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Revista Jurídica Digital RTM Eleição de Juízes para o Supremo Tribunal Federal. *Antônio Álvares da Silva Desembargador Federal do Trabalho - aposentado do TRT da 3ª Região . Professor titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da UFMG

Pejotização e parassubordinação: o direito do trabalho frente a esta nova realidade e os passivos trabalhistas, previdenciários pela caracterização da relação de emprego *Ms. Adriano Jannuzzi Moreira Mestre em Direito Empresarial , Advogado Especialista em Direito Individual e Coletivo do Trabalho.Perito Ergonômo.

Terceirização: uma análise do argumento liberal e das possibilidades de enfrentamento do tema pela justiça do trabalho. *Rômulo Soares Valentini Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e Mestre em Direito pela mesma Instituição.

Contrato de estágio e suas implicações *Camila de Abreu Fontes de Oliveira Mestra em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Inclusão da comunidade lgbti nas relações de trabalho. os escãndalos com os quais nos acostumamos? *Ellen Mara Ferraz Hazan. Advogada, Mestre em Direito do Trabalho pela PUCMG, autora de artigos e livros, Professora convidada da Faculdade de Direito de Coimbra, Portugal e da Faculdade de Direito Mandume Ya Ndemofayo, Angola, Diretora da CAAMG e Vice-Presidente da AMAT.

Hipnose realmente funciona? *Patrícia Carvalho Possui graduação em Marketing pela Universidade Metodista Isabela Hendrix e Pós-Graduação em Gestão Estratégica de Pessoas pela PUC-MG.

Entendendo a legislação trabalhista, segurança e medicina do trabalho Gilson Pereira Santos Advogado, Administrador e Eletrotécnico, Especialista em Direito Material do Trabalho e Docência em Curso Superior, Especializado em Proteção de Máquinas Perigosas, Membro da Comissão de Direito Sindical da OAB-MG, Professor e Consultor Jurídico.

A Sanção premial trabalhista como forma de acesso à justiça e prevenção de conflitos

*Daniela Rodrigues Machado Vilela Mestranda pela Faculdade de Direito da UFMG sob a orientação do professor doutor Antônio Álvares da Silva, Advogada. Especialista em Direito do Trabalho Ítalo Brasileiro promovido pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) em convênio com a Università Degli Studi di Roma Tor Vergata. Graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC)

A Promessa iluminista e o direito do trabalho: entre o projeto de emancipação social e a racionalidade econômica

* Maíra Neiva Gomes Membro das Comissões de Direito Sindical e Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB MG Mestre e doutoranda em Direito do Trabalho Modernidade e Democracia Professora das Faculdades de Direito Milton Campos e Fumec.- Professora de pós graduação nos cursos da Una e Esa/Dom Helder

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Editora RTM: Repertório Trabalhista de Minas Gerais. Editor responsável Mario Gomes da Silva Conselho Editorial Professor Dr. Antônio Álvares da Silva (UFMG) Professor Dr. Renato Cesar Cardoso (UFMG) Professor Ms. Rômulo Soares Valentini (UNIFEMM) Revisores de Periódico Ms. Lília Carvalho Finelli (UFMG) Ms. Isabela Murta De Ávila (UFMG) ISSN 2447-4509 Editoração Eletrônica e Projeto Gráfico - Amanda Caroline Capa - Amanda Caroline Editor Responsável: Mário Gomes da Silva Revisão: os autores Todos os direitos reservados à MARIO GOMES DA SILVA – ME Proibida a reprodução total ou parcial, sem a autorização. Rua João Euflásio, 80 - Bairro Dom Bosco - BH - MG - Brasil. Cep 30.850-050 -Tel: (31) 3417-1628 - (31) 9647-1501 E-mail: rtmeducacional@yahoo.com.br Site: www.editorartm.com.br Loja Virtual: www.rtmeducacional.com.br

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Linha editorial A Revista Jurídica digital RTM publica resenhas, traduções e comentários sobre temas referentes às diversas áreas do direito, bem como artigos científicos e de trabalhos de pesquisa aplicada oriundos de programas de pós-graduação de diversas universidades que versem sobre a dogmática jurídica, teoria do direito, sociologia do direito, filosofia do direito, história do direito, ensino e pesquisa em direito. A revista aceita artigos científicos e trabalhos de pesquisa de diversas vertentes teóricas e metodológicas, inclusive textos interdisciplinares, os quais serão publicados semestralmente mediante sistema de avaliação anônimo por pares (Double Blind Peer Review). A chamada de artigos está permanente aberta, sendo que o envio de artigos científicos e trabalhos de pesquisa deve ser feita em conformidade com as normas de submissão. Os trabalhos deverão ser submetidos para análise do Conselho Editorial, por meio de envio para o endereço eletrônico revistajuridicadigitalrtm@yahoo.com.br

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Revista Jurídica Digital RTM a) Editor de texto: Microsoft Word. Extensão do arquivo: *.docx ou *.doc Margens: esquerda, direita, superior e inferior de 3 cm Paginação: canto inferior direito Fonte: Times New Roman, tamanho 12 Parágrafo: alinhamento justificado; Espaçamento entre linhas: duplo; Espaçamento anterior: 0 ponto; Espaçamento posterior: 12 pontos; b) A primeira página do artigo deve conter:

Título, com, no máximo, oito palavras, em negrito (português e inglês), facultando-se a utilização de subtítulos. Resumo em português ou espanhol com cerca de 150 palavras, contendo campo de estudo, objetivo, método, resultado e conclusão. Cinco palavras-chave, alinhamento à esquerda, em português Resumo em inglês (abstract), com cerca de 150 palavras, contendo campo de estudo, objetivo, método, resultado e conclusões Cinco palavras-chave, alinhamento à esquerda, em inglês Afiliação institucional dos autores e currículo resumido c) Referências devem seguir o sistema de chamada autor-data (ABNT NBR-10520), isto é, as citações devem vir no corpo do texto com indicação do sobrenome, ano e página de publicação. As referências bibliográficas completas deverão ser apresentadas em ordem alfabética no final do texto (ABNT NBR-6023). Notas explicativas devem ser apresentadas ao final do texto, numeradas sequencialmente, antes das referências bibliográficas. Sua posição deve ser indicada no próprio texto, constando referência a eles no corpo do artigo. d)No mesmo arquivo, o autor deverá enviar uma capa (página de rosto) contendo as seguintes informações: título do artigo; seguido da identificação do(s) autor(es) – nome completo, titulação, instituição à qual está ligado, endereço para correspondência, telefone e e-mail. Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es). e) Na ocasião da publicação do artigo, o editor fará constar a data de recebimento e de aceitação

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Editorial

*Antônio Álvares da Silva

A Editora RTM segue em frente e agora presta mais um importante serviço à cultura jurídica nacional, editando a Revista Jurídica digital RTM. Basta uma rápida análise do índice para ver a importância dos temas tratados, sem dúvida úteis para todas as categorias de juristas: advogados, professores, alunos e cientistas do Direito. A edição eletrônica é hoje o caminho ideal para as publicações científicas. Mais cedo ou mais tarde, os livros tomarão idêntico caminho, superando a versão escrita. O tempo corre veloz. As ideias se multiplicam. A vida, que Guimarães Rosa achava perigosa, agora é também rápida. A ciência, plena de dados e pesquisas, cresce assustadoramente. No ramo jurídico, o que escrevemos hoje já não serve mais amanhã. Tudo muda. Fora a base doutrinária, que permanece como resíduo, o resto se transforma e demanda atualização permanente. A versão escrita está longe de perseguir esta carreira moderna da evolução científica. O que é escrito é por natureza rígido. Estabiliza o pensamento, é verdade, mas também o imobiliza. Já a forma eletrônica é volátil, permite a mudança rápida. Portanto voa junto com os fatos. É de se esperar que este propósito seja obtido pela ciência jurídica em todos os ramos do Direito, a fim de que, sempre rente aos acontecimentos sociais, domine-os a fim de dirigi-los para um norte de justiça e equilíbrio, conciliando os diversos interesses que neles pulsam. A internet é hoje uma poderosa ferramenta que auxilia o Direito sobre diferentes aspectos. A Revista Jurídica digital RTM é mais um instrumento desta renovação.

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Apresentação A Revista Jurídica Digital RTM é mais um serviço que a editora RTM presta à cultura jurídica brasileira. Nela escreverão juristas de escol sobre temas atuais do Brasil e do mundo que provoquem discussão e reflexão. A revista será semestral e os artigos são livres e independentes. O Direito no mundo atual se tornou multifário e aberto. Teve que despir-se das formas do passado, para assumir o novo influxo do pós-moderno, com toda sua complexidade. A Editora espera que a revista acolha estes novos valores e cumpra sua finalidade de divulgar opiniões fundamentadas e eruditas através de uma leitura agradável, profunda e proveitosa sobre temas atuais.

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Sumário Eleição de Juízes para o Supremo Tribunal Federal................................................................................................... 9 Pejotização e parassubordinação: o direito do trabalho frente a esta nova realidade e os passivos trabalhistas, previdenciários pela caracterização da relação de emprego.................................................................................... 35 Terceirização: uma análise do argumento liberal e das possibilidades de enfrentamento do tema pela justiça do trabalho......................................................................................................................................................................... 51 Contrato de estágio e suas implicações..................................................................................................................... 65 Inclusão da comunidade lgbti nas relações de trabalho. os escãndalos com os quais nos acostumamos?...... 82 Hipnose realmente funciona?................................................................................................................................... 90 Entendendo a legislação trabalhista, segurança e medicina do trabalho............................................................ 91 A Sanção premial trabalhista como forma de acesso à justiça e prevenção de conflitos................................... 94 A Promessa iluminista e o direito do trabalho: entre o projeto de emancipação social e a racionalidade econômica..................................................................................................................................................................... 101

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Eleição de Juízes para o Supremo Tribunal Federal. Antônio Álvares da Silva

1 - INTRODUÇÃO Tive a oportunidade de discutir o problema da eleição de juízes pelo voto popular com o juiz Lúcio Munhoz, atual conselheiro do CNJ, , que se mostrou contrário ao sistema eletivo, afirmando que minha proposta “é o fim da picada “ (sic). E conclui que “das urnas surgiram Maluf, Collor, Renan, Sarney, mensaleiros. Não dá para correr o risco de colocar um desses no STF “ Estas afirmativas não convencem. Representam um lugar comum de quem ainda não estudou o tema. Por isso, merecem uma pronta e imediata resposta. Objetar é sempre útil no entrechoque de ideias. Mas a crítica tem que ser fundada. Exige-se conhecimento do tema de quem critica. Caso contrário se transforma em mera oposição. Se das urnas saíram Maluf et caterva, do concurso saíram os Lalaus e outros vários nomes, até de tribunais superiores, que, por discrição e respeito à magistratura, não vou repetir. Porém, lembro que, em 2014, foram aposentados 2 juízes e ainda aplicadas mais 5 punições. Em 2013, 12 juízes foram aposentados compulsoriamente e mais 7 sancionados com punições menores.2 Isto mostra que nenhum sistema de escolha estará isento de cometer erros, embora o concurso para ingresso na magistratura seja difícil e sondagens sejam feitas na vida particular dos candidatos. E, se existe “caterva”, o concurso não a evitou. A esperança agora está na eleição. A eleição não é uma panaceia nem evitará todos os males que hoje presenciamos com a escolha do concurso público. Não se separa o erro da existência humano. Mas esforçar-se para corrigi-lo é próprio de nossa natureza: errando dicitur, errando é que se aprende, como afirmavam os romanos. O erro tem esta grande vantagem: dá ao homem a oportunidade de corrigir-se e aperfeiçoar-se. Para a escolha de juízes dos tribunais superiores, propomos e já propusemos a eleição partidária 3.No momento da eleição para presidente da República, cada partido apresentaria uma lista de nomes de juristas 4 .Se o partido (ou coligação) for vitorioso, os nomes constantes da lista consideram-se eleitos e serão nomeados à medida que surgirem as vagas. Considero este processo, dentre todos os demais, o mais correto. Primeiramente, os partidos terão que escolher nomes de juristas capazes, honestos, titulados e trabalhadores. Se não forem capazes disso, haverá crítica das oposições aos nomes e o partido será prejudicado na eleição. Começa aqui o rigor da seleção. E, pelo que conhecemos do mundo jurídico brasileiro, não faltam juristas capazes de figurar nas listas: quantos advogados, magistrados, procuradores, promotores, professores universitários existem pelo Brasil afora, estudiosos, sérios, honestos e, portanto, capazes de ocuparem o cargo de ministro! Ao se abrir a vaga, uma segunda seleção interna no partido se fará para indicar o nome que vai ocupar a vaga. Há, pois, dois filtros e aqui cai por terra a velha e errônea afirmativa de que qualquer um, sem formação técnica e moral, poderia tornar-se juiz. Pelo contrário. Pelo sistema eletivo é que os incapazes jamais se tornarão magistrados. Mas isto pode Antônio Álvares da Silva Desembargador Federal do Trabalho - aposentado do TRT da 3ª Região . Professor titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da UFMG 1

Resolvi publicar o texto desta discussão a pedido de meus alunos, que gostariam de ter em mãos uma introdução ao tema, para depois, com tempo, ler o livro que escrevi, abaixo citado.

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jornaladvogado.com.br/cnj;, consultado em 9.3.15. Para detalhes sobre o tema, ver Álvares da Silva, Antônio. Eleições de juízes pelo voto popular, SP: LTr. 1998, p.121-173. Note-se “lista de juristas”. Portanto não só de juízes.

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acontecer pelo sistema atual em que a escolha pelo presidente da República se faz por critérios políticos que podem ou não coincidir com o mérito e a seriedade que se exige para o cargo. A vantagem da eleição está na publicidade e na visibilidade da escolha, cuja seleção preliminar já terá sido feita no próprio partido, quando escolhe seus candidatos. A permanência no cargo coincidirá com o mandato presidencial. Ficará a critério do legislador permitir uma única reeleição. Os ministros voltarão a seus cargos, funções ou atividades privadas que antes ocupavam. E cederão lugar a novos ocupantes, com novas ideias e novas perspectivas.5 Se o mundo pós-moderno, impulsionado pela informática, é rápido em suas bases e veloz em suas decisões, as instituições que nele se estruturam devem ter necessariamente a mesma condição. Fatos recentes amplamente divulgados pela imprensa mostram as entranhas do processo de escolha dos ministros do STF, um ato solitário e antidemocrático de escolha de quem vai tomar assento na mais alta corte de justiça e resolver questões que têm a mais profunda relevância para o país e para o povo em geral. No momento em que escrevo este texto, cuida-se do nome do ministro que vai substituir o ex-ministro Joaquim Barbosa. Nada se sabe. Reina um profundo mistério. O povo não tem sequer o direito de saber seu nome. Mas vai pagar pelos erros que por ventura venha cometer. Democracia não se faz a portas fechadas. Como fica o princípio da publicidade? Vê-se que o atual sistema é um método falido, antidemocrático, elitista e excludente. Também por ele se vai facilmente ao “fim da picada”, se é que ela tem fim. E com uma agravante: sem a participação popular. Bastam estes fatos para dizer que não é o processo de escolha que faz o juiz. Ele apenas o mostra o juiz tal como é. Bons e maus existem e existirão para sempre. E conviveremos com ambos, enquanto o sol clarear a terra. O que se procura é um sistema que fique dentro dos princípios democráticos, garantindo ao candidato um processo de escolha menos humilhante e falso como este que hoje temos. A ele se submetem todos os juízes nas promoções por merecimento. Em maior ou menor intenção. O caminho é o mesmo. Mudam-se apenas os nomes. Deverão procurar líderes partidários e amizades de quem está no poder e nas proximidades do presidente da República. O jogo é político. Por isto não tem limites. A revista Veja de 1.5.2013 traz entrevista do ministro Carlos Alberto Reis de Paulo, ex- presidente do TST: Quando fui para o TRT me colocaram numa lista de merecimento. Eu, para ser nomeado, tive de visitar pessoas para me apoiarem, governador de estado, deputado. Para o TST, também me colocaram numa lista. Eram quatro nomes para duas vagas. Eu tive de visitar de novo, pedir a governador. É um negócio bastante constrangedor. Mas eu nunca fiz negócio para assumir qualquer vaga.

Na mesma revista, p.70, afirma-se que o atual ministro Teori Zawascki passou a ter chance de êxito como candidato a ministro do STF depois que votou favoravelmente ao arquivamento de denúncia por improbidade administrativa de Antônio Palocci. Afirma a reportagem literalmente: Zawascki quase foi o primeiro ministro indicado por Dilma ao Supremo, mas perdeu a primazia para Luiz Fux. Foi preterido, entre outros motivos, porque não aceitou assumir compromissos no julgamento do mensalão.6

Vê-se que a escolha de ministros para o Supremo ou para qualquer outro tribunal é um jogo de interesses e um sistema vil de trocas e influências. Isto sem falar no constrangimento referido pelo ministro Carlos Alberto pela procura de políticos e governadores. Mas tudo isto está certo para os que são contra a eleição. O sistema de escolha pelo presidente da República, seja ele quem for, nunca sairá deste esquema, pois 5

Pessoalmente, sou contra reeleição, para garantir a absoluta independência do juiz no cargo. Não terá que se preocupar com reeleição. Logo não precisa negociar prestígio.

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Hoje, Teori Zawascki é ministro do STF e exerce com dignidade sua função.

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o presidente necessariamente faz parte de um partido e a nomeação por isto sempre será política. Ainda bem que a armação utilitária e interesseira encontrou em homens como Carlos Alberto Reis de Paula e Teori Zawascki restrições e freios. Mas será sempre assim? O fato é que a mancha do sistema de escolha ficou. Daí a razão por que defendo a eleição de juízes para os tribunais superiores. No livro que escrevi sobre o tema, proponho a eleição para todas as instâncias com as peculiaridades lá descritas detalhadamente, considerando as peculiaridades de cada uma delas7 .Pretendo melhorar o critério de escolha e manter a dignidade do magistrado escolhido. Hoje restrinjo a proposta aos juízes de tribunais de terceiro grau, nesta fase política em que nos encontramos. Depois, com o tempo, a proposta se estenderia aos juízes de segundo grau e assim por diante. Se é verdade que “natura non facit saltus” – a natureza não dá saltos- também a evolução das instituições humanas segue a mesma sina. Não se pode querer tudo de uma só vez. A subida é sempre mais segura quando se pisa em todos os degraus da escada. Não há nada perfeito no mundo. Não proponho panaceia que cure todas as imperfeições humanas. Pretendo tão só que o candidato a uma promoção por merecimento não se exponha a ponto de comprometerse. Mesmo que isto não aconteça no exercício do cargo. 2 - ANTECEDENTES À PROPOSTA Minha ideia é embasada numa ala da experiência norte-americana, adaptada à realidade brasileira. Nos Estados Unidos, a eleição de juízes veio tardiamente. Em 1812, na Geórgia, os “trial judges”, ou seja, os juízes de competência geral, para julgar as causas cíveis e criminais, foram eleitos pela primeira vez. Seguiram o exemplo Indiana em 1816, Mississipi em 1832 e Nov York, em 1846. Em 1860, 24 dos 34 estados americanos adotaram a eleição partidária para a escolha de juízes. No final do século 19, a eleição partidária perdeu força. A magistratura, constituída de juízes eleitos, politizou-se excessivamente, o que favoreceu a corrupção e a parcialidade, ocasionando-lhe o descrédito enquanto categoria. Seguiu-se então a Progressive Era - a Era Progressista, período entre 1890 a 1920 - caracterizada por intenso desenvolvimento social. Reformas de base foram feitas, a corrupção foi combatida e o desenvolvimento científico também sofreu grande impulso. A economia agrícola de base artesanal cedeu lugar à grande indústria do carvão e do aço impulsionadas pela energia de vapor e ajudada pela mão de obra barata e abundante.8 As instituições se adaptaram aos novos tempos e sofreram também reformas de base. A magistratura foi batida por novos ventos. Desprezou-se a escolha partidária e adotou-se a “non partisan election”, a eleição não partidária. O juiz concorreria individualmente ou com outros ao cargo. Mas sem o apadrinhamento de partidos. Este sistema também entrou em crise com o tempo. Para atrair votos, o candidato se comprometia a apoiar ideias ou movimentos sociais, chegando a prometer julgamento em determinado sentido. Perdeu credibilidade assim sua condição de terceiro neutro e imparcial. A corrupção também não foi de todo extirpada porque o candidato precisava de dinheiro para a campanha e tinha por isso que recorrer a pessoas e grupos. Caminhou-se então para a síntese do Missouri Plan, também conhecido como “merit system”, que consiste no seguinte: a) Estabelece-se uma comissão formada por juristas ( geralmente advogados e juízes), bem como não juristas, indicados pelo governador. b) Esta comissão escolhe uma lista geralmente de três ou mais candidatos, depois de amplo processo de escolha com análise de currículo e oitiva da população. 7 8

Álvares da Silva, Antônio. Eleição de juízes pelo voto popular. SP. LTr. 1998, 174 páginas. Karnal, Leandro et al.. História dos Estados Unidos- das origens ao século XXI. SP: Contexto, 2007, p.176.

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c) O governador escolhe um, indicando-o para o cargo. d) O juiz então exerce a função por um certo período e depois é submetido ao voto popular para que o jurisdicionado diga se o aprova ou não. É a chamada “ retention election”, eleição de retenção para saber se o juiz, segundo a vontade popular, permanece ou não no cargo.

Apenas três estadosMassachusetts, Rhodes Island e New Hampshire concedem vitaliciedade ao juiz. Nos demais estados que adotam eleição, o juiz é submetido periodicamente a eleições populares para que o povo decida se fica ou não no cargo. Não há, pois, estabilidade tal como no Brasil. E note-se: a falta de vitaliciedade não impediu nunca a independência, responsabilidade e correção da magistratura americana. Entretanto , o merit system não foi adotado por todos os estados, embora seja o mais lógico e racional. Hoje, há cinco métodos de escolha de juízes nos Estados Unidos: a) Eleição partidária – partisan election- 13 Estados.

b) Eleição apartidária – non partisan election- 18 Estados. c) Escolha pelos governadores- gubernatorial appointment- 5 estados. d) Escolha pelo legislativo Legislative election – 4 Estados. e) Escolha pelo mérito – Missouri Plan, Merit System.- 23 Estados.9

3 - PROPOSTA Com base no exemplo norte-americano, mas adaptado à nossa realidade concebi a seguinte proposta de eleição de juízes para o STF e tribunais superiores. Saliente-se que os críticos de ideias novas têm sempre dois mecanismos para atacá-las: se há algo semelhante em outras culturas e sistemas jurídicos, dizem que o autor pretende trazer para a realidade brasileira institutos que não fazem parte de nossas tradições. Se o autor apresenta ideias próprias que não têm similar no exterior, alegam que a proposta é inválida, pois só existe no Brasil e não tem instituições análogas em outros povos. Fazem assim do Brasil uma ilha hermética quando na globalização que hoje vivemos nada é novo ou velho, tudo está em mudança, assumindo formas convenientes e adequadas a uma realidade em permanente transformação. O mundo globalizado é um mundo integrado de estados e nações. Nada há em um país que não seja de conhecimento de outros, em razão dos meios intensos e fáceis de comunicação ao alcance de indivíduos e nações. Como salienta Manoel Castells, Não obstante um panorama cultural bastante diversificado, pela primeira vez na história todo o planeta está organizado com base em um conjunto de regras econômicas em grande parte comuns.10

E Thomas Pikety, já no final de seu notável livro, salienta que Basta uma breve olhada nas curvas de desigualdade da renda e do patrimônio ou a relação capital/renda para ver que a política está em toda parte e que as evoluções econômicas e políticas são indissociáveis, devendo ser estudadas lado a lado. Isto obriga a repensar o Estado, o imposto e a dívida nestas dimensões concretas e a sair dos esquemas simplistas e abstratos sobre a infraestrutura econômica e a superestrutura

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O resumo deste item 4 foi feito principalmente com base no artigo de Bowers, Michael W. Research on judicial selection, Chicago, American Judicature Society, 2002, p. 3-16. A American Judicature Society – AJS- é uma instituição independente cuja finalidade maior é divulgar e propagar o “sistema de mérito” nos Estados Unidos. O autor anota que o número superior a 50 estados americanos se deve ao fato de alguns dotarem sistemas mistos: eleição para algumas cortes nomeação para outras.

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Castells, Manoel. Fim de Milênio. SP: Paz e Terra, 2012, p.422.

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Para marcar o terreno da economia e dos limites da dimensão política que se intermedeia entre os dois, o Direito exerce sua função mediadora, definindo o território onde estas forças atuam sem se atritarem. Junto com as regras gerais econômicas, vêm as jurídicas, pois não existe economia sem formatação pelo Direito. Quando os fatos econômicos se transformam em conteúdo de normas jurídicas, tornam-se mais estáveis, compreensíveis e concretamente manipuláveis. O Direito cumpre assim sua função estabilizadora, trazendo certeza às relações sociais. Uma coisa é o fato “ virgem”, em suas motivações naturais e causais; outra, é o fato já burilado, objeto da ciência do Direito e captado em normas. Mais cedo ou mais tarde, o Brasil terá que fazer uma profunda reforma no Judiciário se quiser transpor sem atritos e atrasos o pórtico da modernidade e entrar no mundo atual com os meios necessários para agir adequadamente e enfrentá-lo com sucesso econômico e social. A proposta não tem nada de excepcional nem objetiva propósitos míticos de salvar o Judiciário.12 É apenas uma sugestão, entre muitas que já fiz, para que se modernize a Justiça brasileira e que teria mais sentido se viesse em conjunto com outras que o Congresso infelizmente não se digna de fazer ou concluir. Para que estas funções da Ciência do Direito atuem com eficácia e harmonia, deve seu agente básico – o juiz – agir adequadamente como força propulsora deste impulso, tornando-se mais próximo do povo, que tem por tudo isto o direito de escolhê-lo. A eleição direta é o caminho ideal para esta grande mudança. A proposta já foi feita e aqui a repetimos: Por ocasião do pleito para Presidente da República, cada partido apresentaria um rol de juristas constituído de juízes, professores universitários, procuradores, advogados que seriam indicados para os tribunais superiores, caso o partido e o candidato a presidente ganhem a eleição. A condição que a lei preveria para que o candidato pudesse apresentar-se como aspirante ao posto pelo partido é a mesma que a Constituição exige, mas com detalhes. Ele teria de possuir ilibada conduta e notório saber jurídico que seria demonstrado em sua titulação: doutorado, mestrado, especialização, livros e artigos publicados, exercício comprovado da atividade jurídica por longo período, folha limpa nos órgãos de controle da atividade profissional e assim por diante. Este currículo, exposto ao público, já é uma prévia e severa seleção. Eleito o presidente, considerar-se-iam também eleitos os nomes indicados pelo partido para a ocupação de vagas nos tribunais superiores. A indicação seria ato do partido e não do presidente, que apenas homologaria o nome. Portanto é exatamente através do voto popular que se evitaria a ascensão para o STF dos nomes relacionados pelo colega Munhoz e de outros da mesma categoria. Recentemente, outro ministro foi alvo de severa crítica da imprensa. Não faltaram acusações e incompetência e falta de bagagem para o cargo. Não obstante foi o escolhido. Predominou a “notória amizade “ e não o notório saber, como disse um advogado a propósito do tema discutido em uma conferência. Críticas levantam-se de todos os lados. Pergunto: se houvesse eleição, a situação não seria outra, bem diferente? Está, pois, claro que, pelo sistema eletivo ninguém que não tiver valor e currículo para o cargo não poderá sequer candidatar-se. Amizades não o elevarão a ministro nem a escolha será uma manobra política em que o saber jurídico é substituído pelo apadrinhamento. Findo o mandato do Presidente, os ministros retornariam a seus postos originários. Exerceriam um mandato temporal como convém aos tribunais superiores, a fim de que a jurisprudência não se petrifique 11 12

Pikety, Thomas. O capital no século XXI. Rio:Intrínseca,2013,p.560.

Sobre a reforma do Judiciário, remeto o leitor a outros estudos, que já escrevi, nos quais trato de propostas para uma mudança profunda e geral: Reforma do judiciário. BH. Del Rey,.2004. Reforma do judiciário. BH, Sitraemg, 2003.

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na concepção de 11 homens, dos quais o Brasil muitas vezes se torna refém. É preciso renovar a suprema corte como se renova o parlamento. Não se concebe assento vitalício num tribunal que, sendo constitucional, também é político. A crítica de que haveria desequilíbrio da jurisprudência pela permanente renovação é uma balela. O que é bom sempre fica, pois é esta a vontade e o ideal de qualquer jurista. Já o ruim deve ser extirpado. E isto só se faz com a renovação. O CNJ, embora seus conselheiros sejam temporários, funciona muito bem. O mesmo acontecerá com os tribunais superiores, pois a situação é a mesma. Não tem havido mudanças drásticas na jurisprudência. Quando há renovação naquele órgão, ela se faz sempre para melhorar e não para manter posições superadas como acontece com frequência no STF. Se a jurisprudência atualizada é um mal, pior ainda é a jurisprudência petrificada, que conserva por anos erros e desacertos, num mundo de renovação e mudanças constantes, como é o pós-moderno. As razões das frequentes críticas ao Judiciário são exatamente estas: demora nos julgamentos, conservadorismo, falta de visão moderna sobre certos temas, estrelismo exagerado de certos ministros. Tudo acabará com a eleição direta. Os rudes golpes que vem sofrendo a Justiça do Trabalho em sua competência são o exemplo do que falo. Só mesmo uma grande incompreensão do papel da justiça social e do moderno Direito do Trabalho é que poderia motivar as decisões do STF e do STJ em matéria de competência trabalhista. São votos de juízes que não conhecem o lado social do Direito e as modernas teorias em que se embasa. Formaram-se numa visão clássica do Direito Público e, para eles, o mundo permanece o mesmo. Se houvesse nestes tribunais pelo menos um representante eleito, escolhido dentre juízes e advogados trabalhistas, as coisas não estariam assim. Só agora foi resgatada esta dívida com a Justiça do Trabalho com a escolha da ministra Rosa Weber. Assim mesmo, uma articulista do jornal de maior circulação no Brasil, apesar de elogiá-la, disse que provinha da “parte menos nobre “ do Judiciário. Portanto, a contrario sensu, “parte mais nobre” consistiria nas teorias do Direito clássico: direitos reais, direito das coisas, teoria do ato administrativo como meio preponderante de comunicação de vontade da administração pública, soberania, estado fechado ao Direito Internacional, constituição formal e rígida, interpretação literal da lei e assim por diante, processo sujeito a vários recursos “para garantir o direito de defesa”, como se defesa fosse sinônimo de protelação, etc. Direito do Trabalho é menos “nobre” porque trata dos direitos do trabalhador, dos sindicatos, da cogestão, envolvendo o interesse de toda a população economicamente ativa do país. Não se sabe de onde se retirou este estranho conceito de “nobreza”.13 Isto mostra absoluto e imperdoável desconhecimento do que seja o Direito do Trabalho e a função social que exerce na sociedade moderna. Causa espanto e indignação o que vemos. Enquanto a Constituição afirma que os Poderes da República são autônomos e independentes, o titular de um Poder, ou seja, o Presidente da República, nomeia todos os membros da cúpula de outro Poder. Já foram oito os nomeados por um só presidente. Pergunta-se: é independente um Poder do Estado cujos membros são nomeados por outro Poder? Acaso o Judiciário nomeia um terço ou a metade dos ministros do Executivo ou dos deputados e senadores? Por que só o Judiciário tem seus membros nomeados por outro Poder? Será que ele é vocacionado à tutela e à dependência? Acaso o legislador pensa que o Judiciário precisa de tutela para escolher seus próprios membros? Portanto a eleição é instrumento de equilíbrio entre os Poderes, além da renovação do Judiciário.

13 Veja-se no apêndice o artigo que escrevemos na imprensa sobre o tema.

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4 - A QUESTÃO DA INDEPENDÊNCIA Fala-se que a eleição torna o juiz dependente e faccioso. Pura inverdade. A eleição é partidária. O candidato participará com discrição da campanha. Apenas discutirá teses na televisão ou no rádio. Não adiantará votos nem prometerá julgamentos. O povo tem o direito de saber o que pensam seus futuros julgadores, para não correr o risco de escolher o nome errado, que não está culturalmente nem moralmente à altura do cargo que pretende. Nem afinado com os anseios da comunidade. Um nome conservador e sem visão no Supremo causa tão mal quanto um mau Presidente da República. Se há o risco de o juiz tornar-se dependente, porque se submete ao escrutínio do povo, o risco é muito maior quando percorre as antessalas de políticos para armar o esquema de sua escolha que, como todos sabem, é uma jogada em que há influências e pedidos de todos os lados e a todo mundo. O que se passa no silêncio destas negociações ninguém nunca saberá. Mas sabemos que, em política, não há nada gratuito. Concede-se para receber e recebe-se para conceder.14 Não afirmo que o juiz, depois de escolhido, vá pagar com favores da toga os benefícios que recebeu. Estou analisando o processo e não a pessoa concreta do magistrado, o que é completamente diferente. Também a pertença a um partido político não desfigura a credibilidade do futuro juiz. Todo homem é um animal político, embora possa ser ou não partidário. O fato de figurar num partido faz parte da cidadania de qualquer pessoa. Exercer atividade político-partidária, enquanto no cargo, é outra coisa bem diferente. Aqui, sim, há de haver restrições pela natureza do poder exercido. O juiz eleito não será juiz do partido, mas sim do povo. A eleição e a temporariedade do mandato o tornam independente e livre. Não pensará em reeleição como o presidente da República. Agirá para o momento de acordo com as circunstâncias sociais e políticas. Querer, num regime democrático e livre, que um cidadão não pertença a nada é impossível. Vínculos políticos têm que existir. Homem algum mora em ilha ou vive isolado dentro de casa. O problema não está em excluir do candidato a juiz a vida política, mas torná-la compatível com o cargo que vai exercer. Fala-se que o juiz não pode ser eleito, mas justifica-se que seja escolhido por quem foi eleito. Ou seja, critica-se o processo de escolha, mas prestigiam-se os que por ele subiram ao Poder. A eleição é um mal para os juízes, mas quem é eleito pelo povo pode escolher os juízes. Eleição direta não pode, mas indicação por quem foi eleito pode. Onde está a coerência desta atitude bifronte, desacertada e contraditória? Mas agora vem o pior: qual o critério que o Presidente da República usa para escolher ministros de tribunais superiores? Todos sabemos, são critérios pessoais ou políticos. Parece que, para se pleitear o cargo de ministro do Supremo no Brasil, é requisito que o candidato tenha sido advogado de partidos políticos no poder ou tenha amizade com o Presidente da República. Currículos e títulos pouco importam. Capacidade pessoal, mérito e passado limpo são fatores secundários. Como se pode dizer que um sistema assim moldado é o melhor? Convenhamos: é um arrematado absurdo e um acinte à nação. Um cargo de tão grande importância não pode decidir-se à base de pressupostos tão mesquinhos. 5 - LEGITIMIDADE ATRAVÉS DE CONCURSO PÚBLICO Outros afirmam que a legitimidade do juiz e sua independência vêm do concurso público que presta. Ora, concurso público é uma técnica de escolha de pessoas para cargos ou empregos, principalmente

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O leitor naturalmente acompanha os fatos relatados pelo ministro Luiz Fux para ser escolhido. Há, sim, para todos os juízes a procura política para que possa ser escolhido. Pede-se a todos para receber de alguns. Mas logo depois vem a cobrança interferindo no exercício da função. Não digo que os juízes, no exercício do cargo, salvo exceções, favoreçam quem os favoreceu. Mas a cobrança vem e o exemplo está aí. O ato diminui o STF. Urge mudar o sistema de escolha.

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no serviço público. Não é o meio adequado de se escolher os membros de um Poder da República, que o Judiciário é ou pelo menos que a Constituição diz que ele é. Se acharmos que o concurso público resolve tudo, então vamos fazer concurso para Presidente da República, Deputados Federais, Estaduais e Senadores, excluindo o povo do sistema representativo, que é a base da democracia em qualquer lugar do mundo. Conforme salienta Leslie Lipson,15 A análise da política democrática deve começar com o povo. Com tudo, seja como for que se descreva ou defina a democracia, é sempre um sistema em que o povo é considerado o repositório final do poder.

Em passagens como esta, em que se considera o povo como centro e objetivo final da democracia, são lembradas as imperecíveis e sempre atuais palavras de Lincoln , no célebre discurso de Gettysburg: Government of the people, by the people, for the people, shall not perish from the earth.

E a manifestação do cidadão para comunicar-se com a democracia e dela participar como parte integrante e inseparável é o voto. Por isso, é que diz enfaticamente nossa Constituição em seu art.14: A soberania popular será exercida sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos.

A soberania popular se exerce é pelo voto e não pelo concurso. Portanto a formação dos poderes se dá pelo povo e através do voto. Esta história de que “o povo não sabe escolher “ leva a uma perigosíssima conclusão: então vamos escolher por ele. Esta é a porta para a chamada “democracia censitária “ em que o voto do cidadão vale mais do que o de outro porque é rico, instruído ou vem de família importante. Daqui para o nazismo/ fascismo ou qualquer ditadura de esquerda ou direita é apenas um passo. Será que o estamos ensaiando? Não é preciso lembrar que o concurso só existe para o ingresso na carreira. A ascensão para os tribunais superiores, em que o juiz detém mais poder e influência, é realizada por nomeação e o critério imperante é o político. Concurso é apenas para o começo. É possível concordar com este procedimento, sem reconhecer a lesão que ocasiona à magistratura? Se o concurso é esta chave mágica que eleva os juízes à condição de membros de um Poder da República, por que desprezá-lo internamente na ascensão da carreira, relegando as promoções a jogadas políticas e apadrinhamentos? A Constituição diz que todo poder emana do povo e em seu nome será exercido. Porém logo abre exceção para os juízes do Supremo: eles emanam da vontade única e exclusiva do imperador, do Augusto ou do César moderno, que ocupa a Presidência da República. Onde está a coerência mínima de tudo isto? Um candidato ao Supremo não tem títulos, não apresenta credenciais intelectuais para o cargo. Mas é escolhido. Seu título é ser amigo do imperador e advogado de seu partido. Este é o procedimento vigente. Às vezes penso que perdemos o senso crítico e a capacidade de reagir. Talvez seja por isto que o Judiciário, embora receba a designação de Poder pela Constituição, é de fato um apêndice dos outros dois. O que ainda o salva é a independência e a dignidade pessoal de seus juízes, estes sim, na sua grande maioria, honestos e trabalhadores, independentes e dignos . E continuarão assim se também forem eleitos. Apenas com uma diferença: dirão, com orgulho, que foram escolhidos pelo povo, através de um procedimento legítimo e democrático. Algumas vantagens da magistratura conseguidas recentemente se devem ao esforço das associações de magistrados. Se não fosse o trabalho desgastante e persistente de alguns abnegados colegas, frequentando gabinetes de deputados e senadores, nada teríamos conseguido. Se tivéssemos representantes eleitos, não pediríamos, mas sim cobraríamos o que temos direito. 15

Lipson, Leslie. A civilização democrática. Rio: Zahar, 1966, t..II, p. 352.

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O acesso ao juiz eleito seria sem dúvida mais fácil e direto pelos juízes de primeiro e segundo grau, até que sejam também eleitos. Que Poder é este que não tem competência para designar seus próprios membros nem fixar seu próprio salário? 6 - LISTA TRÍPLICE A lista tríplice feita pelo Judiciário é outro mal que se há de se evitar a qualquer custo. Não deve ser apontada como solução do problema da nomeação de ministros para o STF (nem para nenhum outro). Apenas transfere de lugar a influência política, retirando-a das mãos do Presidente da República para fixá-lo no interior dos tribunais. E, com uma agravante: só figurarão nas listas aqueles que pensam do mesmo modo e decidem na mesma direção dos atuais juízes de tribunais superiores. Ou seja, cria-se um novo laço de dependência para a magistratura. Com isto se exercerá controle e influência na escolha dos futuros juízes segundo a vontade dos atuais. Só entrarão em lista os que se curvarem perante quem vai escolhê-los. Onde fica a independência dos novos? A ditadura mudará apenas de lugar e tudo ficará como dantes. A dependência dos tribunais, pela formação da lista tríplice, é pior do que a dependência ao presidente da República, pois este terá pelo menos maior amplitude para escolher do que tribunais que decidirão sobre nomes na base de conchavos. Imagine-se o jogo de barganhas e conchavos que necessariamente haveria para se formar uma lista tríplice de nomes de candidatos ao Supremo, para o presidente escolher um. O fato mobilizaria a República, pois haveria pedidos e pressão junto aos três Poderes. Ainda há mais um fator: o juiz dificilmente julgaria contra a jurisprudência de tribunais superiores, com receio de ser prejudicado quando pretendesse fazer parte de lista de promoção por merecimento. A lista tríplice pelo Judiciário piora o que já existe e deve ser imediatamente esquecida. O mesmo se diga em relação à lista da OAB. Se querem manter a representação de advogado na composição dos tribunais, não deve haver interferência de tribunais na formação da lista. A OAB é que deve escolher e indicar um nome, assumindo a responsabilidade da escolha e da indicação. 7 - ELEIÇÃO PARA A SUPREMA CORTE NOS ESTADOS UNIDOS Um dos argumentos mais frequentemente brandidos contra a eleição de juízes nos tribunais constitucionais ou nas supremas cortes é que nos Estados Unidos, os juízes da Suprema Corte são indicados pelo Presidente da República e não eleitos pelo povo, como na maioria das instâncias inferiores. É verdade que nos Estados Unidos não há eleição para juízes da Suprema Corte. Mas esta razão é histórica e já há discussão política para introduzi-la. Salientamos, entretanto, que a tendência para a eleição de juízes nasceu mais tarde no século 18 nos estados-membros, exatamente para por freio ao abuso da nomeação política de juízes pelos governadores ou por eles e pelo Poder Legislativo. Portanto foi uma reação política aos abusos e excessos. A eleição foi o meio encontrado de moralizar a escolha e devolver a isenção aos juízes. Aqui temos receio de introduzir a eleição porque ela conspurcaria o juiz, retirando-lhe a isenção e a imparcialidade. Lá a eleição é que o tornaria independente, porque seria escolhido pelo povo. Aqui se tornaria dependente do povo pelo qual foi por ele eleito! Ao contrário do que afirmam alguns, apenas por ouvir dizer, como tem sido em regra as afirmações sobre o problema, a eleição de juízes naquele país está em plena força e, como foi dito em recente livro sobre o tema: In this book we argue that, contrary to the claims of judges, professional legal organizations, interest groups, and legal scholars, judicial elections are democracy- enhancing institutions that operate efficaciously and serve to create a valuable nexus between citizens and the bench.16 (Neste livro, discutimos que, contrariamente às reclamações de juízes, organizações profissionais, interesses de grupos e professores de

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lei, as eleições de juízes operam eficazmente para o fortalecimento da democracia e servem para criar um valioso nexo entre cidadãos e a magistratura).

Isto significa que, apesar das críticas (e críticas existem sobre tudo numa sociedade livre), a eleição de juízes permanece e não há nenhum movimento para extingui-la. Sua missão ficou clara na citação acima: fortalece a democracia e funciona como elo entre a magistratura e a cidadania: nexus between citizens and the bench.17 Se a democracia se fundamenta no povo, este deve ter a competência de escolher seus juízes. Perder este nexus é diminuir a democracia. Note-se por fim que há procedimentos eletivos para a escolha de juízes na maioria dos Estados e, quando não há, o procedimento de escolha é muito mais democrático do que o nosso, com ampla consulta à comunidade, antes que outro poder escolha o nome. Vivemos falando que não devemos copiar modelos de países desenvolvidos, muitas vezes inadequados para nossa realidade. Está certo. Por isto, vamos dar um passo à frente e escolher um modelo próprio para preencher os postos de ministros no nosso STF, ou seja, juristas eleitos pelo voto popular da forma já indicada. E nos tornaremos um exemplo para os países da América do Sul e da Europa. Mostraremos que temos liberdade e autonomia. E sairemos na frente da maioria dos países do mundo atual. Todos sabem que o Supremo é um órgão político-jurídico. Toda grande questão jurídica envolve um problema de amplo alcance, que tem natureza filosófica, econômica, política e social, superando assim as fronteiras da norma. O Direito não tem elementos para possibilitar ao juiz uma escolha deste tamanho com elementos estritamente jurídicos. É preciso que ele tenha arejamento, inteligência e, principalmente, formação política, jurídica e filosófica para que haja equilíbrio e bom senso na decisão que há de tomar. Nestes casos complexos, a lei perde seu vínculo de referência, pois fica superada pela grandeza e complexidade dos fatos e o juiz tem que decidir com seus próprios valores. O problema dos embriões , feto anencéfalo e outros tantos, envolvendo questões de alta indagação, mostrou isto recentemente. Outros vários temas da mesma natureza (casamento ou união estável de pessoas do mesmo sexo, aluguel de útero, por exemplo) estão em discussão pública. Deixar na mão apenas de juízes vitalícios estas questões e excluir delas outros juristas e a própria cidadania é ato antidemocrático e limitador da vontade popular. Geralmente os presidentes do Supremo manifestam-se sobre tudo no país. Desde os sem-terras até o uso de algemas. E estão certos, pois toda questão social e política pode assumir formato jurídico e constituir um litígio ou controvérsia que vai bater no Supremo Tribunal Federal. Já passou o tempo em que juiz só falava nos autos. Hoje ele fala onde for preciso. É, portanto, um político que julga assim como o legislador é um juiz que legisla. Não há uma fronteira nítida para estas duas grandes, importantes e respeitáveis funções num estado democrático de direito. Portanto é necessário que seus titulares assumam seus cargos por vontade direta do povo. E falem legitimamente em seu nome. É hora de arrancar a máscara que foi impingida no rosto do povo brasileiro. A nação tem o direito de escolher quem vai julgar seus cidadãos e decidir sobre as questões que marcarão seu futuro. Pela amplidão de sua competência, o STF é hoje um parlamento, pois emite súmulas, decide sobre questões de repercussão e, através da jurisprudência e da competência privativa, dá a palavra final sobre muitas questões de fato. Os homens que se candidatarem a esta magna função têm que ter mais títulos do que uma simples amizade com o Imperador do momento ou apenas um currículo no qual conste o solitário título de ter sido 16 17

W.Bonneau, Chris. Hall, Melinda Gann. Judicial elections. N.York, Routledge. 1999, p. 3.

É exatamente ao contrário do que acontece entre nós. Os juízes são escolhidos e não eleitos. Por isto dizem que não julgam segundo a vontade popular nem têm que prestar contas ao povo, como se estivessem assentados em torre de marfim, olhando por cima o desenrolar da vida.

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advogado de um partido político a que presidente ou políticos influentes pertencem ou pertenceram. Seja ele quem for, é preciso exigir mais. E quem há de decidir é o povo, porque é dele que nasce a seiva fecunda que, bem ou mal, sustenta as democracias no mundo. Como diziam sabiamente os romanos: Populus maior imperatoreque principe. (O povo é maior do que o imperador e o príncipe). E o candidato não há de ser um juiz que, tendo amizade nas cortes mais altas, é distinguido para figurar em lista. O universo de escolha de seu nome deve ser maior. Se for digno e tiver bom currículo, não temerá a escolha. Horácio, há mais de 20 séculos, advertia aqueles que desprezam as vozes do povo: “Populi contemnere voces. Sermones 1.1.65.18 E o temor existe, exatamente porque têm medo de seu julgamento. Por isto, prefere-se o caminho das amizades com o César-Presidente ou amizade interna corporis com os juízes das cortes. Tudo isto para atalhar caminhos e fazer carreira com facilidade. Importante não é o notório saber, mas a notória amizade. Está certo que a eleição de juízes deva ser diferente da eleição para cargos políticos, pois o exercício de sua função é técnica e exige formação especial. Mas isto não exclui a eleição, que deve adequar-se à sua finalidade. Se para o exercício do Poder Judiciário exige-se do juiz formação técnica, conhecimento especializado, cultura jurídica e política e sólida visão humanística do mundo, a eleição deste agente pressupõe estas condições provadas através de currículo. Sua eleição é diferente, mas é eleição e não exclui a participação popular. Nisto consiste o frequente erro dos que são contra a eleição para juízes: pensam que a eleição será nos moldes comuns, com apelo direto ao povo, obrigando o candidato a sair pelas ruas, fazendo pregação política e prometendo sentenças, fazendo comício e aliciando o povo. A primeira seleção se faz pelo partido que vai dar legenda ao candidato. Se apresentar nomes equivocados e vulneráveis, prejudicará a campanha presidencial do partido, que será criticado e rejeitado por apresentar nomes de juízes incapazes do cargo. Depois de escolhido o nome pelo partido, vem propriamente a campanha, na qual o candidato a juiz tomará parte discretamente. Falará em programas de televisão e dará entrevista sobre temas jurídicos. Também deve ficar claro: os juízes de tribunais superiores terão mandato representativo e não cargos vitalícios. Cumprida a representação, retornarão ao seu mister anterior. Também não serão ocupados apenas por juízes, mas também por advogados, professores universitários, procuradores. Enfim, por juristas que possuírem os títulos habilitantes. O tema era um tabu na doutrina brasileira. Juízes o evitavam ou simplesmente recusavam a ideia sem maiores fundamentos. Porém, nestes dias agitados em que vivemos, indicações para o Supremo foram contestadas. Falas impróprias, entrevistas inoportunas, discussões internas com agressões recíprocas chamaram a atenção sobre o modo de escolha, que foi inclusive motivo de editoriais e artigos da grande imprensa brasileira.19 Não se chegou à eleição, mesmo porque o tema é totalmente desconhecido. Mas agora, a discussão voltou num momento em que dele se cuida, não só nos Estados Unidos onde sempre existiu, mas também na Alemanha, embora restrita aos juízes constitucionais. 18 19

Horace. Oeuvres. Paris:. Hachette. 1906, p. 284. Cite-se como exemplo o excelente artigo de Eliane Catanhêde Eterno Enquanto Dure publicado na Folha de São Paulo de

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.11.12, em que defende o mandato fixo para os juízes ou ministros do STF. Diz ela:” Dias Toffoli assumiu aos 41 anos e, sendo bom ou ruim se quiser ou aguentar, poderá fixar lá até outubro de 2037, num total de 28 anos. Há dúvidas sobre o quanto isso é bom para o tribunal e para o próprio juiz. Tanto que o debate vai e volta.” A seguir cita exemplo de mandato temporário para juízes de cortes constitucionais, nome ando expressamente o exemplo da Alemanha, Itália e Portugal. Não chegou à eleição direta. Não se poderia exigir dela, como jornalista, conhecimento do assunto. Mas, entre o mandato fixo e a eleição, é apenas um dar um passo mais.

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Salienta Dieter Grimm, ex-juiz do Tribunal Constitucional Federal – Bundesverfassungsgericht: Haja vista que, em uma democracia, juízes constitucionais devem chegar ao cargo de maneira democrática se não puderem ser eleitos diretamente pelo povo, apenas constituí-los através de outros órgãos estatais, por sua vez eleitos.20

Infelizmente, ainda não se concretizou, mesmo na Alemanha, o conselho de Deter Grimm. Os juízes do Bundesverfassungsgericht não são eleitos, mas escolhidos, metade pelo Bundestag (câmara de representantes) e metade pelo Senado (Bundesrat).21 De qualquer forma o processo é bem mais democrático do que o nosso, pois a escolha repousa no parlamento e não na vontade solitária e isolada de um presidente e sua caneta. A teoria da nomeação por mandato voltou agora à discussão. O ex-presidente Lula defendeu-a recentemente em entrevista.22 Disse: Pode ser um mandato. A vantagem é que vai ter uma alternância de pessoas ocupando o mesmo cargo.

Depois, sugeriu que o tema seja discutido pelo Legislativo. Na mesma entrevista, afirmou que: Teria mais critérios para indicar os ministros do STF, caso tivesse as informações que dispõe (sic) hoje sobre os postulantes ao cargo.

As afirmativas do ex-presidente merecem análise meticulosa porque propõem mudança de parâmetros e sistemas na história política do país. Primeiramente mostrou a falta de critério e conhecimento dos candidatos que pretendem nomeação. Isto se deve ao jogo político intenso que bombardeia diariamente o presidente antes da escolha. A nomeação é, portanto, um momento que importa na vitaliciedade do juiz para o resto de sua existência no mais importante tribunal do país. Se a nomeação for errada, a nação terá que tolerar um homem errado no lugar errado por toda a vida. Por outro lado, afirma o ex-presidente que, se fosse nomear hoje novamente os ministros que nomeou no passado, buscaria mais dados e informações. Isto significa a precariedade do sistema de escolha. Há na declaração a afirmativa de que buscaria mais dados para nomear. Portanto às nomeações faltam critérios seguros que só a eleição direta pode fornecer. Vê-se que atrás das indicações, há um intenso jogo político de interesses e cobranças incompatíveis com a independência do magistrado. Finalmente, há o problema do financiamento de campanha, hoje muito discutido nos Estados Unidos em razão das astronômicas somas arrecadas por ocasião da escolha de juízes dos tribunais de segundo grau. Para que se tenha uma noção do problema, só na década de noventa os juízes levantaram para financiar suas eleições, cerca de US$ 206 milhões de dólares.23 A eleição do modo proposto neste artigo evitará este problema, pois se trata de eleição partidária. O partido é que cuidará do financiamento e não o juiz pessoalmente, que não poderá pedir nem receber qualquer tipo de auxílio financeiro. Se concluirmos a tal reforma política da qual tanto se fala, impedindo a doação de pessoas jurídicas aos partidos, teremos um sistema próximo do ideal, pois a eleição não corre o risco de se conspurcar com altas doações de empresa, para depois cobrar facciosidade do juiz aquinhoado. 20 21 22 23

Grimm, Dieter. Constituição e política BH., Del Rey, 2006, p. 170/1. Para detalhes, ver o site http://www.bundesverfassungsgericht.de/organisation/organisation.html Estado de Minas do dia 2.10.13.

Informação prestada pelo juiz Don Willet da Suprema Corte do Texas. Note-se que, em alguns estados americanos, além do tribunal de segundo grau, há a supre ma corte estadual que cuida do controle de constitucionalidade estadual e de outras competências restritas.

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Se o financiamento for público, melhor ainda. Todo partido terá sua cota, a propaganda e os gastos serão controlados pelos tribunais eleitorais e os candidatos, ao Executivo e ao Judiciário, terão que esmerarse na propaganda inteligente, nas propostas sérias e positivas e em programas de conteúdo, capazes de convencer o eleitor. A eleição de juízes é o único meio capaz de evitar que suba ao Supremo e aos demais tribunais superiores quem não merece e não demonstre previamente a plena aptidão para o cargo. Terá que passar por dois crivos apertados: primeiro, a escolha do nome pelo partido. Segundo, a aceitação pelo voto popular. Trata-se, pois, de um processo de escolha muito mais severo e exigente do que o atual. Naturalmente, este caminho terá sempre muitos adversários, principalmente os que querem encurtá-lo com amizades de presidentes e advocacia de partidos e pedidos e promessas a pessoas e políticos. 8 - ELEIÇÃO PARA O JUDICIÁRIO – IGUALDADE OU DIFERENÇA DA ELEIÇÃO PARA

O EXECUTIVO E LEGISLATIVO?

A Constituição no art. 1º, § único, diz: Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição.

Por ter-se tornado complexo e extremamente variado e populoso, o mundo, principalmente o atual, teve que prescindir da democracia direta. Não é mais possível reunir o povo nos montes e praças e colher deles a vontade explícita para a formação das instituições políticas, como faziam os romanos. As democracias modernas tiveram que criar outros meios de colher indiretamente a vontade popular de tal maneira que a voz do cidadão fosse proferida indiretamente por seus representantes e não diretamente da praça pública. Surgem então os partidos políticos nas democracias estáveis como meio de manifestação e participação do povo na gestão do poder político.24 O povo é a última e definitiva referência de qualquer Estado politicamente organizado. Como salienta Doehring: A população de um Estado compreende indiscutivelmente sua essência mais importante, pois o território e a autoridade estatal devem servir ao povo e só por causa dele o esclarecimento das relações jurídicas se faz necessário. Sem povo não existe Estado.25

Se o povo é o elemento fundamental do Estado e das democracias, a Constituição brasileira, acolhendo a doutrina, proclamou enfaticamente que todo poder emana do povo. Só depois cuida da representação através de representantes eleitos e, finalmente, relega espaço a institutos que ainda se perpetuam como símbolos da democracia direta: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Por isto a Constituição falou numa “soberania popular” que se concretiza pelo sufrágio e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos – art. 14, garantindo-se assim a participação do povo no Estado democrático. Finalmente, ao dividir a soberania popular em “poderes”, dispôs enfaticamente que ele emana do povo e seu nome é exercido. Portanto, quanto a seu nascimento, os poderes do Estado moderno têm uma mesma origem – a vontade popular – e uma idêntica finalidade: garantir a participação do povo através de representantes eleitos pelo 24 25

Oppo, Anna. Partidos políticos in Curso de introdução à ciência política. Brasília, UNB, 1982, p. 9. Dohring, Karl. Teoria do Estado. BH: Del Rey, 2008, p. 45.

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voto popular. Se todo poder emana do povo e em seu nome é exercido por representantes eleitos, isto significa que o art. 93, I, da Constituição contraria seu próprio espírito quando determina o ingresso na carreira cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, pois, sendo o juiz a personificação de um poder, este deveria emanar inicialmente do povo como diz nossa norma maior.

Estamos diante de um caso típico de norma constitucional inconstitucional conforme a teoria de Otto Bachof, ou seja, uma norma interna da Constituição de menor valor contraria outra ou outras que regulam o núcleo principal da Constituição, por exemplo, os direitos fundamentais e a organização política.26 É exatamente o caso típico que ora se analisa. Uma norma de organização judiciária contraria um princípio fundante da própria Constituição: todo poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (por plebiscito, referendo e iniciativa popular) nos termos desta Constituição. O concurso público não é meio direto nem indireto de exercício do poder pelo povo. Logo é uma norma constitucional inconstitucional, segundo teoria de Otto Bachof. Não há necessidade de grande esforço argumentativo para concluir que uma norma que exige concurso para ingresso na magistratura não é superior ao princípio constitucional que atribui ao povo a força propulsora do Poder que impulsiona a engrenagem de toda democracia. Portanto tem o legislador brasileiro todo o embasamento para votar uma reforma constitucional, estabelecendo a eleição popular para juízes das cortes superiores,27 dando assim força ao princípio fundamental da origem popular do poder, que ela tão bem enfaticamente proclamou. Dov Fox, recenseando dois livros que versaram sobre a elegibilidade de juízes – justices – da Supreme Court salientou que foi deliberada e intencional a atitude dos “framers of US Constitution” em estabelecer um procedimento que alheasse o povo do procedimento de escolha, para assim ter poder de nomeação nas mãos das elites. Daí nasceu o apontamento e não a eleição. 28 Posteriormente, como já se viu, em meados do século 19, começou um movimento popular para a eleição de juízes, exatamente para que a escolha se democratizasse e o povo tivesse nela participação. O sistema eletivo se estendeu para a maioria dos estados americanos, que têm alguma forma de eleição, maior ou menor, na escolha dos diferentes juízes das cortes inferiores e também nas superiores e nas supremas cortes estaduais. Porém a Supreme Court ficou de fora até hoje pela força política que se exerce para manter o sistema. O presidente dos Estados Unidos, o homem mais potente da face da terra, não quer perder a oportunidade de designar para a suprema corte pessoas de sua confiança, com as quais tenha identidade política. O interesse político supera assim o interesse científico e racional. Este é exatamente o caso brasileiro. 26 27

Bachof, Oto. Normas constitucionais inconstitucionais? S.l,Atlântida Editora, 1977, p.31.

Fiz referência a juízes das cortes superiores, porque minha proposta atual é esta. Mas poderia haver uma PEC instituindo a eleição de juízes em geral, na qual se incluiriam os de primeiro grau. Veja-se detalhes em Álvares da Silva, Antônio. Eleições de juízes pelo voto popular, já citado, p.l54 e seguintes. 28

The Oxian Rewiew of Books- http://www.oxonianreview.org/wp/

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A irracionalidade do método de escolha de juízes do STF só se mantém porque há interesse do presidente da república, seja ele de que partido for, em nomear os ministros do STF, pesando na escolha, em primeiro lugar, o interesse político. Salienta ainda Dov Fox que a escolha de juiz (justice) para o Suprema Corte americana é uma questão essencialmente política – a high stakes political business - que se transformou numa batalha publica – public pitched battles – caracterizada por notas na imprensa, televisão cobertura jornalística, lobbying, propaganda de grupos, exploração de imagens e consulta da opinião pública. (The processhave become public pitched battles,’ characterized by press releases, television coverage, grassroots lobbying, interest group advertisements, image-making campaigns, and public opinion surveys.) E conclui que o processo de escolha de juízes para a Suprema Corte longe de escolher o melhor e o mais qualificado, se transformou numa “untenable election without voters” – uma insustentável eleição sem eleitores. Fox continua sua arrasadora argumentação: Se o cidadão americano elege pelo voto popular seu presidente, por que não há de escolher também pelo mesmo processo os juízes da Supreme Court? E sugere a seguir, baseado no autor de cujo livro faz a resenha, várias formas pelas quais poderia ser feita a eleição: lista de nomes nos quais os eleitores votariam, eleição para mandato temporal (evitandose a vitaliciedade), ou simplesmente, indo além da opinião de Fox, como proponho para o Brasil, eleição direta em lista apresentada por partidos. Porém, surpreendentemente, Dov Fox se mostra contrário à eleição de juízes. Segundo ele, juízes não eleitos corrigiriam um “excesso de democracia”- excess of democracy. Os juízes da Suprema Corte poderiam ser escolhidos em momentos de paixão e histeria coletiva, motivados por fatos sociais de momento, o que retiraria o equilíbrio necessário de escolher julgadores para uma corte tão importante como é a Supreme Court. Estes argumentos de Fox estão longe de qualquer convencimento. Não se pode escolher momentos melhores ou piores para qualquer tipo de eleição. “Histerias coletivas” sempre existem em setores da sociedade humana, que não vive sem emoções. Mas isto não significa que o povo vá escolher candidatos melhores ou piores. Não se pode estabelecer a agenda política segundo supostas “histerias coletivas”. Os dois partidos americanos e, entre nós, os vários partidos têm nomes respeitáveis, juristas capazes, corretos e honestos com qualidades para ocuparem democraticamente a corte mais alta do Judiciário. Numa eleição desta os demagogos e incapazes não teriam vez. Se a campanha presidencial tem deformações, isto é problema de todas as eleições, pois não há unanimidade de pensamento na espécie humana para nada. Mas não será cancelando eleições que vamos melhorar processos de escolha, sejam eles quais forem. Pelo contrário, é com a eleição que o povo, em pensamento majoritário, escolhe quem deseja para os cargos importantes do país. Não será limitando a liberdade de votar que vamos evitar a seleção de pessoas erradas. Mais uma vez, convém lembrar Kant: só se aprende a ser livre vivendo em liberdade. Ou, generalizando o pensamento, só aprende a escolher quem tem liberdade para avaliar e julgar. Não se pode alhear o povo de suas responsabilidades democráticas. Tutelam-se os incapazes, não os eleitores. Como vê o leitor, o mundo é um só e não há grandes diferenças entre os países desenvolvidos e os que caminham para o desenvolvimento pleno como o Brasil. As mazelas são as mesmas e os problemas se repetem. Temos que resolvê-los com nossos próprios meios se formos capazes e grandes para adotar o caminho que melhor sirva aos interesses do país. Uma coisa a esta altura ficou certa e estabelecida: a eleição de juízes é melhor do que a nomeação, pois é aqui que os interesses políticos afloram com mais força, sem que o povo possa participar do sistema de escolha.

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Na eleição, pelo menos, o povo escolhe, tendo também o poder de preterir, recusando apoio ao juiz na eleição seguinte ou não votando no partido cuja lista de futuros juízes acolhe nomes que não merecem o cargo. Hoje isto é impossível. O presidente da república escolhe um nome, que ganha vitaliciedade, tudo à revelia do povo, que vai suportar o erro, caso exista. E, o que é pior: nada pode fazer para corrigi-lo. Nos estados que adotam a eleição, apenas para a permanência no cargo (o juiz é nomeado inicialmente), o processo se democratiza mais ainda, pois o povo mantém ou rejeita o juiz segundo seu comportamento no tribunal. É a chamada “eleição de retenção”. Nada mais correto e democrático: ficam os que merecem ficar. Perdem o cargo os que nele não merecem ficar. E tudo pela vontade do povo que, numa democracia, é a fonte de todas as decisões. 9 - CUSTO DAS CAMPANHAS PARA ELEIÇÃO DE JUÍZES. Os gastos com a campanha para a eleição de juízes, sempre ascendentes nos Estados Unidos, vêm sendo apontados como o principal elemento contrário à eleição de magistrados. Recebendo dinheiro para fazer propaganda de seu nome, o juiz se comprometeria com os doadores, tornando-se parcial, faccioso e preso a quem o financiou. Qualquer país deveria levar em conta estes fatores antes de importar o modelo para sua ordem interna. A questão precisa ser analisada com critério e imparcialidade, a fim de que se possa fazer um julgamento certo e sem preconceitos. Primeiramente é de se salientar que a democracia tem seu preço e os gastos do Estado não se concentram apenas na satisfação material da sociedade, mas também nos órgãos e instituições que permitem e facilitam seu funcionamento. Um exemplo é o Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, denominado Fundo Partidário que é constituído por dotações orçamentárias da União, multas, penalidades, doações e outros recursos financeiros que lhes forem atribuídos por lei. Os valores repassados aos partidos políticos, referentes aos duodécimos e multas (discriminados por partido e relativos ao mês de distribuição), são publicados mensalmente no Diário da Justiça Eletrônico. A consulta pode ser realizada por meio do acesso ao sítio eletrônico do TSE na Internet. O Fundo distribuiu 350 milhões a 29 siglas, rateado entre deputados conforme votação. Isto significa que entre nós a campanha eleitoral também é subsidiada, pelo menos parcialmente, com dinheiro público, só que é dirigida a partido e não a pessoa, como é o caso da eleição nos Estados Unidos. Para evitar a influência do poder econômico na eleição de juízes, minha proposta consiste exatamente na apresentação de nomes pelos partidos por ocasião da eleição para presidente da República. O candidato não recebe verbas, mas sim o partido. Não põe a mão em dinheiro. Pessoalmente não pode receber doações. A participação em campanha será compatível com o cargo exercido: o juiz falará sobre sua posição no tocante à reforma do Judiciário, sistema prisional, garantia no emprego, liberdade sindical, etc, ou seja, temas que interessam a toda a sociedade. Tais opiniões jamais impedirão o juiz de julgar com liberdade, pois falará sobre temas abstratos e não sobre casos concretos, que surgem em forma de conflitos. Nesta hipótese, cada caso é um caso, dependerá de prova e será analisado coletivamente pelo tribunal. Portanto, comparar a eleição de juízes dos Estados Unidos com o modelo que estamos propondo é comparar coisas incomparáveis porque são diferentes, embora tenham um fundo comum. De comparações deste tipo nada se deduz porque os termos da comparação são absolutamente diversos. A influência econômica fica assim totalmente afastada. Pode-se falar neste tipo de influência quando o acesso à Supremo Tribunal se faz por escolha, pois neste caso é concreta a vinculação do ministro a quem o nomeou. Pode ser, e desejamos que sempre assim seja, que o magistrado se independa totalmente do favor da indicação. Mas o povo ficou alheio ao procedimento de escolha, embora vá suportar os erros e acertos do 24


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juiz nomeado. Por isto mesmo, tem toda razão de desconfiar do método de escolha. Entretanto, embora sejam realidades distintas, julgo não obstante esclarecer ao leitor aspectos da eleição de juízes no Estados Unidos em relação ao financiamento de campanha, que não tem as consequências catastrofais que entre nós se difundem. Melinda Gann Hall, cientista política, que escreveu juntamente com Chris Bonneau o livro já citado neste artigo In Defence of Judicial Election, disserta com muita propriedade sobre os gastos de campanha.29 Salienta que o sistema eletivo nunca retirou do juiz sua qualidade fundamental - accountability and Independence- responsabilidade e independência. Tanto que os juízes eleitos se mantêm firme em seus cargos e são raros os casos de impeachment. Veja-se o que diz a American Judicatur Society:30 Impeachment is a rarely used method of removing judges. In the last 15 years, only two state judges have been impeached, only one has been convicted, and only five more have been involved inimpeachment investigations.

Como se vê, mesmo com eleições diretas e financiamentos, o efeito sobre a conduta do juiz é praticamente nula. Muitos argumentarão: mas isto se dá nos Estados Unidos, em outra realidade não comparável com a nossa. O raciocínio não convence e só teria sentido se o sistema brasileiro atual fosse perfeito. Todos sabem que não é e são inúmeros os casos disciplinares em que se envolveram juízes recentemente. Não será a eleição que vai agravar o problema. Pelo contrário, é exatamente pela eleição direta que consiste a única possibilidade de sanar o sistema, conforme se viu. Se o magistrado não tiver princípios morais, nenhum sistema o porá na linha reta do dever. Porém, partindo do princípio de que o erro é inseparável do homem, há métodos melhores que podem evitá-lo e corrigi-lo quando ocorrer. Em quinze anos na justiça dos Estados, em que os juízes são majoritariamente eleitos, apenas dois foram julgados mediante impeachment e houve somente uma condenação. Outros cinco se envolveram em processo de impeachment, mas não houve condenação. Quando a campanha se transforma em disputa com propaganda pelo rádio, televisão e internet, Mellinda Gann Hall vê grande vantagem nesta situação, pois o leitor se sente motivado com a eleição e dela participa com interesse e, portanto, com melhor chance de escolha. Assim terá melhores condições de fiscalizar o desempenho do juiz em quem votou. Geralmente este acirramento se dá nas disputas para as cortes de segundo grau, equivalentes aos nossos TJs e TRTs-TRFs. Ou então para a suprema corte nos estados que a possuem. Não se verifica em toda eleição, pois as votações para juízes de cortes inferiores se dá geralmente em conjunto com outros cargos elegíveis, transcorrendo normalmente. Diante destes fatos, conclui Melinda Gann Hall, se o juiz se submete à vontade de quem o elegeu, votando não para decidir com justiça mas para favorecer, depende exclusivamente de seu caráter e formação moral. E não do sistema pelo qual é eleito.31 O fato é que não existe um sistema perfeito de escolha de juízes, como não existe também um sistema perfeito de escolha para os representantes dos demais poderes – Legislativo e Executivo. São conhecidas as mazelas das eleições brasileiras. Não preciso enumerá-las aqui. Com base nesta afirmativa, é comum em debates sobre o tema a objeção: se assim é, por que então 29

Hall, Melinda Gann. The controversy over electing judges and advogacy in political Science. The justice system journal. Vol.30, number 2 (2009)

30 31

https://www.ajs.org/judicial-ethics/impeachment/

On this issue, the important point is this: the extent to which judges surrender to partisan pressures, political ambition, or any other force is entirely within their own control. While there may be added pressures on judges who are elected rather than appointed, it nonetheless is the case that each judge must decide which constituencies are to be served, even if that choice is at his or her own electoral peril. The controversy…. cit. p.286.

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trazer para o Judiciário as mazelas da eleição direta? Por que não manter o sistema de escolha livre como é hoje? Se o raciocínio fosse correto, então deveríamos também nomear uma comissão para escolher deputados, senadores e o próprio presidente da República. E tudo estaria resolvido, já que o povo é irresponsável na escolha ou, pior ainda, não sabe escolher e, nas mãos de irresponsáveis, não se pode deixar nenhuma decisão importante. Tal método seria a extinção pura e simples do regime democrático e a mais absoluta e elitista forma de ditadura. Nunca deu certo em nenhum lugar do mundo. Nem foi felizmente tentada. Portanto nosso raciocínio deve ser diferente. O sistema que temos é visivelmente defeituoso. Precisamos aperfeiçoá-lo. E isto só será possível com comparação a outros povos, não para copiar, mas para adaptar a experiência ali vivida e aproveitá-la com adequação à nossa realidade. É para isto que existe o Direito Comparado. Nem excluir o que vem de fora. Nem aceitá-lo sem crítica e adaptação. É assim que o mundo prospera e caminha. Melinda Gann Hall também afirma que a eleição de juízes, como o próprio sistema eleitoral de todos os demais cargos eletivos nos Estados Unidos precisa de reforma conjunta: there is a need to integrate discussions of reforming judicial elections while reforming elections of all sorts. Diz a autora em sequência: deve-se corrigir erros, buscar aperfeiçoamentos, superar dificuldades, mas nunca renunciar ao direito de eleger juízes e entregar este poder, que hoje está nas mãos do povo, a uma elite que faz escolha em seu nome e conclui: It is plausible that legitimacy will be enhanced by demanding that citizens relinquish to a political elite their longstanding power to elect judges? (Será plausível (supor) que a legitimidade será reforçada, exigindo que os cidadãos deponham nas mãos de uma elite o longo poder que detêm de escolher juízes?)

Enquanto nos Estados Unidos a doutrina vem a campo para defender a eleição de juízes no Brasil nem sequer se cogita de sua introdução. Preferimos o atraso da indicação pelo presidente da República. O Judiciário se flexiona e aceita a nomeação de seus membros por outro poder. Abre mão de sua independência e prefere a submissão à altivez de Poder que ele é. Infelizmente, é esta a realidade que temos. O ideal é que ela um dia mude. 9 - DISCUSSÃO RENOVADA Recentemente o site Consultor Jurídico – Conjur – publicou um artigo de Tiago Bittencourt de David sob o título Avanço do Judiciário não passa por Votação dos juízes, que discute o problema da eleição de juízes. Vamos analisá-lo.

9.1. A QUESTÃO CONSTITUCIONAL

Salienta inicialmente o autor citado que : De tempos alguém surge com o disparate(sic) de que o povo brasileiro deveria escolher, mediante votação, seus juízes. Quase sempre quem sustenta isso invoca o art. 1º, parágrafo único da CF/88, sem transcrever o dispositivo constitucional e sem lembrar seu interlocutor de que a ainda na mesmíssima Lei Maior consta o art. 93, inciso I, que aponta o concurso público como meio de ingresso na magistratura.

Com base na Constituição, entende que é legítima e constitucional a indicação de juiz mediante concurso público. Ninguém nega o que está escrito na Constituição. Naturalmente, a introdução da eleição de juízes no Direito brasileiro virá inicialmente através de projeto de emenda constitucional, que fixará os princípios básicos, relegando à lei complementar ou ordinária os detalhes da eleição, que já foram em geral dados no desenvolvimento deste artigo.

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É verdade que, no art.93, I, a CF fala em ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos. Se consta da Constituição, não há o que discutir do ponto de vista objetivo, pois ela é o topo da hierarquia normativa dos sistemas jurídicos. Mas acontece que toda interpretação é um conjunto e não um ato isolado, pois o significado real das palavras de uma língua se dá no campo da sintaxe e não no domínio da palavra em si. Como salienta Gladstone Chaves de Melo” Todo vocabulário relativo às atividades espirituais é analógico”32 e se funda em sucessivas comparações, fazendo com que o sentido dos textos esteja ao mesmo tempo fixo e aberto. Qual a analogia entre o art. 1º, § único: todo poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Do texto se deduz por seus segmentos semânticos o seguinte: a) todo poder emana do povo, que é, como já vimos, a referência última na estrutura de qualquer democracia. b) este poder é exercido pelo menos de duas maneiras: por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos da Constituição. Já no art.14, em complementação, a Constituição afirma: a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: •Plebiscito •Referendo •Inciativa popular. Portanto, conclui-se: pelo voto, elege-se a representação política; pelo plebiscito, referendo e iniciativa popular, exerce-se a soberania direta. Sendo o Judiciário um poder, seus titulares, ou seja, os juízes podem ser tidos como representantes elegíveis pelo voto popular, já que o plebiscito, referendo e iniciativa popular são mecanismo coletivos que se referem à consulta popular ou à sua expressão pelos mecanismos legais. Concurso público não é sufrágio nem voto. Muito menos mecanismos de consulta ou iniciativa popular. Esta forma só sobrevive em sua atecnia simplesmente porque está na Constituição, mas não é norma constitucional segundo a experiência dos povos. Este fato, entretanto, não impede a interpretação integral e metódica da Constituição, para retirar dela toda a extensão de suas normas, nas quais se apoiam os princípios fundamentais do ordenamento jurídico dos povos. E não é de difícil dedução que a referência a concurso público não é o meio legítimo apontado pela Constituição para o exercício da soberania. Se adotássemos a teoria de Bachof, que funciona como meio de defesa da Constituição, seriam inconstitucionais as normas constitucionais que violam as normas fundamentais da própria Constituição, porque quebram o sistema e o espírito da Lex Maxima e a ferem no mais íntimo de seu significado. A simples presença delas no bojo da Constituição não lhes dá legitimidade. Constituem um corpo estranho, fora de lugar e dali devem ser extirpadas. São originárias de reformas constitucionais apressadas, muitas guiadas por interesses de grupos e até mesmo de pessoas, ou então por razões políticas daqueles que não aceitam o estado democrático de direito A elas se aplica a expressão de Bachof: Em qualquer caso, o fenômeno (só na aparência paradoxal) de normas constitucionais inconstitucionais não deverá ser onipotência do Estado tem limites.33

Esta “onipotência” (conforme grafia original) não é somente aquela que importe em violência e 32 33

Melo, Gladstone. Estilística da língua portuguesa. Rio: Padrão, 1976, p.81. Bachof, cit., p.4.

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restrição de direitos, mas também a que se refere ao bom uso das normas constitucionais de acordo com a experiência jurídica do constitucionalismo. Se o STF, ao interpretar o art. 1º, § único em analogia com o art.93,I, adotasse a teoria de Bachof, consideraria a exigência de concurso público para o ingresso na carreira norma constitucional inconstitucional porque, sendo os juízes representantes de um Poder – O Judiciário- eles devem ser eleitos como o são os representantes dos outros poderes. 9.2. PEC OU INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL?

Se o STF, como guardião da Constituição, adotar a teoria de Bachof, a questão se resolve com a tomada de posição do próprio Judiciário, evitando-se a demora dos procedimentos legislativos. Se se entender que é necessária um proposta de emenda constitucional, então que seja logo apresentada ao Congresso. Teria dizeres simplíssimos, tais como: A eleição para juízes34 do STF e dos tribunais superiores se fará por eleição direta, conforme lei ordinária que regulará o procedimento da eleição. Rompida a barreira constitucional, o caminho ficará aberto para a mudança. 9.3. INDEPENDÊNCIA

O autor entende que a independência do juiz ficará comprometida. Assim se expressou: A judicatura deve ter independência para bem exercer seu mister, revelando-se indiferente aos grupos políticos e ideologias, bem como manter-se afastado do conflito de forças econômicas e projetos de poder. Nesse diapasão, o escrutínio popular em nada aumentaria a independência necessária para bem decidir. Pelo contrário, o voto renderia um sentimento de prestação de contas subvertendo o múnus de garante da legalidade para converter-se em promoção pessoal e busca de aplauso.

Não há dúvida de que, ao julgar, o juiz deve afastar-se dos grupos ou pessoas em conflito. Mas não deve ter, depois de se dar por competente e analisar o caso, a pretensão de ser neutro, pois nenhum julgamento axiológico, que importe em decisão e escolha, é indiferente aos bens da vida em disputa. Não se pode decidir sem preferência. A eleição pela lista legitima a escolha pelo voto popular, que é o batismo fundamental da democracia. Nem para tudo pode haver eleição, o que deturparia o sistema e travaria sua mobilidade. O juiz não procurará antessalas de políticos, não buscará relacionamentos de toda espécie, nem todos corretos e aconselháveis. Para analisar a independência do juiz perante os fatos, temos que considerar dois aspectos que podem gerar dependência: a) a eleição mediante lista b) a escolha pessoal, feito pela presidência da república. Não existe procedimento absolutamente isento para a indicação de juízes. Todas as instituições que o homem cria são interdependentes. Ligam-se contiguamente para o desejado efeito coletivo. Se homem algum é uma ilha,35 nenhuma instituição vive sozinha. Haverá sempre, ainda que mínimo, certo desgaste na atividade transformativa do homem. Não se pode buscar o bom absoluto, mas o menos ruim em tudo que se faz. Portanto, entre a nomeação por eleição e por escolha pessoal, temos que procurar o menos perfeito. A escolha pessoal é limitada. Envolve uma só pessoa. Como a nomeação é política, quem for o mais

34

Adoto deliberadamente o modelo americano, desprezando as expressões “desembargador” e “ministro”. Melhor é mesmo a palavra “juiz” para designar todos os magistrados de qualquer instância. 35

Como disse o poeta-filósofo John Dove any man’s death diminishes me, because I am involved in mankind. Meditation VII. A morte de todo e qualquer homem me diminui, porque pertenço à humanidade.

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hábil e com melhores relações pessoais será o escolhido. O currículo pesa menos e vem em segundo lugar, quando vem. Infelizmente, o que vale são as amizades e os relacionamentos. O presidente se guia por interesse político. Isto é assim em todo o mundo. Todo ato político se faz no interesse do partido, que sempre tem pretensões de assumir o poder em algum momento. Com a escolha de juízes não será diferente. Portanto o jogo se dá em campo estritamente pessoal, esquecendo-se da envergadura do cargo e do significado que possui. Em matéria política, não há magnanimidades. Quem faz favor mais cedo ou mais tarde pedirá a troca. A nação inteira tem conhecimento das manobras para se elegerem os últimos ministros do STF. Não vou renarrá-las aqui. Porém é preciso que fique claro: será por este tipo de escolha que se manterá a independência da magistratura? Acho que não há necessidade de argumentar mais. Não é o voto que suscita um “sentimento de prestação de contas”. Estas “contas”, ao contrário, são prestadas, se for o caso, por quem recebeu favores e precisa pagá-los. Pelo modo de eleição aqui defendido, o juiz não almejará promoções pessoais, mesmo porque não precisa delas. Ele sabe que, cumprido o exercício do mandato, voltará às origens. Os que se mantêm no cargo pela vitaliciedade é que podem sofrer de tais males. E os exemplos estão aí visíveis aos olhos de qualquer um.

9.4. FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS

Pelo sistema apontado, o financiamento se dará pelo partido e não pelo candidato pessoalmente. Aliás, este é o grande objetivo da reforma política brasileira: deslocar para o governo o financiamento das campanhas. Este ônus que se joga nas costas do contribuinte é o preço que todos temos de pagar pela manutenção do regime democrático e pelos benefícios que nos prestam. Nenhum candidato a juiz, aliás nenhum candidato, sairá mais à procura de doações para sua campanha. Isto garantirá sua independência nas votações legislativas, garantindo-lhe a condição de colocar o interesse do povo acima do interesse dos financiadores. O financiamento de campanha será objeto de consideração em outra parte deste trabalho.

9.5. DEPENDÊNCIA A PARTIDO POLÍTICO

Muitos alegam que, com a eleição, a dependência continuaria, trocando de lugar. Não é verdade. A dependência ao partido, se é que existe, é diluída, senão inexistente. O partido é que precisa do candidato a juiz para sua lista. Valorizá-lo-á pois na certa será um jurista de peso, cuja pessoa trará segurança ao país e tranquilidade ao Judiciário, ao contrário dos concursos que só mostram a capacidade intelectual.36 Não tendo que mendigar apoio político de porta em porta, chegará ao cargo com absoluta independência, inclusive em relação ao próprio partido. Não é necessário dizer que, durante o exercício do mandato, o juiz goza das garantias legais da magistratura – vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade. A vitaliciedade se transformará em garantia do cargo enquanto durar o mandato. 9.6. EXTENSÃO AO JUDICIÁRIO DAS CRÍTICAS QUE SE FAZEM ÀS ELEIÇÕES NO EXECUTIVO E LEGISLATIVO.

Escreveu-se sobre este tópico o seguinte: “...As pessoas que pedem voto para juiz reclamam de quem ocupa os cargos representativos alcançados por eleição, não entendendo que o resultado seria assim uma extensão ao Judiciário e ao Ministério Público de tudo quanto criticam nos Poderes Executivo e Judiciário.”

O argumento está de cabeça para baixo e vale somente em sentido contrário. Hoje, todo mundo critica o Legislativo e o Executivo exatamente sobre a imperfeição das eleições. 36

Não nego os méritos do concurso nem proponho sua extinção.Mas não o aceito como condição de ingresso na magistratura. O juiz eleito frequentará cursos de aperfeiçoamento, poderá cursar escolas judiciais e até fazer concursos classificatórios para a formação da lista de nomeação, quando já escolhido pela votação popular.

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Mas, pelo sistema de escolha de juízes atualmente reinante, busca-se legitimidade exatamente em quem é eleito pelo povo, ou seja, o Executivo auxiliado pelo Legislativo, no caso dos tribunais superiores: o presidente da República indica, o Senado aprova. Isto evidentemente é uma monstruosa contradição: não querem os juízes ser eleitos, mas buscam legitimidade em quem é eleito pelo povo. Ou seja, para eleger juízes o povo não serve, mas para dar legitimidade aos juízes nomeados procuram-se os poderes, cujos titulares são eleitos. O processo mostra um Judiciário dependente de outros Poderes. Como se pode admitir que seja realmente um Poder aquele cujos membros são nomeados por outro Poder? Onde fica o equilíbrio e a harmonia? Acaso o Judiciário indica o ministro da Justiça ou da Fazenda? A eleição direta acabará, com um só golpe, com esta incongruência e elevará o Judiciário efetivamente à condição de Poder da República, eleito pelo povo e exercendo um mandato por ele delegado. 9.7. MALES GENERALIZADOS

Finalmente, foi escrito o seguinte: “Com eleições muitos réus já iniciariam os processos condenados, tantos outros já estriam ab initio absolvidos. Minorias seriam esmagadas e teríamos um retrocesso enorme em pouco tempo. Por que voltaríamos às ordálias e às fogueiras?”

Ao contrário, as eleições diretas das listas é que evitam todos estes males. Os candidatos serão juristas de renome- juízes, procuradores, professores universitários, advogados. E não creio que nestas categorias não existam nomes capazes de assumir o cargo. Há-os, sim, e em grande escala. Nenhum partido chamaria para fazer parte da lista criminosos, condenados e infratores em geral, pois esta escolha arruinaria a eleição e seu candidato a presidente da República seria na certa derrotado. Há duas triagens: a primeira, pelo próprio partido; a segunda, pelo povo nas eleições. Portando o mal descrito não existe nas eleições diretas. Os candidatos são pré-selecionados de acordo pelo partido e pelas eleições. Portanto não será qualquer um que se elegerá. O notável saber jurídico e a reputação ilibada, exigidos na Constituição, vai se tornar pela primeira vez uma exigência de fato. Não será uma letra morta nem será substituída por “notórias amizades”. A eleição direta nada tem a ver com “minorias esmagadas”. Pelo contrário, serão respeitadas porque, se o partido sair vitorioso, a minoria política terá seus direitos acatados, como vem tendo até agora, no Brasil e no mundo, onde reina plena liberdade política para felicidade de todos nós. Ordálias e fogueiras são coisas do passado que nossa democracia, saudável, promissora, embora ainda em desenvolvimento, já superou. Não cairemos nas ordálias e fogueiras. Pelo contrário, dela sairemos com a eleição por lista. O que precisamos fazer é uma profunda e radical reforma do Judiciário, que começará com a eleição de juízes para os tribunais superiores. Depois virá uma radical reforma processual, simplificando procedimentos e limitando recursos, dando executividade ao que for decidido em primeiro grau, que é a parte mais esperançosa do Judiciário, seu cartão de visita e ao mesmo tempo seu soldado de infantaria, que abre caminhos antes impenetráveis, mantém o terreno conquistado e consolida depois a vitória final. Não será, com novos códigos que vamos “atualizar” nosso sistema jurídico. Precisamos de formas processuais simples, lógicas e inteligíveis, que, auxiliadas pelo procedimento eletrônico e pela composição extrajudicial, vão decidir com rapidez os conflitos sociais, sem prejudicar o direito de defesa. 9.8. CONCLUSÕES

As objeções de Tiago Bitencourt de David ao sistema de eleições diretas para juiz parte da premissa de que tais eleições se dariam segundo o modelo das que se realizam para a escolha dos representantes do povo para os Poderes Legislativo e Executivo, ou seja, satisfeitas as exigências objetivas da elegibilidade, 30


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qualquer um pode candidatar-se. Não é assim. As eleições que propomos resguardam a situação especial do Judiciário, sem, entretanto, retirá-lo do status de Poder da República que, como os demais, deve ser legitimado pelo voto. Não será qualquer um que assumirá o cargo de juiz de tribunais superiores. É preciso ficar bem clara está situação, para que o tema possa ser discutido com proveito. Espera-se que sejamos capazes desta compreensão. Caso contrário, falaremos sempre línguas diversas e tudo ficará no mesmo ponto, com perda de tempo e reformas inúteis. As reformas jurídicas do Poder Judiciário serão todas em vão se não forem acompanhadas de reforma política. 10 - A OPINIÃO DA PROFESSORA PENNY WHITE Tiago Bitencourt de David refere-se a entrevista da professora Penny White da Tennesse College of Law sobre o sistema norte-americano. Ela veio ao Brasil, segundo o site do Conjur, referido pelo autor citado, a convite do TRF da 2ª Região. 37 Questionada sobre os gastos com eleições de juízes, que é a maior preocupação dos juristas brasileiros, disse ela que elas crescem permanentemente. No Tennessee, as campanhas aumentaram 61% de 1994 até aqui. Estes gastos de fato a cada dia se elevam. Relação completa pode ser lida no livro de Melinda Gann Hall e Chris Bonneau, já citado, na p. 78. Mas estes autores entendem que os gastos e a excessiva politização da eleição de juízes se dá para a suprema corte dos Estados que a possuem ou para os tribunais de segundo grau. E não vêem as contradições que geralmente se apontam para estes casos. Entendem que os gastos com propaganda, principalmente na televisão, permite maior conhecimento do candidato, sua vida, seus planos e sua formação jurídica, tornando a disputa mais democrática e do conhecimento popular. Porém, para que se evitem abusos, parcialidades e suspeições, já se fala em correções do modelo neste aspecto, mas nunca na extinção de eleições como normalmente se supõe aqui. Realmente, não se pode confundir os dois aspectos. Se os gastos se tornam excessivos, obstando a lisura da eleição, o que se tem de fazer é corrigir os excessos. A Suprema Corte no caso Caperton x Massey Coal já sinalizou que é suspeito o juiz que julga conflito de empresa que colaborou com alta soma no financiamento de sua campanha. Mas estamos diante de um excesso, não de uma regra. Cooperar para eleição por si só não torna o juiz suspeito em relação a quem fez doações. Além do mais, o controle popular e os advogados evitam a parcialidade.38 O juiz só se torna suspeito em relação aos doadores de grandes quantias. Veja-se o caso Carpenter x Massey Coal. Não em relação a quantias menores porque isto inviabilizaria as cortes americanas, nos Estados em que há eleições. Assim já decidiu a Supreme Court of Illinois num incidente de suspeição. The Code of Judicial Conduct specifically allows a judge’s campaign committee to solicit and accept “reasonable campaign contributions and public support from lawyers.” Ill. Sup. Ct. R. 67(8)(2) (ell March 24, 1994), and the Illinois Judicial Ethics Committee has long advised that a judge has no obligation “to disqualify himself or herself under Rule 63C(I) merely because a lawyer or party appearing before the judge was a campaign contributor.” Ill. Jud. Eth. op. 93-11, 1993 WL 774478, at *2 (Nov. 17, 1993). The 37

A professora, que já foi juíza da Suprema Corte do Tennessee, concedeu entrevista ao jornalista André Camodego, da Assesstoria de Comunicação do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio e Espírito Santo).

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No Brasil, a parcialidade troca de lugar. É suspeito o ministro em relação ao político ou partido que o ajudaram explicitamente na indicação para o cargo?

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Caberá agora à jurisprudência estabelecer o valor que será considerado excessivo a ponto de obrigar o juiz a se dar por suspeito. O problema é difícil porque as cortes poderão ser prejudicadas no andamento normal dos julgamentos, com afastamentos frequentes de juízes. No Brasil, segundo minha proposta, o problema inexistiria porque a eleição é partidária e o financiamento compete ao partido e não ao juiz que figura na lista. Este assunto não tem pertinência com a pessoa do candidato. Penny White, segundo o texto citado, afirma ainda que as eleições acabam sendo decididas com base nos pontos de vista dos candidatos sobre assuntos jurídicos controversos, tais como aborto, casamento de pessoas do mesmo sexo, pena de morte, etc. Mas é exatamente aqui que está a grande vantagem da eleição para juiz. O povo tem o direito de saber se o candidato se sintoniza com as aspirações da comunidade. Se há divergência, há que predominar a vontade do povo e não a do juiz. O contrário é que se seria absurdo. Se há que se fazerem adaptações, a prioridade é do eleitor e não do candidato. Costuma-se alegar que o juiz não pode julgar segundo o clamor do povo na sua insensatez e violência, própria das multidões enfurecidas. Mas não é este o caso em discussão. Toda comunidade tem suas aspirações, desejos, intenções. E almejam que estes valores se positivem nas relações sociais. Por isto, escolhem os representantes dos Poderes segundo estas escolhas, manifestadas em plataformas políticopartidárias. Com os juízes, desde que haja eleições, não poderia ser diferente. A professora afirma ainda que estava em julgamento, à época da campanha para sua reeleição, um caso sobre a aplicação de pena de morte a um criminoso que estuprou e matou uma anciã de 87 anos. Ela ficou vencida em relação à aplicação da pena capital no caso concreto. Porém, durante a campanha, parte do Partido Republicano foi contra sua reeleição, alegando que ela era contra a pena de morte, da qual não abre mão o povo do Estado de Tenessee. Não vejo também aqui nada de excepcional. Se a professora era favorável à pena de morte, mas não no caso concreto, cabia-lhe na campanha esclarecer os eleitores. Se não foi capaz deste fato, ou se os eleitores não aceitaram suas explicações, não se há de censurar a vontade do povo, que é a última referência na organização de qualquer estado democrático. Temos que lembrar que são diferentes os pressupostos dos países em que os juízes são eleitos e em que são nomeados. 11 - CONCLUSÕES GERAIS A eleição de juízes nos Estados Unidos não está isenta de discussão. Atualmente há uma onda contrária à sua adoção. Mas a eleição continua e predomina na maioria dos Estados. O que é necessário são correções como aliás em tudo no regime democrático que é dinâmico, dúctil e sensível para perceber e incorporar às instituições o que passa no mundo dos fatos. A eleição de juízes nos Estados Unidos se desenvolveu em torno de três posições: a) NOMEAÇÃO Iniciou-se com a era colonial em que os juízes eram nomeados pelo rei e se estendeu aos primeiros tempos da democracia americana, para manter controle sobre o Judiciário através do Executivo. b) ELEIÇÃO, Veio à cena a eleição para combater o modo arbitrário e antidemocrático da escolha de juízes por reis ou governos. O povo que escolhia seus representantes nos demais poderes passou também a querer escolher os juízes, completando assim o quadro da democracia plena: todo representante deve ser eleito. Isto se deu por volta do começo do século 19. c) SITUAÇÃO ATUAL. 39

No. 117689 IN THE SUPREME COURT OF ILLINOIS PHILIP MORRIS USA INC., Movant, vs. APPELLATE COURT, FIFTH DISTRICT,.. Respondents

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O excesso de politização dos juízes, campanhas caras e influências externas nos julgamentos levaram a se cogitar de novas mudanças, algumas propondo inclusive o fim da eleição direta. Esta corrente minoritária foi excluída e tratou-se então de aperfeiçoar o procedimento de escolha através de um sistema misto: os juízes seriam nomeados pelo Executivo, Legislativo ou por ambos. Ficariam um certo período no cargo e depois se submeteriam a uma “eleição de manutenção” (retention election), ou seja, a comunidade seria perguntada se quereria que o juiz permanecesse no cargo. Nada mais natural e lógico: se a comunidade é o destino do serviço da magistratura, é ela também a entidade mais adequada para responder à pergunta se está satisfeita ou não com a atuação do juiz. O combate que se faz a esta terceira posição, que seria o balanceamento e o equilíbrio entre as duas primeiras é que, em sua primeira fase, há intromissão de poderes externos ao Judiciário. É verdade, mas a decisão final fica com o povo, que diz se o juiz fica ou não. Este sistema me parece o mais razoável, mas seria impossível para o Brasil. Nos Estados Unidos, não há carreira na magistratura. Quem é escolhido como juiz numa corte distrital ou num tribunal de segunda instância, lá permanece. Segundo nosso sistema, o juiz pode ser promovido e, portanto, a avaliação seria interrompida, o que poderia acontecer várias vezes. O segundo aspecto que deve ser levado em conta é que, quando se trata de eleição, ela pode ser partidária e não partidária (partisan election e non partisan election). Na eleição partidária, o juiz se apresenta na disputa como candidato de um partido político, assumindo assim a eleição uma coloração política. Muitos alegam que, se eleito, o juiz sofre influência partidária, o que é ruim para o desempenho de sua função. Como já salientamos, algum tipo de influência o juiz há de sofrer, como sofrem todos os representantes do povo numa democracia. Porém a influência partidária é muito mais diluída e muito menor do que a influência pessoal que o juiz pode sofrer daqueles a quem procurou para ser indicado ao cargo de ministro. Esta influência é direta, pessoal e extremamente constrangedora para o juiz que a recebe, pois é solicitado a pagar com favores da toga os benefícios que obteve com favores políticos. É o “toma lá, dá cá”, comum em nossa cultura e frequente nas nomeações de juízes e outros cargos públicos. Nonpartisan election é a eleição especialmente feita para um determinado cargo de juiz. Como já foi dito, não há carreira no sistema americano. O juiz é nomeado para o cargo e nele permanece. A eleição apartidária( nonpartisan election) se faz exatamente para preencher esta vaga ou lugar, sem a interferência de partidos políticos. Este modelo tem a vantagem de manter o juiz fora da influência partidária, mas, por outro lado, o povo não conhece a pessoa que está sendo votada. Vota-se aleatoriamente, pois não houve discussão pública com participação dos pretendentes, pelo menos na intensidade desejada. Nos países em que o voto não é obrigatório, a abstenção é grande e tende sempre a crescer mais ainda, em razão do desinteresse da população, principalmente a mais jovem. Para evitar este problema, até onde é possível, as eleições se fazem num só dia, para preencher todos os cargos elegíveis- juízes, promotores, prefeitos, etc. Também aqui, como se vê, o sistema tem falhas e, como tudo em matéria social, toda escolha é relativa e a sabedoria do administrador consiste em escolher o melhor, ou seja, a opção menos ruim. Como salienta Berten, Nós utilizamos definições em função das crenças que temos sobre o mundo e sobre o outro, e em função de projetos práticos ou de projetos teóricos. Podemos mudar nossas definições se vemos que elas não correspondem, ou não mais, às nossas questões, ou ainda mudamos nossas definições quando elas as respondem mal.40

Se as definições e as teorias sobre o Judiciário não correspondem mais a nossas expectativas, temos que mudá-las. Com o erro não se convive. 40

Berten A. Filosofia política. SP: Paulus, 2004, p.

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Trazendo com reflexão a experiência de outros povos e analisando até que ponto ela nos pode ser útil, podemos dizer que há uma unanimidade: a escolha de juízes de tribunais superiores tem vícios e contém erros que precisam ser sanados. Não podemos submeter os mais altos magistrados do país a pedidos políticos, recurso a amizades e relações, frequência a salas e gabinetes de políticos. A magistratura é muito maior do que tudo isto e deve ter um método de escolha à altura dos pretendentes. A solução que entendo mais razoável é a eleição através de lista, elegendo-se os nomes que dela constarem caso o partido político ganhe as eleições. A relação entre o juiz eleito e o partido político será mínima durante a eleição e inexiste no curso do exercício da função, que coincidirá com o mandato presidencial, principalmente se a reeleição for proibida. Se optarmos pela proibição de reeleição, como agora se pretende para a presidência da república, podese afirmar que a independência será total. O partido é que precisará de bons candidatos a juízes para que possa resolver um dos mais graves problemas de nossos dias: a demora dos julgamentos e a ineficiência do Judiciário. Cumprido o mandato, retorna o juiz ao que antes fazia. Se for magistrado e procurador, terá o direito da vitaliciedade no cargo de origem. Se advogado voltará à banca, inclusive com mais experiência e nome, conhecendo o que se passa além dos cancelos. Se for professor, enriquecerá suas lições e livros com a experiência na magistratura superior. Temos que mudar a organização do Judiciário que importa dois pontos básicos: o processo que deverá ser simplificado para tornar-se um instrumento efetivo, dúctil e rápido na composição das controvérsias e a correta escolha de juízes, pelo método adequado. Soluções existem para os males do Judiciário. Resta saber se queremos realmente resolvê-las. Se nossa atitude for pela renovação, há muito esperança e expectativas pela frente. Se ficarmos no comodismo e na inércia, o povo nos cobrará nas ruas a ação correta e o respeito que devemos a ele. Ninguém gosta de viver onde não haja paz e justiça.

Referencias Bibliográficas Jornaladvogado.com.br/cnj;, consultado em 9.3.15. Álvares da Silva, Antônio. Eleições de juízes pelo voto popular, SP: LTr. 1998. Karnal, Leandro et al.. História dos Estados Unidos- das origens ao século XXI. SP: Contexto, 2007. Bowers, Michael W. Research on judicial selection, Chicago, American Judicature Society, 2002. Castells, Manoel. Fim de Milênio. SP: Paz e Terra. Pikety, Thomas. O capital no século XXI. Rio:Intrínseca, 2013. Reforma do judiciário. BH. Del Rey,.2004. Reforma do judiciário. BH, Sitraemg, 2003. Lipson, Leslie. A civilização democrática. Rio: Zahar, 1966, t..II. W.Bonneau, Chris. Hall, Melinda Gann. Judicial elections. N.York, Routledge. 1999. Horace. Oeuvres. Paris:. Hachette. 1906. Catanhêde, Eliane. Eterno Enquanto Dure publicado na Folha de São Paulo de 18.11.12. Grimm, Dieter. Constituição e política BH., Del Rey, 2006. http://www.bundesverfassungsgericht.de/organisation/organisation.html Estado de Minas do dia 2.10.13. Oppo, Anna. Partidos políticos in Curso de introdução à ciência política. Brasília, UNB, 1982. Dohring, Karl. Teoria do Estado. BH: Del Rey, 2008. Bachof, Oto. Normas constitucionais inconstitucionais? S.l,Atlântida Editora, 1977.. The Oxian Rewiew of Books- http://www.oxonianreview.org/wp/ Hall, Melinda Gann. The controversy over electing judges and advogacy in political Science. The justice system journal. Vol.30, number 2 (2009 https://www.ajs.org/judicial-ethics/impeachment/ Melo, Gladstone. Estilística da língua portuguesa. Rio: Padrão, 1976..

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PEJOTIZAÇÃO E PARASSUBORDINAÇÃO: O DIREITO DO TRABALHO FRENTE A ESTA NOVA REALIDADE E OS PASSIVOS TRABALHISTAS, PREVIDENCIÁRIOS PELA CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO Adriano Jannuzzi Moreira1 RESUMO: Este trabalho pretende examinar as figuras da parassubordinação e da pejotização, fenômeno que decorre das transformações por que passa o mundo do trabalho na contemporaneidade. A problemática surge de casos concretos que demonstram a necessidade de ser dar um tratamento jurídico mais homogêneo a estas figuras, que hoje estão à margem do ordenamento jurídico. Após a demonstração da evolução do Direito do Trabalho e de algumas notas sobre estes fenômenos, buscou-se demonstrar como a sua descaracterização e a consequente formação do vínculo empregatício podem gerar passivos trabalhistas, tributários e previdenciários para as empresas. PALAVRAS-CHAVE: Parassubordinação, proteção, trabalho, pejotização, pessoa jurídica, previdenciário. 1 - INTRODUÇÃO O presente trabalho parte da análise de casos concretos para discutir a tormentosa questão acerca da caracterização ou não da relação de emprego daqueles trabalhadores que exercem suas funções com elevada margem de autonomia, enquadrando-se no conceito de parassubordinado, e daqueles que se valem de pessoa jurídica para a prestação de serviços e, posteriormente, pleiteiam a formação de vínculo de emprego, dentro da dinâmica denominada pejotização. No primeiro caso, analisado pela Justiça do Trabalho de Belo Horizonte, o reclamante era Coordenador da Pós-Graduação de uma entidade de ensino e teve seu vinculo de emprego reconhecido na Primeira Instância. Entretanto, o Tribunal Regional reformou a decisão considerando o trabalho como autônomo, em face da grande margem de autonomia e discricionariedade do trabalhador, sendo o acórdão confirmado pelo TST. O caso nos mostra que o trabalhador estava na zona cinzenta entre a figura do empregado e do autônomo, o que poderia caracterizá-lo como um parassubordinado, figura que está à margem do ordenamento juslaboral. TRABALHO AUTÔNOMO – CARACTERIZAÇÃO – RELAÇÃO DE EMPREGO – INEXISTÊNCIA. Caracterizase o trabalho autônomo, quando o trabalhador desenvolve suas atividades com organização própria, iniciativa e discricionariedade, além de poder escolher e forma, modo e tempo de execução de suas tarefas, sem estar jungido aos critérios e determinações da empresa, inexistindo, nestes casos a relação de emprego vindicada. (Processo no. 013782008-112-03-00-8, Sexta Turma, Desembargador Relator Anemar Pereira Amaral, acórdão publicado no Minas Gerais em 18/05/2009)

No segundo caso, também analisado pela Justiça do Trabalho de Belo Horizonte (MG), uma empresa de informática da capital foi condenada a pagar verbas rescisórias e multa a um analista de sistemas que prestava seus serviços por meio de uma pessoa jurídica. A decisão não sofreu alterações no Tribunal Regional. EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO – ÔNUS DA PROVA. Admitida pela defesa a prestação de serviços do reclamante sob a forma de um trabalho autônomo, a reclamada atraiu para si o ônus da prova do fato impeditivo alegado, nos termos dos artigos 818 da CLT e 333, II, do CPC. (00650-2010-004-03-00-4-RO. Relator: DESEMBARGADOR EMERSON JOSÉ ALVES LAGE. 1ª Turma. Data: 04/04/2011. TRT3).

Em instância extraordinária, a Terceira Turma do TST manteve o entendimento do acórdão regional, ao Ms. Adriano Jannuzzi Moreira Mestre em Direito Empresarial, Advogado Especialista em Direito Individual e Coletivo do Trabalho. Perito Ergonômo. Diretor Presidente do IBGPAT - Instituto Brasileiro de Gestão de Prevenção em Acidentes do Trabalho.

Mestre em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Doutorando em Direito. Professor universitário. Consultor Empresarial e Advogado Trabalhista. Especialista em Inteligência Empresarial. Autor de livros e artigos.

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não conhecer do recurso da reclamada que pugnava pela ausência dos pressupostos fático-jurídicos para a caracterização do vinculo empregatício e afronta aos os artigos 110, 113 e 114 do Código Civil brasileiro.2 Segundo o relator a jurisprudência do TST é construída no sentido de que a constituição de pessoa jurídica pelo trabalhador não tem, por si só, o poder de afastar a caracterização da relação de emprego quando são atendidos os requisitos do artigo 3º da CLT - prestação de serviços não eventual, com pessoalidade, onerosidade e sob subordinação - como foi o caso. Assim, a decisão que declarou a nulidade do contrato de prestação de serviços e reconheceu o vínculo de emprego não violou os artigos 110, 113 e 114 do Código Civil brasileiro, como alegava a empresa. Nos dois casos aventados, foi possível perceber que não há uma uniformidade interpretativa, ou seja, casos idênticos podem ser decididos de forma diferente, quer seja pelas provas produzidas nos autos, quer seja pela compreensão do fenômeno pelo magistrado. A decisão pode gerar a proteção do trabalhador pelo Direito do Trabalho, caso seja procedente, ou a sua privação, no caso de improcedência. Ainda, em uma consulta feita por um cliente, foi possível observar as angústias do trabalhador quanto a esses assuntos controvertidos. Tratava-se de uma pessoa responsável pelo RH de um grande grupo, que recebeu duas propostas, para a mesma função, com valores diversos de contratação, um menor na modalidade celetista e outro, maior, na modalidade Pessoa Juridica. Em um primeiro momento, a segunda forma de contratação por ser financeiramente mais vantajosa pode parecer melhor, mas, a longo prazo percebe-se o contrário. Exemplo disso diz respeito aos benefícios previdenciários, ou seja, quando esse trabalhador ficar mais velho, caso não tenha se precavido de outra forma, como por exemplo com uma previdência privada, quem vai pagar sua aposentadoria por idade? A indagação que se faz diz respeito à proteção jurídica que faz jus estes trabalhadores que ora se valem de uma pessoa jurídica para prestar seus serviços e ora se encontram no meio termo entre a autonomia e a subordinação. A pejotização e a parassubordinação, por si só, são capazes de afastar a proteção que é dada ao trabalhador empregado via Direito do Trabalho? Noutro giro, cumpre indagar como fica a segurança da empresa, que pode se deparar, posteriormente ao período da prestação de serviços, com passivos trabalhistas e tributários, em face do enquadramento do trabalhador, como empregado, pela via judicial? Todas estas questões, de extrema relevância na contemporaneidade serão ventiladas no presente artigo, no intuito de chamar a comunidade jurídica a pensar sobre estes assuntos controvertidos e polêmicos. 2 - EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO E A CONTEMPORANEIDADE O Direito tem como fonte material os fatos sociais, que fornecem subsídio para a criação das normas jurídicas, o que faz com ele seja um produto histórico e cultural. Partindo desta premissa, percebe-se que ele diversifica-se a cada momento histórico, conforme a evolução da sociedade em que está incrustado e os valores escolhidos por ela como mais relevantes. O contexto social, político, cultural e econômico serve de canalizador para a inclusão de novos conceitos jurídicos que atendam aos anseios da sociedade. O Direito do Trabalho é um dos ramos do Direito que mais reflete esta realidade não só nos cenários nacionais como no plano internacional, pois ele é resultado, de um lado, da luta dos trabalhadores, reunidos aos seus pares, por melhores condições de trabalho, e de outro, das concessões feitas pelos empregadores no intuito de manter o sistema. O Direito do Trabalho surgiu e se estruturou a partir das revoluções culturais do final dos séculos XVIII e XIX e das transformações econômico-socio-políticas na sociedade ocidental. A relação de trabalho subordinado, de concentração proletária, torna-se núcleo motor do processo produtivo que culmina no modelo capitalista, realidade até os dias atuais. 2

Processo: RR-650-80.2010.5.03.0004

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Neste contexto há o rompimento do sistema feudal e entra em cena a Revolução Industrial, com grande vinculação do trabalhador livre ao sistema produtivo emergente que proporciona a generalização e massificação da relação de emprego no sistema industrial na Europa e Estados Unidos. A sociedade liberal da época ofereceu ao povo “a segurança da legalidade, com a garantia da igualdade de todos perante a lei” (COMPARATO, 2001, p. 51), e a lei pregava tanto a liberdade quanto a autonomia privada, o que contribuiu para o novo sistema de produção, em que o trabalhador vendia livre e autonomamente sua força de trabalho ao empregador. Em resumo, um conjunto de fatores propiciou o surgimento desse campo do direito, a saber: i) econômicos: utilização de força de trabalho livre e subordinada como instrumento nuclear da relação de produção do novo sistema emergente; ii) sociais: formação de grandes contingentes urbanos operários pela concentração proletária na sociedade européia e norte-americana, e consequente surgimento de identificação profissional entre grandes massas obreiras; iii) políticos: pelas ações desenvolvidas pela sociedade civil e Estado, de forma a viabilizar a contratação e gerenciamento da força de trabalho que emergiu para atender ao novo sistema produtivo; pelo surgimento de movimentos coletivos de atuação política e profissional, obrigando a sociedade civil a acolher a produção normativa autônoma (acordos coletivos entre empregados e empregadores, entre sindicatos e grupos de empresas, entre sindicatos operários e patronais, por meio de regulamentos empresariais), fruto das pressões coletivas a partir dos movimentos de classe e a consequente incorporação pelo Estado dessa normatização, como esforço de melhoria das condições dos trabalhadores, mas também para contenção do movimento operário. Como dito, o liberalismo levantou a bandeira da igualdade e liberdade, mas abriu caminho para grandes desigualdades. O operário era livre, diferentemente do servo e do escravo, mas suas escolhas transitavam entre morrer de fome nas ruas, pelo desemprego ou de frio a caminho do trabalho, em busca de parca remuneração e por extensa jornada, aquela insuficiente para comprar-lhe roupas ou alimentos. As relações sociais e de trabalho entraram em crise e a miséria e exploração levaram os trabalhadores a forçarem uma discussão sobre sua situação e as greves levavam os proprietários dos meios de produção a aceitarem o diálogo. O capitalismo voraz e os deletérios efeitos que causaram na classe operária fez com que o Estado adotasse uma nova postura, mais ativa e sensível às grandes desigualdades e injustiças que permeavam as relações intersubjetivas. Ele se viu constrangido a regular, através de um conjunto de atos normativos, as relações de trabalho e suas condições, impondo limites. Firma-se o Direito do Trabalho, em âmbito supranacional, de cunho humanitário e social. O Estado passa a dirigir suas preocupações não apenas à garantia das liberdades e igualdades formais, mas a propiciá-las materialmente a essa nova classe. Em um contexto marcado pelo Pós-Guerra (Primeira) foi necessário buscar a desmercantilização do trabalho, como forma de assegurar cidadania aos indivíduos, por meio de políticas sociais, dentre elas as normas trabalhista, que visam a diminuição das desigualdades e a inclusão econômico-social dos trabalhadores. Neste contexto, em que o Direito do Trabalho firmou-se, foi possível traçar suas principais características: tendência expansionista, natureza tuitiva, caráter intervencionista e cogente contra o dogma liberal da economia, imperativo e irrenunciável. O desenvolvimento e a intensificação da relação entre capital e trabalho, a expansão do sistema econômico capitalista e a necessidade de uniformizar regras e princípios essenciais a todos os trabalhadores culminaram na internacionalização do Direito do Trabalho, que adquiriu força expressiva tanto com a constitucionalização dos direitos sociais (Constituição do México de 1917 e Constituição de Weimar de 1919) quanto com a criação da OIT. A partir daí seguiram-se pactos e convenções importantes ratificadas em grande parte pelas nações refletindo um novo momento do modelo de desenvolvimento social, econômico e a concepção de universalidade do Direito do Trabalho, no sentido de fixar um padrão mínimo de proteção aos trabalhadores que deveria ser seguido em âmbito supranacional. Esta fase gloriosa do Direito do Trabalho, de expansão e concretização, perdurou por muitas décadas, em especial no período que sucedeu a Segunda Grande Guerra. Nunca antes na história foi observado um clamor e observância tão grande pelo cumprimento e aprimoramento das normas juslaborais, uma das responsáveis pela melhoria das condições de vida das pessoas que vivem do seu trabalho. Entretanto, a partir da década de 70 este contexto começa a ser objeto de mudanças. Crises econômicas, reestruturação produtiva, revolução tecnológica, globalização e políticas neoliberais buscam impingir novos 37


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contornos ao Direito do Trabalho, agora taxado de ultrapassado e conservador. Neste cenário é possível identificar altos índices de desemprego e novas formas de prestação de serviço em que a clássica relação empregatícia, caracterizada pela subordinação, se modifica e o empregado também deve se transformar constantemente para se adequar às novas exigências do mercado. Este novo estado de coisas faz com que o Direito do Trabalho seja repensado, mas não para se adequar ao discurso neoliberal, mas para estender o seu manto protetor às novas figuras que decorreram desta realidade. Como dito inicialmente, o aspecto dinâmico é próprio do Direito e o ramo juslaboral não pode fechar os olhos para a realidade que o circunda, em que trabalhadores, adaptados às exigências das empresas, prestam seus serviços sem preencher todos os elementos fático-jurídicos que os enquadre como empregados e justifiquem a tutela do Direito do Trabalho. Entretanto, há o preenchendo de alguns requisitos o que afasta a figura do tradicional autônomo que, em regra, não é tutelado pelas normas trabalhistas. O Direito do Trabalho, sensível à figura deste novo tipo de trabalhador, denominado parassubordinado, busca se inovar a fim de não lhe deixá-lo ao desamparo legal. Paralelamente, esse novo cenário traz consigo a pejotização, ou seja, a prestação de serviços de um empregado via pessoa jurídica, mas com o preenchimento de todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego. Aqui o trabalhador, ainda que aja tipicamente como empregado, a princípio não faz jus à proteção do Direito do Trabalho, pois presta seu serviço via pessoa jurídica. Como já ressaltado, essas novas realidades devem ser objeto de debate pois demonstram como a realidade tem mudado e como isto interfere no Direito do Trabalho, que deve ser sensível ao contexto, viabilizando a extensão de seu mando protetor. 3 - SUBORDINAÇÃO, PARASSUBORDINAÇÃO E PEJOTIZAÇÃO: ASPECTOS GERAIS 3.1 Relação de emprego x Relação de trabalho autônomo Em extrema oposição à relação de emprego, há, e sempre houve, a relação de trabalho autônomo. Esta figura era espécie de trabalho livre mais comum até a revolução industrial, nele se enquadrando, por exemplo, o trabalho dos donos de tavernas, artesãos, padeiros, etc. Atualmente, enquadram-se como trabalhadores autônomos, além, naturalmente dos profissionais liberais que trabalham por conta própria, os profissionais que trabalham sob contratos de prestação de serviço como de agência, de natureza intelectual (médicos, consultores, agentes de publicidade), franchising, engineering, factoring, leasing, contrato de gestão transferência de know-how, produção e fornecimento de software, representação comercial autônoma dentre outros. Enquanto o empregado deve submeter-se aos comandos, regulamentos, fiscalizações e poder disciplinar do empregador, deixando por conta deste os riscos do empreendimento (trabalho por conta de outrem), o trabalhador autônomo exerce atividade econômica independente e por própria conta e risco. Por outro lado, enquanto o trabalhador empregado, em regra, depende do pagamento de salário por seu empregador para prover seu sustento e o de sua família, o trabalhador autônomo tem vários tomadores de serviço, não dependendo determinantemente do pagamento de um deles para quitar suas despesas vitais. Outro fator que demonstra com clareza que se está diante de uma relação de trabalho autônomo, é o poder negocial. Como regra, o trabalhador por conta própria pode negociar em patamar de igualdade com o tomador o valor da execução do contrato ou serviço, pois caso não cheguem a um denominador comum, deixará de contratar com esse tomador para fazê-lo com outro. Noutros termos, a independência do trabalhador autônomo vai além do poder de decidir como irá executar o contrato, tornando faticamente possível que ele escolha com quem e por que preço irá contratar. O mesmo não se observa com o trabalhador empregado. Seja em razão dos altos índices de desemprego, seja em razão dos baixos valores adotados como mínimos e pisos das categorias, o fato é que na esmagadora maioria das vezes o exercício do “poder” negocial do trabalhador empregado tem episódio único: o momento da contratação. Todos que têm o mínimo contato com a realidade do trabalhador empregado sabem que as chances de tomar as rédeas da negociação na vigência do contrato de emprego são mínimas, até porque, no mais das vezes, tentando negociar o valor de seu salário, ele estaria correndo o risco de perder sua única fonte de renda. 38


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Nesta dicotomia reside a importância da diferenciação entre trabalho autônomo e trabalho empregado. Este não conta com várias das prerrogativas, liberdades ou vantagens das quais o trabalhador autônomo desfruta. Enquanto o trabalhador autônomo pode negociar, em patamar de isonomia, com seu cliente todos os aspectos da contratação, o trabalhador empregado é hipossuficiente em relação àquele com quem contrata: ou aceita as condições impostas por este, ou ficará sem meios para prover o próprio sustento ou de sua família. Em outros termos, a importância na diferenciação entre o trabalho empregado e o trabalho autônomo está na condição de hipossuficiente que um carrega, condição esta que é o mais precioso objeto do Direito do Trabalho. Este ramo específico do Direito tem por objeto amenizar tal hipossuficiência e o faz por meio de normas, autônomas e heterônomas que tanto regulam a relação laboral de emprego, quanto garantem um patamar mínimo de direitos que devem ser observados pelo empregador em sua relação com o contratado, empregado. Por outro lado, aquele outro tipo de trabalho, o trabalho autônomo, é regulado pelo Direito Civil, ramo do Direito destinado a regular relações ente iguais. Embora sejam muitas e, aparentemente claras as diferenças entre o trabalho autônomo e o trabalho empregado, a evolução tecnológica e conseqüente modificação dos métodos produtivos atenuaram tais diferenças, tornando árdua, em alguns casos, a tarefa da caracterização plena de uma situação como relação de emprego ou trabalho autônomo. Para que se conclua por uma ou por outra espécie de relação jurídica, vários caminhos são apontados pela doutrina. Neste sentido aduz Mannrich: Em determinadas situações, há sérias dificuldades para se aferir se o serviço é prestado por empregado ou autônomo. Para tanto, é possível utilizar-se do critério da presunção do contrato de trabalho, levando-se em conta os seguintes aspectos: como trabalha, onde trabalha e como é remunerado De acordo com o primeiro aspecto, como trabalha, levam-se em conta as seguintes considerações: se o prestador de serviços está inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade; se presta serviços sob as orientações do tomador; se os instrumentos de trabalho são essencialmente fornecidos pelo beneficiário da atividade. Em outras palavras, deve-se investigar se o trabalho é executado segundo instruções e sob controle de outra pessoa; se implica integração do trabalhador na organização da empresa; se é desenvolvido única ou principalmente em benefício de outrem; se deve ser executado pessoalmente pelo trabalhador, num horário determinado, ou no lugar indicado ou aceito por quem solicita o trabalho; se é de certa duração e tem certa continuidade, ou requer disponibilidade do trabalhador, implicando fornecimento de ferramentas, materiais e máquinas por parte de quem encomenda o trabalho. De acordo com o segundo critério, onde trabalha – devem-se levar em conta as seguintes condições: se o serviço é prestado na empresa beneficiária da atividade, ou em local por esta controlado, com horário previamente definido. O último dos apontados critérios refere-se à forma de pagamento. Este deve levar em conta o tempo despendido ou se o prestador dos serviços se encontra numa situação de dependência econômica. Por meio do apontado critério, deve-se verificar se a remuneração se dá periodicamente, representando única fonte ou fonte principal de renda do trabalhador e se há pagamentos em espécies, tais como alimentação, moradia ou transporte, bem como se são reconhecidos direitos como descanso semanal e férias anuais. Além disso, se o pagamento leva em conta se o trabalho é executado no horário noturno ou em domingos e feriados. Por fim, se o contratante paga viagens para o trabalhador executar o serviço, de modo a livrar-se dos riscos inerentes à atividade econômica. (MANNRICH, 2009).

Há, portanto, alguns caminhos que podem ser seguidos para desvendar a natureza da relação jurídica que se apresenta no caso concreto, entretanto, se observarmos detidamente o que cada um desses caminhos oferece e todas as teorias já aventadas para a conceituação de um determinado elemento fático-jurídico da relação de emprego, fica bastante claro que a maioria dos referidos caminhos conduz à averiguação da presença ou não da subordinação. Assim, em todo o mundo, doutrina e jurisprudência tendem a se valer dos conceitos subordinação e dependência para alcançarem o enquadramento da relação jurídica eventualmente em apreço, enxergando na definição deles, o elemento divisor de águas entre o trabalho autônomo e o trabalho empregado, tanto assim, que este último é também denominado “trabalho subordinado”. 3.2 A subordinação como traço definidor da relação de emprego Talvez uma das escolas que mais tenha se destacado no que tange ao estudo dos elementos caracterizadores da relação de emprego, em especial, o elemento subordinação, tenha sido a escola Italiana. Conforme apontam Nascimento (2011) e Porto (2009), coube a Ludovico Barassi, em sua obra Il Contrato di Lavoro nel Diritto Positivo Italiano, apontar a subordinação do empregado ao poder diretivo do empregador 39


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como principal traço da relação de emprego. Depois dele, vários outros juristas daquele país se filiaram à Escola da Subordinaçã, a exemplo de Greco, Privitera, Sinagra, De Litala, Brassi, Mazzoni e Riva Severino. Já foi aduzido alhures, que a relação de emprego nem sempre foi a relação de produção motriz dos sistemas socioeconômicos ocidentais. Antes dela houve a escravidão, a servidão e o trabalho nas corporações de ofício. O que foi, então, determinante para a alteração das bases da produção com a revolução industrial em termos de trabalho, foi o fato deste passar a ser livre. Com efeito, foi em razão da liberdade para trabalhar ou não que se deu o fenômeno da subordinação3. Nessa esteira, forçoso concluir que apenas quem é livre é capaz de se subordinar ou subordinar seu próprio trabalho. Como formas de trabalho livre, tem-se o trabalho subordinado e o trabalho autônomo. O empregado é essencialmente diferente do servo e do escravo. Presta serviços por opção, por escolha, ainda que viciada pela necessidade, e pode escolher pelo simples fato de ser considerado sujeito de direitos, sujeito livre. O empregado se subordina às ordens do empregador não porque é propriedade deste ou porque se confunde com esta, mas porque ajustou assim, porque, sendo sujeito de direitos pode contratar, e podendo contratar decidiu pactuar uma relação de emprego na qual oferecia sua mão de obra à direção do empregador que por tal o remunerava. Tem-se, assim, que a dependência em que esse trabalhador, homem livre, se encontra na relação de emprego (o homem livre sem propriedade depende da existência dela para sobreviver) e o estado em que se coloca, de subordinação às ordens de seu empregador, são o principal traço distintivo dessa relação jurídica - entre aquele que emprega e assalaria e aquele que é empregado – em relação às demais relações jurídicas que envolvem qualquer tipo de trabalho, e como tal, desde o surgimento do Direito do Trabalho são alguns de seus elementos mais estudados, por vezes como sendo uma só coisa, a dependência da relação e a subordinação às ordens do empregador, ambos elementos essenciais da caracterização da relação de emprego, por outras como coisas distintas não necessariamente elementares, à configuração da relação de emprego. Nessa linha, conclui Lorena Vasconcelos Porto: (...) destaca-se a subordinação, pois que ela é o traço definidor da relação de emprego, a sua pedra de toque. Com efeito, os outros elementos dessa relação como a pessoalidade, a onerosidade, e a não eventualidade – podem estar presentes em outras relações, como no trabalho autônomo. O que servirá, então, para se afirmar com segurança que estamos diante de uma relação de emprego é a subordinação. Mas em que ela consiste? Essa resposta não é fácil, pois, como disse Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena, não há nada mais pacífico e controvertido, em Direito do Trabalho, do que a subordinação. Pacífico como linha divisória, controvertido como dado conceitual. (PORTO, 2009, p.32).

O contexto de clara diferenciação entre as duas espécies de trabalho ganhou novos contornos com a crise do petróleo em 70 e com a adoção da ideologia neoliberal. Isto porque a modificação nas relações trabalhistas decorrente do novo contexto econômico e político gerou uma dificuldade de separação plena das duas figuras. Passou a fazer parte da nossa realidade um tipo de trabalhador que não se enquadra como empregado, por não preencher todos os elementos fático-jurídicos caracterizadores da relação de emprego, mas que também não poderia ser considerado autônomo, em face de uma certa dependência em relação ao tomador. 3.5 Subordinação como corolário da dependência econômica Conforme mencionado, ao longo da história os elementos dependência (econômica) do trabalhador e subordinação às ordens do empregador foram, por vezes, tratados como se fossem palavras dotadas de conceitos, se não idênticos, muito próximos, no contexto da relação de emprego. Segundo Antônio Houaiss, o significado da palavra dependência é precisamente “estado ou qualidade de dependente; subordinação; sujeição” ou “necessidade de proteção, amparo, arrimo” (HOUAISS; VILLAR. 2001, p. 941).

Cumpre ressaltar que, essa liberdade, para alguns era mitigada pela ideia de que ou o trabalhador vendia sua força de trabalho pelo preço que o proprietário dos meios de produção quisesse pagar, ou se veria morto de fome. Em face da grande oferta de mãode-obra não havia muita liberdade de contratar, tendo o trabalhador que se submeter ao que lhe era imposto pelo tomador.

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O mesmo autor atribui ao epíteto outro sentido, dito jurídico: “pessoa que carece das condições financeiras necessárias para custear sua subsistência e, que para efeitos legais, depende de outra” (HOUAISS; VILLAR. 2001, p. 941). Nos primórdios do Direito do Trabalho, a definição dada acima para a palavra dependência, de fato dava o tom deste elemento caracterizador da relação de emprego. A dependência em que o trabalhador se encontrava na relação de emprego foi estudada com maior enfoque na primeira situação anteriormente aduzida, que para muitos justificava a segunda, ou seja, entendeu-se que o trabalhador só precisava subordinar-se às ordens do empregador em razão do fato de depender do desenvolvimento desta especifica relação de trabalho para obter meios se subsistência. Ilustram esta primeira fase, as palavras de Cuche citadas por Nascimento: Há locação de serviço, ou contrato de trabalho todas as vezes que a execução de trabalho, qualquer que seja o modo de sua remuneração, coloca aquele que o fornece numa relação de dependência econômica ou de subordinação em face de quem o remunera. Grifo nosso. (CUCHE apud NASCIMENTO, 2011, p.621).

Nessa fase, então, a doutrina entendia que, o fato de o trabalhador não contar com outro modo de prover seu sustento senão pelo trabalho e de ser o empregador detentor dos meios de produção e, em razão disso, ter condições de oferecer sustento ao empregado por meio do trabalho, era o principal elemento a caracterizar a relação de emprego. Diante do raciocínio então formulado, era forçoso concluir que, não sendo a necessidade de prover sustento para si e para sua família o que conduzia o homem ao trabalho não haveria de falar-se em relação de emprego, e, portanto nas garantias que o Estado e as normas conferiam ao empregado. Fica evidente que tal linha de pensamento, inevitavelmente, conduzia a certo reducionismo da proteção ao trabalhador, ora, imagine os executivos e administradores de alto escalão, ou mesmo aqueles trabalhadores provenientes de famílias abastadas, apenas por não se ligarem ao empregador por laço de dependência econômica necessária, ou por prescindirem do trabalho para sua sobrevivência financeira deveriam ficar excluídos da incidência dos e direitos e garantias impostos pelo Direito do Trabalho. Embora haja quem afirme que esta tenha sido a corrente adotada pelo diploma consolidado brasileiro ao dispor expressamente em seu artigo terceiro 4 que haverá relação de emprego quando o trabalhador estiver sob dependência de seu empregador, a verdade é que a corrente em questão, embora tenha validade sociológica irrefutável, não é a mais defendida pela doutrina atual, sendo por alguns considerada completamente superada5 , justamente por não mais traduzir com propriedade tal elemento da relação de emprego. Prevalece a constatação da possibilidade de existência de dependência econômica na relação de emprego, entretanto, não se tem entendido que seja esta dependência, elemento essencial à sua configuração. De acordo com Sussekind: Na verdade, a situação de dependência econômica da grande massa trabalhadora, resultante do liberalismo e da conseqüente Revolução Industrial, constitui uma das causas, senão a principal do aparecimento do Direito do Trabalho, mas não se trata aqui de indagar das razões econômicas e sociais do surgimento desse direito, e sim de dizer em que consiste o elemento – subordinação – que caracteriza o contrato de trabalho. A dependência do empregado, que sublinha tal contrato, há de ser entendida, pois, como jurídica. (SUSSEKIND, 2005, p.245)

No mesmo sentido, Catharino: A dependência econômica, na sua acepção técnica e absoluta, parece superada. Para configurá-la não é imprescindível que o trabalhador tenha no salário sua única fonte de sobrevivência, nem que quem o assalaria absorva integralmente todo o seu tempo dedicado ou dedicável ao trabalho. Na sua concepção relativa, não, bastando que o salário seja o principal meio de vida, e absorção parcial e predominante do seu tempo disponível por empregador. (CATHARINO, 1982, p.203).

3.6 Parassubordinação O Direito do Trabalho através dos tempos vem trabalhando com a dicotomia entre autonomia e subordinação, conforme restou demonstrado. CLT - Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

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É a posição de Maurício Godinho Delgado em seu Curso de Direito Do Trabalho

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Com as mudanças nas relações laborais e negociais da sociedade contemporânea houve o surgimento de uma nova figura denominada trabalhado parassubordinado, definição da doutrina italiana para o tipo de trabalho que possui as características tanto do trabalho por conta própria, como do trabalho por conta alheia: os trabalhadores economicamente dependentes trabalham por sua própria conta e risco e não estão subordinados ao empregador. Por outro lado, são economicamente dependentes na medida em que se vinculam, em maior ou menor grau, a só empresa cliente. Assim, novas formas de trabalho não subordinado ganham lugar na sociedade sem serem consideradas trabalhado autônomo. A doutrina Italiana desenvolveu o conceito de parassubordinação com a edição da Lei n. 533 de 11 de agosto de 1973 ao introduzir o iten 3 no art . 409 do Codice di Procedura Civile, segundo o qual compete ao Juiz do Trabalho julgar os conflitos decorrentes das relações de representação comercial, de agência bem como de outras relações de colaboração que se caracterizavam por uma prestação de serviços continuada e coordenada, predominantemente pessoal mas sem subordinação6. De acordo com a doutrina italiana o fenômeno da parassubordinação está centrado no trinômio - colaboração, coordenação e continuidade - com diferença em relação a subordinação e autonomia. Segundo Nascimento (2011), por coordenação se entende que há uma linha horizontal em que se encontram os interessados da relação jurídica e não, como na subordinação, uma linha vertical em que alguém está hierarquicamente superior ao outro. E, em relação ao autônomo, a diferença é que não há o risco da atividade econômica. O autor aduz que, de acordo com a doutrina Italiana, “Perrone , em Lineamenti di Diritto del Lavoro (1999), ao examinar as modificações e inovações do período recente do Direito do Trabalho italiano, é possível falar em Direito do Trabalho e não em Direito do Trabalho subordinado, o que pretende ressaltar uma ampliação de fronteiras da disciplina. A ideia é a transfiguração do trabalho subordinado. Nascimento (2011) também afirma a subordinação como submetimento ao poder organizativo e hierárquico do titular da organização na qual a atividade do prestador de serviço está inserida carece de uma identidade juslaboral. No âmbito legislativo a Lei Biagi da Itália (2003), base do fenômeno da parassubordinação, e a lei do Trabalho autônomo da Espanha (2007), são exemplos de preocupação da comunidade econômica européia com o fenômeno. A primeira ao criar níveis intermediários entre o trabalho subordinado e o trabalho autônomo trouxe o conceito de trabalho coordenado, continuativo e de colaboração. Já a segunda, disciplinou a situação do trabalhador autônomo dependente econômico. 3.7 Pejotização Consiste a pejotização no meio atualmente utilizado para se praticar uma ilegalidade na medida em que se frauda o contrato de trabalho para descaracterizar a relação de emprego existente, mediante a criação regular de uma empresa. Stander (2006) aproveita a sigla utilizada para Pessoa Jurídica, o “PJ”, para definir o vocábulo “pejotização”. Diz-se que é utilizado para fraudar a lei porque a relação existente entre o trabalhador e o tomador é típica de emprego, em que há subordinação, onerosidade, não-eventualidade e pessoalidade, que não se caracteriza como tal pela existência de uma pessoa jurídica, que faz com que o contrato entre as partes seja de natureza civil. Por ser um sistema dinâmico, o capitalismo se adapta diante das novas necessidades surgidas após uma crise. Nem sempre esta adaptação é favorável à sociedade, senão, apenas ao sistema econômico. A estrutura de produção tende a ser a primeira e a mais afetada das características do mercado. Após a crise do primeiro modelo industrial, o fordismo, ocorreu o esfacelamento do emprego clássico, tendo suas estruturas alteradas diante do advento do toyotismo. A produção passou a ser especializada, criando-se assim a natureza da terceirização. As empresas focam em apenas um aspecto da produção, vendendo seus serviços e

Art. 409. (Controversie individuali di lavoro): rapporti di agenzia, di rappresentanza commerciale ed altri rapporti di collaborazione che si concretino in una prestazione di opera continuativa e coordinata, prevalentemente personale, anche se non a carattere subordinato;

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produtos umas as outras. As atividades passam a ser indiretas, pulverizando os lucros e as relações. Ocorre a diminuição dos gastos administrativos, diminuição dos gastos operacionais. Hobbsbawn (1995) indica uma queda de 7 milhões de postos de trabalho nos 6 países mais industrializados da Europa, entre 1973 e 1980, como consequência deste fenômeno. Quando este paradigma começa a ruir temos a fase atual, onde a pejotização começa a imperar, inserindose no contexto atual do mercado de forma incisiva devido ao enfraquecimento do intervencionismo estatal diante do declínio do Welfare State. Muda-se então o dono do jogo da Economia, as políticas denominadas de neoliberais entram em voga e colocam a privatização como ordem do dia. Dentro deste arcabouço paradigmático neoliberal, além de todas as políticas fiscais e econômicas com intuito de trazer capital externo para o país, já que quem oferece menos encargos ganha a preferência de investidores, ocorre a fragilização do Trabalho diante da enorme abertura feita para a terceirização e a flexibilização das leis trabalhistas. Flexibiliza-se de fato, a proteção criada pelo Direito do Trabalho. 4 - CENÁRIO TRABALHISTA CONTEMPORÂNEO: PARASSUBORDINAÇÃO E PEJOTIZAÇAOCENÁRIO NÃO REGULAMENTADO. O cenário trabalhista contemporâneo, marcado pela complexidade e riqueza de relações juslaborais, mostra que a tradicional concepção binária autonomia/subordinação não mais abrange toda a multiplicidade de situações que surgem a cada dia na sociedade moderna pós industrial. Ainda, nos mostra alterações quanto à forma de prestação de serviço, tradicionalmente feita pelo empregado via contratação direta. Despontam novos tipos de contrato de trabalho e de relações jurídicas que não se enquadram na tipologia tradicional de autônomo ou subordinado, pois há na relação mais elementos fático-jurídicos do que aqueles próprios da autonomia e menos do que aqueles inerentes à subordinação, deixando o trabalhador em um patamar intermediário entre as duas figuras extremas, o que cria a necessidade de se construir uma teoria que compreenda e absorva esta nova realidade a partir de uma dimensão tricotômica do fenômeno – autonomia, subordinação e parassubordinação7. Isto porque, esta espécie de trabalhador, o parassubordinado, no momento atual encontra-se à margem do Direito, não se enquadrando em nenhuma das figuras pré-existentes, o que não é aceitável, uma vez que as situações do mundo dos fatos devem ser tuteladas e apreciadas pelo ordenamento jurídico. A figura do parassubordinado por se situar em uma zona intermediária entre o empregado, que conta com a proteção das normas trabalhisas, e o autônomo, que não faz jus à elas e é responsável pelo risco da atividade econômica, fica sem proteção legal, sendo sua única fonte de tutela aquela decorrente do âmbito judicial. Á partir do arbítrio do magistrado e da análise das provas produzidas nos autos que é feita a caracterização do serviço prestado e do trabalhador que o executou. Dependendo da análise pode haver o enquadramento do trabalhador como empregado ou como autônomo (conforme se viu no caso citado na introdução), figuras extremas que não levam em consideração a realidade do parassubordinado. Esta nova figura carece de normas que lhe digam respeito. Neste contexto, faz-se necessária a proteção desta categoria de trabalhadores através de uma legislação que fixe um mínimo de garantias, ou seja, um rol de direitos que lhe garanta o mínimo existencial digno. A uniformização legal permite ao Direito do Trabalho acompanhar a evolução dos tempos e o fenômeno da globalização, trazendo, de um lado, maior proteção ao trabalhador e, de outro, maior segurança ao empregador, evitando eventual passivo trabalhista que possa vir a inviabilizar sua atividade econômica. No cenário laboral brasileiro podemos identificar alguns trabalhadores que se enquadram nessa zona cinzenta, a exemplo do microempreendedor individual (criado pela Lei n. 128/2008), do representante comercial autônomo e do vendedor empregado (figuras que se confundem). Ainda, cumpre ressaltar a figura dúbia prevista no art. 129 da Lei n. 11.196/05, apelidada de Lei do Bem, que permite a contratação, mediante pessoa jurídica e sem vínculo de emprego, de prestador de serviço personalíssimo, ou não, de natureza intelectual. No que tange à pejotização, como dito, em que há a figura do trabalhador que presta serviços com

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No cenário doutrinário brasileiro o autor Amaury Nascimento Mascaro apresenta-se como expoente do tema.

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o preenchimento dos elementos-fático jurídicos caracterizadores da relação de emprego, mas que não é empregado porque o trabalho é contratado via pessoa jurídica, é possível visualizar exemplos no cotidiano. Apesar da pejotização estar presente em diversos setores econômicos e ramos de atividade, há alguns setores emblemáticos nos quais esse procedimento fraudulento encontra-se amplamente empregado, como nas áreas médica, de informática, indústria de entretenimento (cinema, teatros, eventos) e veículos de comunicação. Nas mais diversas empresas de comunicação (escrita, radiofônicas, televisivas e veículos de comunicação virtual), tornou-se a tônica a contratação de jornalistas, apresentadores de TV e artistas por meio de empresas individuais abertas somente para a prestação dos respectivos serviços, que se desenvolvem com pessoalidade, subordinação, onerosidade, habitualidade e alteridade, nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT, até porque constituem típicas atividades fins, essenciais ou permanentes destas entidades. Também no que tange à contratação de serviços médicos por hospitais e clínicas, estes profissionais devem, obrigatoriamente, criar uma pessoa jurídica para poderem ser contratados, ainda que na prática, haja típica relação de emprego. Estas duas figuras, inerentes ao contexto trabalhista e econômico contemporâneo merece uma maior atenção do Direito do Trabalho, para que os trabalhadores que nelas se encontrem não fique à margem da legislação. Por outro lado, o se estudo mais aprofundado permitem, em certa medida, que o empregador evite eventuais passivos trabalhistas, fiscais e previdenciários advindos da interpretação judicial do fenômeno. A falta de lei e uniformidade na compreensão do fenômeno é prejudicial tanto para o empregador como para o trabalhador. 4.1 Cenário Trabalhista Contemporâneo: a experiência européia e o Relatório Supiot. O requisito da subordinação jurídica, como demonstrado, foi uma das bases para a construção do Direito do Trabalho com seus contornos de proteção ao empregado. O modelo de subordinação jurídica construído no século XIX, entretanto, passou a ser objeto de críticas a partir da década de 1970, em que se observou a retração do Direito do Trabalho paralelamente ao surgimento de novas tecnologias e formas de trabalho, havendo um grande excedente de mão de obra e o aparecimento de trabalhadores informais, autônomos e à distância, dentre outros, fazendo com que o critério da subordinação jurídica ganhasse novos contornos. O trabalhador passou a adquirir, cada vez mais, uma função de colaboração junto à empresa, com menor sujeição, o que veio a enfraquecer o critério da subordinação jurídica. O Relatório Supiot 8 publicado mediante estudo encomendado pela União Européia apontou como tendência atual a dependência econômica, como critério a ter proteção legal das leis trabalhistas em substituição ao critério da subordinação jurídica, alargando a proteção estatal que, até então, somente amparava estas situações. O relatório também aponta uma tendência mundial de flexibilização necessária à economia de mercado, com o objetivo de crescimento das empresas e manutenção dos empregos, com a limitação de alguns direitos individuais, aplicando-os apenas excepcionalmente. O atual modelo de sistema produtivo fez com que as empresas necessitassem de trabalhadores especializados independentes, que estivessem inseridos na sua dinâmica, mas, sem a existência do tradicional poder diretivo e do trabalho subordinado, o que, consequentemente, geraria menores encargos trabalhistas. A partir do estudo sobre o trabalho economicamente dependente realizado pelo professor Adalberto Perulli, mediante encomenda da Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais do Parlamento Europeu, restou reconhecida a existência de um grande número de empregados que, embora sustentassem aparência de profissionais autônomos, não recebendo proteção das normas trabalhistas, apresentavam-se em situação fática que não correspondia à noção de autonomia pura. Esse grupo foi, no estudo, dividido em falsos autônomos e trabalhadores economicamente dependentes ou semi-subordinados. Os primeiros – falso - autônomos – seriam, de acordo com o estudo, aqueles que se submetem a contrato de trabalho em que estão presentes todos os elementos fático-jurídicos do contrato de emprego, mas que não estão recebendo a proteção conferida pelo Direito do Trabalho em razão de algum tipo de fraude. Já os trabalhadores economicamente dependentes não deixam de pertencer ao grupo de trabalhadores subordinados em razão de algum tipo de fraude, estão, de fato, em “zona cinzenta” que oscila entre a autonomia 8

Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2007:175:0065:0073:PT:PDF

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e a subordinação. Segundo o estudo, as áreas em que se encontram maior número desses trabalhadores economicamente dependentes são o setor dos serviços e atividades como as de restauração, comunicação social (jornais, revistas, TV, rádio, edição), ensino e formação, marketing, telemarketing, publicidade, espetáculos, administração, contabilidade, serviços sociais, transportes, construção civil e o trabalho doméstico. Alguns países da Europa, quais sejam Itália, Alemanha e Reino Unido (adicione-se a Espanha que promulgou lei regulamentando a questão em 2007), que já possuem lei regulamentando o assunto, elegeram alguns critérios para a identificação do trabalhador economicamente dependente. São eles: (i) necessidade de proteção social (trabalho pessoal, recursos humanos limitados); (ii) ausência de contato direto com o mercado; (iii) número de relações contratuais a partir das quais o trabalhador aufere o seu rendimento mensal; (iv) ligação com a organização da empresa; (v) ausência de subordinação, mas existência de poderes de coordenação por parte do cliente; (vi) maior duração da relação; (vii) o âmbito da categoria de trabalho economicamente dependente está condicionado pelas medidas regulamentares: a jurisprudência, a legislação (equiparação ao trabalho dependente ou ampliação seletiva do regime de proteção) e acordos coletivos. A Espanha, que em sua lei regulamenta tanto a questão dos trabalhadores economicamente dependentes como a dos trabalhadores autônomos, definiu o trabalhador economicamente dependente como aquele que realiza uma atividade econômica ou profissional a título lucrativo e de forma habitual, pessoal, direta e predominante para uma pessoa física ou jurídica, denominada cliente, de quem depende economicamente por perceber dele, ao menos, 75 por cento de seus ganhos por rendimentos do trabalho e de atividades econômicas ou profissionais. O objetivo da regulamentação da questão é, em última análise, a concessão de um patamar mínimo de direitos a esses trabalhadores que, embora não sejam empregados, dependem decisivamente do principal cliente para prover o sustento da própria família. Nessa esteira, os países que já aprovaram leis para o assunto, tiveram preocupação especial em regulamentar as seguintes questões: (i) segurança social (pensões, acidentes e doenças profissionais, proteção na maternidade, benefício em razão de doença); (ii) normas de procedimento sobre questões laborais; (iii) férias; (iv) acordos coletivos. A legislação espanhola, por exemplo, determinou que o contrato de trabalho do economicamente dependente com seu principal cliente - que poderá ser apenas um - deverá ser formal, dele devendo constar a condição de trabalhador economicamente dependente que sustenta e a pactuação sobre descanso semanal, feriados e jornada máxima. A referida Lei ainda tornou obrigatória a participação dos trabalhadores economicamente dependentes no regime geral de previdência do país para garantir a eles proteção contra infortúnios, inclusive os ocorridos in itinere. A existência de países com regulamentação específica sobre o assunto é uma grande evolução para o Direito do Trabalho, mas de forma alguma denota solução para o problema mundial da falta de proteção ao trabalhador economicamente dependente, uma vez que o número de países que enfrentam (regulamentam) a situação ainda é muito reduzido. Como conclusão, o estudo apresentado à Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais do Parlamento Europeu indicou quatro caminhos possíveis de serem seguidos nas circunstâncias em que o mundo se vê: 1.Manutenção do status quo: sugere-se, por exemplo, que os princípios contratuais gerais do direito civil e, em particular, a cláusula geral sobre a boa fé e a retidão poderiam ser aplicadas aos trabalhadores economicamente dependentes. 2.Criação de uma nova categoria de trabalho (uma nova categoria jurídica) entre o trabalho subordinado e o trabalho independente. Algumas formas de proteção dos trabalhadores seriam alargadas, através da legislação e/ou da jurisprudência, de modo a abranger este novo tipo de trabalho. 3.Redefinição (alargamento) do conceito de trabalho subordinado: atualização do conceito de trabalho subordinado (pela introdução de outros critérios relativos à subordinação), de modo a que o conceito corresponda às alterações verificadas no contexto socioeconômico. O objetivo desta opção seria impedir a disseminação da “autonomia aparente” e apoiar a “autonomia efetiva”.

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4.A criação de um “núcleo duro” de direitos sociais aplicáveis a todos os contratos de trabalho, independentemente da sua qualificação formal em termos de autonomia (trabalho independente) ou subordinação. Esta perspectiva tem vindo a granjear um crédito crescente junto da doutrina europeia. Substituir o modelo de justaposição rígida entre trabalho independente/dependente por um modelo contínuo de atividades (nível de proteção mínimo e comum para todas as formas de trabalho + aumento gradual da proteção ao longo desse modelo contínuo). De acordo com o próprio estudo, a manutenção do status quo não resolveria o problema, deixando os trabalhadores economicamente dependentes à mercê das forças do mercado. 5 - A CRIAÇÃO DE PASSIVOS TRABALHISTAS PARA AS EMPRESAS A PARTIR DA DESCARACTERIZAÇÃO DA PEJOTIZAÇÃO E PARASSUBORDINAÇÃO O artigo 9º da CLT, fixa que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”. Assim, qualquer ato do empregador ou do empregado visando afastar a legislação trabalhista, serão nulos para o mundo jurídico. Tendo em vista o principio peculiar do Direito do Trabalho da primazia da realidade 9 sobre a forma, para se descobrir um Contrato Realidade em uma relação de emprego, por exemplo, basta estar presente a subordinação, continuidade, pessoalidade e o salário como contraprestação pelos serviços executados. É a caracterização da relação de emprego, por força da Consolidação das Leis do Trabalho, nos seus artigos 2º e 3º, que tipifica as figuras do empregado e do empregador. Neste sentido Sergio Pinto Martins aduz: No Direito do Trabalho os fatos são muito mais importantes do que os documentos. Por exemplo, se um empregado é rotulado de autônomo pelo empregador, possuindo contrato escrito de representação comercial com o último, o que deve ser observado realmente são as condições fáticas que demonstrem a existência do contrato de trabalho. Muitas vezes, o empregado assina documentos sem saber o que está assinando. Em sua admissão, pode assinar todos os papéis possíveis, desde o contrato de trabalho até seu pedido de demissão, daí a possibilidade de serem feitas provas para contrariar os documentos apresentados, que irão evidenciar realmente os fatos ocorridos na relação entre as partes. São privilegiados, portanto, os fatos, a realidade, sobre a forma ou a estrutura empregada. (MARTINS, 2002, p.79).

Na mesma linha de raciocínio a jurisprudência, aqui descaracterizando a pejotização, ou seja, formação de pessoa jurídica para prestação de serviço nos moldes de uma relação de emprego, e formando o vínculo empregatício com o tomador: VÍNCULO DE EMPREGO – PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE – Prestação de serviço, através de empresa constituída exclusivamente por ex-empregado, e que se segue imediatamente ao término de contrato de trabalho, sem alteração nas condições de prestação do serviço. Relação de emprego configurada com base na realidade, o que afasta a pertinência e relevância do contrato firmado entre pessoas jurídicas. Recurso da ré a que se nega provimento. (TRT 02ª R. – RO 00902200538302000 – (20070250892) – 11ª T. – Rel. Juiz Eduardo de Azevedo Silva – DJSP 17.04.2007).

Ao lado da subordinação, o elemento fático jurídico da pessoalidade é elemento basilar na caracterização da relação de emprego. Amador Paes de Almeida aduz que: A definição de empregado, dada pelo art. 3º, põe em relevo o caráter intuitu personae do vínculo empregatício com relação ao obreiro, deixando patente que este é, sempre, uma pessoa física – um homem ou uma mulher -, o que afasta, desde logo, a pessoa jurídica dessa condição. Assim, um dos traços marcantes, senão uma das características básicas, é a pessoalidade consistente no caráter pessoal da prestação de serviços. Só excepcionalmente e, ainda assim, com prévia concordância do empregador, pode o empregado fazer-se substituir por outrem. (ALMEIDA, 2004. p. 36).

A prática de contratação de ex-funcionários via pessoa jurídica é comum nas organizações a contratação, ainda que seja uma prática ilegal. As empresas com o intuito de reduzirem os custos que tem com empregados, lhes “propõem” a rescisão do vínculo empregatício e a uma nova contratação agora entre pessoas jurídicas, uma delas formada única e exclusivamente pelo ex-empregado, que continua a prestação de serviços nos mesmos moldes, mas, algumas vezes com uma remuneração mais atraente para o empregado. Prática abusiva que, na maioria das vezes é descaracteriza pela via judicial, quando o empregado recorre à Principio que prioriza o fato real,em detrimento daquilo que consta nos documentos formais, produzindo desta forma todos efeitos jurídicos à prática concreta,provada e demonstrada através de todos os meios legais (perícias, testemunhas, vistorias, dentre outros méis de prova).

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Justiça do Trabalho para buscar os seus direitos. O vínculo empregatício é reconhecido, tendo a empresa que arcar com todas as verbas previstas na legislação trabalhista, previdenciária e tributária gerando um grande passivo pois a condenação é sobre a remuneração recebida como Pessoa Jurídica. Neste contexto, interessante ressaltar a Portaria nº 384/1992 do Ministro do Trabalho e da Administração que, em seu art. 2º, considera como fraudulenta a rescisão seguida de recontratação ou de permanência do trabalhador em serviço quando ocorrida dentro dos noventa dias subseqüentes à data em que formalmente a rescisão se operou, o que corrobora com o combate à fraude. Cláudio Armando Couce de Menezes (2007) sintetiza o cenário das fraudes trabalhistas: Norteado pelo princípio da boa-fé, o Direito do Trabalho é bastante peremptório em sua rejeição a qualquer meio de fraude, simulação ou dolo que venha a desvirtuar, transgredir ou violar (direta ou indiretamente) as normas laborais (art. 9º, CLT). É evidente que nessa sanção o legislador leva em conta a indispensabilidade do direito protegido e o interesse público protegido. Entretanto, essa nulidade pode ser total, atingindo todo o negócio jurídico, ou somente parcial, quando alcança unicamente a cláusula viciada, conforme dispõe o art. 153 do Código Civil (aplicável na forma do art. 8º da CLT). Nas relações laborais presenciamos inúmeras fraudes, algumas inclusive de difícil demonstração. As mais recorrentes são a contratação do empregado como prestador de serviços autônomos, eventuais ou temporários. Também muito comuns são as modalidades em que a relação de emprego toma a denominação de sociedade, cooperativa de mão-de-obra, representação comercial autônoma, empreitada e subempreitada, parceria ou estágio. (MENEZES, 2007).

Quando se utiliza a noção de subordinação estrutural a parassubordinação e a pejotização são descaracterizadas, por isto que Delgado M.G. (2006) acredita ser essencial a readequação do conceito de subordinação para que seja possível adaptá-lo aos novos paradigmas do mercado de trabalho, sem que se perca o que já foi estabelecido pela proteção do Direito Trabalhista. Para gerar a devida proteção ao trabalhador, este deveria ser inserido na dinâmica de seu tomador de serviços, assim atenuando o comando empresarial. Como explicita o autor: Estrutural é, pois, a subordinação que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento.” (DELGADO, M.G., 2006, p.667).

A idéia de subordinação estrutural explicada acima traduz a parassubordinação e a pejotização ao conceito lato sensu de relação de trabalho, já que em sua ótica estrutural o poder diretivo é utilizado no sentido de aferir-se a existência ou não de uma subordinação direta ou mesmo a indireta, cede espaço para a concepção de inserção ou não do trabalhador na estrutura empresarial. Neste sentido foi o entendimento da Juíza Adriana Goulart Sena: SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL - SUBORDINAÇÃO ORDINÁRIA - O Direito do Trabalho contemporâneo evoluiu o conceito da subordinação objetiva para o conceito de subordinação estrutural como caracterizador do elemento previsto no art. 3º da CLT. A subordinação estrutural é aquela que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, pouco importando se receba ou não suas ordens diretas, mas se a empresa o acolhe, estruturalmente, em sua dinâmica de organização e funcionamento. Vínculo que se reconhece. (TRT 3ª R., RO 01352-2006-060-03-00-3, 3ª T., Red. Juíza Conv. Adriana Goulart de Sena, DJMG 25.08.2007, p. 11)

5.1. Criação de Passivos Previdenciários- Descaracterização Administrativa pelo Auditor da Receita Federal Com o advento da Lei nº 11.196/2005, os serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística e cultural, de forma personalíssima ou não, com ou sem designação de quaisquer obrigações aos sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços quando por esta realizada, para fins fiscais e previdenciários, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 do Código Civil 10.

Art 129 da Lei nº 11.196/2005,abaixo in verbis: “Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil”.

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Empregados dentro deste paradigma passaram a ser demitidos e recontratados como autônomos (free) ou como de prestação de serviços entre duas pessoas jurídicas (pejota), pois o Art. 129 da referida Lei permitiria esta situação, transformando a relação de modo a que ambas as partes acreditarem numa vantagem auferida para ambos diante da nova situação, já que encargos previdenciários não seriam mais descontados da folha de pagamento. A situação sofreu um revés após a edição da Lei nº 11.457/2007 11 que permitiu ao Auditor-Fiscal exercer de forma plena o poder concedido pelo CTN 12 para quando detectado, descaracterizar a existência da pessoa jurídica prestadora de serviços para as empresas, para fins exacionais. Destarte, convencendo-se o Auditor-Fiscal de estar diante de um empregado ou autônomo e não de um empresário, pode então desqualificar o contrato antes formalizado e assim, exigir as contribuições suprimidas conforme seu entendimento. 6 - CONCLUSÃO O Direito do Trabalho com origem no século XVIII, fruto da Revolução Industrial, atualmente não comporta muitos dos limites impostos pelos conceitos surgidos em tempos passados, que precisam ser expandidos e atualizados. O cenário atual é de transformações, questionamentos e novas perspectivas, diferente do momento em que o Direito do Trabalho foi criado, que tinha na relação de emprego seu ponto cardeal. As formas de trabalho do século XXI pressupõem uma atualização dos conceitos tradicionais à luz do princípio da dignidade do trabalhador e dos demais princípios e direitos fundamentais. O sistema capitalista está em constante mudança e, nos dias atuais, o modelo ultraliberal visa desconstruir as garantias sociais e os limites impostos pelo Direito do Trabalho, sob a justificativa de que ele precisa ser modernizado, repensado e flexibilizado para possibilitar a competitividade das empresas em um mercado globalizado e garantir uma maior empregabilidade. No presente trabalho buscou-se, mesmo que modestamente, demonstrar que as mudanças no mundo do trabalho contemporâneo foram responsáveis pela criação das figuras da parassubordinação e da pejotização. Ainda, tentou-se demonstrar como a sua descaracterização é capaz de gerar passivos trabalhistas, fiscais e previdenciários para a empresa. Neste cenário cabem as seguintes reflexões: a-A tutela protetiva do Direito do Trabalho deve alcançar todas as formas de trabalho não significando, no entanto, que deva haver equivalência de tratamento jurídico para todas as categorias; b-A regulamentação a cargo do legislador teria que respeitar os preceitos relativos a dignidade da pessoa humana e as diversas formas de trabalho pessoal, estabelecendo a tutela sobre parâmetros que podem considerar os níveis de remuneração, o tipo de trabalho executado, o trabalho a projeto ou coordenado e regulamentando a prestação de serviço hoje acolhida na zona gris, ou seja, aquela que se encontra no meio de faixas de regulamentação já existentes (por exemplo, aquele trabalhador que se encontra entre a figura do vendedor e do representante comercial); c-Como resolver a questão da insegurança jurídica em que se encontra esta categoria de trabalhadores e ao mesmo tempo empregadores, tendo em vista esta figura intermediária de prestador de serviço que posicionase no meio termo em relação à figura do empregado e do autônomo, que absorve características de ambos, mas não se enquadra em nenhum dos conceitos, quer pela falta ou pelo excesso de elementos fático-jurídicos caracterizadores, através de uma regulamentação que estabeleça critérios próprios da subordinação jurídica. Neste contexto, assume especial relevância a unificação do fisco federal, eliminando-se as redundâncias administrativas e permitindo um agir conjunto na busca da plena garantia da arrecadação. Daí a importância do tema proposto: a criação da “Super Receita” - como tem sido chamada pelos meios de comunicação a Secretaria da Receita Federal do Brasil, originária da fusão das Secretarias de Receita Federal e Receita Previdenciária. 11

Codigo Tributario Nacional Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (AC) (Parágrafo acrescentado pela Lei Complementar nº 104, de 10.01.2001, DOU 11.01.2001).

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d- Como fica a questão de aplicação dos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Proteção e dos direitos fundamentais às novas relações de trabalho com um tratamento jurídico específico adequado; Em síntese vivemos a problemática em contraponto à falta de segurança do trabalhador e do empregador, os problemas previdenciários. O Direito do Trabalho deve absorver estas mudanças a fim de cobrir com seu manto protetor todas as relações que envolvem o labor humano, equilibrando as relações e os interesses entre capital e trabalho e ao mesmo tempo garantido a perpetuação saudável das organizações empresariais. Esta prática fraudulenta diante do Direito Trabalhista transcende a justiça, com reflexos sociais, econômicos e políticos. Seus efeitos são sentidos em todas as áreas da vida comum diante da fragilização da seguridade social com seu enfraquecimento econômico, as relações de trabalho se tornam precárias e o meio ambiente de trabalho sai prejudicado, trazendo riscos à integridade física e saúde dos trabalhadores. Esta perturbação causada em todas estas áreas pode ser caracterizada como concorrência desleal diante do uso do meio fraudulento com o intuito de enriquecimento, já que não só a classe trabalhadora perde diante deste paradigma, outras empresas que não utilizam destes meio escusos para geração da mais valia também sofrem. Neste contexto a Constituição de 1988 nos §§ 4º e 5º de seu Art. 173 13 adotou a economia de mercado como regra e assim expressamente adequou a livre iniciativa ao princípio da livre concorrência de forma a proporcionar igualdade para competir entre os agentes econômicos. A Lei 12.529, de 30 de Novembro de 2011 que revogou a antiga Lei 8.884, de 11 de Junho de 1994, criou o SBDC (Sistema Brasileiro de Defesa do Consumidor) 14, garantindo assim a atenção à justiça social, possibilitando a criação, em matéria infraconstitucional, de elementos capazes de assegurar a ampla fiscalização, por parte do Estado, visando à manutenção de um ambiente concorrencial saudável, através de investigações pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que pertence à estrutura administrativa do Ministério da Justiça. Sendo assim, todos correm o risco de sofrerem represálias diante da forma incisiva como a legislação trata e responsabiliza quem perturba a ordem econômica independente de serem pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, inclusive associações. Todos correm o risco de serem punidos, tanto pejotizados quanto pejotizadores.

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 3º. A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade. § 4º. A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. § 5º. A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

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Art. 1o Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. Parágrafo único. A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei.

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Terceirização: uma análise do argumento liberal e das possibilidades de enfrentamento do tema pela Justiça do Trabalho.

Rômulo Soares Valentini 1

1 - INTRODUÇÃO A decisão proferida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, no incidente de repercussão geral em recurso extraordinário com agravo (ARE 713211RG/MG) teve o seguinte teor: A proibição genérica de terceirização calcada em interpretação jurisprudencial do que seria atividade-fim pode interferir no direito fundamental de livre iniciativa, criando, em possível ofensa direta ao art. 5º, inciso II, da CRFB, obrigação não fundada em lei capaz de esvaziar a liberdade do empreendedor de organizar sua atividade empresarial de forma lícita e da maneira que entenda ser mais eficiente. A liberdade de contratar prevista no art. 5º, II, da CF é conciliável com a terceirização dos serviços para o atingimento do exercício-fim da empresa. O thema decidendum, in casu, cinge-se à delimitação das hipóteses de terceirização de mão-de-obra diante do que se compreende por atividade-fim, matéria de índole constitucional, sob a ótica da liberdade de contratar, nos termos do art. 5º, inciso II, da CRFB. Patente, assim, a repercussão geral do tema, diante da existência de milhares de contratos de terceirização de mão-de-obra em que subsistem dúvidas quanto à sua legalidade, o que poderia ensejar condenações expressivas por danos morais coletivos semelhantes àquela verificada nestes autos.

Constata-se, assim, que a repercussão geral da matéria foi conhecida por ter sido constatada uma suposta ofensa direta ao art. 5º, inciso II, da CRFB, sob a argumentação de que o Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio da Súmula 331 criou “obrigação não fundada em lei” ao restringir a possibilidade de terceirização de mão-de-obra em atividade-fim da empresa. A chamada terceirização de mão de obra se apresenta no mundo globalizado como uma prática gerencial2 que busca promover maior eficiência ao processo produtivo por meio da criação de empresas que tem por objeto a contratação de mão de obra especializada para prestação de serviços a diversas empresas, sendo um conceito que se aproxima perigosamente da figura da marchandage 3 , a qual é repudiada pelos ordenamentos

Rômulo Soares Valentini é Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e Mestre em Direito pela mesma Rômulo Soares Valentini instituição. é Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e Mestre em Direito pela mesma instituição.

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Conforme MORAES (2008), “Terceirização ou outsourcing é uma prática empresarial que visa à redução de custo e o aumento da produtividade/qualidade. É um processo de gestão pelo qual se repassam algumas atividades a terceiros, com os quais se estabelece uma relação de parceria. Outsourcing (em inglês, “Out” significa “fora” e “source” ou “sourcing” significa fonte) significa o ato de uma empresa em obter mão de obra de fora da empresa, isto é, mão de obra terceirizada, subcontratação de serviços. (...) Não se trata aqui de ignorar ou não que as novas necessidades econômicas reclamam uma flexibilização na contratação de mão de obra, tornando-se viável ou não a delegação de atividades especializadas que se enquadram ou não entre os fins normais da tomadora. Mas apenas a sua abrangência jurídica, sem a menor pretensão de discutir suas virtudes e desvantagens no processo produtivo. Nesta perspectiva, só há uma definição aceitável de terceirização no mundo jurídico, a intermediação de mão de obra por interposta pessoa, com intuito lucrativo, sem nenhuma responsabilidade técnica, mas meramente organizacional, vale dizer, apenas arregimentar pessoas para oferecê-las no mercado de trabalho (o “gato” formal). 2

Sobre a marchandage, importante destacar a contextualização elaborada por Lille (2007): “Marchandage de mão de obra é um costume que remonta aos inícios da revolução industrial, e que desde há muito tempo se julgava ultrapassado. Ter-se-ia podido analisá-la nesses tempos remotos como uma forma de transição entre a escravidão e o assalariado, ou ainda como uma das primeiras formas de assalariado. Os sub-contratantes que praticavam a marchandage chamavam-se então “mercadores de mão de obra” . Em França, foi durante a primavera revolucionária de 1848 que um decreto governamental, de 21de Abril, impunha, pela primeira vez, um conjunto de penas correcionais a “qualquer exploração do trabalhador através da marchandage”. Não confundir com a subcontratação (a marchandage é de resto qualificada juridicamente também como “falsa subcontratação”) que consiste em fornecer um produto ou um serviço empresarial em que se dispõe dos meios materiais, da organização, etc. não confundir também com o intérim atual, ou de trabalho temporário, que é regulamentado fortemente para evitar, precisamente, o deslizar para a marchandage: é uma solução em princípio provisória, frequentemente uma ponte, uma ligação entre o desemprego e o emprego estável para o trabalhador, uma compensação de faltas temporárias para a empresa. Marchandage, pelo contrário, consiste em transformar a condição de assalariado em condição de permanentemente temporário e em induzir a uma precariedade sistemática e constante do trabalhador. Resumidamente, marchandage é a compra da força de trabalho para assim a revender ao empresário. Para além dos abusos que favorece, é no seu próprio princípio condenada desde o século XIX em França. A força de trabalho, transformada em mercadoria, deixou mesmo de ser vendida diretamente pelo próprio trabalhador ao seu patrão, como no esquema capitalista clássico. São os “mercadores de mão de obra” que a vendem, depois de a terem captado. Realmente é o próprio trabalhador que é ele mesmo objeto de venda, e é por isto que pode parecer relevante falar hoje em escravatura moderna,

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jurídicos modernos .4 O ponto central da controvérsia submetida ao exame do STF reside, primeiramente, em constatar se a prática da terceirização de mão de obra encontra óbice no ordenamento jurídico brasileiro para então analisar se o eventual óbice afronta o princípio da livre iniciativa. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dispõe que todo trabalho humano, prestado em benefício de empregador de forma não eventual, oneroso e sob subordinação jurídica implica no reconhecimento da relação de emprego (art.3º da CLT), salvo nas hipóteses em que a incidência da relação empregatícia celetista é expressamente afastada por disposição legislativa (ex. art. 7º da CLT). Por sua vez, a legislação ordinária conceitua o empregador como a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço (art. 2º da CLT). O contrato de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego (art. 442 da CLT) a qual, por sua vez, produz efeitos não apenas no âmbito privado (entre empregador e empregado) mas também em questões de ordem pública, criando para o empregador obrigações tributárias (recolhimentos previdenciários e fiscais incidentes sobre a folha de pagamento), administrativas (vinculação do empregado ao FGTS) e ambientais (dever de respeito às normas referentes à manutenção da higidez do ambiente de trabalho). Assim, a contratação de empregados através de empresa interposta (terceirizada) tão somente para reduzir os custos com encargos trabalhistas, fiscais, ambientais e administrativos, sem alteração substancial no tocante ao contrato-realidade, não impede da consumação da relação de emprego por ajuste tácito, acarretando na nulidade de pleno direito do contrato firmado entre a tomadora de serviços e a empresa interposta, bem como todos os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na CLT (art. 9º da CLT), ante o caráter publicista e imperativo das normas trabalhistas (DELGADO e AMORIM, 2014, p.35). Em breve síntese, este é o sistema protetivo firmado pela legislação trabalhista vigente no país, com pouquíssimas alterações substanciais, desde 1943. Portanto, a restrição jurídica à possibilidade de terceirização de mão-de-obra em atividade-fim da empresa não decorre da Súmula 331 do TST, mas sim da própria sistemática da legislação ordinária . 5A ordem jurídica brasileira visa proteger o emprego, a modalidade de trabalho humano digno, prestado em benefício de empregado, de forma não eventual, oneroso e sob subordinação. embora se trate antes de uma situação intermédia entre o assalariado capitalista e a escravatura clássica. Esta era uma condição global e hereditária, enquanto a marchandage é em princípio voluntária, pelo menos no que se refere ao trabalho, e temporária, em alternância com a alienação, bem pior, que o desemprego gera ou com a exclusão do mercado.” Conforme registrado na Declaração de Filadélfia de 1944, anexo da Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), um dos princípios fundamentais da OIT consiste na afirmação de que o trabalho não é uma mercadoria.

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Nesse sentido se orientou o parecer emitido pelo Ministério Público Federal (MPF) no referido ARE 713211 RG/MG, sendo digna de nota a transcrição dosfundamentos expostos no que se refere aos fundamentos adotados nos precedentes que culminaram na edição da Súmula 331 do TST (fls.16/20) : “O voto condutor do julgado, do em. Min. Marco Aurélio, foi minucioso, ao ponto de listar a base normativa sobre a qual ergueu sua conclusão da formação do vínculo de emprego entre a empresa que se beneficia do labor e o empregado que o presta. Eis as referências legislativas: - Convenção Internacional nº 122 de 1964 – OIT (Decreto nº 66.499, de 27 de abril de 1970). -Constituição Federal – artigos 153 - § 36, incisos ii, iv e vi, 165, inciso v. -Consolidação das Leis do Trabalho, artigos 2 º, § 2º, 3º, 9º e 442 a 444. -Lei nº 6.019/74 -Lei nº 7.102/83 -Decreto-Lei 200/67, artigo 10, §§ 7º e 8º. -Lei nº 5.645/70, artigo 3º, parágrafo único. O voto principia pela recordação de que ao pacto celebrado entre o trabalhador e a “empresa prestadora de erviço falta, pelo menos, um desses requisitos essenciais [do art. 2º da CLT]: a assunção dos riscos da atividade econômica. Justamente esse que é o cerne das relações de trabalho numa economia de cunho capitalista”. O Relator prossegue interpretando o art. 2º da CLT, de modo a assentar que o mencionado contrato tampouco satisfaz o requisito da pessoalidade: “a empresa prestadora de serviço não encontra, na qualidade de empregadora, guarida na ordem jurídico-trabalhista vigente, pois somente repassa o salário ao empregado e não se apropria, nem se beneficia do resultado do trabalho por ele prestado”. Mais adiante, depois de notar que o vínculo de emprego estabelece com a empresa beneficiadora pelo trabalho, o voto condutor extrai a consequência normativa dessa premissa: “interpretação contrária compromete a liberdade do trabalho, o equilíbrio da ordem econômica instituída, a integração do trabalhador na vida da empresa (que são garantias constitucionais e frustra as conquistas da legislação do trabalho, esbarrando assim, na Carta Política [de 1969] e no salutar preceito do artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho. (...) O conjunto de prescrições constitucionais incidentes no caso, ao ver do julgado recorrido, diz respeito à valorização do trabalho como condição de dignidade humana, assim como à relação entre o capital e o trabalho na ordem social e à proteção ao emprego. Já no plano do direito ordinário, o julgado recorrido apoia-se fundamentalmente nos conceitos estruturais da relação de emprego: as definições de empregado e empregador e a cominação de nulidade às tentativas de burla dos direitos trabalhistas, encontráveis respectivamente nos arts. 2º, 3º e 9º da CLT.

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Não é por outro motivo que originariamente, a posição da jurisprudência consolidada na Súmula 256 do TST reconhecia a impossibilidade jurídica da terceirização, salvo nas hipóteses expressamente autorizadas por lei. O referido enunciado dispunha que, salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.6 Entretanto, ante uma pressão política pela flexibilização da legislação trabalhista, intensificada na década de 1990 7, o TST reviu o posicionamento sobre o tema passando a admitir, nos termos de sua Súmula 331, a terceirização de atividades de conservação e limpeza e de serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta, ampliando assim o rol de situações nas quais é lícita a terceirização.8 Assim, tem-se que o critério de distinção entre atividade-meio e atividade-fim, foco da controvérsia colocada sob a análise do STF, de fato, não se encontra embasado na legislação ordinária. Mas é fruto de um raciocínio jurídico construído por um juízo de ponderação de princípios e fundado no critério da razoabilidade. A Súmula 331 do TST, portanto, buscou a elaboração de parâmetros objetivos razoáveis para regulamentar uma prática existente no mundo dos fatos (terceirização) perante um ordenamento jurídico que restringe a possibilidade de existência desta prática, por meio do exercício da atividade interpretativa constitucionalmente assegurada ao Poder Judiciário. Em outras palavras: a Súmula 331 do TST não criou obrigação não fundada em lei para restringir a possibilidade de terceirização de mão de obra, mas estabeleceu interpretação jurídica sobre o tema que, em verdade, ampliou a possibilidade de terceirização de mão de obra perante o ordenamento jurídico brasileiro. Portanto, o tema que se encontra em discussão no ARE713211RG/MG., consiste em determinar se a interpretação construída pelo TST é compatível com os princípios constitucionais da livre iniciativa 9, a Importante ressaltar que o fato de o ordenamento jurídico permitir a prática da terceirização em tais atividades não significa que essa opção adotada pelo legislador tenha sido acertada. Conforme dados do TST (Disponíveis em http://www.tst.jus.br/ estatistica-do-cndt. Acesso em 31 de julho de 2014) da lista das 50 empresas que possuem mais débitos trabalhistas no Brasil, 18 são empresas destinadas a locação de mão de obra para terceiros, sendo que metade delas são empresas do ramo de limpeza ou vigilância e segurança. Apenas essas empresas somam 21.786 processos trabalhistas em fase de execução sem que tenham sido garantidos os créditos devidos aos reclamantes. A título de comparação, esse quantitativo é menor do que a soma de todos os processos em que a União, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil e a Petrobras figuram como parte devedora perante a Justiça do Trabalho (21.550 processos no total). Esses fundamentos são mais do que suficientes para demonstrar o risco a que estão expostos os trabalhadores terceirizados, mesmo nas atividades nas quais a terceirização é tida como lícita. Há, portanto, que se questionar a legitimidade da terceirização inclusive nestas atividades. Independentemente do posicionamento do STF a respeito da possibilidade jurídica da terceirização, a jurisprudência trabalhista deve ser revista para determinar, de forma mais incisiva, que as empresas que optem pela terceirização de serviços dessa natureza – em respeito ao princípio da livre iniciativa – deverão assumir o risco causado aos direitos dos trabalhadores por essa escolha.

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Conforme Ramos Filho (2014, p.347), a garantia de tratamento isonômico – entre os trabalhadores permanentes e os terceirizados – presente na legislação frequentemente passa a ser desconsiderada e, paulatinamente, foi se impondo outra ética nas relações entre as classes sociais fundamentais, um novo espírito capitalista, que aceitava a marchandage: como mercadoria, a força de trabalho poderia ser comprada por uma pessoa jurídica (intermediária) e revendida, com lucro, a outra pessoa jurídica (tomadora de serviços) que subordina o trabalho”.

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Nesse sentido, a síntese de Delgado (2010, p.423) “Excluídas as quatro situações-tipo que ensejam a terceirização lícita no Direito brasileiro, quais sejam, a) contratação de trabalho temporário; b) atividades de vigilância; c) atividades de conservação e limpeza; d) serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador, não há, na ordem jurídica do país, preceito legal a dar validade trabalhista a contratos mediante os quais uma pessoa física preste serviços não eventuais, onerosos, pessoais e subordinados a outrem, serviços considerados essenciais à dinâmica empresarial do tomador de serviços, sem que esse tomador responda, juridicamente, pela relação laboral estabelecida.”.

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Mas não é só o princípio da livre iniciativa que deve ser resguardado por meio da decisão do STF. O tema abrange diversos outros valores e princípios constitucionais, notadamente a dignidade da pessoa humana o valor social do trabalho. Ainda sobre o tema da terceirização no serviço público, é preocupante notar que a força normativa do princípio do concurso público, incomensurável conquista da cidadania no Brasil, lastreado nas garantias de publicidade, isonomia, transparência, impessoalidade, entre outras, restará mitigada – senão ferida de morte – com a autorização da terceirização de atividade-fim. Com efeito, eventual decisão que venha a possibilitar a terceirização irrestrita implicará na drástica redução da realização de concursos públicos realizados por sociedades de economia mista (tais como a Petrobras e o Banco do Brasil), tornando letra morta uma grande conquista da atual Constituição que determinou o acesso aos cargos e empregos públicos com base no mérito. Ao se autorizar uma terceirização ampla, a seleção por concurso para a composição de seus quadros tenderá a ser substituída pela contratação de empresas terceirizadas, as quais, por sua vez por sua vez poderão selecionar livremente os empregados que irão prestar serviços à administração pública. A decisão do STF poderá novamente abrir o campo para a proliferação das antigas práticas de “apadrinhamento” e acesso oblíquo aos empregos públicos. Ainda mais grave: os recentes episódios e acusações de corrupção em contratos de prestação de serviços 9

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qual, no entanto, deve ser compreendida em sentido amplo e em consonância com a totalidade do sistema constitucional vigente, conforme argumenta Barroso (1997, p. 509-510): A idéia jurídica da livre iniciativa, no Direito Constitucional brasileiro, significa que devem ser preservadas as regras de livre propriedade, de liberdade de empresa, de liberdade de contratar e de liberdade de lucro. Estes fundamentos jurídicos, todavia, decorrem do princípio da livre iniciativa consoante o delineamento constitucional; nenhuma dessas regras – como de regra não deve se considerar nenhuma norma – é absoluta; todas sofrem de um temperamento ditado pela própria Constituição, de forma tal que a liberdade, a propriedade privada e a liberdade de empresa sofrem os condicionamentos da função social da propriedade; a liberdade de lucro sofre os condicionamentos das regras constitucionais que reprimem o abuso do poder econômico; e a liberdade de contratar sofre as limitações das regras constitucionais que impõem a qualquer empresário a preservação de uma esfera mínima de direitos trabalhistas, cláusulas de ordem pública que não podem ser derrogadas por vontade das partes; e, portanto, a liberdade de contratar sofre os condicionamentos da jornada de trabalho, do salário mínimo, das férias, do repouso remunerado, etc. [...] o Estado desempenha um importantíssimo poder de polícia, que é o poder de fiscalizar a execução dessas leis e o poder, muitas vezes, de restringir o exercício de direitos em favor do bem comum.

A partir deste julgamento, o STF irá decidir se o entendimento construído pela jurisprudência trabalhista no sentido de ampliar as possibilidades de terceirização para serviços especializados ligados a atividade-meio exercida pela empresa, mas vedando a possibilidade de terceirização de atividade-fim - é adequado perante a Constituição. Nesse aspecto, nota-se um dado curioso. Caso o STF entenda tão somente pela invalidade do juízo de ponderação consolidado na Súmula 331 do TST, acolhendo-se os argumentos expostos no recurso, a consequência pode se revelar extremamente simples: o retorno ao entendimento anteriormente consolidado pela Súmula 256 do TST – o qual é embasado nas disposições previstas na legislação trabalhistas, e deixar o debate acerca da possibilidade de autorização da terceirização para o legislador ordinário .10 Dito de outro modo: a mera ausência de critérios definidores de atividade-meio e atividade-fim na legislação ordinária não autoriza a prática da terceirização. Ao contrário. É possível extrair do ordenamento jurídico brasileiro a existência proibição expressa, por meio da leitura sistemática dos arts. 2º, 3º, 9º e 442 da CLT, sendo a locação de mão de obra por empresa interposta autorizada apenas em determinadas situações, regulamentadas em leis específicas. Porém, certamente não é esse o posicionamento buscado pela empresa recorrente no ARE713211RG/MG que deseja, em verdade, um provimento jurisdicional no sentido de autorizar a terceirização de caráter amplo e irrestrito. Analisando a estrutura do ordenamento jurídico brasileiro, bem como a realidade fática existente, não parece adequado que o STF venha a adotar uma tese jurídica que permita uma terceirização nesses moldes. Com efeito, são diversos os recentes estudos doutrinários que reforçam os argumentos no sentido da necessidade de se estabelecer restrições – inclusive de caráter absoluto - à prática da terceirização 11, não se notando, por parte de defensores do outro lado do debate, estudos em quantidade e com profundidade teórica semelhante. firmados por diversas empreiteiras com a Petrobras – devidamente investigadas pela Polícia Federal na “Operação Lava-Jato” – demonstra o risco que a possibilidade jurídica de terceirização de serviços envolvendo a administração pública representa para a sociedade brasileira. O que, com efeito, já ocorre, com a recente aprovação do Projeto de Lei 4330/2004 pela Câmara dos Deputados. É bastante estranho que justamente quando este embate político cresce no âmbito das casas legislativas - e após transcorridos mais de vinte anos da regulamentação do tema pelo Tribunal Superior do Trabalho - o Supremo Tribunal Federal reconheça a existência de controvérsia constitucional em relação à matéria. O tão questionado “ativismo judicial” e a “judicialização da política”, ao que parece, se tornou realidade, contudo não apenas para garantir o resguardo de direitos fundamentais, mas também como uma forma de buscar a rápida solução de controvérsias de cunho econômico sobre as quais há um profundo embate entre as forças políticas no âmbito do Poder Legislativo.Dentre os diversos estudos sobre o tema, destaca-se

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Dentre os diversos estudos sobre o tema, destaca-se a recente dissertação de mestrado formulada pelo Des. Grijalbo Fernandes Coutinho na Universidade Federal de Minas Gerais sob a orientação de Daniela Muradas Reis, defendida no dia 3 de novembro de 2014, intitulada “Terceirização e acidentalidade (morbidez) no trabalho: uma estreita relação que dilacera a dignidade humana e desafia o Direito”. O referido trabalho, ainda não publicado, concluiu, após consulta a distintas bases de dados, no sentido de afirmar a existência de um grau elevado de degradação das condições de trabalho dos empregados submetidos à terceirização. Encontramse, entre os elementos de degradação do trabalho, a drástica redução de salários, a pulverização sindical e enfraquecimento das categorias profissionais, a ofensa a direitos imateriais, a larga prática do trabalho escravo contemporâneo em vários segmentos (construção civil, têxtil e rural) e o quantitativo de mortes e mutilações dos trabalhadores dos setores elétrico, petroleiro e da construção civil.

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Contudo, caso o STF venha a acolher – no todo ou em parte - os fundamentos do recurso extraordinário interposto, em sede de repercussão geral, restará superado o entendimento consolidado pela Súmula 331 do TST, de modo que serão necessários novos estudos doutrinários para compreender como as demais instituições – em especial a Justiça do Trabalho – poderão reorientar sua jurisprudência a partir desta decisão, sem deixar de lado as demais disposições e princípios de proteção ao trabalho presentes no sistema jurídico brasileiro. Independentemente da decisão a ser proferida, o objeto do presente estudo consiste em analisar os fundamentos e limites do argumento liberal ora colocado em debate perante o STF, para averiguar como a prática da terceirização de mão de obra deve ser interpretada em consonância com a completude do ordenamento jurídico. 2 - A TERCEIRIZAÇÃO SOB A ÓTICA DO ARGUMENTO LIBERAL O argumento liberal a favor da possibilidade jurídica de uma terceirização ampla e irrestrita se baseia na premissa de que o princípio da livre iniciativa implica, necessariamente, na garantia de que as empresas possam gerir livremente seus processos de produção. Assim, uma vez que os modernos processos produtivos e o dinamismo da economia mundial, impulsionados pela evolução tecnológica, tornaram impossível realizar uma distinção objetiva entre atividade meio e atividade fim da empresa, a ingerência do Estado no sentido de qualificar determinadas atividades empresariais como inerentes ou não ao processo produtivo central caracteriza uma intervenção excessiva e inconstitucional. Tal argumento encontra suas bases de sustentação no princípio da livre iniciativa, defendendo a autonomia plena da empresa em celebrar contratos e gerir seu processo produtivo da forma que lhe for mais conveniente. Sob este aspecto, a prática da terceirização como técnica gerencial que visa reduzir custos operacionais e promover ganhos de eficiência produtiva – maximizando os lucros obtidos – encontra-se dentro do campo de gestão empresarial, não podendo ser limitada ou restrita pela intervenção estatal. Portanto, o ponto a ser analisado consiste em determinar se essa liberdade de gestão do processo produtivo encontra limites nos direitos e na liberdade dos trabalhadores, ou seja, dos sujeitos de direito que prestam trabalho em prol do exercício da atividade empresarial. Para compreender com exatidão os limites da liberdade empresarial é necessário retornar o clássico estudo feito por Ronald Coase (1988) que analisou os princípios inerentes à própria natureza e existência da empresa como instituição complexa e separada da figura de seu proprietário. Em breve síntese, Coase procura definir o porquê de as forças produtivas se organizarem sob a forma de empresa, de modo a empreender a atividade econômica de modo mais eficiente. De acordo com a teoria, os pontos centrais que justificam a existência da empresa são a busca por uma alocação mais efetiva dos recursos existentes e pela minimização dos custos de transação. Portanto, para se iniciar uma análise dos limites do argumento liberal é preciso compreender como o contrato de trabalho se consolida dentro desta dinâmica da atividade empresarial .12 A teoria de Coase parte do pressuposto que a principal razão de existência da empresa reside na necessidade de “organizar” a produção através do mecanismo de preços, ou seja, na busca pela redução dos custos de transação. Para o exercício da atividade empresarial é necessário racionalizar os diversos custos (insumos, trabalho, maquinário, aluguel, etc...) a fim de se otimizar o tempo e se encontrar a melhor alocação possível dos recursos para a obtenção do lucro. Entretanto, o preço para aquisição dos fatores de produção necessários para o desenvolvimento da atividade empresarial está sujeito às oscilações do mercado, o que implica em custos de transação que reduzem o lucro. (COASE,1988, p. 37) A empresa então se estabelece como meio de reduzir tais custos de transação e tornar a atividade empresarial perene e mais eficiente, baseada no princípio de que o mecanismo de preços de uma determinada relação firmada entre homens livres pode ser substituído se a relação que o substitui é desejada pelas partes (contrato). Este seria o caso quando determinadas pessoas optam por trabalhar sob a direção de outra pessoa, por meio de um contrato de trabalho. Tais indivíduos aceitariam receber menos do que poderiam obter oferecendo seus Para um estudo mais detalhado sobre a contraposição da teoria de Coase e os princípios do Direito do Trabalho cf. VALENTINI, Rômulo Soares. Aplicação de sanções positivas no direito do trabalho brasileiro. Dissertação de Mestrado. UFMG, 2012. Disponível em http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/BUOS-8XTM9Q

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serviços no mercado a fim de ter a segurança de poder trabalhar em caráter exclusivo e contínuo para outrem que assumisse os riscos da atividade econômica, e as empresas surgem naturalmente a partir desta estrutura, centrada na organização do trabalho. (COASE,1988, p. 38-39) Sob esse aspecto, o contrato de trabalho é essencial para a existência da atividade empresarial, uma vez que coloca o empregado à disposição da empresa para prestar diversos mediante um único contrato e salário fixo. Do contrário, caso o contrato de trabalho não existisse, cada ato a ser praticado pelo trabalhador a serviço da empresa implicaria na necessidade celebração de um contrato separado para cada serviço prestado. Toda uma série de contratos precários é substituída por um único instrumento contratual perene, tornando possível a racionalização da produção dentro de uma relação firmada entre homens livres, sem que a subordinação jurídica inerente ao ajuste firmado constitua uma afronta à liberdade do empregado. Pode-se perceber, portanto, que, não obstante as profundas diferenças entre as matrizes ideológicas, alguns conceitos básicos da relação entre empregado e empregador e a lógica do sistema seguem, dentro da teoria liberal, em essência, a mesma estrutura conceitual já exaustivamente estudada e adotada no Direito do Trabalho. Entretanto, o ponto chave a ser compreendido é o porquê de o contrato de trabalho se revelar mais vantajoso para o empregador do que a contratação de serviços prestados por profissionais autônomos no mercado. A resposta reside no conceito de custos de transação. No paradigma da teoria econômica proposta por Coase, a organização da empresa - com a divisão entre empregador e empregado sendo realizada por meio de contrato de trabalho - surge como método pelo qual a atividade empresarial pode se beneficiar de uma prestação de serviços mais ampla e passível de direcionamento de acordo com suas intenções do administrador. Mas não é só: tal prestação de serviços é obtida a um custo menor do que ocorreria caso a empresa tivesse que celebrar diversos contratos sucessivos com diversos prestadores de serviços para cada atividade desenvolvida. De acordo com essa premissa, tem-se que o empregado, dentro de um contrato de trabalho, prestará serviços por um valor inferior ao que obteria ao prestar os mesmos serviços de forma autônoma, mas terá como contrapartida a certeza da remuneração, o que não ocorre no trabalho autônomo. Na teoria de Coase, portanto, o contrato de trabalho surge como instrumento capaz de diminuir os custos de transação para o empregador que, em contraprestação, oferece garantia de remuneração fixa ao empregado. E, a partir dessa dinâmica de produção, a atividade empresarial pode desenvolver-se de forma eficiente, com a direção da força produtiva sendo guiada pelo empregador por meio de um único instrumento contratual de duração indeterminada, no qual os ganhos do empregado são fixos e os lucros ou prejuízos advindos da atividade empresarial são de responsabilidade do empregador. A partir dessa estrutura básica, a empresa começa a desenvolver suas atividades empresariais visando à obtenção de lucro e eliminando os custos de transação envolvidos, concentrando-se em desenvolver as etapas necessárias ao exercício de sua atividade produtiva em âmbito interno ao invés de contratar outros serviços no mercado. Em outras palavras: a partir do momento em que um contrato de trabalho é instituído, o empregado aceita colocar sua força de trabalho a disposição da empresa mediante remuneração pré-definida, e, ao mesmo tempo em que abre mão de receber mais no caso de sucesso da empresa, também está assegurado no direito de não suportar os riscos da atividade empresarial. O sucesso – mas também o fracasso - da atividade empresarial incumbe ao empresário, que tem direito a usufruir dos lucros da empresa, ao mesmo tempo em que possui o dever de arcar com os prejuízos da atividade. Uma correspondência clara entre direitos e deveres, estipuladas pelo contrato. Entretanto, a teoria de Coase apresenta outra premissa, aparentemente contraditória, mas em verdade complementar ao primeiro postulado: o de que o crescimento da empresa, vertical ou horizontal, tende a aumentar os custos de transação envolvidos no processo, diminuindo sua efetividade (COASE, 1988, p. 43). Em outras palavras: uma empresa é mais eficiente em gerar lucros dentro da área de atuação em que é mais especializada e perde eficiência ao ter que empregar tempo e recursos em outras atividades. Esse é o motivo pelo qual uma empresa pode obter maior lucratividade com a contratação de outras empresas no mercado para adquirir serviços que são úteis ou necessários para o desenvolvimento de sua atividade empresarial ao invés de direcionar parte de sua capacidade produtiva organizada para suprir tais carências. Tal situação ocorre porque o ganho gerado com os menores custos de transação – obtenção de produtos e serviços abaixo do preço de mercado – é inferior ao proveito que seria obtido caso a empresa direcionasse todo 56


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o seu esforço produtivo para a área de sua especialidade . 13 Esse cenário se torna cada vez mais factível com o avanço das tecnologias de comunicação e facilidades de locomoção os quais, neste início do século XXI, permitem que diversos tipos de trabalho sejam realizados à distância e, inclusive, por trabalhadores residentes em países distintos da sede da empresa, facilitando a segmentação da atividade empresarial. Por meio deste raciocínio, pode-se compreender os fundamentos dos defensores da chamada flexibilização positiva 14, sobretudo no tocante à defesa da legalidade da terceirização. O argumento para justificar a possibilidade de regulamentação das terceirizações pode ser extraído da própria teoria de Coase: uma empresa menor tenderá a ser mais especializada e, por consequência, mais eficiente em seu objeto social, e, por consequência, mais eficiente para a sociedade como um todo que as empresas terceirizem as atividades que não estejam relacionadas com a expertise da empresa. Contudo, há que se atentar para um detalhe de extrema importância: a terceirização legítima - necessariamente - se apresenta como uma opção formalmente mais onerosa (com maiores custos de transação) para a tomadora de serviço do que a celebração de contratos de trabalho. Isso ocorre porque é necessário para a empresa tomadora de serviços disponibilizar numerário suficiente para promover pagamento do salário do empregado terceirizado e correspondentes encargos e também a margem de lucro a ser recebida pela empresa prestadora dos serviços. Dessa forma, o proveito econômico a ser obtido com a prestação dos serviços especializados, gerando ganho de eficiência, é que se encarregará de tornar a opção pela terceirização uma escolha mais adequada à atividade empresarial do que a contratação direta de empregados. Ou seja: o ganho de eficiência proporcionado pela terceirização é obtido por meio da melhora dos resultados operacionais e não por meio de redução nos custos com a mão de obra. Percebe-se, porém, como corolário deste raciocínio, também os limites do argumento liberal no tocante à terceirização. A existência de liberdade plena da empresa em estabelecer seu processo produtivo buscando a máxima eficiência encontra óbice na sua capacidade de direcionar plenamente a força de trabalho de terceiros sob a figura da subordinação jurídica, o que só pode ser realizado por meio de contrato de trabalho e as normas de caráter cogente que regem a matéria. 15 Tal entendimento em nada difere das limitações impostas ao exercício da atividade empresarial por normas ambientais, tributárias e administrativas, sendo restrições lícitas e, inclusive, necessárias para a garantia da liberdade de terceiros. 16 Importante esclarecer que a teoria de Coase não afirma que uma empresa que exerça um maior número de atividades será menos lucrativa, e sim menos eficiente. A maximização de lucros pode ocorrer por diversos fatores - inclusive por meio da prática de atos ilícitos - mas o ganho de eficiência propriamente dito se refere unicamente a melhor alocação de recursos de modo a atingir maior produtividade.

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Entretanto, é tênue a linha que separa tal flexibilização positiva – que surge como alternativa para a superação da informalidade que existe no plano fático - da precarização consciente, conforme demonstra Álvares da Silva (2002, p. 53-54): “A (flexibilização) de fato se opera na realidade, à revelia de qualquer controle normativo. Esta forma é comum e existe em todos os países, em maior ou menor grau. É a chamada informalidade. Não se pode confundir esta situação com a fraude a direitos trabalhistas praticada por empresas estabelecidas, que simplesmente deixam de pagar ou pagam incorretamente suas obrigações contratuais ou tributárias. Para este tipo de falsa ‘’informalidade’’, deve haver o rigor da lei.”

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Em relação a este tópico se faz necessário um esclarecimento: a redução de custos operacionais buscada pela terceirização se refere, por óbvio, aos que são inerentes ao processo produtivo e não aos que decorrem dos encargos trabalhistas, fiscais, ambientais e administrativos inerentes a atividade. Os ajustes que possibilitam a redução de custos por meio do enquadramento jurídico mais vantajoso não são decorrentes da prática da terceirização, mas de manobras legais que podem ou não estar dentro dos limites da licitude. Aqui se passa do terreno da gestão empresarial (contrato de terceirização com fins de ganhos produtivos que se revelem mais vantajosos para a empresa do que a contratação direta) para a gestão jurídica (contrato terceirização com fins de obter um enquadramento jurídico mais vantajoso para a empresa do que a contratação direta) E em se tratando de mera simulação do negócio jurídico, não há que se acobertar a fraude sob o manto da livre iniciativa. Como ressaltado no parecer apresentado pelo MPF no ARE 713211 RG / MG, cabe aqui a citação de trecho da obra de Mangabeira (1972, p.310/311): “Não basta para burlar a Constituição fazer-se o uso de nome falso. Porque se a lei, ou a autoridade policial, estabelecesse que se pode- ria ‘compulsoriamente’ convidar e levar alguém a repousar ou veranear num presídio, com a tabuleta ‘clínica de repouso’ ou ‘estação balneária’, ninguém se deixaria lograr por esse embuste e não:haveria juiz que não acudisse ao preso com a garantia do ‘habeas corpus’. Se o assaltante que, sob ameaça, obriga sua vítima a entregar-lhe a bolsa declarasse à Polícia que não se tratava de um assalto mas de uma ‘doação compulsória’, nem por isso ela deixaria de prendê-lo e a Justiça de processá-lo e condená-lo.”

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Importante ainda relembrar que tais choques entre os direitos assegurados pela ordem jurídica e os anseios do mercado não é propriamente uma novidade, como já afirmava, há mais de 30 anos, Souza (1980, p. 68) “O fenômeno econômico, referido a

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Revista Jurídica Digital RTM 3 - O PROBLEMA DO ARGUMENTO LIBERAL NA REALIDADE BRASILEIRA

Conforme demonstrado, a lógica do argumento liberal prevê a prática da terceirização como um método para obter eficiência no processo produtivo – permitindo que as empresas se concentrem no núcleo de sua atividade empresarial - e, desta forma, possa obter melhores resultados. Entretanto, na realidade brasileira essa lógica encontra-se desvirtuada .17 O custo da contratação direta de um empregado no Brasil se tornou mais caro do que o da contratação de empresas terceirizadas para a execução dos serviços. Isso ocorre em parte por uma política de tributação ineficiente, que onera a folha de pagamento das empresas, mas também pelo fracasso das instituições e órgãos fiscalizadores de coibir a ocorrência de fraudes trabalhistas, permitindo que a empresa que descumpre sistematicamente a lei se beneficie com a prática do ato ilícito, obtendo vantagem concorrencial abusiva. Assim, ante a existência destes fatores, a terceirização passa a não ser feita com o objetivo de gerar eficiência para a cadeia produtiva, mas sim simplesmente para reduzir os custos referentes à mão de obra e encargos correspondentes. Tal prática não visa ganhos de eficiência, mas sim reduzir custos operacionais por meio de fraude à legislação. Em outras palavras: o que se pretende terceirizar não é a execução dos serviços, mas sim os custos tributários e sociais inerentes à relação de trabalho, utilizando-se do instituto da terceirização como mera roupagem jurídica e não como verdadeira estrutura e dinâmica de produção. Esse ajuste – o inadimplemento voluntário e consciente da lei trabalhista, por meio da terceirização dos custos para empresas prestadoras de serviço – possibilita que as empresas tomadoras de serviço “solucionem” o problema dos altos custos da mão-de-obra obtendo o melhor dos dois mundos à custa do trabalhador e do erário. Em outras palavras: pretendem manter o direito à ampla direção do contrato de trabalho dos empregados terceirizados, como se empregadores fossem, sem arcar com os ônus de manter empregados, como se empregadores não fossem. Forma-se assim um sistema de “bônus sem ônus”, em uma sistemática que fere a relação contratual pactuada entre homens livres e que justifica a existência da empresa e do próprio contrato de trabalho. A existência desse quadro fático subverte toda a teoria da empresa exposta por Coase, uma vez que o pressuposto básico que justificava a contratação de empregados era o de fornecer ao empregador o poder de dirigir livremente a mão de obra assalariada a um preço inferior do que pagaria para obter os serviços no mercado. Ao se promover a redução dos custos a partir de ajustes contratuais que preveem a transferência dos encargos trabalhistas, fiscais, ambientais e administrativos para a empresa prestadora de serviços mas mantém a subordinação do empregado diretamente relacionada à empresa tomadora de serviços, estabelece-se um sistema de “bônus sem ônus”, o que gera um desequilíbrio contratual que afeta a essência do próprio contrato de trabalho. Configura-se assim um quadro fático jurídico, social e econômico que se revela altamente prejudicial para os trabalhadores, para o Estado brasileiro e também para as empresas eficientes e que desejam exercer sua atividade empresarial de maneira ética, uma vez que é consideravelmente mais fácil para a empresa, em curto prazo, conseguir melhores resultados financeiros e um maior fluxo de caixa por meio do corte imediato de custos operacionais do que desenvolver projetos que realmente permitam um ganho de eficiência real da atividade produtiva. Os ganhos potenciais com a utilização dessas estratégias, do ponto de vista financeiro são imensos. Como ressalta Álvares da Silva (2007, p.81), o devedor ganha muito mais colocando este crédito no jogo econômico,

atos e fatos humanos, embora nas relações do homem com a natureza, além das relações sociais, não excluí a opção, a decisão que, por sua vez, submetem-se à norma jurídica quando transformadas em ação, isto é, quando postas em prática. Neste instante, portanto, o comportamento racional, sugerido pelo cálculo econômico, depara com os contornos do comando normativo, impostos pelo Direito.” Como afirma Andrade (2012, p.66) “A introdução de um intermediário no relacionamento empregatício clássico, em tese, deveria aumentar o custo da tomadora de serviços, pois, além do custo que já era dela, referente a remuneração do trabalhador, teria agora também de arcar com as despesas relativas ao lucro da fornecedora de mão de obra. Todavia, curiosamente, deu-se justamente o contrário no Brasil.”

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obtendo lucros e juros de mercado, enquanto paga, na execução trabalhista, juros de apenas 1% ao mês 18. Em síntese: o empreendedor brasileiro que deseje competir no mercado e cumprir a rigor a legislação trabalhista e tributária vigente, provavelmente pagará um preço alto por essa escolha, traduzido na perda de competitividade e margem de lucro devido aos altos custos de entrada e manutenção gerados pela burocracia e pela concorrência desleal praticada por empreendedores que atuam na ilegalidade, utilizando-se de fraudes trabalhistas para obterem redução de custos e, consequentemente, maiores ganhos. Dito de outro modo: as terceirizações que visam à redução de custos operacionais por meio da transferência de obrigações jurídicas para empresas cedentes de mão de obra favorecem o desenvolvimento e a preponderância de empresas ineficientes e antiéticas – o que prejudica a sociedade como um todo e afronta o próprio Estado Democrático de Direito. A prática dessa espécie de terceirização também acaba por incentivar a formação de um cenário de concorrência desleal, no qual uma empresa eficiente e cumpridora da legislação pode vir a sucumbir para um concorrente medíocre, mas que consiga obter maiores ganhos financeiros por meio de sonegação de impostos e de violação sistemática e consciente de direitos trabalhistas. Essa conduta não lesa apenas os direitos dos trabalhadores, mas também o Estado – que deixa de arrecadar tributos – e as empresas que buscam cumprir a legislação trabalhista 19. A empresa que conscientemente se utiliza da terceirização como modo de elidir custos de natureza trabalhista e fiscal está obtendo aumento arbitrário de seus lucros – vedado pelo ordenamento jurídico pelo art. 173, § 4º da Constituição c/c art. 36, III da Lei n. 12.529/2011. Portanto, a eventual licitude da terceirização deve ser analisada não apenas sob a ótica da proteção ao trabalhador, mas também como prática lesiva ao erário e à proteção da concorrência - tão necessária ao capitalismo e ao funcionamento do livre mercado. As terceirizações, tal como vem sendo realizadas no Brasil, se distanciaram de seus fundamentos originários, tendo se convertido em mecanismo de privatização dos lucros e socialização dos prejuízos 20. 4 - “NOVAS” POSSIBILIDADES DE ENFRENTAMENTO DO TEMA PELA JUSTIÇA DO TRABALHO Ante o exposto, concluí-se que, para se reconhecer a legitimidade da terceirização de qualquer atividade produtiva dentro da ótica liberal – que, conforme demonstrado, não é conivente com a fraude à legislação e a um sistema de “capitalismo sem riscos” - a tomadora de serviços deverá comprovar concomitantemente a ocorrência dos seguintes fatores: 1) a terceirização visa à contratação de serviços especializados para viabilizar ganho de eficiência produtiva, devendo o valor do contrato ser suficiente para o pagamento de todos os salários e encargos inerentes à mão-de-obra cedida e delimitar com exatidão o escopo e a duração dos serviços prestados; 2) a terceirização não irá acarretar a formação de subordinação jurídica entre o empregado e a tomadora de serviços. Isso porque, admitir tão somente a transferência do bônus (possibilidade de direção da força de trabalho)

Embora essa taxa de juros possa ser vista como excessivamente onerosa se comparada com os rendimentos oriundos da poupança e dos demais investimentos conservadores disponíveis no mercado financeiro para pessoas físicas, esta taxa ainda é bastante atrativa quando comparada às taxas cobradas para a concessão de empréstimos bancários e os índices de retorno sobre o investimento do capital empregado (ROE) nas grandes empresas. Logo, sob o ponto de vista financeiro, é mais vantajoso para o devedor trabalhista protelar o pagamento da dívida do que contrair uma dívida para quitar o débito ou retirar capital empregado em sua atividade produtiva..

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Nesse sentido, a lição de Martins (2004, p. 129): ”Há descompetitividade empresarial e concorrência desleal sempre que ocorra sonegação tributária, visto que, neste ponto, a empresa que sonega leva incomensurável vantagem sobre seus concorrentes que pagam tributos. A questão mais grave acontece, se a empresa que sonega considera haver pequena possibilidade de ser fiscalizada, pela dificuldade de apuração de suas atividades, pela multiplicidade de contribuintes ou pelo tipo de produto que fabrica, com o que o Fisco, com quadros reduzidos de agentes fiscais, torna-se impotente em combatê-la.”

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Nesse sentido, percebe-se novamente a necessidade de apreciação da matéria pelo Poder Legislativo, por meio de amplo debate envolvendo diversos atores da sociedade, para estabelecer um modo de eliminar os entraves burocráticos e a política tributária – e não os direitos fundamentais dos trabalhadores, constitucionalmente assegurados – de modo a tornar a manutenção da relação de emprego mais vantajosa para as empresas do que a esmagadora maioria das terceirizações, que não objetivam ganhos de eficiência produtiva, mas tão somente o ganho financeiro por meio da sonegação de direitos trabalhistas e verbas tributárias correlatas.

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sem os correspondentes ônus (pagamento de salários e encargos correlatos) significaria eximir uma das partes dos riscos da atividade econômica. Dito de outro modo, o contrato de prestação de serviços firmado entre as empresas que não respeite os critérios inerentes a uma terceirização que visa ganhos de eficiência não é nada mais do que um negócio jurídico simulado (art. 167 do Código Civil) que objetiva promover uma fraude (art. 9º da CLT), não só aos direitos dos trabalhadores, mas também ao interesse público, uma vez que o não reconhecimento do vínculo empregatício implica em sonegação de verbas de natureza tributária e previdenciária. Ainda pior: tal prática estabelece um cenário de concorrência desleal, no qual o aumento dos lucros com a utilização de mão de obra terceirizada não surge por meio de ganhos de eficiência no processo produtivo, mas sim pela redução arbitrária de custos. Em termos práticos, a análise é bastante simples. Para averiguar se uma terceirização é legítima ou não, dentro da lógica do argumento liberal, basta indagar o seguinte: se todos os direitos trabalhistas do empregado terceirizado (incluindo encargos trabalhistas, previdenciários e tributários) passassem a ser pagos diretamente pela própria tomadora de serviços, a terceirização ainda seria economicamente viável e/ou desejada pelas empresas contratantes? Caso a resposta seja negativa, a conclusão é evidente. Conforme registra Álvares da Silva (2011, p.115) “não trata de terceirização e sim de pura fraude a direitos do trabalhador e deve ser anulada por meio do art. 9º da CLT”. Dito de outro modo, a terceirização seria um “tigre de papel”21 , na medida em que não se diferencia substancialmente dos demais mecanismos jurídicos que foram criados para tentar frustrar as disposições da CLT, os quais, por sua vez, foram refutados pela interpretação jurídica firmada pelas cortes trabalhistas. Dito de outro modo: as questões referentes à admissão da licitude ou ilicitude da terceirização nos casos concretos podem ser solucionadas pelos mesmos mecanismos que impediram a proliferação de outras práticas fraudulentas, ainda que expressamente previstas e autorizadas por lei 22, uma vez que o intuito de sonegação de direitos trabalhistas pode ser comprovado dentro da análise fático-probatória de cada processo. Mas o tratamento jurídico da terceirização não se limita a averiguação da existência de fraude em cada caso concreto. É possível, mesmo diante de um ajuste legítimo, persistir a responsabilidade empresarial no tocante aos danos causados aos empregados oriundos da livre pactuação. Ao se admitir a procedência do argumento liberal com fulcro no princípio da livre iniciativa, é certo que a terceirização lícita se consolida como uma questão contratual envolvendo duas partes, unidas por força de um contrato de prestação de serviços. Nessa relação bilateral (contrato firmado entre a prestadora e a tomadora de serviços) são pactuadas diversas cláusulas referentes ao modo e condições de prestação de serviços, os quais, por sua vez serão prestados por terceiros (trabalhadores). Logo, caso o ajuste firmado entre as partes venha a causar danos a direitos dos trabalhadores - terceiros que não participaram da pactuação do contrato de prestação de serviços - ambos os contratantes poderão ser responsabilizados pela reparação dos danos. Tal conclusão se baseia no fato de que o empregado, na qualidade de terceiro que pode vir a ser prejudicado pelo contrato de prestação de serviços firmado entre empresas, não pode arcar com os riscos do empreendimento. A empresa tomadora de serviços, ao optar por exercer sua livre iniciativa e terceirizar parte de suas atividades, continua assumindo o risco do empreendimento, inclusive no tocante às obrigações decorrentes do contrato. Sob tal aspecto, a síntese de Álvares da Silva (2011, p.114): No caso da terceirização não há de cogitar sobre atividade-fim e atividade-meio, mas sim da proteção ao empregado. A empresa terceirizada assume a relação de emprego independentemente mas se, por qualquer motivo, o empregado Nesse sentido, a recente obra de Antônio Álvares da Silva (2015, p.82), na qual o autor explica com maior grau de profundidade esse raciocínio e conclui no sentido de que “a preocupação no Direito do Trabalho com a terceirização é impedir que através dela se pratique fraude aos direitos trabalhistas” sendo irrelevante para tal finalidade que a terceirização seja tida como lícita ou ilícita..

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Não há, a rigor, nenhuma novidade neste raciocínio. A razão fundante é praticamente idêntica ao tratamento doutrinário e jurisprudencial utilizado, por exemplo, na questão referente às cooperativas de trabalho (art. 442, parágrafo único, da CLT) nas quais, não obstante a expressa autorização legislativa, a doutrina estabeleceu requisitos para separação do joio e do trigo, consolidando critérios objetivos para distinguir as cooperativas de trabalho legítimas das demais sociedades que tão somente se constituíram sob a forma jurídica de cooperativas para, em verdade, tentar mascarar a existência de verdadeiras relações empregatícias.

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sofra qualquer tipo de dano trabalhista, por inidoneidade econômica, a empresa matriz se torna corresponsável.

Assim, o ponto central do raciocínio consiste em reconhecer a máxima de que “quem se beneficia do trabalho é por ele responsável”, sendo a responsabilidade entre as empresas de caráter solidário com fulcro no art. 2º§2º da CLT 23. Importante ressaltar que tal interpretação, contudo, não se fundamenta tão somente na proteção da pessoa do empregado sob a ótica das normas relativas aos direitos trabalhistas. Em verdade, todo o sistema jurídico converge na proteção de terceiros de boa-fé em relação aos ajustes firmados entre empresas que se revelem nocivos ou potencialmente danosos. O artigo 927 do Código Civil prevê que todo aquele que, por ato ilícito, causar danos a outrem está obrigado a repará-lo, bem como. A nova lei de proteção à concorrência estabelece, em seus arts. 32 e 33 a responsabilização No mesmo sentido, nas ações que envolvam discussões com relação a danos advindos de relações regulamentadas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), o Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento 24 no sentido de que, quando constatada a existência de uma cadeia de fornecedores, a responsabilidade atinge todos os partícipes da cadeia produtiva, os quais passam a responder pelos danos provocados (ainda que por apenas um de seus integrantes) de forma solidária. A interpretação ampliativa do artigo 14 do CDC implica no reconhecimento da responsabilidade solidária de todos os integrantes da cadeia de fornecedores 25. Isso significa que todas as empresas envolvidas no processo produtivo – ainda que não tenham vínculo societário formal – são responsáveis pela reparação dos danos causados aos consumidores, independentemente de culpa. O fundamento dessa interpretação se encontra – corretamente – na constatação do fato de que os riscos da atividade econômica devem ser suportados por aqueles que oferecem os produtos ou serviços no mercado. A partir do momento em que os fornecedores de serviços ou produtos optam por abrir mão do controle de parte da cadeia produtiva (produção e comercialização) por entender que a concentração da atividade em apenas um dos ramos da cadeia lhe proporcionará maiores lucros, não restam dúvidas de que estão exercendo sua livre iniciativa. Ocorre, entretanto, que uma decisão de gestão empresarial não pode resultar em prejuízos a terceiros que não participam da administração e dos lucros da empresa, sendo esta uma restrição de ordem pública. Dito de outro modo: a legítima decisão empresarial no sentido de optar por não participar da totalidade do processo produtivo – delegando etapas do processo para terceiros - não exime a empresa dos riscos da atividade econômica, inclusive da responsabilidade oriunda do fornecimento de produtos ou serviços no mercado. O fato de o dano ter sido causado por terceiro não exime a responsabilidade, sendo que o risco da atividade econômica também abrange a contratação de parceiros idôneos.

Ainda conforme Álvares da Silva (2011, p.117/118), o próprio conceito de grupo econômico previsto no art. 2º§2º da CLT já autoriza, por si só, a interpretação no sentido de se reconhecer a responsabilidade solidária da empresa tomadora de serviços com a empresa terceirizada ao afirmar que: “na terceirização, o art.2o §2 da CLT tem aplicação plena pois ela se dá entre várias empresas, cada uma delas com personalidade jurídica diversa, constituindo grupo industrial ou comercial. (...) Para este caso, o citado §2º é expresso: elas serão consideradas solidariamente responsáveis em relação aos contratos de trabalho. Portanto, o débito trabalhista está garantido e a solidariedade se fará em toda a cadeia produtiva destas empresas. Pouco importa se o grupo não for dirigido ou administrado por uma empresa holding. Desde que a haja a formação do grupo, a holding passa a ser um detalhe. O importante é que as empresas, assim formadas, se beneficiem do trabalho prestado e por ele se tornem responsáveis. Este elo deve ser um princípio permanente do legislador e do intérprete: quem se beneficia do trabalho é por ele responsável.”

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Nesse sentido, a título exemplificativo, cf. REsp nº 1.118.302-SC, 3ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins julgado em 01.10.2009 RESP nº. 1.216.424-MT, 3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 09.08.2011; AgRgRESP nº. 1.391.029SP , 3ª Turma, Relator Ministro Sidnei Beneti julgado em 17.02.2014.

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Nos dizeres de Marques (2005, p.402) “a cadeia de fornecimento é um fenômeno econômico de organização do modo de produção e distribuição, do modo de fornecimento de serviços complexos, envolvendo grande número de atores que unem esforços e atividades para uma finalidade comum, qual seja a de poder oferecer no mercado produtos e serviços para os consumidores. O consumidor, muitas vezes não visualiza a presença de várias fornecedores, diretos e indiretos, na sua relação de consumo, não tem sequer consciência no caso dos serviços, principalmente de que mantém relação contratual com todos ou de que, em matéria de produtos, pode exigir informação e garantia diretamente daquele fabricante ou produtor com o qual não mantém contrato. A nova teoria contratual, porém, permite esta visão de conjunto do esforço econômico de fornecimento e valoriza, responsabilizando solidariamente, a participação destes vários atores dedicados a organizar e realizar o fornecimento de produtos e serviços.”

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Assim, considerando a interpretação doutrinária no sentido de que do o CDC contém em sua estrutura normas que espargem efeitos sobre todo o ordenamento jurídico, apresentando-se como normas de sobredireito (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 515) e as disposições do art. 8º da CLT, percebe-se que o raciocínio análogo ao posicionamento consolidado pelo STJ pode e deve ser estendido para a reparação dos danos causados aos trabalhadores no decorrer do processo produtivo. Por fim, é importante ressaltar que mesmo em face de um cenário no qual seja constatada a existência de dano ao empregado em virtude de inidoneidade da prestadora de serviços, mas não se verifique a ocorrência de fraude e não seja acolhida a tese de responsabilização solidária das empresas ante a existência de grupo econômico/cadeia produtiva, ainda será possível a responsabilização da empresa tomadora, com fulcro na teoria do abuso de direito. Isso porque o Código Civil, em seu art. 187, estabelece que todo aquele que exerça um direito de forma que exceda manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, pratica ato ilícito, estando ainda os contratantes obrigados a guardar, na execução e na conclusão do contrato os princípios de probidade e boa-fé (art. 422 do Código Civil). Desse modo, a contratação de empresa inidônea ou a pactuação de cláusulas que restrinjam de sobremaneira a responsabilidade da empresa tomadora no tocante aos direitos dos empregados da empresa prestadora de serviços ou caso não haja efetiva fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas quando da execução do contrato, estará configurado ato ilícito caracterizado pela prática de conduta contrária aos fins econômicos e sociais do contrato. Assim, a terceirização lícita, mas que se revele abusiva, enseja a responsabilidade subsidiária da tomadora de serviços, o que consiste, na prática, em uma readequação das já consagradas teorias referentes à culpa “in vigilando” .

5 - CONCLUSÃO

O presente estudo buscou demonstrar que, mesmo que o argumento liberal venha a prevalecer perante o STF e seja decretada – em maior ou menor grau – a licitude da terceirização ampla e irrestrita, a Justiça do Trabalho e as demais instituições poderão continuar combatendo as fraudes e as lesões a direitos trabalhistas, com base em fundamentos diversos e, inclusive, com raciocínios jurídicos com grau de densidade normativa superior aos critérios designados pela Súmula 331 do TST. Para determinar quais serão as teses mais adequadas a cada caso concreto, deve-se cogitar a existência de diversos cenários e interpretações possíveis. Caso o STF venha a reconhecer a validade do critério adotado pela Súmula 331 do TST como critério razoável para a delimitação das hipóteses de terceirização de mão-de-obra diante do que se compreende por atividade-fim, sob a ótica da liberdade de contratar, o tratamento jurisprudencial da questão poderá permanecer inalterado até que sobrevenha inovação legislativa. Contudo, caso o STF venha reconhecer a invalidade do critério adotado pela Súmula 331 do TST a respeito da delimitação das hipóteses de terceirização de mão-de-obra diante do que se compreende por atividadefim, sob a ótica da liberdade de contratar, uma alternativa válida, em consonância com a regulamentação infraconstitucional existente (ainda que improvável de ser acolhida pela jurisprudência), será o retorno ao entendimento consolidado pela Súmula 256 do TST, relegando ao legislador a tarefa de determinar quais atividades são passíveis de terceirização, situação que coloca ainda mais pressão ao Projeto de Lei 4330/2004, já aprovado na Câmara dos Deputados. Entretanto, caso o STF reconheça a invalidade do critério adotado pela Súmula 331 do TST a respeito da delimitação das hipóteses de terceirização de mão de obra diante do que se compreende por atividade-fim, sob a ótica da liberdade de contratar, e ainda declare expressamente a incompatibilidade das interpretações restritivas à prática da terceirização com a ordem constitucional – em consonância com o deliberado pela Câmara dos Deputados na votação do Projeto de Lei 4330/2004 - poderá a Justiça do Trabalho passar a enfrentar o tema referente à lesão de direitos fundamentais causados pela terceirização com base em raciocínios jurídicos distintos dos encampados pelos entendimentos sumulados. Dentro deste cenário, apontam-se algumas linhas de raciocínio passíveis de adoção imediata pelos juízes do trabalho nos casos concretos envolvendo a prática da terceirização: a) Declarar a responsabilidade solidária da tomadora de serviços pelo pagamento das verbas devidas ao 62


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empregado terceirizado ante a ocorrência de simulação do negócio jurídico (art. 167 do Código Civil) caso reste comprovado no processo que a relação entre o trabalhador terceirizado e a tomadora de serviços não se tratou de cessão de mão-de-obra por meio de terceirização (relação jurídica que possui requisitos específicos para ser configurada), mas sim de verdadeira relação empregatícia mascarada, que implica no reconhecimento de vínculo empregatício direto com o tomador de serviços ante a ocorrência de fraude (art. 9º da CLT). Tal raciocínio é análogo ao que já ocorre em relação às cooperativas de trabalho (art. 442, parágrafo único, da CLT). b) Declarar a responsabilidade solidária da tomadora de serviços pelo pagamento das verbas devidas ao empregado terceirizado, caso seja comprovada a ocorrência de danos aos trabalhadores causados pela prestadora de serviços. A reparação decorre da teoria do risco criado a partir da atividade econômica da tomadora de serviços, que optou, livremente, por terceirizar sua força de trabalho, assumindo os riscos do empreendimento - e da responsabilidade civil em cadeia. (arts 2º, caput e § 2º e 8º da CLT c/c o art. 927 do Código Civil e o art. 25 do Código de Defesa do Consumidor). c) Declarar a responsabilidade subsidiária da tomadora de serviços, com fulcro na responsabilidade civil subjetiva, das verbas devidas ao empregado terceirizado, caso evidenciada a conduta culposa da tomadora, comissiva ou omissiva, que tenha causado danos aos trabalhadores, especialmente em relação à fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço, ante o exercício abusivo do direito de terceirizar que excedeu manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (art. 187 c/c art. 422 do Código Civil). Inclusive, caso sejam deferidos pelo STF novos requerimentos sentido de suspender o andamento os processos que questionem a constitucionalidade de alguma modalidade de terceirização – a exemplo do ocorrido com a liminar proferida pelo Min. Teori Zavascki no processo ARE 791932 RG/DF referente a possibilidade de terceirização de call center de empresas de telefonia - a Justiça do Trabalho poderá continuar atuando mediante a mudança de paradigma. Basta reconhecer que o debate acerca da constitucionalidade ou validade jurídica da terceirização é irrelevante ante a questão fundamental referente à responsabilidade civil que se coloca nas relações de trabalho: todo aquele que, assumindo os riscos do empreendimento, é responsável pela reparação dos danos que porventura venha a causar aos direitos de terceiros, sejam estes trabalhadores, consumidores ou pessoas estranhas à relação empregatícia. Todos os fundamentos e raciocínios acima elencados poderão ser adotados pelos juízos competentes, mesmo na hipótese de as teses jurídicas a favor de uma terceirização ampla e irrestrita ser confirmadas pelo STF. Isso porque, como demonstrado, coibir os abusos de direito praticados pelo mercado não se trata de uma questão exclusivamente trabalhista, mas sim basilar e inerente à sobrevivência do próprio sistema capitalista. O ordenamento jurídico não pode permitir a prática de um “capitalismo sem riscos”, que se qualifica pela adoção de condutas que visam promover a privatização dos ganhos e socialização dos prejuízos, seja por meio da terceirização ou de outras formas jurídicas sofisticadas de elisão de direitos. Do mesmo modo, seria salutar a instauração de procedimentos por iniciativa do Ministério Público do Trabalho ou dos Sindicatos representantes das categorias econômicas e profissionais junto ao CADE ou mesmo a propositura de ações civis públicas com base no art. 47 da Lei n. 12.529/2011, visando combater as terceirizações que não gerem ganho de eficiência, mas sim apenas aumento arbitrário de lucros. A imediata adoção deste procedimento pode garantir, de forma eficiente, o respeito a direitos trabalhistas, o correto recolhimento dos tributos e também a defesa da concorrência. Tais providências podem ser adotadas sem prejuízo da determinação expedição de ofícios para órgãos fiscalizadores, cominação de obrigações de fazer respaldadas por astreintes e demais sanções correlatas previstas no ordenamento jurídico, caso os juízes se deparem com práticas de terceirização que causem danos a direitos dos trabalhadores. O Direito do Trabalho, que desde sua criação convive com frequentes tentativas de desconstrução e de mitigação de sua incidência, já comprovou ser capaz de se reconstruir e se adaptar para enfrentá-las. E assim será com a questão referente à terceirização, independentemente do que venha a ser decidido pelo STF, bastando que a Justiça do Trabalho efetue uma releitura dos princípios de proteção ao trabalho e no seu modo de atuação para garantir a eficácia dos direitos fundamentais de modo mais completo e coerente do que a 63


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CONTRATO DE ESTÁGIO E SUAS IMPLICAÇÕES Camila de Abreu Fontes de Oliveira1

RESUMO: O artigo apresenta um estudo ordenado acerca do contrato de estágio e suas especificações. Para tanto, a compreensão do tema tem como pressuposto a análise da história das legislações que o instituiu, bem como, uma avaliação crítica das principais inovações trazidas com o advento da Lei 11.788/08. Importa ainda estabelecer os novos parâmetros a serem observados para a contratação do estudante, passando pelos direitos e obrigações atinentes às partes envolvidas no referido contrato. A grande pergunta que se faz frente à apreciação desse tipo contratual é se, diante da nova regulamentação acima citada, o estagiário encontra-se devidamente amparado? O que se pretende também demonstrar é a linha tênue existente entre o contrato de estágio e a relação de emprego. Isso porque não é incomum a utilização do contrato de estágio como forma de precarização da prestação de serviço e o conseqüente afastamento de direitos básicos conferidos a todo e qualquer trabalhador. Palavras-chave: Contrato de estágio. Inovações. Lei 11.788/08. Relação de emprego. Precarização. Abstract: The article presents a study about the orderly placement contract and specifications. Therefore, understanding of the subject presupposes the analysis of the history of the laws establishing it, as well as a critical assessment of the main innovations introduced with the enactment of Law 11788-08. It should also establish new parameters to be followed for hiring the student, through the rights and obligations pertaining to the parties involved in the contract. The big question that faces the appreciation of this type of contract is whether, in the face of new regulations cited above, the trainee is properly supported? The aim is also to demonstrate the fine line between the contract and the stage of the employment relationship. That’s because it is not uncommon to use the contract as a form of precarious stage of service delivery and the consequent removal of basic rights granted to any employee. Keywords: Internship agreement. Innovations. Law 11788/08. Employment relationship. Precariousness. 1 - INTRODUÇÃO Primeiramente, importante trazer a definição do que seria uma relação de trabalho. Entende-se por relação de trabalho as relações jurídicas cuja prestação essencial está firmada em uma obrigação de fazer. Na realidade, reflete toda a forma de contratação de prestação de trabalho, podendo ser caracterizada como um gênero na qual figuram como espécies, a relação de emprego, relação de trabalho autônomo, trabalho avulso e eventual, estando incluso também o contrato de estágio, objeto de estudo do presente artigo. Dada a relação jurídica existente entre as partes envolvidas no contrato de estágio, pode-se dizer que esse constitui uma espécie de relação de trabalho que viabiliza a qualificação da educação e o desenvolvimento econômico cultural do país. O estágio, assim considerado como ato educativo, possibilita ao estudante concluir o curso não apenas com o conhecimento teórico, como também produza o conhecimento técnico exigido por cada profissão, preparando-o para o ingresso no mercado de trabalho. Daí a necessidade de o contrato de estágio guardar correlação com o curso desenvolvido.

CAMILA DE ABREU FONTES DE OLIVEIRA

Pode-se dizer que o contrato de estágio é uma relação triangular (trilateral), na qual dela participam o Camila de Abreu Fontes de Oliveira. Mestra em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós Graduada em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Previdenciário pela Universidade Gama Filho. Professora do Centro Universitário Una. Advogada do Escritório de Advocacia Ferreira e Chagas em Belo Horizonte. Endereço de contato: cacafonti@yahoo.com.br.

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estudante, a empresa beneficiária da prestação do trabalho e a entidade de ensino. Porquanto, a relação jurídica que se estabelece com o tomador de serviços é de cunho sociojurídico, possuindo natureza jurídica de ato educativo-laboral. A referida constatação se baseia na complexa relação que se estabelece, na qual o estágio, com sua finalidade pedagógica, propicia o desenvolvimento de atividades pelo estudante que se coadunam com o curso desempenhado. O contrato de estágio possui quase todos, para não dizer todos, os requisitos para a formação da relação empregatícia, quais sejam, pessoa física, pessoalidade, não eventualidade e onerosidade (facultativa nos casos de estágios obrigatórios). Entretanto, o legislador excluiu o estagiário da proteção celetista e, consequentemente, a ele não se aplicam as normas protetivas ao trabalhador. Vê-se, portanto, que há uma linha tênue de separação entre o contrato de emprego e o contrato de estágio, já que este último se finca apenas no objetivo social, educacional e cultural do estudante. Nesse contexto é válido avaliar-se a questão do contrato de estágio e levantar as seguintes indagações: o contrato de estágio representa realmente um estágio? A figura do estagiário é verdadeiramente reconhecida através da busca do conhecimento, como prevê a lei que regulamenta a questão, ou tal relação passa a ser empregatícia, surgindo o entendimento do artigo 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT? Dessa forma, com o fito de evitar a desvirtuação do contrato de estágio tornou-se necessária a existência de uma regulamentação efetiva sobre o assunto, face às mudanças no mercado de trabalho e as frequentes práticas de exploração da mão de obra barata. Recentemente, no ano de 2008 foi promulgada a Lei 11.788/08, chamada também de “Nova Lei dos Estágios” que fixou novas regras para o referido contrato, além de novos deveres e direitos para as partes envolvidas, inclusive, ao estagiário. O propósito da perfeita realização do estágio é alcançar o seu fim verdadeiro: oportunizar ao estudante a complementação dos estudos teóricos e inseri-lo, em condições adequadas às exigências atuais, no mercado de trabalho. Bem utilizado, o estágio é um excelente instrumento de integração entre o estudante e a futura área de atuação, bem como a todo o meio social em que está fincado. É imperativo dizer que, obedecido ao estabelecido na legislação vigente, e respeitado o aluno-estagiário, o estágio formalmente caracterizado, sem vícios, não configura vínculo empregatício. Porquanto, pretende-se no presente artigo estabelecer um estudo crítico, salientando as controvérsias ainda existentes, para então, demonstrar as possíveis lacunas, para não dizer ausência de efetividade diante da nova legislação que regulamenta o assunto. 2 - CONTRATO DE ESTÁGIO: CONCEITO E ORIGEM HISTÓRICA Pode-se dizer que o estágio é um procedimento de cunho didático-pedagógico previsto no projeto pedagógico do curso, que visa complementar a sua formação e compreender, na prática, os ensinamentos teóricos desenvolvidos ao longo do curso. Nesse mesmo sentido, salienta Maurício Godinho Delgado2 : Esse vínculo sociojurídico foi pensado e regulado para favorecer o aperfeiçoamento e complementação da formação acadêmico-profissional do estudante. São seus relevantes objetivos sociais e educacionais, em prol do estudante, que justificaram o favorecimento econômico embutido na Lei do Estágio, isentando o tomador de serviços, partícipe da realização de tais objetivos, dos custos de uma relação formal de emprego.

A Lei 11.788/08, logo em seu artigo 1º, estabelece o conceito de estágio: Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos 3.

E mais, em seu artigo 2º faz alusão ao objetivo de um estágio, qual seja:

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DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTR, 2010.p. 323.

BRASIL. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L1178.htm. Acesso em: 20 de julho de 2015.

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O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho 4.

Pela análise do conceito e do objetivo do contrato de estágio, tem-se que esse se mostra um grande instrumento para a formação profissional dos estudantes por prepará-los, ou pelo menos, deveria, para o trabalho produtivo. O estágio apresenta como uma das preocupações dos educadores e empresários brasileiros a partir de 1930, ano em que ocorreu grande avanço da industrialização. Interessante mencionar como se deu a origem histórica do estágio na legislação brasileira. Isso porque tamanha foi a evolução trazida pela legislação ao longo dos anos, se comparado as antigas regulamentações com a atual Lei do Contrato de estágio. O Decreto Lei nº. 20.294 de 1931, em seu artigo 4º, representou a primeira norma jurídica que tratou da figura do estágio ao estipular a dotação anual por aluno matriculado. Após, o Decreto Lei nº. 1190 de 1939 (versava sobre a Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras), em seu artigo 40, parágrafo 2º, preceituava que haveria aulas práticas em laboratórios e museus para aplicação dos conhecimentos teóricos. Em 1942, foi editado o Decreto Lei 4073 também apresentou referências não muito significativas com relação ao estágio. Já pela leitura do Decreto Lei de nº. 9613 de 1946 podemos afirmar a existência de uma definição de que o ensino agrícola representaria o estágio como períodos de trabalho. Ainda no mesmo ano, através do Decreto Lei nº. 8777 foi regulamentado que o professor para proceder ao registro junto ao Ministério da Educação e Cultura (MEC) poderia ter seu registro como tal, ainda que não comprovasse prática ou estágio como docente. Ainda no ano de 1946 foi editado o Decreto Lei de nº. 9053 que determinava que as Faculdades de Filosofia destinassem o ginásio para a prática docente dos alunos matriculados no curso de Didática. No ano de 1953 foi editada a Lei 1821 (consolidada pela Lei 4024 de 1961). Essa estabeleceu, parcialmente, o fim das barreiras existentes entre os cursos secundários e superiores. Interessante observar que apenas em 1967, diante da Portaria 1002, houve o estabelecimento dos estágios nas empresas. Contudo, os direitos e deveres não foram tratados. A referida Portaria além de fixar que o pacto existente em um estágio não implicaria no reconhecimento do vínculo empregatício, previu anotação da carteira profissional do estagiário, a concessão de bolsa de complementação educacional, a instituição de seguro contra acidentes pessoais e o cumprimento de horário e prazo do estágio acordados entre a empresa concedente e o estagiário. Em 1971, a Lei nº. 5.692 previu as regras as diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º grau, bem como o estágio como forma de cooperação entre empresa e escola. A falta de regulamentação quanto a forma de cooperação entre a empresa concedente e a escola no tocante ao contrato de estágio foi suprida com o advento da Lei 6.494 de 1977. Essa foi complementada por alterações promovidas pelo legislador ordinário, a exemplo da Lei 8.859/1994 e da Medida Provisória nº. 2.164-41/01, que possibilitaram a realização de estágios pelos alunos de ensino especial e de ensino médio, respectivamente. Contudo, a Lei 6.494/77 mostrou-se insuficiente, para não dizer, inadequada face às alterações na gestão da força de trabalho e nos processos produtivos a partir da década de 90. Nesse período o Brasil buscou por uma maior inserção na economia mundializada. Por conseguinte, as novas exigências do mercado de trabalho, do desenvolvimento tecnológico, acrescidos das transformações políticas e culturais emanadas do término da Guerra Fria exigiram o aperfeiçoamento da Lei 6.494/77. Assim, em setembro de 2008, foi editada a Lei 11.788/08 que introduziu importantes modificações no que se refere à regulamentação do contrato de estágio. Com a nova lei do Contrato de Estágio, os contratos

BRASIL. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L1178.htm. Acesso em: 20 de julho de 2015.

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emitidos e assinados até 25 de setembro de 2008 permaneceram regidos pela legislação anterior, até a sua expiração, renovação ou alteração. Importante mencionar, nesta oportunidade quanto a natureza jurídica do contrato de estágio. Sabendo que o estágio não apresenta como finalidade o combate ao desemprego, a distribuição de renda e, tampouco, uma forma de suprimento da carência de mão-de-obra, tem-se que sua destinação é especificamente de formação educativa, ou seja, um procedimento preparatório que complementa o ensino e a aprendizagem. Necessário ainda ressaltar que o Ministério do Trabalho, em sua Cartilha esclarecedora sobre a lei do estágio, manifesta-se nos seguintes termos, quanto à relação de emprego 5: “O estágio não caracteriza vínculo de emprego de qualquer natureza, desde que observados os requisitos legais, não sendo devidos encargos sociais, trabalhistas e previdenciários (art. 3º e 15 da Lei n.º 11.788/2008)”. Levando em consideração o contrato de estágio, tem-se que a contratação não possui um caráter trabalhista, nem tampouco, por exclusão, uma prestação de serviço de ordem civil. O contrato que mais se aproximaria deste tipo de relação no âmbito civil é o de prestação de serviços, previsto no capítulo VII, do título VI, do livro I da parte especial do Código Civil de 2002. Esse estabelece um prazo máximo para o seu término (segundo o art. 598 do CC, é de quatro anos o prazo máximo para contratação), além de poder ser contratado mediante retribuição (art. 594 do C.C/02). Ainda, analisando o contrato de estágio sob a ótica civilista, o mesmo seria: bilateral; gratuito ou oneroso (já que pode ser facultativa ou compulsória a concessão de bolsa de auxílio, dependendo do estágio, se obrigatório ou não-obrigatório); paritário (ou seja, de mútuo acordo); intuitu personae (personalíssimo); solene (já que a forma não escrita faz pressupor o vínculo empregatício)6. Dessa forma, parece-nos, em primeiro momento, que o contrato de estágio tem natureza jurídica cível, porém, diante da ressalva preceituada no art. 593, CC: “A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste capítulo.” Por conseguinte, diante da existência da Lei n.º 11.788/08, o contrato de estágio acaba por ser regulado por uma lei especial. Ora, o contrato de estágio não pode ser regido pela regulamentação do contrato de prestação de serviço, por ser excluído dada a ressalva do art. 593 do CC. Desse modo, a Lei n.º 11.788/08 diz respeito a uma lei especial que normativa uma nova modalidade de contratação, com requisitos próprios e, consequentemente, natureza jurídica própria, que não pode ser nem trabalhista nem civil. Analisada a natureza civil do contrato de estágio, resta necessário tecer considerações acerca de alguns princípios aplicáveis a este. O primeiro princípio que merece real enfoque é o da vinculação pedagógica. Esse princípio reafirma o objetivo real de um estágio, qual seja, um ato educativo complexo que apresenta o preparo teórico-prático e a qualificação do estudante não apenas para o mercado de trabalho como para a cidadania. Outro princípio aplicável ao contrato de estágio é o da adequação. Na realidade ele representa um desdobramento do princípio da vinculação pedagógica. Isso porque determina que o estágio se realize em condições apropriadas à formação do estudante. Igualmente, a adequação do estágio deverá observar as finalidades de preparar o estudante para as atividades profissionais, vinculadas ao curso, além de capacitá-lo para correlacionar as suas práticas e conhecimentos para toda a sua vida. Por fim, importa mencionar outro princípio que é o do rendimento. Na realidade, ele representa as conseqüências de uma correta aplicação dos princípios da vinculação pedagógica e da adequação. O sucesso de um estágio necessita de um complexo de atos que contempla o planejamento, elaboração de projeto didáticopedagógico, acompanhamento do estagiário, vinculação das atividades ao curso desenvolvido e a avaliação do plano estabelecido no estágio. Cartilha esclarecedora sobre a lei do estágio: lei n.º 11.788/2008. Brasília: TEM, SPPE, DPJ, CGPI, 2008. Disponível em: http:// www.mte.gov.br/politicas-juventude/cartilha_lei_estagio.pdp. Acesso em: 20 de julho de 2015.

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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. Vol. 3. ed. 5. São Paulo: Saraiva, 2008.

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Revista Jurídica Digital RTM 3 - REQUISITOS DO CONTRATO DE ESTÁGIO

Analisando mais a fundo como se desenvolve o contrato de estágio, chegar-se-á a presença de requisitos formais e materiais 7 para sua caracterização, no qual, sem estes o contrato ganha outra forma que não a de estágio. Os requisitos do contrato de estágio podem ser classificados como subjetivos, quando se referirem a quem o celebra, ou objetivos, quando dizem respeito às exigências na formulação do contrato. 3.1 Requisitos subjetivos obrigatórios e auxiliares Os requisitos subjetivos se destinam a responder a pergunta: quem celebra o contrato de estágio? Os sujeitos principais (obrigatórios) da relação jurídica do estágio são o estagiário, a instituição de ensino e a parte concedente. O estagiário é o agente principal do contrato em comento e, segundo o art. 1º da Lei nº 11.788/2008, pode ser qualquer estudante regularmente matriculado em instituição de ensino superior, profissional, médio, especial, fundamental e na modalidade profissional da educação de jovens e adultos, conforme regras determinadas e classificações elaboradas pelo Ministério da Educação. Frisa-se que a ampliação do leque de pessoas que poderiam firmar contrato de estágio foi elastecido pela referida norma legal, como exposto alhures. Embora a lei citada não estabeleça limitação de idade para que o estudante firme contrato de estágio, não se pode olvidar que a norma maior contida no art. 7º, XXXIII da CF/88 que proíbe “qualquer trabalho” a menor de dezesseis anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir de quatorze. Como o contrato de estágio constitui, conforme já mencionado, à uma relação de trabalho, no sentido amplo, ao fazermos interpretação conforme a norma constitucional, determina-se a impossibilidade de que seja firmado estágio por menores de dezesseis anos. O outro sujeito obrigatório no contrato de estágio é a instituição de ensino. Essa deverá ser regularmente reconhecida e autorizada pela autoridade estatal responsável. Destaca-se o papel importante que assume no sistema educacional, por viabilizar o acesso e a permanência do educando na escola. Assim, a instituição de ensino não desempenha um papel secundário nessa relação que se cria. Muito ao contrário, sua presença é salutar dada as funções que a ela se impõe. Senão vejamos: estabelecer normas complementares à execução do estágio, promover o aprendizado com respeito aos valores de liberdade e igualdade, viabilizar o processo qualitativo de formação humana, bem como valorizar a experiência extra escolar e estimular a articulação entre o aprendizado, o trabalho e as práticas compatíveis com o progresso social e com os deveres da cidadania. Por fim, o outro sujeito obrigatório nesse tipo contratual é a organização concedente, ou ainda empresa concedente. A organização concedente pode ser pessoa jurídica de direito privado, órgão da Administração Pública, instituição de ensino público e particular. Destaca-se, a princípio, que as pessoas físicas não estão autorizadas a concederem estágio. Uma interessante inovação trazida pela nova lei de estágio está previsto no art. 9º, por abrir a possibilidade aos profissionais liberais de nível superior que estejam regularizados perante o seu órgão de fiscalização de classe poder figurar como empresas concedentes. Para que ocorra a contratação do contrato de estágio é obrigatória uma tripla formação, contendo como partes o estudante, a parte concedente e a instituição de ensino. Apesar de a Lei n.º 6.494/77 prever que a instituição de ensino devesse obrigatoriamente intervir na contratação, não era considerada como parte, pois o termo de compromisso era celebrado entre o estudante e a parte concedente, apenas. Diferentemente, a nova lei introduziu a instituição de ensino como parte efetiva na angularização da relação, visto que uma das obrigações desta é a celebração do termo de compromisso, juntamente com o estudante e a parte concedente. Um avanço importante, demonstrando a coerência do legislador que ao conceituar o estágio como um ato educativo supervisionado desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo do educando, também, introduziu a instituição de ensino dentro da contratura, impondo-lhe deveres para que o estágio atinja seu fim educativo/formativo. Ao lado dos sujeitos obrigatórios, a lei possibilitou a participação dos agentes de integração nos contratos PAULA, Pedro Delgado de, Contrato de estágio como meio fraudulento de contrato de trabalho. Disponível em: http://jus2.uol. com.br/doutrina/texto.asp?id=4773. Acesso em: 20 de julho de 2015.

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de estágio. Agentes de integração, segundo o art. 5º da Lei de Estágio (11.788/08), são entes públicos ou privados sem fins lucrativos que tem como competência identificar oportunidades de estágio; ajustar suas condições de realização; fazer o acompanhamento administrativo; encaminhar negociação de seguros contra acidentes pessoais e cadastrar os estudantes. Dois pontos específicos chamam atenção na disciplina, pela lei, dos agentes de integração. O primeiro é a proibição de cobrança de taxa dos estudantes por indicação, conforme previsão do § 2º do art. 5º da Lei de Estágio, e o segundo é o fato de o agente de integração poder ser responsabilizado civilmente em caso de indicar estudante para frequentar programa de estágio não autorizado pela instituição de ensino ou em dissonância com a legislação. 3.2 Requisitos objetivos formais e materiais Os requisitos objetivos formais do contrato de estágio são: a qualificação das partes envolvidas no estágio (estudante – concedente – instituição de ensino); celebração de Termo de Compromisso; concessão de seguro de acidentes pessoais em favor do estagiário; concessão de bolsa de auxílio e vale transporte no caso de estágio não obrigatório, que não tem caráter salarial; duração máxima do estágio estabelecido em dois anos para a mesma entidade cedente e o limite do número de estagiários por estabelecimento e matrícula e frequência regular do educando ao estabelecimento de ensino; Já os requisitos objetivos materiais são: compatibilidade entre as atividades desenvolvidas; instalações que tenham condições de proporcionar atividades de aprendizagem social, profissional e cultural (art. 9, II, da Lei n.º 11.788/08); supervisão do estagiário por um funcionário com formação ou experiência profissional na área em que se será desenvolvido o estágio (art. 9, III, da Lei n.º 11.788/08); e proporcionar uma efetiva formação profissional, preparando o educando para a competitividade do mercado de trabalho. O requisito objetivo mais controverso é a compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso. Isso porque se discute a necessidade de as atividades desenvolvidas no estágio possuírem ligação com a grade curricular do curso do estudante. Ora, inexiste qualquer fundamento para que essa discussão prevaleça. A Lei 11.788/08 de forma clara e precisa estabelece a necessidade de o estágio desempenhado pelo estudante correlacionar, ou melhor, compatibilizar, com o curso desenvolvido. Portanto ilegal seria, por exemplo, a contratação de estudante de medicina para a função de trainee em administração, dada a manifesta incongruência entre a finalidade do contrato de estágio (preparar o estudante para a prática de sua vida profissional) e as funções exercidas. No exemplo, aplicar-se-ia o art. 9º celetista para declarar a nulidade do contrato firmado entre as partes. Oportuno ressaltar que o descumprimento de quaisquer dos requisitos objetivos tem como consequência lógica o reconhecimento de vínculo empregatício com a parte concedente do estágio irregular, salvo se se tratar de ente componente da Administração Pública, tendo em vista a impossibilidade jurídica por óbice da norma constitucional contida no art. 37, II da CF/88. 4 - MODALIDADES E CARACTERÍTICAS DO CONTRATO DE ESTÁGIO Nos termos da Lei 11.788/08, mais precisamente em seu artigo 2º, caput e parágrafos8 , definem-se as modalidades do contrato de estágio: O estágio poderá ser obrigatório ou não-obrigatório, conforme determinação das diretrizes curriculares da etapa, modalidade e área de ensino e do projeto pedagógico do curso. § 1o Estágio obrigatório é aquele definido como tal no projeto do curso, cuja carga horária é requisito para aprovação e obtenção de diploma. § 2o Estágio não-obrigatório é aquele desenvolvido como atividade opcional, acrescida à carga horária regular e obrigatória. § 3o As atividades de extensão, de monitorias e de iniciação científica na educação superior, desenvolvidas pelo estudante, somente poderão ser equiparadas ao estágio em caso de previsão no projeto pedagógico do curso.

Interessante observar que o contrato de estágio ao mesmo tempo em que se aproxima de outros contratos,

BRASIL. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007 2010/2008/Lei/L1178.htm. Acesso em: 20 de julho de 2015.

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diferencia-se pelas suas peculiaridades. Para fins de delimitação desse tipo contratual, as características principais do estágio são: solene, tripartite, tendencialmente oneroso, de trato sucessivo, subordinativo e de atividade. O contrato de estágio se mostra solene porque exige forma escrita e sua validade depende da existência do termo de compromisso, requisito objetivo. Conforme dito anteriormente, a relação se forma é trilateral, ou ainda tripartite, envolvendo o estudante, a organização concedente e a instituição de ensino. Ademais, esse contrato se mostra solene na própria execução. A instituição de ensino deve exigir dos educandos a apresentação de relatórios. Além disso, a empresa concedente manterá à disposição da fiscalização documentos que comprovem a relação de estágio. Quanto à característica tendencialmente oneroso, conforme disposto no art. 12 da Lei 11.788/08, “O estagiário poderá receber bolsa ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada, sendo compulsória a sua concessão, bem como a do auxílio transporte, na hipótese de estágio não obrigatório”. Pela análise do artigo acima citado, o pagamento da bolsa ou qualquer outra forma de contraprestação, além do auxílio transporte, apenas é devido em si tratando de estágio não obrigatório, sendo facultado o pagamento dos benefícios nos casos de estágio obrigatório. A onerosidade desse tipo contratual se justifica pelo estímulo que dá ao estagiário para suportar os gastos com livros, alimentação, deslocamentos, além de outras. O contrato de estágio por depender de execução contínua, acaba se materializando na medida em que se dão a aprendizagem e a freqüência do estagiário. Enfim, o estudante deverá participar das aulas e comparecer no local em que se dará o estágio. Outra característica do contrato é seu caráter subordinativo. O estagiário é dependente hierarquicamente à instituição de ensino e à empresa concedente, que exercem os poderes de direção e disciplinar, sofrendo uma dupla subordinação. Por fim, a última característica que será apontada com relação ao tipo contratual em enfoque é o pacto de atividade. A execução do contrato de estágio se dá pelo dispêndio de labor de maneira pessoal do estagiário. A forma como se dá essa execução poderá envolver o trabalho manual, técnico ou intelectual. Após a análise das características do contrato de estágio, passa-se ao estudo das importantes inovações trazidas pela Nova Lei que regula o estágio. 5 - INOVAÇÕES DA LEI Nº 11.788/2008 A Lei do Estágio ficou “famosa” pela gama de inovações trazidas nos diversos campos do contrato de estágio. Abaixo, passa-se a descrever as principais inovações. A primeira inovação fundamental é a extensão das pessoas que podem ser enquadradas como estagiários. Com o advento da lei em 2008, estudantes do ensino fundamental na modalidade profissionalizante e os estrangeiros matriculados em instituições de ensino brasileiras e com visto de permanência válida passaram a ser considerados aptos a firmar contrato de estágio com concedentes 9. Também não se pode esquecer que a legislação passou a admitir que pessoas físicas profissionais liberais de nível superior, devidamente inscritas no órgão de classe competente, podem figurar como parte concedente de estágio, atendido todos os demais requisitos legais10. Outra inovação relevante é que o estágio passou a ser considerado parte integrante do projeto pedagógico do curso, o que transparece a ideia de que o instituto é fundamental para o desenvolvimento social e profissional do estudante, através da participação direta da instituição de ensino na execução do contrato. Para viabilizar a participação da instituição educacional no estágio, a legislação trouxe a necessidade de o estudante apresentar relatório descritivo das atividades exercidas no período determinado pela instituição, bem como, um acompanhamento do estágio por professor orientador da instituição de ensino ligado ao curso. Ademais, a Lei nº 11.788/2008 determinou, em seu art. 7º, as obrigações da instituição de ensino como parte integrante da relação jurídica havida entre as partes. 9

Vide art. 1° da Lei 11.788/08.

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Vide art. 9° da Lei 11.788/08.

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Quanto aos requisitos de validade do contrato de estágio, as principais inovações trazidas pela Lei do Estágio foram no sentido de limitar a quantidade de estagiários na proporção do número de empregados no estabelecimento, não se aplicando nos casos de estágio de nível superior e médio profissionalizante. Ficou-se ainda, a determinação de cota de 10% do número total de estagiários a ser destinada a estudantes portadores de deficiência e a duração máxima de dois anos na mesma concedente com o objetivo de possibilitar a variação, salvo quando se tratar de estagiário deficiente. No que concerne aos direitos dos estagiários, a Lei nº 11.788/2008 trouxe inovações bastante relevantes, entre as quais se cita, especialmente: o direito a recesso de 30 dias 11, inclusive, proporcionalmente se for o caso e, de preferência que seja concedido no período de férias escolares (art. 13); jornada de trabalho estabelecida nos termos da lei com direito a cumprir meia jornada nos dias em que comprovadamente prestar provas na instituição de ensino e inscrição como segurado facultativo no regime geral de previdência social. Apenas lembrando que não existe assinatura da carteira de trabalho do estagiário. O que poderá ocorrer é fazer constar no campo de anotações da CTPS, a realização do estágio. Com relação à fixação do limite máximo para jornada de trabalho, cita-se o art. 10º e parágrafos da Lei 11.788/08 12: A jornada de atividade em estágio será definida de comum acordo entre a instituição de ensino, a parte concedente e o aluno estagiário ou seu representante legal, devendo constar do termo de compromisso ser compatível com as atividades escolares e não ultrapassar: I – 4 (quatro) horas diárias e 20 (vinte) horas semanais, no caso de estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos; II – 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais, no caso de estudantes do ensino superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular. § 1o O estágio relativo a cursos que alternam teoria e prática, nos períodos em que não estão programadas aulas presenciais, poderá ter jornada de até 40 (quarenta) horas semanais, desde que isso esteja previsto no projeto pedagógico do curso e da instituição de ensino. § 2o Se a instituição de ensino adotar verificações de aprendizagem periódicas ou finais, nos períodos de avaliação, a carga horária do estágio será reduzida pelo menos à metade, segundo estipulado no termo de compromisso, para garantir o bom desempenho do estudante.

Quanto ao número máximo de estagiários por estabelecimento, a lei também trouxe alterações com a finalidade de coibir a banalização e o desvirtuamento do instituto. O legislador determinou, taxativamente, limite para quantidade de estagiários possível em cada estabelecimento, considerando-se o número de funcionários existentes no local. O art. 17 da Lei nº 11.788/2008 13 prevê a seguinte proporção: I – de 1 (um) a 5 (cinco) empregados: 1 (um) estagiário; II – de 6 (seis) a 10 (dez) empregados: até 2 (dois) estagiários; III – de 11 (onze) a 25 (vinte e cinco) empregados: até 5 (cinco) estagiários; IV – acima de 25 (vinte e cinco) empregados: até 20% (vinte por cento) de estagiários.

Por vontade deliberada, o legislador optou por não aplicar o limite citado às concedentes que contratar estagiários de nível superior e médio profissionalizante. Vislumbra-se, outrossim, que a legislação prevê cota de 10% do total de estagiários do local ser preenchidos por estudantes portadores de deficiência com o objetivo de viabilizar a inclusão social e profissional desses estudantes. Frente às modificações e inovações trazidas pela nova lei, algumas ponderações precisam ser feitas no tocante aos deveres que deverão ser assumidos pelas partes envolventes nessa relação trilateral, conforme

O recesso de que trata o artigo 13 da Lei 11.788/08 deverá ser remunerado em si tratando de estagiários que recebam bolsa ou outra forma de contraprestação. (Grifo nosso).

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BRASIL. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L1178.htm. Acesso em: 20 de julho de 2015

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BRASIL. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L1178.htm. Acesso em: 20 de julho de 2015.

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Revista Jurídica Digital RTM faremos em diante. 6 - DEVERES DAS PARTES

A nova Lei de estágio vislumbrou, não apenas impedir a desvirtuação desse tipo contratual, com a consequente banalização dos direitos dos trabalhadores, como também estabelecer os deveres das partes que figuram o estágio. Como deveres da instituição de ensino, a mesma obriga-se, conforme os termos da Lei 11.788/08, em seu artigo 7º: celebrar termo de compromisso com o educando e com a parte concedente; indicar professor orientador para acompanhar as atividades desenvolvidas; exigir do educando relatório periódico das atividades realizadas no estágio, no prazo de até seis meses; zelar pelo cumprimento do termo de compromisso; comunicar a parte concedente das avaliações e do período letivo do estudante; além de elaborar normas complementares que considerar necessário ao melhoramento das disposições contratuais. Já, por sua vez, o art. 9° da Lei n° 11.788/08 elencou as obrigações e suas prerrogativas da parte concedente. Nessa seara, são eles: celebrar termo de compromisso com a instituição de ensino e com o estudante; ofertar instalações que tenham condições de proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social, cultural e profissional; indicar funcionário para orientar e supervisionar até dez estagiários simultaneamente; contratar seguro contra acidentes pessoais ao estagiário; no encerramento do contrato, entregar termo de realização de estágio com indicação resumida das atividades desenvolvidas; manter a disposição da fiscalização documentos que comprovem a relação de estágio; e, por fim, enviar a instituição de ensino, com periodicidade mínima de seis meses, relatório de atividades, com vista obrigatória ao estagiário (art. 9º da Lei 11.788/08). Não se pode deixar de mencionar os deveres que foram estabelecidos aos estudantes no decorrer do contrato de estágio. Os principais deveres do estagiário são: cumprir a proposta pedagógica da instituição de ensino e o plano de estágio; submeter-se ao trabalho de orientação; obedecer às ordens do superior hierárquico no âmbito da instituição concedente, desde que as mesmas não sejam manifestamente ilegais; cumprir as normas referentes à saúde e à segurança do trabalho; apresentar o relatório descritivo de suas atividades, quando este for obrigatório; agir com lealdade e colaboração no ambiente de estágio; e ser assíduo e pontual. Importa salientar que quando o estagiário não estiver cumprindo com as suas obrigações, incumbe ao orientador recomendar à instituição de ensino o afastamento do estudante do programa de estágio. E, como consequência, poderá ocorrer a rescisão do contrato de estágio, haja vista, a falta cometida pelo educando. 7 - QUESTÕES RELEVANTES Com o advento da Nova Lei do Contrato de Estágios, importante realçar questões relevantes que surgem face às modificações introduzidas nessa modalidade contratual. 7.1 Responsabilidade da Instituição de Ensino Existe uma grande preocupação quanto ao objetivo do contrato de estágio, qual seja, o “aprendizado de competências próprias da atividade profissional e a contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho 14”. Contudo, não são raras as desvirtuações do contrato de estágio para fins de mascarar a relação de emprego, tanto que a lei 11.788/08 em muito se preocupou em estabelecer critérios diferenciados que caracterizam um estágio. E mais, deixou claro, em seu artigo 15 que o desrespeito aos ditames da lei ensejaria o reconhecimento do vínculo empregatício. Outra preocupação da nova Lei que mudou as regras do contrato de estágio foi quanto ao estabelecimento o papel da instituição de ensino. Se a instituição de ensino não contiver na previsão do seu projeto pedagógico a prática do estágio, o estudante fica impedido de usufruir da experiência profissional, passo que é de extrema importância para a vida estudantil. O projeto pedagógico acaba por interligar a instituição de ensino à prática profissional do estudante. Por 14

Vide art. 1°, § 2º da Lei 11.788/08.

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óbvio, muitas falhas são praticadas pelas instituições de ensino, como o alto grau de negligência, ou até mesmo, a preocupação excessiva para o cumprimento dos requisitos, mas sem fiscalização a fim de evitar fraudes. As instituições de ensino podem ser equiparadas às empresas intermediárias de mão de obra, pois em muitos casos as instituições se esquecem do objetivo de educar e formar. Dessa forma, mais que necessária atribuir responsabilidade solidária às instituições de ensino com as unidades concedentes de estágio, pois, também, é responsável pelo bom funcionamento e seguimento da lei. As empresas concedentes possuem responsabilidade para com os estudantes e, consequentemente, as instituições de ensino têm as mesmas responsabilidades, pois é sua a obrigação de fiscalizar o ambiente do estágio do estudante, indicar professor orientador, cobrar relatório semestral, cuidar do cumprimento do termo de compromisso, elaborar normas complementares e instrumentos de avaliação, comunicar à parte concedente do estágio, no início do período letivo, das datas de realização de provas ou avaliações, tal como explicitado anteriormente quando falamos dos deveres das partes envolvidas. Porquanto, inobstante a nova lei não mencionar a responsabilidade das instituições de ensino, a jurisprudência tem decidido pela responsabilidade solidária, quando demonstrado o conluio para a exploração da mão-deobra. Isso porque a fraude às normas constitui ilícito trabalhista, gerando prejuízo ao trabalhador estagiário, surge a possibilidade de responsabilização solidária de ambos os agentes, conforme artigo 9º da CLT. Portanto, a interveniência dos três sujeitos é obrigatória na relação de estágio, consequentemente, a ausência de qualquer um deles trás nulidade ao contrato. Nesse sentido, Carmen Caminho, entende que a responsabilização da unidade cedente e da instituição de ensino pode ser considerada solidária, mediante o disposto no artigo 9° da CLT, conforme já descrito. Assim, posiciona-se a esse respeito 15: Temos sustentado, com fundamento do art. 1518 do Código Civil, a possibilidade de responsabilização solidária da escola e do sujeito-cedente quando demonstrado o conluio para a exploração pura e simples da força de trabalho do estudante. A fraude às normas tutelares constituem o ilícito trabalhista, agasalhado no art. 9º da CLT, daí a possibilidade de responsabilização solidária de ambos os agentes que, em concurso, ensejam o prejuízo do trabalhador, travestido de “estagiário”. Tal responsabilidade pode se estender, inclusive, ao agente de integração, se provado que este também concorreu para a ilicitude.(g.n)

Diante disso, torna-se necessário tecer algumas considerações acerca da desvirtuação do contrato de estágio. 7.2 Desvirtuação do Contrato de Estágio O contrato de estágio, em muitos casos, é um verdadeiro meio de burlar a legislação trabalhista, insurgindo em “pseudocontratos”. Afinal, o vínculo de estágio é apenas uma forma do tomador de serviços usufruir de uma mão-de-obra mais barata, sem as despesas trabalhistas e previdenciárias devidas. Assim dispõe Maurício Godinho Delgado16 : Frustradas, entretanto, a causa e a destinação nobres do vínculo estagiário formado, transmutando-se sua prática real em simples utilização menos onerosa de força de trabalho, sem qualquer efetivo ganho educacional para o estudante, esvai-se o tratamento legal especialíssimo antes conferido, prevalecendo, em todos os seus termos, o reconhecimento do vínculo empregatício.

Percebe-se que a nova Lei de estágio trata detalhadamente da relação de estágio, buscando evitar a desvirtuação do instituto. Por conseguinte, faz alusão à fraude de forma expressa, prevendo o vínculo empregatício, e os encargos trabalhistas e previdenciários pertinentes. O artigo 15 da Lei 11.788/08 17preceitua nos casos de fraude na contratação o reconhecimento do vínculo 15

REVISTA LTr 60-65/635. Jurisprudência. Dra. Carmen Caminho – Juíza do TRT da 4ª Região. 2008.p. 35.

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DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTR, 2010.p. 324.

BRASIL. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ Ato2007-2010/2008/Lei/L1178.htm. Acesso em: 20 de julho de 2015.

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Revista Jurídica Digital RTM empregatício e a punição à empresa concedente:

Art. 15. A manutenção de estagiários em desconformidade com esta Lei caracteriza vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária. § 1o A instituição privada ou pública que reincidir na irregularidade de que trata este artigo ficará impedida de receber estagiários por 2 (dois) anos, contados da data da decisão definitiva do processo administrativo correspondente. § 2o A penalidade de que trata o § 1o deste artigo limita-se à filial ou agência em que for cometida a irregularidade.

Nesse mesmo entendimento seguem algumas decisões do Tribunal Regional do Trabalho, deixando clarividente que, desvirtuada as finalidades de um contrato de estágio, a relação que se estabelece é, de fato, relação de emprego. Vejamos os recentes julgados abaixo: EMENTA: CONTRATO DE ESTÁGIO X CONTRATO DE EMPREGO. De acordo o artigo 15 da Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, o contrato de estágio pressupõe a observância de regras de forma e de fundo, sem as quais fica caracterizado o vínculo empregatício. Os requisitos formais estão ligados às partes envolvidas (educando-trabalhador, tomador dos serviços e instituição de ensino), à documentação pertinente a essa vinculação especial (termo de estágio, relatórios periódicos etc.), e às demais obrigações a serem cumpridas pelo tomador dos serviços (contratação de seguro de acidentes pessoais, entre outras). Os requisitos materiais, por sua vez, estão ligados ao conteúdo do estágio e à sua finalidade pedagógica. Nesse segundo aspecto (requisitos materiais) habitam as questões mais sutis do estágio, e nele se impõe a necessidade inexorável de preparar o educando para o trabalho, na estrita área de sua formação. A empresa que abriga o estagiário em suas dependências deve proporcionar ao estudante um ambiente educativo, preparando-o para o trabalho produtivo, sempre com acompanhamento e supervisão, tudo em consonância com a sua área de aprendizagem. Em contrapartida, o empregador, partícipe da realização desses objetivos, recebe o benefício legal do não reconhecimento da figura do estágio como relação de emprego, embora presentes todos os requisitos (pessoa física, pessoalidade, onerosidade, subordinação e não eventualidade), ficando isento dos custos típicos de um contrato celetista. Assim, considerando o intuito maior do estágio, apenas não será reconhecido o vínculo empregatício acaso se observem os requisitos formais e materiais desse contrato especialíssimo. Caso contrário, o reconhecimento do vínculo de emprego é mera consequência 18. EMENTA: CONTRATO DE ESTÁGIO. NULIDADE. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. O estágio, nos termos do artigo 1º da Lei nº 11.788/08, “é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos (...)”. Ele tem por objetivo precípuo proporcionar ao estagiário o aprendizado de todas as competências próprias da atividade profissional, bem como a contextualização curricular, sempre buscando o desenvolvimento para a vida cidadã e para o trabalho (§ 2º do art. 1º da Lei de Estágio). Por ser contrato especial de trabalho, para que seja considerado válido, torna-se imprescindível o preenchimento de todos os requisitos previstos na Lei nº 11.788/08, sob pena de configuração do vínculo empregatício comum, sobretudo diante do fato de que entendimento contrário possibilitaria inevitável precarização das relações trabalhistas, o que não é possível, nos moldes previstos pelo artigo 9º da CLT. Se, no caso dos autos, não houve o cumprimento de todos os requisitos pertinentes ao contrato de estágio, tendo, ao revés, demonstrado-se a existência de real liame empregatício, necessário se torna o reconhecimento do vínculo de emprego no período do suposto estágio, com fulcro nos artigos 3º, §2º, da Lei 11.788/2008 e 2º, 3º e 9º da CLT19 .

Afinal, o assunto ainda na atualidade é muito polêmico, se analisado a tênue linha que separa um contrato de estágio de uma relação de emprego, fazendo-se propícia à celebração de inúmeros contratos fraudulentos, que visam burlar a legislação trabalhista. A vantagem emanada de um contrato de estágio desvirtuado impede a aplicação das normas atinentes ao contrato, cujo reconhecimento se impõe. É lamentável a nítida precarização do emprego e a desvalorização do empregado. 7.2 Contrato de Estágio na Administração Pública O contrato de estágio pode ocorrer não só no âmbito da iniciativa privada, como também no âmbito da Administração Pública. A nova lei do Estágio prevê no artigo 9º que os órgãos da Administração Pública direta, autárquica e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios podem oferecer estágios. Assim, há aplicação da Lei 11.788/2008 para os contratos celebrados com a Administração Pública. TRT da 3.ª Região; Processo: 00686-2014-010-03-00-3 RO; Data de Publicação: 17/07/2015 (DEJT); Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator: Luiz Otavio Linhares Renault; Revisor: Emerson Jose Alves Lage.

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TRT da 3.ª Região; Processo: 01286-2013-129-03-00-7 RO; Data de Publicação: 14/07/2015 (DEJT); Órgão Julgador: Oitava Turma; Relator: Marcio Ribeiro do Valle; Revisor: Sércio da Silva Peçanha.

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Após a publicação dessa nova lei, o MPU publicou a Portaria n. 567/2008, que prevê a realização de processo seletivo para estagiários. Senão vejamos o que alude o art. 5º dessa Portaria 20: O recrutamento dos estagiários dar-se-á por meio de processo seletivo, divulgado, pelo prazo mínimo de 3 (três) dias, na unidade que o realizará, bem como no site do respectivos ramos do Ministério Público da União e, ainda nas sedes das instituições de ensino conveniadas.

Pois bem, embora os princípios da legalidade e moralidade devam permear a administração pública, a situação neste setor se mostra ainda mais tormentosa pelo fato de desvirtuado o contrato de estágio, eis que não será declarado o vínculo trabalhista, afinal, o art. 37, inciso II, da Constituição Federal de 198821 , dispõe in verbis: A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

A consequência desse contrato fraudulento de estágio, ao invés de reconhecer o vínculo empregatício, bem como o pagamento de todas as verbas trabalhistas, será apenas o pagamento do saldo de salário e depósitos do FGTS, por força da súmula 363 do TST22 : Súmula 363. Contrato nulo. Efeitos. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II, e § 2°, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitando o valor da hora do salário-mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.

Por fim, importante frisar que a instituição pública que reincidir na irregularidade ficará impedida de receber estagiários por dois anos, a contar da data da decisão definitiva do processo administrativo (art. 15, § 1º da Lei 11.788/08). 7.4 Da aplicação das normas de segurança e saúde no Contrato de Estágio Outra grande polêmica que circunda os contratos de estágio diz respeito ao pagamento dos adicionais de insalubridade e periculosidade em razão da cláusula de interpretação ampla prevista no artigo 14 da Lei 11.788/0823 , que assim dispõe: Art. 14. Aplica-se ao estagiário a legislação relacionada à saúde e segurança no trabalho, sendo sua implementação de responsabilidade da parte concedente do estágio.

Pela simples interpretação literal e sistemática abstraímos que o contrato de estágio se submete à todas as normas de saúde e segurança do trabalho. A própria CLT possui um capítulo específico acerca da proteção atinente à Segurança e Medicina do Trabalho em sua Seção VIII, em seus artigos 154 a 201. Portanto, sob a mesma interpretação literal não se aplicaria a norma celetista sob o aspecto de que estas se direcionariam apenas aos EMPREGADOS e não aos TRABALHADORES em geral como os ESTAGIÁRIOS que possuem regulamentação específica. Conforme já exposto alhures, somente na hipótese de desvirtuação ou fraude do contrato de estágio se aplicaria as normas atinentes ao contrato de emprego e, por conseguinte a CLT, esta inclusive é hoje a posição majoritária da doutrina e da jurisprudência.

BRASIL. Portaria n. 567/2008. Regulamenta o Programa de Estágio no âmbito do Ministério Público da União e dá outras providências. Disponível em http://www2.prsc.mpf.gov.br/conteudo/servicos/concursos/arquivos/portaria-567-2008-seus-anexos. pdf. Acesso em: 20 de julho de 2015.

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BRASIL. Constituição Federal de 1988. Vade Mecum Saraiva. Colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. – 3. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012.

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BRASIL. Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho. 12ª ed. Saraiva. São Paulo. 2011.

BRASIL. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ Ato2007-2010/2008/Lei/L1178.htm. Acesso em: 20 de julho de 2015.

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Contudo, a interpretação deve ser feita sob a ótica constitucional ao passo que a Constituição, situada no ápice do sistema, exerce uma força vinculante nas normas inferiores. Neste diapasão a norma constitucional impõe em seu artigo 7º, XXII a obrigação expressa de observância às normas de saúde higiene e segurança no trabalho sem qualquer tipo de discriminação se relação de emprego ou trabalho, senão vejamos: XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

Sobre a observância das normas à luz constitucional posiciona-se Canotilho 24: A lógica é a lógica da pirâmide geométrica. A ordem jurídica estrutura-se em termos verticais, de forma escalonada, situando-se a constituição como vértice da pirâmide. Em virtude desta posição hierárquica ela atua como fonte de outras normas. No seu conjunto, a ordem jurídica é uma “derivação normativa” a partir da norma hierarquicamente superior, mesmo que se admita algum espaço criador às instâncias hierarquicamente inferiores quando concretizam as normas superiores.

Sendo o estágio um ato educativo supervisionado desenvolvido no ambiente de trabalho, sob o enfoque da Lei 11.788/08, é nítida a sua covalência constitucional com o artigo 205 da CR/88 25 que assim dispõe: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (g.n)

É claro, portanto o interesse do constituinte em valorizar a educação e a qualificação para o trabalho e, por conseguinte os elementos que consolidam o contrato de estágio como forma de emancipação do ser humano. Superada a condição constitucional do contrato de estágio sob a égide da educação como elemento de qualificação para o trabalho não podemos deixar de analisar o próprio personagem da relação em voga, ou seja, o estagiário, o qual tem a garantia de observância ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois antes de trabalhador ele é ser humano. Ingo Wolfgan citando Kant não deixa dúvidas da correlação entre o referido princípio e o estagiário 26: [...] o Homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim.

Portanto, no contexto acima citado, em uma leitura constitucional da norma 11.788/2008 concomitante com a CLT não se tem dúvidas de que o estagiário passa também a fazer jus ao adicional de insalubridade e ao adicional de periculosidade, haja vista que os artigos 189 e 193 estão entre as normas de saúde e segurança do trabalho, aplicáveis por força do artigo 14 da Lei de estágio. Além do pagamento dos adicionais supracitados, todas as demais normas de segurança e saúde ocupacional devem ser observadas, como o fornecimento de EPI’s, condições dignas e ergonômicas de trabalho dentre outras. E não poderia ser diferente pois inúmeras são as profissões que são expostas por agentes insalubres por natureza, como diversos ramos da engenharia, e tal fato não poderia impedir o exercício do estágio, sob pena de macular a própria constituição como vimos anteriormente. Outro ponto nebuloso que ainda não possui solução seria sobre a base de cálculo para apuração do adicional de insalubridade ou periculosidade.

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CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 7º ed. 4 reimp. Coimbra: Almedina, 2003.p. 1151.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Vade Mecum Saraiva. Colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. – 3. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012.

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BRASIL. Constituição Federal de 1988. Vade Mecum Saraiva. Colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. – 3. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012.

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O artigo 7º, inciso XXIII da CR/88 27 o qual seria o ponto de partida para a solução da polêmica é categórico ao tratar a base de cálculo com base na REMUNERAÇÃO, senão vejamos: XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

Contudo a Lei 11.788/2008 preceitua em seu artigo 12 28 que o estagiário receberá uma BOLSA, a qual não se confunde em tese com a REMUNERAÇÃO que é derivada de uma relação de emprego. Art. 12. O estagiário poderá receber bolsa ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada, sendo compulsória a sua concessão, bem como a do auxílio-transporte, na hipótese de estágio não obrigatório.

É certo que o direito não pode deixar de existir ou ser aplicado por ausência de operacionalidade e neste caso não é diferente, porque suprimir o direito do estagiário em receber os adicionais de periculosidade e insalubridade apenas por não haver determinação expressa quanto a base de cálculo. Assim sendo, o correto seria a interpretação da remuneração como base de cálculo para o pagamento do referido adicional, até mesmo porque o legislador não utiliza a nomenclatura REMUNERAÇÃO em sua literalidade, caso contrário não haveria controvérsia sobre o pagamento do adicional de insalubridade com base no salário mínimo. Portanto, a nosso ver, a remuneração tratada no inciso XXIII do artigo 7º da CR/88 não trata da remuneração strito sensu da relação de emprego, mas à contraprestação pelo TRABALHO prestado, e nesta forma estenderia à bolsa recebida pelo estagiário. 7.5 Das estabilidades e proteções nos Contratos de Estágios Outra questão polêmica diz respeito às estabilidades e demais proteções inerentes à continuidade do contrato de estágio. Primeiramente às estabilidades previstas na CLT não se aplicariam ao contrato de estágio por se tratarem diretamente à relação de emprego como no caso de membros da CIPA, dirigentes sindicais, situações inclusive atípicas ao contrato em tela. No entanto, duas situações merecem destaque, dentre elas a estabilidade decorrente da gravidez e de doença ocupacional ou acidente. Por se tratarem de garantias constitucionais seriam plenamente aplicáveis à espécie por serem diretamente ligadas à questões inerentes a saúde e segurança do trabalhador conforme já tratado no tópico anterior. Neste aspecto, apesar da disposição expressa na norma acerca de tais estabilidades serem decorrentes da relação de emprego, pelos princípios já tratados, mormente o da dignidade da pessoa humana, não há o que se falar em impossibilidade de aplicação ao contrato de estágio eis que o receptor da garantia é antes de tudo um ser humano. Logo, a nosso ver não há dúvidas de que as situações acima elencadas são plenamente aplicáveis ao contrato de estágio, principalmente sob o aspecto do acidente do trabalho, por ser tal instituto diretamente ligado à saúde e segurança ocupacional e ter a previsão expressa na Lei do Estágio de que o Contratante é responsável pela observância de tal condição. Quanto à proteção à dispensa arbitrária, não se tem exatamente uma polêmica, mas uma perversão da própria norma que não traz em seu bojo qualquer previsão neste aspecto, permitindo, portanto a rescisão unilateral. É certo que o contrato de estágio não se confunde com uma relação de emprego e, por conseguinte, não goza da prerrogativa que veda a dispensa arbitrária, o que pode levar o operador do direito à falsa assertiva de que o contrato pode ser rescindido a qualquer tempo. No entanto, face ao princípio da continuidade da relação de trabalho, bem como na Lei Civil a resilição não pode ser feita de maneira indiscriminada. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Vade Mecum Saraiva. Colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. – 3. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012.

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BRASIL. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L1178.htm. Acesso em: 20 de julho de 2015.

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Revista Jurídica Digital RTM É o que se denota inclusive pelo teor do artigo 473 do Código Civil 29:

Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

O estagiário, portanto, como parte hipossuficiente da relação, deve ser protegido contra a referida rescisão prematura de seu contrato face aos princípios supracitados e à própria norma. 7.6 O Contrato de Estágio no Ensino Médio Mais um ponto que merece reflexão diz respeito ao estagiário estudante do ensino médio regular, ou seja, aquele que não cursa matérias de caráter profissionalizante. A norma em análise dispõe as várias modalidades de estágio, dentre elas a do ensino médio, conforme previsto no art. 1º da Lei 11.788/8830 : Art. 1o Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos. (g.n)

Neste ponto, alguns doutrinadores colocam em questão o próprio instituto em razão da inclusão de referidos alunos eis que em relação a esses estagiários a consecução do objetivo pedagógico é plenamente questionável pela ausência de formação profissional. O professor Jair Teixeira dos Santos31 : Justifica-se a exclusão tendo em vista o objetivo do estágio, que é, repita-se, oferecer ao estudante a complementação, na forma de treinamento prático, do ensino ministrado teoricamente na instituição de ensino. A ausência de disciplina profissionalizante na grade curricular do curso de ensino médio impede a realização do estágio porque desta forma não há o que aperfeiçoar tecnicamente em complementação à teoria.

De fato, sob a ótica objetiva da norma tem-se uma mácula no pressuposto de formação profissional, mas não se tem dúvidas do caráter social e inclusivo do jovem trabalhador no mercado de trabalho. Tal situação pode ser perversa do ponto de vista da precarização mas deve ser analisado o caso concreto para concluir se existe ou não desvirtuamento do estágio, principalmente sob o prisma da parte final do artigo 2º da norma em tela no sentido que o estágio objetiva o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho. 8 - CONCLUSÃO Após o estudo desenvolvido é possível concluir que o contrato de estágio, se aproxima, em muito, do contrato individual de trabalho, submetendo os estagiários/estudantes, aos elementos da relação empregatícia. Entretanto, cumpre ressaltar que o liame existente entre o contrato de estágio e o contrato de trabalho é rompido diante da plena e efetiva observância dos requisitos formais e materiais existentes na relação de estágio, requisitos estes previstos na Lei 11.788/2008, amplamente abordada alhures. Ainda, pela análise da matéria trazida à baila, é possível verificar que o contrato de estágio é tratado de forma especial pelo ordenamento jurídico brasileiro, notadamente diante do protecionismo com relação ao estagiário/estudante, que se encontra no núcleo da tríade: instituição de ensino – estudante – empresa. Ademais, frise-se que, o tratamento especial, anteriormente informado, deve ser amplo e irrestritamente observado, evitando-se a desvirtuação dos referidos contratos, que poderiam colocar os estagiários em uma teia tal que os tornariam verdadeiros “empregados”. BRASIL. Código Civil de 2002. Vade Mecum Saraiva. Colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. – 3. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012.

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BRASIL. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ Ato2007-2010/2008/Lei/L1178.htm. Acesso em: 20 de julho de 2015.

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SANTOS, Jair Teixeira dos. Desafios Atuais da Inspeção do Trabalho: A formação dos blocos regionais (ALCA e MERCOSUL) e as reformas trabalhistas e sindical. RT: São Paulo, 2005. Pág 147.

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Assim, com relação ao estagiário, propriamente dito, tem-se que as relações instituídas pela Lei 11.788/2008 têm a finalidade de possibilitar ao estudante um aperfeiçoamento técnico e prático através do contato direto com as diretrizes da profissão escolhida. Por outro lado, as empresas podem contar com mais um colaborador, que por sua vez está totalmente engajado no empreendimento para o qual está se qualificando profissionalmente, sendo certo, ainda, que não há a necessidade de se arcar com os custos e encargos provenientes de um contrato de trabalho. Dessa forma, resta claro que o ordenamento jurídico pátrio, não obstante todas as subversões com relação ao contrato de estágio, visa tão somente a proteção, bem como a inserção do estagiário/estudante no mercado de trabalho, de forma a qualificá-lo para a profissão escolhida, lhe propiciando a ampliação de seu campo de experiências e permitindo a transição entre a vida acadêmica e a profissional, atenuando a referida transição que é, sem sombra de dúvidas, base de emancipação e autonomia do estudante. 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTR, 2007. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Vade Mecum Saraiva. Colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. – 3. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012. BRASIL. Código Civil de 2002. Vade Mecum Saraiva. Colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. – 3. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012 BRASIL. Consolidação das Leis de Trabalho. Vade Mecum Saraiva. Colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. – 3. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2007. BRASIL. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L1178.htm. Acesso em: 20 de julho de 2015. BRASIL. Portaria n. 567/2008. Regulamenta o Programa de Estágio no âmbito do Ministério Público da União e dá outras providências. Disponível em http://www2.prsc.mpf.gov.br/conteudo/servicos/concursos/arquivos/portaria-567-2008-seus-anexos.pdf. Acesso em: 20 de julho de 2015.. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Vade Mecum Saraiva. Colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. – 3. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012. TRT da 3.ª Região; Processo: 00686-2014-010-03-00-3 RO; Data de Publicação: 17/07/2015 (DEJT); Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator Luiz Otavio Linhares Renault; Revisor: Emerson Jose Alves Lage. TRT da 3.ª Região; Processo: 01286-2013-129-03-00-7 RO; Data de Publicação: 14/07/2015 (DEJT); Órgão Julgador: Oitava Turma; Relator: Marcio Ribeiro do Valle; Revisor: Sércio da Silva Peçanha. BUTTLER, Andréa. O Novíssimo Contrato de Estágio. Revista LTR. V. 73, nº 02, p. 191-198, fev. 2009. Cartilha esclarecedora sobre a lei do estágio: lei n.º 11.788/2008. Brasília: TEM, SPPE, DPJ, CGPI, 2008. Disponível em: http://www.mte.gov.br/politicas-juventude/cartilha_lei_estagio.pdp. Acesso em: 20 de julho de 2015.. CRUZ, Carlos Gonçalves da. SILVA, Caroline Thaís Salomé de Oliveira. Contrato de Estágio ou de Emprego? Advocacia em Foco: A Revista do Estagiário da OAB. Ano 01. Edição 01, p. 38. Belo Horizonte: Educação e Cultura, 2009. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. Vol. 3. ed. 5. São Paulo: Saraiva, 2008. MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. Op. Cit.1999. MAIOR, Jorge Luiz Souto. Relação de Emprego & Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 2007 MARTINS, Eduardo Antônio Kremer. O Contrato de Estágio como Mecanismo de Fraude à Legislação Trabalhista. Disponível em <http://www.artigonal.com/doutrina-artigos/o-contrato-de-estagio-como-mecanismo-de-fraude-a-legislacao-trabalhista-563136.html> . Publicado em: set. 2008. Acesso em: 20 de julho de 2015. PAULA, Pedro Delgado de; Contrato de estágio como meio fraudulento de contrato de trabalho. Disponível em:

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PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. A Lei 11.788/08 e o Novo Regramento das Relações de Estágio a Luz dos Direitos Fundamentais Trabalhistas. O Trabalho. Encarte das Revista Trabalho em Revista. V. 27, nº 141, p. 4714-4722. SANTOS, Jair Teixeira dos. Desafios Atuais da Inspeção do Trabalho: A formação dos blocos regionais (ALCA e MERCOSUL) e as reformas trabalhistas e sindical. RT: São Paulo, 2005. Pág 147 SANTOS, Juscelindo Vieira dos. Contrato de Estágio: subemprego aberto e disfarçado. São Paulo: LTR, 2006. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa e Direitos Fundamentais na Constituição Federativa de 1988. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 33. SOBRINHO, Zéu Palmeira. O Contrato de Estágio e as Inovações da Lei nº 11.788/2008. o São Paulo: LTR – Revista: Legislação do Trabalho. V. 72, nº 10, p. 1173-1188, out. 2008. SOUZA, Ailton Borges de. Contrato de Estágio à Luz da Legislação – Análise da sua Aplicabilidade nos Cursos de Mestrado em Instituição de Ensino Particular. Justiça do Trabalho – Caderno.

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Revista Jurídica Digital RTM INCLUSÃO DA COMUNIDADE LGBTI NAS RELAÇÕES DE TRABALHO. OS ESCÂNDALOS COM OS QUAIS NOS ACOSTUMAMOS? Ellen Mara Ferraz Hazan.

Sumário: Introdução; Trabalho; O Mundo do Trabalho; O Direito do Trabalho; A Situação Atual da Comunidade LGBTI no mundo do trabalho. A luta social como ação afirmativa. Considerações finais. “QUE NADA NOS LIMITE; QUE NADA NOS DEFINA; QUE NADA NOS SUJEITE; QUE A LIBERDADE SEJA A NOSSA PRÓPRIA SUBSTÂNCIA”.

(Simone de Beauvoir) Introdução. O mais escandaloso dos escândalos é o que nos habituamos a ele. (SB). Nossa sociedade se habituou a definir o homem como ser humano; a mulher como fêmea; os LGBTI como doentes e, quando qualquer um de nós comporta-se como homem (dentro da concepção da sociedade), é acusado de imitar o outro. Ao termos uma atitude considerada exclusiva do homem somos imitadores de machos. Ao termos uma atitude considerada exclusiva da mulher, somos imitadores de fêmeas (no sentido pejorativo vez que ser mulher é pejorativo para toda sociedade machista). Ao termos uma atitude que não se parece nem com a de homem nem com a de fêmea, somos chamados de perversos. Em nenhuma de nossas possibilidades, alcançamos a categoria de seres humanos na visão dessa sociedade machista e sectária. E nós somos seres humanos!!!! Somos Sim! Nossa subjetividade não é aceita; nossas diferenças também não. Na verdade deixam de nos considerar seres humanos para nos considerar negros, índios, fêmeas, gays, pobres, ignorantes e outros... E muitos de nós passamos a acreditar nessa ilógica maldita. Um escândalo com o qual habituamos!!!! ??? A sociedade diz reprovar a mentira, mas ela foge cuidadosamente da verdade e nos nega a liberdade inerente a todos os seres humanos. Fugir da verdade é mentira também! Sobrevivemos em uma sociedade da hipocrisia, da falta de solidariedade, da estratificação, da discriminação, da ausência de moral e de ética, da zombaria assediadora e de consumismo. E nós, pelo bem de tudo que construímos e lutamos, por todos que morreram defendendo o que defendemos, devemos aprender e ensinar, a todos e todas que nascemos humanos. Nascemos humanos e nos tornamos a nossa substância. E a nossa substância, é a nossa liberdade! Nossa luta inclui sair dos padrões impostos pela sociedade que se construiu pela moral cristã, baseada em Adão, Eva e a Serpente. Temos que romper com os padrões: preto/branco; homem/mulher; Devemos construir na luta, todos os tons de rosa entre as cores vermelha e branca e todas as possibilidades de sermos felizes como seres humanos. O masculino não pode seguir sendo o tudo, o teto e; o feminino sendo o nada, o piso. Porque entre *Ellen Mara Ferraz Hazan. Advogada, Mestre em Direito do Trabalho pela PUCMG,autora de artigos e livros, professora convidada da Faculdade de Direito de Coimbra, Portugal e da Faculdade,de Direito Mandume Ya Ndemofayo, Angola, Diretora da,CAAMG e Vice-Presidente da AMAT.

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o nosso planeta e o universo existem mais possibilidades do que podemos conhecer e nas questões sexual, emocional e afetiva, existem mais possibilidades do que podemos imaginar. Somos seres humanos e, como humanos simplesmente SOMOS! É dentro desta visão que pretendemos tratar do tema : INCLUSÃO DA COMUNIDADE LGBTI NAS RELAÇÕES DE TRABALHO. Que mundo é esse, o do trabalho? Na tentativa de entender o mundo do trabalho, vejamos o que vem a ser o trabalho. Trabalho. A questão vinculada ao trabalho humano, seu sentido ético, seu significado social, seu valor, sua finalidade, são questões que desde tempos imemoriais vêm rolando pelos corredores da história, suscitando estudos, pesquisas, pronunciamentos e reflexos não só de “juristas”, mas de filósofos, religiosos, sociólogos, economistas e outros. O conceito ainda é polêmico, porém, é certo que o trabalho do ser humano sempre foi visto à luz de pelo menos dois enfoques diversos e até mesmo contraditórios. Um, concebe o trabalho como fonte de libertação, fator de cultura, progresso, realização pessoal, além de instrumento de paz social, de bem estar coletivo e dominação racional do universo, sob a ótica do GÊNESIS: “ PROLIFICAI-VOS E POVOAI A TERRA; SUBMETEI-A E DOMINAI SOBRE OS PEIXES DO MAR E SOBRE AS AVES DO CÉU E SOBRE TODOS OS ANIMIAS QUE SE MOVEM SOBRE A TERRA”. ( Gen. 1,28) É uma ótica pouco ecológica, convenhamos, mas nesta concepção, o trabalho dá ao ser humano inegável dignidade, vez que o coloca como administrador de todo o orbe, dando a ele evidente privilégio em relação aos demais seres do planeta, pois apenas o humano pode realizar trabalho com discernimento e liberdade, transformando o planeta em riquezas úteis. Outro concebe o trabalho como uma punição, uma expiação, um fardo ou castigo imposto ao homem decaído, como forma de puni-lo por seus erros e desobediências: “PORQUE DESTE OUVIDO À VOZ DE TUA MULHER E COMESTE DA ÁRVORE QUE EU HAVIA PROIBIDO COMER, A TERRA SERÁ MALDITA POR TUA CAUSA; COM TRABALHO PENOSO TIRARÁS DELA O ALIMENTO TODOS OS DIAS DE TUA VIDA. PRODUZIR-TE-Á ABROLHOS E ESPINHOS E NUTRIR-TE-AS COM AS ERVAS DO CAMPO; COMERÁS O PÃO COM O SUOR DA TUA FRONTE”( Gen. 3,17-19). Apesar desses enfoques aparentemente divergentes, se pensarmos bem, eles não se contradizem nem mesmo na perspectiva da Bíblia. Para o evangelho, o trabalho é castigo, sim, mas purificante, libertador, ungido de dignidade. Uma espécie de cadinho d’alma pelo qual se afugenta o ócio se exercita a criatividade e se fertiliza a solidariedade entre os homens. É maneira de se cambiar, de forma permanente bens e serviços e se livrar do tal “pecado original”. O ser humano, pelo visto, trabalha desde que foi criado, segundo a Bíblia, antes mesmo de haver desobedecido ao criador: “TOMOU POIS O SENHOR DEUS O HOMEM E O COLOCOU NO JARDIM DO ÉDEN PARA CULTIVÁ-LO E GUARDÁ-LO”( Gen. 2,15). Segundo alguns autores a diferença esta em que, antes do ser humano ser expulso do paraíso, o trabalho era alegre e sem fadigas, tornando-se penoso somente após a desobediência de Adão e Eva. Já o conceito econômico de trabalho está ligado intimamente com a utilidade do trabalho realizado, pelo que deverá ele se prestar para satisfazer solicitações humanas, atender ao que o ser humano precisa para manter-se, sobreviver. Em economia, então, o trabalho do homem deve traduzir um resultado útil, prático, ou seja, UTILIDADE ECONÔMICA. Dai os economistas afirmarem que “ TRABALHO É TODA ENERGIA HUMANA QUE, EM CONSÓRCIO COM OS DEMAIS FATORES DE PRODUÇÃO - NATUREZA E CAPITAL - É EMPREGADO COM FINALIDADE LUCRATIVA.” 83


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O trabalho gera lucro! Se não gerar lucro, não é considerado trabalho, para os economistas. A perspectiva bíblica para esse enfoque está em que Caim e Abel são irmãos, mas Caim é o homem rico dono do capital. Em filosofia o conceito de trabalho é muito debatido. A atividade humana é muito ampla, extensa, multifacetada, rica de manifestações e de singularidades desenvolvendo-se numa simbiose complexa, harmônica. Assim, o trabalho pode ser considerado castigo, pena, fardo, encargo; ou privilégio, dignificação, instrumento de transformação útil de riquezas do planeta; ou ainda, fator de redenção humana. Para a filosofia, considera-se que trabalho é toda atividade realizada em proveito do ser humano. É todo empenho de energia humana voltado para acudir a realização de um fim de interesse dos seres humanos ( Johannes Haessle). No direito, trabalho tem um conceito jurídico - é aquele realizado de forma voluntária e consciente pelo ser humano, colimando um fim socialmente útil. Assim, o trabalho precisa ter um conteúdo lícito, uma dimensão ética, já que não é um fim em si mesmo, pois carrega uma hipoteca social, que é o atendimento de necessidades humanas. Por consequência, há de ser ele valorável e socialmente proveitoso. Não necessariamente produtivo, economicamente falando. E mais, o direito do trabalho apenas se ocupa com o trabalho subordinado, ou seja, aquele em que alguém coloca suas energias em favor de outra pessoa, trabalhando sob as ordens dela. Podemos assim, afirmar que o trabalho, juridicamente considerado é: ... toda atividade humana lícita que, sob dependência de outrem, é realizada com intuito de ganho. (pelo menos o próprio sustento) A relação jurídica por ele regulada deve ser onerosa. Mas o mundo do trabalho nem sempre foi assim. Ao analisarmos a história da humanidade verificamos que o trabalho, na escravidão, na servidão e nos idos do surgimento da era industrial, era realizado sem qualquer tipo de liberdade, proteção ou ganho. O trabalho, juridicamente considerado, não surgiu do nada. Não caiu do céu e nem foi fruto da suposta bondade dos nossos governantes e legisladores. Ele é fruto da luta de classes. O sistema que se instalou após a Revolução Francesa, o Capitalismo, cuja origem é liberal ( cuja regra é cada um por si e salve-se quem puder – lei da oferta e da procura), jamais quis reconhecer o trabalhador como cidadão, sujeito não só de obrigações, mas também de direitos. A exploração dos despossuídos (trabalhadores) fez com que eles se sentissem iguais (na exploração, na fome, na penúria, na vida e na morte). Ao se sentirem seres humanos que compunham uma classe, resolveram que não podiam mais ficar sob o comando de quem tinha posses e propriedades. A luta foi ferrenha. De 1880 a 1946 tivemos greves, mortes, extradições, revoluções, duas guerras mundiais que vieram a demonstrar que o sistema capitalista não era capaz de fazer com que o mundo e as pessoas vivessem em paz. A classe trabalhadora passou, então, a lutar pelo poder político a fim de estabelecer uma sociedade sem explorados e sem exploradores. Foi essa luta, política e ideológica, decorrente da solidariedade e do sentimento de classe e união que fizeram o sistema capitalista de então, ficar com medo de perder o poder. Preferiram entregar os anéis para não perderem os dedos! E a única forma que vislumbraram para continuar no poder e impedir a vitória da classe trabalhadora, foi inserir o trabalhador na categoria de ser humano (deixando de ser mercadoria), sujeito a direitos e obrigações, na lei. A classe trabalhadora, a partir do momento que se sentiu inserida à lógica do capital, no direito, na lei e... gostou! Concedeu a paz e a calma que o sistema capitalista necessitava para continuar no poder e passou a aceitar ser explorado pelo capital, desta feita, com um mínimo de direito e com uma suposta dignidade. Foi, então, a partir de 1945 que a lei reconheceu que os trabalhadores eram seres humanos e que deveriam 84


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ter uma legislação própria. Através da lei é que se controla o povo! A mesma lei que liberta, prende! O direito é poder e quem está no poder, manda no direito, salvo quando ameaçado de perder o poder. Essa é a regra do capital! Um dos escândalos ao qual nos acostumamos!!! ??? O mundo do trabalho Que mundo é esse onde queremos ser incluídos? No mundo que nos explora, não tenho dúvidas, mas através de uma exploração, se é que é possível dizer assim, razoável. Queremos ser sujeitos de direito e de obrigações, mesmo que subordinados à vontade do capital. Queremos ser explorados? É isso? Infelizmente é isso, vez que essa foi a maneira que nos ensinaram a sobreviver. No mundo capitalista só existem duas formas de sobrevivência: ou você é dono do dinheiro (capital) ou você trabalha para o dono do dinheiro (trabalho). - Esse é o limite que o sistema impõe sobre a nossa liberdade! Em razão disso, existem apenas duas classes na nossa sociedade: a do capital e a do trabalho, apesar das centenas de estratificações propostas pelo poder como (classe baixa, classe média baixa, média media, media alta, A, B, C, D. dentre outras). Essas duas únicas classes são antagônicas. Possuem interesses conflitantes e jamais poderão ser parceiras. O trabalhador quer ser bem remunerado e ter seus direitos sociais cumpridos; o capital quer remunerar pouco, exige alta produtividade, não quer cumprir os direitos sociais porque quer o lucro, e o lucro é retirado do trabalho: - quanto menos se paga pelo trabalhador maior é o lucro! É em razão desse antagonismo que podemos afirmar: - O capital se fortalece no enfraquecimento da classe trabalhadora; - As normas jurídicas somente são cumpridas quando a classe trabalhadora está forte; - A classe trabalhadora só se fortalece nas lutas, nos movimentos sociais. Exatamente em razão do exposto é que estamos, desde 1990 no Brasil, em uma fase em que o capital está forte, a classe trabalhadora desunida e fraca e o direito do trabalho sendo descumprido e jogado no lixo, com a flexibilização dos direitos sociais, a terceirização, o banco de horas, a PLR e outros. Esse é mais um dos escândalos com o qual nos habituamos!!! (???) O direito do Trabalho. O direito do trabalho possui dos enfoques: o individual e o coletivo. A nossa legislação privilegiou o direito individual em detrimento do direito coletivo para poder controlar as organizações dos trabalhadores, como os sindicatos, por exemplo. Os direitos trabalhistas, assim, são criados, construídos ou destruídos de duas formas: 1- pela legislação estatal ; 2- pelos acordos coletivos, convenções coletivas, sentenças normativas e comissões de conciliação prévias. As normas trabalhistas, sejam as criadas pela lei ou pelos demais instrumentos que são decorrentes da negociação coletiva, possuem força jurídica. São normas legais. No direito individual estão inseridos todos os trabalhadores. No direito coletivo, estão inseridos os trabalhadores representados pelo sindicato de suas respectivas categorias. OU seja, além do legislador comum, no Brasil os Sindicatos Profissionais, através da negociação coletiva com os respectivos patrões, também podem criar leis, normas jurídicas. Desta forma, a primeira maneira que vislumbramos a inserção da comunidade LGBTI nas relações de trabalho, é através da sua inclusão nas organizações sindicais existentes, no sentido de fortalecer a luta geral (dos trabalhadores) e a luta específica (dos interesses da comunidade). 85


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Assim poderá a comunidade, se tiver força suficiente, enfrentar os patrões e inserir seus direitos nos instrumentos coletivos. Exemplos disso estão nos instrumentos coletivos dos trabalhadores da Saúde Privada de Belo Horizonte. Especificamente, não acreditamos que esta seja uma formula final de inserção da comunidade em razão de que para alguns de nós, advogados trabalhistas que atuam somente em favor dos trabalhadores, a negociação coletiva para a classe trabalhadora, é mal negócio. É através dela que abandonamos a luta de classes, o conflito de classes pelo conflito de interesses. O que devemos fazer, é voltar a explicitar a luta de classes, através dos movimentos sociais. Assim, deixaremos o capital mais fraco e o direito mais forte. E nem adianta falar que elegendo esse ou aquele legislador é possível melhorar a questão. Esse é mais um escândalo com o qual habituamos!!! ??? A Situação Atual da Comunidade LGBTI no mundo do trabalho. É sabido, por todos, que aqueles que dominam o mundo do trabalho discriminam mulheres, negros, portadores de necessidades especiais, dentre outros. Esta discriminação passou a ser mais um escândalo com o qual nos acostumamos, especialmente em relação a remuneração e a oportunidades para assumir cargos de gestão, gerência, chefia ou similares. O mundo do trabalho é tido, pelo capital, como um mundo masculino. Aos demais seres humanos, não masculinos, destina-se o que alguns rotulam de trabalho pesado, sujo, de menor importância, dentre outras denominações. Tal discriminação é proposital, não podemos nos iludir. O capital destina o mundo do trabalho para o masculino para construir, com os demais sujeitos um exercido de reserva de mão-de-obra barata. Assim, quando o trabalho masculino está gerando pouco lucro, ele o substitui pelo trabalho da mulher, da criança, dos negros, dos homossexuais enfim, dos discriminados, para reduzir o preço do trabalho e forçar, o masculino, através da vergonha do desemprego, a aceitar qualquer remuneração, mesmo que aviltante, para continuar empregado. Essa tática fomenta e alimenta a discriminação! Ela vem sendo utilizada pelo capitalismo desde o início da era industrial. Iniciou-se por criar uma inimizade entre o masculino e o feminino, entre o masculino e os LGBTI, rotulado de “questão de gênero” que virou mais um escândalo com o qual nos habituamos!!!??? Não verdade não existe inimizade natural entre os seres humanos em razão de gênero ou mesmo de subjetividades. O masculino deixou se levar por tal engodo e, todas as mazelas que se abatem no seu local de trabalho, como assédio moral, violência moral, física, mandos, desmandos, comandos, ele repete em casa ou na sociedade como forma de demonstração de poder e de afirmação. É pena!!!! Somos todos seres humanos. Não existe um ser que seja mais ou menos humano que outro! Por tais observações podemos sentir como a discriminação quer reduzir ou mesmo retirar a qualidade de ser humano de cada discriminado! Ao realizarmos algumas pesquisas sobre o tema que nos foi proposto, não negamos nossa surpresa em constatar a quantidade de nomenclaturas para adjetivar ou mesmo subjetivar pessoas que possuem sexual ou emocionalmente, comportamentos diferentes daqueles que seu nascimento supostamente determinava. É interessante verificar que por gênero alguns entendem como uma centena de expectativas sociais que se tem de uma pessoa em razão de as características físicas da sua genitália e na maneira de se expressar. As questões que ficam são: - Qual é a diferença, para o mundo do trabalho, se o trabalho é realizado por essa ou por aquela pessoa? - Qual a diferença faz, para o trabalho, a genitália, a maneira de se vestir de se comportar ou de amar? Nenhuma! Mas faz muita diferença quando se trata do mundo do trabalho. Repetimos: discriminação no mundo do trabalho dá lucro! A divisão dos seres humanos divide a sociedade e afasta a solidariedade. Além dos genitais, nos dividem 86


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pela roupa que usamos, pela forma de andar, pela forma de reagir como: passividade, cooperação, emoção para o mundo feminino e; atividade, razão e competição para o mundo masculino. Mass.... o que essas questões têm como o trabalho? Nada!!! Reafirmamos nada mesmo. Só interessa ao mundo do trabalho capitalista! Essa estratégia do capital formou, na nossa sociedade, uma expectativa pré-julgadora, ou seja, preconceituosa, de que todas as pessoas deveriam ser idealmente heterossexuais (heteronormatividade) sendo pois, uma existência não heterossexual, não normal e menos legitima. Assim, muitos se conformam, outros se acostumam, outros se confirmam com a discriminação que visa, exclusivamente, construir para o mundo do trabalho um exercito de reserva para ser mal remunerado. A comunidade LGBTI está para o mundo do trabalho, como estão os negros, as mulheres, as crianças, os idosos, os índios e outros discriminados. Faz parte do exército de reserva. Mais um escândalo ao qual nos habituamos!!! ??? A luta social como ação afirmativa. É certo que várias ações afirmativas em razão das lutas setorizadas de alguns dos discriminados que no Brasil costumam ser chamados, equivocamente de “minorias” vem ocorrendo. Assim vamos ter leis que tornaram crime o assédio sexual; a exploração da prostituição; a discriminação em razão de raça, credo, cor .... Para o coordenador do Núcleo de Combate à Discriminação em Termos de Emprego e Ocupação (NCDTEO), Reginaldo Soares de Matos, com a aprovação da lei 14.170, os casos de discriminação puderam ser levados para o Ministério do Trabalho e tribunais de Justiça. “Mesmo com leis que protegem os homossexuais, o número de denúncias é bem pequeno em relação às reclamações que escutamos no meio GLBT”, afirma Reginaldo. Para ele, as pessoas ainda não confiam nos órgãos públicos devido aos resquícios da ditadura militar. “Elas têm medo de perderem seus direitos, de ver sua vida exposta, uma vez que nem todos os GLBT são assumidos”, comenta.

Em algumas cidades, a discriminação contra os homossexuais no trabalho, dizem, ser pouco frequente, mas não sabemos se é a discriminação que é pouco frequente ou se são as denuncias... Juiz de Fora, cidade de Minas Gerais, existe a Lei municipal 9.791, de 2000, também conhecida como “Lei Rosa”, que visa proteger os homossexuais contra qualquer ato discriminatório. Temos que analisar quais os benefícios à comunidade LGBTI essa Lei trouxe, mas alguns afirmam que: - “Só o fato de existir a lei as pessoas passam a respeitar mais os homossexuais”.. Será??? Não temos dúvida de que leis como a Lei Rosa é um avanço contra a discriminação, mas... não basta! Essa lei ou esse tipo de legislação que proíbe a discriminação que, aliás, já é proibida pela nossa lei maior, a Constituição, cria empregos? Facilita a comunidade LGBTI para conseguir se inserir no mundo do trabalho? Creio que não! Algumas pessoas sequer procuram emprego porque sabem que as portas do mundo do trabalho estão fechadas para ela; outras estão empregadas em situações subalternas, escondidas e com remuneração inferior a dos demais, porém, dão graças por terem um “emprego”. Na área do comércio, os discriminados vendedores têm que ser infinitamente melhores que os não discriminados para não serem prejudicados. Alguns chegam a acreditar que, no emprego, é necessário se comportar de forma diferente, negando sua subjetividade. A bem da verdade, somos a favor de todas as leis que impõem a não discriminação porém, a VERDADEIRA AÇÃO AFIRMATIVA CONTRA A DISCRIMINAÇÃO É A LUTA SOCIAL REALIZADA DE FORMA UNIDA E SOLIDÁRIA. 87


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Sem luta, sem movimento social, sem solidariedade, não vamos conseguir quebrar a lógica de exploração do sistema capitalista! Um exemplo de solidariedade entre discriminados encontramos no manifesto da comunidade negra, do COLETIVO ENEGRECER, que afirma: “ ....Avaliando as políticas educacionais do governo federal que contribuem no processo de democratização do ensino superior e das instituições de ensino fundamental e médio a partir da inclusão da comunidade LGBT e seus limites, e as ações que objetivam combater a homofobia, racismo e sexismo na Educação Brasileira. O Coletivo ENEGRECER entende que a pauta LGBT se faz necessária na luta antiracista, compreendendo que as mortes das negras e negros da comunidade LGBT é também um dos índices para o/e aumento do genocídio da juventude negra brasileira. Buscando questionar práticas, posturas, princípios e valores presentes no ambiente escolar que reproduzem e legitimam as hierarquias sexuais, naturalizando a norma heterossexual e invisibilizando/inviabilizando outras possibilidades de manifestação das sexualidades, e assim causando a evasão da comunidade LGBT das instituições de ensino fundamental e médio, impossibilitando sua entrada também no ensino superior. A Diversidade Sexual é um tema de grande importância no cenário educacional, desde 2004, o Governo Federal junto com a comunidade LGBT vem criando meios para assegurar a Cidadania da Comunidade LGBT: o Programa “Brasil sem homofobia”; Plano para a Cidadania da Comunidade LGBT” e as Resoluções do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação/Conselho Deliberativo Nº 15, 16 e 17 DE 8 DE ABRIL DE 2009 o MEC nestas resoluções assegura um fundo para incentivar a pesquisa, produção de materiais, e formação de profissionais na área da Educação contemplando o ensino básico e o superior. As instituições educativas situam-se, nesse contexto, como espaços de produção e de disseminação, de modo sistemático, do saber historicamente produzido pela humanidade. Essa concepção de educação, além de ampliar espaços, sinaliza para a importância de que tal processo de formação se dê de forma contínua ao longo da vida. Para tanto, é fundamental atentar para as demandas da sociedade, como parâmetro para o desenvolvimento das atividades educacionais. Como função social, cabe reconhecer o papel estratégico das instituições da educação básica e superior na construção de uma nova ética, centrada na vida, no mundo do trabalho, na solidariedade e numa cultura da paz, superando as práticas opressoras, de modo a incluir, efetivamente, os grupos historicamente excluídos: entre outros, negros, quilombolas, pessoas com deficiência, povos indígenas, trabalhadores do campo, mulheres, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT). Tratar desigualmente os desiguais requer o pleno reconhecimento do direito à diferença e o posicionamento radical na luta pela superação das desigualdades socioeconômicas, regionais, de acesso à terra, possibilitando o usufruto dos direitos humanos. A comunidade LGBT obteve alguns avanços, dentre eles, foi a aprovação do PROJETO DE LEI N° 168/11 (Da Sra. Deputada Rejane Pitanga) que Determina aos órgãos da Administração Pública Direta e Indireta, Autarquias e Iniciativa Privada que observem e respeitem o nome social de travestis e transexuais e dá outras providências. A construção de núcleos de diversidade sexual e de gênero nas universidades, ligados a licenciatura, e a criação de cursos na mesma área. Mas, precisamos fazer o enfrentamento para a aprovação do PLC 122/06 que criminaliza a prática da homofobia e a distribuição do Kit contra a homofobia nas escolas torna-se necessário para o funcionamentos os programas e planos construídos do MEC com os grupos LGBT pra a promoção duma educação não heterormativa, sexista e racista. A instituição educacional precisa ter uma relação permanente com a comunidade, construindo coletiva e participativamente o projeto político pedagógico (PPP) ou PDI, observando o seu entrelaçamento com outros espaços e setores da sociedade, especialmente com os movimentos sociais (negros, quilombolas, índios, mulheres, do campo, e LGBTT), dialogando com a realidade de cada segmento, incluindo-os no processo de democratização do agir e do fazer o conhecimento. Como direito social, avulta, de um lado, a educação pública, gratuita, laica, democrática, inclusiva e de qualidade social para todos/as e, de outro, a universalização do acesso, a ampliação da jornada escolar e a garantia da permanência bem sucedida para crianças, adolescentes, jovens e adultos/ as, em todas as etapas e modalidades. Portanto, o Coletivo ENEGRECER entende que para construção de uma política nacional do direito à educação que contemple a diversidade deverá considerar: os negros, os quilombolas, os indígenas, as pessoas com deficiência e do campo, as crianças, adolescentes e jovens em situação de risco, os jovens e adultos, a população LGBT, os sujeitos privados de liberdade e em conflito com a lei. A homofobia é a atitude de hostilidade contra as/os homossexuais, portanto, atinge mulheres e homens negras e negros e a Escola e Universidade têm o papel de fomentar debates e palestra que questione: Quais são suas origens? Quais são suas relações com as outras formas de estigmatização e de discriminação? De que modo e a partir de quais discursos foi construída tanto a supremacia heterossexual quanto a desvalorização 88


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correlata da homossexualidade? Existe uma personalidade homofóbica? Existe diferença étnica dentro das ações homofóbica? E quais são os recursos à nossa disposição para lutar contra essa forma de violência? Considerações finais. Qual o caminho devemos seguir ? O que dizer e como dizer? Esse artigo deve se dirigir aos colegas da área jurídica, diretamente para a diversidade da comunidade LGBTI ou para toda a classe trabalhadora? Parceiros que somos na indignação e na pureza daqueles que sofrem discriminações, optamos por dirigir esse estudo para pessoas como nós: os discriminados, os indignados, os que amam a verdade; os que querem saber não o que são os acontecimentos, mas o por quê deles. Não há como apresentar soluções! Temos que confessar: - Não sabemos como fazer para que não sejamos vítimas de homofóbicos, muito menos saber a fórmula para incluir a comunidade LGBTI no âmbito das relações de trabalho. Mas sabemos que o mundo se transforma a cada dia em um ritmo frenético e essa aceleração constante e exponencial também está nos acelerando. Aliás, tudo está acelerado: os problemas como a corrupção, a miséria, a pobreza, as doenças, o assédio moral, o assédio sexual, a discriminação – e nós cada dia mais aflitos querendo respostas rápidas. Só que a esperança, a luta, e as respostas exigem um tempo de espera, de maturação. Primeiro sonhamos, em seguida usamos a razão, sequencialmente imaginamos as soluções e as experimentamos. É essa a nossa contribuição para o debate. Sonhar com um mundo sem discriminações, verificar como isso é possível no mundo do trabalho, imaginar as possibilidades e soluções e, depois, mantendo-nos unidos com todos os que possuem os mesmos objetivos, lutar. Nosso compromisso é esse e isso é tudo o que podemos contribuir nesse momento. Vamos deixar de nos acostumar com esses escândalos e reagir!!!

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Hipnose realmente funciona? Patrícia Carvalho Quando o assunto é hipnose, a primeira imagem que logo nos vem à cabeça é a de um programa qualquer de televisão em que alguém balança um pêndulo na mão e diz a uma pessoa escolhida na plateia para olhar fixamente para seus movimentos. Depois de teoricamente hipnotizada, essa pessoa segue sugestões ordenados pelo hipnotizador. Conseguiu visualizar? Mas, afinal de contas, é mesmo possível hipnotizar alguém? Na realidade, a hipnose é um fenômeno natural da nossa mente. Quando lemos um livro e nos desligamos do resto dos estímulos do ambiente, por exemplo, estamos hipnotizados pela leitura. Assim, em uma sessão de hipnose, o cliente é levado a relaxar — seja com a fixação da atenção em um objeto, como no método do pêndulo oscilante, ou com a própria voz do hipnotizador. Durante o transe hipnótico, a pessoa não está dormindo, como pode parecer a princípio. Muito pelo contrário! Esse é um momento em que, por meio de uma indução, o indivíduo direciona seu foco, realmente concentrando seus pensamentos, o que leva a uma intensificação da atividade cerebral. Mas para que serve esse procedimento? Pois é o que você vai descobrir no post de hoje! Então confira:

A hipnose realmente funciona? Durante o transe hipnótico o cérebro apresenta alta atividade psíquica, o que provoca importantes reações cerebrais. Um dos fenômenos ocorridos nesse momento é o aumento na produção de neurotransmissores — como a serotonina e a noradrenalina, por exemplo — responsáveis pela sensação de bem-estar e por estímulos ao fortalecimento do sistema imunológico, levando a uma significativa melhora de várias doenças. Então a resposta é, mais que comprovadamente, sim, a hipnose funciona — e muito bem, diga-se de passagem!

O que acontece em uma sessão? No ambiente do consultório, em um contexto de confiança e confidencialidade, o transe hipnótico é instigado pelo terapeuta, o que leva o cliente a uma concentração profunda sobre o que é dito. Esse cliente tornase, assim, receptivo às sugestões previamente acordadas com o terapeuta em função do objetivo pretendido com aquele tratamento. Tudo isso com o mais perfeito controle por parte do profissional.

Em que casos a hipnose pode ajudar? A hipnose vem sendo usada, cada vez mais, para tratar diversos problemas de saúde. Mas, é bom ressaltar que esse é um tratamento complementar à abordagem médica, sendo muito utilizado para tratar fobias — como o tão comum medo de andar de avião ou de falar em público, por exemplo, obtendo-se ótimos resultados. Ultimamente a hipnose tem sido utilizada com resultados extremamente positivos em modificações de comportamento desejadas pelo cliente. Como exemplos podemos citar a busca pelo abandono do hábito de fumar, o controle da ansiedade e do peso. Além disso, esse procedimento ainda ajuda pessoas com dificuldades de aprendizagem e dependentes de drogas e álcool. Pode ser utilizado também em casos de dor crônica e insônia. Agora--- que você já sabe como, por que e para que a hipnose funciona, que tal experimentar esse tratamento? Patrícia Carvalho Possui graduação em Marketing pela Universidade Metodista Isabela Hendrix e Pós-Graduação em Gestão Estratégica de Pessoas pela PUC-MG. Formação em Coach e Master Practitioner em PNL (Programação Neurolinguística) com reconhecimento internacional da The Society of Neuro-Linguistic Programming™, licenciada por Richard Bandler criador da PNL. Hipnose Terapêutica pela Elsever Institute e certificação internacional reconhecida pela A.I.H.C.E (Espanha). Terapia Breve Ericksoniana certificada por Dr.Jeffrey Zeig, Ph.D. Fundador da Milton H. Erickson Foundation e Consultora da Metodologia Disc - certificada pela Etalent. Tem experiência na área de gestão de pessoas, setor comercial, recursos humanos e treinamento e desenvolvimento. Ministra cursos e palestras voltados para a crescimento e aperfeiçoamento da vida pessoal e nas áreas de desenvolvimento humano e de carreira.

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ENTENDENDO A LEGISLAÇÃO TRABALHISTA SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO Gilson Pereira Santos As disposições acerca da Saúde e Medicina do Trabalho estão descritas no Capítulo V da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). As regras são para todos os empregadores, independentemente do segmento ou porte do estabelecimento, desde que desenvolvam atividades e/ou contratem mão de obra em regime da CLT. A partir do início das atividades, nenhuma empresa, segmento ou atividade escapa do cumprimento da legislação em comento. Os códigos de obras, regulamentos sanitários dos Estados ou Municípios, bem como os acordos e convenções coletivas que estabelecem obrigações ou incluem matérias trabalhistas, não desobrigam os administrados da observância, em todos os locais de trabalho, do cumprimento da legislação trabalhista e de outras disposições naqueles contidas, que em razão da matéria deveu-se ser incluída. Quando ocorrem infrações a legislação trabalhista e são identificadas pela fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), acarretam punições ao infrator. Ordinariamente iniciam-se com as notificações que podem evoluir de acordo com a gravidade da infração, chegando até a paralisação das atividades do estabelecimento, através do embargo de obra ou serviço ou da interdição de máquinas e equipamentos, institutos utilizados sempre que for constatado risco grave e iminente a saúde e a integridade física das pessoas. Com relação ao valor da multa, podem ser fixo ou variável, quando variável o valor pode aumentar nos casos de reincidência, embaraço, reincidência, artifício e simulação Mesmo antes do início das atividades das empresas, estas devem atentar-se para o cumprimento da legislação, pois as exigências de adequações antes do início das operações das empresas são importantes, as adequações evitam que máquinas e processos comerciais e industriais entrem em operação sem considera a saúde e conforto dos trabalhadores. Cabe aos órgãos competentes de âmbito nacional em matéria de segurança e medicina do trabalho, estabelecer em normas as disposições de como aplicar os preceitos da CLT, especialmente as medidas que previnem a ocorrência de acidentes do trabalho, eliminem os trabalhos penosos e os trabalhos análogos à condição de escravos, dentre outros que precarizam a relação de trabalho e de emprego. Assim surgiram as normas regulamentadoras do MTE, que dispõem sobre como aplicar os preceitos contidos no capítulo V da CLT, como já esclarecido supra, em especial sobre as matérias descritas no artigo 200 da CLT. De forma a garantir o cumprimento da legislação trabalhista, o órgão competente dispõe de profissionais Auditores que fiscalizam as empresas diuturnamente, impondo penalidades aos infratores. Durante a atuação dos Auditores do MTE, devem analisar as leis que tutelam a relação do empregado com o empregador e, quando verificados procedimentos irregulares na empresa, o Fiscal-Auditor, antes de aplicar eventual multa, pode conceder prazo para a correção. Assim, a Notificação nada mais é que um tipo de advertência dada pelo órgão competente que pode ocorrer de duas formas; na primeira, durante a fiscalização “in loco”, o Auditor Fiscal do trabalho diante de irregularidades sanáveis, ou tendo o Auditor de analisar documentos, determina dia e horário para que o empregador compareça ao MTE para apresentação de documentos ou para demonstrar o cumprimento da legislação trabalhista em determinada matéria; na segunda, verificando a gravidade do ato praticado, sendo a infração de difícil reparação, não sanável ou o infrator reincidente, o Auditor-Fiscal lavrará o auto de infração, especificando os motivos e mencionando a fundamentação legal que justifica a autuação. Nota-se, que tratando de risco grave e iminente, esta situação obriga o Agente de inspeção do trabalho a aplicar a interdição ou embargo, em qualquer empresa, em todas as atividades, implicando na paralisação parcial ou total da atividade econômica. Gilson Pereira Santos

Advogado, Administrador e Eletrotécnico, Especialista em Direito Material do Trabalho e Docência em Curso Superior, Especializado em Proteção de Máquinas Perigosas, Membro da Comissão de Direito Sindical da OAB-MG, Professor e Consultor Jurídico.

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Assim, assevera-se que tratando-se de microempresas e empresas de pequeno porte, o agente de inspeção do trabalho sempre deverá priorizar pelo caratê educativo da fiscalização, utilizando-se de seus conhecimentos para esclarecer e orientar o empresário de o que e como fazer para adequar-se as normas regulamentadoras, evitando assim prejudicar e punir o empresário que por diversas razões ao iniciar suas atividades, deixara de observar aspectos legais, ou alteração legislativa. Entretanto, corrija-se, o tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte não autoriza as empresas a infringirem as leis trabalhistas, caso em que, havendo por parte da empresa resistência em atender a legislação, sofrerá as penalidades previstas, como já antecipadas, pode ocorrer a paralisação do estabelecimento, até que as irregularidades sejam sanadas, principalmente quando o empregador expor pessoa em condição de risco grave e iminente. É importante observar que as normas vigentes é que serão utilizadas pelas empresas para o cumprimento, como também serão usadas pela fiscalização, assim, quando o empresário tiver dificuldade em cumprir qualquer item das normas trabalhistas, deve-se procurar um especialista na matéria para receber orientação e caso persista o problema, recomenda-se procurar a superintendência do MTE de seu Estado ou a gerência do MTE de sua região, para solicitar orientação de como poderá cumprir a legislação trabalhista. Com relação à Norma Regulamentadora 12 do MTE (NR-12), esta norma estabelece requisitos mínimos para a prevenção de acidentes e doenças do trabalho nas fases de projeto e de utilização de máquinas e equipamentos de todos os tipos, em todas as atividades econômicas. Assim, torna-se necessário que o empresário proprietário de máquinas e equipamentos, procure um profissional legalmente habilitado (Técnico ou Engenheiro) para fazer um diagnóstico de sua área fabril; muitas máquinas usadas na indústria estão descritas nos anexos da norma, o que facilita sua adequação, pois nos anexos estão estabelecidos todos os requisitos de proteção que devem ser adotados nas máquinas. Além do que dispõem os anexos da NR-12, o empresário deve ficar atento às obrigações acessórias para o pessoal e máquinas, tais como: a) capacitação dos empregados na operação segura das máquinas, b) manuais das máquinas, c) inventário das máquinas, d) instrução de trabalho e, e) manutenção preventiva das máquinas. As demais máquinas não contempladas pelos anexos da norma devem ser protegidas de acordo com os requisitos especificados na parte geral da NR-12, através de uma análise de risco que aponte quais medidas de segurança devem ser adotadas para cada tipo de máquina, elaborada por um profissional legalmente habilitado. Norma Regulamentadora 12 Está vigente para ser aplicada pelas empresas A Norma Regulamentadora 12 (NR-12) da portaria 3214/78, com redação da Portaria SIT n.º 197, de 17/12/10 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) estabelece requisitos mínimos de segurança para máquinas e equipamentos utilizados em todo o território nacional, novos e usados, inclusive para os fabricados no Brasil destinados a exportação. Desde 12/2010, com a publicação desta norma, as empresas ficaram obrigadas, a partir dos prazos nela consignados, a adotar as medidas de proteção para as máquinas ou substituírem por outras máquinas adequadas às exigências da norma. O empresário precisa fica atento às exigências da NR-12, visto que de acordo em que os prazos para a adoção das medidas protetivas vão se expirando, as fiscalizações resultam predominantemente, em interdições de máquinas, o que impede o funcionamento dos estabelecimentos e consequentemente o desenvolvimento da atividade econômica. Então, o empresário contemporâneo não pode ser aquele acostumado a desenvolver sua atividade econômica através exclusivamente de seu esforço, de suor e lágrimas, é necessário ter outras habilidades e competências para permanecer no mercado. O empresário tem que ter conhecimento da legislação trabalhista, principalmente daquelas que tutelam a relação do empregado com o empregador e aplica-las no dia a dia em seu negócio. Investir em segurança pode até representar inicialmente uma dificuldade para as empresas, entretanto com a adoção das medidas protetoras, as empresas podem maximizar seus lucros: “o ambiente de trabalho seguro, traz tranquilidade para todos, melhora a produtividade e possibilita ao empresário investir no crescimento do 92


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Revista Jurídica Digital RTM negócio livre de preocupações” O Autor.

O objetivo é aplicar as normas que regulamentam os preceitos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) em matéria de saúde do trabalhador e promover a melhoria das condições de segurança das máquinas e de processos industriais, diminuindo assim o número de acidentes do trabalho. Alteração da NR-12: veja o que mudou. A Norma Regulamentadora 12 (NR-12) da portaria 3214/78, com redação da Portaria SIT n.º 197, de 17/12/10 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) estabelece requisitos mínimos de segurança para máquinas e equipamentos utilizados em todo o território nacional, novos e usados, inclusive para os fabricados no Brasil destinados a exportação. Desde 12/2010, com a publicação desta norma, as empresas de panificação ficaram obrigadas, a partir dos prazos nela consignados, a adotar as medidas de proteção para as máquinas ou substituírem por máquinas novas adequadas às exigências da norma. A partir de então, deflagrou-se uma onda de contestações sobre a aplicação da norma, as reiteradas contestações apegam-se a complexidade da compreensão e aplicação da norma. Outro motivo relevante é o tratamento dispensado pela norma aos usuários de máquinas e equipamentos, às microempresas e empresas de pequeno porte. Como resultado das reivindicações empresariais, foi publicada no último dia 25, pelo MTE, a portaria de nº. 857 que altera a NR-12. As principais alterações da norma simplificam o cumprimento de requisitos para as microempresas e empresas de pequeno porte, como exemplo cita-se, a isenção do inventário de máquinas e a reconstituição do manual das máquinas, quando inexistente, estas e outras alterações garantem de imediato à legalidade de muitas empresas. Outras alterações importantes para os empresários são com relação à capacitação dos empregados e a polêmica obrigação da extrabaixa tensão para os componentes de partida, parada, acionamento e controles que compõem a interface de operação das máquinas e equipamentos usados. A capacitação dos empregados que trabalham na indústria, ou seja, aqueles que operam máquinas e equipamentos, a partir de agora, será considerado capacitado o trabalhador de microempresa e empresa de pequeno porte que apresentar declaração ou certificado emitido por entidade oficial de ensino de educação profissional (SENAI), além disso, a capacitação poderá ser ministrada por trabalhador da própria empresa que tenha sido capacitado em entidade oficial de ensino de educação profissional. A obrigação da extrabaixa tensão para as máquinas e equipamentos fabricados até 24 de março de 2012, será aplicada quando a apreciação de risco (laudo técnico) indicar a necessidade de proteções contra choques elétricos ou poderá ser adotada outra medida de proteção conforme as normas técnicas oficiais vigentes. Estas alterações simplificam a norma, reduzem o custo da capacitação dos empregados e reduzem o custo das adequações das máquinas e equipamentos, mas o empresário tem que fica atento, pois a aplicação dos itens alterados e de toda a norma poderá ser exigida de imediato pela fiscalização. Isto significa que o empresário, que ainda não adequou suas máquinas, devem iniciar imediatamente para não ser surpreendido com autuações. Vale informar que os trabalhos com a utilização de equipamentos perigosos e toda aplicação que apresente risco de acidente devem estar devidamente protegidos. Esta regulamentação consta da legislação das normas regulamentadoras que fazem parte da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), anote-se que, a maquinaria rudimentar, o aumento de produção e a falta de pessoal treinado para operar os equipamentos compõem uma fórmula perfeita para a ocorrência de acidentes. Investir em segurança pode até representar inicialmente uma dificuldade para as empresas, entretanto com a adoção das medidas protetoras, as empresas podem maximizar seus lucros: “o ambiente de trabalho seguro, traz tranquilidade para todos, melhora a produtividade e possibilita ao empresário investir no crescimento do negócio livre de preocupações” (o autor). Para obter a portaria nº. 857 do MTE, que altera a NR-12, bastam acessar o sítio do MTE (www.mte.gov.br), aba legislação.

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A SANÇÃO PREMIAL TRABALHISTA COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA E PREVENÇÃO DE CONFLITOS Antônio Álvares da Silva1 Daniela Rodrigues Machado Vilela2 Sumário: 1 – Introdução; 2 – A sanção ou preceito premial trabalhista; 3 – A sanção premial como forma de prevenção de conflitos, de efetividade e de acesso à justiça numa acepção moderna 4 – Conclusão; 5 – Referências Bibliográficas.

I – INTRODUÇÃO “A essência do Direito é a realização prática”. (Rudolf Von Ihering) Nada debatido nesse estudo esgota qualquer assunto que seja, pretender-se-á sem a ideia de finitude, tecer reflexões, meditações e pensamentos. Trata-se de um repensar. As conclusões propostas têm como meta trazer pontos de partida de uma tese defendida, que ao final poderão servir para outras reflexões, já que o refletir é uma atividade para ser desenvolvida por toda a vida. Trata-se de pensar, duvidar, construir, reconstruir e até mesmo destruir. O homem vive em sociedade, convive com outros homens, estabelece a todo tempo relações e transforma a natureza através do seu trabalho. O trabalho é fator essencial da vida em sociedade, trabalhar é transformar a natureza e a sua própria existência. O homem quer sempre a melhoria de sua vida, pois a humanidade caminha adiante. Nem sempre, porém essa melhoria acontece e é em busca de novas respostas que se pretende olhar para a frente, para o futuro, sem a pretensão, todavia, de se fazer um estudo de futurologia, ou profético, pois o futuro é incerto e nada previsível. O objetivo é trazer novos debates e suscitar argumentos acerca da lógica premial, que é um elemento de grande utilidade e efetividade, pois se coaduna perfeitamente com os objetivos do nosso tempo presente. A sanção premial pressupõe que se recompense, no caso do Direito do Trabalho, o empregador que agir segundo o preceito prescrito em lei. Traz uma ideia de sanção positiva, o que não elimina a sanção negativa. Defender-se-á que concomitantemente vai existir sanção premial preventiva e a sanção repressiva. Na sanção premial, porém a recompensa age enquanto incentivo para que o cumprimento da norma se dê voluntariamente. E este cumprimento voluntário, espontâneo da norma, é verdadeiro meio de prevenção de conflitos, já que estes se resolvem preventivamente sem necessidade de processo contencioso, isso porque, o empregador ciente dos benefícios cumpre a legislação. Analisar-se-á que, ao ter seu direito respeitado e cumprido o empregado acessa verdadeiramente a justiça, de forma voluntária e pacífica, pois o empregador faz o adimplemento do crédito trabalhista a tempo e modo.

*Daniela Rodrigues Machado Vilela

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Professor Titular da Faculdade de Direito da UFMG e Desembargador Federal do Trabalho Aposentado. Autor de diversos livros, especialmente de Direito e Processo do Trabalho.

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Mestranda pela Faculdade de Direito da UFMG sob a orientação do professor doutor Antônio Álvares da Silva, Advogada. Especialista em Direito do Trabalho Ítalo Brasileiro promovido pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) em convênio com a Università Degli Studi di Roma Tor Vergata. Graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC).

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Far-se-á uma análise do Direito Premial como sendo uma possível e viável resposta de efetividade no que concerne ao cumprimento da legislação trabalhista e de verdadeiro acesso à justiça. Sendo este acesso diferente de mero acesso ao judiciário, pois os conflitos serão resolvidos antes disso, de maneira preventiva. São essas as ideias que se pretende discutir e demonstrar com o estudo seguinte. II - A SANÇÃO OU PRECEITO PREMIAL TRABALHISTA Sanção é uma palavra que admite diversos significados, pode ser uma pena, uma recompensa, pode ser o ato pelo qual o chefe do Poder Executivo aprova, confirma, sanciona, uma lei. Pode ser um ato de coação. 3 A origem etimológica da palavra sanção é de grande importância: O termo procede do latim sanctio, sanctionis de sanciere, ato de tornar santo, respeitado, e, para Eichoff, o verbo derivaria da raiz sânscrita sah, tomar, fixar. Pott invoca, com dúvidas, o sânscrito cank, temer, respeitar, embora considere mais provável haver o termo resultado da composição das raízes sânscritas sa e anc, honrar, venerar; por outro lado, Pictet, cuja posição encontra respaldo nos estudos mais atuais, atribui ao vocábulo a mesma raiz de sanctus, sanc, daí também sacer, sagrado. A etimologia nos fornece a conotação original e primitiva da palavra. Designava o ato de caráter sacro mediante o qual se erigia algo à categoria de inviolável ou, ainda, a previsão ou aplicação de um castigo para o pecado, para a transgressão de uma suposta ordem transcendente, necessária por natureza, que exigiria, para a sua própria recomposição, com base no princípio da retribuição, a imputação de pena equivalente ao transgressor a justiça de talião. 4 (Grifo nosso)

Pode-se enumerar dois tipos de sanção, a sanção clássica, repressiva, que se aplica quando a norma é violada. E outra sanção, a preventiva ou premial que atua antes da violação da norma. Muitos não gostam do termo sanção, pois acreditam que sanção é sempre negativa. Então preferem a expressão preceito premial. A questão da nomenclatura, importa pouco no presente estudo, o objeto de análise será quanto a efetividade. Este tipo de sanção repressiva, também chamada punitiva, é a regra no Direito do Trabalho Brasileiro, ou seja, o trabalhador brasileiro recorre ao judiciário trabalhista, por meio de um processo judicial, para receber o que entende ser seu de direito, ou seja para receber o que acredita lhe ser devido [...] 5 A sanção em princípio é pensada como retribuição a uma conduta em desconformidade com o ordenamento jurídico, a norma é criada antes da incidência do fato social, a norma antecede o fato. A norma existe e predispõe em seu texto legal que determinada conduta é indesejada e, portanto, sujeita a uma sanção negativa, punitiva. A norma incide sobre o fato quando há subsunção da norma ao fato jurídico, ou seja, o caso concreto se enquadra, se encaixa, perfeitamente a norma legal abstrata e assim, a norma regula a realidade que pretende normatizar. O primeiro passo para o cumprimento da norma é sua aceitação pela sociedade que é dela destinatária. A norma é praticada porque o cidadão tem consciência do seu efeito na vida social. Todo cumprimento espontâneo permite que a lei efetive sua mensagem de dever-ser contribuindo assim efetivamente para a melhoria das relações sociais e do nível da convivência humana. 6

O objetivo do prêmio pode ser conseguir o cumprimento de um preceito legal dentro ou antes do prazo fatal e legal previsto em lei. A sanção premial é resultado da prática de uma conduta, porque pratica-se a conduta perquirida e o resultado é o recebimento do prêmio que nada mais é do que a sanção premial. Cumprir voluntariamente o ordenamento jurídico é uma das maiores virtudes dos povos civilizados. 3

HOUAISS, Antônio. Dicionário da Língua Portuguesa. 3. Ed. Ver. E aum. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

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CARVALHO NETTO. Menelick de. A sanção no procedimento legislativo. Belo horizonte: Del Rey, 1992.

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ÁLVARES DA SILVA, Antônio. Sanção e Direito do Trabalho. Belo Horizonte, RTM. 2014. P. 18

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ÁLVARES DA SILVA, Antônio. Sanção e Direito do Trabalho. Belo Horizonte, RTM. 2014. P. 13-14.

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Participando através de sua formação, através de discussões, a sociedade aceita a lei, pois ela já nasce com o selo de referendo popular. 7 Essa lógica pressupõe que o indivíduo que age em conformidade com o comando legal poderá receber premiações a título de incentivo. Afim de garantir que determinado agente pratique a conduta tida como desejável pela ordem jurídica. Em outras palavras, inverte-se a lógica, premiando a conduta em conformidade com a lei ao invés de punir a conduta em desconformidade com a lei. Existe para que a norma não seja violada. Em vez de punir o infrator pelo que ele faz, incentivasse-o para que não faça o que não pode fazer. A sanção premial olha para o futuro a fim de evitar que a violação ocorra. A sanção punitiva olha para o passado e pune quem violou. 8 Exemplo disso, no Direito do Trabalho, seria o do empregador que age em conformidade com a lei e recebe benefícios para continuar a agir segundo o preceito legal. Assim, o Estado legislaria com o objetivo de que o empregador mantivesse seus créditos trabalhistas pagos adequadamente. Dessa forma, receberia a título de incentivo a diminuição de determinada alíquota de imposto. A sanção premial é um moderno meio de prevenção de conflitos, muito mais lógico que a forma repressiva, porque desperta no cidadão a lealdade ao dever que tem a obrigação de cumprir. 9 Este mecanismo traz inúmeras vantagens, pois não permite que o conflito trabalhista aconteça. Previne e incentiva o cumprimento voluntário da norma, não há dessa forma conflito trabalhista e tampouco há contratação de mais servidores, juízes, desembargadores e etc. A sanção premial privilegia e recompensa quem obedece, cumpre a norma. Melhora a relação entre empregado e empregador, pois esta será mais vantajosa para ambas as partes. Sendo um recompensado porque agiu da maneira desejada, já o outro receberá seus créditos trabalhistas. Este tipo de sanção deverá ser uma medida provisória a ser tomada, pois a longo prazo terá o condão de tornar a relação de trabalho menos conflitiva. Com este tipo de sanção, a preventiva espera-se mudar a cultura do litígio, ou seja, do ajuizar a todo o tempo demandas trabalhistas e também mudar paulatinamente a cultura do inadimplemento, do não pagamento dos créditos trabalhistas. Defende-se a sanção premial enquanto um meio de mudança de mentalidade, que deve ser experimentado pela sociedade. Trata-se de medida que pretende mudar o paradigma do descumprimento das obrigações trabalhistas. III - A SANÇÃO PREMIAL COMO FORMA DE PREVENÇÃO DE CONFLITOS, DE FETIVIDADE E DE ACESSO À JUSTIÇA NUMA ACEPÇÃO MODERNA Conflito corresponde a falta de entendimento, existem conflitos judiciais e não judiciais. Não judiciais são os conflitos inerentes a convivência social, por exemplo, conflito de opinião com amigos. Quando um dado conflito de interesses atinge determinado grau de descontentamento a parte que se sente lesada aciona o poder judiciário e a partir de então, temos um conflito judicial instaurado. Hoje o discurso é que o judiciário tem muitos processos, que o procedimento é moroso. Logo a ideia é de que recorrer ao judiciário deve ser a última medida e não a primeira a ser tomada. O que leva ao cumprimento e ao descumprimento da legislação trabalhista: O empregador cumpre a lei, porque a sanção é considerada alta o suficiente para tornar racional evitá-la e o risco de ser pego e punido é também alto o suficiente para ser crível (digamos, significativamente superior a 50%). O empregador não cumpre a lei porque, embora a sanção por não cumpri-la seja alta, a probabilidade de ser apanhado 7

ÁLVARES DA SILVA, Antônio. Sanção e Direito do Trabalho. Belo Horizonte, RTM. 2014. P. 14.

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ÁLVARES DA SILVA, Antônio. Sanção e Direito do Trabalho. Belo Horizonte, RTM. 2014. P. 16

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ÁLVARES DA SILVA, Antônio. Sanção e Direito do Trabalho. Belo Horizonte, RTM. 2014. P. 16

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é muito baixa (por exemplo, significativamente inferior a 50%). Se o risco de ser pego é alto, mas a sanção é considerada pequena o bastante para tornar racional sofrê-la em lugar de incorrer nos custos trabalhistas, a lei não será cumprida.10

Finalmente, se a sanção for baixa e o risco de ser pego também, a lei tampouco será cumprida. O empregador descumpre a legislação trabalhista sobretudo porque utiliza-se da estratégia do inadimplemento, isso porque a sanção por não-cumprimento do crédito trabalhista, a burla de direitos não é vista hoje como um problema em si pelo empregador, tendo em vista que ele consegue postergar o pagamento do que é devido. Some-se a isso, que a Justiça do Trabalho é lenta, é a menos lenta das justiças, mas a falta de celeridade é algo notório hoje no judiciário como um todo principalmente porque o número de ajuizamento de ações é muito alto. Em face dessa cultura de litigar, de ajuizar ações, surge o discurso dos meios alternativos de resolução de conflitos, como a mediação, a conciliação e até mesmo a arbitragem. Porém, este estudo pretende deslocar o foco das discussões para a prevenção de conflitos, ou seja, mais do que utilizar meios alternativos devemos trabalhar na não instauração do conflito, na prevenção do mesmo. A “Sanção Premial” pretende instrumentalizar o Direito do Trabalho a fim de que ele tenha mecanismos de máxima eficiência na prevenção de conflitos e de verdadeiro acesso à justiça numa acepção ampla e não simplesmente com há hoje acesso tão somente ao judiciário. Mauro Cappelletti discorre acerca do que seria a terceira onda de acesso à Justiça sendo está mais ampla e inclusiva, seja de formas judiciais ou extrajudiciais, para processar e prevenir disputas nas sociedades modernas. 11 Sugere-se dessa forma incentivos a fim de encorajar acordos extrajudiciais como os conciliatórios uma vez que o acordo judicial é mais oneroso, envolve custas judiciais, é mais demorado e a decisão é tomada por terceiro, no caso, o juiz. Enfatizar-se-á também a necessidade de simplificar o Direito, certamente que esse simplificar passa pela prevenção de conflitos. Muito mais importante que tratar, equacionar alguma coisa, é evitar que ela aconteça. 12 O fato de incentivar o empregador ao cumprimento da norma traz em contrapartida para o empregado o verdadeiro acesso moderno à justiça que se materializa não apenas enquanto disponibilização dos meios judiciais, mas sim como prevenção de conflitos. Essa atitude, uma vez seguida e multiplicada, desperta na sociedade um outro tipo de comportamento perante a lei: é muito melhor agir em conformidade com a lei e ser recompensado do que violar a lei e ser punido. 13 O Direito do Trabalho vai se coadunar com a ideia de modernidade quando adotar mecanismos premiais, pois, esse tipo de sanção torna o ideal jurídico da efetividade operante e realizável, isso porque são condutas específicas que devem ser realizadas a fim de garantir o prêmio. O indivíduo terá interesse de demonstrar ao Estado as atitudes por ele praticadas. O Direito do Trabalho Brasileiro afasta-se da modernidade quando se recusa a adotar mecanismos do chamado Direito Premial. 14

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CARDOSO, Adalberto Moreira. As normas e os fatos: Desenho e efetividade das instituições de regulação do mercado no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. P.72. 11   CAPPELLETTI. Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988. Reimpressão 2002. p. 68. 12

CAPPELLETTI. Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988. Reimpressão 2002. p. 87-88 e 156-159. 13

ÁLVARES DA SILVA, Antônio. Sanção e Direito do Trabalho. Belo Horizonte, RTM. 2014. P. 16

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ÁLVARES DA SILVA, Efetividade do Processo do Trabalho e a Reforma de suas Leis. Belo Horizonte, RTM. 1997. p. 73.

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Essa lógica aplicada facilita o cumprimento da norma, pois evita a utilização de mecanismos caros, burocráticos e inoperantes de fiscalização. Um exemplo premial seria fixar faixas com alíquotas mais baixas para recolhimento de tributos os empregadores que não tenham contra si reclamações trabalhistas e que obtenham das autoridades responsáveis declarações de cumprimento fiel das normas de saúde, higiene e segurança. 15 A sanção premial é meio eficaz de incentivo do cumprimento da norma, pois o interesse no prêmio leva o empregado à prática da conduta desejável, e dessa forma o Direito do Trabalho facilita a convivência social. E cumpre seu viés econômico, social e humano. Os empregadores cumpridores do seu dever poderiam receber vantagens do Estado em relação a empréstimos, concorrências públicas, concessões ou permissão administrativas bem como preferências em atividades junto a órgãos estatais, etc. 16 É do interesse de todos, empregados e Estado, que o empregador cumpra suas obrigações. A folha de pagamento de uma empresa é um dos principais instrumentos de arrecadação no Brasil.17 É muito importante que a norma seja eficaz, pois uma norma adequada e bem instrumentalizada, cumpre seu objetivo quando se realiza por si mesma. Uma norma que não é eficaz necessita do processo para cumprir seu objetivo último que é a pacificação social. A pacificação social, fim último do processo, só é conseguida ao final do procedimento judicial. Ao contrário, no caso da sanção premial, como trata-se de sanção preventiva, ela já nasce fruto da pacificação social, pois o empregador voluntariamente cumpre o comando legal. Uma norma sempre deve ser eficaz já destacam os processualistas de vanguarda. Norma e eficácia são, pois, conceitos inseparáveis e constituem aspectos do mesmo fenômeno. Nenhuma regra jurídica pode existir sem ser obrigatória e sem efetivamente reger a conduta que prevê, pois, sua função social é exatamente subtrair de cada um dos componentes do grupo a faculdade de determinar sua própria ação para fixa-la num comportamento ideal e coletivo. A norma nasce com a faculdade de impor a conduta ideal por ela descrita sem a possibilidade de deixar margem ao seu descumprimento [...]. 18

Assim, uma norma só faz sentido quando se pressupõe que ela não queira outra coisa senão o seu cumprimento, ou seja, sua efetiva aplicação, que resultará em melhoria efetiva da condição de vida das pessoas. Uma norma sem efetividade não se justifica. Normas têm de ser efetivas e de pronta aplicabilidade, sendo que a efetividade é a capacidade da norma de produzir efeitos reais e de alcançar os objetivos perquiridos. IV - CONCLUSÃO Buscou-se demostrar com as reflexões propostas como o direito, sanção ou preceito premial pode interferir de maneira eficaz na busca de soluções, e do resultado maior do Direito do Trabalho que é o adimplemento, ou seja o pagamento dos créditos trabalhistas no tempo certo e da forma mais correta e justa. A lógica premial fomenta a forma integrativa e pacífica das relações de trabalho, que é o contrário do que temos atualmente. Hoje o que se tem é uma forma de tratativa opositiva entre empresas e empregados e empregadores e Estado. A sanção premial é uma forma de solução extrajudicial de conflitos, pois não se chega a acionar o 15

ÁLVARES DA SILVA, Efetividade do Processo do Trabalho e a Reforma de suas Leis. Belo Horizonte, RTM. 1997. p. 74

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ÁLVARES DA SILVA, Efetividade do Processo do Trabalho e a Reforma de suas Leis. Belo Horizonte, RTM. 1997. p. 75

17   CARDOSO, Adalberto Moreira. As normas e os fatos: Desenho e efetividade das instituições de regulação do mercado no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. P.55. 18

ÁLVARES DA SILVA, Reforma do Processo do Trabalho Brasileiro. Belo Horizonte, Movimento editorial da revista da UFMG, 1982, p. 238.

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judiciário. É inclusive melhor que isso, pois é forma de prevenção de conflitos. É um poderoso instrumento capaz de mudar o status quo, baseado no descumprimento da lei. Sendo capaz de trazer mais justiça para a sociedade. A sanção clássica, repressiva continuará a existir, mas surgirá também a sanção preventiva, premial que tem o seu olhar voltado para o futuro, pois evita condutas conflitivas. As sanções punitivas, repressivas não têm conseguido o grau de eficácia necessário, uma vez que as decisões judiciais são demoradas e a protelação de créditos trabalhistas muito preocupante. A solução dos conflitos trabalhistas pede respostas rápidas, pois se perfaz de verbas de natureza alimentar. A implantação da sanção preventiva, premial incentivará o cumprimento da legislação trabalhista, e face a este cumprimento vai se ter um menor número de ajuizamento de ações o que terá o condão de prevenir conflitos, mostrando-se medida de grande efetividade e verdadeiro acesso à justiça em sentido amplo. A justiça plena é por vezes improvável, então temos de nos satisfazer com uma justiça parcial e relativa, que por vezes é a justiça possível. A sanção premial é benéfica para a sociedade, pois resolve a questão do conflito trabalhista e diminui a burocracia. E o Direito do Trabalho é o lugar ideal para que possamos aplicá-la, pois trabalha com questões patrimoniais que envolvem a subsistência do trabalhador. A função e também missão maior desse ramo do Direito que trata das relações de trabalho é garantir existência digna e cuidar das pessoas que vivem da venda da sua força do trabalho. O Direito do Trabalho encontra sua razão de ser na necessidade de atenuar a exploração do capital sobre o trabalhador. Assim, a imprevisibilidade do futuro é algo enriquecedor, pois descortina novas possibilidades. Cabe ao Direito do Trabalhador responder às novas questões postas, recompondo com uma nova roupagem o equilíbrio se não desejável ao menos possível entre capital e trabalho. A grande questão que se coloca, é que possamos refletir sobre a lógica da sanção premial, enquanto uma nova resposta que olha para o futuro. E aos mais desavisados fica o aviso. Abram os olhos e vejam, pois fortes mudanças já se instalaram no mundo do trabalho. E novas questões pressupõem um novo olhar e novas possíveis respostas.

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VI - REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS ÁLVARES DA SILVA, Reforma do Processo do Trabalho Brasileiro. Belo Horizonte, Movimento editorial da revista da UFMG, 1982. ÁLVARES DA SILVA, Antônio. Efetividade do Processo do Trabalho e a Reforma de suas Leis. Belo Horizonte: RTM, 1997. ÁLVARES DA SILVA, Antônio. Justiça do Trabalho: Os números e a verdade. Belo Horizonte: RTM, 2001. ÁLVARES DA SILVA, Antônio. Reforma do Judiciário. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. ÁLVARES DA SILVA, Antônio. Sanção e Direito do Trabalho. Belo Horizonte: RTM, 2014. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. Campinas: Cortez, 2003. BARROS, Cássio Mesquita. Tendências do Direito do Trabalho Contemporâneo. São Paulo: LTr, 1980. BATTAGLIA, Felice. Filosofia do Trabalho. Tradução do original italiano “Filosofia Del Lavoro”. São Paulo: Saraiva, 1958. CAPPELLETTI, Mauro. O Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988. CARDOSO, Adalberto Moreira: As normas e os fatos: desenho e efetividade das instituições de regulação do mercado de trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. CARVALHO NETTO. Menelick de. A sanção no procedimento legislativo. Belo horizonte: Del Rey, 1992 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTR, 2006. DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. 2ª tiragem. São Paulo: LTR, 2007. FERNANDES, Reynaldo. O Trabalho no Brasil no limiar do século XXI. São Paulo: LTr, 1995. FRENCH, John D. Afogados em leis: A CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002. GENRO, Tarso. Mudanças do Direito do Trabalho, transição e futuro. Disponível em: http://tarsogenro.com.br/mudancas-dodireito-do-trabalho-transicao-e-futuro-2/ Acessado em: 10/11/2012. GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa. (Re) Pensando a pesquisa jurídica: Teoria e prática. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. GUYAU, Jean-Marie. Crítica da ideia de sanção. São Paulo: Martins Fontes, 2007. IANNI, Octavio. A Sociedade Global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992. HOUAISS, Antônio. Dicionário da Língua Portuguesa. 3. Ed. Ver. E aum. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008 IHERING, Rudolf Von. A luta pelo Direito. 23. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2004. KURZ, Roberto. O homem flexível: O novo caráter social da sociedade de crise global. Disponível em: http://obeco.planetaclix.pt/rkurz11.htm. Acessado em 01/04/2012. MATA MACHADO, Edgard de Godói da. Direito e Coerção. Belo Horizonte: Ed. Unimarco, 1999. OFFE, Claus. Trabalho e Sociedade: Problemas estruturais e perspectivas para o futuro da “sociedade do trabalho” / Claus Offe: tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos: O Contínuo Crescimento do Desemprego em todo o mundo. São Paulo. M. Books do Brasil Editora Ltda, 2004. RIFKIN, Jeremy. A Terceira Revolução Industrial: Como o poder lateral está transformando a energia, economia e mundo. São Paulo. M. Books do Brasil Editora Ltda, 2012. SUPIOT, Alain. Trabajo y Empleo: Transformaciones del trabajo y futuro del Derecho del Trabajo em Europa. Valencia, 1999. VALENTINI, Rômulo Soares. Aplicações de Sanções Positivas no Direito do Trabalho Brasileiro, - dissertação de mestrado Disponível em: http://200.198.41.151:8081/tribunal_contas/1998/02/-sumario? next=3>. Acesso em: 20 out. 2012.

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A PROMESSA ILUMINISTA E O DIREITO DO TRABALHOT: ENTRE O PROJETO DE EMANCIPAÇÃO SOCIAL E A RACIONALIDADE ECONÔMICA Maíra Neiva Gomes 1.Considerações iniciais Desde a crise do petróleo, na década de 70, somos bombardeados pelo discurso de necessidade de reforma trabalhista, como mecanismo essencial para inserção dos países no cenário de competição capitalista internacional. Tal discurso, atualmente, tem se apresentado, especialmente no Brasil, sob a fórmula de “prevalência do negociado sobre o legislado”. Essa temática não é nova. Pelo contrário, ela esteve bem presente na década de 90, quando a proposta era, por meio de uma emenda constitucional, alterar a redação original do caput do art. 7º da Constituição Federal: Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, salvo negociação coletiva. (grifo nosso)

A pretensão era possibilitar que a negociação coletiva fosse absoluta, mudando até mesmo o caráter imperativo das normas trabalhistas. Imprimindo-lhes a possibilidade de disponibilidade de direitos, algo comum ao Direito Civil, como lembra Márcio Túlio Viana . A novidade no debate atual é a adesão de parte significativa do movimento sindical à proposta, algo impensável nos idos da década de 90. O projeto ACE – Acordo Coletivo Específico – causou polêmicas e chocou a comunidade acadêmica, pois foi elaborado pelo histórico Sindicato dos Metalúrgicos do ABCD paulista, em parceria com a CNI – Confederação Nacional da Indústria. Mas a intenção do presente estudo não é abordar criticamente tal proposta –porque ela foi engavetada pelo Poder Executivo e também porque ela já foi tema de outros estudos . O intuito da provocação acima é revelar sobre quais fundamentos se estruturou tal proposta. A exposição de motivos do projeto de Lei apresenta dois argumentos que tem sido reiterados em todos os debates sobre flexibilização das normas trabalhistas : a) necessidade de modernização da legislação, que, supostamente, se apresenta como entrave econômico para a inserção no mercado internacional globalizado; b) manutenção dos postos de trabalho. Em outras palavras, os argumentos, tanto favoráveis, quanto desfavoráveis, as propostas de flexibilização trabalhista giram em torno do debate econômico. Mas seria só essa a justificativa do Direito do Trabalho ou ele nasceu com outros anseios? O próprio caput do art. 7º da Constituição Federal demonstra o objetivo do Direito do Trabalho, ao utilizar a expressão “melhorias das condições sociais”. No entanto, movimento sindical e a própria academia se limitam ao debate de cunho econômico. Seria o Direito do Trabalho apenas um ramo do Direito Econômico, construído sob os moldes contratuais do Direito Civil ou ele possui uma perspectiva mais ampla? O texto constitucional, como lembra Carmem Lúcia Rocha , possui um princípio convergente: a dignidade da pessoa humana. E mais, revela, ao longo de seu texto – preâmbulo, caput do art. 170, art. 193 que o trabalho é um primado, um valor que orienta o texto jurídico, que firma as bases para a organização da sociedade e do próprio Estado * Maíra Neiva Gomes Membro das Comissões de Direito Sindical e Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB MG , Mestre e doutoranda em Direito do Trabalho Modernidade e Democracia ,Professora das Faculdades de Direito Milton Campos e Fumec.- Professora de pós graduação nos cursos da Una e Esa/ Dom Helder.

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Nessa lógica, o Direito do Trabalho não é um fim em si mesmo – como o debate econômico sugere – ele é um meio para se atingir algo muito maior. Pode-se dizer que o Direito do Trabalho, como compreende a historiadora Valéria Marques Lobo , é um instrumento para “desmercantilizar” a mão-de-obra e assim possibilitar que os indivíduos se retirem do “reino das necessidades”, como sugere Marx, em Críticas ao Programa de Gotha , e assim possam construir a sua emancipação. Talvez, o debate tenha que sair da seara econômica, onde o princípio da proteção – tão caro ao Direito do Trabalho – também é utilizado para justificar a flexibilização, sob a roupagem de manutenção dos postos de trabalho. Este é o objetivo da presente resenha, flertar com a filosofia, buscando desnudar os anseios que estiveram presentes na construção do Direito do Trabalho. Para tanto, se buscará focar o estudo nos próprios atores que construíram a norma, os trabalhadores e seus sindicatos, mas também se tentará desenhar – ainda que superficialmente – o quadro sócio cultural do nascedouro deste distinto ramo do Direito. 2. Direito do Trabalho enquanto expressão do pensamento iluminista Rüger apresenta o Direito do Trabalho como expressão da Modernidade e é a partir de tal concepção que se buscará, no presente texto, delinear os anseios iniciais deste ramo do Direito. A Modernidade é compreendida, pela filosofia, como o momento de resgate da racionalidade humana. Isso porque sua principal característica é o que Weber e Hegel denominam de “processo de desencanto”. O “desencanto” é a decadência da religião, onde as belas artes, a filosofia e o Direito se tornam autônomos, por meio da substituição da fé pela certeza científica. O Moderno rompe, radicalmente, com o passado, com a tradição, com o discurso religioso, para se aventurar nas inovações contínuas que buscam o progresso constante e racional. Gontijo esclarece que o Estado Moderno possui quatro fases: a) Estado Absolutista (final século XV ao final do século XVIII), onde, ao contrário do que o senso comum afirma, não havia poder soberano do monarca e sim pluralismo jurídico, onde o direito canônico convivia com as ordenações reais, o direito romano e os usos e costumes; b) Estado Liberal (final do século XVIII ao final do século XIX); c) Estado Social (século XX, até a década de 70); d) Estado Democrático de Direito (ainda em consolidação). O Direito do Trabalho, embora só se apresente enquanto ramo jurídico a partir do século XIX, inicia sua construção ainda no Estado Absolutista. Mas a construção que aqui se refere não é enquanto fenômeno jurídico e sim enquanto fenômeno político social e também econômico. Para compreender melhor tal processo, iremos efetuar um pequeno esboço histórico da consolidação do Direito no Estado Moderno. 2.1. O rompimento com o Antigo Regime e o projeto iluminista Como dito anteriormente, no Estado Absolutista havia pluralismo jurídico. A lógica de organização do Estado Absolutista ainda se firmava na própria estruturação de poder na Idade Media. No sistema feudal europeu, o poder político estava vinculado à propriedade de terras produtivas. Assim, senhores feudais e a Igreja Católica eram os detentores de poder e, consequentemente, centros positivadores do Direito. No entanto, não eram os únicos. René Davi descreve como os usos e costumes eram fontes do Direito na Europa feudal, sendo base de normatização que, na época, era fragmentada, pois observava as tradições de cada feudo. Gontijo esclarece que essas são as bases do que ele denomina de “direito comum europeu” que organizava a sociedade em estamentos – classes sociais imutáveis – válidas em toda a Europa. Ou seja, um camponês seria camponês em qualquer país europeu e seus direitos e deveres eram definidos por seu estamento e não por sua nacionalidade. Tal forma de organizar a sociedade e o Direito persistiu durante o período mercantilista e foram 102


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preservadas, inclusive, quando surgiram as primeiras instituições, criadas a partir do “trabalho”. Corporações de ofício e corporações de companheiros, segundo Pistori , regulamentavam a concorrência mercantil e o trabalho, se consolidando como centros positivadores de normas. Ao que tudo indica, na primeira fase do Estado Moderno – Estado Absolutista – ainda não havia ocorrido, do ponto de vista jurídico, o rompimento com o antigo, com o tradicional. Mas o pensamento iluminista já pretendia efetuar a revolução jurídica e instaurar uma nova ordem, baseada na liberdade e na igualdade. Gontijo revela que o pensamento iluminista sustentava que o excesso de normas jurídicas implicava em privilégios a grupos específicos, advindos da tradição. Para se instaurar a igualdade era então necessário proceder a uma profunda revolução jurídica, pautada no princípio da legalidade. E o que seria a legalidade no pensamento iluminista? A legalidade seria a sistematização única, universal do Direito, a partir de um único centro positivador: o Estado. Para Rüger , o projeto iluminista inicial, filosófico e político, era a emancipação política e a organização racional da sociedade pelo Estado e o Direito, bem como do domínio científico da natureza. E é nesse contexto que se desenvolve a revolução jurídica, política e econômica que derrubou o Antigo Regime e instituiu o Estado Liberal. Mas para se compreender tal processo é necessário descrever – ainda que brevemente – os conflitos instaurados dentro do próprio movimento que levou à derrocada do Antigo Regime, a Revolução Francesa. 2.2. A disputa dos sentidos da Revolução Francesa: burguesia x sans-culottes Não se pretende aqui descrever o turbulento processo da Revolução Francesa, também descrita pelos historiadores como expressão maior das Revoluções Burguesas do século XVIII, e, sim, apenas descrever a tensão existente que, normalmente, é ignorada. E.P. Thompson , ao descrever a formação do sindicalismo moderno, enfatiza que este está ligado aos próprios anseios iluministas. O historiador compreende que a primeira fase de estruturação do sindicalismo ocorre nas sociedades secretas de correspondência inglesas, espécies de locais de debates clandestinos dos trabalhadores sobre temas relacionados à política, economia, trabalho. Os membros das sociedades inglesas trocavam cartas com os sans-culottes franceses que, para Eric Hobsbawn , foram os verdadeiros agitadores da Revolução Francesa. Os sans-culottes eram a ala radical dos já radicais jacobinos. Eram assim chamados, pois suas calças não possuíam culotes, sendo a vestimenta típica dos trabalhadores. Diferente dos demais revolucionários franceses, os sans-culottes adotavam os pensamentos de Tom Paine e defendiam que o Estado deveria assegurar direitos sociais e que o regime democrático deveria adotar a fórmula de participação direta – e não meramente representativa. No entanto, os sans-culottes acabaram sendo massacrados ainda durante a Revolução Francesa e acabou triunfando os ideais burgueses de revolução e, consequentemente, consolidou-se o Estado Liberal. No entanto, os pensamentos iluministas acabaram influenciando outras fases do sindicalismo. Tanto os luddistas, quanto os cartistas ingleses – do século XIX – cruzavam reivindicações trabalhistas com anseios políticos de emancipação e participação efetiva dos trabalhadores na estruturação do Estado. A etapa seguinte do sindicalismo – a revolucionária marxista/anarquista -, também se estrutura no desejo de edificação de uma sociedade que atinja a emancipação política dos trabalhadores, por meio da derrubada do sistema capitalista de produção. Talvez se possa até mesmo afirmar, por meio da analise mais profunda de tais etapas, que o passo inicial do sindicalismo moderno foi a negativa da subordinação do trabalho – tanto no espaço produtivo, quanto na vida social. Luddistas, ao quebrarem as máquinas, se opunham a consolidação do capitalismo industrial, ao mesmo tempo em que conclamavam, por meio de seus folhetos, os trabalhadores a derrubarem a “classe parasitária”: nobreza. 103


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Por sua vez, os Cartistas, já integrados ao sistema de organização capitalista do trabalho, reivindicavam limites à exploração deste, ao mesmo tempo em que buscavam conquistar direitos de participação política dos trabalhadores. Já anarquistas e marxistas sonhavam com um mundo em que não houvesse exploração do trabalho pelo não produtor – detentores dos meios de produção. Afirmavam que esta era a única forma de se conquistar a emancipação política definitiva. Aliás, os anarquistas entendiam as greves reivindicatórias como momentos de educação pela práxis, onde os trabalhadores compreenderiam o sistema capitalista, bem como a importância de suas ações coletivas. Pensamento similar possuíam os marxistas, que entendiam que as greves reivindicatórias somente se justificavam como expressão de força organizativa dos trabalhadores. Ao se analisar as primeiras etapas do sindicalismo, talvez, se possa chegar à conclusão que o objetivo inicial não era a construção de direitos relacionados ao assalariamento. Parece que o anseio do movimento sindical nascente era preservar a autonomia produtiva, por meio da conquista da emancipação política. Se tal premissa estiver correta, o Direito do Trabalho não é um fim em si mesmo, ele é apenas um passo necessário para a construção do “reino da liberdade e da igualdade”, descrito por Hegel como “Espírito Absoluto”. Mas, nem o movimento sindical, nem o próprio Direito do Trabalho levaram a cabo suas intenções originais e o Estado Liberal acabou por se consolidar, sem que se realizasse os sonhos iluministas. 2.3. O Estado Liberal e a consolidação visão econômica do Direito do Trabalho O Estado Liberal se consolidou a partir dos sonhos iluministas. No entanto, não representou a consagração de tais sonhos. Gontijo entende que o Estado Liberal é o triunfo da burguesia, que substitui o poder das nobrezas e desvirtua o pensamento iluminista. Segundo o autor, sob a justificativa de consolidar o princípio da legalidade, o Estado Liberal estabelece o Estado como único centro positivador. Mas o Estado Liberal possui um poder soberano, o Legislativo. E o Poder Legislativo, consolidado a partir da noção de democracia representativa, não é capaz de assegurar os tão almejados princípios iluministas de igualdade e liberdade. Isso porque o Estado Liberal preservou a soberania vertical. Ou seja, os detentores do poder econômico continuaram sendo os detentores exclusivos do poder político. As primeiras medidas do Estado Liberal foram as proibições de associações de trabalhadores e a estipulação do voto censitário. Em outras palavras, eliminam-se centros alternativos de positivação jurídica, ao mesmo tempo em que se impede o acesso das camadas populares ao poder representativo. O discurso iluminista, curiosamente, continua a fornecer argumentos para a positivação centralizada de normas. E no decorrer do século XIX inicia-se a “febre legiferante”, agora também justificada pelo típico cientificismo da época que busca reduzir todos os fenômenos sociais ao quadro cartesiano, típico das ciências naturais. As estruturas sociais passam então a ser compreendidas como sistemas que se movem segundo técnicas mecanicistas que, no Direito, são os ordenamentos jurídicos. O Direito perde seu anseio emancipatório e cede lugar ao tecnicismo que, para Foucault, é apenas mais uma fórmula de controle social , desejava pelo capitalismo. Após se organizar política e juridicamente, o capitalismo necessita educar os indivíduos para que estes lhe sejam úteis. Weber descreve como a própria religião foi fundamental para a consolidação do sistema capitalista, a partir do disciplinamento dos indivíduos. Foucault vai além ao compreender que tal disciplinamento para o trabalho foi realizado também na escola, no próprio trabalho, nos hospitais, no exército e pelo Direito. É o que ele denomina de ortopedia social, que implica na redução do sistema punitivo ao infrator, de modo a introduzir nele posturas disciplinares que controlam seu comportamento em todas as searas sociais. Talvez isso possa ainda ser visualizado nas grades curriculares dos cursos de Direito, onde se privilegiam, quase que exclusivamente, as disciplinas que normatizam direitos de propriedade – Direito Civil – e as que 104


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estabelecem punibilidade – Direito Penal, deixando em segundo plano as disciplinas que estabelecem direitos sociais. Propriedade privada e punição para quem a violar, até hoje parece ser o projeto pedagógico dos cursos de Direito. Segundo Rüger , o capitalismo destruiu as relações feudais de produção e poder. Organizou o mercado e deu novo sentido ao Estado e ao Direito. E é nesse contexto, pós século XVIII, que o Direito do Trabalho surge enquanto fenômeno jurídico. Fruto das reivindicações dos trabalhadores e da elaboração de normas, a partir de centros alternativos de positivação, o Direito do Trabalho se consolida a partir do início do século XIX, justamente quando o fenômeno da codificação toma corpo na Europa e nas regiões por ela influenciadas. No próprio século XIX, inicia a contestação da presença dos anseios iluministas nos fenômenos políticos, sociais e jurídicos da época. Os “mestres da suspeita” – Freud, Marx, Nietsche – colocam em cheque a racionalidade, ao afirmarem que por trás de tal discurso existe um desejo – quase oculto - de manutenção do controle social. No século XX, Weber e Arendth contestam a racionalidade, revelando seu caráter burocrático e autoritário e a Escola de Frankfurt, na década de 60, aprofunda a crítica. Diante as críticas ao próprio iluminismo, talvez se possa dizer que o Direito passou a ser submetido à uma nova racionalidade, a econômica, abandonando o desejo de emancipação social, que tanto marcou o iluminismo. Nesse cenário, o Direito do Trabalho se consolida como importante instrumento de preservação do sistema capitalista de produção. Isso porque se fundamenta em uma racionalidade meramente econômica e possibilita o controle social. 3. Direito do Trabalho e a possibilidade da retomada do projeto iluminista O Direito do Trabalho é fruto das lutas dos trabalhadores, mas também se origina das necessidades do capital. A necessidade política imediata parece ser a intenção de cessar a possibilidade de crescimento do sindicalismo revolucionário – anarquista/marxista. Mas, do ponto de vista da organização do espaço produtivo, o Direito do Trabalho parece ser essencial para o disciplinamento para a produção. Isso porque estabelece – de forma inequívoca – o fim da possibilidade de liberdade na produção, ou seja, estipula como seu elemento primordial: a aceitação dos trabalhadores da subordinação. Todo o discurso que legitima o Direito do Trabalho, especialmente, pós segunda guerra mundial, parte da seguinte fórmula: O trabalhador é subordinado no espaço produtivo. Em contrapartida, ele é merecedor de alguns direitos remuneratórios. Direitos esses essenciais para a prosperidade econômica. Quanto mais renda é injetada na economia, maior é o consumo. E quanto maior o consumo, maior a produção e maior é a geração de postos de trabalho. O ciclo parece virtuoso, tanto que é descrito por Hobsbawm como “era de ouro”. A justificativa é toda econômica e o trabalhador, nesse enredo, é apenas um instrumento para o lucro e prosperidade do outro. É possível argumentar que existem direitos trabalhistas que não possuem correlação direta com a transformação do trabalho em mercadoria, como as normas de saúde e segurança e de limitação de jornada. Mas será mesmo? Qual a consequência da violação de tais direitos? O pagamento de indenizações e multas, em dinheiro. E assim a própria justificativa de limitação de jornada e de respeito às normas de saúde e segurança perde totalmente sua lógica. Ora, para que assegurar convívio sócio familiar dos trabalhadores pela limitação da jornada ou sua integridade física, se a violação de tais direitos tem como consequência o pagamento de mais dinheiro ao próprio trabalhador? O próprio indivíduo que tem seus direitos violados passa a abrir mão dos mesmos, pois mais lhe interessa o recebimento de dinheiro pelo sacrifício de sua sociabilidade e integridade física. E qual a lógica que sustenta tal estruturação? Por mais que nós, juristas trabalhistas, não admitimos, o 105


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Direito do Trabalho ainda é um ramo do Direito Civil, como sugere Cleber Lúcio de Almeida, em suas aulas. A relação é contratual e está dentro da lógica de codificação do Direito. Basta lembrar que o primeiro sistema jurídico do Estado Liberal é justamente o Código Civil napoleônico, fundado nas ideias contratualistas. Ou seja, o Direito do Trabalho ainda se limita a uma relação contratual, de fundo civilista, que é a venda da mercadoria trabalho. Mas como já indagado anteriormente, seria esse seu anseio inicial? Karl Marx elaborou muitos de seus estudos durante agitações de trabalhadores. Ele observou e descreveu o movimento cartista, assim como também a Comuna de Paris. Normalmente, Marx somente é lembrado, por sindicalistas e até mesmos estudiosos do mundo do trabalho, por suas formulações em O Capital, estudo que buscou desvendar os mecanismos econômicos do sistema capitalista. No entanto, Marx, aluno de Hegel, atribuía sentidos muito mais amplos ao trabalho que, infelizmente, muitas vezes são ignorados. No O Capital, Marx evidencia o trabalho enquanto valor econômico, partindo das concepções de Adam Smith e David Ricardo. O trabalho explorado é a base de lucro do capitalismo e também é mercadoria que se coloca a venda, como única forma de sobrevivência dos não detentores dos meios de produção. Mas estudos anteriores revelam outras concepções de Marx sobre o trabalho. Marx concebia o trabalho como a verdadeira essência humana. Ou seja, o trabalho é a ligação social primordial, a partir da qual o desenvolvimento da espécie humana ocorreu, e por meio do qual a racionalidade se expressa. Para ele, trabalho é a subjetividade humana, a potência criativa, plasmada em um objeto. Mas Marx também entendia o trabalho enquanto um valor político poderoso. Pois seria a organização do trabalho no capitalismo que tornaria possível a percepção dos trabalhadores enquanto classe explorada que constrói laços de solidariedade e intenta uma revolução. Ou seja, Marx via três valores fundamentais no trabalho: o econômico, o sociológico e o político. No entanto, o pensamento marxista, após o falecimento de Marx, e pelas mãos do ex secretario de Engels, Kautsky, passou a adotar quase que exclusivamente, a dimensão econômica do valor trabalho. Influenciado pelas ideias darwinistas, o pensamento marxista acaba desenvolvendo uma nova abordagem: o reformismo. No decorrer do século XX, as organizações marxistas passam a se mobilizar não mais para derrubar o sistema capitalista de produção, mas sim para “humaniza-lo”. E dentro dessa lógica, a tarefa do sindicalismo não é mais contestar o modelo de produção e sim arrancar dele mais benefícios remuneratórios. Anseio que vai direto ao encontro dos desejos do próprio capital, especialmente após 1945, como já esclarecido acima. Mas o capital parece ter mudado de ideia. Isso porque, a partir da década de 70, o próprio começou a questionar esse pacto implícito e, até o momento, o tradicional, o secular movimento sindical parece paralisado diante dessa nova realidade que lhe está sendo imposta. 4. Um futuro possível para o Direito do Trabalho Segundo Rüger , na sociedade atual, o Direito é deslegitimado pelo fim das grandes narrativas, que era umas das mais importantes características do iluminismo. Ele passa a ser construído a partir de pequenas narrativas, consensos momentâneos. Sua característica não é mais a busca de valor comum, mas sim de dissensos. O Direito torna-se pragmático para buscar solução de conflitos, caso a caso. Ele se legitima não mais pela satisfação de necessidades, mas sim por sua eficiência econômica. A sociologia do trabalho e o próprio Direito do Trabalho se debruçam sobre os fundamentos econômicos que atualmente retiram a força deste ramo do Direito. No entanto, nos arriscaremos a seguir os passos de Márcio Túlio Viana e refletir sobre a atual fragilidade dos direitos trabalhistas sobre outra perspectiva. Bauman tem evidenciado que na Modernidade Líquida – sociedade contemporânea – há uma rejeição às instituições e uma valorização extremada dos indivíduos e dos desejos imediatos. 106


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Nesse novo contexto social, instituições que formavam as identidades dos sujeitos passam a ser vistas com extrema desconfiança. O sujeito agora requer que a instituição se forje a partir dele. Ou seja, não há mais adesão voluntária a valores comuns, inclusive normas jurídicas. Nesse contexto, obviamente o Direito do Trabalho perde sua autoridade, pois é um ramo jurídico pautado na imperatividade das normas e na indisponibilidade de direitos. O que não condiz com o anseio crescente de ampla liberdade contratual. Além disso, há uma séria desconfiança de instituições tradicionais de positivação jurídica, o Parlamento e o próprio Sindicato. Como superar tal realidade social? Talvez seja necessário que o sindicalismo repense toda a sua atual forma de organização e escute os sinais que estão sendo apontados pela nova classe trabalhadora que tem emergido. Parece que a retórica tradicionalmente utilizada pelo sindicalismo não esteja mais surtindo efeito. Ao que tudo indica, cada vez mais, os trabalhadores não se identificam socialmente pelo trabalho, até mesmo porque a realidade do mundo do trabalho hoje é totalmente distinta. Se o “capitalismo pesado” – pós segunda guerra até a crise do petróleo – estabeleceu a permanência no emprego como uma premissa, essa já não é mais a realidade do “capitalismo leve” - atual. Curiosamente, a permanência no mesmo emprego, surgiu para atender uma necessidade do próprio capital. Ford a estabeleceu como forma de evitar a alta rotatividade de mão-de-obra que gerava altos custos no treinamento dos trabalhadores. Claro que tal permanência no emprego foi apresentada por Ford como uma concessão de direitos àqueles trabalhadores que aderiam a seu programa de “americanização”. Posteriormente, o Direito do Trabalho, incorporou tal necessidade do capital como um de seus princípios norteadores – princípio da continuidade da relação de emprego. Tal princípio é compatível com a própria visão iluminista de progresso constante e ininterrupto, que possibilita o planejamento do futuro. Porém, este projeto do Direito do Trabalho, parece não agradar a nova classe trabalhadora, que tende a compreender que tudo é transitório, inclusive o próprio amor. Como então estruturar a retórica sindical diante de uma realidade que é a não identificação social pelo trabalho? Parece que as últimas manifestações que eclodiram no Brasil – no mundo inteiro – podem apontar uma alternativa. Os atuais agitadores sociais edificam seu discurso reivindicatório não na condição de trabalhadores, mas sim de cidadãos. Eles reivindicam a estruturação do Estado para o atendimento de necessidades públicas. Direitos amplos para propiciar uma existência completa. Na Primavera Árabe, nas agitações na Grécia, no movimento Indignados da Espanha, na resistência dos estudantes chilenos e mexicanos, nos atuais conflitos sociais na Inglaterra e nos EUA, nas Jornadas de Junho brasileiras, o discurso reivindicatório se repete: a) Democracia direta e participativa; b) Reconhecimento e respeito às singularidades de raças, de gênero, de orientação sexual; c) Rechaço ao poderio desmedido do capital financeiro internacional; d) Mobilidade urbana como forma de assegurar uma existência digna; e) Políticas públicas que efetivem a inclusão educacional e cultural. Mas muito mais do que apontar novos anseios, os novos agitadores sociais ainda apresentam novas formas de articulação de interesses: a) Estruturação de organizações horizontais ; b) Reconstrução do locus coletivo de solidariedade no mundo virtual. Para Boaventura de Souza Santos , a negociação social permanente apresenta-se como uma chance para o Direito valorizar conhecimento e práticas sociais não hegemônicas. É uma proposta de diálogo multidimensional, intercultural, horizontal, cuja base é a dignidade humana, em uma cultura babélica. Talvez esse seja um sinal para o movimento sindical se reconstruir e reafirmar a autoridade do Direito do Trabalho como um meio de se atingir o objetivo emancipatório.

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Revista Jurídica Digital RTM 5. Considerações finais

O Direito do Trabalho não é um ramo do Direito que é um fim em si mesmo. Ele é um meio para se atingir um fim maior: o projeto iluminista de emancipação política e social. Mas para que essa sua faceta se releve é necessário efetuar o resgate de seus anseios iniciais. Limitar o debate do Direito do Trabalho às questões econômicas é lhe impor uma negativa que o descaracteriza em sua essência. Talvez seja necessário ampliar o debate, possibilitando que o Direito do Trabalho realize conquistas mais amplas, que permitam a efetiva inserção política, cultural, educacional, originalmente almejadas e que, atualmente, tem sido reivindicadas pela nova classe trabalhadora que está emergindo e que se organiza em espaços de articulação de interesses para além dos sindicatos. Talvez essa mudança de perspectiva possibilite até mesmo que o Direito do Trabalho encontre novos modos de afirmar sua autoridade. Pois se o debate econômico lhe apresenta um túnel sem saída, não permitindo que ele progrida, e se existe uma deslegitimação social geral das normas, a ideia de reafirmar o Direito do Trabalho enquanto uma conquista emancipatória progressiva, com objetivos mais profundos pode lhe conceber um caráter afirmativo das classes populares, qual seja, a necessidade de reconhecimento dos trabalhadores enquanto cidadãos completos que constroem suas reivindicações na afirmação de suas singularidades. Referências Bibliográficas BAUMAN, Zygmunt. Trad. Plínio Dentezien. Modernidade líquida. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. 278 p. DAVID, RENÉ. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Trad. de Hermínio A. Carvalho. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, 687 p. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Trad. de Raquel Ramalhete. 36. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. 291 p.FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Trad. de Roberto Mahado. 25. ed. São Paulo: Graal, 2012, 431 p. GOMES, Maíra Neiva; VIANA, Márcio Túlio. O negociado sobre o legislado II: a aventura continua. In: Vladmir Oliveira da Silveira e outros. (Org.). Anais do XX Congresso Nacional do Conpedi - a ordem jurídica justa: um diálogo euroamericano. 1ed.Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011, v. 1, p. 8519-8538. GONTIJO, Lucas Alvarenga. Discussão crítica sobre as relações entre princípio da legalidade, fenômeno da codificação e teoria da sistematização do direito nos séculos XVIII e XIX. In. GONTIJO, Lucas Alvarenga. Filosofia do direito: metodologia, teoria da argumentação e guinada linguístico pragmática. 1. ed. Belo Horizonte: Arraes, 2002, p. 3-21. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. Trad. de Paulo Meneses. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2011, 549 p. HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX – 1914 – 1991. Trad. de Marcos Santarrita. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 598 p. HOBSBAWM, Eric J. A revolução francesa. In: HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções. Trad. de Maria Tereza Lopes Teixeira; Marcos Penchel. 24. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009, Parte 1, item 3, p. 83-113. LOBO, Valéria Marques. Fronteiras da cidadania: sindicatos e (des)mercantilização do trabalho no Brasil – 1950/2000. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2010. 281 p. MARX, Karl. Críticas ao programa de Gotha. Trad. de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2012. 144 p. PISTORI, Gerson Lacerda. História do direito do trabalho: um breve olhar sobre a idade média. São Paulo: Ltr, 2007. 136 p. ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Disponível http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32229-38415-1-PB.pdf. Acesso: 04/09/2015. RÜDIGER, Dorothee Susanne. Teoria da flexibilização do direito do trabalho: uma tentativa de contextualização histórica. Prim@Facie. João Pessoa, número 4, Ano 3, p. 29-57, jan./jun. 2004. SANTOS, Boaventura de Souza; COSTA, Hermes Augusto. Introdução: para ampliar o cânone do internacionalismo operário. In: SANTOS, Boaventura de Souza (Org.). Trabalhar o mundo: os caminhos do novo internacionalismo operário. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 21-75. THOMPSON, E. P. A formação da classe operária: a árvore da liberdade. Trad. de Denise Bottmann. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004, 204 p. v. 1. THOMPSON, E. P. A formação da classe operária: a maldição de Adão. Trad. de Renato Neto e Cláudia Rocha de Almeida. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002a, 347 p. v. 2. THOMPSON, E. P. A formação da classe operária: a força dos trabalhadores. Trad. de Denise Bottmann. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002b, 440 p. v. 3. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo: texto integral. Trad. de Pietro Nassetti. 4. ed. São Paulo: Martin Claret, 2009. 235 p. (A obra-prima de cada autor).

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