Ano 2 - Edição 1 - Outono de 2015 www.entrementes.com.br
CONECTANDO IDEIAS ARTE - CIÊNCIA - ESOTERISMO - FILOSOFIA
EDIÇÃO DE OUTONO
COMIC CON EXPERIENCE 2014 MERGULHAMOS DE CABEÇA NO MAIOR EVENTO GEEK/NERD DO PAÍS!
TRÁFICO DE ORGÃOS
A LUTA DE UM HOMEM QUE PERDEU SEU FILHO PARA A MÁFIA DO TRÁFICO DE ÓRGÃOS. CONFIRA A ENTREVISTA!
UM CENÁRIO UNDERGROUND PARA SER DESCOBERTO DESVENDANDO AS ARTES QUE PERMEIAM A SUBCULTURA GÓTICA
MANUELA TOMASI FERREIRA EXEMPLO DE SUPERAÇÃO - TALENTO MUSICAL QUE TRANSCENDE DIFICULDADES MOTORAS E VISUAIS
O DESAFIO DE UM ARTISTA-ATOR A REALIDADE NOS BASTIDORES DE UMA BANDA COVER/TRIBUTO
HAPKIDO
A ORIGEM DA PRÁTICA DE DEFESA PESSOAL QUE UNIFICA TODAS AS FORMAS DE COMBATE
Editorial Apresento-lhes a Revista Entrementes número 1, que se inicia no outono de 2015. A publicação da revista será trimestral (outono, inverno, primavera e verão). Vamos começar as estações do ano lendo uma Revista Cultural que tem a colaboração de 22 colunistas, que atualmente escrevem no Portal www.entrementes.com.br A ideia é a Revista on-line, que será publicada na web, mas também teremos exemplares impressos, expressando nosso com-tato. A Arte se desdobra e mexe com as emoções e sentimentos. A Ciência comprova ideias e pensamentos. A Filosofia leva a reflexão e a sabedoria. O Cósmico busca transcender o mundo material. Todas essas formas de conhecimento estão presentes nos artigos, críticas, entrevistas, crônicas, versos e prosas dos autores da revista. Todo o conteúdo, obras dos colunistas e algumas matérias especiais como o passeio pela Comic Con Experience, a conversa com a virtuose Manuela Tomasi Ferreira, a entrevista sobre o Tráfico de órgãos, Artes Marciais, Bandas locais, Cultura Underground e outras interessantes, para o deleite dos nossos leitores. Cabe ressaltar que a revista está com um layout bacana, os temas bem organizados, matérias interessantes e uma vontade inquebrantável de continuar propagando conhecimento de forma espontânea e independente. Agradecimentos especiais, a todos os colunistas e colaboradores, ao novo diagramador Filipe Oliveira, a Paulo Chiacchio que cedeu o seu escritório para a realização deste trabalho e a jornalista Fernanda Toffuli. Quem quiser adquirir a revista impressa é só entrar em contato conosco que enviaremos pelo correio. O email é contato@entrementes.com.br ou pelo telefone (12) 99730-6069 (Vivo) e (12) 98843-3067 (OI). Elizabeth de Souza - Editora da Revista
Sumário 04
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Por Paola Domingues
Por Dalto Fidencio
A desafiadora escolha em montar uma banda cover/tributo
A musicista joseense prova que talento e força de vontade pode superar qualquer obstáculo
A equipe do Entrementes esteve na maior convenção Geek/Nerd no Brasil
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Por Joana D’arc
Por Elisabeth Souza
O DESAFIO DE UM ARTISTA-ATOR MANUELA TOMASI FERREIRA
UM CENÁRIO UNDERGROUND PARA SER DESCOBERTO Por Fernanda Toffuli
“O gótico é normal, trabalha, tem vida e faz pagamentos“
TRÁFICO DE ORGÃOS Joana D’arc entrevista Paulo A. Pavesi - Que luta contra o tráfego de órgãos
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ENTREMENTES NA COMIC CON EXPERIENCE
DESCENDO A GRACIOSA Impressões de viagem. Descendo pela rodovia PR-410
ENTRE VERSOS E PROSAS 03 Conto da caixa de Sedex - Ricola de Paula Fuligem - Ricola de Paula 07 Rodar - Ronie Von Rosa Martins Estradas no Céu - Luisa Fresta 10 Os Sobreviventes - Joka Faria 11 Leituras do Jardim - Joka Faria Assim não falou Zaratustra - Nunes Rios 16 O que você sente quando - Mari Osses 17 Poesias de Domingo-s - Domingos dos Santos 21 A síndrome dos livros ilegíveis - Marcelo Pirajá Sguassábia 22 Parabéns - Escobar Franelas 26 O velho Inventáriador - Jorge Xerxes 30 Poesia de Combate II - Sanjo Muchanga
ENTRE CULTURA
Expediente Editor Responsável: Elizabeth de Souza Diagramação: Filipe Oliveira Revisão de textos: Dalto Fidencio, Fernanda Toffuli Arte da Capa: João Timane - Título da obra: ‘‘Hirondina Joshua’’ - Acrílico sobre tela Arte da Contracapa: Idelfonso O. Filho Jornalista Responsável: Fernanda Toffuli (Jornalista graduada - MTB: 57430-SP
06 Hapkido: A arte marcial dos ninjas koreanos - Fábio S. Jacinto
ENTRE FILOSOFIA 12 As perguntas sem respostas de Matrix - Germano Xaxier 20 Renascentistas Atuais - Paulo Vinheiro 27 Mascaramento - Alexandre Lúcio Fernandes
CANTO DA CULTURA 31 A galera do canto da cultura nos anos 80
ENTRE VERSOS E PROSAS
CONTO DA CAIXA DE SEDEX
Detalhe de Eros y Psiqué - Antonio Canova
O amor é lex Uni...ver...sal Mesmo sabendo que era um cometa vadio Ele insistiu naquela abordagem no meio da rua. _Ei!!! Você, por favor pode prestar um favor, preciso de uma informação. Procuro saber o nome de uma rua, pois trabalho com entregas e faz trinta minutos que procuro um endereço sem sucesso. Na medida em que ela explicava o itinerário, ele se encantava com a moça de olhos de jabuticaba. Interrompendo ele perguntou: _Você sempre morou nesse buraco negro da galáxia? Casas mortas, árvores baixas, ressecadas. Um cão indolente se esfregava na carniça de um sapo seco, colado no asfalto. Ela respondeu: _Sou um ser errante, vagando pelos quadrantes do espaço. Talvez um dia, quem sabe? Sorria de novo, ame de novo, redescubra que posso ser mais. Volte a meu planeta de origem. Meu castigo foi perder o tino, não domestiquei a melancolia. O cansaço e pessimismo ganharam lugar em minha vida feito analgesia. Era tão segura, tão
cheia de vida. Quando ele se foi. Perdi o prumo. Punhal sentimento afoito. Cortou. Rasgou meu futuro. Incendiou o bosque, incinerou flores e borboletas. Derrubou a lua do meu céu, carcomeu as pernas da bailarina. No escuro rodopiei e guilhotinas brilhavam como estrelas. Com um semblante indulgente, ele olhou profundamente nos olhos da moça e presenteou sua pessoa com um abraço amigo. Ela exclamou: _Há anos não recebia um abraço tão fraterno, e estou emocionada com esse encontro inesperado. Estava apenas caminhando na rua, comprar cigarros na padaria. O fantástico ainda estava para acontecer. Olhando o rótulo da encomenda Ela não acreditou no que viu, era o seu nome que estava ali, só que a rua era outra e o número, o mesmo da sua casa. _Moço essa caixa está endereçada a minha pessoa. Com o coração batendo forte, ele falou: _Seu nome é tão lindo Sofia. Não sei quem é mais sortudo, por aqui, e Arregalou um sorriso do tamanho da sua felicidade. No horizonte o poente emitiu raios azuis, amarelos. Eles ficaram apaixonados. Ricola de Paula
Sobre o Autor: Ricola de Paula é poeta, escritor e apicultor. Vive no Souza, bairro de Monteiro Lobato, na serra da Mantiqueira. É autor de vários livros de poesia, publicações para o público infanto-juvenil e Zines.
Fuligem Apaixonada Mente O perigo Não sente A dúctil veia que sangra Dos amores de outrora Ama e sente tudo Ou foge e sente muito Turbilha, quiçá nem sinta A pancada do sino A revoada dos besouros O fim da linha imaginária Que separa os sonhos Tantos choques elétricos Com seu corpo magnético Encaro o poema desespero Amanhecido em angústia O coração diz: …parado Apago à fogueira dos sentidos E recolho minhas cinzas A lua míngua A chuva tamborila sobre o telhado da sua casa Que o frescor das tulipas Não se perca no frio do seu olhar tristonho que ainda carrego debaixo dessa chuva Intensa como a emoção De sentir seu ultimo gozo Nas narinas e na saliva. Ricola de Paula 3
ENTRE SONS
O DESAFIO DE UM ARTISTA-ATOR
Integrantes da banda Tributo ao Matanza, Clube dos canalhas
Àqueles que tem que acompanhado minha trajetória na Revista Digital Entrementes, já puderam perceber que meu foco se volta a trabalhos autorais ou ainda versões personalizadas. Hoje no entanto, vim apresentar-lhes o outro lado dessa história: A desafiadora escolha em montar uma banda cover/tributo. Já poderá ter acontecido com você a infeliz situação de ir num show de banda cover da sua banda favorita e se deparar num verdadeiro fracasso ou no mínimo, nada próximo às suas expectativas. A escolha de um caminho que inicialmente parece ser mais fácil que um trabalho autoral, leva ao fracasso muitos projetos musicais. Isso porque o maior desafio de uma banda cover é obviamente não só reproduzir com o máximo de perfeição o trabalho daquela banda ou cantor, mas também alcançar o comportamento e as características daquele personagem. Ou seja, um trabalho extremamente minucioso que exige pesquisa, conhecimento profundo musical e historicamente falando. Antes de mais nada, é importante sabermos a diferença de uma banda cover e um tributo. Tributo está relacionado a uma homenagem que a banda presta a um ícone da história da 4
música, seguindo sua ideologia e características, já a banda cover é um trabalho que busca assemelhar-se ao máximo com a banda a ser representada, podendo ser até mesmo reco-
vai definir o sucesso do trabalho. O público percebe quando o time não casa”. Outro fator importante levantado dentre os músicos que atuam nesse ramo é a delicada sugestão de “personalizar” o trabalho, ou seja, atribuir características próprias que vão ao encontro da ideologia da banda retratada, pois, obviamente o músico também quer ser reconhecido pelo seu trabalho, não ser somente uma cópia personificada. Tais escolhas podem definir o percurso da banda, do sucesso ao fracasso, pois, não se sabe até então qual será a reação do público em notar diferenciações, seja decepção por não reconhecer a representação da banda famosa no palco, seja por admiração em prestigiar o músico e seu trabalho ali presente. Os próprios músicos se dividem nessa faceta entre aqueles que acreditam que é importante preservar-se mais idêntico possível, quanto aqueles que acreditam que características próprias podem ser absorvidas na proposta.
nhecida oficialmente. “É fundamental para uma banda entender a relação do artista e sua proposta musical”. Começa aí a responsabilidade do músico dedicar-se a também ser ator e pesquisador, e isso, de forma coletiva. Cada membro deverá estudar seu personagem, suas características, seu comportamento e história de vida. A busca pela perfeição de uma banda tributo/cover ainda vai além. A estrutura de palco deverá ser no mínimo compatível com a estrutura da banda original e isso demanda esforço, tempo e dinheiro. Assumir esse compromisso pode ser um dos grandes desafios de uma banda, afirma um dos Integrantes da Banda Mr. Crowley integrantes da banda Mr. Crowley (Ozzy Osbourne Wilson, vocalista da banda Mr. Tribute) Kris Odara: “Saber lidar com Crowley, é a personificação de Ozzy críticas dentro do meio é importante, Osbourne no palco e até fora dele, por e aceitar isso com profissionalismo, possuir tantas características físicas não é todo mundo que consegue. A do personagem. Num bate-papo, ele química que rola durante os ensaios afirma provir desse trabalho minu-
Wilson - vocalista da banda Mr. Crowley
cioso, seu reconhecimento entre os fãs de Ozzy: “meu timbre não é nada parecido; tento compensar isso com a minha performance eu até corcunda fico no palco” (risos). Alcançado o maior desafio de montar uma banda cover ou tributo, os caminhos ainda serão longos. É preciso ganhar mercado, apresentar seu trabalho e provar porque vale a pena sua contratação. Um dos primeiros empecilhos é a concorrência com outras bandas do mesmo perfil ou ainda que fazem um “pout pourri” do estilo musical, principalmente nas Capitais. Há também a credibilidade na casa
Alex Rangel em apresentação
de show: muitos praticamente “pagam” para apresentar-se, ficando a mercê do fluxo de bilheteria, couvert ou ainda para garantir a bebida na festa – uma situação extremamente desanimadora para um profissional . Por outro lado, esse “sacrifício” pode-
rá garantir sua “porta de entrada” para aceitação do público, além de adquirir cada vez mais o conhecimento, habilidade e consequentemente espaço no mercado e retorno financeiro. Alex Rangel conhece todos esses caminhos. Músico profissional, tem seu nome na história de bandas como Attomica Crew, Jailbreak e The Immigrants (Tributo Led Zeppelin). Alex acredita que o trabalho, quando verdadeiro, emerge o profissional independente se o projeto é tributo ou autoral. O mesmo caso do músico Mathias Neto que atravessa os dois lados, como vocalista da banda Clube dos Canalhas (Tributo ao Matanza) e Cerébro Enlatado (autoral). Mathias ainda faz referência à importância de respeitar o esforço e o zelo que a banda homenageada alcançou com seu sucesso. É a empatia pelo seu próprio trabalho autoral, ressalta o vocalista: “o respeito à criação e ao criador é indispensável”. Como toda profissão, dedicação, talento e empreendedorismo são importantes ferramentas para alcançar o sucesso. Marcos Manfredini, vocalista e fundador da Manfredini Blues Band, baixista da banda Amplitude Valvulada e ainda Guitarrista da Cérebro Enlatado, afirma essas questões e ainda conclui que estar atento às tendências o coloca a frente: “é preciso saber o que está girando melhor no mercado e se já não há outras pessoas fazendo algo igual ou parecido para se destacar”! O mercado está cada vez mais aberto a novas sugestões de entretenimento, além dos incentivos governamentais. É preciso estar atualizado a essas movimentações, além de todo aparato musical, conceituações, talento, desenvoltura, postura em palco, dinamismo em grupo, organização, administração do tempo, etc, etc, etc.
Marcos Manfredini, Vocalista e multi instrumentalista
Raulzito já dizia que a formiga só trabalha porque não sabe cantar, mas o que a formiga talvez não saiba é que o trabalho da cigarra vai muito além que ela possa imaginar. Pense nisso. Agradecimentos especiais aos amigos Krishina Odara, Marcos Manfredini, Mathias Neto, Alex Rangel e Wilsinho. Forte abraço e sucesso sempre!!! Paola Domingues
Sobre o Autor: Paola Domingues - Colunista especializada em Música no Entrementes. “vinte e poucos anos de idade, mas quarenta de coração”
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ENTRE CULTURA
HAPKIDO: A Arte Marcial dos Ninjas Coreanos
O presente texto visa dar um traço de luz à origem do Hapkido que é envolto em um manto de mistérios e segredos. Arte Marcial sul-coreana de Defesa Pessoal por excelência, é voltada para o autodesenvolvimento e conhecimento universal. A Coreia era dividida em três reinos sendo eles o de Shilla, Kokuryo e Paekche, todos colonizados pela China. Em torno de 668 dC, os reinos foram unificados sob o comando da rainha Chin Heung, na época inúmeras batalhas eram travadas entre os Kokuryo e os povos vizinhos
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Mongóis e os Chinos. Nesse período as Artes Marciais Coreanas já eram desenvolvidas com influências Chinesas, mas se destacando em relação às vizinhas pelo uso apurado das técnicas de chutes, muitos deles voadores e giratórios. Nesses anos, foi treinado um grupo de guerreiros de elite para compor a guarda pessoal da Rainha Chin, “experts” na arte da montaria, combate desarmado e combate com espadas e lanças, além de literatura e filosofia. Esses guerreiros eram chamados de Hwarangs, anos depois as técnicas deles vieram a compor a Arte Marcial Hwarang-do, que é a base para todas as Artes Marciais existentes nas duas Coreias (Sul e Norte) atualmente. No ano de 1567 o Japão liderado pelo Shogun Hideyoshi Toyotomi invadiu a Coreia com o objetivo de posteriormente tomar a China, foi nesse período também que as Artes Marciais Coreanas sofreram a influência das técnicas japonesas dos Samurais e dos Ninjas. Houve muitas tentativas de invasão por parte do Japão que foram repelidas
pelos Hwarangs. Por volta de 1907 o coreano Choi Yong Sul foi aprisionado aos três anos de idade e levado ao Japão, onde acabou sendo adotado pelo O`Sensei do estilo Daito Ryu Aiki Jujutsu o senhor Sokaku Takeda, lá ele recebeu o nome de Hioshida e aprendeu com o Mestre o seu estilo de Arte Marcial oriunda dos Samurais. Especula-se também que Takeda era um Mestre de Koga ryu Ninjutsu. Após a Segunda Guerra Mundial Choi retorna a Coreia. Em seu retorno ao país natal, Choi treinou diversos estilos e finalmente em 1957, surge o Hapkido com o nome que conhecemos hoje. Seu grande discípulo foi Ji Han Jae, que deu projeção internacional a arte. Somente o Hapkido é capaz de unificar todas as formas de combate conhecidas pelo homem em função de sua proposta dinâmica de Defesa Pessoal e não uso de regras. Hoje o Hapkido conta com um total de 10.000 golpes entre torções, imobilizações, chutes e armas. O Hapkido é praticado no mundo todo por civis e também pelos melhores militares, como os policiais do BOPE e GATE. Fábio S. Jacinto
Sobre o Autor: Fábio S. Jacinto – Faixa Preta Internacional 5ºdan. Licenciado Pleno em Educação Física e Pós Graduado em Docência em Ensino Superior. Doutor Honoris Causa em Ciências Cognitivas, Esporte, Saúde e Artes Marciais. Campeão Mundial em três modalidades (Luta, Defesa Pessoal e Armas) / 2007 World Sports Hapkido Federation (WSHF)
ENTRE VERSOS E PROSAS
RODAR
Caminhar é bom. Rodar é diferente. Nem tão rápido. Medida certa, tanto lenta quanto no furor do vento. O movimento. É do coração e das pernas que cansam numa alegria satisfeita. Simetria com chão, estrada e sombra. A sombra segue sempre e o olho à sombra. Segue também. E é o tempo da roda. Movida pela vontade. Músculo e paisagem. Pois o que se vê também é a bicicleta, e o passeio, e a passagem e o movimento todo. E o vento. E o sol. O rosto é visto e a voz ouvida. Do outro que no contrário movimento faz que fica e continua em outro ritmo. Os carros não contam. Frios e limpos. Rápidos e cheirando a gasolina. Ovos de lata que chocam as vaidades de seus motoristas. Que nada veem. Embevecidos que estão por seus próprios reflexos que interpretam importâncias para pequenos espelhos. Os carros não contam. Contam as árvores todas e a grama que nasce. E a roda que na velocidade exata percebe um verde que se singulariza de outros tantos verdes que já não são os mesmos. Nem os sorrisos. Diferentes todos. E as caras fechadas. Todas diferentes. E belas. A visão libertada de janelas. Olhos que veem, mesmo no precipitar das duas finas rodas, rugas e vidas que se enredam, se enroscam
Há também o som. Ou o fone e a escolha sonora. Música para rodar. Música para se perder para além do asfalto. Fugir do asfalto. No chão e no buraco. Deslizar. Fluido. Parar para atravessar a tartaruga, vislumbrar o sofá antigo e vermelho jogado inconsequentemente no pequeno riacho, que serve de assento para todos os fantasmas e criaturas do campo. Se o alcançasse, também descansaria alguns momentos ali. Mas, agora, é templo sagrado de mistérios e ninho. De pássaros ou cobras. Somos todos. Um pouco de cada. Cobras e pássaros. Voamos e rastejamos. Então rodar. Mesmo que o braço canse e a perna chore. O mundo está esperando. Mesmo o pequeno espaço que conseguimos alcançar. A quantidade de terra que conseguimos atravessar. A ladeira que nos ameaça e se insinua. E o pneu que murcha. E as costas que cansam. É o espaço e o tempo outro. Longe ficam o resto todo. Prisões e apreensões sociais, vaidades e obrigações, deveres aparências. Só a sombra aprendendo a ser nada. A bicicleta e o homem. Metamorfose de carne e metal na construção interessante de um nada necessário. Deserto. Repleto de tantas coisas, mas sempre vazio. Aberto para todos os caminhos impossíveis. Ronie Von Rosa Martins
Sobre o Autor: Ronie Von Rosa Martins é mestre em Educação, especialista em Literatura Contemporânea Brasileira e em Linguagens Verbais e visuais e suas Tecnologias. Atua como professor na cidade de Pedro Osório. Escreve em vários blogs e revistas de interesse literário na internet.
Estradas no Céu Palavras voam como andorinhas desenham no céu infindáveis estradas escrevem e dançam nas entrelinhas sincopadamente preocupadas Palavras brincam quando meninas nomeiam coisas por inventar poeiras de outros mundos, pequeninas como a manhã que aprende a clarear Algumas se esvaziam nas gradações do ocaso. Mero som descolorido despido de humanas intenções Outras se fazem canto, forte, lesto mudam estações. São vida e alarido se do amor sincero amparam o gesto. Luísa Fresta
Sobre o Autor: Luísa Fresta – Nascida em Portugal, viveu a maior parte da infância e adolescência em Angola, país com o qual mantém laços, estando radicada em Portugal desde 1993. Dedica-se sobretudo à escrita e escreve regularmente no “Jornal Cultura” - Jornal Angolano, no portal brasileiro “O Gazzeta”, e publicou nas revistas Literatas (Moçambique), Samizdat (Brasil), e no portal de crítica de cinema Africiné, no Senegal. E colunista do Portal Entrementes. OBRAS DA AUTORA: 49 Passos/ Entre os Limites e o Infinito (poesia).
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ENTRE VIRTUOSES
MANUELA TOMASI FERREIRA Algumas pessoas simplesmente se recusam a aceitar as limitações ou os problemas que a vida lhe impõe... essas pessoas, em vez de abaixar a cabeça, fazem o contrário, se enchem de determinação e acabam por realizar os seus sonhos, mostrando a todos que aquele que acredita que pode, realmente pode... basta ter uma vontade indômita!
A pianista joseense Manuela Tomasi Ferreira é um grande exemplo disso. Portadora de necessidades especiais, tanto visuais quanto motoras, ela desde cedo demonstrou muito talento para a música. Estudou no Conservatório Musical Santa Cecília, de São José dos Campos, ainda muito jovem, com apenas 12 anos. Tornou-se em seguida participante do coral que era desenvolvido pela Secretaria de Educação de São José dos Campos anos atrás, inclusive solando algumas vezes, no Coral Rouxinol. Depois, já no ensino médio, Manuela passou a estudar teclado e, mesmo não fazendo mais parte do programa Coral nas Escolas, passou a fazer participações especiais nas apresentações dos corais da rede municipal. Juntamente com o Coral Maestoso, em 2003, ela gravou uma participação especial na abertura do vídeo de divulgação do trabalho da Educação 8
Especial da Secretaria Municipal de Educação de São José dos Campos. Mas o grande feito da talentosa musicista estava por vir... em 2006, demonstrando notável determinação e força de vontade, ela acabou sendo aprovada no prestigiadíssimo Conservatório Musical de Tatuí, onde veio a se formar com todas as honras em Teclado, Educação Musical e MPB e Jazz; em Musicografia Braille, sendo inclusive a pioneira no Conservatório nesta especialidade. Seu talento não apenas encantava, passava agora a abrir portas para futuros outros alunos também portadores de necessidades especiais. Não foi nada fácil, pois “Manú”, como ela é carinhosamente chamada pelos amigos, teve que se mudar para a cidade de Tatuí e lá viver por 6 anos, para poder realizar seu sonho. No primeiro ano ela estudou sem acompanhamento, mas já no ano se-
guinte, o então diretor do Conservatório, Maestro Antônio Carlos Neves Campos fez as adaptações necessárias para que ela pudesse estudar e implantou na escola o método Musicografia Braille. É importante também ressaltar o hercúleo apoio que Manuela sempre recebeu de sua avó, Sylvia Tomasi, com quem mora... Sylvia sempre acreditou no talento de sua neta e sempre esteve ao seu lado, inclusive quando a pianista se mudou para Tatuí.
Conectando ideias, conectando a Primeira Arte! Dalto Fidencio
R. Emílio Winther, 108 - Taubaté - SP 12 2125.1700 www.resolucaografica.com.br
E já que estamos falando de pessoas que fomentaram o talento de Manuela, não podemos deixar de citar sua professora particular, Maria Ilka
Egydio Antunes Lara, que está com Manú desde o ano de 1999. Desde o início ela se admirou com a facilidade com que a jovem conseguia tirar qualquer música de ouvido e logo percebeu que Manuela possuía um raríssimo dom, que é o chamado “ouvido absoluto”, que é a capacidade de reconhecer qualquer nota musical que se venha a ouvir. Essas pessoas reconhecem qualquer tom imediatamente, sem nenhum esforço ou dificuldade. Maria Ilka hoje é muito mais que apenas uma professora para Manuela, ela se tornou a “Mãe Musical” da jovem, forma de tratamento carinhosamente cunhada pela própria Manú para se referir à professora. Aliás, o carinho existente entre elas é mais do que visível... bastam poucos minutos com elas para se perceber que são “mãe e filha
musicais”. Manuela tem um talento excepcional, mas sem o apoio dessas duas grandes mulheres, ela talvez não tivesse chegado tão longe, e é por isso que ela demonstra toda a gratidão a elas, em cada nota que tira de seu piano. Depois de formada, a jovem continuou suas aulas com Maria Ilka, que foi quem a ajudou a dominar uma técnica de teclados chamada One Finger, que permitiu a Manuela tirar qualquer nota que quisesse com a mão esquerda, já que com a direita ela já o fazia com maestria. Ela já se apresentou na Câmera Municipal de São José dos Campos, na Bienal do Livro de sua cidade natal, entre outros locais. Manuela tem como músicos favoritos nomes da estirpe de Mozart, Beethoven, Bach, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Chico Buarque, Roberto Carlos... além de grandes maestros como João Carlos Martins e Isaac Karabtchevsky. Todos ícones indiscutíveis, que se ouvissem Manuela tocar, ficariam honrados com tal admiração. Ouvi-la tocar é entender a frase de Friedrich Nietzsche: “Sem a música, a vida seria um erro.”
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ENTRE VERSOS E PROSAS
OS SOBREVIVENTES O que esta por trás da palavra? Lendo uma análise acadêmica do livro de um poeta, fico acanhado. Tantas impressões a respeito da palavra. E como ela se faz? Eu que me arrisco a todo momento na palavra. Talvez cotidianamente me lance no abismo e lendo o prefácio de Luiza Franco Moreira para a edição atual de “Os sobreviventes”, de Cassiano Ricardo, descubro que o poeta valoriza a emoção. Na odisseia acadêmica sempre vejo a razão mais importante que a emoção. E o que é arte? Algo presente em nossas vidas, ao menos na minha, de forma definitiva. Nunca me livro deste mal. Embora como Sócrates “sei que nada sei”. Emocionei-me com a abertura do livro que tive de parar, para escrever. Que poeta é este? Propositalmente esquecido pela inteligência cultural brasileira, nunca é lembrado numa Folha de São Paulo, Estadão, Globo News e revistas de literatura e filosofia. Sorte ou azar? A Fundação Cultural de sua cidade natal recebeu seu nome e tem uma semana instituída por lei para lembrá-lo. Se não fosse isto talvez estaria esquecido? Não, ele e sua obra são bem maiores que sua província e o julgamento de suas posições ideológicas e politicas. Este livro “Os sobreviventes” é uma obra de peso da literatura e merece ser divulgada em sua segunda edição. Quem sabe possa nascer daí algum espetáculo de teatro, filme ou música. Num bate papo nos anos noventa com Moraes Moreira ela falou que gosta da obra do poeta. E assim sua obra nunca 10
se faz esquecida ante a resistência de uma parte da imprensa de cultura. E cabe a nós, fazedores de uma imprensa alternativa divulgar a obra e o poeta. Se fosse eu de outra cidade e interessado em artes, talvez não me chegasse sua obra, mas vivo na cidade do poeta (São José dos Campos) e sua obra sempre se faz presente, muitas vezes refutada, outras, aclamada. Mas a arte não se baseia na crítica? Então esta eterna polêmica se faz saudável. Caberia ao Ministério da Educação e a Secretaria de Educação de São Paulo fazer edições para que sua obra chegue aos estudantes. Cassiano sempre esteve à frente do seu tempo e dialogou com poetas, artistas que têm uma marcante presença em nossa cultura. E merece estar nas estantes de nossas escolas. Tenho uma predileção por seus últimos livros. Não sou especialista em nada, quem sabe um dia seja, mas somos a sociedade das especialidades, por isto talvez sejamos tão divididos. O universo é unidade. Ler este livro neste momento onde ganhei a feliz incumbência de preparar um novo livro é algo muito bom. No ano passado fiz uma leitura em sua semana, de alguns poemas deste livro e de “Jeremias sem chorar”. E agora tenho o livro em minhas mãos. Acho que hoje merecemos ver surgir editoras voltadas à poesia, que editem livros de forma barata, para alcançar ao grande público. Esforço-me para chegar ao poema, mas levo minha vida de forma poética com todos os desafios que a vida nos oferece. A poesia mostra um lado humano e divino do ser huma-
no. E Cassiano registra isto em sua vasta obra da qual tive a felicidade de ler muitos livros. Enfim, que o Brasil e o mundo achem este livro e redescubra o poeta. Homem como qualquer um de nós. Sujeito a erros e acertos. Viva a obra e a poesia de Cassiano Ricardo, quem sabe uma hora destas teremos uma FLIP que o faça lembrar. O Brasil vive um grande momento para a poesia. Vemos diariamente sites e sites de relacionamento com poemas. Somos o país do futebol pela prática em campos de várzea, quadras. Quem sabe a Rede Mundial de Computadores esteja gerando uma nação de amantes da palavra. Por isso repito: é preciso haver um incentivo na criação de editoras por todo o país. Parabéns a Fundação Cultural Cassiano Ricardo por esta edição da obra do poeta e especialmente a Alcemir Palma e Priscila Vidal. Antônia Varoto enquanto presidente da Fundação instituiu um mês inteiro para a obra – avancemos e podemos consagrar o ano todo para a arte poética. Enfim, as pedras rolam – Estamos ai, eternos sobreviventes. Joka Faria
Dedicado à incansável Priscila Vidal Sobre o Autor: Joka Faria é escritor por vocação e aguarda a burocracia acadêmica para ser Pedagogo por formação. Insiste em aprender a arte de levitar. Quer criar uma editora e produzir cinema. Já lançou o Livro de Poesia “Retinas” e os CDs de poesia “Kaoticidade” e “O destino da chuva”.
ENTRE VERSOS E PROSAS
LEITURAS DO JARDIM Friedrich Nietzsche
Assim não falou Zaratustra.
Jardim das Delícias - Bosch
Leituras do Jardim Como fazer a leitura do jardim Se não tenho um? Mas tenho um parque, não só meu, mas de toda cidade. Como fazer a leitura da alma se ainda não a tenho? Mas a cidade também não tem? Afinal o que nos pertence? O corpo é passageiro! Alma inexistente! Tirar férias no abismo já não me agrada.
Mas realmente tenho o mapa das montanhas? De concreto, só o caminho do parque. Não vejo além do espelho. Nunca vi um ser de outro planeta. Quantos jardins neste universo? Quero uma casa com quintal, varanda e jardim. Para poder ter em paz minha alma, que ainda não conquistei.
Não falou mesmo, pois eu estava lá. E Zaratustra perdera a voz naquela manhã. Tomou chá da fruta romã. Fez gargarejo com água e vinagre, Tomou mel, Ficou recluso em seu aposento, mas nada adiantara. Teve uma crise de voz naqueles dias. Também aqueles dias não estavam fáceis, precisava tomar decisões importantes. Então Zaratustra teve este surto na voz. Em outras palavras Zaratustra amarelou. Por isto eu - o seu mordomo - digo com toda a certeza e veracidade quem disse que Zaratustra falou naqueles dias, mentiu. Pois não falou Zaratustra naqueles dias. Nunes Rios
Joka Faria
Sobre o Autor: Nunes Rios - Gesiel Nunes Machado assina Nunes Rios. É natural de São José dos Campos. Poeta e Pedagogo, gosta de Crônicas e Contos embora o seu forte seja a Poesia, especialmente a poesia para crianças.
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ENTRE FILOSOFIA
AS PERGUNTAS SEM RESPOSTAS DE MATRIX A trilogia cinematográfica Matrix, dirigida pelos irmãos Wachowski, é um produto midiático de ficção científica que mistura tecnologia, efeitos especiais com mitos, crenças, religiões e, evidentemente, filosofia antiga e atual. Os paralelos que podem ser estabelecidos entre temas abordados nos três filmes da série (mormente o primeiro) e as ideias de Sócrates e Platão, principalmente aquelas ligadas ao seu famoso e tão discutido Mito da Caverna, são inumeráveis. A caverna de Platão é o mundo das sombras, o mundo onde reina o desconhecido mais geral e também onde vive a ânsia pelo saber, e o filme nos questiona o que é, para nós que vivemos numa época em que ciência e tecnologia predominam, a nossa real e atual caverna? Matrix é, assim como o antigo mito platônico e antes de qualquer outra coisa, uma alegoria, uma pantomina dos pensamentos de Sócrates e seu discípulo-mor. Há nos filmes a preocupação com os encadeamentos do “descobrir” e com o do “descobrir-se”, este otimizado como num processo de autoconhecimento que busca a retratação de uma outra atmosfera e de uma outra realidade, tanto mais próxima quanto mais distante da realidade pensada enquanto real. Tanto em Matrix como nas ideias desses dois filósofos, existe uma ênfase para com a construção de diversos valores distritais humanos e sociais, como o enraizamento da curiosidade, a fortificação do desejo, a eterna fome por conhecimento e até a “apalpação” do que é real e/ou matéria-caminho para fuga do que fosse apenas virtualidade ou imatéria. O reflexo das pessoas na parede, o mistério, a dúvida pelo que é novo, os choques entre personas e rostos de fidedignidade, assim como os contrastes produzidos pela reali12
dade são matérias importantíssimas e, por conseguinte, fundamentais para o entendimento do enredo dos respectivos filmes. A nossa caverna é o próprio ser humano, que ainda não conseguiu alcançar a sua mais íntima substância, o seu âmago, a sua mais rica profundeza, o seu lado verdadeiramente distinto dos outros animais, que não sabem que estão pensando ou que sabem que são capazes de pensar – o ser humano, criatura de sentimentalidades e manifestações, em sua maioria, superficiais e dicotomias. Pode-se, a partir de tais pressupostos ligados ao filme e à filosofia, dissertar também sobre o conheci-
A caverna de Platão - Jan Saenredan
mento filosófico abarcado em Matrix, destacando as diferenças no tocante às outras formas de conhecimento e relatando como se deu a passagem do pensamento mítico-religioso para o pensamento filosófico. A filosofia é uma ciência e não é, tudo ao mesmo tempo. A filosofia cientifica o que é contemplação e reprodução, emite concepções diversificadas do mundo e das relações interpessoais, transcende o que é matéria e alcança uma forma de plenitude de olhar, de enxergar, o que a faz diferente das outras formas de conhecimento, que funcionam atreladas ao pragmatismo e ao tecnicismo. Estes, por sua vez, malbaratam e desvalorizam a subjetividade e o distanciamento do visível. O mito foi usado no início como uma
forma de retratar a formação do mundo e das relações humanas, através de narrativas alegóricas e imaginativas, deixando que a ficção e a oralidade corroborassem tais tentativas de explicações. Somente quando a filosofia conseguiu se adaptar melhor às necessidades do homem é que ela tomou as suas devidas proporções. Matrix nos lega uma questão: por que a pergunta é mais importante do que a resposta no processo de filosofar? A pergunta, manifestação de busca e saciedade, é muito mais essencial que o “responder”, até porque não há apenas uma verdade, uma resposta. A resposta é um produto da subjetividade, da incerteza – a pergunta não, a pergunta é a própria certeza, talvez a única forma de certeza, mas também uma certeza falida, diagnosticada infame e cancerosa, posto incompleta -, e este não é o princípio básico que faz movimentar a filosofia. Filosofar é, antes de tudo, ater-se ao Belo, à negação das ordens naturais das coisas e um elogio ao que é de ordem imprevisível e, para conseguir um melhor entendimento condizente a este fato, nada mais inteligente que perguntar, questionar. Será que é mesmo assim? Germano Xavier
Sobre o Autor: Germano Xavier - Natural da Chapada Diamantina, é graduado em Jornalismo e Letras/Português e suas Literaturas. É professor, editor do Jornal de Literatura O EQUADOR DAS COISAS e escritor. Blog: O Equador das Coisas.
E a Comic Con veio ao Brasil! Entre os dias 4 a 7 de dezembro, São Paulo foi sede da Comic Con Experience, a maior convencão de cultura Geek/Nerd já feita por estes lados... o mais perto do que poderíamos chegar de uma San Diego Comic Con (EUA), que é a maior do mundo no gênero. O Entrementes esteve lá no dia do encerramento, e vai contar tudo para você!
A organização merece todos os elogios, pois esteve perto do impecável. Diversas vans (gratuitas) saíam do metrô mais próximo ao local do evento e levavam as pessoas ao Centro de Exposições Imigrantes, onde ocorreu a CCXP. A demora na fila das vans não levava mais de 10 minutos. Apesar do número gigantesco de pessoas, as filas de entrada eram tão bem organizadas que se entrava rapidamente no local (ao menos quem já tinha comprado o ingresso pela internet). Já lá dentro, o difícil era escolher um local onde parar para conferir melhor, pois as atrações eram vastas! No Auditório Thunder (2000 lugares), a atração que muitos estavam ávidos... a exibição em primeira mão no Brasil de “O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos”! E como se isso já não fosse suficiente, o filme foi apresentado por ninguém mesmo que Richard Armitage, ele mesmo, o ator que vive Thorin Escudo-de-Carvalho na película! Enquanto isso, quem não teve a sorte de conseguir lugar para ver o filme, podia ir ao Auditório Ultra (400 lugares), acompanhar os workshops “Colorindo quadrinhos”, com Cris Peter e Rod Reis, e “Técnicas Criativas em design de Criaturas e Personagens” com Neville Page. Ou então desembolsar uma grana preta para tirar fotos e/ou pegar autógrafos com a atriz Rebecca Madder (de “LOST” e “Once Upon a Time”). Isto é triste, mas infelizmente todo evento que traz pessoas famosas faz
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isso, de extorquir o fã mais endinheirado/fanático. Até os shows musicais entraram nessa, com o famigerado “Meet & Greet”. A única forma de acabar com isso seria boicotando essa parte dos eventos, mas isso é uma utopia. Depois da exibição do filme, o Auditório Thunder recebeu um evento da Warner Bros. Pictures, para em seguida receber outra de suas atrações mais aguardadas: um bate-papo com o ator Jason Momoa, o Khal Drogo de Game of Thrones, o novo Conan dos cinemas e muito em breve, o Aquaman, no filme “Batman v Superman - Dawn of Justice”. O ator havaiano se mostrou de uma simplicidade impressionante, conquistando o público imediatamente, com seu carisma e humildade. Este que vos escreve conhecia apenas a parte profissional de Momoa, e confesso que, a partir de agora, me tornei fã do grandalhão, que tratava a todos como iguais, sem nunca dar uma de estrela. Jason até desceu do palco e foi no meio da multidão, conversar com as pessoas e trocar energia. Pena que o entrevistador era muito fraco, fazendo algumas perguntas sem noção ao ator. Drogo deveria ter feito com ele o que fez com o assassino contratado para matar Daeneris com vinho envenenado, em Game of Thrones... Enquanto isso, nas salas das fotos e autógrafos, quem marcava presença eram Brad Dourif e Lino Facioli, respectivamente. O papel mais marcante na carreira de Dourif é sem dúvida o de Billy Bibbit, em “Um Estranho no Ninho”, mas os nerds
mais jovens lembram dele como o famigerado Grima Língua de Cobra em “O Senhor dos Anéis”, além de ser dele a voz de Chucky, em todos os filmes do Brinquedo Assassino. Se bem que, num país em que a maioria prefere filmes dublados (argh!), essa informação não é tão relevante assim, infelizmente. Já o jovem Lino Facioli dá vida ao mimado Robin Arryn, em Game of Thrones. Apesar de morar em Londres desde os 4 anos, vale citar que Lino é paulista, nascido em Ribeirão Preto. Enquanto tudo isso rolava, o Auditório Ultra não ficava parado, pois lá ocorreram os eventos “Narrativas Visuais com Cameron Scott Davis”, artista conceitual da Activision e da DreamWorks, que explicou a história das imagens desde as pinturas em cavernas, passando pelo Renascimento, pelos jogos de videogame, até os grandes filmes produzidos atualmente; além do “The Union: Special Edition”, que trouxe, como o próprio nome já diz, uma edição especial do The Union, que é o maior encontro de arte digital e efeitos visuais da América Latina. Depois disso, o Auditório Ultra recebeu a atração “Revista Herói - 20 anos”. André Forastieri (criador da publicação), reuniu editores e amigos para relembrar os bons tempos desta marcante revista. Em seguida, também no Ultra, tivemos o “Workshop de maquiagem para Cosplays”, com a cosplayer Thaís Jussim (do Yukicosplay.com). Jason Momoa, além de sua entrevista no Auditório Thunder, também esteve presente nas salas de autógrafos e fo-
tos... mas o havaiano se mostrou muito mais sociável que os demais atores, ao sair da sala e ir junto às grades, com o povão “pobre” que não podia pagar por fotos com ele... Momoa pegava as câmeras das pessoas, se encostava na grade e tirava “selfies” com elas... essa cara é muito gente fina!
O Auditório Thunder recebeu depois a atração “Bastidores do Desconhecido”, com Brad Dourif, Joe Mad e Rebecca Madder, além do especialista em cinema Joe Maddalena. Eles falaram sobre o gênero Terror e sobre os bastidores da série “Brinquedo Assassino”. As atrações nunca paravam... o Ultra ainda foi palco de “O que elas querem? Um olhar sobre a mulher na cultura pop”, “Cartoon Network apresenta: O irmão do Jorel” e finalizou com “Hermes & Renato - Nova Fase”, enquanto que no Thunder, tivemos o “C3PO - Campeonato de Cosplay”. Não se deixe levar pelo nome... C3PO significa “Comic Con Costume and Play Order”, e não é apenas um concurso de cosplayers do personagem de Star Wars...
Mas as atrações fora dos auditórios eram inúmeras também! Estandes dos mais diversos, nos 39 mil metros quadrados faziam a festa das pessoas presentes. Por exemplo, tínhamos o “Artists’ Alley”, um interessantíssimo espaço onde quadrinistas, tanto os com contrato com grandes editoras como também os independentes, podiam apresentar seus trabalhos ao público, vender prints, sketchbooks, artes originais, etc. Esta é uma atração muito tradicional na Comic Con gringa, e foi ótimo que tenha sido reproduzida aqui também. Foram 210 artistas, brasileiros e estrangeiros, onde podemos citar Adriano Batista, Fábio Moon, Gabriel Bá, Dave Johnson, Eduardo Pansica, Klaus Janson, Roger Cruz, Adriana Yumi Iwata, Bruno Mutt, Camila Torrano... e tantos outros! Não posso deixar de citar o ambicioso projeto Marmor... uma realização tão grande que é mais fácil copiar a descrição deles de seu site oficial: “MARMOR é uma operação multimídia completa com música (rock / trilha sonora orquestrada), literatura fantástica, pintura, RPG, história em quadrinhos, fotografia, teatro, animação e muito mais. A autêntica criação multifacetada da arte!”. O Marmor esteve na CCXP lançando seu livro “Alma Celta”, que ainda traz um CD com músicas relacionadas ao livro. É um trabalho tão fantástico que fica difícil falar de forma reduzida... seria preciso uma matéria completa apenas com eles.
Mas o Entrementes conversou com alguns integrantes. Não citarei todos os estandes e expositores aqui, pois eram tantas as atrações que esta matéria quase não teria fim... Flagramos até um inusitado pedido de casamento durante o evento... geeks também amam! Vale citar ainda na parte da organização o enorme guarda-volumes com que os visitantes podiam contar... sem dúvida, muito útil. A Comic Con obviamente é voltada aos fãs de cinema, quadrinhos, videogames, literatura fantástica, animes... enfim, o melhor da cultura pop, mas o evento com certeza pôde ser (muito) apreciado também pelos “não-iniciados”, que estavam tendo seus primeiros contatos com o mundo geek. Vida longa e próspera à Comic Con Experience! Dalto Fidencio
Sobre o Autor: Dalto Fidencio - Poeta ultrarromântico, crítico de Cinema visceral e atleta nas horas vagas. Entusiasta de corridas de rua e artes marciais. Ama as sexta e sétima artes incondicionalmente, e gosta de dizer isto a toda a gente. facebook.com/dalto.fidencio twitter.com/DaltoFidencio
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ENTRE VERSOS E PROSAS
O QUE VOCÊ SENTE QUANDO
Venus e Marte - Sandro Botticelli
Minha alma pede mais Amor, Num suspiro rouco, quase um sussurro Você pode me ouvir? Ou prefere que eu lhe diga Ao pé do ouvido O que você sente quando Sente meu calor, Minhas mãos tateantes, Meus lábios curiosos? Apenas um pedido: Não deixe isso acabar Espere, tenha calma Sinta um pouco de ar
O mundo lá fora pode desaparecer Só um minuto mais Eu não me importo Eu só preciso desse instante O que você sente quando Deixa escapar esse sorriso dos lábios? O que você sente quando Um arrepio percorre sua espinha? O que você sente quando Está em êxtase? Prolongue Respire O que você sente quando As pernas estão dormentes? O que você sente quando
A ponta dos meus dedos percorre seu corpo? O que você sente quando Cada gota de suor alimenta minha vontade? O que você sente quando Meu abraço encontra o teu? Acho que só Apenas mais um Último desejo O que você sente quando O mundo acaba e renasce num segundo?
Sobre o Autor: Mari Osses - Musicaholic, viciada em café, inked girl, taurina.
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ENTRE VERSOS E PROSAS
POESIA DE DOMINGO-S
Igreja do Bairro do Souza
Sertão dos Souzas
O Sonho - Henri Rousseau
Entre rios
Enquanto você Dormia
Eu tive uma namorada que se fazia de iara sobre as pedras do rio e ficaria a vida toda entre remansos e corredeiras, não fosse a curiosidade de estranhos e a inclemência do frio. Eu tive uma namorada louca, louca por cachoeiras.
Meu amor está dormindo como toda pessoa normal a essas desoras da madrugada. Decerto ela sonha com o mar pois tem o semblante tranquilo de quem está a navegar, cabelos soltos ao vento, sentimentos soltos ao vento Ela dorme em completa calma sem saber a tempestade que armou em minha alma, que me faz perder o sono antes de nascer o dia. Enquanto ela dorme, eu desperto a poesia.
(Para Lilian e Cascão)
Eu vivia na cidade comia fast food respirava poluição ouvia cacofonia, hoje moro no sertão. Eu vivia sem sossego com o serviço atrasado e cobrança do patrão, hoje moro no sertão. Eu sofria de gastrite tinha taquicardia e sintomas de depressão, hoje moro no sertão. Antigamente eu acordava no susto do despertador hoje eu amanheço com um beijo de paixão, porque moro no sertão.
Paralelos se encontram no infinito A distância entre nós é maior do que a gente pensava, eu habito neste mundo de mares mutáveis e um incerto cielo e você vive, exatamente, em um universo paralelo.
Hai-kai
Hai-kai
Fim do acordo de paz entre mar e terra: ressaca.
Um papo de arte dali um surrealista daqui um Salvador Dali.
Sobre o Autor: Domingos dos Santos, caiçara de Ubatuba, professor e pai. Poeta nas horas vagas.
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EN TRE CULT UR A
Um cenario underground para ser descoberto “Se tu souberas que lembranças amargas, que pensamento desflorou meus dias. Oh! Tu não creras meu sorrir leviano, nem minhas insensatas alegrias”. ( Lágrimas da vida, Álvares de Azevedo.) Com contrastes, poemas e romantismo, os chamados góticos, cultuam o lado melancólico e o grotesco da vida, uma vez que o ideal de contraste entre morte e vida, amor e dor sempre existiu ao longo da história, sendo uma angústia comum da alma humana. Exemplos mais comuns desses contrastes acontecem nas artes, como o movimento da Renascença, e na literatura, como o Romantismo, refletindo a idéia de opostos. Já no século XX, com os ideais existencialistas de filósofos sobre a real essência do homem, essa idéia de “sentimento de vazio” se solidificou, sendo mais comum
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entre as décadas de 1970 e 1980. Após o término da “explosão do movimento Punk” no mundo todo, iniciou-se um estilo alternativo de músicas, conhecido como “pós punk”, e consequentemente o “dark”, fazendo com que alguns grupos de pessoas, geralmente jovens, formassem um meio alternativo para ouvir músicas, conversar e fazer poemas melancólicos, geralmente devido ao descontentamento que tinham com a realidade. Essas pessoas não tinham a ideologia de ser contra a cultura existente, como o movimento “punk” foi, mas eram favoráveis ao modo diferenciado de encarar a realidade, formando assim o universo underground. Esse estilo teve toda sua força no final dos anos de 1970 e início de 1980. O “rock gótico” se caracteriza ao destilar melancolia, tendo por base letras sombrias, inspiradas no romantismo e no horror. Há outros nomes e gêneros, como o Electrogoth, EBM, Darkwave, gothic metal, etc. Esse estilo atrai muitas pessoas ainda hoje, sendo caracterizado na sociedade como tribo urbana. Dentro do contexto da tribo, vários elementos foram sendo introduzidos ao longo do tempo, como a literatura voltada para o romantismo do século XIX, a música melancólica, arquitetura com estilo neo-gótico como, por exemplo, as catedrais, o visual rebuscado e sombrio transmitidos para acessórios e ornamentos como
o das vestimentas. Os principais meios de divulgação dessa subcultura são as músicas, e os poemas. No Brasil, essa cena está se solidificando e, em algumas capitais é possível encontrar bandas que fazem letras e arranjos baseados nessa temática. Na literatura pode-se notar a influência de escritores do romantismo, tais como emoção, amor platônico e a subjetivismo. Escritores como Stephen King e Anne Rice também possuem elementos góticos, em livros como “Entrevista com o vampiro”, de Rice, e “ A dança da morte”, de King. Como os góticos são uma tribo urbana, geralmente seus adeptos são jovens e vivem de acordo com sua identificação visual, não representando uma idéia contra a sociedade massiva, por isso levam o nome de subcultura, sendo que o principal problema é o preconceito da sociedade. “As pessoas são muito conservadoras, e as roupas pretas fazem uma ligação com o não saudável. Tudo o que é estranho sempre é queimado. Tudo o que agride visualmente assusta as pessoas”, opina Marcelo Ronconi, 30 anos,músico. Possuindo um senso de humor e uma visão critica, as pessoas adeptas são difamadas como “satânicas”, devido aos seus gostos voltados para o lado misterioso da vida e o visual sombrio, caracterizado pelas roupas fetichistas ou com características do medieval, com cores escuras, uso de saias, sobretudo e coturnos. “Minha mãe é evangélica e sofre preconceito na própria igreja, porque acham que sou satânico e acabam falando que ela não tem moral para opinar, já que ela deixa entrar ‘o corvo’ dentro da própria casa, e isso não tem nada a ver”, desa-
bafa Alessandro de Paula, 26 anos, conhecido como “Anjo” dentro da cena. Apesar da excentricidade da cena, a sociedade deve lembrar que as pessoas que aderem a este estilo, também possuem uma visão acerca dos fatos cotidianos, sabendo mesclar seus direitos e seus deveres como cidadão. “O gótico é normal, trabalha, tem vida e faz pagamentos! Não é preciso que a sociedade tenha preconceito apenas por um gosto diferente”, salienta Daiara Feitosa, 25 anos, adepta da cena underground. Fernanda Toffuli Banda Elegia
Quadro de informações: Algumas bandas: Plastique Noir (CE), Scarlet Leaves (SP), Das Projekt (SP) , Jardim do Silêncio (BA) Escarlatina Obsessiva (MG), The Knutz (RJ), Zigurate (PR), Borhevol (Pindamonhangaba), Elegia ( São José dos campos). Lacrimosa, Sopor Aeternus, Deine Lakein, Blutengel, Diary of Dreams, Imbra et Imago (Alemanha).
Nemesea, The Gathering (Holanda). Bella Morte (Norte Americana). L´amme Immortelle (Áustria), entre outros... Poetas com temáticas obscuras: Ann Radcliffe, Edgar Allan Poe, Lord Byron, Charles Baudelaire, Florbela Espanca, José Manuel Maria Barbosa du Bocage, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Cruz e Sousa , Alphonsus de Guimarães, entre outros.
Sobre o Autor: Fernanda Toffuli é graduada em Comunicação Social com ênfase em Jornalismo e pós graduada em Assessoria, Gestão da Comunicação e Marketing. Atua em projetos de assessoria de imprensa na região do Vale do Paraíba e é colunista na revista digital Entrementes, no site Catlovers Brasil e no blog Rádio Web Matrix. Vegetariana, ateia e faz trabalho voluntário na causa animal com arrecadação de ração e medicamentos para os bichos carentes.
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ENTRE FILOSOFIA
RENASCENTISTAS ATUAIS Algumas coisas não prestam mesmo, assim como saber escrever e pensar, juntos com o ingrediente da ingenuidade. Naqueles momentos de solidão a gente pode não resistir e falar o que pensa. Bons tempos quando o mundo não sabia o que pensávamos, bons tempos! Havia um tal de Erasmo, o Desidério, que dizem, elogiava a loucura. Outro conhecido era o Nicolau, que escreveu um livro para o príncipe. O Dante que escreveu papos sinistros
em todas as áreas. Todos, ontem e hoje, somos descartáveis. Assim como fizeram com o Galileu, hoje faz-se com o Edward Snowden e tantos outros anônimos. Assim se formos criteriosos quanto a este assunto veremos que ser surdo ou mudo ou cego ou tudo isso junto, é a melhor forma de viver, ou a pior. Saber não é problema, desde que você só fale para as pessoas certas. Uma vaquinha no pasto não pode ter opinião. O dia que ela pensar diferen-
Algumas ideias parecem vírus que depois de inoculadas não nos deixarão jamais. Somente coisas sutis podem ajudar a gente perceber os detalhes do brutal. Para nos proteger da força bruta nada há melhor do que o desmascaramento de seus atores e intenções; enfrentar ou se calar ou se vender. Pergunto: porque perdemos tantas energias em gritar contra o que não compreendemos? Gritar como loucos não é demonstração de razão. Infelizmente esperamos que um salvador venha nos libertar. Quem sabe Dom Sebastião aporte em nossas praias? Quem sabe? Por que palestinos sofrem como os judeus dizem que sofreram pelas mãos de criminosos? Por que você é livre para usar a sua liberdade até onde ela não desagrade? Por que você recebe sua quota de cultura onde todos devem falar o mesmo, pensar o mesmo, saber o mesmo, e assim por diante? Por que você tem que, na prática, negar a sua individualidade? Paulo Vinheiro
Lição de Anatomia - Rembrandt
e fez imaginar até que existe o inferno. Um português que codificou a nossa língua, um tal de Camões. Na música ouvimos Monteverdi, Marenzio, Downland, e dezenas de menestréis e centenas de jograis e inúmeros famosos, e nem tantos, que persistem até hoje. Nas artes plásticas, de igual forma, podemos falar tantos nomes que nos cansaríamos. Ciências e demais áreas da filosofia, do concreto ao empírico. Tudo isto em pouco tempo. Foi uma loucura. Um fenômeno de revoluções 20
te e querer lutar por sua liberdade será seu último dia, provavelmente. Talentos não vem junto com o berço, mas ter talento num mundo de iguais, onde “somos um só”, é perigoso. Melhor é ser como a maioria. Melhor é não pensar e deixar que quem faça isto sejam os escolhidos. Escolhidos por quem? É onde o melhor é o pior. A melhor arma que conheço é a arte que ajuda a compreensão do espaço que ocupamos. Este é um mundo perigoso e somos ameaçados por armas e idéias.
Sobre o Autor: Paulo Vieira Pinheiro, aglutinado para paulovinheiro; um nome comum mais que próprio. Moro abaixo do sul de Minas e perto do risco do mapa onde diz que ainda é São Paulo. Minha cidade tem 4120 pessoas, dizem, nunca as vi todas, juntas. Ainda tem onça em meu quintal, mas as quero ali mesmo.
ENTRE VERSOS E PROSAS
A SÍNDROME DOS LIVROS ILEGÍVEIS O Desbotamento
Como muitas das desgraças desse mundo, a síndrome dos livros ilegíveis foi se instalando de forma silenciosa e quase despercebida. Quando os títulos dos volumes começaram a sumir aos poucos das lombadas, muitos não deram importância, atribuindo o fenômeno à luz do aposento, à vista cansada ou algo do gênero. A manhã do dia seguinte invalidaria essas hipóteses, revelando que nada é tão ruim que não possa ser pior.
Todo Livro é Qualquer Livro
Das pequenas estantes domésticas às prateleiras das grandes bibliotecas, os livros foram todos se tornando indistintos. Era preciso abri-los e iniciar a leitura para identificar a obra. Mas a desgraça maior viria algumas horas mais tarde: relatos de todas as partes do mundo informavam o gradativo desaparecimento dos textos, transformando os livros em cadernos de anotações, com centenas de páginas em branco.
Nada é tão ruim que não possa ser pior.
As Tentativas Infrutíferas
Pensavam alguns abnegados que, enquanto houvesse um pálido traço de letra antes do inevitável apagamento, haveria tempo de pelo menos tentar reforçar a caneta o conteúdo. Mas a tinta recém-aplicada também apagava-se à medida em que ia sendo posta no papel. Esgotados pelo esforço inútil, os heroicos voluntários quedavam-se inconsoláveis, vendo o conhecimento do mundo ser tragado pelo nada e sem explicação plausível. Outros disparavam feito loucos suas câmeras fotográficas sobre as páginas dos livros e documentos ainda não
contaminados, tentando salvar o que pudessem da ruína para depois reproduzir seu conteúdo, quando o pesadelo passasse. Donos de cartório desesperavam-se na impossibilidade de administrar o caos, assistindo as propriedades perderem seus p ro p r i e t á r i o s , esposas perderem seus maridos, pessoas perderem nomes, devedores serem libertos de credores, testamentos se anularem por nada testamentar.
O Contágio
Da ausência de conteúdo nos livros deu-se em seguida a perda da função das letras, que tornaram-se formas gráficas sem significado algum. Um “s” continuava sendo um “s”, com a diferença de que agora não servia para nada. Olhava-se aquilo como a representação de uma minhoca, uma cobra, um pedaço de mola ou algo parecido. A epidemia do insignificado alastrouse e infectou as bulas e rótulos dos remédios, que assim tornaram-se potenciais causadores da morte ao invés da cura, já que não mostravam o que eram nem que alívio ofereciam. A única e perigosa alternativa era a tentativa e erro na ingestão de medicamentos e dosagens, o que não raro resultava em óbito. Mesmo os mortos não escapavam à fúria destruidora de letras: no campo santo, já não se dis-
tinguiam nem os nomes dos finados, nem seus inspirados epitáfios. Tudo sob a terra se ajuntava em um genérico cadáver. Marcelo Pirajá Sguassábia
Sobre o Autor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas. Humor, nonsense e sátira. Junte a isso algumas incursões no universo onírico e um tiquinho de prosa poética. É este mais ou menos o seu estilo: o não-estilo definido. É pianista diletante, beatlemaníaco desde sempre e amante de filmes e livros que tratem de viagens no tempo. Blog: Consoantes Reticentes.
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ENTRE VERSOS E PROSAS
PARABÉNS Parabéns pra você, que nas filas das rodovias, passa zunindo pelo acostamento. Parabéns por furar a fila do supermercado, por acelerar mais no amarelo, por ouvir sua música em volume que confunde liberdade de expressão com invasão na orelha alheia. Parabéns por você que insiste em ensinar outro idioma para o filho de 5 anos mas não aprendeu a beijá-lo na hora de ir dormir. Parabéns pra você que sempre “dorme” no transporte público quando alguém com mais necessidades ou mais idade precisa sentar-se. Parabéns por compartilhar tanta piada sem graça, tanta tragédia não confirmada, tanta corrente de desconhecidos, nas redes sociais, enquanto cada um em fonte: www sua casa janta sozinho em cômodos diferentes. Parabéns pra quem se gaba que é “viciado” em algum jogo, esporte ou prática. Parabéns por pagar uma cerveja a
mais para os amigos, mas se recusa a ajudar aquele asilo que pede uma contribuição mais módica do que o total de cervejas que toma no mês. Parabéns pra você, cuja maior vocação é dar conselhos, mas não tem aptidão para ouvir uma crítica sequer.
Parabéns por ler tanto texto de autoajuda enquanto engorda a conta do autor de tantas pérolas pinçadas de textos de domínio público solto por aí,
portanto, gratuitos. Parabéns pra todos aqueles que sabem tirar fotos de si para as redes sociais, mas não enxergam a dor da pessoa ao lado. Parabéns por sempre falar que a TV Cultura tem mais conteúdo, mas continua assistindo o Chaves, o Faustão e o Ratinho. Parabéns pra mim, que também sou um superlativo de desenredos e complexidades, e fico aqui esboçando uma reflexão que é mais pra minha meditação que a de outros. Parabéns por reclamar dos políticos, quando os seus atos e as suas palavras justificam a fase de contexto, “cada um tem aquilo que merece”. Parabéns por subornar mais um guarda. Parabéns! Talvez você mereça esse político que não elegeu, mas faz, escondido atrás do terno, as mesmas coisas que você pratica, escondido no cotidiano. Escobar Franelas
Sobre o Autor: Escobar Franelas - Escritor, educador e videomaker paulistano. Formado em História, é membro da União Brasileira dos Escritores (UBE) e da “A Casa Amarela - Espaço Cultural” (S. Miguel Pta., SP).
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ENTREVISTA
TRÁFICO DE ÓRGÃOS Joana D’arc entrevista Paulo A. Pavesi Gerente de Sistemas, cidadão italiano, há quase 15 anos luta contra a Máfia do Tráfico de Órgãos de Minas Gerais. Agora sob proteção internacional do Governo Italiano através de asilo humanitário concedido em 17 de Setembro de 2008. Atualmente vivendo em Londres.
Em 2002, a família de Paulo Pavesi, que morava em Poços de Caldas, viveu uma tragédia. Paulo Veronesi Pavesi, filho de Paulo Pavesi sofreu um acidente que resultou num traumatismo craniano. Já no hospital, quando ainda faltava à confirmação da morte cerebral, os pais decidiram doar os órgãos do filho para transplante. Quando o pai foi pagar as contas do hospital, verificou o superfaturamento e questionou a situação. A partir disso ele foi descobrindo muitas outras irregularidades relacionadas com a doação de órgãos no hospital da cidade. Desde então, o pai vem lutando para mostrar ao mundo o que ocorreu com seu filho que foi tratado, ainda com vida, como um doador e não como paciente com possibilidade de recuperação. Essa luta estende-se a outros casos semelhantes ao do filho.
1- Quando se teve noticias do tráfico de órgãos no Brasil?
Os indícios sempre existiram, desde a primeira cirurgia. Quando surgiu a possibilidade de se transplantar, perceberam que era possível ganhar dinheiro com este método, oferecendo a cirurgia a pacientes privados. Não existia qualquer lei ainda para tentar frear este comércio. Na década de 80, mais precisamente em 1987, surgiu o primeiro caso comprovado. Pacientes tinham os órgãos removidos por médicos transplantistas na cidade de Taubaté. Sem comprovação de morte, os rins eram retirados e enviados ao presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos que os implantavam em pacientes particulares mediante a pagamento. O caso levou 25 anos para ser julgado. Os médicos foram condenados e há mais de 3
anos aguardam os recursos em liberdade. Dificilmente terão as sentenças confirmadas e serão presos.
2- Quem são as principais vitimas do tráfico de órgãos?
Ao contrário do que se fala pela imprensa, os pobres não são as maiores vítimas. Todos nós somos potenciais vítimas quando entramos em uma UTI de hospital público. Há uma grande demanda por leitos de UTI e por transplantes. A cultura do transplante vem sendo inserida cada vez mais com agressividade nos hospitais, que atualmente possuem até metas para conseguir doadores. Um paciente em coma pode facilmente ser desligado e servir como doador de órgãos. Desligando o paciente, o sistema fornece órgãos e libera leitos de UTI. Portanto, qualquer paciente
em coma é uma potencial vítima. A saúde brasileira está falida. Não vale a pena investir na recuperação de comatosos. A prova disso é que dá para contar nos dedos o número de pacientes em coma há mais de 1 mês nestes hospitais. Se você pesquisar no Google, por exemplo, verá que pessoas famosas ficam em coma por vários meses e até anos na rede privada.
3- Como o Brasil pode prevenir o tráfico de órgãos no país?
A prevenção é simples, mas nunca será implementada, pois a grande maioria dos transplantistas estão vendendo órgãos no país. A medida seria a transparência. Um site com o nome do doador e os pacientes beneficiados
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para que qualquer um pudesse acessar. Eles alegam que isto fere a intimidade dos pacientes. Isto não é verdade. Se você consultar quem está na fila aguardando um órgão há mais de 2 anos, verá que são favoráveis a este sistema. O governo por sua vez diz que não teria condições de armazenar tantos dados assim. Mais uma vez é mentira. A Receita Federal armazena dados de mais de 150 milhões de brasileiros. O Ministério da Saúde não conseguiria armazenar 30 mil registros? O Ministério da Saúde não tem qualquer controle sobre os transplantes realizados. Ele paga todas as retiradas de órgãos realizadas no Brasil e não sabe para onde os órgãos foram enviados. No caso do meu filho, o próprio Ministério da Saúde precisou instalar auditoria para saber onde os órgãos foram parar e descobriram que foram enviados para outro estado sem autorização. As companhias aéreas estão transportando órgãos como se fossem produtos. E estes transportes estão sendo comemorados, mas não se sabe se os órgãos transportados são de origem legal. Não há controle nenhum. E mais! Não sabemos a eficácia destes transplantes. O Ministério da Saúde não é capaz de responder como está a
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qualidade de vida dos transplantados nos últimos 5 anos, e muito menos dizer se ainda estão vivos.
4- O tráfico internacional de órgãos é uma realidade, então por que pouco se fala sobre isso? Ninguém pode falar nada sobre o assunto. Há em campo uma grande campanha de marketing para que todos se tornem doadores. E quando um caso como o do meu filho vem a público, as pessoas começam a pensar na possibilidade do comércio estar existindo. Diariamente somos bombardeados com a informação de que doar órgãos é um ato de amor. Mas a verdade é muito diferente. O tráfico de órgãos é uma das áreas mais lucrativas da saúde atualmente. Porém, sem doadores os transplantes não podem ser realizados. Por isso esta tentativa em abafar os casos e enaltecer os poucos sucessos. Tem muita gente ganhando com transplantes. Basta imaginar que cada paciente transplantado terá de tomar pelo menos 8 comprimidos por dia contra a rejeição dos órgãos. Uma conta rápida podemos concluir o seguinte: Temos 30 mil pessoas na fila de espera. 30 mil x 8 comprimidos por dia = 240.000 comprimidos por dia. E este remédio não é barato. Quem fornece é o governo, que precisa fazer licitações para a compra em larga escala destes remédios. Além disso, tem os pós transplantes. Uma série de visitas a médicos e o acompanhamento constante gerando enorme receita para os transplantistas. Com este exemplo, dá para se ter uma ideia do volume de dinheiro
envolvido neste processo. Os gastos do governo para prevenção e tratamento do câncer são absolutamente inferiores. O número de pessoas que precisam de uma quimioterapia são 20 vezes maiores que o número de pacientes que precisam de um transplante. O paciente do transplante muitas vezes consegue esperar. O do câncer não.
5- O que leva pessoas que deveriam salvar vidas (médicos), a fazerem parte desde tipo de esquema?
Dinheiro e poder. Nos últimos anos notamos um aumento considerável de médicos no congresso brasileiro. Transplantes também trazem votos. Veja, o argumento é simples: Você é a favor de salvar vidas? Quem seria o idiota a dizer não? Todos somos! Então doe órgãos e salve uma vida. Com este argumento, a população está sendo convencida que precisa salvar a vida dos outros, esquecendo que a saúde está um lixo, e que este lixo pode transformá-lo em doador. É um ciclo perverso. E o transplantista é a imagem do salvador. Ele garante que salva vidas e todos o tratam como Deus. Lhe dão votos, confiança e respeito. Enquanto isto estão desligando e eliminado a chance de pacientes em coma para faturar com o transplante.
6- Existem vários relatos de pessoas que vendem seus próprios órgãos.
Para você, eles são criminosos ou desesperados?
Desesperados. São vítimas da sociedade, dos transplantistas e do próprio Governo. Muita gente não sabe, mas a lei foi criada para garantir o tráfico de órgãos. Se você é pego com uma quantidade mínima de drogas é considerado usuário e não criminoso. Mas se você for pego vendendo seu rim, será considerado criminoso. Por que isso? Simples. O usuário de drogas pode facilmente dizer onde comprou a droga quando é pego, embora não o faça. Já a pessoa que vende órgãos, se disser quem é o médico estará dando elementos para a sua própria condenação. Sendo assim, mantém o sigilo sobre a rede de traficantes de órgãos.
7- Quem é que mais se beneficia com o tráfico de órgãos?
Os únicos que se beneficiam deste esquema são os médicos. O paciente doador vivo, recebe uma miséria pelo rim vendido. Os médicos sabem que ele está desesperado e que qualquer trocado aliviará a situação. O paciente receptor paga um preço muito alto pelo rim, pois também está desesperado para continuar vivo. O único que ganha é o médico. Vale lembrar que o médico não tem qualquer compromisso legal de salvar uma vida. Se o transplante der errado, o problema é do paciente e não do médico. Se o doador precisar de um órgão (e vai precisar) ou tiver a saúde debilitada, o problema é do doador, e nunca será do médico. O crime é perfeito.
e nada fizeram para impedir. Uma família foi destruída, porque os médicos precisam dos órgãos. Domingos ficou sem atendimento, sem comida e sem higiene alguma na enfermaria do Hospital por mais de 5 dias. Ele procurou o hospital após sofrer um AVC. Sua condição foi deteriorando gradativamente até que entrasse em óbito. Quando isto aconteceu, ele foi removido para a UTI para que os órgãos fossem mantidos para transplante. Isto está acontecendo em várias partes do país. Há um outro caso de um garoto em Santa Catarina. Wesley sofreu um acidente e o hospital disse que não possuía UTI para atendê-lo. Alguns dias depois apresentou sinais de morte encefálica e uma leito de UTI foi oferecido a família após perguntarem sobre doação de órgãos. A família negou-se a doar e os aparelhos foram desligados.
9- Segundo autoridades brasileiras, o sistema de transplantes é imune a fraudes e tráfico de órgãos é apenas uma lenda urbana. O que você acha disto?
Se você perguntar ao Fernandinho Beira Mar, se ele acha as leis anti drogas imune a fraudes, ele certamente vai responder que sim, embora fature milhões com a venda de entorpecentes. Tudo é uma questão de lógica. Lenda Urbana é a fila de transplantes, cuja precariedade já foi denunciada 2 vezes pelo TCU e continua a mesma.
10- Se você fosse o juiz do Caso Pau8- Além da sua história, existe outra linho Pavesi, que punição daria aos envolvendo tráfico de órgãos que te réus? Pena de morte. Não vejo outra punimarcou?
A história que mais me marcou foi a do pedreiro João Domingos de Carvalho, morto pela mesma equipe que matou meu filho. O crime aconteceu 1 ano depois das minhas denúncias e o Ministério Público Federal de Minas Gerais poderia ter impedido e permitiu que acontecesse. Mesmo sabendo o que estava acontecendo naquele hospital, os procuradores deram cobertura para continuassem matando
ção para um crime como este. Estamos falando de retirar órgãos de uma criança de 10 anos, ainda viva, e sem chance de defesa alguma, pois estava massivamente sedada. 9 médicos contra uma criança. O que fazer com um grupo como este?
11- Deixe uma mensagem para os nossos leitores.
estão tendo a vida prolongada graças a um transplante de órgãos. Principalmente nos países de 1º mundo. Mas em países como o Brasil, o sistema é corrupto e cheio de falhas propositais. Quando você declara ser doador de órgãos, coloca a sua própria vida em risco. Se você quer salvar vidas, exija transparência no sistema de transplantes e a punição de quem comete o crime. Sem isso, não podemos confiar no sistema. Ao doar, você não estará beneficiando quem precisa e sim quem pode pagar pelo seu órgão. Vamos doar órgãos quando o sistema for seguro para todos, e não uma caixa registradora para alguns. Joana D’arc
Sobre o Autor: Joana D’arc - Escritora, colunista e blogueira, nasceu em São Paulo, mas atualmente mora na cidade de Embu das Artes. Sua atividade literária começou aos 23 anos quando publicou seu primeiro livro “Amor ou Obsessão”. Suas outras obras são: Prima Facie, Arddhu, Solitude, Ilusão, Carpe Diem, Na estrada da vida, Poesias e Sob o Luar. Todos publicados pelos sites AGBOOK e Clube de Autores.
Em todo o mundo, algumas pessoas 25
ENTRE VERSOS E PROSAS
O VELHO INVENTARIADOR É a melodia triste a se apossar dum remoinho para transmudar na ideia. O velho, cansado, procura nos bolsos de suas calças surradas as chaves da humilde residência. Abre a porta pesada, com vagar. Dá com as costas da mão canhota no interruptor. Então ele já pode ver. O bom e velho som Philips, 3 em 1, companheiro noturno das últimas quatro décadas. O aparelho receptor de t.v. Telefunken, com tubo catódico. Uma mesa: dois cavaletes com duas
longas pranchas de construção dispostas horizontalmente acima. Quatro cadeiras, consistindo estas de duas caixas de pêssegos e mais duas caixas de peras argentinas, doutro tempo, daquele das caixas de frutas de madeira, das peras e dos pêssegos argentinos, todas elas apoiadas no chão sobre as respectivas faces de menor área. Lembranças férteis. Lembranças do esterco, não dos agrotóxicos, não dos transgênicos. Lembranças da Terra molhada. Na janela da sala é possível, pela ob26
servação cuidadosa, aperceber-se da sinuosidade do vidro, que é a tergiversação de sua própria função. Não, não são apenas os operários que se exaurem da jornada longa de trabalho e, vez por outra, desviam o foco do eterno produzir, que é como pensa o patrão. Até o vidro se derrete. Outra vez ele trinca. Então não há culpa. Noutro cômodo, o quarto de dormir. Um colchão acomodado sobre caixas abertas, daquelas de supermercado, lâminas de papelão sobre o piso frio. Um travesseiro com fronha, um lençol e um cobertor comprados no Mappin, sobre o colchão. A procedência do colchão lhe foge a memória. Um criado-mudo de mogno. “De mogno”, ele repete, em voz alta (apesar de estar só). A definição da madeira lhe atribui uma identidade, como se sacasse esse móvel em específico do conjunto quase inumerável de todos os criados-mudos do universo. Tal e qual o verdadeiro conhecedor da aguardente entende antes do madeiramento para avaliar-lhe, depois, o sabor. O velho sabe. Uma miríade de azulejos delimita as superfícies fronteiriças do banheiro. O espelho retangular em formato 20,3 x 25,4 cm disposto acima da pia, onde o velho se espelha qual fotografia desbotada. Uma ruga, duas rugas, outra ruga. Cada vinco de sua face leva um nome e tem história. Ele pode
nominá-los como aos trópicos, como aos polos ou a outros importantes meridianos. Como as crateras da Lua, aquelas da sua face. “As above, so below.” O rosto envelhecido, sua geografia mais íntima. No canto, o pequeno box do chuveiro, com queda para o ralo. Estupefato, o velho fita lá, bem no canto, naquela quina do nada, o verde louva-a-deus. E ele ora. Noooossa! Nem toda a vida dedicada aos inventários de terceiros. Nada disso. Disso ele herdou tão somente o direito ao dia seguinte. Nada disso. Numa curva suave do hemisfério direito de seu cérebro. É lá onde se encontra o maior dos tesouros, todos os seus sonhos, a memória, registros remotos de sua ancestralidade. O velho sorri. Nesta noite ele desiste do banho. Deita-se sobre o colchão. Fecha o corpo sob o cobertor como se bate a porta. Daí a ideia a transmudar-se através dum remoinho para a melodia doce duma vida. Escorrer por toda a 373rn1d4d3. Jorge Xerxes
Sobre o Autor: Jorge Xerxes – heterônimo de Alessandro Teixeira Neto – Natural de São João da Boa Vista, SP; “cresci ao pé da serra da Mantiqueira; por entre trilhas e cachoeiras; sempre em rota de colisão àquele verde inconcebível”. Mantém um blog “Palavras Órfãs de Poesia: O que Restou” e já publicou três livros: “As Cinquenta Primeiras Criaturas”, “Para Pescar a Lua” e “Trama e Urdidura”.
ENTRE FILOSOFIA
MASCARAMENTO
Thalia - A musa da comédia
Há podridão nos escuros corredores do mundo, sobretudo no das pessoas. Há um inverso que se instala roubando valores, memórias e sensos racionais. Acumulam-se detritos que desviam passos, desajustam pensamentos e a capacidade cognitiva de distinguir o certo do errado. Tampouco sabemos o caráter das motivações que desvinculam os atos do seio humano. Ao tentar saber, apenas imaginamos. Existe sempre uma maldade ponderada, escondida em eufemismos tolos, numa demonstração do quão o homem é capaz de não ser, de desvirtuar tudo o que o torna. Há um apelo arraigado às pequenas mentiras, paranoicas motivações ligadas a grandes representações. É um cerco que reitera o desapego latente da fraca massa alienada, subentendida por falsas justificativas, sentimentos omitidos por uma deturbada moral de bom senso e honestidade. Fazem-se pinturas incoerentes de uma imagem
que aflora aos olhos, contrariando o que se intercala no cedente, vilão inconsciente do seu lado cruel, herói dormente sob uma face que se alastra furtivamente, quase imune à suspeitas. Porque quem engana, também engana a si. Ocorre de haver quem se apegue a torpes sensações, a disfarces de gestos e pele, a golpes existenciais onde se criam uma defesa em forma de personagem. Difícil saber do alcance dos movimentos humanos, de atos desprendidos de uma matriz que oriente os eixos comportamentais e simplesmente ataque as fronteiras alheias sem ter senso do efeito devastador. Já dizia Freud, que o ser humano não é movido apenas por sua parte consciente. O confronto entre os extremos cônscios da mente é que reflete a fragilidade humana em ser imperfeito, que o torna tanto o pior quanto o melhor. O mascaramento afugenta o rosto, captura o semblante e o sentimento de quem o encara. Numa fração, verdades escoam pelo ralo. Como explicar o porquê de algum aspecto sobrepujar o ego e quaisquer valores morais filtrados pela consciência? O escopo humano em se forjar é uma armadilha que catapulta sentimentos e estilhaça a nobreza da fé, retendo a crença e a confiança instalada nos olhos inocentes. Não se esmiúça, muito menos adentra, sem percorrer as divisas obscuras. Há camadas, muitas facetas que envolvem o humano. Há escolhas e caminhos, muitas vezes sombreados
pela declinada inconsciência. Mas não se cura uma condição inerente de quem já, inadvertidamente, elegeu seus desígnios. Ser humano é padecer de seus limites. E nem todos discernem o equilíbrio moral de seus mascarados atos, simplesmente por serem escravos da imperfeição, alunos de uma rígida vida que o confrontam com bifurcações desconhecidas. Acabam transbordando sem ter noção de seus efeitos. Evadem-se numa insuspeita caracterização, por uma via única, com algum intento misterioso de encobrir pele sombria com pele sombria. Mascarar é, enfim, roubar e desistir de si próprio, sem realmente conhecer o que o faz ser quem é. Alexandre Lúcio Fernandes
Sobre o Autor: Alexandre Lúcio Fernandes (Autor da Editora Penalux) Rondoniense de Porto Velho, 29 anos. Formado em Turismo e graduando em Publicidade & Propaganda, é poeta e autor do livro “Elos no Horizonte” (2013). Escreve no blog: http://www.elosnohorizonte.com
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ENTRE TRILHAS E VIAGENS
DESCENDO A GRACIOSA O Começo da Graciosa Era o início Do caminho de chão batido Que leva ao Portal. Um mistério! Só cabe aos visionários O domínio das imagens, dos sons Dos cheiros estranhos E da Realidade oculta das coisas Mas no começo daquela estrada Tão bela e tão graciosa Está o segredo, escondido Por entre as curvas do caminho sem volta. Elizabeth de Souza
Portal de entrada da cidade de Piraquara (APA)
O começo da Graciosa 28
Vista das cidades de Antonina e Paranaguá
Praça da cidade de Morretes
Cidade de Morretes
Num dia de maio, eu e meu irmão, saímos da cidade de Piraquara (APA), região metropolitana de Curitiba e fomos para Morretes, descendo pela sinuosa e bela Graciosa. Fomos pela não asfaltada estrada original, até certa altura, depois de alguns quilômetros saímos no asfalto, estrada oficial. No caminho uma parada para comer um delicioso pastel de verdadeiro palmito, com 30 cm de comprimento. Foi o nosso almoço. Andar num corcel 79, causa certa emoção, afinal, num carro relíquia não se anda todo dia. E levamos nossa merenda no porta-malas: banana, maçã, pão, queijo, água, café. Um programa de índio como dizem os “não aventureiros”, das grandes selvas de pedra. Paramos pelo caminho para ver a paisagem, os rios caudalosos, as pontes variadas, o som das águas batendo nas pedras, a temperatura, enfim, um passeio sem pressa, apenas apreciando a natureza e suas belezas. Saímos de Piraquara depois do meio dia, pois é com o sol alto que se pode
avistar lá de cima, a cidade de Antonina e Paranaguá. De manhã, com a neblina de outono, seria impossível avistar tudo isso. Meu irmão, companheiro de viagem, pescador viciado, levou uma vara de pescar, mas as águas estavam geladas, sem chance de lambari. Chegamos em Morretes, que fica no meio das montanhas do litoral paranaense, no final da tarde. E lá passeamos pela linha do trem, pelas praças, pelo centro histórico, até quase o sol se por. Uma típica cidade paranaense. Na volta, paramos pra comprar cachaça de banana, um agrado para um dos amigos do meu irmão. Na subida, já escurecendo, pegamos água numa bica na beira do caminho. Fomos surpreendidos pela polícia florestal, mas apenas um bate papo informal e é claro, uma vistoria no porta-malas. Mas é comum que haja uma boa fiscalização nas redondezas. Afinal, a Graciosa precisa ser preservada e com todos os cuidados. Quando chegamos no portal já estava bem escuro, podia-se ver as estrelas,
com tal nitidez que parecia um lençol brilhante a nos cobrir, mas a máquina fotográfica não é tão boa assim, portanto só se avista o portal. A estrada da Graciosa, Rodovia PR-410, atravessa o trecho de Mata Atlântica, preservada e bem cuidada. É um trajeto que utiliza a antiga rota dos tropeiros. Considerada uma das mais belas estradas do Brasil por diversas revistas e sites de viagens, a Graciosa realmente é cheia de graça. Com uma mata linda e diversificada, flores exuberantes pela beira do caminho, pontes e riachos tão claros e límpidos que parecem espelhos, tudo nos encanta, tudo nos surpreende. Na próxima, vou pra Morretes de trem e chego até Antonina. Elizabeth de Souza
Dedicado a meu irmão Edson que agora pesca estrelas.
Sobre o Autor: Elizabeth de Souza Editora do Portal Entrementes. Linha do trem da cidade de Morretes
Portal de entrada da Graciosa 29
ENTRE VERSOS E PROSAS
POESIA DE COMBATE II
Obra de João Timane* Titulo - Minha fonte de inspiração / Técnica - Acrílico sobre tela Dimensão - Ano - 2013 / Exposição - Cartas dum grão de mostarda
Os tempos que dormem reincarna o Zé Craverinha Feito de andorinha vive a poesia de Rui de Noronha Lá no Bairro Indígena, ainda te o charuto de poesia Escrito a timbre de voz das casas de madeira e zinco Nas ruelas de Mafalala há vestígios de Marrabenta E gente que salvaguarda os belos tempos de utopia Por lá, não há mulungo, mulandi, mulato e nem xijana Só há filhos da terra e sobrinhos da lua em liberdade Mas esses tempos acordam o Gonçalves Carneiro E as crónicas e poesias do poeta Carlos Cardoso Mestiçadas pela liberdade e democracia inexistente Nesta pátria bem amada pelos senhores utópicos Porque sua gente semeia medo do seu próprio patrão Injustiças são esquecidas numa só promessa do poder Nem sangue derramado pelos irmãos muda suas mentes Porque a capulana e a camisete da campanha é seu conforto.
O Cavalheiro da Malanga
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Auto retrato - Joao Timane, 2014 *João Timane nasceu em Maputo, concluíu o curso de artes visuais na Escola Nacional de Artes Visuais em Maputo. Está a quatro anos na dedicação, investigação e entrega total no campo artístico. Trabalhou com artistas como: Tembo Danxa, Macaríngue, Makazako e Neto. Actualmente membro do Núcleo de Arte. Participa em exposições dentro e fora do país. Encontra-se neste momento lecionando desenho artístico e pintura das crianças do Aeroporto inspirado nas ideias do artista mor Malangatana. Prepara-se tambem para a sua segunda exposição individual a ter lugar na mediateca do BCI em dois mil e dezasseis.
Sobre o Autor: Sanjo Muchanga nasceu em Lourenço Marques actualmente Maputo. Entregou-se a literatura em 2003, ao ouvir a declamação dos poemas de José Craverinha e Noémia de Sousa na Rádio Moçambique. Tem intercâmbio literário com os poetas de vários países. É criador e presidente do Movimento literário ensaísta kamubukuane, para a divulgação e promoção da Literatura Emergente de Moçambique.
CANTO DA CULTURA
ERA UMA VEZ em São José dos Campos A Galera do Canto da Cultura nos anos 80 Muita gente aparecendo. Nomes inesquecíveis. Nomes que permanecem. Nomes que sumiram. Nomes que estão registrados na memória da natureza. Eis alguns do início do Canto da Cultura: Alan Romero e Miran do Pajeú... Solfidone, Beth Souza, Edjalma, Poeta Moraes, Cristina Souto, Irael Luziano, Marcos Planta, Sara, Chico Mendes. – Depois foram surgindo outros nomes que serão registrados nesse espaço.
Na foto: Solfidone, Beth, Edjalma, Moraes, Irael Luziano, Marcos Planta… Os poetas se reuniam todo sábado na Praça Afonso Pena. Alguns declamavam seus próprios poemas ou de outros autores; Outros, somente penduravam seus poemas nos varais. Todo sábado de manhã era assim. Solfidone, grande Solfidone, esse, além das poesias, levava seus desenhos para expor e também ilustrava os poemas de outros autores. E as folhas poéticas balançavam-se ao vento. E uma multidão sequiosa de novidades, poesia e conhecimento ali se juntavam, para apreciar a nossa arte milenar. 31