial, inclusive, com controle de preços que ficariam mais altos em nosso mercado. O segundo, a possibilidade de que apenas alguns setores da propriedade intelectual poderiam ter a aplicação da exaustão internacional (por exemplo, no Brasil, inicialmente, às marcas, a fim de tentar combater a falsificação e abuso dos preços praticados no mercado interno), isso tornaria possível testar o sistema e os efeitos no Brasil. Com isso, seria possível desenvolver políticas de incentivo à produção nacional, ter acesso aos mercados de países desenvolvidos e também, aos produtos vendidos nos países desenvolvidos, notoriamente de qualidade superior, a fim de verificar se, de fato, a importação paralela terá efeitos positivos, ou não, para o consumidor. No Brasil, não há uma regra única para todas as áreas da propriedade intelectual, mas, em todos os casos, o nosso sistema tem limites claros e objetivos, já explorados e trabalhados pelo mercado. Por isso, o princípio da exaustão de direitos tem um papel a cumprir de regulação de novos interesses privados e sociais. A intenção é, ao adotar a exaustão internacional, ter uma balança e eficiente instrumento de desenvolvimento social, capaz de equilibrar a necessidade da publicidade do conhecimento e levar os direitos de monopólio da propriedade intelectual a um nível mais amplo e social. É inegável o desenvolvimento brasileiro nos últimos anos e que o nosso instituto de propriedade intelectual (INPI) 109
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evoluiu (e muito). Os números acima apresentados mostram que na última década houve um aumento expressivo de pedidos de registro de marcas e patentes, o que atesta a atualidade e importância da propriedade intelectual, que necessita de uma legislação moderna que reflita os limites que queremos impor à proteção do conhecimento nacional. Uma tradição da posição de monopólio da propriedade da marca, ou da patente, era a capacidade de dividir mercados, com diferentes tipos de licenças e produtos, através de restrições no uso do bem protegido em diferentes territórios. A extinção desse monopólio pela doutrina da exaustão dos direitos (ou doutrina da primeira venda) é uma expressão da necessidade de se criar limites em prol de um desenvolvimento social. Com as ressalvas feitas acima, parece-nos mais do que real (corretas) as afirmações de que as importações paralelas beneficiam os consumidores, pois indubitável que teriam a capacidade de baixar os preços, além de serem benéficas à livre concorrência. O entendimento em contrário parece, de fato, permitir a continuidade de um monopólio artificial, pois, os produtos comercializados já teriam sido colocados no mercado pelo próprio titular da marca, ou patente (ou por quem tenha a sua autorização) o que significa que já teriam lucrado com o seu conhecimento intelectual protegido e, por isso, difícil, do ponto de vista do consumidor, ou mesmo do mercado, coibir a circulação dos produtos apenas para garantir a capacidade de secção de nichos de mercado. 110
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Parece uma inversão de valores que merece uma análise mais profunda, a fim de que possamos sopesar princípios e regras constitucionais com o intuito de encontrar equilíbrio entre a proteção à propriedade intelectual, a livre concorrência, o impedimento à concorrência desleal e os direitos do consumidor. Os diversos limites brasileiros para desenvolver o conhecimento são notórios (corupção, excesso de burocracia, falta de investimento, sonegação fiscal, falta de estrutura, etc.; por exemplo, apesar do volume de pedidos de concessão de patentes ser baixo em relação a outros países, o tempo médio de espera por uma resposta do INPI quase dobrou nos últimos anos. Em 2003, no caso de invenção, a demora era de pouco mais de seis anos. Em 2008, passou a ser de nove anos. Em 2013, chegou a 11 (onze) anos 47, por isso, parece-nos essencial centrar esforços na busca por opções possíveis e reais para termos resultados que contribuam para o desenvolvimento social, que, também, significa maior proteção ao próprio titular do direito de propriedade intelectual, pois, estará inserido em um cenário muito mais sustentável e evoluído.
Logo, apesar de, em geral, sabermos que cada um dos direitos de propriedade intelectual deve ser considerado individualmente, tanto nos Estados Unidos, quanto no Brasil, há algo comum que deve ser considerado: a real possibilidade do esgotamento internacional para todos os direitos de 47
Dados disponíveis no site do INPI, http://www.inpi.gov.br/sobre/estatisticas/estatisticas-preliminares-2013-apartir-de-2013, acessado dia 04 de outubro de 2016.
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propriedade intelectual, como algo relevante para o desenvolvimento do conhecimento humano, o que, em especial, passa por uma alteração da nossa atual Lei de Propridade Industrial. Conforme lembra Gontijo 48, “A lei brasileira perdeu, por pouco, a oportunidade de ter em seu texto as importações paralelas como instrumento destinado a prevenir abusos de preços por parte do titular ou seu licenciado. O projeto aprovado na Câmara continha artigo neste sentido. Na tramitação do projeto no Senado houve manutenção da proposta na fase inicial, mas o texto final acabou resultando e uma disposição inócua, por limitar a busca do comprador ao mercado interno”. Isso significa que a LPI/96 não deixa dúvida de que o Brasil adotou apenas a exaustão nacional de direitos para a propriedade industrial em geral, nos incisos IV, do art. 43 e III, do artigo 132, da LPI/96 (o primeiro, referente às patentes e, o segundo, às marcas). A expressão comum, em ambos os incisos, “mercado interno” é reveladora e condiz com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça citado na análise dos casos acima. Entretanto, essa realidade não é imutável, ao contrário. Todas as Constituições brasileiras (desde 1891) têm expressamente conferido proteção aos direitos intelectuais,
48
GONTIJO, Cícero. Propriedade Industrial no século XXI: direitos desiguais. Brasília: INESC, REBRIP, OXFAM, 2003, p. 41 e 65.
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todavia, a Constituição em vigor erigiu a proteção à propriedade industrial a um direito fundamental. Ingo Wolfgang Sarlet ensina que os direitos fundamentais “são o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo de determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema jurídico do Estado de Direito” 49. Já Daniel Sarmento, considera uma das mais importantes consequências da dimensão objetiva dos direitos fundamentais o reconhecimento de sua eficácia irradiante. Referida dimensão “significa que os valores que lastreiam os direitos fundamentais penetram por todo o ordenamento jurídico, condicionando a interpretação das normas legais e atuando como impulsos e diretrizes para o legislador, a administração e o Judiciário” 50. E o referido autor acrescenta, ainda, de forma escalrecedora, que “a eficácia irradiante enseja a “humanização” da ordem jurídica, ao exigir que todas suas normas sejam, no momento de aplicação, reexaminadas pelo operador do direito com novas lentes, que terão as cores da 49
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 3. ed.: Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2003, p. 32 50 SARMENTO, Daniel. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais: fragmentos de uma teoria. In SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord.). Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 251-314, destaque p. 279.
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dignidade humana e da justiça social, impressas no tecido constitucional” 51. Como vimos, os Estados Unidos, como o Brasil, tinha (e, de certa forma, ainda tem) um entendimento básico e geral de aplicação da exaustão nacional em relação aos direitos proveniente da propriedade industrial. No entanto, a abordagem dos Estados Unidos mostra traços mais liberais em comparação com a abordagem do Brasil, o que propomos seja repensado e colocado na balança dentro da nossa realidade cultural, econômica e social. Uma alteração legislativa para a inclusão da expressão “mercado interno, ou externo” nos incisos dos arts. 43 e 132, da LPI/96 é o suficiente para tornar legal a opção do Brasil pela exaustão internacional dos direitos de propriedade industrial, uma vez que, como citado, há permissão da legislação internacional pertinente e, também, diversos fundamentos constitucionais que justificariam tal alteração (por exemplo, o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico, art. 5º, XXIX, CF, o princípio da livre concorrência, art. 170 e 219, IV, CF, etc.). Por fim, fica a ressalva de que a possível legalidade dessa opção não afasta a necessidade de profundos estudos econômicos sobre a matéria (a exaustão internacional e a importação paralela têm um indiscutível viés multidisciplinar) e, em qualquer caso, tal opção devera estar incluída em verdadeira política nacional de circulação de produtos e 51
Obra cit. p. 279.
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serviços, a fim de maximizar e aproveitar a exploração da propriedade intelectual.
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