Ano 2 - Edição 2 - Inverno de 2015 www.entrementes.com.br
CONECTANDO IDEIAS
ARTE - CIÊNCIA - ESOTERISMO - FILOSOFIA
EDIÇÃO DE INVERNO MAD MAX: ESTRADA DA FÚRIA
O crítico Dalto Fidencio escreve sobre o remake de um clássico cult do cinema!
TREM DA VIRAÇÃO
O Grupo musical completa 15 anos de andanças nesse trilho. Ê Trem Bão!!!
DAILOR VARELA - FOI-SE UM ARTISTA IRRETOCÁVEL
Um dos criadores do Poema/Processo, faria em junho/2015 70 anos se ainda estivesse entre nós.
ENTREVISTA COM SIDNEY GUSMAN
Um dos maiores especialistas em HQ no Brasil conta ao Entrementes, algumas de suas peripécias.
COMUNICAÇÕES PERIGOSAS - OU A TEORIA DO TORNIQUETE Giordano Bruno morreu queimado na fogueira e Snowden ainda pode ser salvo?
IMPRESSÕES DE VIAGEM A QUATRO MÃOS
Visconde de Mauá, Maringá e Maromba são lugares que ficam para sempre na memória de qualquer viajante.
POESIA, MUITA POESIA!!! Deleite-se e mais nada...
Editorial Essa é a Edição de Inverno da Revista Entrementes. Apreciem o visual diferente que nos arremete ao frio invernal, com suas cores, tons e imagens. A capa “Os Ipês e o Portal” é uma obra do artista plástico Davi F.F. que nos cedeu a imagem com muito carinho. Além dos colunistas que postam suas obras no Portal Entrementes, agora temos novos integrantes e também alguns autores do Vale do Paraiba, que estão contribuindo com essa edição. Literatura de qualidade, com muita poesia, prosa, críticas, entrevista, textos filosóficos e esotéricos que enriquecem a revista. A Edição de Inverno é somente on-line. Uma revista impressa é tudo de bom, mas envolve todo um processo para a sua conclusão, aumentando os custos - para isso precisamos de apoiadores. A edição de setembro, vamos buscar parcerias e contamos com a colaboração dos leitores para nos ajudar nessa árdua tarefa. Se alguém quiser anunciar, publicar uma matéria ou mesmo colaborar com a revista, entre em contato conosco por email (contato@entrementes.com.br) ou pelo tel. (12) 981349857. Agradeço a todos os envolvidos nessa edição, pela colaboração e pelo carinho especial com essa jovem revista. E continuaremos juntos conectando ideias. Elizabeth de Souza Editora da Revista
Sumário ENTRE VERSOS E PROSAS 03 - MONOCHROME - Marcelo Pirajá Sguassábia 07 - QUANDO OS ATEUS SAEM DO ARMÁRIO - Fernanda Toffuli 10 - SENTIMENTOS DE JOANA D’ARC - Poemas - Joana D’Arc 11 - LIBERTAÇÃO - Sanjo Muchanga 16 - TARJAS SEM VOLTA - Ricola de Paula 18 - CHORANDO VERSOS - Dalto Fidencio 20 - O FATOR “L“ - Jorge Xerxes 24 - WILSON GORJ E TONHO FRANÇA 25 - DEVANEIO - Milton T. Mendonça 26 - A BICICLETA - Ronie Von Rosa Martins 27 - EU? - Gustavo Terra 27 - OBJETIVOS - Nunes Rios 28 - ENTRE MARES E MARÉS: Conversas Epistolares (Parte I) Luisa Fresta e Germano Xavier 30 - ALMA DE CICLISTA - Teresa Bendini 31 - PENSAR PALAVRAS OUSADAS... OUSAR PALAVRAS PENSADAS! - Elizabeth de Souza 32 - FÁBRICA DE SONHOS - Charles Lima 37 - A POESIA, O PARQUE E A LUZ DO SOL - Joka Faria 37 - RIO PARAÍBA - Domingos dos Santos
ENTRE CINE 04 - MAD MAX: ESTRADA DA FÚRIA - Dalto Fidencio
ENTRE SONS 06 - ESSE TREM QUE VIRA - Paola Domingues
ENTRE VIRTUOSES 08 - DAILOR VARELA FOI-SE - Escobar Franelas
ENTREVISTA 12 - ENTREVISTA COM SIDNEY GUSMAN - Rodolfo Salvador
Expediente Ano 2 – Edição 2 – Inverno de 2015 Editor Responsável: Elizabeth de Souza Jornalista Responsável: Fernanda Toffuli (Jornalista graduada - MTB: 57430-SP Pós graduada em Assessoria, Gestão da Comunicação e Marketing - Taubaté – SP). Diagramação: Filipe Oliveira Arte da Capa: Davi F. Faria – “Os Ipês e o Portal”
ENTRE FILOSOFIA 19 - COMUNICAÇÕES PERIGOSAS – OU A TEORIA DO TORNIQUETE. - Paulo Vinheiro
ENTRE CULTURA 23 - A HISTÓRIA DO HAPKIDO - Fabio Jacinto
ENTRE TRILHAS E VIAGENS 34 - IMPRESSÕES DE VIAGEM A QUATRO MÃOS - Elizabeth de Souza e Reinaldo Prado
ENTRE CORPOS E ALMAS 36 - TIPOS DE AURA - Ana Carolina Esteves
ENTRE VERSOS E PROSAS
MONOCHROME Por Marcelo Pirajá Sguassábia
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ento derramar cores sobre a foto de família: o resultado soa falso. Uma coisa desalmada, sem pulso e temperatura. Cria-se uma inadequação, um ar postiço, não caberia cor ali de forma alguma. O mundo de 1941 da foto com margem branca e cantoneira, tirada de um álbum de madeira marchetada, é natural e necessariamente em preto e branco. Há propósito, graça e sentido em ser assim. No entanto, quem estava lá posando para a pesada câmera, num vestido estampado e eternizado no clique em paupérrima escala de cinza, jura que o mundo era mais colorido que hoje. As cores mais vivas e intensas, flores e gramados sem a fuligem – essa sim monocromática – das chaminés e escapamentos. Sim, as hoje muito velhas gentes garantem que o branco e preto das fotos não fazia justiça ao variadíssimo pantone da vida real. Por mais que os ternos de linho fossem
impecavelmente brancos, e as largas saias das beatas de respeito invariavelmente negras, havia cores intensas por todos os lados. A mulher do vestido estampado, enquanto ensaia a melhor posição para o clique, flerta com os olhos azuis do moço do reluzente Cadillac verde, tinindo debaixo do sol. Logo mais, à noite, a fila no cinema dobra o quarteirão para assistir Cidadão Kane. Honrando o preto e branco da obra-prima, só mesmo o preto e branco da plateia. Não pode ser de outra maneira, gente colorida assistindo seria profanar o monumento de celuloide. Há foto de cemitério na penúltima página do álbum marchetado. O lugar onde faz mais sentido ainda o black and white se bastando, o preto dos enlutados e o branco do mármore de carrara dos túmulos. Complementam-se divinamente o pesar dos que ficam e a leveza angelical dos que se
foram. Negra é a escuridão embaixo da terra, alva é a asa de anjo, promessa da Bíblia e do padre. Aquele retrato do Guevara de olhar posto em horizonte incerto, Carlitos em filme ou foto, Einstein mostrando a língua, o beijo do final da guerra em Times Square: qualquer cor banalizaria instantaneamente esses monumentos imagéticos, tiraria deles a autoridade mítica. Decerto que a cor é uma ilusão do olho, que a Terra de azul não tem nada, é quando muito um ponto branco e minúsculo no negro imenso do cosmo. A mim já está mais do que claro que a madeira marchetada, do álbum aqui no colo, tem seus tons amarronzados só dentro dessa cabeça. Incerta massa cinzenta, de cinzentos pensamentos que ficam indo e voltando enquanto não viram cinzas.
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ENTRE CINE
MAD MAX: ESTRADA DA FÚRIA Por Dalto Fidencio
Mad Max: Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road) - Ação 120 min Direção: George Miller - Roteiro: Miller, Brendan McCarthy e Nick Lathouris. - Elenco: Tom Hardy, Charlize Theron, Nicholas Hoult, Hugh Keays-Byrne, Nathan Jones, Zoë Kravitz, Rosie Huntington-Whiteley, Riley Keough, Abbey Lee, Courtney Eaton.
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Remakes releituras são palavras que causam frio na espinha de qualquer bom cinéfilo que se preze. Então quando foram iniciadas as filmagens de “Estrada da Fúria”, o que este crítico que vos escreve sentiu foi medo mesmo. Um novo Mad Max, e ainda mais sem Mel Gibson? Sacrilégio! Deixem o clássico cult em paz! Este filme é a prova viva de que em boca fechada não entra mosca, ou nesse caso, areia do deserto cinematográfica, como há muito não se via este filme é tudo aquilo que as sempre sofríveis superproduçõesaustraliano, pois “Mad Max: Fury Road” é simplesmente espetacular! Uma overdose de adrenalina cinematográfica, como há muito não se via este filme é tudo aquilo que as sempre sofríveis superproduções de Michael Bay gostariam de ser, e jamais serão. Foram 3 décadas desde “Além da Cúpula do Trovão”, e o diretor George Miller parece ter passado todo esse tempo com seu carregador na tomada, tal a energia que ele colocou nesta película é simplesmente o melhor filme do ano até aqui, e um dos melhores deste ainda tenro século. É imperativo frisar que o filme não se destaca simplesmente por ter ação desenfreada, e sim por uma ação perfeitamente construída e justificada, e ainda por cima, realista. Não vemos aqui uma avalanche de efeitos digitais como por exemplo em “Vingadores: Era de Ultron”, pois o veterano cineasta preferiu filmar em estilo old school e utilizou um mínimo de CGI no filme. Temos uma apresentação fugaz e então partimos para duas horas de ação vertiginosa e brutal, que nos faz grudar na cadeira, sem tempo nem para respirar. A melhor palavra para definir “Estrada da Fúria” é: insano! Absolutamente insano, e não poderíamos ter um adjetivo melhor para um filme de um sujeito que tem “mad” como alcunha, certo? Muitas das absurdas (no melhor dos sentidos!) cenas de perseguição de “Estrada da Fúria” levaram meses de filmagens nos sets na Austrália e na Namíbia, e esse apego de Miller à perfeição se mostra de forma sublime na tela, nos jogando numa overdose sensorial. A energia de suas sequências de ação é inacreditável, e elas duram
quase que o filme todo, literalmente! Perseguições de carros, motos, caminhões, veículos que nem nome conseguimos dar, tempestades gigantescas de areia. O roteiro é de George Miller, em parceria com os estreantes Brendan McCarthy e Nick Lathouris (que também é ator e atuou no Mad Max original!). Como na trilogia clássica, a trama se passa num futuro pós-apocalíptico, onde os governos ruíram e a vida humana vale muito menos que combustível ou água. Não se trata de uma sequência, prequel ou mesmo remake. O que temos aqui é uma história totalmente nova, que traz referências aos filmes anteriores, pois Mad Max já perdeu sua família há alguns anos e desde então segue pelos desertos australianos, lutando pela sobrevivência. A trama é bem simples: em um futuro distópico, num mundo devastado, o ex-policial Max (Tom Hardy) é capturado pelos homens do vilão Immortan Joe (vivido por Hugh Keays-Byrne, que curiosamente também esteve na película original, no pele do vilão Toecutter), senhor supremo de uma cidadela, onde ele é rei e também um messias. Então uma das principais guerreiras de Immortan, a Imperatriz Furiosa (vivida por Charlize Theron), foge com as “parideiras”, escravas sexuais e reprodutoras do vilão a perseguição sem igual que se tem início, dá a Max a chance de escapar, mas isso ocorre de uma forma que jamais poderíamos esperar, mas que combina perfeitamente com a insanidade deste filme. A forma como Miller comanda a câmera é para se aplaudir de pé, dando uma aula de como se faz um filme de ação para ninguém botar defeito. Procure notar como o cineasta nos mostra planos perfeitos para contar sua história, alternando as tomadas com maestria, com planos conjuntos ou mais fechados. Tom Hardy (que viveu o vilão Bane,
em Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge) foi o escolhido para ser o novo Max Rockatansky. Ele nos entrega um Max mais introspectivo, mas se ele não tem o carisma de Mel Gibson, não se pode dizer que ele fez feio. Sempre lutando pela sobrevivência no mundo distópico criado por Miller, ele ainda tem que lidar com os fantasmas de seu passado. Hardy realizou um trabalho mais do que digno, mas Mad Max não é o único dono do filme, como na trilogia anterior aqui o protagonismo é dividido em pé de igualdade com a personagem de Theron (o que gerou a ira dos machistas de plantão), a Imperatriz Furiosa, que faz juz ao nome! Ela nada tem de mocinha indefesa que está na trama para ser salva por Max ela é a fúria em pessoa, uma personagem forte e complexa que não deve nada a homem algum e tanto é salva por Max quanto o salva, durante a história. E isso sem um pingo de tensão sexual entre eles são apenas duas pessoas lutando pela vida e liberdade, e destruindo o que aparecer pela frente no processo. Se não são do mesmo sexo, isso pouco importa, e isso faz o filme escapar ao clichê que estamos cansados de ver. Furiosa é uma guerreira, uma amazona que carrega nos ombros o heroísmo da trama, arriscando tudo na tentativa de salvar suas companheiras da escravidão nas mãos do vilão. E a dupla de heróis ainda tem um coadjuvante que dá show Nicholas Hoult (o Fera, de “X-Men: Primeira Classe”), com seu mais que insano Nux, um dos War Boys de Immortan Joe. Nux sonha morrer em batalha para alcançar o Valhalla (antes que seus cânceres o matem), começa reduzindo Max literalmente em sua ”bolsa de sangue”, mas sofre uma grande reviravolta durante a trama. Sua personagem é interessantíssima, sua atuação é excelente, e ele é um dos destaques da película. Immortan Joe é o déspota que contro-
la a vida de todos como se fosse um semideus, mantendo controle absoluto pela vida de todos em sua cidadela. É dele toda a água, combustível e recursos, e o tirano os “reparte” em forma de migalhas com seus “súditos”. A Fotografia de “Estrada da Fúria” é soberba e ficou a cargo de John Seale (Oscar por “O Paciente Inglês”), e não será nada injusto se ele for premiado novamente. Com claras referências aos filmes originais (em especial aos dois últimos), a forma como ele retrata as nuances de cores vivas neste longa é sensacional. A Trilha Sonora é como o filme magnificamente insana! Cria do holandês Tom “Junkie XL” Holkenborg, ela casa perfeitamente com o longa com direito até a um veículo de guerra transformado em carro de som, com um guitarrista tocando notas absurdas “ao vivo” enquanto as perseguições ocorrem uma ideia tão bizarra quanto genial! A Montagem também merece destaque. Ela é de Jason Ballantine e Margaret Sixe, que entregaram um trabalho ágil e competente, deixando o filme sempre em movimento, com uma fluência impressionante. A Direção de Arte, de Colin Gibson, é incrível, e se torna favorita desde já às principais premiações da categoria. Seu trabalho é simplesmente de cair o queixo e é uma parte vital da magnitude deste longa. Os fãs mais atentos irão notar elementos que ecoam aos filmes clássicos, como o carro de Max no início, (Deus salve o Ford Falcon Coupe Interceptor!), uma caixinha de música Hollywood hoje quase só gera filmes mais estéreis que os desertos de “Mad Max: Estrada da Fúria” então, se deparar com uma produção fantástica como essa é um verdadeiro oásis! É pura poesia nascida do caos, é insanidade elevada a níveis superlativos. Como diria Nux: testemunhe!
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ENTRE SONS
ESSE TREM QUE VIRA Por Paola Domingues
É um trem que vira a cabeça da gente!
Acesse: Trem da Viração Facebook
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liás, o primeiro disco foi lançado lá, na “Beira do Riacho”, um espaço cultural, turístico e gastronômico localizado no bairro do Souzas, que abriu espaço para uma gravação ao vivo da Banda no ano 2000. O “Levanta Poeira”, lançado em 2002, carrega músicas que explodiram na região como a famosa “Caia Mamão Papaya” e “Fotografista” de autoria do Beto Jaguary , Cauique , Nilton Blau. Seu último disco “Chega Junto”, lançado em 2007 em São José dos Campos, segue a mesma linha de composições. A minha preferida tem ritmo de marchinha de carnaval. A canção ”Vagalume”, composta por Deo Lopes, traz em seus versos inocentes, uma verdadeira filosofia de vida afinal, a luminária por mais elegante e desinibida, morre de ciúmes do vagalume, pois o vagalume vaga por onde quer e a luminária fica é presa pelo pé. “Um trabalho minucioso de resgate caipira para todas as idades, onde a banda introduz o saudosismo e a fala animada do cantor Deo Lopes, junto com uma pitada de samba, pagode cai-
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Com seus 15 anos de andanças nesse trilho, o Trem da Viração tem se tornado cada vez mais, referência às tradições eruditas e culturais de nossa região. Se estabeleceram por um bom tempo – porque o Trem nunca para – na cidadezinha de Monteiro Lobato – SP, minha terra natal, e por lá, vieram muitas das inspirações de seus trabalhos. Que sentimento saudoso e divertido é ouvir em suas composições os nomes de ícones conhecidos em nossa cidade como o senhor Jair Monteiro, compadre Neia, o Luís e o Geraldo (da viola), participantes ativos nos festejos do município. Deo Lopes também aproveitou os ares da cidadezinha berço de Lobato para se inspirar nos personagens folclóricos, como o Saci Pererê, nos bairros e estradas da cidade.
pira, reggae e baião”. Segundo entrevista (Univap) com André Luiz, antropólogo, se trata de um gênero não definido pela indústria fonográfica, mas com certeza, já estabelecido como um estilo pós-caipira, pós-floclore. Os integrantes são realmente de uma harmoniosidade incrível. É perceptível que nesses últimos quinze anos de trabalho, o entrosamento segue pelo único objetivo: o gosto pela música popular regional, sem o interesse principal de adquirir com isso as glórias midiáticas, mas sim, cumprir com o papel social de espalhar cultura por onde esse trem passar. Isso porque todos os integrantes fazem parte de um histórico familiar com raízes fincadas na música. Com certeza é a base do Trem da Viração, pois só podemos compartilhar a arte se a dominamos bem. Apresentação do Trem da Viração no dia 19 de julho, na Feira do Balacobaco, em Monteiro Lobato – SP A pergunta que nunca se cala é: Por que não há incentivo a trabalhos magníficos como este? E se há, por que seu
desenvolvimento chega a ser tão burocrático? O que falta para um grupo como esse “deslanchar”? Não estou me referindo ao sucesso exacerbado nas redes televisivas, mas abrir oportunidade, incentivar esse trabalho? Parte da causa pode ser do movimento regional fazer parte de um público seletivo. Mas se o público é seletivo, é por que não conhecem ou por que não gostam? E se não gostam, é por simples preferência ou porque não tiveram incentivo à proximidade com a cultura? Pois é o buraco é bem mais embaixo.
ENTRE VERSOS E PROSAS
QUANDO OS ATEUS SAEM DO ARMÁRIO Por Fernanda Toffuli
“Ateu é alguém que não acredita em divindades e a polêmica se deve ao fato de que a crença em deuses já está enraizada na nossa cultura”, comenta Wellington Junior Camargo, químico. Essa é uma das afirmações que algumas pessoas utilizam para expressar a sua “não-crença”. A palavra ateu tem origem no grego atheos, que significa aquele que não crê em divindades ou seres divinos, sendo também aplicado nos casos em que não se participa de doutrina ou alguma religião. Essa ideia do não creacionismo, vem sendo discutida muito antes da especulação da ciência nos tempos modernos ou do aparecimento de algumas religiões. A palavra ateu foi
utilizada no século XVIII, principalmente sob a forma de “insulto” às pessoas que não tinham nenhuma fé em um deus monoteísta, sendo que hoje essa palavra ganhou um significado diferente, denominando apenas o livre pensamento e a não apreciação de divindades, mas mesmo assim, ainda existem pessoas que tem preconceito com quem não acredita em Deus. “Existem verdades individuais e cada qual tem a sua. O ateu ao se defender das investidas de alguns religiosos usa de conhecimentos científicos e nisso acaba por ofender a religiosadade. Como a ciência é tida como a verdade mais próxima do que seria absolutista, o ateu chega a ser repudiado – por ter raciocínio tendenciado ao científico - já que “ofende” o teísta que tem por verdade a fé”, diz Sidnei Chaia, militar. Muitas pessoas que não tem uma fé muitas vezes são tratadas como “erradas” e “más”, sendo vítimas de preconceito por parte de alguns religiosos desinformados em relação ao ateísmo, ou a não crença em deuses. Sobre o ponto de vista ateu, não existe céu ou inferno, nem vida após a morte, tornando a realidade atual a única verdade conhecida, sendo que essas pessoas podem fazer caridade, escolhem a denominação politica a seguir e mesmo a ética, sendo que cada uma delas são “livres-pensadores”, não tendo nenhuma ligação com a religiosidade. “ É importante que os ateus se mobilizem para ganhar cada vez mais espaço na sociedade, porque quanto mais pessoas assumirem seu ateísmo publicamente, a sociedade tratará os ateus com mais respeito. É possível ser bom ao próximo sem precisar acreditar em divindades”, completa Camargo.
Sua Materia na Revista contato@entrementes.com.br (12) 98134-9857
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ENTRE VIRTUOSES
DAILOR VARELA FOI-SE Por Escobar Franelas
(Em 10 de junho último nosso Dailor Varela, o mais legítimo anarquista que conheci, faria 70 anos. Fico aqui tentando imaginar o que ele diria, deitado em sua rede rangente na sala de sua casa solar em Monteiro Lobato, da era Lula-dilma, do “revoltados online”, da morte de B. B. King, desse reatraso capitaneado por Eduardo Cunha e outros etcs. Fiz essa intro, apenas para retomar um texto de 2013 que, por sua vez, cita um texto de 2012; é isso) Em 15 de abril de 2013 fez um ano da partida do Dailor Varela. Poeta hiperbólico, pensador polêmico, jornalista mordaz e cético profissional, o Dailor (lê-se “Dailôr”, apesar do paulistanoide aqui só conseguir falar “Dáilor”), deixou um traço profundo no pensamento valeparaibano, disso bem sei. Assim como sei também que breve breve a juventude vai redescobri-lo e entender que sua proposta/postura para a vida e, por consequência, para a arte, só fará sentido se adotarmos a profundidade, a complexidade e a excentricidade de viver na “vanguarda”. Sem entender o que é vanguarda, não se entende quem é e o que pensava Dailor. O artigo abaixo escrevi quando do seu passamento, mas acho que continua atual, 365 dias e alguns meses depois.
Dailor Varela – Foi-Se Um Artista Irretocável
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uma manhã de 15 de abril, em que tantos aniversariavam, e outros nasciam nesse mundão afora, o poeta Dailor Varela disse tchau. Era domingo de sol morno aqui na Sampalândia, típico de outono, quando esse mais novo fofoqueiro moderno, o Facebook, aprontou-me essa. Difícil acreditar em faladores soltos por aí mas, como na maioria das vezes, a fofoca procedia: o Dailor se fora. Como bem disse sua filha, a também poeta Máh Luporini, ele não iria gostar de ficar aí, com parte do corpo paralisado, dando trabalho a quem quer que seja. Dailor, que também era jornalista e pensador “marginal” e genial, que sempre foi independente e contundente ao extremo, realmente
não iria gostar de ser fisiologicamente cuidado/paparicado, dependendo que alguém abrisse um livro pra ele, que o colocasse na rede pra balangar, ou então que ligasse o aparelho de DVD para rodar um Antonioni (ou Kubrick, ou Scorsese, ou Tarantino), para que ele pudesse assistir. Nascido em Goiás, mas vivendo em Natal (RN), desde os três anos, o poeta nunca foi um aluno dedicado, como ele sempre reconheceu. Antes, envolveu-se profundamente com aqueles que estavam propondo uma nova leitura do mundo e das coisas, naqueles conturbados anos 60. Vanguardistas, anárquicos, fleumáticos e inteligentes, os jovens potiguares (Dailor Varela entre eles) queriam também contribuir com os novos ventos que sopravam. Para isso, também indicaram caminhos, entre os quais o mais marcante foi a retomada do concretismo. Mas, como
bebiam na fonte de Câmara Cascudo, Gilberto Freyre, Tropicalismo, Cinema Novo, Nouvelle Vague, Neo-Realismo Italiano, Jovem Guarda, tudo isso tomou uma forma muito inusitada e imprevisível: lançaram o Poema/ Processo.
O Poema/Processo (cujas bases ideológicas e estéticas foram lançadas
quase que simultaneamente no Rio de Janeiro e em Natal), propunha um apropriação da comunicação de massas, um aprofundamento da relação entre forma & conteúdo concretista e uma radicalização no sentido de tirar o signo linguístico da escrita, levando-o a relacionar-se com outras artes, principalmente a pictórica. Alguns dos nomes surgidos nesse período iriam sendimentar-se nas artes e na cultura brasileira. Cito, de memória, Moaci Cyrne, Falves Silva, Sanderson Negreiros, Marcos Silva, Nei Leandro de Castro, entre outros. Todos muito provocadores, todos muito sagazes, todos muito inspirados. Passados os primeiros instantes da movimentação em terras potiguares, o Poema/Processo enfrentou um natural refluxo da maré. Na metade da década de 1970, encontramos então Dailor trabalhando em Sampa. Depois de peregrinar pelas redações da Veja, Folha de São Paulo e Diário do Grande ABC, baixou num rasante em São José dos Campos, onde trabalhou no jornal O Valeparaibano, entre outros. Há vinte anos pousou em Monteiro Lobato, cidade bucólica na Serra da Mantiqueira. Incrustada entre São José dos Campos e São Francisco Xavier, e próxima a Campos do Jordão, o pequeno vale verde respira Sítio do Picapau Amarelo no cotidiano. Foi ali, em parolagens com velhos, artesãos, bebedores inveterados e uma fortuna de gente sem pressa desnecessária,
que Dailor ouvia histórias que ajudaram a nortear novos horizontes literários. Depois do poeta vanguardista e do jornalista, nascia o cronista. Também missivista compulsório, que escrevia cartas diariamente para diversos amigos nos mais recônditos recantos do país, Dailor interessou-se também pelas colagens e instalações. Curiosamente, foi adotando a partir daí a prática da poesia escrita, deixando um pouco de lado as pesquisas pictóricas do Poema/Processo. Porém nunca abandonou a “old school”. Apenas encontrou na fórmula anterior algumas possibilidades que passou a explorar também.
“A morte é gráfica Nos sinais repetidos Que piam como ave De agouro” Em 2006, em parceria com Máh, criou o tabloide cultural O Grito. Abrindo espaço para novos e velhos praticantes das artes revolucionárias, preocupado em quebrar as mesmices provincianas que (ainda) dominam a vida literária e artística de São José dos Campos e região, o jornal tornou-se um oásis onde as inteligências vão buscar textos que valham a pena serem lidos, pensados, dialogados, questionados e
Velório e Enterro Assim que se divulgou a nota oficial de que o poeta tinha falecido, formou-se um grande burburinho via Facebook. Seu velório, que aconteceu primeiro em São José dos Campos, na tarde e noite de domingo (15), teve uma homenagem inusual prestada pelos amigos do grupo Bola de Meia, de interações poéticas. O coletivo realizou um “happenning” bem ao gosto do poeta, lendo alguns de seus poemas ao lado do caixão, emocionando a todos, entre os quais familiares, amigos e admiradores de sua obra. Estiveram em seu velório, entre outras pessoas, Dyrce Araujo, poeta e revisora, e também mãe de seu filho Caio Varela; a verea-
compartilhados. O inquieto artista também incursionou por outras veredas. Na década de 1960, participou da campanha de alfabetização de Paulo Freire. Também trabalhou nas pesquisas de campo para algumas obras de Luís da Câmara Cascudo. Teve poemas seus musicados por diversos compositores, entre os quais Mirabô e Quinteto Violado. Alguns poemas/processo estão publicados em revistas no exterior e em diversos sítios virtuais. Também no exterior ocorreram muitas exposições de alguns de seus poemas/processo. Dailor Varela é um dos citados no livro “Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século” de José Nêumanne Pinto. Tem 13 obras publicadas e duas no prelo (PULS.O.S., de poemas; e outro de ficção, cujo provável título seria Acossado).
dora Dulce Rita (PSDB); Poeta Moraes, Fernando Selmer, poeta; Zenilda Lua, poeta; Jacqueline Baumgratz, poeta; Déo Lopes, cantor, compositor e artesão; Eliciane Alves, jornalista; Elizabeth de Souza, poeta e editora do sítio virtual Entrementes (http:// entrementes.com.br/); Cesar Pope e Ana Prado, entre outros. Na manhã de segunda-feira, o corpo de Dailor Varela foi transferido para Monteiro Lobato, onde recebeu novamente as honras do Bola de Meia. Sob o olhar agudo e dolorido do prefeito local, Gabriel Vargas Moreira, e outros moradores que acorreram ao local, seus poemas foram novamente lidos durante o curto velório. Após isso, o libertário poeta foi sepultado na cidade que o acolheu e que ele namorou tão profundamente, divulgando-a constantemente em suas cartas, crônicas e poesias.”
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ENTRE VERSOS E PROSAS
SENTIMENTOS DE JOANA D’ARC - Poemas Por Joana D’Arc
Nostalgia
Caída no chão, sobre velhas fotografias, me perco na nostalgia. E por alguns minutos, escuto a canção da vida, que diz que só queremos amor.
Legado
Vazias
Sonhei que passeava com os Anjos, para fugir do sofrimento. Nesta noite fria, eu nada temia, só queria que aquelas noites vazias fossem extintas.
No Fim
Escrevi poemas cheios de sentimentos, mas ninguém entende o que eu sofri. Escrevi, mas ninguém leu e no fim da noite, o luar me afundou no medo e ninguém me salvou.
Dançando com a Lua
Corri pelo campo florido e iluminado pela Lua, e senti a leve brisa que tocava meu rosto. Danço com a Lua e as estrelas, e isso cura as minhas dores.
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No oceano interior da minha alma, encontro um lugar seguro. Não ligo se vão me chamar de poeta do dor ou poeta de mil faces, pois sei que quando partir, deixarei um legado ao mundo. E minha partida não terá sido em vão.
Silencio Poético
Silenciosamente os sonhos me deixaram no escuro, mas as estrelas me protegem. No silêncio da noite, minha vida se torna poesia.
Sentimentos
Muito tempo chorei, até que senti as asas da liberdade. Senti, sofri e de repente, parti.
Poesia Livre
Sob o Luar frio e misterioso, um enorme silêncio que me inspira a escrever paginas, que misturam sonhos e loucuras. Faço versos livres, guiados pelo coração.
A Beleza do Céu
Milagrosas estrelas distantes, que transformam minhas noites escuras em poesias. Mar de Luar, silêncio na noite. Minha vida não teria sentido, se não existisse a beleza do céu.
ENTRE VERSOS E PROSAS
LIBERTAÇÃO Por Sanjo Muchanga
Outrora lutava contra o colonialismo Porque não suportava o chicote nas costas Outrora lutava contra o nepotismo Porque não suportava o desfavorecimento Outrora lutava contra o banditismo Porque não suportava ser roubado Hoje luto pela liberdade de expressão Porque só a tenho na constituição Hoje luto contra os sequestros Porque só me tiram a tranquilidade Hoje luto contra os assassinatos Porque me deixam desassossegado. Amanhã lutarei comigo mesmo Porque cada dia nasce nova história Amanhã lutarei contra ti meu irmão Que usa a bíblia para me roubar Amanhã lutarei contra eles Que nos governam como animais. Quando já não tiver forças de lutar Espalharei a minha ideologia na juventude Para que se cumpre as minhas vontades Espalharei os meus escritos para voarem No seio de cada um de vós mentores Que engajados na luta socialista e ideológica.
Anuncie Aqui! contato@entrementes.com.br (12) 981349857
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ENTREVISTA
ENTREVISTA COM SIDNEY GUSMAN Por Rodolfo Salvador
É com muito prazer que apresento essa entrevista com Sidney Gusman, um dos maiores especialistas em quadrinhos do Brasil, uma pessoa que além de portar um conhecimento enorme sobre quadrinhos é totalmente acessível, tendo colaborado para com essa entrevista de forma muito simpática.
Antes de mais nada, vamos conferir um pouco da história desse Cara. Jornalista formado Gusman é editor chefe do planejamento editorial da Maurício de Sousa Produções, já ganhou nove vezes o troféu HQ MIX, escreve desde 1990 textos sobre quadrinhos para jor-
nais como a Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, Jornal da Tarde, etc., escreveu também textos para a revista Superinteressante, já trabalhou para a Conrad e para a Panini. Lançou entre 2005 e 2006 os livros “100 Respostas sobre Super-heróis”, “100 Res-
postas sobre Hanna-Barbera”, “100 Respostas sobre Batman” e o livro Grande sagas – DC, pela editora Abril. Em 2006 também lançou na décima nona Bienal do livro de São Paulo o livro “Mauricio – Quadrinho a quadrinho” também pela editora abril.
1) Primeiramente quais são os quadrinhos 2) Sidney, trabalhar com o Mauricio de que você está lendo por esses dias, tanto Sousa é o sonho de uma grande parcela as nacionais quantos as “gringas”? dos fãs de quadrinhos, conte para a gente Raramente eu passo um dia sem ler uma história em qua- como é sua rotina no trabalho? drinhos. Tanto no trabalho, quanto em casa. Nesse momento, estou lendo HQs europeias que trouxe de minha última viagem, como Cinco por Infinito, do espanhol Esteban Maroto (esta série saiu no Brasil pela Ebal, em capítulos, mas este é um volume compilado), Os Companheiros do Crepúsculo, do francês François Bourgeon, que saiu no Brasil pela Nemo e que talvez seja minha HQ favorita em todos os tempos. Além disso, tenho verdadeira obsessão por ler tudo que sai no Brasil. Como hoje isso é impossível, leio algumas mensais (de diversos gêneros) e todos (sim, todos) os álbuns que saem no nosso mercado. Das revistas mensais, o que acompanho: J. Kendall – Aventuras de uma criminóloga (Mythos), Vertigo (Panini), One Piece (Panini), Olb Boy (Nova Sampa), 20th Century Boys (Panini) e Monster (Panini), além de uma ou outra série de super-heróis que sai em revistas mix.
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Sempre digo que o Mauricio é mais meu amigo do que meu chefe; e isso é um presente dos deuses. O cara enxerga muito adiante de todo mundo. Sabendo aproveitar (e eu sei), a pessoa que trabalha perto dele tem muito a aprender. Não é à toa que chegou ao patamar que ocupa. Além de trabalhar com algo que amo (quadrinhos), ainda estou com uma lenda vida do mercado nacional e com liberdade para fazer projetos como esses que tenho lançado desde 2009. Com enorme sucesso. Minha sala é praticamente do lado da do Mauricio, e é raro o dia em que ele não passa alguns minutinhos me perguntando “como estão as novidades” ou “se chegou algum desenho novo” dos seus projetos. Fala a verdade: tem preço uma coisa dessas? :) Mas, claro, minha rotina é movida a muito, muito trabalho. Afinal, além dos projetos de quadrinhos, eu edito todos os livros que saem pela MSP. E trabalhamos com 16 editoras
no momento. Tem dias em que acho que vou ficar louco, mas no fim tudo dá certo. E os resultados têm sido incríveis. Nos últimos cinco anos, a MSP cresceu dez vezes no mercado de livros, e isso não é pouco. Basta ver que, a cada Bienal, nossa média de lançamentos fica sempre entre 18 e 23 livros. É muita coisa! E todas fazendo sucesso, felizmente, o que é recompensador.
3) Na minha opinião a linha de quadrinhos “graphic MSP” é um sopro de ar fresco e renovado no mercado brasileiro de quadrinhos, que até pouco tempo era um mercado polarizado, no nível de publicações mais elaboradas. Existe uma intenção do Mauricio de Sousa em dar prosseguimento a essa linha ou ela já tem um número certo de histórias a serem lançadas? A história do projeto MSP 50 marcou minha carreira. Em toda data redonda do Mauricio ou da Mônica, a MSP fazia edições comemorativas muito legais, mas basicamente compilando material já lançado. Eu queria que o mercado prestasse uma homenagem aos 50 anos de carreira do Mauricio, em 2009. Cheguei pro Maurício e apresentei a ideia. Ele deu uma reclinada na cadeira e falou: “Você vai cuidar bem dos meus filhos?”. “Como se fossem meus”, respondi. Aí, comecei a fazer a seleção dos escolhidos e o resto é história. Os três MSP 50 se tornaram a maior vitrine de autores das HQs nacionais nas últimas décadas. Assim, usei a força do Mauricio para apresentar essas feras que produzem Brasil afora e, ao mesmo tempo, prestamos uma das mais legais homenagens que um autor de quadrinhos recebeu em vida. E não tem preço ver a alegria do Mauricio com essas releituras. O que mais ouvi desde 2009, quando saiu o primeiro MSP 50, é: “Como ninguém pensou nisso antes?”. Não sei, mas sorte que fui eu. O projeto tinha tudo para dar certo. Eu escolhi os autores a dedo, garantindo sempre a diversidade de estilos e gente de diversos pontos do País. Os autores todos queriam mostrar seu carinho pelo Mauricio. E os fãs sempre imaginaram ver os personagens em outros traços. O resultado foi esse sucesso incrível. E o prolongamento desse projeto já começou em 2012, com a linha Graphic MSP, que já teve dois álbuns lançados com enorme (mesmo) sucesso de público e crítica: Astronauta – Magnetar, de Danilo Beyruth, e Turma da Mônica – Laços, de Vitor e Lu Cafaggi. E ainda em 2013 saem mais duas: Chico Bento – Pavor Espaciar, do Gustavo Duarte, e uma do Piteco, feita pelo paraibano Shiko!
4) Em uma entrevista recente o desenhista Mike Deodato Jr elogiou a iniciativa “Graphic MSP”, porém afirmou que cláusulas contratuais com a Marvel o impediriam de realizar um trabalho com vocês. Na sua opinião esse tipo de contrato de exclusividade, que segundo o autor Grant Morrison em seu livro “Superdeuses” é algo recente no mundo dos quadrinhos atrapalha o mercado? Não sei dizer, pois não conheço a fundo o teor desses contratos. Mas certamente eles são vantajosos para os artistas, pois garantem a eles bons rendimentos. De todo modo, caras como o Mike Deodato ou o Ivan Reis, que são exclusivos das grandes editoras dos EUA, tiveram autorização de Marvel e DC, respectivamente, para integrar os MSP 50. E como eu não desisto fácil.
5) Recentemente, saiu numa matéria no jornal “Folha de S.Paulo” sobre quadrinhos nacionais, na qual se afirmava que muitos quadrinistas brasileiros estavam encontrando maiores facilidades em lançar seus quadrinhos primeiramente no mercado externo e somente depois lançando cá no Brasil. Em sua opinião o mercado brasileiro
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de quadrinhos ainda é um mercado de difícil acesso? O mercado mudou demais em dez anos. A Abril deixou de ser uma potência; a Panini, que nem existia, ocupou o primeiro posto; a Conrad sumiu das bancas; e os quadrinhos passaram a estar mais presentes em livrarias. Além disso, houve um crescimento significativo da produção nacional. Hoje tem muita, muita gente publicando seus materiais no Brasil. O mercado redescobriu os quadrinhos, porque estão sendo produzidos bons materiais. Muitos dizem que não temos um mercado. Discordo. As pessoas vivem dizendo que nas bancas só tem o Mauricio, mas a Luluzinha Teen está aí faz quatro anos; a JBC segue firme e forte, assim como a Panini. Acontece que o mer-
rem outros trabalhos em bancas. Ao mesmo tempo, as livrarias passam a ser uma excelente opção. Por conta de editoras que descobriram esse potencial e também dos planos de incentivo à produção, como o ProAC, e de compra de livros (e quadrinhos) para escolas, como o PNBE.
6) Saindo um pouco do Sidney profissional da empresa Maurício de Sousa e indo na direção do Sidney fã e conhecedor do universo dos quadrinhos eu pergunto, como você analisa o mercado americano de quadrinhos hoje, com suas expedições ao cinema e uma certa queda nos roteiros, que parecem sempre serem feitos num modelo pré-pronto? Sou um fã de super-heróis desde sempre, mas hoje, para mim, é difícil ler uma HQ do gênero que não me faça torcer o nariz. Há coisas boas, sim, mas é tão minoria que desanima. Esse negócio de matar personagens, fazer reboot de universos, interligar megassagas etc., já deu no saco. Ao menos pra mim. Com tanto material bacana em bancas e livrarias brasileiras, fica difícil encontrar ânimo para acompanhar super-heróis. Na minha opinião, o mercado norte-americano de super-heróis, hoje, se contenta em trabalhar com aquele número X de leitores e ganhar (muito) dinheiro funcionando como abastecedor de Hollywood.
cado nacional migra para uma mescla (interessante) de bancas e livrarias. É uma grande mudança. Primeiro, porque as livrarias abrem mais espaço para HQs a cada dia, pois descobriram a força dessa mídia. Segundo porque hoje há vários autores trabalhando direto para esse nicho. E as editoras começam a alcançar números interessantes. Se antes se comemorava a venda de dois mil exemplares; hoje há obras de quadrinhos com mais de 15 mil vendidas. Não é pouco. Vejo o Brasil como um mix dos mercados europeu e americano. Isso porque a tendência é que as bancas continuem sendo um terreno difícil para autores nacionais – a não ser que surja uma editora disposta a investir sabendo dos riscos envolvidos (distribuição, baixas vendas no começo etc.). Ali, o domínio do Mauricio deve continuar por bastante tempo. E é por isso que penso nas Graphics MSP como um facilitador para esses (e outros) autores publica-
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7) O que você tem a dizer sobre a relação entre fatos e quadrinhos? Isso existiu desde sempre, com maior ou menor engajamento dos personagens. Na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, quase todos os super-heróis deram sopapos em Hitler. Enxergo como algo natural, como uma tentativa “jornalística” (entre aspas, mesmo) de retratar fatos que marcam a vida dos leitores. Isso torna as edições datadas? Sim. Mas, ao mesmo tempo, confere a elas um caráter histórico depois de um tempo.
8) Você poderia falar para gente quais são suas obras, roteiristas e desenhistas preferidos ? Bom, primeiro vou elencar os meus autores favoritos que considero excelentes tanto em roteiro quanto em arte:
Hugo Pratt, François Bourgeon, Will Eisner, Osamu Tezuka, Miguelanxo Prado, Carl Barks, Bill Watterson, Hergé, Franquin, Laerte, Mauricio de Sousa (e dane-se quem achar que é porque trabalho com ele; o cara era genial quando escrevia e desenhava suas próprias HQs – basta ver a Coleção Histórica e as Tiras Clássicas da Turma da Mônica), Quino e Liniers. Frank Miller já esteve nesse time, mas hoje está fora. Agora, os meus roteiristas favoritos: René Goscinny, Neil Gaiman, Giancarlo Berardi, Gianfranco Manfredi, Kazuo Koike (Lobo Solitário), Dennis O’Neil, Alan Moore, Brian Azzarello (em 100 Balas), Ed Brubaker, Alejandro Jodorowsky, Warren Ellis, Garth Ennis, Brian K. Vaughan, Guy Delisle, Bill Willingham (em Fábulas). Devo ter esquecido
algum, mas é uma boa lista. Os desenhistas favoritos: Neal Adams, Milo Manara, Enrico Marini (pra mim, o melhor do planeta na atualidade e, infelizmente, pouco publicado aqui), Takehiko Inoue, Flavio Colin, Alan Davis, Uderzo, Ivo Milazzo, Alex Ross, George Pratt, Moebius, Paolo Eleuteri Serpieri, Julio Shimamoto, Samuel Casal, John Cassaday, Alex Raymond, Hal Foster, Gustavo Duarte, Danilo Beyruth, Esad Ribic, Mozart Couto, Ivan Reis, Vitor Cafaggi, Hideo Yamamoto (Homunculus), Goran Parlov (especialmente em Mágico Vento), Joe Kubert e outros que certamente esqueci. Por fim, um listão de HQs. Companheiros do Crepúsculo, do François Bourgeon: um primor de HQ, que merecia ser filmada pelo cinema. O Cavaleiro das Trevas: pra mim, a melhor história do Morcegão em todos os tempos. O Spirit, do mestre Will Eisner: pelo conjunto da obra.
Watchmen: por mostrar que quadrinhos de super-heróis podiam ir além do ponto em que então se encontravam. Ken Parker, de Giancarlo Berardi e Ivo Milazzo: pelo conjunto da obra. Sandman, de Neil Gaiman: uma das melhores séries de quadrinhos de todos os tempos. Um Contrato com Deus, do Eisner: um primor. Asterix e Lucky Luke, na fase escrita por René Goscinny. Corto Maltese: pelo conjunto da obra, mas especialmente por A Balada do Mar Salgado e Sob o Signo do Capricórnio. Lobo Solitário: a melhor HQ de samurais que li. Traço de giz, do Miguelanxo Prado: uma das melhores HQs de viagem no tempo que li. E sem fazer uso de nenhuma máquina mirabolante. Os Passageiros do Vento, do François Bourgeon: outro clássico das HQs europeias. Retalhos, do Craig Thompson: uma HQ linda que usa os recursos dos quadrinhos com mestria. Maus, do Art Spiegelman: por contar a Segunda Guerra Mundial de forma nua e crua, mesmo com bichinhos” como personagens. Não é à toa que faturou o Pulitzer. Gen – Pés Descalços: um mangá maravilhoso que todo mundo deveria ler. Calvin e Mafalda: pela genialidade num espaço tão diminuto quanto uma tira.
9) Finalmente para encerrar eu gostaria de perguntar para você qual é sua opinião sobre a editora HQM que entrou recentemente no mercado com o quadrinho “The Walking Dead” e também com o copilado de quadrinhos da editora “Valiant” “X0Manowar”. Você acha que essas publicações vão fazer bem para o mercado relativamente monopolizado dos quadrinhos no Brasil, já que essas publicações apresentam um preço acessível e um material da alta qualidade? Acho injusto falar de apenas uma editora do mercado, sendo que há várias fazendo bons trabalhos.
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ENTRE VERSOS E PROSAS
TARJAS SEM VOLTA Por Ricola de Paula
Bem perto do “Sobre Mim 11” Você pode levar um cavalo na beira do rio. Mas não pode forçá-lo a beber água. Vox Populi Dois reais é o preço da rapadura Dois reais é o valor da dentada Cem reais é o valor da amalgama Dois reais é o valor da depressão É o valor genérico do analgésico Burburinho, gritaria Diga ao povo, ganhei no bicho Tragam o cavalo e a coroa Don Pedro adorou o viagra quixote Achou seu vinho um vinagre Minha cara Leopoldilma Me gusta el chateau grafite A bandeira hasteada com lágrimas Dois reais o valor da fatia Petrobrás Tanto talento, tanto desperdício Olha que eu nem sou nacionalista como diria o cantador Viver no Brasil é muito arriscoso.
O banco de sementes Transgeniais A cova multi (Claridade) Agora sem desejos, vazio do mundo Curado da canalha dor sabotagem Aquela que pratico contra eu mesmo Esvaziei a piscina, sem adrenalina Só a vida passando por outro furo no bolso de qualquer poeta solitário (Bóia) a honestidade consignada e um clarão no lado negro da lua (farol)
Pais gigante lotado de maravilhas Repleto de história e conquistas Seu noturno 32................Sem terra Plataforma 64...................Sem terra Sem teto Falência 2015....................Sem nada celeiro de corruptos silo de agro-tóxicos resquícios de verde mata A China dos eucaliptos carvão...erosão...secura O agro-negócio operante Sojasojasojasojasojasoja dentro pra fora fora pra dentro Capineiras sem fim Desfilla o boi gordo
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O inesperado Um pedaço do meu sol particular O pacto sincero com reservas Troca justa parece permuta Qual era mesmo a moeda? Dois reais, o montante
Que á compra resulta. (As mensagens que permeiam as tarjas) sombras circundam minha falta de tempo Os fatos nascem e morrem A palavra espera que eu me salve Aos 11 anos ganhei meu primeiro dicionário Sujeito salvo sem predicados, nó cego Intransigente, boca suja, ruim de bola Até que alguém censure Sussurre Até que hoje Saussure Me conte sem rodeios de Bezouro Como é bom uma bola De sorvete de pistache Isso sim é vida life purê Balaio de línguas Se há compromisso Ou se compro missô Alento semiótico, interestelar Estético cômico comics.. véu gnoses, meio que piramidal pragmática Limalha que se desprende Do imã tensa, mais flutua Feito dióxido feito ave paina Hippienótica, depreshiva. Estaremos acordados e atados A qualquer projeto de felicidade quase imediata Fantasias eróticas granadas Enigmas, semântica Palavras e mais palavras Elegias ou alergias Contra ataque O remédio é o Jeff Ãs vezes a onda parece gigante Nada melhor como um (Cut Back) Se não O poeta ilha A sua volta um mar De símbolos Sim, bolos de palavras Repartidos a quem não Tem fome
(se não me decifras, aí que eu te devoro) O som do universo O chiado da galáxia As contrações do poema Abriga meu tudo E a todos meus Eus extras de mãos dadas com você, sim você mesmo Ainda que não quiséssemos Sem distinção, sem credo Apenas o livre amor multicor O coração, a imaginação E a liberdade da escrita Trago aqui comigo essa porção A compleição mágica Dos cinco elementos A comunhão com os mesmos A maná da montanha O néctar das abelhas Qualquer incremento psicodélico Harmorial, mitológico, discrepante Litero,clássico,besteirol, anarquista Tantra, ecologia, realista fantástico Tudo junto, pacote fechado. Qualquer semelhança com a realidade São ou foram méras coincidências Como diria o poeta Murilo Mendes a realidade é um conjunto de alienações Ou a alienação é um conjunto de realidades Serei julgado no sopro dador Nos lindes das palavras No juízo final das minhas próprias palavras.
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ENTRE VERSOS E PROSAS
CHORANDO VERSOS Por Dalto Fidencio
Saudades de ti, meu amor deposto O peito queima, o rosto cora! Saudades vão tecendo universos Mas nenhuma lágrima veio beijar meu rosto Pois um poeta lágrimas não chora... Um poeta, só chora versos! E eles vão deitar no papel Se aninham por entre as linhas Forjando a Arte na pálida folha Criando poemas tal qual cinzel Marcando fundo as palavras minhas Refém da Poesia, não tenho escolha Hei de escrever enquanto a dor sombria Da hercúlea saudade que tenho dela Continuar tecendo meus universos Sem pranto quente na lápide fria Morada agora de minha bela Pois um poeta, só chora versos! E sigo os dias, fico aqui prostrado Olhando triste o sepulcro fundo Que agora tece os meus universos Não tenho mais meu amor ao lado Ofertar-te queria, as lágrimas do mundo Mas um poeta, só chora versos!
Cura pelas artes O Mundo está enfermo E as pessoas sentem dor Em caso de dor: cante Em caso de dor: dance Em caso de dor: atue Em caso de dor: poeme-se! As artes são os melhores remédios Então siga o meu conselho... E use-as sem moderação!
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ENTRE FILOSOFIA
COMUNICAÇÕES PERIGOSAS – OU A TEORIA DO TORNIQUETE. Por Paulo Vinheiro
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belhudo que sou, andei estudando assuntos pouco convencionais para nossa época, principalmente para entender a nossa época. Certamente, ou talvez, precisarei de mais de um texto para expor algum resultado, mas é um risco que corro agora. Não gosto de textos longos. Estudo nestes momentos um filósofo e escritor, teólogo (a seu modo), irmão dominicano (os principais inquisidores de sua época), que foi chamado pelo nome de Giordano Bruno e morreu chamado (em chamas). Estou fazendo um paralelo dele com Edward Snowden, não como filósofos, mas como representações de suas épocas. A seu tempo Giordano, em suas cátedras, desafiava o poder estabelecido, intocável, absoluto, detentor de todos os direitos, detentor das consciências e que fazia valer a máxima de conquistar os corações e as mentes dos que nele acreditavam. Snowden, em seu tempo,
delatou o modus operandi (modo de operação) da maior corporação escrava (travestida de senhora) de nossos tempos. Os dois foram, assim por dizer, delatores. Nos tempos de Giordano as instituições e corporações dançavam conforme a música que o poder absoluto mandava tocar. Estados independente no papel, podiam lutar, mas sabiam que se a pressão fosse muito grande deveriam ceder. Nos dias de Snowden as coisas não mudaram tanto assim.
Um era professor na arte da retórica, do saber filosófico, nos conhecimentos da alma (ou coisas assim), o outro conhecedor de ciências ocultas da informática, conhecedor profundo das técnicas de espionagem, informações secretas, etc. Resumo: os dois sabiam das coisas. Nos tempos de Giordano não havia wickleaks, não havia Assanges, não havia a rede Onion, não havia tor, não havia CellCrypt ou Criptophone e acreditem não havia sequer torchat. Também não havia gente que se dispusesse a subir com ele na fogueira (dói muito, dizem). Sucede que com E.Snowden, mesmo não havendo lugar para se esconder, mesmo sabendo que nunca mais poderia ver o sol, mesmo sabendo que nunca mais teria amigos, este seguiu em frente, também. Giordano foi queimado como herege, Snowden ainda pode ser salvo. Segue
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ENTRE VERSOS E PROSAS
O FATOR “L“ Por Jorge Xerxes
1-Introdução “Muita vez eu caminho feliz e despreocupado pelas veredas asfálticas que compõem o teatro das grandes cidades.” O relógio cravava sete horas de um dia da semana. A única preocupação que habitava a mente de Francisco é a de que ele estava atrasado para o trabalho. Precisava tomar ainda mais um coletivo, coisa que não o incomodava, em absoluto. Exceto nesta situação específica, quando já dava por certo o comentário mordaz do chefe intransigente que o aguardava na repartição para o descarrego dissimulado de suas desilusões pessoais. Observava com atenção e respeito às figuras postadas no mesmo ônibus. O meio de transporte super-lotado era rico em significados e simbolismos da natureza humana. Francisco considerava-se, a seu modo, espécie de catedrático no assunto – não tanto devido à formação intelectual, mas sobretudo pela experiência singular ao longo da trajetória de sua própria vida. Sempre haverá o velho com seu semblante murcho pela ação ininterrupta e degradante do tempo; cabeça levemente tombada para a direita; recostada na janela. O bebê que berra alto do colo da mãe a lhe sacolejar. Desde cedo já tem nítida a noção de que se encontra num veículo popular; que as roupas esfarrapadas e úmidas de líquidos dejetos não dão conta de impedir a perda de calor de seu frágil corpo; enfim, que sua triste sina já está
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tecida às tramas do destino: ele será pobre e desprovido de oportunidades como os seus pais. Outro cara que se agarra com todas as suas forças num senso de identidade às esferas maiores da sociedade – um time de futebol, uma religião, um partido político, a compaixão por esta ou aquela tragédia presente no cardápio dos noticiários do dia, ou mesmo o logotipo na manga da camisa que lhe serve de vestimen-
ta. O ônibus faz uma curva brusca à esquerda. Francisco se segura como pode no corrimão. A cabeça do velho tomba e ele desperta de um estado letárgico. Alguns adolescentes vestidos de preto e com mochilas pichadas nas costas bradam ao motorista: filho da puta!
2- Estado da Arte
“Agradeço ao bom deus as suas dádivas e as chances de progressão na carreira.” Logo ao adentrar o recinto do escritório, Francisco se apercebeu de uma atmosfera mais leve e diferenciada do ambiente, que (na cabeça dele) era indício de boas novas! O chefe não o submeteu ao interrogatório de costume e o poupou de qualquer outra variante do constrangimento. Há tempos sua conduta vinha sendo experimentada às mais diversas facetas do relacionamento humano; suas múltiplas atividades e habilidades o qualificavam perante o competente foro de recursos humanos como emergente potencial do desenvolvimento “L”. Francisco guardava para si, mas reconhecia (humildemente) sua fabulosa capacidade. Esperava ansioso o dia do merecido reconhecimento, e a bem-vinda promoção. Era por volta das nove horas da manhã quando o superior o chamou para um bate papo amigável na sua saleta. Francisco observou a decoração sóbria, com tons quiçá soturnos, e ponderou sobre como a responsabilidade, em determinado grau, interfere na conduta e na postura humana. Pensou se, de fato, deveria ceder à tentação da ascensão hierárquica; avaliou os diferentes aspectos envolvidos (positivos e negativos): as implicações no relacionamento com os seus colegas de trabalho, com os amigos do futebol de sábado de manhã, e por fim (mas não em menor grau de importância) os impactos na família. Mas o chefe lhe apresentou uma longa lista de ar-
gumentos irrefutáveis, embasados por fatos e dados; estatísticas; desenhou um futuro brilhante em sua mente quando disse: Cara, você é “L”, tenho certeza disso! Fazer o quê? Com tanta novidade em sua vida, Francisco se viu envolto por um afluxo de esperanças como nunca antes houvera resplandecido de sua existência reles.
3-Materiais e Métodos “As novas experiências e as novas amizades são revigorantes para a elevação do espírito; imperativo para que este não se revista às so(m)bras do quotidiano.” À saída do escritório o superior o apresentou a dois homens de ar austero que estavam incumbidos de levá-lo ao seu novo posto de trabalho, noutra unidade da corporação. Eles seguiram os três numa condução bem mais adequada aos serviços e providências desta natureza. Era muito melhor que o transporte coletivo – ponderou Francisco. Os dois homens eram econômicos nas palavras, como exigiam os papéis que lhes foram atribuídos. Eram, a seu modo, cicerones a lhe apresentar as novas instalações, o seu novo escritório, as ferramentas de trabalho, o modus operandi e os seus colegas.
4-Desenvolvimento
O seu relógio marcava exatas onze horas da manhã. Francisco havia sido exposto a uma avalanche de informações e sentimentos naquela mesma
manhã. Um terceiro colega da nova repartição saudou-lhe com as boas-vindas de praxe. Este, bem menos sisudo que os outros dois, se permitia um sorriso discreto que seria capaz de dissolver as mais graves contendas. Trocaram as frases básicas das pessoas que se iniciam mutuamente em atividade simbiótica. Ele lhe ofereceu a dose de um aperitivo que Francisco sorveu sem fazer cerimônia. Apesar das notas doces, pôde se aperceber de uma reminiscência acre. Francisco, a despeito de sua humilde ascendência, tinha desenvolvido um paladar refinado. Seus sentidos se expandiram; este pediu então para ser deixado a sós em seu cubículo, por um breve instante. Era chegado o momento de repousar, organizar as ideias, tomar o feitio do tempo a seu favor. Eram treze horas quando veio um funcionário lhe chamar: o almoço seria servido. Francisco ocupava-se então de complexas atividades subjetivas que exigiam de exímia capacidade da concentração. Seguiram ambos os homens para o refeitório, que se situava próximo ao centro de um conjunto de edificações. Para o traslado, de um prédio a outro, caminharam através de trilhas por um jardim muito bem cuidado, arborizado, com um pequeno chafariz ao centro. Francisco observou que o líquido fluía de um pequeno orifício localizado à extremidade superior de uma pedra elíptica, a qual tinha a sua altura ligeiramente maior que o diâmetro transversal; a água límpida escorria sobre toda a superfície lisa da pedra (ligeiramente esverdeada pelo acúmulo de líquen); depois vinha a se acumular numa espécie de grande tigela cerâmica; fazia alusão a certo tipo de estrutura denominada lingam, que no hinduísmo é símbolo de adoração da divindade shiva e os seus vários desdobramentos. Havia ainda muitos
bancos, semelhantes a estes das praças públicas, onde alguns se refestelavam ao sol, noutros destes bancos as pessoas se envolviam em discussões interessantíssimas. Aparentemente aquele ambiente era propício às digressões intelectuais, aos exercícios da oratória, enfim, ao constante fluxo de elevadas ideias. Após uma refeição frugal (é fato que, à primeira vista, Francisco julgou as porções da mistura um tanto quanto restritivas, tendo por base o padrão alimentar ao qual ele era experimentado; mas fica aqui o registro de que, com o passar dos dias, das semanas, dos meses, ele se adaptou bem), Francisco retornou para o espaço de conferências a céu aberto – visto que à tarde de outono era favorável a estas e outras práticas.
5-Resultados “Imagine sua vida como um filme que será repetido infinitamente pela eternidade afora (algo como aquilo dito por Jim Morrison numa de suas performances ao vivo à frente da banda estadunidense The Doors). É bom se assegurar de que bons eventos estejam nela contidos; para a validade da experiência.” Assim se deram as coisas e Francisco terminou por consolidar laços de frutífera amizade com muitos de seus companheiros. O quotidiano é catalisador dessas relações interpessoais. Aparam-se as arestas. Faz do homem (ou da mulher, que seja) um ser humano melhor a cada dia. Contamos uns com os outros. E a vida segue adiante, devorando os vivos. As bactérias consomem a matéria orgânica, física, palpável. Mas restam as ideias, as realizações, estes laços são de fato mais duradouros – alguns dizem até eternos, mas não me ouso a tanto. Verdade é que o cadáver de hoje amanhã será
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húmus, posterior alimento aos vegetais, que se emaranham em complexa cadeia do ciclo alimentar entre as espécies. E quem garante que você não almoçou hoje Napoleão Bonaparte (ou Marylin Monroe)? Se for Adolf Hitler, cuspa! Antonio era o amigo gago que fazia às vezes de um mudo. Tinha vergonha de sua triste condição re-re-re-repetitiva. Se alguém que não fazia parte do círculo dos iniciados em “L” lhe perguntava alguma coisa, certamente ele não ousaria responder. E neste caso, se por ventura a imaginação do interlocutor o levasse a pensar que Antonio era surdo, este se zangava profundamente. E era fim de discussão. Apesar de tudo, Antonio era boa pessoa, tinha um bom coração e era querido por todos. Expressava-se à sua maneira, através dos gestos ou magníficos pictogramas, posto que não fora letrado. Dizem que Jacinto fora um dia escritor de exímio talento e reconhecido no meio literário, guardadas as devidas proporções. Um futuro promissor desenhara-se frente aos seus olhos. Mas reza a lenda que certa indisposição ocorrida há anos atrás com uma colega politicamente influente acabou por levar sua reputação à lona. Tratava-se do tal “incidente do laticínio putrefato”, o qual ninguém sabia exatamente as causas. Era como uma dessas estórias sobre as quais se conhece apenas um único lado da moeda (ou a face negra da lua). Jacinto recusava-se terminantemente a discutir o assunto – que Jorge achava relevante para o seu amadurecimento – entretanto entre aqueles círculos dos iniciados na “L” ele fazia às vezes de um bom orador, e era bem-quisto contador de causos. Apesar da atração irresistível pelo álcool e às drogas. Natália estava sempre ao piano. Tinha certa predileção por este instrumen-
to musical, embora fosse proficiente em vários outros deles, incluindo aqueles de sopro e de corda. Noutros tempos fora uma carreirista de orquestra mundialmente afamada. Era reconhecida pela técnica apurada, embora recebesse retornos negativos dos críticos com relação às limitações do sentimento que provinham de sua arte. Ao longo dos anos Natália foi aprimorando gradualmente suas habilidades como música experimentalista – elevada a um patamar do conceito inovador-progressista. Era capaz de performances de mais de cinco horas, tocando apenas com os dedos dos pés as obras mais complexas de Wolfgang Amadeus Mozart ou mesmo as de Sergei Vasilievich Rachmaninoff. Atualmente dava preferência ao seu círculo de amigos e apreciadores “L” aos quais ela presenteava com solos longuíssimos – verdadeira virtuose – como os discursos do saudoso Fidel Castro (que deus o tenha). O trabalho deles era basicamente intelectual e imperava a máxima do livre arbítrio. Todos eram tratados com a merecida dignidade dos afortunados pela “L”. Considerados responsáveis por seus atos, escolhiam o número de horas diárias de dedicação aos desenvolvimentos e tinham plena liberdade de se aprofundarem neste ou naquele projeto – o que julgassem mais promissor e relevante, dentro de certo contexto. O complexo de prédios abrigava pouco mais de duas centenas de colaboradores “L” e aproximadamente uma centena de outros, que era responsável pela manutenção das instalações, garantia das condições mínimas para os trabalhos, a alimentação e a gestão de tudo aquilo que fosse produzido ali. Francisco queixava-se apenas da jornada puxada, visto que todos eles eram mantidos internos, com as vi-
sitas apenas dois finais de semana ao longo do mês. Não era coisa pra qualquer um! Jorge era uma espécie de mentor intelectual dos “L”. Aparecia umas três ou quatro vezes por mês, nunca no mesmo dia da semana, porque era sabidamente um homem ocupado. Passava boa parte do tempo em Brasília, resolvendo complexas questões da “L” no âmbito nacional. Mas sempre que estava por aparecer por lá, a notícia logo se espalhava. Os saguões eram limpos e aos companheiros era recomendado botarem as suas melhores roupas. A refeição seria, certamente, a mais farta da semana. Jorge apreciava passear livremente pelos jardins e acompanhar pessoalmente a evolução dos trabalhos. Vez por outra, chamava algum dos especialistas na “L” para um bate papo mais informal, no seu amplo escritório.
6-Conclusão “Aqui eu me entendo com as pessoas. Noutro tempo eu era dado às bravatas e às intransigências. Enfim, não me adaptava aquela ordem de coisas.”
Via de regra, Francisco sentia-se feliz e realizado no sanatório. Para ele a “L”oucura não passava de outra forma de percepção da realidade. Ele se dava bem com os outros “L”oucos.
ENTRE CULTURA
A HISTÓRIA DO HAPKIDO Por Fabio Jacinto
O
Hapkido vem se difundindo em todo o planeta de forma acelerada devido aos seus processos de melhoria na saúde de seus praticantes, também pelo que diz respeito ao desenvolvimento interpessoal e intrapessoal, o Hapkido ensina o praticante a se defender e a utilizar suas habilidades naturais não dependendo de toda a comodidade que o desenvolvimento tecnológico oferece, muito pelo contrário fazendo com que o praticante mantenha o corpo, mente e espírito mais saudáveis podendo assim cumprir sua missão na Terra seguindo o seu caminho com equilíbrio, serenidade e conhecimento. O Hapkido é a Arte da União (Hap), quem quer brigar já rompeu sua ligação com o Universo, pois quem tenta dominar as pessoas já está derrotado, “não lutamos para vencer, nós lutamos para que não sejamos vencidos, pois estudamos como resolver o conflito e não como inicia-lo”. O Hapkido é conhecido por suas técnicas de Projeções, Torções das Articulações, Chutes, Socos, e Técnicas de Ataque Livre que agem nos Pontos Vitais do Corpo Humano, diversas Artes Marciais são concentradas na Força dos Músculos o Hapkido não necessariamente, pois consiste em se livrar do adversário sem confrontá-lo desviando o ataque e desequilibrando já finalizando a agressão eliminando assim a possibilidade de conflito, são movimentos que se utilizam principalmente da Energia Interna (Ki) baseados em nossa Filosofia de não resistência, pois é importante ressaltar que o Hapkido é uma Arte Marcial, ou melhor, é um Estilo de
Vida, uma Filosofia Oriental para o desenvolvimento Espiritual do praticante em seu Caminho (Do). O Fundador do Hapkido foi o coreano Yong Sul Choi que nasceu em 1904, época em que o Japão dominara a Coréia, nesta fase as Artes Marciais coreanas foram proibidas de serem praticadas. Quando criança Choi viveu na província de Chung Buk – Coréia, mas aos três anos de idade um senhor chamado Morimoto, um comerciante japonês que morava na Coréia e não tinha filhos, raptou Yong Sul Choi e o levou ao Japão, mas Choi assustado chorava muito e o Sr. Morimoto o abandonou em Moji e Choi foi caminhando até Osaka onde foi levado pela Polícia local e as autoridades percebendo que aquela criança não tinha família no Japão a levaram a um Templo Budista sob os cuidados de um Monge chamado Wadanabi Kintaro. Choi era fascinado pelos Murais e Pinturas que retratavam Batalhas e famosas cenas de Artes Marciais que decoravam o antigo Templo Budista, o Monge Kintaro notando tamanha adoração conseguiu a apresentação de Choi a um amigo chamado Sokaku Takeda que veio a adotar Choi e lhe deu o nome japonês de Asao Yoshida, nesta época Choi tinha cerca de onze anos, Choi ou Yoshida, acompanhou seu Mestre por mais de trinta anos. O nome Hapkido foi criado por um aluno de Yong Sul Choi, seu nome é Ji Han Jae por este motivo, muitos nos dias de hoje atribuem a Ji Han Jae o mérito da fundação do Hapkido o que é um grande equívoco que pode ser facilmente explicado, pois é importante lembrar que Ji Han Jae foi aluno de Yong Sul Choi e na verdade além de criar o nome Hapkido fez um ótimo trabalho de divulgação de nossa Arte principalmente por ter contracenado com Bruce Lee no filme O Jogo da Morte.
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ENTRE VERSOS E PROSAS
WILSON GORJ E TONHO FRANÇA Eva angélica? Não. Deusa pagã. Quem dera dos seus longos cabelos eu ser pente: comamos a maçã. [ gORj ]
PAIXÃO INSONE
De tanto pensar nela, perdia o sono. Suas noites em claro tinha mesma origem: Made in Sônia. [gORj]
OTIMISTA INCORRIGÍVEL
Morrer? Nem pensar! Deu três pancadinhas na madeira... do caixão já coberto de terra. [gORj]
Wilson Gorg e Tonho França são editores da Penalux, parceira da Revista Entrementes. Possuem experiências no mercado editorial publicando autores de qualidade e expressão, valorizando a literatura nacional. “Uma editora sem outra pretensão senão a de editar e publicar bons livros. Livros que iluminam. Compartilhe desta chama”. Site: http://www.editorapenalux.com.br/ Loja: http://editorapenalux.com.br/loja/
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Ilha Por Tonho França
Você vem a passos largos Em uma das mãos o vento Na outra, o quadrante perfeito do tempo. Nos olhos um tom de mel, sem culpas, sem flores No peito sangram nuvens de dores. E como prece murmura o amor E goza entre salmos e anjos Depois, calada, em lágrimas ora. Enquanto meus versos inquietos Desnudam a aurora E riscam o céu num tom de vermelho-pecado Sou ilha cercado de você por todos os lados.
ENTRE VERSOS E PROSAS
DEVANEIO Por Milton T. Mendonça
A
manheceu. Fiquei observando a escuridão da noite ser vencida pela luz do novo dia que nascia. Luz, pensei, olhando a cidade lá embaixo ainda iluminada pelas lâmpadas colocada uma próxima a outra, que da minha varanda, em cima do morro, fazia parecer lâmpadas de natal. Uma fieira delas iluminando as ruas. Corri a vista e observei no horizonte toda a metade da cidade que podia ver. Todo o centro de Juiz de Fora. Bonita. Imponente. Com aquele jeito de interior que eu gosto muito. A luz transforma a escuridão ou apenas a faz invisível? Pensei de repente num lapso. A escuridão continua lá espreitando. Esperando o momento certo de se tornar visível outra vez e com o poder restaurado exercer o seu mistério. Sacudi a cabeça surpreso. - Pensamento mais fora de hora! Exclamei alto. O som de minha voz me trouxe de volta daquele vão atemporal onde me enfiara e percebi o barulho dos animais silvestres que tanto me encantava. O jacu sentou no topo da árvore próxima e fiquei paralisado olhando-o surpreso. Tive medo de assustá-lo e vê-lo desaparecer. Ficamos nos observando curiosos. Seu olhinho girava ligeiro e, vez ou outra mudava a posição da cabeça para poder me olhar com o outro olho. Após um tempo cansei de observá-lo. Fiz um movimento brusco e ele apenas ergueu mais a cabeça. Não tinha medo. - Bom dia! Sorri para ele. Seja bem vindo! Esticou a cabeça, mas não disse nada. O galo cantou pela enésima vez e na luz tênue pude ver logo abaixo o casal de patos e as galinhas procurando sua
primeira refeição. O brilho prateado chamou minha atenção e olhei para o cerro á minha frente em tempo de ver o primeiro raio de sol aparecer em seu cume fazendo brilhar o metal das antenas fincadas firmemente na sua encosta. O dia nascia belo Grandioso Cheio de esperança. Senti vontade de dançar. Lembrei-me de Hermann Hesse e seu deus Abraxas que somente atende seus adeptos nesse momento onde a noite ainda não se fora totalmente e o dia ainda não se firmara plenamente. - É preciso dançar. Sorri com a ideia. A imaginação do homem é muito louca. Existe tanta fantasia, tanta criação mirabolante sobre tudo que é difícil discernir a verdade sobre qualquer coisa. É uma nuvem de minúsculas ideias que, de vez em quando, de surpresa, se joga sobre mim e me deixa sufocado quase sem ar. Mas é isso que nos diferencia, que nos faz ser o que somos. Sem a ima-
ginação seríamos como os macacos. Teríamos uma cultura rudimentar e talvez ainda fossemos peludos. Porque somente a inteligência não nos traria onde chegamos. A inteligência é o fogo que molda mas a imaginação é o impulso que cria. Criar. Esse é o verdadeiro dom. É esse dom que nos aproxima de Deus. Que nos faz parecidos. Que nos faz deuses O sol se aproximou vagarosamente de onde estava e acompanhei perplexo o limite que separava o dia da noite se estreitando até desaparecer passando por cima de mim e desaparecendo de vista. Olhei as horas. Faltava pouco para seis. O cheiro de café chegou as minhas narinas. Os vizinhos se aprontavam para mais um dia de luta. Espreguicei-me esticando o corpo e estirando os músculos relaxando os nervos e fui fazer o meu café. O dia prometia ser de grandes vitórias.
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ENTRE VERSOS E PROSAS
A BICICLETA Por Ronie Von Rosa Martins
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ão. O tempo não estava no movimento. Ele pensava. O tempo estava na bicicleta. Imóvel encostada ao muro. Sim. O movimento era apenas ilusório, o tempo era além dele. Era imobilidade. Sim. O muro estático e a bicicleta plantada em suas costas. Sustentação tácita. Amparo. O verbo já não existia. O verbo era distância. De fundo o azul chumbo de um céu imóvel como o tempo. Assim como ele. Estático. Os aros da roda já não deliravam pelas estradas, mas uma massa de tempo enlouquecida se embrenhava imperceptível por eles. Silencioso enroscava-se no metal da bicicleta, retorcia-o. E ele percebia. O tempo estava. Antes do movimento. Antes do verbo. Antes da representação do movimento. Antes da representação da fala. Ele. Os pensamentos tentavam se constituir, mas a densidade temporal era antI-constitucional, e os pensamen-
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tos e também os sentimentos mesclavam-se em mechas de tempo e no metal da bicicleta e no barro do muro e na carne que era dele. Então chorou. Silenciosa a lágrima percorreu pele e carne e porosidades e espaços e lembranças. E fez-se memória e apagou-se-extinguindo-se no silêncio da terra. E não houve outra.
Só a bicicleta muda. E dizia tanto. E gritava tão alto. E o muro permanecia além do próprio muro, visto que agora era lembrança. E também a bicicleta. Verde. Não o muro. Este cinza e velho. Como ele. Cinza e velho ele percebia o tempo, e a bicicleta e o muro. E se tudo era símbolo. Era ele símbolo. Fechou a mão lentamente e pode sentir o tempo pulsando dentro, e afundar-se na carne e mergulhar pra dentro do corpo. E tudo pulsava e tudo era quente. Tudo era quente no silêncio da bicicleta. O movimento já não era necessário. Assim como o muro resolvera ficar. Coisificar-se no tempo. Plantar-se. Achava que os outros viam por janelas. Ele via fora de casa. Via tudo. E tudo era a bicicleta e o muro. Não havia ilusão, não havia ângulos, só a bicicleta e o muro pendurados no tempo, emoldurados no tempo. De onde estava ainda via os rostos pálidos das gentes que passavam pelas janelas. Viam a delimitação da janela, o limite do olhar e a ilusão do movimento. Não viam nada. E foi tudo o que viram. Todos eles: Um velho sentado em frente a uma antiga bicicleta escorada a um muro ainda mais antigo que o velho. E só.
ENTRE VERSOS E PROSAS
EU?
Por Gustavo Terra
Não sou o que de carne aguda se revestem as tribos nem árido sopé em edifício que se implode Não sou chama ave poste ou vendaval nem máscara do que me imagino Não sou oito nem oitenta nem a pátina gris de quarenta voltas frouxas em torno do sol em rotas de espera vã entre fé cega e dúvida e fuga em quimeras Não sou o que pinto em murais de efemérides ou esgares de desencanto Não sou nada do que me avulto ou do que me abandona nem mesmo o improviso em que me equilibro ao ouvir meu canto
que não é meu tem a minha cara Não sou o vulto que a vista alcança que a fala fala e a noite excreta Não sou grande coisa nem coisa alguma nem o iluso desejo que em mim amadurece como rio que brota e se busca e mais se perde em se achar Não me sustém a nobre vontade se é vago o fruto do intento e uma ilha ao longe a saudade do fim do tempo O que me molda é a sombra do que não fui a verdade que ainda não vi o sonho de quem não sei quem sou.
OBJETIVOS Por Nunes Rios
Ainda não cheguei ao Himalaia Nem a Veneza E nem mesmo a Patagônia Já li um cume de livros Mais ainda os meus pensamentos, tão quentes e com pouco raciocínio. Não escrevo aquilo que quero. Aquilo que vejo não me agrada. Quero comer ratos assados com os índios peruanos. E mascar folha de coca nas altitudes da Bolívia. A liberdade é tão doce! E por que será que vivo tão preso?
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ENTRE VERSOS E PROSAS
ENTRE MARES E MARÉS: Conversas Epistolares (Parte I) Por Luisa Fresta e Germano Xavier
Viana? Sei que ficarás surpreendido com este primeiro recado. Nem ouso chamar-lhe carta. Sabes, a bem dizer, não escrevo uma desde os anos 80. Apenas notas, palavras dispersas, ideias caóticas amarradas à força umas às outras, letras ao vento. Mas não uma carta no sentido de relatar minudências, trivialidades, falar de coisas que só para mim têm algum relevo e que talvez te despertem também a atenção. Tu tens olhos de ver e não te ficas pela superfície. Ontem, por exemplo, surgiu aquele menino, do nada, quando eu voltava para casa. Ele teria quê, uns 6, 7 anos, chegou a correr, esbaforido, e perguntou: “Como é que te chamas?”. E eu disse. Ele respondeu então: “Eu te conheço”. O menino disse depois que se chamava Evandro (ele tem uns olhos castanhos fantásticos, curiosos e espantados, Viana). Perguntei pela mãe, pelo pai. “A mãe está ali”, e o menino apontou com o braço esticado para uma direcção improvável no meio da multidão, dos carros, das pessoas que passavam com compras. “Mas não tenho pai”. Eu queria saber mais sobre esse pai que ele não tem, queria dizer-lhe que não se afastasse
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da mãe. Entretanto tocou o meu telefone e afastei-me, dizendo-lhe apenas para estudar, estudar muito, estudar sempre, para se portar bem. Quase como se isso substituísse esse pai que não tem e que não o tem a ele. E que não sabe certamente o que perde: um menino meigo de olhos castanhos e um tempo irrecuperável, pois como dizia o Vinicius, “O tempo do amor é irrecuperável”. Eu voltei para casa pensando que um dia destes encontro por aí o Evandro, já formado, carregando responsabilidade nos gestos. E ele nem se vai lembrar de mim, mas eu vou ficar contente por ele. Que mais te posso dizer? Voltei a estudar, num registo paralelo e horizontal, carregado de espontaneidade. Estou a aprender outra língua. As que tenho já não me chegam para te falar e te contar estas coisinhas miúdas que tornam os dias importantes. Chegam para o discurso formal, académico, para os relatórios, mas serão suficientes para comunicar? Estou sempre à procura de novas ferramentas. Nestas aulas encontrei um povo feito de muitos outros numa terra que incendeia e onde as canções pedem chuva. São
uns pontinhos no mapa, no meio do oceano. Dizem que é um país e eu acredito. Por ora quero apropriar-me da língua e fazer dela minha também. Quando descobrir mais sobre o assunto eu digo de que língua se trata, ainda estou a sentir-lhe o gosto. E tu, caro Viana? O que me contas? Amanhã é o dia 25 de Abril. Lembro-me daquela canção do Chico, Tanto Mar, em que ele canta aquela estrofe: Lá faz primavera pá/ cá estou carente/ manda urgentemente/ algum cheirinho de alecrim. Conheces? Eu mandava-te um cheirinho de alecrim, se pudesse, agora mesmo. E tu mandavas-me um bocado de esperança e dessa maneira de olhar a vida com olhos da cor do sol. Será que é mesmo assim ou é ilusão nossa? Eu quero saber de ti, dos teus dias. Como são, mas sobretudo como tu os vês. Um beijo, por hoje é tudo, embora pareça quase nada, é um pouco do muito que tenho para oferecer. Tenho um monte de factos e afectos para arrumar, engavetar, etiquetar, reciclar. Trabalho, compras, família, mais trabalho, rotinas e algumas divagações pelo meio. Agora eu vou, mas volto. Fico à espera do correio, Outro beijo Clara Lisboa, 24 de Abril de 2015 Clara, Bonito isto de escrevermos a vida, à vida. Cartas, assim no mesmo-delas, são realmente difíceis artefatos nos dias de nós-agora. Mundo tão de produzir-resultados-para-já, não é? Por minhas mãos, também elas, recordo apenas nos meus anos de menos idade. Somos, pois, assim nos sendo em
cima das recriações cotidianas, criadores de uma órbita particular de observação incomum do mundo. Ainda hoje lia algo sobre o que é ou não ficção, e a autora Ivete Lara Camargos Walty nos diz que “criar é propor novas ordens, novos sistemas de pensamento, novas maneiras de ver o mundo; logo, a criação ameaça a ordem instituída, as bases em que a sociedade se apoia”. Somos a partir desta primeira troca, criadores, criamo-nos. É bem o que ela frisa, concorda? Portanto, por sermos e pensarmos como pensamos, isso de poesia quase-sempre, somos também perigosos, pois andamos raspando a margem dos padrões do viver impresso a todos e não nos subordinamos facilmente às ordens da produção pela produção. Sei que pensas assim, mesmo sem saber se de verdade, mas seremos sempre de admitir as belezuras da fantasia, até porque nem só a realidade existe. Ultimamente, estamos tão perplexos com o cotidiano amórfico em que vive a maioria de nós, que acabamos sendo parte do todo também, até mesmo quando fugimos em disparada. Como escapar daquilo que nos açoita e que, ao mesmo instante, apresenta-nos invisível e onipresente? O tempo do amor, da alegria, da felicidade clandestina, do coração selvagem, o tempo ponteia tão esparsadamente os nossos dias velozes. Sem tais tempos, o que somos? O pequeno Evandro irá crescer e o que a vida lhe dirá, e o que a vida lhe fará? E saberá ele viver com sabedoria o tempo disponível? E nós dois, Clara, o que estamos fazendo de nossos tempos de rebeldia, de liberdade, de bondade, de significados? Irrecuperável é a dor de ser feliz pela metade, a mágoa do ir com medo para o lugar desejado, o desgosto do passo lento, o amarelo dos sorrisos tristes. Toda mancha altera o ponto onde ela se instala. Para eliminá-la, mobiliza-se o
ponto de amparo. Enfim, Evandro irá crescer e escolherá entre viver a ficção ou a realidade – e será mesmo que temos a capacidade ou a faculdade de fazer tal escolha? Deixo a questão em aberto Aqui está tudo em paz. Ou talvez a paz simplesmente tenha dado uma trégua a ela mesma, deixando-me num estado de incerteza copiosamente intransponível. Choveu bem durante a madrugada. Amanhã deverá continuar assim, úmido. Já te falei que adoro chuva, nuvens carregadas, trovões, dias frios e afins? Já até imagino sobre quais objetos de língua debruçam seus olhos ardentes pelo saber, Clara. Acho incrível e quero suspeitar mais destas suas paragens de observância-vivência. Ao passo que se forem dando as novidades, deixe-me a par. Sobre os Cravos, sei quase nada, só em parcas leituras, tinta de uma demão apenas. Conte-me mais sobre este episódio, por favor. No olhar do ser-autóctone a coisa sempre ganha outros tons. Interessa-me tanto. Ademais, entre meus medos, examino meu dicionário atroz. Volto ao começo desta missiva. Faço: o que é mais
Imagens de Cristina Seixas.
ficção por aí, Clara? O que é mais realidade? O que faz de você mais rígida? O que permite a você ser fluidez em auroras tão insípidas? O que fazes de melhor para fugir das gaiolas? A gente volta. Vai daqui meu carinho. Viana Planeta Pernambuco, País de Caruaru, 03 de maio de 2015. *** Clara e Viana são dois amigos de longa data que se redescobrem e desenham o mundo à sua volta pelas palavras que encontram, que constroem e que usam para pintá-lo. (De longa data em face da finitude da vida, recentes diante da imensidão da eternidade). Mas, que importa isso? Eles propõem-se descobrir dois universos complementares, sem artifícios nem maquilhagem, para além das máscaras habituais, as que protegem o ser humano da solidão e das agressões. Clara e Viana são dois heterónimos, duas personagens que ganham vida através do tempo, do ritmo da palavra e do sabor dos respectivos sotaques. Luísa Fresta e Germano Xavier dão vida a este projecto.
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ENTRE VERSOS E PROSAS
ALMA DE CICLISTA Por Teresa Bendini
Minhas asas de pássaro, de anjo, são pedais. Da bicicleta nascem minhas asas e um sonho a mais. Sonho que sou chuva mansa, molhando vales e arrozais.
Sou anjo de bicicleta. Rasgando a terra o pneu gira, esfolando-a. Até fazê-la em carne viva. Meu berço é tudo. É viva Terra!
Bicicleta Sou livre em ti! Cavalo alado, metálico. Solta meus freios, meus braços. Livra de mim o cansaço. Entrega-me às nuvens, enfim.
Da bicicleta, solto os meus braços, meus raios, meus ais. Da bicicleta vejo os versos dos poetas. Na bicicleta minhas asas são meus Minha vontade de ser longínquo talvez Flores tão simples e raras, olhos. nunca mais. que as cumprimento. Sou folha ao vento, E às cigarras. flor ao relento e molho. Sou da estrada o que é mais alto. Um pensamento que comunga e cresce. A elas entrego meu tempo. Da bicicleta sei da alma dos poetas Até não ter tamanho. Porque quero morrer e com ela, só com ela, Até ter todos os tamanhos. com a música que ouço. olho. Até ser prece! E a música que ouço é tudo. É berço que embala meu corpo. Tenho o olhar que vê além, porque tem Da bicicleta, elevo-me. Explodo. asas Grito meu transe, meu nome. Minha pele? Dei às cigarras. Olhar que voa ligeiro. DEUS! Sou anjo e já não morro. E lá do alto, Teu nome é meu nome. vê o mundo inteiro, Minha oração primeira, canção de Bach. Vejo raparigas rosadas e divertidas. ficar menino. Jesus, alegria dos homens. Como as roupas dos varais Menino, como meu amor. Sou Cristo menino de braços abertos. Coloridas Brincando no vento, São ágeis como o vento Então o vento desperto. que toca suas roupas, e as faz quase me pega no colo. nuas, E assobia uma canção que nina, Metal brilhante. a correr dos temporais. do menino, a dor. Cavalo alado, metálico. Meu trampolim. Vejo bois deitados na estrada. Sou anjo de bicicleta. Lança meu corpo em céu aberto. Mugido longo, mais nada. Meu berço é tudo. Me faz Serafim. Vejo bem-te-vis. E tantos outros passarinhos, que quero ser seus ninhos. Para tê-los em meus braços. Vejo jabutis. E pequenas cobras que atravessam o caminho. Eu as abraço, embalando-as. Num berço feito de canção. E eu quero mesmo é ser menino. Ciclista, jabuti, bem-te-vi, coqueirinho, chão.
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ENTRE VERSOS E PROSAS
PENSAR PALAVRAS OUSADAS... OUSAR PALAVRAS PENSADAS! Por Elizabeth de Souza
E
ssa foi uma das frases mais bonitas que já “pensei”. Um despertar de coisas impensadas que ficam dentro da gente só esperando o momento para rebelarem-se. E saem quase intactas, quase inteiras, quase formatadas, quase definidas, totalmente desenfreadas, ainda assim profundas e intensas. E pergunto: por que isso acontece? Catalizadores? Sem você aqui do meu lado oposto isso não se daria da mesma forma... Esse foi um momento único, sem igual. Parece-me tão irreal... Uma ilusão de que somos reais. E essa realidade virtual, outra dimensão da Natureza, fez-me encostar em seu mundo mental, num acaso que não existe. Estaria você vagando, assim como eu à procura de si mesmo? Estaria você divagando, assim como eu, sobre si mesmo? E os seus pensamentos, tão intensos quanto os meus, atraíram-se na mesma proporção! E nesse encontro, um susto e uma constatação. Um suspiro e um prazer. Olhar-se no espelho em busca da própria imagem real e semelhante. E o que se vê do outro lado, ultrapassa o entendimento e incrementa um desejo latente e incompreensível de VER. Estamos imitando o real? Ou é o real que nos imita para se distrair e brincar com a gente? Cobaias de quem? Externamos sensações em forma de pensamentos e esses, carregados de emoção e sentimento, escorrem pelo plasma fatalmente, letalmente e letralmente. Letal-mente... Letral-mente! Temos uma mente letal, fatal ou letral?
La reproduction interdite, Magritte
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ENTRE VERSOS E PROSAS
FÁBRICA DE SONHOS Por Charles Lima
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pós uma boa cochilada, assustado ficou com a buzina de um caminhão que passava ao lado. Abriu a janela timidamente, pois o vento era forte e avistou grandes chaminés expelindo fumaças e um aglomerado de pessoas em frente a uma portaria. - Motorista, por favor, pare aqui mesmo! O motorista com um sorriso maroto, de soslaio olhou o cidadão: “Mais um retirante! Esse pelo jeito é Paraíba, abestado com a cidade grande”. Saltou do ônibus com uma mala pequena de duas cores: marrom e branco. Trazia três mudas de roupa, uma sandália, um pedaço de rapadura, uma lasca de carne de sol e os documentos embrulhados num jornal. O frio da pista assustou-o, com os olhos em lágrimas se benzeu e pediu proteção a Padre Ciço. No coração trazia esperança, porém o medo lhe apertava a garganta e, quando pensava nas crianças, uma força doutro mundo lhe tomava o corpo. - Próximo! - Disse o homem da guarita. - Naturalidade? - O quê? - De onde veio?
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- Pernambuco. - Olha gente! – e virando o pescoço para trás - Esse não é Paraíba, é Pernambuco. - E todos riram. Acanhado, nada disse, precisava do emprego. - Mas qual a cidade que nasceu? - Sou de Cabrobó! - Como? - Cabrobó! - Seus documentos? - Aqui estão? - Diplomas de estudo? - Tenho não, senhor! Mas sei ler, escrever e fazer as quatro contas! - Espere ali! - Apontou o guarda para a direção onde estavam umas dezenas deles. Num canto observava e aguardava em silêncio. Mas o sotaque deles aquecia-o. Era sua gente. No teste se saiu bem. O encarregado disse ao ouvido do supervisor: - Aquele cabra ali é bom de trabalho. - Amanhã cedo, vem preparado, vai trabalhar uma semana na máquina três pra fazer o teste. - Disse o encarregado, enquanto lhe entregava a carteira de trabalho.
Na porta da fábrica, não aguentou e caiu em prantos no tempo certo, pois àquela hora já passava da hora de arrumar um pouso numa cidade grande. - Como é o nome mesmo dessa cidade? - São José dos Campos. - Disse um sujeito no ponto de ônibus. “Que o Santíssimo Nosso Senhor me abençoe, pois esse santo é o que traz chuva no sertão, que molha a terra que nos dá o sustento”. - São duzentos cruzeiros que se paga mensalmente. O almoço é a parte. O banheiro é comunitário. Era tudo que tinha no bolso. Deixou metade ali. Na pensão só tinha homens. A maioria nordestinos. Naquela noite, nada falou devido ao cansaço, comeu um chamado virado à paulista e dormiu. Acordou junto com o dia, se apressou e saiu. General Motores era o nome da fábrica. A semana correu menos pra ele, que após a janta, já deitado via as horas passarem num ritmo lento, e com a perseverança nordestina num pedaço de papel à beira da cama escreveu: “Zenira, se Deus quiser e nosso senhor permitir vou conseguir”. Beijou e guardou dentro da mala. No domingo foi sua folga. Acordou no mesmo horário dos outros dias, colocou a sua terceira camisa, a de passeio, engomou o cabelo, e saiu atrás de uma missa, agradecer sim, mas principalmente pedir a Deus aquela vaga tão desejada. Depois andou pela cidade. - Moço, por favor, onde é o mercado municipal?
Estava à procura, pois na pensão lhe falaram que lá tinha uma casa do norte. Deliciou-se com um sarapatel regado à pimenta malagueta, arroz e couve, e com um mungunzá adoçou a boca. O prazer foi tanto que até pestanejou à tarde. A segunda se iniciou com uma manhã gelada. Os homens aos poucos iam surgindo atrás dos postes cobertos pela neblina, com seus gorros protegiam as orelhas. O silêncio no ônibus era de sono.Às seis e meia, o guarda disse: - Bom dia, quem eu chamar fique do meu lado direito, o restante está dispensado. - Eufrazino Rebouças Aquino, Juraildes Tomaz Porfírio, Agamenon Lima e Silva... Seu coração pulsava na boca, suas mãos estavam geladas. - Gersino Ranulpho Ramalho. Era o seu nome. A felicidade foi tanta que agradeceu a Deus ali mesmo e pensou em Jeremias, Zaqueu e Marivalda. O ano era de 1968, ano difícil para o país. Aprendeu muito bem o serviço. Onofre, o encarregado, tinha zelo por ele. Conseguiu respeito e confiança. Fez curso de torneiro mecânico, fresador e ajustador de máquinas. No mesmo ano, trouxe Zenira e as crianças. Em cinco anos comprou uma casa meia água no Jardim Paulista. Criou os três filhos, que se consideram joseenses. Na sala de casa tem três imagens: do Nosso Senhor Jesus Cristo, de São José e ele na frente da máquina três. Agora é verão de 1973. A temperatura está em torno de 38º.
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ENTRE TRILHAS E VIAGENS
IMPRESSÕES DE VIAGEM A QUATRO MÃOS Por Elizabeth de Souza e Reinaldo Prado
Viajar e Compreender Por Reinaldo Prado
Um filme com Jack Nicholson e Morgan Freeman – “Antes de Partir” - onde os protagonistas têm apenas alguns meses de vida e resolvem vivê-los da melhor forma possível, lançando mão de uma lista de coisas para serem feitas e lugares para serem visitados. Uma lista que não pode mais ser adiada. Certamente nessa lista seria incluída a região de Visconde de Mauá, encravada no alto da Serra da Mantiqueira, nas divisas dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, margeada ao sul pelo Parque Nacional de Itatiaia. Uma região privilegiada pelo clima ameno, permeada por serras e vales, montanhas e cachoeiras de águas cristalinas - muitas cachoeiras.
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ma região acessível apenas por estrada de terra. São 27 quilômetros em estado precário e bonita, com vários mirantes de onde se avistam as cidades de Resende e Itatiaia lá embaixo, bem pequenininhas. Uma estrada para ser percorrida devagar, sem pressa. Alias, há um projeto na Assembleia Legislativa do estado do Rio de Janeiro para transformá-la em estrada parque. Apesar do congestionamento de automóveis, fumaça e poeira levantadas ao passar nas estradinhas para ir-se as cachoeiras, uma multidão que se aglomera no pequeno centro nervoso de Maringá, uma polui-
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ção visual com as muitas placas dos estabelecimentos anunciando seus produtos, as cidades de Visconde de Mauá, Maringá e Maromba não perdem o seu clima bucólico e convidativo ao descanso junto à natureza. Os atrativos principais deste oásis brasileiro são o verde e a água. As suas águas cristalinas recém-brotadas das pedras e o verde da pouca floresta atlântica existente e o ecossistema de altitude estão ameaçados. Eles vão dando lugar às inúmeras pousadas, que para o conforto dos turistas dispõe de lareiras onde queimam madeiras dos matos próximos – poderiam essas pousadas pelo menos fazer uso de madeiras de reflorestamento como o eucalipto por exemplo. Relaxar curtindo os sons dos pássaros, caminhando entre o verde e tomando banho de cachoeiras, é o que atraí a maioria das pessoas para essa cidade. Além de o prato principal na maioria dos restaurantes, ser a truta fresca, que tem preço médio de R$ 11,00. No restaurante água na boca o atendimento foi bom e a truta estava bem preparada. O que mais está presente nas ruas estreitas de Maringá e Maromba são os muitos cachorros - de vira-latas pequenos a dálmatas enormes. Eles fazem festas entre si e não estão nem aí com as pessoas. Mas não estão magros e feios como os cachorros que avistamos em outras cidades pelo Brasil, pelo contrário, tem a aparência boa.
Está aberto até a hora que se fecha Por Elizabeth de Souza
Interessante frase à porta de um lugar que transforma a realidade: Persona!
Persona, a máscara grega que esconde a verdade, mas não a descarta, tornando-a sutil e simbólica. É a arte que se expande num grande espelho, deixando a vida mais amena diante do trágico. O mágico permeia as ruas dessa cidade e as pessoas que perambulam por aqui, vem ao encontro da mãe natureza, do descanso em seus braços, nos seus leitos. Tanto as que nasceram por aqui, quanto àquelas ansiosas por renascer nesse canto do mundo, buscam o útero da Mãe Terra, num desejo de proteção, paz e harmonia.
A cultura da paz ainda existe por entre as montanhas sagradas da Serra da Mantiqueira. O sonho persiste em continuar na memória, desde tempos remotos em que Paz e Amor, eram palavras de ordem. Os que passeiam por essa cidade são ainda os que cultivam essa filosofia, ou é só curiosidade? Seriam a Paz e o Amor, assuntos do passado? Sendo do passado, tornaram-se objetos de exposição e culto tardio de lembranças? O sonho persiste em rondar a memória humana, tatuando suas imagens fugidias.
As cachoeiras e seus belos nomes fazem voltar ao momento primeiro de cada um, alimentando os desejos mais secretos. As bombas inatômicas são servidas em pratos de sobremesa, adoçando a boca, numa explosão de morangos avermelhados, esquentando as vísceras. Mas elas não trazem a morte e a desgraça, mas o desejo por Eros e a graça pela Vida.
Dividida em dois estados por uma ponte muito antiga, remete a alucinações onde se pode ver, passando por aqui, personagens que nunca se viu ou conheceu, mas que continuam as suas trajetórias naturalmente.
Visconde de Mauá, Maromba e Maringá, três cidades inesquecíveis, pela beleza das montanhas sagradas, pelo vento que canta uma canção inexplicável, pelas águas que deslizam tranquilas umedecendo desejos guardados, pelo fogo das lareiras que crepitam saltando salamandras, pelo cheiro da comida que exala, buscando todas as fomes. A subida e a descida das montanhas ensurdece os ouvidos humanos, mas como Beethoven, dá pra ouvir o som do Universo. Quem dera perder-se nos números pra entender a ciência oculta com exatidão.
Fotos: Reinaldo Prado
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ENTRE CORPOS E ALMAS
TIPOS DE AURA Por Ana Carolina Esteves
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aura é o DNA da existência e se divide em 4 tipos. As 3 primeiras citadas, encontram-se em todo ser, em camadas. Aura Austral – É única, não existem duas auras iguais, pois transmite as emoções e sentimentos do ser, identifica a personalidade. De forma oval, circunda todo o corpo,
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possuindo uma infinita variação de cores e mobilidade por demonstrar os sentimentos, as paixões, medos mais profundos, vontades, sensações que compõem o ser. Tem-se a medida do diâmetro de centímetros, metros e até mesmo quilômetros, dependendo sempre da potência energética do ser. É muito difícil interpretá-la, devido à variação de emoções da pessoa. Como disse acima, não existem auras iguais, mas semelhantes, e estas geralmente se agrupam por estarem na mesma sintonia. Aura Mental – Estável, sutil do ponto de vista energético. Reflete a personalidade fixa. O diâmetro varia de um a centena de metros, sendo que sua cor, luminosidade, brilho e tamanho dependem da evolução mental da pessoa. Aura Causal – é a Aura da existência, das potencialidades que constituem uma pessoa em todas as suas reencarnações , em todo seu percurso. É muito difícil percebê-la, detectá-la, devido à distância que está do corpo físico (de 02 a 03 metros), sendo que sua forma lembra um portal de templo sagrado. É a Aura Kármica. Aura das Vitalidades Divinas – O nome já diz tudo. Está Aura infelizmente não se encontra facilmente, pois circunda seres iluminados, como Cristo e Budas. Luz forte, brilhantemente forte, que irradia com pontos dourados.
ENTRE VERSOS E PROSAS
A POESIA, O PARQUE E A LUZ DO SOL Por Joka Faria
Tarde de sol no outono. Na sala de leitura Reginaldo Poeta Gomes. Encontro um livro de poemas de João Nicolau num canto da estante. E devoro o livro sob a luz do sol, num banco. Em frente a uma capela. A poesia se faz página a página. Imagens, palavras e sons.
Tarde de sol no outono. O parque Vicentina Aranha desperta a curiosidade de gente de outras cidades esperando um casamento. Hoje sem balsa sem valsa. E sem pirilampos nas terras de Cassiano Ricardo. E os poetas na estante dos nossos olhos. Dá uma certa vontade de publicar novamente. E a poesia se faz presente em nossas vidas.
Tarde de sol no outono. São José dos Campos. E o banhado resiste na pessoa de José Maurício. E a felicidade se faz num parque. E a cidade em festa com o Sol de Outono. E não encontro Bete Bino. E Vanessa irradia a luz da fraternidade e o amor ao próximo.
RIO PARAÍBA Por Domingos dos Santos
Antigamente havia muita onça que vinha beber água neste rio, ela chegava de mansinho, matava a sede, dava um pulo e sumia no meio do mato. Sim, a onça sumiu, do mato não se têm notícias e o que aconteceu com este rio?
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CANTO DA CULTURA
ERA UMA VEZ EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS Canto da Cultura - Os jornais, revistas e fanzines da época.
Nos anos 80 surgiram em São José dos Campos vários jornais alternativos, revistas e fanzines, mas vamos citar apenas três desses veículos, por enquanto. Havia um jornal alternativo editado pelo jornalista e poeta Paulino Rolim de Moura. Era a “Ideia em Revista”, que depois passou a chamar-se “O Trombone”.
tura. Distribuía seu jornal e promovia o movimento que surgiu em 1981 na Praça Afonso Pena, evento que acontecia todos os sábados pela manhã. Em meio aos cantos, junto aos poetas da cidade lá estava ele e sua esposa Elisa.
Nesse jornal do Rolim circulavam as ideias e ideais dos intelectuais da cidade de São José dos Campos e região.
Elisa Barreto, esposa de Rolim, declamava seus poemas pelos quatro cantos de São José dos Cantos, ops!, dos Campos. O então poeta Rolim, como o chamávamos, morava em Monteiro Lobato e era uma figura assídua do Canto da Cul-
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O Poeta Rolim é esse de óculos e boina no canto esquerdo da foto...
sábado no espaço. Fizeram matéria com outros artistas da cidade.
Havia outro jornal, o “Satélite News”, onde o Edu Planchêz trabalhava e timidamente começou a frequentar o “Canto da Cultura”. Esse jornal também divulgava os integrantes do “Canto da Cultura” assim como todos os intelectuais da cidade e região. Só para ter uma ideia, entrevistaram o Miran do Pajeú, encabeçador desse movimento na Praça Afonso Pena; o músico Marcus Flexa, que na época tinha um bar ali perto da Praça do Sapo, chamado “Habitat” e outras matérias de caráter cultural. Além desses dois jornais havia uma revista chamada “Em Cena” que circulava pela cidade e região do Vale do Paraiba, com variadas notícias e novidades culturais. Em cena fez matérias sobre Marcos Planta, que fazia teatro no canto da Cultura com Irael Luziano. Marcos Planta declamava poesia todo
Estou citando esses três veículos porque seus colaboradores frequentavam o “Canto da Cultura” e principalmente eram divulgadores do movimento e de todas as manifestações culturais da cidade. Entre esses colaboradores podemos citar Alberto Renart, Hélio Pinto Ferreira, Cristina Souto, Aprígio Nogueira, Edson Braga e muitos outros. Nesse momento de São José dos Campos, as pessoas ligadas às artes e a literatura fervilhavam e frequentavam todo sábado o “Canto da Cultura” que se tornou o ponto de encontro das figuras mais controvertidas. E conforme vamos publicando a Revista Entrementes, continuaremos a contar essa história. Elizabeth de Souza - também uma das frequentadoras do CANTO.
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ANUNCIE NA REVISTA ENTREMENTES O Portal Entrementes é uma revista digital de conteúdo essencialmente cultural, conta com a colaboração de mais de 20 colunistas, escritores, poetas, críticos, músicos, artistas plásticos, ufólogos, etc que estão espalhados por várias partes do Brasil, assim como em Portugal e Moçambique. Além das postagens dos colunistas tem-se uma agenda onde são postados releases de vários eventos para divulgação e também são feitas matérias especiais sobre variados temas na região e em outras cidades ou estados, que são registrados através de vídeos, entrevistas e imagens. Agora no formato de revista impressa que é publicada trimestralmente (Março, Junho, Setembro, Dezembro). O conteúdo da revista impressa é contribuição dos próprios colunistas junto com outras matérias interessantes feitas pela equipe do Entrementes.
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