Conexão 2.0 - JOGO DE ESPELHOS

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TEXTO E CONTEXTO: fomos criados para ser a cópia autorizada de Deus P. 20

Jul-Set 2019 – Ano 12 no 51

Exemplar: 9,50 – Assinatura: 30,20

ENTENDA. EXPERIMENTE. MUDE

JOGO DE ESPELHOS

Sua autoestima é formada a partir do seu olhar e do olhar dos outros. Saiba como sair bem desse labirinto de emoções e experiências P. 10 AO PONTO: A PSICOLOGIA DA POPULARIDADE P. 5

MÍDIAS SOCIAIS: UM TESTE PARA A SAÚDE EMOCIONAL P. 16

LIÇÃO DE VIDA: A CADEIRANTE QUE FICOU EM PÉ P. 30


Da redação

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Editor Wendel Lima

4 CONECTADO

OPINIÃO DE QUEM SEGUE A E CURTE A REVISTA

QUEM É VOCÊ?

6 GLOBOSFERA

ÉRIES, LIVROS, ESTATÍSTICAS S E REFLEXÕES SOBRE AUTOESTIMA

8 ENTENDA

S BENEFÍCIOS DO O EXERCÍCIO FÍSICO

Daniel Oliveira

VIA DE REGRA, a adolescência é o período da vida em que nossa autoestima é mais colocada em xeque. Todo adolescente parece já entrar em desvantagem nessa fase. Há algumas razões para isso. Espinhas no rosto, mudança na voz, silhueta que não agrada por causa da largura ou altura, corpo desengonçado e o cérebro em processo de maturação. Há um estranhamento em relação a si mesmo e maior preocupação com a opinião alheia, especialmente em relação às pessoas do sexo oposto. E se a autoestima é formada num labirinto de espelhos (matéria de capa), como resultado do nosso olhar sobre nós mesmos e dos outros a respeito de nós, será que aqueles que desenvolvem a espiritualidade com base no texto bíblico podem encontrar alguma vantagem nessa jornada? Creio que sim, e isso passa pelo autoconhecimento. Henri Nouwen, teólogo holandês falecido em 1996, que escreveu muito sobre espiritualidade cristã, sugeria que devemos buscar nossa identidade, ou seja, a resposta para quem somos, no valor que Deus atribui à humanidade. Isso significa ir além de se definir pelo que se faz (trabalho ou estudo), pelo que as pessoas dizem sobre você e pelo o que se possui. Aqueles que constroem sua identidade com base no trabalho ou na profissão podem ver seu chão cair quando enfrentam o desemprego, não alcançam uma esperada promoção na empresa, vão à falência no negócio que começaram ou ficam perdidos diante da aposentadoria, período que muitos vivenciam como um “luto” social. Por sua vez, aqueles que se preocupam em excesso com a opinião alheia podem se tornar escravos do julgamento dos outros e acabar tendo que dizer “sim” para tudo e todos. Apostar as fichas na própria popularidade é correr o risco de descobrir dolorosamente que a vida não é feita somente de incentivo, reconhecimento e likes, mas de críticas, distanciamentos e até intimidação. Por fim, definir quem você é a partir do que você tem, incluindo dinheiro, bens, saúde ou pessoas ao seu lado, também pode ser limitado e ilusório. Afinal, quando o dinheiro acabar, seja por imprudência, necessidade ou uma tragédia, ou quando a saúde passar, levando embora a vitalidade e a independência, ou quando as pessoas se forem, talvez levadas pela morte ou por que escolheram ir, no que você poderá se agarrar? Uma das grandes verdades bíblicas é que somos filho(a)s amado(a)s de Deus (Jo 1:12; 3:16; Rm 8:14-17). É assim que Ele nos enxerga e esse é o valor que Ele nos atribui. Creio que essa convicção pode ser a plataforma mais sólida e confiável sobre a qual podemos construir nossa identidade e autoestima. O desafio diário é conseguir ouvir a voz de Deus nos reafirmando isso em meio a tantas vozes. Algo que pode nos ajudar nessa caminhada é olhar para Jesus, o Autor e Consumador da nossa fé (Hb 12:2). Após ser batizado, Ele ouviu o próprio Deus lhe dizer: “este é o Meu Filho amado, em quem Me agrado” (Mt 3:17). Talvez essa declaração tenha ajudado o Salvador a não Se encantar com aqueles que O saudaram nem desanimar por causa daqueles que O condenaram. No sacrifício de Cristo, a humanidade encontra a oportunidade dos seus recomeços, e no exemplo Dele, a inspiração para prosseguir de cabeça erguida. 2 |

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24 PERGUNTAS

IRURGIAS PLÁSTICAS, CORPO C EM MOVIMENTO E CULPA

32 APRENDA

FOTOGRAFAR A ALÉM DA SELFIE

33 NA CABECEIRA

LIVRO DÁ DICAS PARA QUEM NÃO QUER PERDER TEMPO NO NAMORO

34 GUIA DE PROFISSÕES

TRABALHO DO DENTISTA O NÃO SE RESUME AO CUIDADO DOS DENTES

16 ARTIGO

OSSA EXPOSIÇÃO ÀS MÍDIAS N SOCIAIS COLOCA NOSSO VALOR EM XEQUE


26 IMAGINE

.... O MUNDO SEM NARCISISMO

5 AO PONTO

PSICÓLOGO QUE ESTUDA O OS EFEITOS DA POPULARIDADE

10

CAPA

COMO CUIDAR DE SI MESMO

Revista trimestral – ISSN 2238-7900 Jul-Set 2019 Ano 12, no 51 Ilustração da capa: Gabriel Nadai

CASA PUBLICADORA BRASILEIRA

Editora da Igreja Adventista do Sétimo Dia Rodovia Estadual SP 127 – km 106 Caixa Postal 34 – 18270-970 – Tatuí, SP Fone (15) 3205-8800 – Fax (15) 3205-8900 Site: www.cpb.com.br / E-mail: sac@cpb.com.br Serviço de Atendimento ao Cliente Ligue grátis: 0800-9790606 Segunda a quinta, das 8h às 20h Sexta, das 8h às 15h45 Domingo, das 8h30 às 14h

20 TEXTO E CONTEXTO

BASE DO VALOR E DIGNIDADE A DO SER HUMANO ESTÁ NO RELATO DA CRIAÇÃO

28 MUDE SEU MUNDO

ROJETO SOCIAL AJUDA P GAROTAS A ACREDITAR NUM FUTURO BRILHANTE

Editor: Wendel Lima Editores Associados: André Vasconcelos e Márcio Tonetti Projeto Gráfico: Éfeso Granieri e Marcos Santos Designer Gráfico: Renan Martin Diretor-Geral: José Carlos de Lima Diretor Financeiro: Uilson Garcia Redator-Chefe: Marcos De Benedicto Gerente de Produção: Reisner Martins Gerente de Vendas: João Vicente Pereyra Chefe de Arte: Marcelo de Souza Colaboradores: Alexander Dutra, Almir Afonso Pires, Almir Augusto de Oliveira, Eder Fernandes Leal, Edgard Luz, Henilson Erthal de Albuquerque, Ivan Góes, Raquel de Oliveira Xavier Ricarte, Rérison Vasques, Rubens Paulo Silva e Vanderson Amaro da Costa Assinatura: R$ 30,20 Avulso: R$ 9,50 www.conexao20.com.br 9116/39835

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LIÇÃO DE VIDA

LA SUPEROU A PARALISIA E CEREBRAL, O BULLYING NA ESCOLA E A MORTE DA MÃE

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio, sem prévia autorização escrita do autor e da editora.

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Informação Conectado & Opinião Globosfera Ao ponto Entenda

Edição de abril-junho GUARDIÕES DO PLANETA (P. 20-23) O texto de André Vasconcelos me permitiu refletir sobre aspectos do meu papel como criatura, formada à imagem de Deus, com a responsabilidade de cuidar da natureza e representar a Divindade diante da criação. A tarefa não é nada fácil para um ser "caído" que vive neste mundo de pecados absurdos. Será que o ser humano está preocupado com a Terra que seus filhos e netos herdarão? O que podemos esperar da humanidade que se esqueceu da sua função e até do próprio Criador? Aguardo o dia em que o ser humano restabelecerá seu relacionamento com o Senhor. Dessa forma, nosso planeta também será restaurado à sua perfeição original.

criacionismo. E apesar de simples, com linguagem acessível e exemplos do dia a dia, o artigo foi suficiente para evidenciar a grandiosidade da criação de Deus e mostrar que existem muitas questões envolvidas na teoria criacionista.

Edna Hengles Teles São José dos Campos (SP)

Jackson Roberto de Andrade Goiânia (GO)

Achei equilibrado o artigo “Guardiões do planeta”. O autor fugiu do lugar-comum ao tratar do tema, apresentando um texto bem fundamentado e interessante. Depois da queda moral do ser humano, a Terra não poderá voltar ao seu estado original sem a intervenção de Deus, mas isso não muda o fato de que a humanidade tem a obrigação de participar desse processo de restauração da criação. Gostei também da advertência para cuidar com o panteísmo e ênfases exageradas no valor da natureza. Além disso, fiquei feliz em ver teologia bíblica consistente em uma revista para jovens.

TECNOLOGIA Já que vocês estão nesta vibe de edições temáticas, será que não poderiam pautar assuntos sobre tecnologia, robótica e inteligência artificial? Discutir esses temas poderia ajudar os jovens que cursam engenharia ou ciência da computação a entender que existe uma parte para eles na pregação do evangelho.

Bruno Flávio Planaltina (DF)

Por meio da Bíblia, descobrimos que devemos tomar parte ativa no projeto divino para nosso mundo. O artigo “Guardiões do planeta” me fez pensar no privilégio dessa notável tarefa. Precisamos nos reconectar a Deus, pois a natureza também aguarda com ansiedade a redenção de todas as coisas. Sthefania Rocha Caraguatatuba (SP)

Edição de janeiro-março SINAIS DO CRIADOR (P. 10-15) Essa matéria colaborou bastante para ampliar meu horizonte sobre o 4 |

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Kaian da Silva Massena Niterói (RJ)

CENÁRIO DA CRIAÇÃO (P. 20-23) A primeira edição do ano sobre as digitais do Criador fez sucesso aqui em Goiânia. Os alunos do Ensino Médio da rede adventista se empolgaram com o tema, principalmente com a matéria sobre os paralelos no relato da criação, na seção “Texto e contexto”. Continuem produzindo coisas interessantes assim!

Vitor Lhamas Tupã (SP)

NOVIDADES A primeira revista de 2019 foi incrível! Gostei muito da proposta de trabalhar o mesmo tema ao longo das várias seções. E a nova capa ficou maravilhosa. Deu um ar de mais modernidade para a revista. Demétrio Kened Passa Tempo (MG)

DICAS PARA PROFESSORES Como professora de ensino religioso da rede, recebi a newsletter sobre as dicas para a utilização da revista em sala de aula. Certamente vou usá-las no meu trabalho. Tenho certeza de que esse projeto é de Deus e que vocês foram escolhidos por Ele para nos ajudar. Risomara Moreira Guimarães Jacareí (SP)

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Ao ponto

Texto Mariana Venturi Ilustração Paulo Vieira

TODO MUNDO

QUER SER POP A POPULARIDADE NUNCA foi tão popular, a ponto de se tornar até objeto de estudo científico. É isso mesmo. Há cerca de 20 anos, o psicólogo Mitch Prinstein estuda temáticas relacionadas à adolescência; entre elas, a popularidade. Ele é autor de dois livros sobre o tema e diretor do programa de Psicologia Clínica da Universidade da Carolina do Norte (EUA). É o doutor Prinstein que leciona também um curso on-line, gratuito e aberto sobre psicologia da popularidade (coursera.org). Nesta entrevista, ele resume suas principais descobertas.

Por que a popularidade importa tanto? Na adolescência estabelecemos padrões de comportamento e expectativas que continuarão a moldar nossos relacionamentos por um bom tempo. Centenas de estudos sugerem que nossa maneira de nos relacionarmos com os outros nesse período pode nos afetar na fase adulta. Nossa popularidade influencia a felicidade, o sucesso, se somos contratados ou promovidos no trabalho, quanto dinheiro ganhamos e até mesmo nossa saúde física. A busca por status e a popularidade como meta, por outro lado, é destrutiva. Quais são os problemas que podemos ter com isso em longo prazo?

Há dois tipos de popularidade. O primeiro é a simpatia, que tem como base fazer os outros se sentirem felizes, incluídos e valorizados, e está associado a uma variedade de resultados positivos. O segundo é o status, que tem que ver com a busca por ser conhecido, influenciar e dominar. Esse tipo de popularidade é nocivo, pois exige colocar os outros para baixo a fim de nos tornarmos mais evidentes. Pessoas com alto status têm mais chance de desenvolver depressão, ansiedade, vícios e problemas de relacionamento.

A busca por visibilidade nas mídias sociais pode ser sintoma de uma preocupação maior que temos em nos destacar na multidão, em vez de tentar criar uma comunidade. Costumamos nos importar com o número de seguidores ou curtidas que recebemos de desconhecidos. Isso é preocupante, porque pode afetar a qualidade dos nossos relacionamentos com pessoas conhecidas e importantes para nós. Ironicamente, quanto mais nos tornamos digitalmente conectados, mais solitários ficamos.

Como você vê a obsessão por popularidade nas mídias sociais?

Seu livro conclui que a popularidade sadia não é subir na hierarquia, mas se conectar

com o outro. Como interagir melhor nesta era digital? Recomendo que todos, jovens e adultos, usem as mídias sociais apenas moderadamente, e tomem cuidado com as propriedades biologicamente viciantes dessas ferramentas. Elas podem ajudar a nos sentirmos conectados aos outros se as usarmos como um suplemento, mas não como substituto das interações humanas reais. Um conselho final. Embora popularidade e status pareçam importantes, a ciência nos diz incontestavelmente que é a habilidade de amar as pessoas que importa para a felicidade e o sucesso em longo prazo. jul-set

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Texto Wendel Lima

PARA ASSISTIR

Fora de Série: 22 episódios, duas temporadas (10-20 min). Quatro adolescentes falam sobre os conflitos típicos dessa fase da vida. Código fonte: seis capítulos (28 min). Bate-papo de um pastor com um grupo de adolescentes, sobre como a Bíblia oferece orientações a respeito de identidade, autoestima e futuro.

Filmes Libertos (2018, 1h28min) e O Resgate (2017, 55 min) foram produções da Igreja Adventista para a Páscoa. Os dois enredos são analogias do que a Bíblia descreve ter sido o significado da morte de Jesus. Assim como na narrativa da criação, no relato da crucifixão o ser humano pode encontrar seu verdadeiro valor. © Ljupco Smokovski | Adobestock

Séries Coadjuvantes: sete episódios (6 min). Sete adventistas contam como procuram usar sua influência na web para testemunhar de Cristo, o protagonista.

Resgatados: quatro episódios (4 min). Testemunhos com sobreviventes do desastre aéreo do time da Chapecoense, do incêndio da boate Kiss e de alguém que vivia na Cracolândia. Histórias que mostram o cuidado de Deus por Seus filhos.

PARA LER

e Bem Com Você D (CPB, 2013, 244 p.), de Marcos De Benedicto e Sueli Oliveira 6 |

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roibido para Meninos, P Indispensável para Meninas (CPB, 2008, 141 p.), de Sônia Rigoli Santos

iclo da [in]Felicidade C (CPB, 2012, 189 p.), de Carol Cannon


PARA SABER

Nos anos em que trabalhei na indústria da moda, aprendi uma dura verdade: seu valor é atribuído com base em características sobre as quais você não tem controle. [...] Felizmente, a aparência não é a maneira de medir o verdadeiro valor. A Bíblia deixa claro que temos um valor inerente porque fomos feitos à imagem de Deus.”

Divulgação

PARA PENSAR

25%

Kylie Bisutti, ex-modelo da Victoria’s Secret, no seu devocional para garotas 30 Days to a More Beautiful You (Tyndale, 2014). Há alguns anos, Kylie foi notícia pois tuitou que estava deixando a famosa marca de lingerie para ser a mulher de Provérbios 31. Sua autobiografia foi pauta da Conexão 2.0 de outubro-dezembro de 2013 (disponível em conexao20.com.br).

delas afirmaram estar muito felizes com a vida, número inferior ao de 2009 (41%).

Phillippa Diedrichs, professora associada do Center for Appearance Research da University of the West of England, em entrevista ao jornal The Guardian, em outubro de 2017. Ela é coautora de uma pesquisa da empresa Dove com cerca de 5 mil garotas de 10 a 17 anos em 14 países.

Volta por Cima A (CPB, 2010, 160 p.), de Karl Haffner

rise Espiritual C (CPB, 2013, 112 p.), de Fernando Beier

59%

Phillippadiedrichs.com

Essas descobertas indicam que, apesar dos esforços intensos, a imagem corporal continua sendo um problema para meninas, não apenas no Reino Unido, mas ao redor do globo. Ainda temos um enorme trabalho a fazer para ajudar as meninas a desenvolver a resiliência de que precisam para superar o impacto das pressões de beleza e aparência.”

Há uma década, a ONG britânica Girlguiding publica anualmente uma pesquisa com garotas de 7 a 21 anos a respeito de como elas enxergam a si mesmas, suas oportunidades na vida e o que sonham para o futuro. Cem mil voluntários atuam nos programas da entidade, que visam construir mais autoconfiança nas garotas do Reino Unido. Veja os destaques do relatório de 2018:

das garotas de 11 a 21 anos disseram que o uso das mídias sociais é sua principal causa de estresse.

51%

das meninas de 7 a 10 anos relataram estar muito felizes com a própria aparência.

imples Demais S (CPB, 2010, 190 p.), de Timothy R. Jennings

41%

das jovens entre 17 e 21 anos afirmaram o contrário.

Arte de Pensar A (Unaspress, 2018, 584 p.), de Neil Nedley jul-set

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Entenda

Texto Ágatha Lemos e Michelson Borges Ilustração Renan Martin

Os benefícios do

exercício físico UMA COISA é certa, e com ela os médicos do mundo inteiro concordam: fazer exercícios f ísicos regulares proporciona benef ícios que nenhuma caixa de remédio pode oferecer. Afinal, fomos criados para uma vida ativa. Porém, os dados da pesquisa Vigitel 2017 (Vigilância de Risco e Proteção Para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) do Ministério da Saúde apontam que 54% da população brasileira estão acima do peso. O estudo revela também que quase 46% dos brasileiros praticam alguma atividade f ísica. O número seria bom se essa prática fosse o suficiente, o que não é o caso. Segundo estimativa da ANS (Agência Nacional de Saúde), um em cada cinco adultos e quatro em cada cinco adolescentes não praticam atividade suficiente. Esses dados vão na contramão da meta da Organização Mundial da Saúde, que quer reduzir em 15% a inatividade física no mundo até 2030. Que tal ajudar a mudar as estatísticas? Neste infográfico, a gente oferece algumas boas razões para você suar a camisa.

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Previne a osteoporose, pois ajuda os ossos a reter maior quantidade de cálcio.

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Evita o desenvolvimento da hipertensão e diminui a pressão arterial, pois, após o exercício, a quantidade de adrenalina também é reduzida.

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Atividades aeróbicas (correr, andar de bicicleta, nadar e caminhar) combatem o estresse e a depressão, além de diabetes, câncer e problemas do coração (doenças metabólicas adquiridas).

3 4

5

Exercícios fisicos liberam uma cascata de neuroquímicos, como a endorfina (sensação de bemestar), e de fatores de crescimento que melhoram a infraestrutura do cérebro e facilitam o aprendizado.

Fortalece o coração e o pulmão, dando mais pique para dar conta das tarefas do dia a dia. Em longo prazo, a frequência cardíaca de repouso é reduzida, aliviando o coração. A qualidade do sono também melhora.

6

Diminui os altos níveis de colesterol e de gordura saturada na circulação. Além disso, aumenta a produção do bom colesterol, que protege as artérias.

7

Em parceria com uma alimentação saudável, a prática de exercícios auxilia na recuperação geral do organismo e estimula a tireoide a permanecer várias horas funcionando após a atividade física, o que acelera o metabolismo do corpo. Isso ajuda a controlar o peso e, por tabela, a melhorar a autoimagem.

Fonte: e-book Oito Atitudes Saudáveis (bit.ly/2IAzVpe)

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Interpretação Capa & Reflexão Reportagem

Texto Talita Castelão Ilustrações Adobe Stock

Texto e contexto Perguntas Imagine

VOCÊ GOSTA DE QUEM É? A adolescência é a fase da vida em que a autoestima fica mais fragilizada. Entenda por quê, evite a autossabotagem e aprenda a cuidar de si mesmo

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GOSTAR DE SI mesmo é a maneira mais simples e rápida de definir se uma pessoa tem ou não uma boa autoestima. É claro que o conceito de autoestima pode ser ampliado e incluir a avaliação pessoal sobre a satisfação com a própria forma de pensar, agir e enfrentar as situações do dia a dia. Porém, a autoestima sempre será um fenômeno afetivo que vai interferir diretamente na saúde, bem-estar e qualidade de vida das pessoas. Gente com autoestima saudável é mais confiante e eficiente porque acredita e sente que tem um valor pessoal. Você com certeza conhece pessoas assim. Mas se parar pra pensar um pouco, também vai se lembrar de quem é justamente o contrário: pessoas que se acham sem valor e que pensam que nada dá certo para elas, que se sentem diminuídas, fracassadas e pouco interessantes. É muito triste viver se percebendo desse jeito. Agora, reflita um pouco a respeito de si mesmo. Se for a fundo, vai saber exatamente como se sente por dentro. Talvez esteja lidando atualmente com um problema de baixa autoestima. Na adolescência é muito comum lidar com esse desafio. Mas por que isso acontece? E como mudar essa condição? A BASE VEM DE CASA Vamos começar entendendo como a autoestima se forma. Ela tem uma relação direta com nossa história de vida. Imagine que, quando uma criança nasce, ela tem suas necessidades atendidas sem que saiba que essa satisfação é promovida por outra pessoa. O bebê percebe a sensação de conforto e bem-estar como se fossem produzidas por ele mesmo. É com o passar do tempo que a criança vai lentamente entendendo o mundo externo e a existência do outro. Assim, os relacionamentos familiares e com os cuidadores iniciais são muito importantes para a construção da autoestima. É por meio dessa primeira relação que formamos a visão a respeito de nós mesmos e nutrimos sentimentos de aceitação ou rejeição. Quando a criança é criticada constantemente, jamais vai acreditar em si mesma. Dificilmente arriscará realizar coisas novas. Provavelmente se tornará retraída e insegura. Contudo, ela poderá reagir de outra maneira, manifestando rebeldia, indisciplina e desrespeito. Nos dois casos, porém, vai carregar uma ansiedade em busca da aceitação das figuras que deveriam cuidar dela. No polo oposto da crítica, outro erro é a superproteção. Se os pais não permitem que a criança brinque com amigos, realize tarefas possíveis para sua idade e exercite alguma autonomia diária, passam a mensagem de que, se não fizerem tudo por ela, a criança não dará conta da vida. O resultado vai ser insegurança, crença de desvalia e baixa autoestima. É na infância que são lançados os alicerces da autoestima. A criança vai criando um conceito de si mesma. Se a família reforça sua capacidade, ela se sente confiante. Quando não, ela se enxerga como incompetente. O somatório dessas experiências modelam afetivamente o que a pessoa pensa de si mesma, resultando em valorização ou desvalorização própria.

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E O REFORÇO OCORRE NA SOCIEDADE No livro Labirinto de Espelhos (Fiocruz, 2004), as autoras Simone de Assis e Joviana Avanci discutem como a autoestima vai sendo formada por meio de nosso próprio olhar, olhares dos outros e experiências vividas. Na família e na escola, por exemplo, a falta de afeto e desequilíbrio nas relações podem comprometer o bem-estar e a saúde mental da criança e do adolescente. E quando ocorre violência, então a resiliência se mostra mais importante para a construção da autoestima. Ter resiliência significa superar as adversidades de modo a transformar os momentos difíceis em oportunidades de desenvolvimento. Quem é mais humilhado, ameaçado e agredido tende a ter a autoestima comprometida. Os sentimentos de inferioridade e insegurança provocados nesse contexto predispõem a doenças emocionais (depressão, ansiedade, transtornos alimentares, etc.) e comportamentos de risco. Muitos adolescentes experimentam um vazio emocional tão grande que chegam a praticar automutilações, abuso de substâncias e sexo irresponsável. Alguns se unem a gangues ou grupos que parecem oferecer o acolhimento que não tiveram no lar. Mas nada disso vai preencher esse vazio. Existem também as contribuições sociais e culturais para esse fenômeno. Cada sociedade vai definindo o que é aceitável ou não no processo de tornar-se

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alguém. Por isso, além da educação informal, as novas gerações também vivenciam processos educativos formais, os quais contribuem com regras e princípios que elas assimilarão como parte de si mesmas. É verdade que, com o amadurecimento, esse processo vai se individualizando. Cada pessoa acaba definindo seus próprios valores, mas normalmente busca relacionamentos com gente semelhante, que tem crenças e um estilo de vida parecido com o seu. É comum nessa fase também eleger pessoas como modelo de comportamento, com as quais podem se identificar por mais tempo. Isso é bom, mas se em algum momento a avaliação dessas pessoas que são referências para ele ou ela diferem da sua própria avaliação, a ponto de fazer com que se sinta rejeitado, uma grande ferida emocional pode ser aberta. Quando o pai, a mãe, o professor ou uma figura importante rotula o adolescente como burro, preguiçoso, bagunceiro, mentiroso, desastrado e outros adjetivos negativos, ele começa a acreditar que nada de bom e proveitoso vem de si mesmo. Esse julgamento pode rebaixar a autoestima dele por muitos anos. AMIGOS E BULLYING Quando Roberta (nome fictício) chegou ao meu consultório pela primeira vez, quase não falou nada. Não mantinha contato visual comigo e era difícil escutar sua voz baixinha. Ela estava com quase 30 anos na época, nunca tinha namorado, estava descontente com sua aparência física e não nutria grandes aspirações para a vida. O pai tinha se separado da mãe quando Roberta ainda era pequena. Para manter a família, a mãe trabalhava arduamente, e ela era cuidada pela avó. Mas tanto a mãe como a avó só viam defeitos em Roberta. Ela era duramente criticada e punida todos os dias. Com medo de se expor, foi desenvolvendo a reação de fuga e distanciamento. Afinal, se as pessoas que deveriam amá-la e valorizá-la não o faziam, como seria tratada pelos estranhos? Foi uma dura jornada até que Roberta vislumbrasse algo de bom em si mesma. E duas amigas tiveram um papel muito importante nesse processo, além da terapia, é claro. Com dificuldade, ela batalhou pela própria autonomia, concluiu seu curso superior, arranjou um trabalho, comprou um carro e começou a namorar. A história de Roberta é um exemplo de superação, mas ela experimentou muita dor emocional antes de começar a viver e se libertar da mágoa que anos de reprovação lhe causaram. Contudo, felizmente ela foi tendo atitudes das quais se orgulhava e o reforço positivo de amigas que realmente se importavam com ela.


Os amigos podem fazer muita diferença na construção da autoestima saudável. Principalmente na adolescência, pois esse é um período de mudanças físicas, cognitivas e emocionais que vão mexer com a formação da identidade. Também é importante nessa fase a autoavaliação frente ao grupo de convívio. Por isso, quando ocorre bullying, por exemplo, fica muito difícil um jovem sair ileso, pois palavras e atitudes hostis farão rachaduras no seu autoconceito. E o autoconceito tem uma relação direta com a autoestima. Enquanto o primeiro aponta para o modo como a pessoa percebe a si mesma, a segunda traz a convicção de que é competente e importante para os outros. Desse modo, saúde emocional tem que ver com saber quem você é, aceitar quem é e gostar de quem é. A AUTOESTIMA É DINÂMICA A autoestima não é estática. Ela oscila à medida que vivenciamos experiências sociais, emocionais e até fisiológicas. Como ninguém deixa de pensar em si mesmo, o tempo todo existe a avaliação de quanto gostamos de nós mesmos, nos amamos e nos apreciamos. Por isso há dias que parecem perfeitos, em que nos sentimos indestrutíveis! Enquanto em outros (principalmente quando se dá uma “bola fora” com um amigo, tira nota baixa, briga com os pais, se está doente ou leva um fora no namoro) nos sentimos um lixo. Os pesquisadores Jonathon Brown (University of Washington) e Margaret Marshall (Seattle Pacific University), no livro Self-esteem: Issues and Answers (2006), nas páginas 4 a 9, argumentam que a autoestima pode ser percebida de três formas diferentes: Global

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Indica o modo geral, e por um longo tempo, em que a pessoa percebe o próprio valor, sendo mais favorável quando o indivíduo está mais ajustado socialmente.

2

Como avaliação

3

Refere-se à avaliação das próprias qualidades e competências.

Como sentimento

Diz respeito às reações emocionais de autoavaliação, que podem ser positivas ou negativas, dependendo do grau de satisfação própria.

Logo, o conceito de autoestima é fluido e abarca aspectos variados. Nuno Gomes, em sua dissertação de mestrado em Psicologia pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa, considera que pelo menos cinco elementos formam a autoestima: segurança, pertencimento, confiança, competência e autoconhecimento. E se faltam todos esses fatores, o resultado vai ser o mais devastador possível. ELES E ELAS Uma dúvida muito frequente é sobre a diferença entre a autoestima de garotos e garotas. Lin Bian, Sarah-Jane Leslie e Andrei Cimpian, pesquisadores das Universidades de Nova York, Princeton e Illinois, nos Estados Unidos, identificaram que as meninas terminam a primeira infância (6 anos) acreditando que são menos brilhantes que os meninos. O estudo publicado na prestigiada revista Science, em 27 de janeiro de 2017 (p. 389-391), incluiu cerca de 400 crianças norte-americanas de classe média, de 5 a 7 anos de idade, e analisou estereótipos de gênero. Entre as tarefas solicitadas, as crianças precisavam escolher o sexo do protagonista de uma história, após ser dito para elas que o personagem era alguém “muito, muito inteligente”. A maioria das crianças acima de 6 anos indicou o gênero masculino. Para os pesquisadores, ficou claro que desde cedo são transmitidos valores que diferenciam as competências de meninos e meninas e influenciam posteriormente as escolhas profissionais e de interesse na vida. A psicóloga Anita Neri, no livro Qualidade de Vida na Velhice: Enfoque Multidisciplinar (Alínea, 2011), considera que as pessoas do sexo feminino sejam mais suscetíveis a um baixo autoconceito quando comparadas com pessoas do sexo masculino, mas que essa diferença se torna mais significativa conforme a idade avança. Uma das razões é que, depois de engravidar, passar pela menopausa e sofrer um desgaste físico maior por causa da sua classe social, mulheres tendem a envelhecer mais rapidamente e se sentirem menos atraentes. Mesmo na juventude existem temáticas que abalam garotos e garotas no quesito autoestima. Nossa autoestima vai sendo formada desde o nascimento e despenca na adolescência em ambos os sexos. Isso acontece porque, além de ser uma etapa marcada pelo estresse das mudanças típicas da idade e da formação da identidade, o cérebro do adolescente vai se tornando mais apto e rigoroso para avaliar a si mesmo. A forma de pensar se modifica e é possível fazer mais abstrações (raciocínio hipotético-dedutivo). É comum nessa fase levar em consideração a aparência f ísica, o êxito escolar, a popularidade, a habilidade de se relacionar com seus amigos e o jul-set

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equilíbrio emocional. Mas em termos de gênero, garotas se preocupam mais com a aparência, o rendimento escolar e os relacionamentos. E por serem exigentes com esses aspectos, acabam se tornando mais vulneráveis em relação à autoestima. Os garotos, por sua vez, tentam parecer mais durões, destemidos e seguros de si. A autoestima nesse período da vida vai influenciar a personalidade e até mesmo a felicidade do indivíduo. AUTOSSABOTAGEM Vinícius (nome fictício) sabia o que queria fazer na idade adulta. Com 19 anos ele já cursava o ensino superior e tinha pretensões de se tornar um professor universitário, mas no relacionamento com as garotas, sua vida era um fracasso, segundo ele próprio definia. Era filho único e tinha pais superprotetores. Não sabia lidar com frustrações, e a ideia de ser rejeitado era tão ameaçadora que ele nunca conseguia se aproximar de uma menina. Sofria a distância vendo os amigos e outros rapazes se aproximando das moças por quem ele se interessava. Apesar de ser inteligente e bonito, não via nenhum atrativo em si. Mesmo quando alguma garota se interessava por ele, sua atitude era de evitar situações que pudessem deixá-los a sós. Acreditava que, se alguém se aproximasse, seria para brincar com seus sentimentos. Afinal, ele não se sentia tão corajoso e talentoso quanto os outros garotos. Seus pais diziam que ele era especial, mas Vinícius se sentia um impostor, uma farsa. Pensava que não era bom o suficiente para conseguir alguém. Porém, o que ele não percebia era que seu próprio comportamento sabotava a possibilidade de aproximação. Às vezes, a pessoa tem uma autoestima tão baixa que dificulta, sem querer, o relacionamento com as pessoas ao seu redor. Suzana (nome fictício) agia assim. Sentia-­ se inadequada e solitária. Mas quando começava a se relacionar mais intimamente com alguma amiga, fazia cobranças constantes de atenção e afeto. Quando não se sentia atendida (a maioria das vezes), acusava as pessoas de não a valorizarem. No entanto, a verdade é que a amizade oferecida nunca era suficiente, e quem estava por perto se sentia sufocado como se fosse impossível agradá-la. Incomodadas, as amigas se afastavam, e Suzana “confirmava” sua teoria de rejeição e injustiça. CUIDE DE SI MESMO Quando a autoestima vai bem, os adolescentes se sentem mais otimistas quanto ao futuro, conseguem estabelecer objetivos e se comprometem a alcançar a meta proposta. Eles serão mais empáticos, terão menos oscilações emocionais e se sentirão apreciados e aceitos pelo seu círculo de convivência. Gente com baixa autoestima não tem confiança em si mesma e se sente paralisada pelo medo de fracassar. Por se sentirem 14 |

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inferiores, esses jovens evitam atividades em grupo ou podem querer chamar a atenção vivendo de modo irresponsável, indisciplinado e rebelde. Mesmo assim, eles tendem a culpar os outros pela forma como se enxergam e agem. Assumir a responsabilidade pelo que se sente é uma decisão muito importante para quem deseja superar as limitações pessoais e desbravar o autoconhecimento. É buscando a própria identidade que crescemos. Todos possuem pontos fortes que podem ser evidenciados. Não é prejudicial alimentar a autovalorização. Cuidar da autoestima é um sinal de respeito próprio, porque somente quem se valoriza é valorizado pelos outros. Se não podemos mudar o passado, pelo menos podemos tentar construir um futuro diferente. Então, não é porque seus pais falharam em lhe dar o suporte necessário, que você precisará viver com a autoestima rebaixada para sempre. As crianças dificilmente conseguem fazer algo que mude sua realidade; porém, conforme vamos amadurecendo, percebemos que podemos fazer muito por nós mesmos. Em resumo, você é responsável por escolher a direção que dará para sua vida. Como afirmou Viktor Frankl, psiquiatra austríaco que sobreviveu aos campos de concentração nazistas, “tudo pode ser tirado de um homem, exceto uma coisa: a última das liberdades humanas – escolher sua atitude em um determinado conjunto de circunstâncias, escolher seu próprio caminho” (Em Busca de Sentido, Vozes, 2014, p. 88). Boa sorte na caminhada!


DEZ ATITUDES SAUDÁVEIS PARA A AUTOESTIMA Jogue no seu time. Nada de ficar se autodepreciando. Seu cérebro acredita naquilo que você fala. Por isso, cuide com suas palavras. Tente se tratar carinhosamente, evitando as críticas excessivas. Se você é misericordioso com alguém que está sofrendo e vem desabafar com você, muito mais deveria ser tolerante com os próprios fracassos. Isso não significa encobrir os defeitos, mas não ficar se torturando com as mesmas acusações inúteis. Se errou hoje, procure acertar amanhã. Se ninguém nunca errasse, não existiriam borrachas no mundo.

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Identifique suas qualidades. Às vezes não sabemos receber elogios e prestamos atenção apenas em nossos defeitos. Quando dizem que estamos bonitos, falamos que são os olhos da outra pessoa. Quando apreciam uma atitude nossa, dizemos que não foi nada demais. Pare de minimizar o que possui de positivo. Se alguém destacar algo de bom em você, simplesmente agradeça, não fique se justificando.

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Dê limites para si e os outros. Muitas vezes, vamos passando por cima do que tem valor para nós a fim de somente não desagradar os outros. Limite é saudável para quem doa e para quem recebe. Isso pode significar falar não de vez em quando. Se você fizer esse exercício, vai conseguir lidar com a culpa de negar algo e se sentirá mais livre. Quem diz sim pra tudo e todos acaba dizendo não para si mesmo. E geralmente age assim na esperança de ser amado e valorizado, mas não vai ter a recompensa desejada.

3

Cuide da sua saúde. É bom se manter em forma física e ter satisfação com a imagem refletida no espelho. Mas não permita que a aparência se torne um fim em si mesma. Não se compare fisicamente com os outros. Analise como você está e o que gostaria de mudar. Sempre se compare consigo mesmo e invista em formas de ser uma versão melhor de você.

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Todo dia faça algo que o deixe feliz. Temos o hábito de correr pra lá e pra cá sem prestar atenção em nosso mundo interior. Mas quando estamos conectados e comprometidos em ser protagonistas da própria vida, gastamos tempo conosco mesmos. Você deve se perguntar sempre o que fez de bom para si mesmo ao longo do dia. E se não encontrar nada, pelo menos tome um banho digno antes de dormir.

5

Acredite que você merece ser amado e cuidado. Afaste-se de quem o desqualifica e menospreza. Pessoas assim acabam nos fazendo adoecer porque não são empáticas. Relacionar-se com elas será tóxico. Escolha estar ao lado de gente que alimenta sua autoestima.

6

Livre-se da culpa. É muito comum gente com baixa autoestima achar que, se tivesse sido uma pessoa melhor, seria amada de verdade. Mas essa percepção tem mais que ver com sua história do que com quem você realmente é. Provavelmente, se investigar as situações e características do ambiente em que você se desenvolveu, vai perceber que foi privado dos reforços positivos necessários para gostar de si mesmo. Porém, esse sentimento pode ser mudado quando nos dispomos a pensar e agir de forma diferente. E embora os sentimentos sejam seus, eles não são você e não o definem.

7

Tenha um propósito de vida e lute por ele. Seu propósito será sua missão. Será a sua maneira de modificar o mundo ao seu redor e deixará sua marca registrada.

8

Converse consigo mesmo. Mantenha um diálogo interno com você mesmo. Isso é investir no autoconhecimento. Descubra porque está escolhendo determinado caminho e não outro. Não seja levado pela multidão. Aprenda com as experiências passadas. Isso serve para prevenir e evitar resultados indesejados. Mas não desista de caminhar.

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Se necessário, busque ajuda profissional. Não é vergonhoso pedir ajuda para psicólogos, terapeutas, psiquiatras ou conselheiros. Às vezes precisamos de uma força extra, de alguém que nos acolha sem julgamentos.

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Reportagem

Texto Thamires Mattos Imagem Brian | Adobe Stock

Competição desigual Manter uma boa autoestima num período em que o corpo e a mente estão mudando não é fácil. E agora isso ficou mais difícil com nossa exposição às mídias sociais

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VOCÊ SE LEMBRA de quando a primeira espinha apareceu no seu rosto? Vou adivinhar: não foi em um dia preguiçoso, em que você poderia ficar quietinho dentro de casa. Aposto que foi num dia cheio de atividades e que você ficou escondendo parte do rosto ou puxando uma franjinha para a frente. Pelo menos foi assim comigo. Passeios em shoppings, com direito a lanche e sorvete, eram raros na rotina da minha família. E para mim eles eram o maior evento do bimestre, já que ocorriam quando eu tirava boas notas na escola. Mas, em um domingo de 2004, esses passeios começaram a causar desconforto. Senti algo estranho em minha pele, sem saber ao certo o que era. Em minha testa estava um ponto vermelho. O pequeno inchaço não chegava a doer. Mesmo assim, o incômodo era suficiente para que eu fosse procurar minha consultora de saúde e estética na época: minha mãe. Estávamos olhando roupas em uma loja de departamentos, e desconfio que ela estava mais concentrada nos preços do que em minha pele. Acontece, né? Então, perguntei: “Mãe, o que é isso? Alergia?” Ela riu. Eu entendi: minha pele “perfeita” nunca mais seria a mesma depois daquela espinha. Para uma menina que não se encaixava muito bem nos padrões de beleza dos anos 2000, uma espinha não era só uma espinha. Era a cereja de um bolo estragado. Cabelos cacheados, rosto redondo e um corpo não esquelético estavam fora de moda nas revistas teen da época. Não me identificava com quem aparecia na TV. Então, é claro, na minha cabeça adolescente havia algo errado, e só comigo. #PERCEPÇÃODISTORCIDA Não podia estar mais longe da realidade. De acordo com o relatório “Adolescência: uma fase de oportunidades”, publicado em 2011 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), esse período da vida deve ser visto como uma etapa de mudanças psicológicas, relacionais e físicas. Para que o adolescente se desenvolva de maneira plena, é preciso que ele se sinta seguro, apoiado e protegido por amigos e familiares. Mesmo com todo o cuidado proporcionado nessa fase da vida, a Organização Mundial da Saúde (OMS) traz dados que são fonte de preocupação: cerca de 20% dos adolescentes no mundo apresentam doenças psicológicas, de acordo com o Plano de Ação sobre Saúde Mental. Metade desses casos começa antes mesmo dos 14 anos. E, como se isso não fosse o suficiente para ficarmos de olho na saúde emocional, a OMS ainda reforça que depressão e suicídio são dois vilões da adolescência. Eles contribuem, respectivamente, para o aumento de doenças de ordem físico-

psíquica e de mortalidade entre os jovens, segundo o relatório “Integrating mental health into primary care: a global perspective”, de 2008. Alguns anos se passaram, e percebi que fazia parte dessas estatísticas. Como pude deixar algo tão elementar e natural prejudicar minha autoestima? Por que pensei que estava sozinha nessa, quando praticamente todas minhas amigas passavam pelos mesmos questionamentos, e, os amigos, por alguns ligeiramente diferentes? A adolescência é um período de transição, e isso vale para nossa aparência, opiniões e dilemas. Para entender melhor essa fase conturbada da vida, conversei com Tatiana Correa, especialista em Estudos Familiares pela Universidade Andrews. Nascida em Porto Rico, ela mora em Berrien Springs, uma pequena cidade de Michigan (EUA), onde cursa o mestrado em Estudos Teológicos na mesma instituição que fez sua graduação e especialização. Além disso, Tatiana trabalhou como supervisora das alunas residentes no campus. A vida por lá chega a ser idílica, mas ela sabe bem o que é sofrer com a baixa autoestima. Hoje com 37 anos, ela se tornou mãe aos 15 – idade em que muita gente está tentando dar conta de si mesmo. “Por quase duas décadas lidei com baixa autoestima, depressão e ansiedade. A época em que meu filho nasceu foi muito difícil. Eu não tinha ideia de como trabalhar com isso, mas assumi a responsabilidade”, lembra. Anos depois, com a autoimagem fragilizada, Tatiana começou a ser fortemente influenciada pelos padrões evidenciados na mídia. Seu foco estava em manter um corpo “atraente”, mas ela se sentia quebrada e incompleta. Até que uma hora a ficha caiu. Após receber a ajuda de um terapeuta, Tatiana percebeu mudanças profundas. “Cresci e me tornei a pessoa que fui criada para ser. Sei meu propósito na vida”, garante. Ela reforça que todo cuidado é pouco ao lidar com a baixa autoestima, já que esse é um dos gatilhos para o desenvolvimento de doenças como ansiedade e depressão. Uma pesquisa de 2017 realizada pela Royal Society for Public Health, no Reino Unido, reportou que o diagnóstico dessas doenças cresceu 70% nos últimos 25 anos, e jovens de 16 a 24 anos são propensos a dizer que quatro a cinco mídias sociais (Facebook, Twitter, Instagram, Youtube e Snapchat) despertam sentimentos de ansiedade e baixa autoestima. Tatiana complementa o fato ao lembrar que “existem casos em que a depressão e a ansiedade são desencadeadas por desequilíbrios químicos no cérebro. Portanto, maior atenção médica e medicação podem ser necessárias”. Para a especialista, é importante prestar atenção aos mínimos sinais de desconforto psíquico e buscar o tratamento adequado. jul-set

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#INSTAPROBLEMS Os problemas que Tatiana superou não são limitados a uma época específica. E talvez hoje eles sejam potencializados pela nossa exposição às mídias sociais. Ao contrário da televisão, que tem horários fixos para suas programações, aquela espiadinha digital está disponível a qualquer tempo e lugar, e na palma da mão. Uma dessas redes chama a atenção especialmente por seu apelo imagético e popularidade entre os jovens. No Instagram, até cenas bagunçadas e ruas sujas do dia a dia podem se tornar belas. Filtros disponíveis na rede e em outros aplicativos direcionados ao aperfeiçoamento de imagens estão sempre presentes em nossos smartphones. Ou vai dizer que você nunca viu uma espinha que quis corrigir naquela selfie? Eu já. Jéssica (nome fictício), de 20 anos, também. Nascida no Rio Grande do Sul e criada nos Estados Unidos, ela tem o perfil da mulher “padrão”: Jéssica é alta, branca, magra, de cabelos castanho-claros, olhos verdes, fluente no inglês e tem um histórico escolar invejável. Alguém que não a conhece poderia pensar que a baixa autoestima não tem lugar em sua vida, ou até que ela é uma modelo. A estudante universitária sempre gostou de se cuidar – seja na vida “real” ou nas mídias sociais. Por isso, buscou inspiração em perfis de certas modelos e influencers no Instagram. Não demorou para que fosse afetada por isso: “Já me peguei muitas vezes saindo do Instagram porque passei por perfis de modelos com a vida e o corpo perfeito, e pensei: ‘Que droga, não vou ser assim nunca!’ Isso se tornou um pouco doentio não só para mim, mas para várias garotas que eu conheço”, confessa. O sentimento dela não é infundado. De acordo novamente com a pesquisa da Royal Society for Public Health, o Instagram é a rede social digital com impacto mais negativo à saúde mental. Isso ocorre pelas expectativas irreais colocadas sobre seus usuários, já que esse espaço é visto como um ambiente de competição para ver quem parece ser mais feliz. No entanto, seus usuários não disputam apenas com pessoas do mesmo nível: uma menina de 16 anos, por exemplo, pode se sentir compelida a ter fotos tão irretocáveis como as da socialite norte-­ americana Kim Kardashian West, e um menino de 17 pode sonhar com a riqueza e a fama do jogador português de futebol Cristiano Ronaldo. As duas personalidades estão entre as mais seguidas no Instagram: Kim (139 milhões) e Cristiano Ronaldo (166 milhões). Contudo, basta uma busca rápida no Google para entender a razão de tanto glamour: estima-se que a 18 |

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socialite tenha um patrimônio pessoal de 350 milhões de dólares, enquanto a riqueza do jogador chegue a 450 milhões. Com esse nível de renda, fica fácil ter acesso a diversos tratamentos de beleza e saúde, roupas feitas por designers famosos e exibir fotos de viagens pelo mundo. Ciente disso, Jéssica pondera: “No fundo, sei que a vida de uma supermodelo não é um mar de rosas, e, geralmente, seus posts refletem uma realidade bem disfarçada.” #COMOFAZ? Mas, afinal, nossa exposição a estilos de vida instagrammers deveria ser preocupante ou não? Chamei Tales Tomaz para esclarecer essa situação. Ele é doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela USP. Um de seus campos de estudo é a tecnologia moderna, que é entendida não apenas como artefatos (computadores, smartphones, TVs), mas como um discurso a respeito da realidade, em que tudo e todos são passíveis de manipulação. Ou seja: um discurso que coloca o valor do ser humano não nele mesmo, mas em sua utilidade e disponibilidade. Hoje, Tales mora na Áustria e trabalha como pesquisador na tradicional Universidade de Salzburgo. Tenho certeza de que suas fotos renderiam algum status no Instagram. No entanto, percebo que ele não utiliza essa mídia social, e raramente faz postagem nas outras nas quais tem conta. Isso já me dá pistas sobre o pensamento do pesquisador. Perguntei-lhe se a tecnologia moderna influencia nossa autoestima, recebi um “sim” como resposta. O que se seguiu, no entanto, não era, de início o que eu esperava: “O uso das mídias sociais pode nos dar


a sensação de que estamos perto dos outros e que humanidade. Mas existem certas capacidades que podemos fazer mais coisas. Essa percepção pode vir são, realmente, mais ‘humanas’, como a criatividade a aumentar nossa autoestima”, reflete. e a rearticulação de ideias”, constata. Mas logo ele já me apresentou um contraponto: Para ele, portanto, para promovermos noções “Por outro lado, há certa deterioração da autoestiexclusivamente humanas, precisamos utilizar esma quando, por exemplo, alguém acredita que seu sas capacidades específicas nas redes. Tales cita o dia a dia não seja tão interessante. Por meio [de exemplo dos memes como um tipo de publicação aparatos] da tecnologia moderna, esse indivíduo nessa linha. Eles são novas interpretações para uma consegue ver coisas que ouimagem/vídeo/acontecimento, tros milhares de pessoas estão que costuma nos levar a morrer fazendo. Como parece haver de rir. Dessa maneira, é possível uma tendência de postar aperearticular um fato ou sentimennas as experiências positivas, to, assim como os influencers isso significa que, ao rolar a “do bem” têm rearticulado posiA VIDA PODE SER timeline, o usuário se depara ções midiáticas sobre o que é ser com diversos fatos fora da sua bonito/a, bem-sucedido/a e feliz. MAIS LEVE COM realidade. Nesse contexto, até Nesse ponto da conversa, é A AJUDA DE UMA quem está satisfeito com sua impossível não lembrar de mivida pode ficar insatisfeito.” nha entrevista com a Tatiana. Ela TIMELINE POSITIVA Ele confirma minhas susfrisa que, tanto em lugares físipeitas, mas também tenho viscos quanto virtuais, “é necessário to uma movimentação positidesenvolver espaços seguros em va de usuários nos meios digitais. Muitos promovem que as pessoas possam falar sobre suas lutas e medos. a conscientização sobre certos problemas de saúde, A comunidade traz unidade e, se não trabalharmos autoimagem e dicas para melhorar a autoestima. com empenho para fornecer esses espaços seguEntão, pergunto: “Como podemos promover noções ros, que contam com ouvintes atentos e a presença e expectativas mais humanas em nossas postagens?” constante de alguém disponível, muitos continuarão Tales acredita que está cada vez mais difícil saber a lutar sozinhos”. o que é “humano” ou não. “Muitas vezes, idealizamos E, para cumprir essa missão, “é hora de começarbastante o que é humano e o que não é tão humamos a nos abraçar por quem somos”. Afinal, seguir no assim. Por exemplo: todas as nossas produções nossa própria vida já é difícil o suficiente, mas pode culturais são humanas, incluindo os equipamentos se tornar mais leve com a ajuda de amigos, da família, tecnológicos. Então, tudo atinge um certo nível de e de uma timeline positiva.

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© Daniel Ernst | Adobe Stock


Texto e contexto

Texto André Vasconcelos Imagen Vandir Dorta Jr

CÓPIA “Criou Deus a humanidade à Sua imagem, à imagem de Deus a criou; homem e mulher os criou” (Gn 1:27, tradução livre)

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A ESTÁTUA MAIS famosa do Brasil é o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. A 710 metros acima do nível do mar e com uma paisagem de tirar o fôlego, o monumento é considerado uma das sete maravilhas do mundo moderno. A imagem imponente de 38 metros de altura retrata Jesus com os braços abertos e o coração à mostra, uma postura que reflete amor, paz e perdão, embora saibamos que ela não passe de uma representação artística de Cristo. A Bíblia também fala sobre um tipo de representação de Deus. Segundo Gênesis 1:27, o ser humano foi criado à imagem e semelhança de seu Criador. Mas o que essas palavras de fato revelam sobre Deus e a humanidade? Será que elas podem nos mostrar algo a respeito da aparência e dos atributos morais divinos, que se reproduziram no ser humano? SEMELHANÇA FÍSICA OU MORAL? A criação do ser humano rompe com o padrão criativo da narrativa de Gênesis 1. Ao passo que a relva, as árvores, os seres aquáticos, as aves e os animais terrestres foram criados segundo “a sua espécie” (v. 11, 12, 21, 24, 25), o ser humano foi criado à “imagem de Deus” (v. 27). Como observado por Jacques Doukhan (Genesis, p. 61), a expressão “sua espécie” indica relação de igualdade com o outro, enquanto “Nossa imagem” implica interação com um agente externo; nesse caso, o próprio Criador. Mas o que significa dizer que a humanidade foi criada à “imagem de Deus”? O sentido dessas palavras tem sido amplamente discutido ao longo dos séculos. Por influência do dualismo neoplatônico (filosofia que defende a separação do corpo e do espírito), muitos cristãos entendem essa expressão como uma alusão aos atributos morais do Criador que foram compartilhados com a humanidade. Logo, os seres humanos não seriam parecidos corporalmente com Deus, mas apenas moral e “espiritualmente”. De acordo com esse ponto de vista, a semelhança física seria algo impossível ontologicamente (isto é, segundo o raciocínio da filosofia que estuda o ser), uma vez que os humanos são formados de matéria e estão inseridos no tempo, ao passo que Deus é imaterial e atemporal. No entanto, o uso da palavra “imagem” (do hebraico tselem) no texto bíblico aponta para outra conclusão. A maioria de suas ocorrências sugere semelhança física. Em Ezequiel 7:20 e Amós 5:26, só para mencionar alguns exemplos, o termo tselem é usado para se referir a um ídolo, que não é nada mais do que uma representação física de um deus. Essa também é a expressão empregada em Daniel 3:1 para se referir à “imagem de ouro” com aparência de homem construída por Nabucodonosor (Dn 2:31-33). Além disso, a ideia de que a “imagem de Deus” implica alguma similaridade física é reforçada em Gênesis 1:26 pela palavra “semelhança” (do hebraico demut). Assim como

tselem, o termo demut indica correspondência física, especialmente no livro de Ezequiel (1:5, 10, 13, 16, 22, etc.). Por outro lado, o Novo Testamento interpreta a “imagem” de Deus em termos morais. Paulo, por exemplo, comentou: “Não mintam uns aos outros, visto que vocês já se despiram do velho homem com suas práticas e se revestiram do novo, o qual está sendo renovado em conhecimento, à imagem do seu Criador” (Cl 3:9, 10). O apóstolo comparou claramente o “novo homem” com a “imagem” do Criador, o que revela que o “velho homem” a havia perdido, pelo menos parcialmente. A passagem mais esclarecedora sobre o assunto é Gênesis 5:3. Após mencionar que Adão e Eva haviam sido criados à imagem e semelhança de Deus (v. 1-2), o terceiro verso diz que Adão “gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem, e lhe chamou Sete”. Além de reafirmar as similaridades, sejam f ísicas ou morais, o uso das expressões “imagem” e “semelhança” nesse texto sugere uma relação de pai e filho entre Deus e Adão, bem como entre Adão e Sete. Lucas captou bem essa ideia na genealogia de Jesus: “Enos, filho de Sete, filho de Adão, filho de Deus” (3:38, NVI). Portanto, é bem provável que as palavras “imagem” e “semelhança” estejam relacionadas tanto às características físicas como às virtudes morais que o Senhor compartilhou com os seres humanos. Porém, o mais importante de tudo é que Deus considerou o ser humano como Seu filho e o constituiu herdeiro de Seu reino, estabelecendo-o como soberano da criação (Gn 1:28). SÍMBOLO DE REALEZA As palavras “imagem” e “semelhança” também evocam realeza. No Antigo Oriente Médio era comum que os monarcas fossem retratados como sendo à “imagem” e “semelhança” dos deuses. Segundo o teólogo Nahum Sarna, é possível observar isso em alguns exemplos encontrados na Mesopotâmia: “O pai de meu senhor rei é a imagem de Bel (tsalam bel), e o rei, meu senhor, é a imagem de Bel”; “o rei, senhor das terras, é a imagem de Shamash”; “ó rei do mundo habitado, você é a imagem de Marduk” (Genesis, JPS, p. 12). No Egito, esse mesmo conceito é expressado pelos nomes Tutancâmon (a imagem viva de Amun) e Tutmés (à semelhança de Rá). O Salmo 8:4 a 8 reforça a ideia de que o ser humano foi coroado como príncipe e herdeiro do reino de Deus: “Que é o homem, que dele Te lembres? E o filho do homem, que o visites? Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que Deus e de glória e de honra o coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras da Tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste: ovelhas e bois, todos, e também os animais do campo; as aves do céu, e os peixes do mar”. Nessa passagem, a expressão “filho do homem” é usada pelo salmista para designar o ser humano criado à “imagem de Deus” e coroado de glória para dominar as demais criaturas. jul-set

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É curioso notar que a expressão “filho do homem” também assume uma conotação real em alguns textos da Bíblia. No livro de Daniel, por exemplo, ela é utilizada a fim de retratar o ser divino que recebe domínio e autoridade para reinar (7:13, 14; ver Mt 25:31). Nesse caso, os poderes subjugados são representados por animais (v. 12, 17), uma alusão clara à narrativa da criação (Gn 1:26). Dessa forma, é possível afirmar que a criação da humanidade à imagem e semelhança de Deus também revela a função real do ser humano como príncipe deste mundo e como representante legítimo da Divindade. Essa função foi usurpada por Satanás (Jo 14:30) e posteriormente reconquistada por Cristo (At 5:30-31), a fim de devolvê-la aos seres humanos (Ap 5:9-10). IGUALDADE DE GÊNEROS Como já observado, as palavras “imagem” e “semelhança” revelam as similaridades físicas e morais compartilhadas entre Deus e o ser humano, a relação de paternidade existente entre ambos, bem como a realeza e a soberania outorgadas pelo Senhor à humanidade. No entanto, elas também apontam para a igualdade entre o homem e a mulher aos olhos de Deus. A verdadeira igualdade de gêneros, isto é, aquela que trata com dignidade e respeito os papéis pré- estabelecidos por Deus na criação do homem e da mulher, encontra sua base na semelhança do ser humano com o Senhor. De acordo com Gênesis 1:27, “Criou Deus, pois, o homem à Sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Algumas pessoas argumentam a partir desse verso que o primeiro homem, Adão, era um ser andrógino (indefinido entre masculino e feminino). Essa interpretação não tem o menor sentido, porque no hebraico a palavra ’adam, que significa “Adão”, pode ser traduzida como “homem”, “ser humano” ou “humanidade”. Nesse caso, a primeira menção ao termo “homem” no verso 27 deve ser entendida como uma referência à humanidade e não apenas ao primeiro ser humano masculino. Isso fica evidente no idioma original. No hebraico, nomes próprios não recebem artigo, como nesse caso (ha’adam). Logo, tanto o homem como a mulher são criados à imagem de Deus. A implicação disso é que cada ser humano reflete seu Criador, o que de fato demonstra que não existe um gênero superior nem melhor do que o outro. OBRA-PRIMA DA CRIAÇÃO É importante destacar que Gênesis retrata a humanidade como a obra-prima da criação e não como um produto dela. Em outras palavras, a humanidade não evoluiu de uma forma primitiva de vida; ao contrário, foi criada à “imagem de Deus” para representar a Divindade perante o restante da criação. Alguns fatores textuais revelam que a formação do ser humano foi o clímax da criação. Um deles é a mudança do 22 |

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verbo de terceira pessoa (o padrão de toda a narrativa de Gênesis 1) para a primeira pessoa do plural no verso 26: “Façamos o homem à Nossa imagem, conforme à Nossa semelhança.” Essa fala dá a impressão de que Deus não estava sozinho nessa ocasião (Gn 3:22, 11:7). Segundo Doukhan (Genesis, p. 62), essa mudança não deve ser entendida como um “plural de majestade”, mas como uma modificação intencional para indicar a pluralidade de Deus. Essa alteração sugere a participação do Espírito de Deus, que aparece desde o começo da narrativa da criação (Gn 1:2), bem como de Jesus, identificado posteriormente pelo apóstolo João como “o princípio da criação de Deus” (Ap 3:14; comparar com Gn 1:1; Jo 1:1-3; Cl 1:13-17). Logo, ao mencionar que Deus Pai, Filho e Espírito Santo estiveram engajados na criação da humanidade, o texto bíblico atribui ainda mais valor e dignidade ao ser humano. Além da mudança de pessoa, também há uma alteração no modo do verbo. O termo “fazer” no verso 26 se encontra no coortativo, uma forma verbal do imperfeito hebraico (que não deve ser confundido com o pretérito imperfeito do português). De acordo com o especialista Page Kelley, essa forma verbal indica desejo, intenção e a determinação do sujeito em realizar certa ação (Hebraico Bíblico, p. 166). Isso revela que a criação dos seres humanos à imagem e semelhança de Deus foi algo deliberadamente planejado por Ele. Ou seja, fomos criados de modo único e especial. PIRATARIA PROIBIDA Deus proibiu os seres humanos de fazer qualquer tipo de representação física da Divindade (Êx 20:3-6). Além disso, instruiu os israelitas a destruir todas as “imagens fundidas” dos habitantes de Canaã (Nm 33:52). Mas por que Ele fez isso? Por que o Senhor proibiu a fabricação de imagens ou qualquer tentativa de representá-Lo fisicamente? A resposta talvez esteja no fato de Ele já ter feito uma “cópia” perfeita de Si mesmo: o ser humano. Por isso o Senhor é intolerante com “cópias piratas”. Afinal, nenhuma delas é capaz de retratá-Lo de maneira fiel. Embora essa “cópia” (a humanidade) esteja danificada pelo pecado, ela ainda lembra sua “matriz”. Dessa maneira, é necessário levar em consideração as seguintes verdades: (1) quando estiver insatisfeito com sua aparência, lembrese de que você foi feito parecido com Deus; (2) quando não tiver capacidade moral para mudar algo em sua vida ou tomar uma decisão, lembre-se de que Deus compartilhou os atributos morais Dele com você; (3) quando se sentir desvalorizado ou insignificante, lembre-se de que você é filho do Rei do Universo e obra-prima da criação; (4) quando alguém tentar humilhá-lo, lembre-se de que ninguém é superior ao outro, pois cada ser humano foi criado à imagem e semelhança de seu Criador. Assim, no relato da origem dos seres humanos, podemos encontrar a base teológica para nossa autoestima.


Para saber mais

•G enesis, Seventh-day Adventist International Bible Commentary (Pacific Press, 2016), de Jacques Doukhan, p. 61-65; • G enesis 1–15, Word Biblical Commentary (Word Incorporated, 2002), de Gordon Wenham, p. 27-33. • Imagem e Semelhança (parte 1), de Edson Nunes, em adventistas.org.

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Básica

Texto Alberto Nery Imagem © Wordley Calvo Stock | Adobe Stock

É preciso distinguir entre a verdadeira e falsa culpa

OS DOIS LADOS DA CULPA A culpa é uma condição existencial da qual ninguém pode fugir. Todos nós a sentimos, em maior ou menor intensidade, com muita ou pouca frequência. Na narrativa bíblica, a culpa surge praticamente junto com o erro. Ter agido de maneira contrária ao que Deus havia instruído, fez Adão e Eva se esconderem de Deus (medo) e se vestirem (vergonha). E quando se reencontraram com o Criador, tentaram se desvencilhar da própria responsabilidade, jogando a culpa sobre a serpente e o cônjuge. Em última instância, estavam culpando o próprio Deus. Desde então, cada ser humano tem sido obrigado a lidar com esse sentimento. Do ponto de vista da psicologia, existem algumas visões a respeito da culpa. Para Freud, o pai da psicanálise, ela era uma condição fundamental sobre a qual a sociedade se estruturava e controlava os instintos humanos. Por sua vez, Viktor Frankl, fundador da escola da logoterapia, entendia o senso de culpa como um privilégio do ser humano, pois ele poderia ser usado como um mecanismo de aprendizado e aperfeiçoamento, algo que os animais não têm. Mas longe de ser um tópico apenas dos estudos teológicos e psicológicos, a não superação da culpa tem efeitos bem conhecidos e sérios sobre quem a experimenta: sentimento de inadequação, rebaixamento de autoestima, tristeza crônica, ansiedade e depressão. O psicoterapeuta suíço Paul Tournier, em seu livro clássico Culpa e Graça (ABU, 1985), diferencia o que chama de verdadeira e falsa culpa. Analisando o sentimento de culpa, com base no evangelho, ele propõe que a verdadeira culpa seja positiva, pois leva a pessoa ao arrependimento e mudança genuínos, enquanto a falsa culpa é destrutiva, uma vez que representa a tentativa de alguém se isentar de sua responsabilidade para lançá-la sobre outro. Um exemplo de falsa culpa na Bíblia seria a que o próprio Jesus impediu que seus pais lançassem sobre Ele quando, aos 12 anos de idade, eles O esqueceram no templo em Jerusalém (Lc 2:48-49). Por outro lado, podemos encontrar um caso de culpa verdadeira no arrependimento de Davi diante de Natã (2Sm 12). A alegoria contada por Natã levou o rei de Israel a se confrontar com os próprios atos, confessar seu erro e a implorar a Deus o perdão e a transformação (Sl 51). A culpa é inevitável, mas os efeitos desse sentimento estão diretamente relacionados à nossa maneira de o encararmos. Se direcionado como um gatilho de tomada de consciência e mudança, ele pode exercer um papel importante no nosso crescimento psicológico e espiritual.

Curiosa

Texto Ágatha Lemos

DA CABEÇA AOS PÉS Você já reparou como as pessoas se orgulham de praticar exercícios físicos? Basta uma stalkeada pelas mídias sociais para descobrir as modalidades esportivas que estão em alta. Faz bem para a imagem pessoal ser fitness. Contudo, as vantagens de movimentar o corpo vão muito além da boa reputação. Vão além também dos benefícios físicos e estéticos. O exercício é literalmente bom da cabeça aos pés. Ele contribui para o que a Organização Mundial da Saúde define como saúde: bem-estar completo. Deixar o sedentarismo é fator de proteção, por exemplo, contra a depressão, pois 24 |

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os exercícios regulam a sensação de bem-estar, humor e autoestima, bem como promovem a redução de ansiedade e tensão. E tem mais! A influência da atividade física sobre o cérebro é tamanha que suar a camisa regularmente ajuda a prevenir recaídas no uso de cocaína. Isso porque a prática regular de exercício aeróbico (uma hora em uma esteira, cinco vezes por semana, por exemplo) diminui o

estresse que serve de gatilho para procurar a droga. Outro vício que a atividade física ajuda a previnir é o do jogo de azar. Jogadores patológicos costumam apresentar sintomas de ansiedade, depressão e baixa autoestima. Depressão, vícios e tantos outros males que destroem nosso senso de valor podem ser tratados. Busque ajuda médica e psicológica, mas não se esqueça de

que o estilo de vida saudável é o primeiro passo em direção ao amor próprio. Quem se ama, se cuida. Fontes: “Benefícios da atividade física e do exercício físico na depressão”, de Rudy Alves Costa, Hugo Leonardo Rodrigues Soares e José Antônio Caldas Teixeira, na Revista do Departamento de Psicologia da UFF (https://bit. ly/2yB9Cdj); central de notícias da Universidade de Buffalo (EUA), matéria publicada em 8 de agosto de 2018 (https://bit. ly/2FYeBXM); “O impacto de um programa de atividade física no tratamento de jogadores patológicos”, de Daniela Lopes Angelo, dissertação de mestrado em Medicina na USP, 2011 (https://bit.ly/2Kj4ked).


Ponto de vista Texto Márcio Tonetti Imagem © puhhha | Adobe Stock

Tudo ligado Texto Nádia Teixeira

DO NARCISISMO AO PRECIPÍCIO Narcisismo

PLÁSTICAS Muita gente, quando pensa em cirurgia, já sente calafrios. Mas o medo do bisturi parece diminuir quando o assunto é intervenção estética. O Brasil é o campeão mundial em cirurgias plásticas, e a procura por esse procedimento tem crescido principalmente entre os jovens. Por ano, cerca de 90 mil adolescentes se submetem a mudanças estéticas, e tem gente que troca festa de 15 anos por uma repaginada no visual. A Bíblia não traz orientação específica sobre essa questão, mas oferece princípios gerais. Com base neles e em fatores científicos, é possível tomar uma decisão mais segura. Veja a seguir algumas posições sobre o assunto.

Não

Se a motivação para aplicar botox, fazer lifting facial ou uma “lipo” é meramente atingir padrões de beleza ou se tornar mais sensual, existe aí uma forte incompatibilidade com a noção bíblica de beleza. Na Bíblia, o conceito de estética pessoal é mais amplo, pois está subordinado à ética, a valores como simplicidade e decência (1Pe 3:4).

Sim

Por outro lado, é preciso admitir o efeito do pecado sobre o corpo humano. Cicatrizes, queimaduras, lábios leporinos, entre outros problemas físicos que fazem algumas pessoas se sentirem fora dos padrões de normalidade, podem ter um impacto negativo na autoestima e prejudicar os relacionamentos. Em casos assim, tentar melhorar a aparência parece ter mais que ver com amor próprio do que com vaidade.

Depende

Há ainda quem considere ser preciso diferenciar tratamento de aprimoramento. Nesse caso, seria razoável, por exemplo, reparar uma cicatriz de queimadura ou colocar uma prótese de mama num caso de câncer; enquanto outras situações de preocupação apenas estética seriam vistas como capricho. Existem aqueles que defendem que uma correção estética temporária é diferente de uma cirurgia plástica que vai alterar de maneira permanente o que Deus nos deu. Mas essas diferenças nem sempre são tão claras. Primeiramente, porque uma cirurgia plástica pode não ter que ver com saúde física, mas com o bem-estar emocional. Segundo, porque alguns procedimentos irreversíveis, como a extração dos dentes, parecem não ser considerados tão problemáticos da perspectiva religiosa quanto outros. O ponto é que a questão é complexa e de foro íntimo. Aquilo que é julgado como vaidade por alguém pode ser extremamente importante para outra pessoa. Portanto, qualquer um que deseja fazer uma cirurgia plástica estética deve buscar orientação médica e psicológica, além de examinar seu coração junto a Deus (Sl 139:23), pois Ele nos conhece melhor do que ninguém (Jr 17:9; Mt 10:31). Fontes: jornal.usp.br (https://bit.ly/2lf8hkO); estadao.com.br (https://bit.ly/2IjJl9t); Adventist Biblical Research (https://bit.ly/2X2V9jx); gotquestions.org (https://bit.ly/2Gh54MO); Departamento de Cirurgia Plástica da Universidade de Loma Linda (https://bit.ly/2UsY6x3); Christianity Today (https://bit.ly/2G88f8o); “Nip & Tuck: A Parable”, Centro de Bioética e Dignidade Humana da Trinity International University (https://bit.ly/2GhNiJi).

É uma referência ao mito grego de Narciso, que evidencia a incapacidade de amar outra pessoa e destaca o amor exagerado por si mesmo. No fim do século 19, o termo foi adotado pela psiquiatria, sendo empregado pela psicanálise por Haverlock Ellis (1898), um dos estudiosos da sexualidade humana. Atualmente, o narcisismo é um conceito também da teoria psicanalítica, abordagem desenvolvida por Sigmund Freud, que foi um

Psicólogo Profissional que procura compreender o comportamento humano e o funcionamento da mente. Que emprega métodos científicos para entender o psiquismo e também prevenir e tratar as doenças mentais. As abordagens podem variar entre sistêmica, gestalt, cognitiva e outras; porém, a escolha do método de trabalho deve respeitar os valores e crenças do paciente. Cada abordagem traz pressupostos e métodos diferentes, o que pode causar na mente do cliente um

Conflito Situação que geralmente acomoda um problema, um obstáculo que, caso não seja superado, pode acabar gerando confrontos futuros. Conflitos comumente envolvem duas ou mais pessoas, que quase sempre apresentam vivências, preferências, princípios e ideias diferentes, e que, por causa disso, acabam tomando decisões opostas em relação a temas comuns. Quando muito intensos, os conflitos podem criar entre os envolvidos um verdadeiro

Precipício Depressão natural, cavidade, caverna profunda com paredes clivosas ou extremamente verticais, que apresenta geralmente um fundo inexplorado, também denominado abismo, despenhadeiro. No campo dos relacionamentos e decisões pessoais, é símbolo de fracasso, ruína e separação irremediável. O amor próprio é importante, mas se você está preso ao narcisismo, o caminho pode ser procurar um psicólogo competente que respeite suas crenças e que possa ajudá-lo a resolver seus conflitos, evitando assim um precipício emocional. jul-set

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Imagine

Texto Jessica Manfrim Design Renan Martin

DESDE CRIANÇA, NARCISO foi extremamente bonito. Sua mãe, a ninfa Liríope, encantada com a beleza do menino e, ao mesmo tempo preocupada com o efeito que isso produziria nele, foi até o sábio e adivinho Tirésias perguntar se Narciso teria uma vida longa. Ele respondeu que isso somente aconteceria se Narciso jamais conhecesse a si mesmo, olhando para a própria imagem. Durante alguns anos, o conselho de Tirésias parecia não ter sentido. Narciso se tornou um adolescente belíssimo, mas muito orgulhoso. Desprezava todas que se apaixonavam por ele. 26 |

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Certo dia, ele foi atraído pela poderosa voz de uma ninfa chamada Eco. Porém, quando ele a viu, a desprezou também. Não suportando a rejeição dele, ela implorou pelo amor de Narciso, perdendo a própria voz. Como resultado, uma maldição foi lançada sobre o rapaz: ele somente poderia amar a si mesmo, sem nunca ser correspondido por outra pessoa. A profecia do vidente Tirésias então se cumpriu: Narciso, cansado de caçar, parou diante de uma fonte de água e viu ali sua imagem refletida. Achando que se tratasse de uma criatura das águas,

apaixonou-se pelo seu reflexo. Assim, toda vez que ele tentava se aproximar daquela bela figura para tocá-la, ela desaparecia. Narciso ficou enlouquecido por ser desprezado e definhou até morrer. Essa é uma das versões do mito grego que foi usado por Sigmund Freud, o pai da psicanálise, para descrever os indivíduos que têm um amor doentio por si mesmos. Atualmente, a obsessão por selfies, popularidade nas mídias sociais e interesse por reality shows parecem indicar que temos novos espelhos de Narciso. Porém, como seria o mundo sem narcisismo?


SEM REALITY SHOWS E STORIES

Narcisistas são exibicionistas, egoístas, pouco empáticos, arrogantes, não admitem seus erros nem mentiras e precisam se sentir no centro das atenções. Também demonstram pouco interesse pelos outros, mas usam seu poder de atração para conquistar seguidores e reconhecimento. Hoje os narcisistas contam com as plataformas digitais para conseguir plateia. Por meio dos reality shows e mídias sociais é possível transformar algo comum em grandioso e, um desconhecido, em subcelebridade. Nesse contexto, as imagens contam muito: fotos de comida, das férias e os autorretratos retocados com filtros seguem essa lógica. Nas mídias sociais, os usuários se apresentam como querem parecer, não necessariamente como são. Pessoas com traços narcisistas procuram outras com as mesmas características, pois isso lhes dá a impressão de que fazem parte de um grupo seleto. Sem a necessidade de tanta exposição, reality shows que produzem celebridades instantâneas e stories talvez perderiam o sentido e a audiência.

SEM CHEFES AUTORITÁRIOS E DITADORES

O narcisismo não é apenas um fenômeno individual, mas coletivo. Esse traço de personalidade está presente igualmente em chefes autoritários, políticos de destaque e ditadores. Narcisistas são figuras carismáticas, que podem encontrar na conquista de altos cargos e poder uma forma de alimentar o próprio ego. Manifestam também facilidade para mandar em outras pessoas e conseguem seguidores porque transmitem segurança por meio de uma comunicação bem articulada e autoconfiante. Apesar de serem líderes natos, acabam negligenciando as necessidades de seus liderados. Gostam de se relacionar com pessoas da “mesma categoria” e não suportam críticas. Em contextos de crise, líderes narcisistas costumam apresentar soluções drásticas, e suas ideias podem ter um grande apelo, ainda que não tenham base sólida. Por isso, governos narcisistas investem muito em propaganda. Tanta exaltação e culto à personalidade tende a gerar violência, morte, preconceito, alienação intelectual e social. Líderes que revertem grandes crises geralmente são introvertidos, pois conseguem fazer uso do pensamento crítico, da empatia e da criatividade. Nelson Mandela foi um exemplo dessa postura, mesmo depois de passar 27 anos na cadeia como preso político, numa África do Sul dividida pelas questões raciais.

Curiosamente, a raiz da palavra Narciso deu origem à palavra narcótico (substância que faz dormir, entorpecente). O narcisista está entorpecido consigo mesmo e não consegue enxergar a realidade do outro. Todos precisam de certa dose de amor-próprio, e esse é o princípio da autoestima, porém é preciso equilibrar senso de valor próprio e empatia (Mt 22:39). Uma das principais características do cristianismo é o amor ao próximo, e isso não combina com o narcisismo (Jo 13:34-35). Assim como o narcótico entorpece os sentidos, o narcisismo compromete nossa razão (ver a realidade de modo objetivo) e a vivência do verdadeiro amor (aquele que não é restrito a algo ou alguém, mas que se espalha). A chave para o ajuste de foco está em nossa atenção: quanto mais nos importamos com algo, mais prestamos atenção nisso; e quanto mais atenção prestamos, mais nos importamos. O equilíbrio está em se olhar no espelho e pela janela do outro com a mesma atenção.

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SEM AUTOPROMOÇÃO HUMANITÁRIA

Apesar de o narcisismo estar mais explícito na era digital, ninguém quer ser diagnosticado como narcisista. E talvez uma boa maneira de disfarçar esse defeito, inclusive nas mídias sociais, seja postar fotos de participação em projetos de ajuda humanitária. Vale lembrar que ser voluntário pega bem também no LinkedIn. O ponto é que a postagem de dezenas de fotos começa a levantar suspeita se aquela viagem para a África ou Haiti se trata de turismo ou voluntariado de fato. O narcisista costuma dar atenção para alguém em duas ocasiões: quando o outro se torna seu espelho ou eco e quando ajudar outra pessoa lhe rende o papel de bondoso, ainda que ele não se preocupe realmente com as necessidades de seu semelhante. Existe uma diferença bem grande entre divulgar projetos sociais e usá-los para autopromoção. Um grupo da Noruega, voltado para educação como forma de contribuir para sociedades mais justas e inclusivas, sugere quatro princípios para essas postagens: promova a dignidade (pessoas não são atrações turísticas); compartilhe com consentimento (respeite a privacidade do outro); questione suas intenções ao postar (o voluntariado visa o outro ou você?); e não reforce estereótipos (conte novas histórias a seus amigos e a quem segue você). Mais do que nunca vale a máxima bíblica de ajudar o próximo sem alardear o que faz (Mt 6:3-4).

Fontes: O Coração do Homem: Seu Gênio Para o Bem e Para o Mal, de Erich Fromm (Zahar, 1977); O Poder dos Quietos, de Susan Cain (Agir, 2012); Foco: A Atenção e seu Papel Fundamental Para o Sucesso, de Daniel Goleman (Objetiva, 2013); Carisma: Êxtase e Perda de Identidade na Veneração ao Líder, de Charles Lindholm (Zahar, 1993); “Sinais de que uma pessoa é narcisista”, artigo de José Roberto Marques (ibccoaching.com. br); “Sete traços psicológicos do narcisismo que um narcisista nunca admitiria”, artigo de Kristin Suleng, no site do jornal El País, em 23/12/2018 (brasil.elpais.com); “Como se destacar na era do exibicionismo profissional”, artigo de Lennox Morrison, no site da BBC, em 24/07/2017 (bbc.com/portuguese); “Vivemos na era do narcisismo. Como sobreviver no mundo do eu, eu, eu”, artigo de Cristina Galindo, no site do jornal El País, em 04/02/2017 (brasil.elpais.com); “Guia ensina como fazer trabalho voluntário sem parecer babaca nas redes sociais”, artigo de Juliana Carpanez, para o portal UOL, em 14/01/2018 (uol.com.br). jul-set

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Ação Mude seu mundo

Texto Suellen Timm Ilustraçao Alexandre Gabriel

Lição de vida Aprenda Na cabeceira Guia de profissões

Garotas aprendem a resgatar a autoestima e os sonhos em reuniões semanais em escolas públicas paulistas O SORRISO ESCONDE a história de uma menina batalhadora. A verdade por trás desse rosto é que a adolescente M.S.S. nunca teve uma vida fácil. Quando bebê, foi rejeitada pela mãe e criada somente pelo pai, com quem sempre teve um relacionamento distante. Há uns três anos, sua família se mudou de Salvador (BA) para São José do Rio Preto, no oeste paulista, e foi nessa nova cidade que ela encontrou o que precisava. Há um ano e quatro meses M.S.S. começou a participar do projeto Garotas Brilhantes. Nas oficinas e palestras realizadas em sua escola, a menina não conseguia esconder as lágrimas quando o tema abordado era família. Ragma Peinado, assistente social e coordenadora do projeto em São José do Rio Preto, se aproximou da garota e descobriu a triste história que lhe tirava a razão de sorrir. A adolescente não conseguia aceitar o fato de haver sido rejeitada pela mãe. E para piorar, a situação financeira da família não era das melhores. M.S.S. costumava fazer algo para vender e levantar assim o dinheiro para comprar itens básicos para si. Com o tempo e o trabalho das voluntárias do projeto, ela voltou a sorrir. A menina, que é uma líder nata e bem 28 |

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desenvolta, começou a participar do grêmio escolar. Também passou a praticar esportes e a ter um excelente desempenho, conquistando várias medalhas em pequenos campeonatos regionais. “O projeto melhorou minha autoestima. Ensinou-me que eu tenho um lugar no mundo e que posso chegar a qualquer lugar se eu me esforçar. Meu sonho é ser uma professora de educação física bem-sucedida”, explica a garota. GAROTAS BRILHANTES Nos últimos anos, várias pesquisas têm apontado o grande desafio que é para os jovens construir uma boa autoestima, especialmente para as mulheres (leia a seção “Globosfera”, p. 6 e 7). Foi vendo essa realidade entre suas alunas, que uma professora de uma escola estadual procurou a ADRA Brasil (Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais) com um pedido de ajuda. Foi assim que surgiu o projeto Garotas Brilhantes, em 2013. Mais do que contribuir com a construção da autoestima e o desempenho acadêmico das estudantes, a ideia é ajudar as adolescentes que estão em situação de vulnerabilidade social a sonhar com o futuro. O projeto começou numa escola pública localizada no bairro mais populoso de São José do Rio Preto. A intenção inicial era conter a evasão escolar. A iniciativa de inclusão e cidadania consiste em reuniões semanais com as adolescentes, em que são realizadas palestras, terapia em grupo, oficinas, dinâmicas e cursos profissionalizantes. Nos encontros são abordados temas como família, empreendedorismo, moda, autoestima, qualidade de vida, futuro profissional e relacionamentos. Além das reuniões semanais, as meninas participam de eventos em datas comemorativas, como o Dia da Prevenção da Gravidez na Adolescência (1o de fevereiro) e o Dia da Mulher (8 de março). As palestras e atividades têm acompanhamento de voluntárias e profissionais das áreas de assistência social, direito, empreendedorismo, estética, psicologia e psicopedagogia. Segundo Neusa Ferraz, organizadora do projeto Garotas Brilhantes, quando a autoestima das participantes é fortalecida, elas passam a sonhar mais, a planejar o futuro e a abandonar a ideia de que devem fazer parte da geração que não estuda nem trabalha. “Quanto mais tempo elas dedicam aos estudos e ao desenvolvimento do próprio potencial, melhores condições terão para casar-se no futuro e pensar na construção de seu projeto de vida”, garante Neusa. O que começou como uma iniciativa simples e sem muitas pretensões, hoje já celebra a marca de ter ajudado mais de 1,5 mil garotas. Atualmente, o projeto é realizado em nove escolas paulistas, quatro em São José do Rio Preto e uma nas cidades de Barretos, Fernandópolis,

Franca, Presidente Prudente e na capital. Em 2018, a ideia atravessou o Atlântico e inspirou uma iniciativa semelhante em Luanda, na Angola. O projeto, que já foi pauta na imprensa, venceu o prêmio Dez Mulheres pela Paz de São José do Rio Preto e chegou à semifinal do prêmio Itaú – Unicef, em 2017. Eliana Carvalho atuava como mediadora logo que o projeto começou na escola estadual em São José do Rio Preto e atualmente é diretora da mesma unidade educacional. Ela participava ativamente de todos os encontros, eventos e acompanhava de perto cada uma das participantes. Segundo a educadora, os benefícios foram inúmeros, tanto no comportamento quanto no desempenho acadêmico das alunas. O número de gravidez precoce e de evasão escolar também diminuiu. “Diante de situações corriqueiras eu dizia: ‘você é uma garota brilhante’. Isso desarmava qualquer discussão, e na hora era notável a mudança de comportamento. O banheiro feminino foi reformado e não tivemos mais nenhum ato de vandalismo ali”, afirma a diretora. Eliana também destacou que muitas das participantes foram encaminhadas para a busca do primeiro emprego e já sonham em continuar estudando. DA SALA DE AULA PARA A VIDA B.S., de 17 anos, também se destaca por sua garra. Começou fazendo pamonha e vendendo o produto na feira a fim de levantar uns troquinhos para ajudar a família. Sua vontade de crescer, fez com que ela aproveitasse todos os cursos oferecidos pela ADRA, inclusive os realizados em parceria com o Senac. A adolescente passou a participar do projeto quando a iniciativa veio para sua escola, no bairro popular Nova Esperança, em São José do Rio Preto. Ela lembra que os encontros a ajudaram com questões psicológicas, de autoestima e de sociabilidade com outras meninas. “O projeto me tornou mais amável e me fez sentir mais amada”, completa. Nos dois anos que B.S. participou do Garotas Brilhantes, ela percebeu que o fato de ter vindo de uma família com poucas condições financeiras não a impediria de realizar seus sonhos. Como resultado, B.S. passou a se valorizar mais, a se dedicar mais aos estudos e aproveitar todas as oportunidades que teve para aprender. A garota não participa mais do projeto, mas descobriu seu brilho. Ela sonha em cursar Pedagogia e depois se especializar em Psicopedagogia. “Sou muito grata porque o projeto mudou minha vida. Hoje tenho planos para o futuro e quero lutar para alcançá-los. Para saber mais Quero estudar e ajudar outras adra.org.br meninas, assim como o projeto me ajudou”, planeja. jul-set

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Lição de vida

Texto Thiago Basílio Ilustração Paulo Vieira

Em pé A história de uma jovem cadeirante que encontrou na família o incondicional apoio e a inspiração para enfrentar os desafios da vida NÃO ERA MINHA formatura, mas a emoção e a expectativa se confundiam aos sentimentos dos donos da festa. Meu envolvimento particular com aquela classe, para a qual havia lecionado, era carregado de muitas histórias. Os protocolos foram transcorrendo, e o momento da chamada para a entrega dos certificados começou. “Como será que ela vai subir neste palco quando for convocada?”, eu pensava com curiosidade e expectativa. Finalmente seu nome foi lido: Thaís Ribeiro Alencar. Um misto de euforia, surpresa e emoção tomou conta daquele auditório. Aplausos intensos, sinceros e demorados de reconhecimento. Ela estava ali, celebrando a existência e suas conquistas, de cabeça erguida e, pasmem, em pé! Na verdade, essa história de lutas e tenacidade começou muito antes, em agosto de 1992, quando Thaís chegou ao mundo. Sua mãe, Maria Ivete, teve sérias complicações durante a gravidez, ganhando a filha no sexto mês de gestação, numa cesárea de emergência e complicada. Thaís ficou sem oxigênio por um importante período, gerando uma paralisia cerebral, questão que poderia desencadear sérios distúrbios no futuro. Na sequência do parto, houve uma corrida contra o tempo na UTI. Orações incansáveis eram direcionadas ao desenvolvimento daquela criança. Os dias passaram, a situação piorava. De 1,6 kg no nascimento, o bebê chegou aos críticos 798 gramas, pouco depois. Quatro meses de lutas e, em dezembro, o presente de Natal da família chegou em forma de alta hospitalar. “Essa foi a primeira vitória”, conta Thaís. 30 |

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NÃO HÁ LIMITES O tempo foi passando, e Ivete observava que a filha respondia bem aos estímulos cognitivos, mas, aos cinco meses, amamentando sua bebê, percebeu que o braço esquerdo da menina sempre permanecia na mesma posição. O diagnóstico médico posterior foi que Thaís tinha limitações motoras; por isso, passou a receber tratamento especializado na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Os anos correram. Aos oito, a garota foi matriculada numa escola regular. Nessa época, Thaís vivia com a família numa vila em São Paulo (SP), cercada por 12 primos. Brincava, se divertia, superava facilmente os obstáculos do dia a dia com a ajuda das outras crianças e da cadeira de rodas. Sua mãe e seu pai, Antônio, deixaram claro para ela que suas limitações não a impediriam de nada, pois poderia contar com o apoio irrestrito deles. Eles seriam seu porto seguro, suas mãos e pés. Porém, infelizmente, na nova escola ela não contou com tanta compreensão. MAS QUISERAM LIMITÁ-LA Se junto aos seus familiares ela se sentia absolutamente integrada, no colégio os coleguinhas a preteriam, excluíam e a cobravam injustamente por suas limitações. Nesse ínterim, a família teve que mudar para o interior. A troca de escola fez com que o sofrimento piorasse, pois ela passou a estudar em uma instituição particular, onde, além de deficiente, era julgada também por sua condição social modesta, sua aparência “nerd” e por sua inteligência acima da média. “Descobri o bullying nessa época. E foi muito cruel”, desabafa. Ainda assim, pondera que foram situações que a fortaleceram muito, apesar de não ter sido um período fácil. Retornando à história, com o decorrer dos anos e um trabalho psicológico que a escola desenvolveu com Thaís e outros alunos, a integração, mesmo que lenta, foi finalmente se consolidando. Na última série do ensino fundamental, Thaís precisou passar por cirurgias complexas, de recuperação delicada e dolorosa. Necessitou de repouso total por meses. Com muita resistência médica, mas para

não perder o ano letivo, ela conseguiu combinar com a escola que estudaria em casa os conteúdos que seriam cobrados em provas periódicas. E assim o ano foi tocado, entre mesas cirúrgicas, dores traumatizantes, livros e um foco sobre-humano. O fim do ano se aproximava, Thaís negociou uma alta com os médicos e conseguiu ir à formatura. Entrou sendo aplaudida e aclamada. Além disso, ganhou uma placa de reconhecimento acadêmico, homenagem sugerida por seus colegas. “Foi muito marcante para mim ver todos naquela posição de respeito me saudando”, lembra. E QUANDO TUDO PARECIA CAMINHAR… O tempo passou, e Thaís se apaixonou pela língua inglesa. Mesmo sendo incentivada pelo pai a cursar Jornalismo, naquele momento optou por Tradutor e Intérprete. Apesar da natural euforia universitária, nesse período também teve que encarar uma realidade muito difícil: a mãe foi diagnosticada com câncer de mama. Apesar de chocada, a família entregou a situação a Deus, e Ivete encarou os tratamentos. Ela foi curada, mas um efeito colateral do processo foi o desenvolvimento de um grave quadro de cirrose. Ivete precisaria de um transplante do fígado. Mesmo diante daquela situação delicadíssima, eles nutriam uma esperança: após alguns testes, foi verificado que Antônio, o pai, poderia doar parte do órgão. Thaís e a família foram pegos de surpresa com a nobre e amorosa decisão, que poderia salvar a mãe. Infelizmente, pouco tempo depois, houve uma complicação generalizada e irreversível no organismo de Ivete. E mesmo com todos os esforços da equipe médica, ela faleceu. Apesar da tristeza imensurável, Thaís se sentiu confortada por Deus e pelos célebres ensinamentos maternos, responsáveis pela construção da sua força, segurança, resistência e fé. ...MAIS UMA VEZ A VIDA SE RENOVOU Conheci Thaís em 2014, quando produzia meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Jornalismo. O relato dela me foi

apresentado por amigos. Sua trajetória cumpria os “requisitos” para fazer parte do livro-reportagem-perfil que eu preparava a respeito de pessoas que tiveram que enfrentar preconceitos e superações na vida. Marcamos um encontro e, quando terminamos a conversa, ela me contou sobre seu interesse na área de jornalismo. Fiquei feliz e a incentivei a cursar a faculdade que eu estava terminando. No ano seguinte, ela se matriculou no curso, fazendo duas graduações simultaneamente. Pouco tempo após a minha graduação, retornei ao Unasp, então como funcionário. Meu contato com Thaís passou a ser mais cotidiano, pois ela atuava como editora da agência laboratório da graduação, que em algumas frentes se cruzava com o meu trabalho. Sua rotina proativa, responsável e competente era uma inspiração para todos. Encontrála, sempre muito disposta e contente se locomovendo para todo canto com sua cadeira de rodas motorizada, ainda é uma linda aula de valorização da vida. Tornei-me professor universitário e tive o privilégio de fazer parte da banca avaliadora do TCC de Thaís. A essa altura, ela já havia sido aprovada na seleção para o mestrado em Divulgação Científica e Cultural da Unicamp, onde atualmente estuda. Thaís ganhou muitas felicitações dos professores e amigos pela nota máxima alcançada no TCC e por ter ingressado no mestrado. Contudo, tenho certeza de que, naquela noite, fui igualmente muito privilegiado: Thaís disse para todos que, em alguma medida, eu a havia influenciado a se tornar jornalista. Toda essa história resume por que eu estava tão empolgado e orgulhoso em sua formatura. Ao me emocionar com a cena dela pegando seu merecido diploma “em pé”, com o auxílio do pai, entendi que aquele também era um gesto simbólico: a família é sua estrutura. “Foi um lembrete para mim de que sem o cuidado e o incentivo deles, eu não chegaria ali”, reconhece Thaís. Naquele momento tão importante da vida, ela pôde, como sempre, contar com seu pai e a memória da sua mãe como apoio incondicional para a realização dos seus maiores sonhos. jul-set

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Aprenda

Texto Márcio Tonetti Design Renan Martin

A fotografar além da selfie QUEM NUNCA VIROU a câmera do celular para si mesmo e fez uma selfie? No caso do britânico Junaid Ahmed, esse gesto é repetido pelo menos 200 vezes por dia. Casos extremos à parte, o fato é que cerca de 1 milhão de autofotos são postadas na internet diariamente. Há pouco tempo, pesquisadores da área de ciências da computação do Instituto de Tecnologia da Geórgia (EUA) tiveram a curiosidade (e a paciência) de analisar 2,5 milhões de registros publicados no Instagram na tentativa de traçar um perfil dos “narcisistas digitais”. A conclusão foi que 59% das fotos exibiam a aparência física, 14% destacavam a interação com familiares e amigos, 13% valorizavam traços culturais tradicionais ou da moda e 5% revelavam um estilo de vida saudável. Numa época em que todos estão olhando para a própria imagem, saiba como é possível fazer um autorretrato de um ângulo mais interessante.

1

ENTENDA A DIFERENÇA

2

PREPARE A CÂMERA

3

PLANEJE A POSE

4

BUSQUE REFERÊNCIAS

Um autorretrato fotográfico é bem diferente de uma selfie porque apesar de revelar algo da personalidade do fotógrafo, a intenção principal é transmitir ideias. Por isso, seu valor artístico é maior. Aliás, essa forma de expressão foi popularizada por grandes pintores como Rembrandt (1606-1669), que produziu quase uma centena de autorretratos, e Vincent van Gogh (1853-1890).

Um autorretrato demanda mais cuidados com o equipamento e a técnica. Geralmente se usa um tripé para apoiar a câmera ou o celular. Também é preciso caprichar no foco. O ideal é ter um disparador remoto ou colocar a câmera no timer.

Fontes: curso on-line “Visual Journalism: Looking at the other in the age of selfie” (knightcenter.utexas.edu/pt-br); “Um retrato das selfies”, revista Veja, de 26 de julho de 2017; “‘Tiro 200 selfies por dia’: vício em autorretratos já é reconhecido como transtorno mental” (bbc.com/portuguese); “Muito além da selfie” (revistacontemporartes.com.br); Charly Techio, supervisora dos cursos de Fotografia e Artes Visuais do Centro Europeu.

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Fotógrafos como Cindy Sherman e Larry Towell se tornaram ícones do autorretrato. A norte-americana ficou conhecida por suas críticas aos estereótipos femininos através de suas performances que incorporam personagens da TV e do cinema. Já o canadense trabalha com uma linha mais documental. Um de seus trabalhos mais conhecidos é o projeto O mundo da minha varanda, no qual retratou valores que a sociedade atual perdeu. Há muitos estilos, mas você pode criar o seu e fazer autorretratos com inteligência, relevância e um toque de arte.

© VIGE.co | Adobe Stock

Todos querem sair bem na foto, mas não caia na armadilha de achar que está posando para um fotolivro. A pose vai depender da ideia que pretende passar. Para isso, não basta espontaneidade, é preciso planejamento. O mesmo critério vale para a escolha do cenário.


Na cabeceira

Texto Sara Teixeira Design Renan Martin

Não perca tempo Trechos

“O ciúme é praticamente sinônimo de insegurança. Ele nunca é atraente, mas totalmente desnecessário” (p. 29). “Eu gostaria de tocar em algumas coisas essenciais que você pode procurar quando fizer a lista do que deseja em alguém. [...] Procure alguém que a faça querer ter sucesso, alguém que a faça se sentir linda, que a faça rir e que reforce em sua mente a realidade de Deus e a importância de viver cada dia em busca de uma relação mais profunda com Ele” (p. 92). “Um grande erro que as mulheres costumam cometer quando são confrontadas com a questão da desonestidade [traição] é o de culpar a outra mulher. [...] Isso não tem nada a ver com ela, mas com a atitude dele. Ele quebrou as promessas que fez. Você confiou, e ele foi descuidado. Focalize o alvo certo: o traidor” (p. 73).

NÃO É FÁCIL procurar, muito menos encontrar, em meio a um grande contingente de rapazes, a pessoa que acompanhará você numa vida a dois. Um dos perigos dessa pesca é se contentar com o brilho dos “vaga-lumes” e desistir de esperar o “grande relâmpago” que pode realmente iluminar sua vida. Mas essa decisão não é simples, principalmente quando temos a sensação de que o tempo está passando rapidamente ou estamos envolvidos num emaranhado de emoções. Nessas horas, às vezes é bom conversar com uma “irmã mais velha”. Foi pensando nisso que Heather Marie Thompson escreveu um livro pequeno, de 95 páginas, mas com 13 capítulos em que ela compartilha seus erros e acertos na busca pelo verdadeiro amor. Numa linguagem pessoal, amigável e divertida, ela divide com outras meninas alguns valores cristãos que julga importantes para tomar uma das decisões mais relevantes da vida. Uma coisa que você pode aprender lendo o livro Nem Tudo Que Cai Na Rede É Peixe (CPB, 2013) é como se certificar de que não está perdendo tempo nem fazendo alguém perder tempo com um relacionamento sem futuro. Para discutir essa questão central, Heather reflete sobre amizade, inveja, traição, tempo, afinidade, respeito, beleza, sexo antes do casamento e namoro com pessoas de religião diferente da sua. A autora sugere algumas perguntas para que as leitoras pensem a respeito da qualidade do próprio namoro: “Vocês costumam rir juntos ou se sentem desconfortáveis com o silêncio esmagador? As mãos continuam onde estavam desde o primeiro encontro ou estão querendo ‘avançar o sinal’?” E um fator

muito importante quando se pensa na formação de uma futura família: “Vocês são de religiões diferentes, mas estão apostando no namoro como um método de conversão?” O livro trata também de outro erro: investir todas as fichas no critério da beleza exterior. Heather nos lembra de que isso passa, mas o que permanece é a amizade, os bons momentos vividos juntos, a afinidade e o amor. De acordo com a autora, quando se encontra o “relâmpago”, não há nada a temer, pois você se sentirá “iluminada” de dentro para fora e de fora para dentro. Contudo, para que você não seja enganada por meros sentimentos ou uma explosão de hormônios, Heather nos aconselha a jogar limpo com Deus sobre nossas emoções, contando a Ele exatamente o que esperamos na outra pessoa e acreditando que isso não é algo de pouca importância para Quem nos criou. Para tanto, é preciso também aprender a esperar, sem atropelar as coisas por sentir-se abandonada, exercitando sabedoria e paciência. Trata-se de um livro para as garotas (talvez para os garotos também) que desejam pensar mais francamente sobre si mesmas e a respeito de quem têm ou pretendem ter ao lado. jul-set

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Guia de profissões

Texto Wiliane Passos Ilustração artinspiring | Adobe Stock

ODONTOLOGIA

A profissão de dentista é uma das mais valorizadas no país e vai além do cuidado com os dentes PERFIL DO PROFISSIONAL

O dentista deve ter uma formação interdisciplinar que permita o diálogo com áreas afins da saúde e o trabalho colaborativo em equipes multiprofissionais. Deve também dominar instrumentos, métodos e técnicas próprias da sua prática profissional.

MATRIZ CURRICULAR

A PALAVRA “ODONTOLOGIA” tem raiz na língua grega e significa o estudo dos dentes. Porém, hoje o objetivo dessa área do conhecimento vai muito além disso. Tem que ver com o estudo, a prevenção e o tratamento de distúrbios do chamado aparelho estomatognático, que é formado pelas estruturas da face, boca e pescoço. O curso de odontologia tem por objetivo formar cirurgiões-­ dentistas aptos a atuar em diversas áreas da profissão, que demonstrem competência no domínio de conceitos, métodos e técnicas, e atuem de modo responsável e com uma visão integral do ser humano. O curso trabalha com habilitação desde a área preventiva até os procedimentos cirúrgicos.

A formação básica contempla disciplinas que estudam, por exemplo, o processo de mastigação, o funcionamento da região da cabeça e pescoço e como essa especialização está relacionada com a saúde do paciente como um todo. Por isso, o estudante se debruça também sobre as áreas das ciências biológicas e da saúde, como anatomia humana, patologia, fisiologia, epidemiologia, histologia, imunologia e bioquímica. As matérias profissionalizantes incluem radiologia, periodontia, cirurgia, próteses, anestesiologia, técnica radiográfica, entre outras. A partir do segundo ano, o aluno começa a realizar restaurações e demais procedimentos em aulas práticas de laboratório e a atender pacientes na clínica da faculdade.

ÁREAS DE ATUAÇÃO

O cirurgião-dentista pode trabalhar em hospitais, clínicas, postos de saúde, cooperativas, sindicatos e escolas, além de poder atender individualmente num consultório. No Brasil, a maioria dos dentistas opta por ter seu próprio negócio.

SALÁRIO

ONDE ESTUDAR

Faculdade Adventista da Bahia Cachoeira (BA) Nota 4 (reconhecido) R$ 2.769,00 Manhã, dez semestres adventista.edu.br

Os profissionais de odontologia têm uma das melhores remunerações médias do país: R$ 5.367 mensais. Alguns sites especializados em mercado de trabalho mostram que essa remuneração pode variar de R$ 1.600 a R$ 6.000 em empresas privadas. Entre as áreas mais promissoras da carreira estão odontologia em saúde coletiva, estética e legal.

Fontes: doutor Fabiano Leichsenring Silva, diretor acadêmico da Faculdade Adventista da Bahia, Conselho Federal de Odontologia, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e sites guiadacarreira.com.br e catho.com.br.

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MKT CPB

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