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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da Universidade de Mogi das Cruzes | Produzido pelos alunos do 5º e 6º períodos | Ano XIX | Número 101 | Distribuição gratuita | paginaum@umc.br JOÃO DE MARI

Crise dificulta acesso de ex-detentos ao trabalho Das mais de 650 mil pessoas presas atualmente no Brasil, apenas 9% tem acesso a programas de profissionalização visando a reinserção social. Apesar de iniciativas como a reserva de vagas para ex-detentos nas empresas prestadoras de serviço ao governo do estado de São Paulo, as contratações estão em declínio devido à crise econômica. Página 4

RAISSA FERREIRA

Falta de emprego levou Felipe Augusto a empreender em negócio próprio

Quando o salário acaba...

Com poder de compra em baixa e desemprego em alta, o comércio informal volta a ser alternativa. Posicionados nas calçadas ou circulando

no interior dos trens, cada vez mais pessoas buscam nesta atividade uma complementação para a renda familiar. Página 8

Religiões afro são alvo de violência e preconceito

JHENIFFER FREITAS

Ataques a terreiros e ameaças a fiéis são alguns dos problemas enfrentados

Dados do Centro de Promoção da Liberdade Religiosa & Direitos Humanos (CEPLIR) do governo do Rio de Janeiro, indicam que 63% dos casos de discriminação religiosa no Brasil tem como alvo templos e praticantes de religiões de origem africana. Embora a Constituição Federal garanta liberdade de pensamento e de culto, a realidade ainda é bem diferente. Leia na reportagem da página 5.

Violência contra mulheres Dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo revelam que o Alto Tietê registrou, até julho deste ano, 367 casos de estupros – aumento de 192%, comparado a 2016. Embora desde 2005 exista no país a Central de Atendimento à Mulher – Disque 180, a maioria das mulheres nunca ouviu falar do atendimento “emergencial, integral e multidisciplinar” disponível em qualquer hospital do SUS, público ou conveniado. Leia na reportagem da página 11.


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opinião

2017 | Ano XIX | Nº 101

editorial

Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC)

Ano XIX – Nº 101 Fechamento: 29/outubro/2017

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Avenida Doutor Cândido Xavier de Almeida Souza, 200 – CEP: 08780-911 – Mogi das Cruzes – SP Tel.: (11) 4798-7000 E-mail: paginaum@umc.br * * * O jornal-laboratório Página UM é uma produção de alunos do curso de Jornalismo da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), em conformidade com o Projeto Pedagógico do curso. Esta edição foi produzida pelos alunos do 5º e 6º períodos. Professores orientadores: Profa. Simone Leone – MTb 399.971-SP (Pautas e Edição de Textos); Prof. Elizeu Silva – MTb 21.072-SP (Orientação geral, Edição e Planejamento Gráfico); Prof. Fábio Aguiar (Fotografias); Projeto gráfico: Andre Eiji Nihiduma; Guilherme Mendonça de Oliveira; Luis Felipe Candido Gregorutti (Alunos do curso de DG da UMC): Orientador: Prof. Fábio Bortolotto * * * UNIVERSIDADE DE MOGI DAS CRUZES Chanceler: Prof. Manoel Bezerra de Melo Reitora: Profª. Regina Coeli Bezerra de Melo Pró-Reitor Acadêmico do Campus Sede: Prof. Claudio José Alves de Brito Pró-Reitor Acadêmico do Campus Fora da Sede: Prof. Ariovaldo Folino Júnior Diretor de EaD Prof. Ariovaldo Folino Junior Diretor de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão Prof. Cláudio José Alves de Brito Diretor Administrativo: Luiz Carlos Jorge de Oliveira Leite Gestora dos Cursos de Design Gráfico, Jornalismo e Publicidade e Propaganda: Prof. Ma. Agnes Arruda

Essência do Jornalismo “A sociedade é maior do que o mercado. O leitor não é consumidor, mas cidadão. Jornalismo é serviço público, não espetáculo.” A frase é do jornalista Alberto Dines, diretor de diversos jornais e revistas, criador do site Observatório da Imprensa e do programa de mesmo nome na TV Cultura, autor do clássico “O Papel do Jornal” (1974), entre outros predicados de um extenso currículo de uma vida dedicada ao jornalismo. O que Dines diz soa como um alerta em meio à voz corrente que transforma notícia em show, em “meme” no Twitter, em arena de intermináveis discussões no Facebook. Trata-se de um resgate necessário à função do jornalismo. Prestar serviço à sociedade é falar de temas do cotidiano, das coisas que acontecem nas ruas, da Operação Lava-Jato, mas também de assuntos pouco abordados, ou diluídos, nos veículos de comunicação massa, que, por sua vez, tendem a se render ao espetáculo e à superficialidade midiática. É preciso falar de cidadania, de direitos humanos e segurança, das ameaças (do homem) ao meio ambiente (por que faz tanto calor ultimamente?), de preconceitos com as minorias, dos impactos perversos da política econômica no mercado de trabalho. São temas espinhosos, porém magistralmente trabalhados nesta edição do jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da UMC. Porque prestar informação séria, objetiva e honesta, como se ensina nos bancos escolares, é também essência do Página UM. Um salve ao Jornalismo!

da coordenação

Muito mais que o próprio umbigo Agnes Arruda* Há no Jornalismo uma série de premissas que balizam repórteres e editores na hora de definir quais serão as pautas de uma determinada edição do veículo para o qual produzem conteúdo. Entre essas premissas estão os chamados critérios de noticiabilidade, também conhecidos como valor notícia. Eles envolvem questões como o grau de importância dos envolvidos no fato, o quão atual é a informação, se ela tem um caráter inesperado ou, até mesmo, o nível de clareza dos acontecimentos a serem noticiados. A princípio, os critérios de noticiabilidade deveriam ajudar o jornalista a, de fato, apresentar apenas conteúdo relevante para seu público. Na prática, no entanto, muitas vezes, eles acabam limitando o trabalho de apuração a uma tabelinha que diz sobre o que se pode/deve falar ou não, levando então a atividade jornalística ao limiar do que vem a ser a preguiça burocrática. Em jornal local/regional como é o Página UM, um dos critérios de noticiabilidade mais em voga é o da proximidade. A lógica é aproveitar a existência de um veículo que circula em uma delimitação geográfica reduzida para tratar com profundidade as questões dessa mesma localização. Notícias nacionais e internacionais? Oras! Deixa para os grandes. Afinal, não tem nem como concorrer com a estrutura deles para falar sobre esses mesmos assuntos, é o que diz o senso comum dos puristas da área. Senso comum, no entanto, não nos interessa. Assim, nesta edição do jornal laboratório da UMC, os temas das próximas páginas extrapolam os limites do Alto Tietê. Novas relações de trabalho e emprego, aquecimento global, questões de segurança pública e desafios para a cidadania com foco nas minorias estão entre o que virá a seguir. O objetivo é fazer o estudante não só perceber e ter noção do mundo ao seu redor, como também aprender a contextualizar acerca desses temas. Para si mesmo e para seu público. Afinal, falar sobre o buraco da rua é importante, mas ter noção que nem tudo gira em torno do próprio umbigo, também é. *Professora-coordenadora dos cursos de Design Gráfico, Jornalismo e Publicidade e Propaganda da UMC. E-mail: agness@umc.br.

artigo

Cultura do estupro: a normalização do abuso e da violação de direitos Paula Ferraz* A cultura, como conjunto de ideias, símbolos e comportamentos, é passada de geração para geração por meio de práticas da vida em sociedade. Com ela, concepções são firmadas e alguns hábitos, de tão arraigados, dificilmente são mudados. A cultura do estupro é um dos hábitos resistentes que causam traumas em indivíduos e na sociedade. Cunhado na década de 1970, o termo descreve um cenário de banalização do estupro e de naturalização da violência sexual contra mulheres. “Ela estava com roupa curta, o que mais queria?”, questiona, sem propriedade, quem compactua com a cultura do estupro. Pesquisa realizada em 2016 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com dados do Datafolha, aponta que 42% dos homens concordam com a afirmação de que “Mulheres que se dão ao respeito não são estupradas”. A objetificação das mulheres é um mal que ultrapassa os limites do direito à privacidade, ao respeito e à igualdade. É comum as próprias vítimas se considerarem culpadas, pois a desconfiança e a censura perseguem-nas até quando procuram a ajuda de profissionais da Saúde e da Justiça. No entanto, a roupa, o local escuro e sem movimento, a embriaguez, a ocasião, nada, absolutamente nada justifica o estupro. Desde a infância as meninas são comparadas aos meninos em posição de desvantagem. Enquanto espera-se deles que sejam exaltados e fortes, cabe a elas se mostrarem frágeis e domináveis. Nessa cultura em que prevalece a vontade masculina, muitas vezes o estuprador é o próprio pai, avô, padrasto ou outra pessoa próxima. Além dos traumas, a menina aprende, então, que qualquer pessoa pode tocá-la e violar sua intimidade. A pesquisa do FBSP mostra que 85% das mulheres brasileiras convive com o medo de sofrer agressões sexuais. Cabe a nós, cidadãos, ampliar nossos olhares para a garantia da liberdade, da igualdade e do direito à privacidade, criando uma nova cultura capaz de cortar o mal pela raiz. *Aluna do 6ºB de Jornalismo da UMC.


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Após guerras, refugiados lutam por direitos O iraquiano Qades Khaled é um dos 225 refugiados que tentam recomeçar a vida em Mogi das Cruzes FOTOS. RENAN OMURA

ANNY NUNES RENAN OMURA Foi em meio a explosões, gritos e tiros que o iraquiano Qades Khaled Abu Taha deixou Bagdá, capital do Iraque. Durante a ocupação americana em 2003, na 2° Guerra do Golfo, os bombardeios eram diários, o que levou Qades e sua família a buscarem abrigo num campo de refugiados. Após quatro anos morando em tendas, ele chegou a Mogi das Cruzes e atualmente, aos 35 anos, é proprietário e chefe de cozinha de um restaurante em Luís Carlos, Guararema, e se prepara para inaugurar outro. Qades tinha 24 anos quando deixou Bagdá. Ele estudava Direito e trabalhava como ajudante geral. “Ouvíamos os bombardeios e depois da fumaça víamos corpos queimados”, lembra. Em 24 de abril de 2003, sob ameaça de morte, juntamente com a família buscou abrigo no campo Paz e Conflito, criado pela ONU e localizado na fronteira da Jordânia. Ali eles viveram por cinco anos. Com cerca de 1500 pessoas de diversas nacionalidades, o abrigo não oferecia condições humanas de existência. “Cada pessoa tinha direito a apenas cinco litros de água por dia para beber, para cuidar da higiene pessoal e para cozinhar. Não havia papel higiênico e não podíamos trabalhar. Quando precisávamos sair do campo eles nos levavam algemados”, lembra. No Brasil, onde chegou em 2007 juntamente com a família, Qades levou três anos para aprender a nova língua. O primeiro emprego foi como ajudante geral numa loja de móveis e depois ele trabalhou como ambulante nos trens da CPTM. Após conhecer sua esposa, Roseane Leão, Qades passou a vender comida árabe na

Redes sociais facilitam resgate de desaparecidos ERICK SANTANA

Painel de desaparecidos na Delegacia de Homicídios de Mogi. Casos diminuiram 58,5% durante os seis primeiros meses do ano na cidade

Erick Santana

De acordo com os imigrantes, o Brasil possui recursos suficiente para abrigar os refugiados, porém a lei não assegura todos os direitos fundamentais

feira noturna de Mogi e em 2016 o casal inaugurou o restaurante. Assim como Qades, existem mais de 200 em Mogi, vindos da Síria, da Palestina e do Egito, que lutam diariamente para conquistar direitos. A ONG Refúgio Brasil, fundada pela palestina Faysa Daoud, dá assistência a cerca de 330 refugiados de Mogi das Cruzes e de São Paulo. Faysa relata que a principal dificuldade, além da língua, é fazer o RNE (Registro Nacional de Estrangeiro). Sem o documento eles não têm acesso a programas de saúde, moradia, educação e emprego.

Outro problema a ser enfrentado é a discriminação. O sheikh Hosni Youssef, da mesquita muçulmana de Mogi das Cruzes, afirma que o preconceito da sociedade oscila de acordo com a exposição dos conflitos no Oriente Médio na mídia. “Eles deviam mostrar a verdade, e não pequenos casos que só aumentam o preconceito contra nós”, afirma. Hosni acredita que o preconceito não irá acabar, pois falta tolerância. Ele acredita, contudo, que a curiosidade pode ajudar as pessoas a conhecerem a cultura islâmica como ela é de fato.

Postagens de usuários pedindo ajuda para procurar familiares desaparecidos têm aumentado nas redes sociais. Em quatro grupos de compra e venda no Facebook, foram registradas oito postagens entre os meses de julho e setembro deste ano. Segundo dados do Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa da Delegacia Seccional da Polícia Civil de Mogi das Cruzes, órgão responsável pela investigação de desaparecimentos, foram registrados 339 casos na cidade em 2016, e até setembro deste ano foram 119 ocorrências. Destas, 47 haviam sido solucionadas até o fechamento desta matéria e 68 ainda permaneciam abertos. Os dados do setor de investigação de desaparecimentos mostram que cerca de 80% dos casos relatados são de crianças e adolescentes, que em sua maioria saem de casa por dois ou três dias, motivadas principalmente por conflitos familiares. Os outros 20% dos

casos envolvem pessoas idosas com complicações de memória em geral e adultos com problemas relacionados a drogas, alcoolismo e outros vícios. Ainda segundo o setor de desaparecidos, somente 10% dos casos são criminais. Neste cenário, as páginas de redes sociais são uma opção a mais para quem procura por familiares desaparecidos. Páginas dedicadas ao tema chegam a receber até 45 solicitações diárias de pedidos de ajuda. No Facebook, as três páginas com mais seguidores somam mais de 58 mil pessoas. Uma delas é a do Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (PLID), criada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro que posteriormente foi adotado em outros estados, incluindo São Paulo. O programa vai além da simples divulgação das fotos. Ele tem a função de criar um banco de dados e cruzar as informações sobre os desaparecidos e trabalha em conjunto com os diversos órgãos competentes.


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Começar de novo: desafio para ex-presidiários Preconceito, falta de oportunidades e de capacitação são algumas das dificuldades a serem superadas RAISSA FERREIRA

Raissa Ferreira Tatiana Floris Aprender com os próprios erros é uma das maiores lições que a vida pode proporcionar, ainda que superar dificuldades, frustrações e arrependimentos pareça um desafio inatingível quando se é ex-detento em busca de redenção. Segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), no Brasil há 654.372 pessoas presas. Apenas uma pequena parte tem acesso a programas de profissionalização visando a reinserção na sociedade. Segundo a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) apenas 9% do total de presos no país participa de programas de aprendizado profissional. São cerca de 60 mil pessoas inseridas no mercado de trabalho através de empresas parceiras, dentro ou fora das unidades prisionais. Para o professor de Direito da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), Irineu Ruiz, a pena de prisão tem por objetivos punir o infrator, fazer com que a pessoa se adeque às normas da conduta social e servir de exemplo à sociedade em geral. Na prática, porém, as coisas não funcionam tão bem. A. R. é um exemplo disso. Aos 34 anos, ele já esteve preso em seis ocasiões e atualmente tenta dar novo rumo à vida. Ele tem experiência profissional e já chegou a trabalhar com carteira assinada, mas sabe que está cada vez mais difícil voltar ao mercado de trabalho. No estado de São Paulo, o decreto 56.210/2010 determina que toda empresa prestadora de serviço a qualquer órgão do Estado deve destinar 5% das vagas para egressos do sistema carcerário. No entanto, o número de contratações está em declínio devido à crise econômica.

Discriminação é o maior problema na adoção AMANDA PAULO

Preferências das famílias dificulta adoção de crianças e adolescentes

Amanda Aparecida Paulo

Escassez de vagas para ex-detentos levou Felipe Augusto a empreender

Alternativamente, os egressos são incentivados a empreender em negócios próprios. Após cumprir pena no sistema carcerário paulista, Felipe Augusto criou um pequeno negócio de prestação de serviços gerais a residências e empresas. “Me prontifiquei a ir à luta com a experiência que eu já tinha” afirma. Seu empreendimento ainda

é recente, mas Felipe já planeja as próximas etapas para a consolidação do negócio. “Fiz uma junção de tudo que eu tenho de experiência e mandei imprimir alguns cartões. Ainda não abri minha empresa com CNPJ, mas logo vou me inscrever como MEI para ingressar definitivamente no mercado de trabalho da maneira correta” relata.

Segundo o Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA), cerca de 47 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos no Brasil atualmente, mas apenas 7,9 mil estão aptas à adoção. Crianças e adolescentes que têm seus direitos violados por alguma violência, negligência ou condições sociais precárias, são retirados do convívio familiar por determinação judicial. Durante o período que ficam em abrigos recebem o acompanhamento de educadores e psicólogos, para que seja analisada a possibilidade de retorno à família biológica ou à família extensa, que são os parentes mais próximos. Quando essas possibilidades são descartadas pela Justiça os menores são destituídos dos pais e vão diretamente para o cadastro de adoção. A gestora da Casa da Criança de Itaquaquecetuba, Maildes Ferreira

de Holanda, afirma que a adoção ainda é um desafio no Brasil, devido às inúmeras exigências das famílias que pretendem adotar, como cor, idade e faixa etária. As crianças que não se enquadram nos padrões exigidos permanecem em abrigos durante anos até a vida adulta. “A ficha de adoção é a maior violação dos direitos humanos, pois permite que as crianças sejam escolhidas como se fossem mercadorias. Ninguém quer adotar adolescentes, negros, homossexuais, por exemplo. Todos querem recém-nascidos brancos, de cabelo liso. A violação é ainda maior para crianças maiores de 5 anos”, afirma Maildes. De acordo com o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), no Estado São Paulo há 1,6 mil crianças e adolescentes aptos para adoção e 9,3 mil pretendentes. No entanto, o número de crianças maiores de 9 anos não diminui, devido à preferência das famílias por crianças mais novas.


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Fiéis de religiões afro são alvo de preconceito A Constituição de 1988 garante liberdade de expressão e de pensamento, mas a realidade é bem diferente FOTOS: JHENIFFER FREITAS

Jheniffer freitas paulo oliveira rosangela oliveira Expressar uma fé escolher determinada doutrina para seguir é um direito de todos, garantido pela Constituição. Porém quase diariamente pessoas sofrem preconceito e violência relacionados à opção religiosa. Segundo dados do Centro de Promoção da Liberdade Religiosa & Direitos Humanos (CEPLIR), do governo do Rio de Janeiro, 63% dos casos de discriminação religiosa no Brasil tem como alvo templos e praticantes de religiões de origem africana. Em 2014, o Disque 100, central da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República que recebe denúncias de violação dos Direitos Humanos, registrou 149 casos de intolerância religiosa. As principais vítimas são praticantes de religiões afros. O número de seguidores dessas religiões no país é grande. No Censo de 2010 o IBGE registrou a existência de 407 mil adeptos da umbanda, 167 mil do candomblé e cerca de 14 mil praticantes de outras religiões de matriz africana. O preconceito e a violência se manifestam de várias formas. Ataques a terreiros, ameaças a fiéis, discriminação pelo uso dos paramentos religiosos em lugares públicas, impedimentos à realização de celebrações em prédios públicos, são alguns dos problemas. Um dos casos mais chocantes aconteceu no Rio de Janeiro, onde uma menina de 11 anos foi apedrejada por trajar roupas brancas, após um ritual. Em Mogi, em abril deste ano foi realizada a 1ª Caminhada de Ogum, numa tentativa de reduzir o preconceito contra os cultos de origem africana. Apesar da inicia-

Discriminação exclui idosos do mercado de trabalho FOTOS: CAROLINE FERREIRA

Apesar dos mais de 500 mil seguidores, religiões afros ainda são pouco conhecidas

Luiz Coralli, 62, desempregado há um ano, e Maria, 79, procuram trabalho

Caroline Ferreira

Mulheres dançam para cumprimentar as entidades no início da festividade

tiva, pouca coisa mudou. Gabriela Oliveira, seguidora do candomblé, continua sendo ofendida pelos colegas de escola. “Me chamam de macumbeira, feiticeira e bruxa”, conta. O medo de sofrer ataques faz com que alguns praticantes escondam sua fé. É o caso da mogiana Renata Souza, funcionária de um colégio de orientação cristã. “Na escola onde trabalho eles não aceitam ninguém de outra religião. Se eu disser que sou do candomblé perco meu emprego”. Segundo Roni dos Santos, umbandista e professor de Sociologia, o Brasil está longe de ser um

país laico. “Em algumas repartições públicas ainda há crucifixos nas paredes”. A religião predominante é a cristã, representada por católicos e evangélicos. “Nunca vi um orixá abençoando um espaço público”, afirma. Para Roni, boa parte do preconceito decorre da falta de conhecimento. “Somos olhados de forma tão superficial que as pessoas não sabem diferenciar entre umbanda, candomblé e quimbanda. A melhor forma de acabar com o preconceito é estudar a história, se aprofundar, conhecer os terreiros, tentar ver o mundo a partir das referências do outro também”, completa.

Segundo um estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o desemprego na faixa etária acima de 60 anos teve elevação de 132% na comparação de 2014 com 2016. Há várias iniciativas voltadas para redução do desemprego, mas nenhuma tem o idoso como foco. O programa Emprega Mogi, parceria do governo do Estado com a prefeitura, faz aproximação entre empresas e pessoas em busca de emprego. Em abril deste ano o programa realizou a Feira de Emprego e Empreendedorismo, à qual compareceram cerca de 6.700 pessoas em busca de oportunidade. Destas, 0,53% tinham acima de 60 anos. “Não há muita procura de emprego pelos idosos, talvez por eles estarem empreendendo ou estarem aposentados”, afirma Gláucia Coutinho, coordenadora do programa. Luiz Roberto Coralli da Cruz, 62 anos, está desempregado há um ano e mesmo entregando vá-

rios currículos nunca foi chamado para entrevistas. Luiz acredita que as empresas não acreditam que a pessoa idosa possa aguentar o serviço e preferem contratar jovens sem nenhuma experiência. “Pessoas idosas têm muito a oferecer para as empresas”, afirma. A aposentada Maria Faustina dos Santos, 79 anos, afirma que a aposentadoria não cobre todos os gastos. Ela recebe um salário mínimo e meio, mas os gastos com medicamentos caros consome quase toda a renda. Desempregada há três meses, Maria entregou muitos currículos e também não obteve sucesso. “Não há vagas para nós”, lamenta. Na sua opinião, o mercado de trabalho seria muito bom se tivesse mais idosos inseridos nele, "As pessoas mais velhas têm uma força de vontade maior do que os mais novos. Eu não tenho preguiça de acordar às 4 horas da manhã para trabalhar. Mesmo com 79 anos não me troco por uma moça. Apesar da idade, tenho a vitalidade que os jovens não têm”, garante.


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Mulheres são mal representadas na política Número reduzido de mulheres em cargos eletivos dificulta a luta por igualdade de direitos e oportunidades FOTOS: GIOVANNA FIGUEIREDO

Giovanna Figueiredo Nathalie Alves Mesmo sendo maioria da população (51,8%), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres ainda não têm representatividade em diversos setores da sociedade, como na política. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 641 mulheres foram eleitas chefes do Executivo no país em 2016, representando 11,57% do total. Já do sexo oposto, foram eleitos 4.898 prefeitos, ou 88,43% do total. No Alto Tietê, apenas Santa Isabel tem uma mulher à frente da prefeitura. É a segunda vez que a cidade é governada por uma mulher, enquanto outros municípios nunca tiveram uma representante no cargo. No Legislativo os números também são baixos: de 160 vereadores da região, apenas 13 são mulheres. A prefeita Fábia Porto vem de uma família de ex-prefeitos. “Meu bisavô foi prefeito, meu avô foi prefeito e meu pai foi vice-prefeito, todos em Santa Isabel", afirma. Segundo a chefe do executivo, se tornar prefeita foi a forma que encontrou para fazer mudanças na cidade. "Se eu fosse secretária de qualquer outro prefeito eles iriam me demitir”, afirma. Para Edna Ferreira Comelli, 82 anos, aposentada, moradora de Mogi das Cruzes, a representatividade é necessária justamente pelo fato das mulheres serem maioria da população. “Faz pouco tempo que a mulher se interessa pelo assunto e se mobiliza. Antigamente mulher só servia para ser dona de casa”, comenta. Segundo Valéria Graziano, mestra em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Inter-

Desemprego pode causar transtornos psicológicos ANA CAROLINA

Prefeita de Santa Isabel, Fábia Porto é a segunda mulher a governar a cidade

Psicóloga Roberta Almeida alerta para os perigos do desemprego para a saúde

Lídia Lima Ana Carolina

Valéria Graziano, professora dos cursos de Jornalismo e RI na UMC

nacional (UNB) e mestra em Estudos Culturais (USP), é fundamental diferenciar a participação de representação política, pois a participação vai muito além das formas tradicionais de se fazer política. “Aumentar a participação feminina e garantir uma maior diversidade étnica, cultural e de gênero nos espaços de poder, é essencial para transformar a política, mas precisamos ir além”, esclarece. A Lei Eleitoral 12.034/09 estabelece que no mínimo 30% das candidaturas deve ser de mulheres. Como a adesão feminina é baixa, o uso de “candidatas laranja” é um fator alarmante. De acordo com o TSE, nas eleições de 2016, 16.131 candidatos não tiveram sequer um voto. Desse total, 14.417 foram mulheres. Os partidos utili-

zam estas candidatas apenas para preencher a cota. Para Valéria, a lei que determina representação de mulheres no Congresso é extremamente relevante, mas o patriarcado e o racismo mantêm a lógica opressora e excludente de poder. “Acredito que uma educação emancipadora seja o caminho para uma transformação profunda da sociedade”, explica. Políticas públicas que fomentem a consciência política e o empoderamento feminino são meios para que o quadro político represente a maioria dos brasileiros. “Lugar de mulher é na política, sim, porque a mãe gerou todas as profissões, a mulher gera o ser, então ela também tem condições de gerir o poder executivo sendo prefeita, governadora ou presidente”, finaliza Fábia Porto.

As consequências do desemprego podem ir além da vida financeira. A falta de trabalho e de renda pode se tornar caso de saúde pública, pois essa situação pode desencadear transtornos psicológicos como ansiedade, angústia e até depressão. “O trabalho é a identidade social da pessoa. Quando o indivíduo perde o emprego é como se ele perdesse essa identidade que inclui ele na sociedade”, alerta a psicóloga Roberta Almeida. Pesquisa realizada em conjunto pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), indica que 59% dos entrevistados disseram se sentir deprimidos e desanimados com a vida pelo desemprego. Já um estudo realizado na Universidade de Zurique revela que um a cada cinco suicídios é causado pela falta de emprego. Vanessa Santana, 36 anos, teve depressão após perder o emprego no qual estava havia

três anos. “Fiquei com vergonha dos meus colegas de trabalho, pois eu era uma ótima funcionária e de uma hora para outra não valia mais nem um real”, conta. O caso ficou ainda mais grave quando ela tentou cometer suicídio. “Comecei a me isolar, ficava muito em casa, e acabei tentando suicídio três vezes. Na primeira vez cortei os pulsos, depois tomei cinco cartelas de remédios e entrei em coma. Da última vez, me joguei da janela”. “O Estado garante para a pessoa desempregada o seguro desemprego até que ela encontre outro trabalho. Quando esse auxílio termina, não há nenhum outro tipo de benefício que garanta ao desempregado os meios de subsistência”, explica o advogado Fernando Peixoto. A psicóloga recomenda que a pessoa faça coisas de que gosta, como caminhar no parque, passear com o cachorro ou fazer alguma atividade física, por exemplo. "Isso irá trazer satisfação pessoal, aumentando a autoestima e resultando em bem-estar psicológico. Apoio familiar e dos amigos também é fundamental”, explica.


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Faltam intérpretes para deficientes auditivos Professoras suzanenses iniciaram pólo bilíngue em escola municipal para dar oportunidade a alunos surdos Michelly Nogueira Randal Savino A comunidade surda é uma minoria pouco representada pela sociedade ouvinte e por isso Cláudia Oliveira, professora e intérprete de Libras, luta pelos direitos dos surdos e deficientes auditivos em Suzano. Há 10 anos ela se dedica à inclusão de pessoas surdas nos programas culturais, eventos e vagas de emprego disponibilizados pela prefeitura da cidade, como intérprete voluntária. Segundo a professora, o governo da cidade não oferece intérpretes e nem capacitação para os servidores que trabalham diretamente com a população. A falta de atenção para com este público obriga algumas pessoas com a deficiência auditiva severa a serem oralizadas, a despei-

MICHELLY NOGUEIRA

RANDAL SAVINO

As educadoras Ariane e Cláudia lutam pela inclusão da comunidade surda

to da dificuldade para aprender a gramática da língua portuguesa. É o caso de Célio Pereira da Silva, 21, que com a ajuda da mãe revela a dificuldade que enfrenta para aprender português. “O correto é a criança surda estudar numa escola bilíngue (que ensina gramática e Libras) para só depois ir para uma escola do Estado, com o intérprete na sala”, diz Cláudia. Para aprender o significado da palavra cadeira, por exemplo, e transmitir isso em Libras, o surdo precisa ver o objeto, aprender o sinal da cadeira e assimilar que aquele gesto representa o objeto em questão. Só depois de aprender Libras ele está pronto para aprender a gramática da língua portuguesa. Em setembro deste ano, mês em que é comemorado o Setem-

bro Azul, em alusão à comunidade surda mundial, foi iniciada a implantação de um polo bilíngue na Escola Municipal Prof. Damásio Ferreira dos Santos, na Vila Figueira, em Suzano. A professora Ariane Polizel justifica a escolha da instituição para o início do projeto: “Ela atende do nível G4 até o quinto ano, então a gente vai poder participar de toda a vida escolar dessa criança“, diz. Segundo Clara Regina Abdalla, coordenadora de Educação Especial da Prefeitura de Suzano, o polo foi implantado pela necessidade da inclusão de alunos surdos nas escolas da cidade, além do ambiente de aprendizado ser mais favorável aos alunos quando a escola oferece o ensino da língua portuguesa e da Libras para alunos surdos e ouvintes.

Casal deixa as ruas e faz planos para o futuro

Hannah Matias Foi no Largo do Bom Jesus, no centro de Mogi das Cruzes, onde Bruna Ribeiro da Silva, 27 anos, e Vitor Matheus Santos da Silva, 36, moraram durante um e meio até que tivessem Lorrany Vitória, primeira filha do casal, hoje com 11 meses. Usuária de crack desde os 12 anos, Bruna conta que foi morar na rua para evitar problemas com a família. Sete anos atrás ela conheceu Vitor, com quem morou em Jundiapeba, antes de se instalarem no centro. “Chegamos aqui igual duas caveiras, puro osso. A droga acabava com a gente”, conta. O casal descobriu que teria um bebê já no quarto mês de gestação. Decidiram, então, aban-

HANNAH MATIAS

donar as drogas de uma vez por todas. “Tive dois filhos, gêmeos, há 8 anos, que foram para adoção. Queria ser mãe de novo mas acreditava que não poderia ter mais filhos”, diz Bruna. Vitor lembra o tempo de vida na rua. “A gente era envolvido com drogas e através dela se mantinha com roupas, comida e prazeres. Não tenho vergonha de dizer, éramos viciados mesmo”. No sexto mês de gestação Bruna se mudou para o Centro POP, unidade de atendimento especializado às pessoas em situação de rua, localizada no Mogilar, e lá permaneceu até o momento do parto. Foi durante esse período que ela conseguiu abandonar o vício, por meio de orientações, atividades e programas de reinserção social. Também foi durante a gestação

que Vitor conseguiu um emprego, o que possibilitou que eles alugassem uma casa. De acordo com o coordenador do Centro POP, Elisio Fagundes, o Largo do Bom Jesus é o local com maior concentração de moradores de rua de Mogi. “Mesmo com diversas equipes dando apoio a essas pessoas, muitas acabam resistindo à ajuda, uma vez que a rua proporciona liberdade para elas continuarem nesse caminho”. Registros do Centro apontam que 40% das pessoas atendidas são vítimas de violência ou dependência química. Dispostos a não voltar para a rua, Bruna e Vitor defendem que as pessoas que moram nas ruas sejam vistas a partir de suas histórias individuais e dos diversos motivos que as levaram às ruas.

Vitor e Bruna, com a filha Lorrany, de 11 meses, ainda vão à praça, mas a passeio


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trabalho

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Crise leva trabalhadores à informalidade Comércio informal é principal alternativa para enfrentar desemprego e queda no poder de compra BRUNA SOUZA

Cresce número de jovens ambulantes nos trens Brenda Elvira Larissa Amorim

Em companhia da filha Gabrielle, de 11 anos, André Luís Grunheitd vende geladinhos para completar a renda da família

Bruna Souza Dorival Martins Patrícia Barreto Sob um sol ardente, André Luís Grunheitd não para. O vendedor ambulante utiliza os dias de calor para vender geladinhos nas ruas de Mogi das Cruzes e assim completar a renda da família. Realidade não muito diferente de outros brasileiros, que, diante da crise econômica, precisam encontrar alternativas para lidar com as despesas. Segundo dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) da Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado de São Paulo, divulgados no final de setembro, a taxa de desemprego no Alto Tietê em agosto foi de 21,3%. Empregado da Construção Civil, André Luís entrega currículos em busca de oportunidades melhores. Enquanto não surgem, ele apela para a informalidade para garantir a estabilidade financeira da família. Para André, o vai e vem na Estação Estudantes é uma oportunidade. Ao lado da filha Gabrielle, de 11 anos, ele anuncia ge-

ladinhos naturais, feitos em casa: “Sabor da fruta ao leite, pessoal! Apenas 1 real! ”. A última chance de um novo emprego não se concretizou porque ele não tem 2° grau completo. “Hoje em dia, para quem não tem estudos, fica mais difícil”, lamenta. Bem que André Luís desejaria formalizar o seu comércio, mas desde 2009 a emissão de licenças para comércio ambulante na região central da cidade foi congelada pela prefeitura, sem previsão de volta. Maria da Glória de Jesus Santos, 49 anos, também encontrou no trabalho informal uma opção de renda. A voz calma com a qual oferece trufas e cocadas é a mesma a revelar as dificuldades para encontrar um novo emprego registrado. Demitida após vinte anos como babá, acredita estar numa idade em que conseguir um novo emprego é muito difícil. Dezenove anos mais novo, Vitor Agenor está desempregado há um ano e meio. O primeiro emprego foi na linha de produção de uma indústria, mas com o início da

crise o setor teve cortes. Desde então, trabalhou como ator em uma companhia de teatro e atualmente faz freelance em festas infantis. A entrega de currículos permanece, mas nem sempre há retorno. “Geralmente a empresa nem liga, só diz que vai ligar em dez dias. Mas esses dez dias não chegam nunca”, lamenta. Os olhos inquietos que percorrem o calçadão no centro de Mogi das Cruzes, são de Paulo Henrique Marcelo Lopez. A venda de DVDs piratas exige discrição, qualidade adquirida em sete anos de atividade. “Dá para sobreviver, mas desde 2014 tem havido queda nas vendas. A internet é uma forte concorrente”, explica. O vendedor conta que procurou trabalho, mas devido aos processos decorrentes da prática ilegal não consegue mais emprego. Com três processos, um dos quais resultou na condenação de prestação de serviços comunitários, ele quer deixar a irregularidade. Nem a absolvição nos outros dois processos o tranquilizam. Ele quer trabalhar de forma legal junto com a esposa.

Daniela Pereira de Paula, 18, e David Aparecido Vinhole da Silva, 19, são amigos.Em mais um dia de trabalho, embarcam no trem da linha 11Coral da CPTM, que vai da estação Estudantes até à Luz. São 10h da manhã e o sol forte indica que a venda de água mineral e refrigerante será boa. "Os melhores dias são os próximos ao pagamento, mas, hoje, se eles estiverem com sede, vão comprar", avalia Daniela, que trabalha como ambulante há cinco meses. O trem chega, os dois embarcam com as mochilas nas costas e esperam. Quando o trem se movimenta, eles tiram a mercadoria da bolsa, gritam "água mineral, só paga um real, olha a água!", e em segundos surgem os primeiros clientes do dia. Foi exatamente como Daniela previu. Embora proibida, a venda no interior dos trens e metrôs de São Paulo vem se tornando cada vez mais comum. Água, refrigerante, balas, fones de ouvido, pen drive, salgadinho, adaptador para celular, vende-se de tudo. David Aparecido, que é ambulante há menos de um mês, lembra o motivo que o levou a embarcar na informalidade: "Fui demitido e fiquei dois meses desempregado, então decidi vender nos trens". Ele é apenas um entre muitos jovens que encontraram nos trens uma saída para a sobrevivência econômica. Segundo o IBGE, atualmente 13,8 milhões brasileiros estão desempregados. Para Miriam Sugahara, professo-

BRENDA ELVIRA

Ambulante da Linha 11 da CPTM. Serviço ilegal, mas muito procurado

ra de Economia da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), entre não ter nenhum dinheiro e a baixa renda que se obtém com a venda nos trens, não há dúvida. “A escolha já está feita", diz. Jhonata Hudson Oliveira, 20, que trabalhou como ambulante por quatro meses, conta que apesar de gostar de trabalhar no trem, o serviço ilegal não é a melhor opção. "Eu até achava divertido, mas não vira, é um serviço arriscado, perigoso e muito puxado", relata. Hoje, trabalhando como atendente em uma empresa de telemarketing, Jhonata trocou os trens pelo escritório, bolinha branca e rabinho de porco por um computador, salário instável pelo carteira de trabalho e os riscos de trabalhar como ambulante pela garantia de direitos trabalhistas.


saúde / trabalho

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Crianças vivem em internação de longa duração Já pensou passar a vida preso a uma cama? Essa é a realidade de algumas crianças do Alto Tietê ILUSTRAÇÃO: ITALLO FERRAZ

Adrielly Belarmina Fernanda Guimarães Num hospital público de Mogi das Cruzes a UTI pediátrica é ocupada por vítimas de síndromes diversas que as obrigam a residir no hospital. Atualmente, 25 crianças de diversas idades permanecem internadas na unidade, alimentadas por sondas, ligadas a máquinas de monitoramento cardíaco e respirando por aparelhos. Elas não andam. Passam a vida na cama e poucas são capazes de entender o que acontece ao redor. Apenas duas conseguem falar. Temendo o interesse de curiosos, a direção do hospital pede que o nome e o endereço do hospital não sejam revelados na reportagem. Os nomes das crianças citadas na reportagem foram alterados, para preservar sua identidade. Gabriel conversa e entende tudo que ocorre à sua volta. Até os cinco anos ele frequentava a escola e vivia normalmente, quando percebeu que a força nas pernas começou a falhar. A sensibilidade nos membros inferiores também foi desaparecendo. Ele foi diagnosticado com a síndrome de Werdning Hoffman, que faz com que o paciente perca os movimentos e a sensibilidade. A doença atinge o músculo abdominal e o diafragma, comprometendo a respiração. A síndrome pode surgir pouco tempo depois do nascimento ou se instalar gradativamente durante os anos. Gabriel vive no hospital há oito anos e diz que a UTI é sua casa. Ele coleciona cards, brinca com as enfermeiras e declara que é muito feliz e grato por estar vivo. Sua alegria contagia a todos pelo amor à vida que revela em meio às dificuldades. Laura, 12 anos, é portadora

As vozes dos heróis da TV FOTOS: VICTOR NERES

Gabriel está internado há oito anos. Ele coleciona cards e brinca com as enfermeiras (Representação artística produzida por Itallo Ferraz)

de uma síndrome rara que impede seus movimentos. Ela entende tudo que ocorre ao redor, mas só consegue interagir com as pessoas por meio dos olhos. A previsão é de que Laura consiga voltar para casa ainda neste ano, depois que ficar pronto um quarto especial que está sendo construído. A família só conseguiu ajuda do Estado para a construção após sentença judicial favorável. Diariamente as crianças são acompanhadas por auxiliares de enfermagem e fisioterapeutas. Cada auxiliar cuida de duas crianças e é possível observar o amor que sentem pelas crianças. Mariana foi abandonada pela mãe, que construiu nova família, mas felizmente ela pode contar com a aten-

ção e amor do pai e das auxiliares de enfermagem. As mães e pais passam tanto tempo dentro do hospital que acabam aprendendo alguns cuidados médicos necessários ao bem-estar dos filhos. Fora da UTI existe um alojamento para os responsáveis pelas crianças, que também têm direito à alimentação na unidade hospitalar. O governo do estado fornece ajuda financeira para as famílias, além de vale-transporte. Para ter direito ao auxílio, as mães não podem ter carteira assinada, nem ganharem mais que um salário mínimo por mês. Caso fiquem mais de um mês sem visitar os filhos, os pais têm que prestar explicações à assistência social.

Flávio Dias, dublador do Beakman (O Mundo de Beakman)

Arthur Guimarães, tradutor das séries Friends, Gothan e Empire

Ulisses Bezerra dublou personagem Shun (Os cavaleiros do Zodíaco)

Zodja Pereira é diretora de dublagem da saga Cavaleiros do Zodíaco

Victor Neres

possuem o registro de ator e acabam entrando no mercado profissional, tomando o lugar de outros atores”, conta o dublador e diretor de dublagem Flávio Dias. Todo dublador precisa ter DRT de ator, pois para realizar o trabalho é necessária uma grande capacidade de atuar com a voz. A prova disso é que quando o ramo chegou ao Brasil, eram selecionados atores de radionovela para o cargo, por terem mais experiências com a técnica. Mas a área da dublagem não vive apenas de maravilhas. Muitas pessoas criticam a maneira de como está a tradução do produto e acabam culpando os profissionais sem saber o que há por trás de tudo. “Algumas barreiras vêm da própria produtora, que muitas vezes impedem certos tipos de palavras na tradução, mesmo o programa sendo para adultos”, explica o tradutor de dublagem Arthur Guimarães.

Nostalgia. Esta é a palavra que define uma pessoa, quando era criança, que sentava no sofá e assistia seus desenhos favoritos. As vozes que dão um toque mágico aos personagens aliados a bordões, como “O que há velhinho?”, “Querida, cheguei!” e “Oi, eu sou o Goku!” fazem parte da infância de qualquer indivíduo. Estas marcas são deixadas por conta da dublagem, atividade no qual os profissionais “emprestam” suas vozes aos heróis e vilões de uma história, deixando-os com sua própria identidade. Todo dublador é freelancer, ou seja, não possui carteira assinada. Além disso, quem está na área enfrenta a concorrência cada vez maior, pois, com a crise econômica, muitas pessoas "invadiram" o mercado da dublagem. “Com a dificuldade econômica, muitas pessoas que não


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saúde

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Poucas pessoas fazem teste de HIV, diz médico Atendimento é adequado, mas desconhecimento e preconceito ainda bloqueiam acesso a tratamento CAINAN CRISTINE

Cainan Cristine Segundo a Secretaria de Saúde de Mogi das Cruzes, cerca de 500 pessoas soropositivas fazem acompanhamento médico na cidade, mas há muitas outras que preferem procurar tratamento em outros municípios. Os dados revelam que homens homossexuais e mulheres heterossexuais são as populações mais vulneráveis. Em 2015, 40 adultos, três crianças e cinco gestantes foram expostas ao vírus; em 2017 foram 63 adultos, quatro crianças e seis gestantes; em 2017, no primeiro quadrimestre, foram registrados 16 adultos, uma criança e uma gestante. Como qualquer cidadão, os soropositivos têm direito ao atendimento à saúde. Segundo Cláudio Souza, coordenador do site Soropositivo.org, voltado para temas relacionados a doenças sexualmente transmissíveis, “o sistema trata somente da saúde dos soropositivos”, deixando os demais direitos ao acaso. De acordo com o médico e professor do curso de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) Gilberto De Nucci, PHD em Farmacologia e membro da Academia Nacional de Medicina, o Brasil tem um excelente programa de tratamento para pessoas soropositivas e dispõe de boa disponibilidade de medicamentos. Contudo, o preconceito e o desconhecimento sobre os tratamentos ainda são obstáculos importantes a serem superados. “A maior dificuldade do paciente com HIV é com ele mesmo, é ele conseguir equacionar o preconceito dele. Existe o preconceito dos outros, mas existe também o do próprio paciente. Se é um

Mortalidade infantil em Suzano e Mogi está acima da média estadual MARIA EDUARDA BARRIOS

Em Suzano ocorreram 17,3 óbitos a cada 1000 nascidos. Em Mogi, 11,5

Maria Eduarda Barrios

Lucas Rcoha, 24 anos. "Fiz o teste para provar que estava bem, e me surpreendi"

paciente bem esclarecido, com conhecimento, com uma estrutura psicológica adequada, ele tira de letra”, explica o médico. Atualmente, os soropositivos que fazem o tratamento com os antirretrovirais – coquetéis anti-aids –, têm a mesma expectativa e qualidade de vida da média da sociedade.

O soropositivo Lucas Rocha da Silva, 24 anos, concorda com o médico, e destaca que os pacientes não recebem acompanhamento psicológico adequado. Lucas Rocha afirma que nunca lhe faltou medicamentos, que o agendamento de consultas é rápido, mas que o resultado dos exames costuma demorar.

De acordo com dados do IBGE, Suzano teve o maior índice de mortalidade infantil do Estado de São Paulo em 2016. Foram 17,3 óbitos em cada 1000 nascimentos contra a média esadual de 10,9. Mogi das Cruzes também está acima da média, com 11,5 óbitos, e ambas as cidades têm pela frente o desafio de reduzir esse índice. A prefeitura de Suzano informou que iniciou ações visando a redução de óbitos. Entre as medidas estão a contratação de novos médicos e atualização dos protocolos de atendimento de acordo com a Rede Cegonha. As ações educacionais que os profissionais da rede municipal e da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Suzano ministram foram ampliadas para melhorar as condições do pré-natal e os procedimentos pré-parto, parto e pós parto, além das palestras educativas que as gestantes estão recebendo. A prefeitura informou que tem

como objetivo para 2017 não ultrapassar a média estadual. A Rede Cegonha é um projeto do Ministério da Saúde que tem como intuito humanizar a gravidez, o parto o puerpério, e assegurar que as crianças nasçam em segurança e tenham crescimento e desenvolvimento saudáveis. A prefeitura de Mogi das Cruzes informa que busca um índice inferior a 10 óbitos já em 2017. O maior desafio é aumentar o número de leitos de maternidade na cidade. De janeiro a julho de 2017 a taxa de óbitos ficou em 7,47. O Programa Mãe Mogiana, implantado em 2010, juntamente com outras iniciativas, têm contribuído para a redução das mortes. Para participar do programa a gestante precisa ter realizado o pré-natal em alguma unidade de saúde da rede municipal. Nas unidades a gestante tem acesso a ultrassonografia, coleta laboratorial, consultas de pré-natal de alto risco, orientação sobre o aleitamento materno e acompanhamento com psicólogo.


segurança

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Mulheres vivem à mercê da violência sexual Alto Tietê registrou aumento de 192% em casos de estupros nos primeiros sete meses do ano JOÃO DE MARI

JOÃO DE MARI LEONARDO NASCIMENTO PAULA FERRAZ Embora ainda fosse primavera, o sol da tarde de terça-feira lembrava o mais rigoroso verão. Em uma praça movimentada de Poá, crianças e cachorros brincavam e corriam. Não chegam a atrapalhar Bruna*, que, sentada de pernas cruzadas e com fones de ouvido, parece não se importar com o calor e permanece alheia à movimentação. Vestindo um jeans rasgado nos joelhos, uma camiseta rosa com a inscrição “E quando sou fraco tua força vem me sustentar”, sobre a qual destacava-se um medalhão de São Jorge, ela aguardava a hora de ser entrevistada pelo Página UM. Quando nos viu, tirou os fones e, com um sorriso tímido, tentou quebrar o gelo: “Resolvi chegar mais cedo, pois estava pensando no que aconteceu comigo e como contar todos os detalhes”. Aos 18 anos, Bruna é uma jovem alta, de cabelos coloridos e curtos divididos ao meio. Católica praticante, desde menina vai

Jovem foi estuprada em maio, mas não relatou o caso às autoridades por medo

às missas todos os domingos. Os olhos castanhos marejaram entre uma pergunta e outra, mas ela estava determinada a seguir até o fim, convicta de que era importante falar sobre um dos maiores problemas da segurança pública no país: a violência contra mulheres. Dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo revelam que o Alto Tietê registrou, até julho deste ano, 367 casos de estupros – aumento de 192%, comparado a 2016. Em Poá foram 27 ocorrências. Bruna era ativa na igreja. Como

coroinha, auxiliava o padre, juntamente com outros jovens, na organização dos cultos e das cerimônias. A altura da moça, que mede cerca de 1,80, se tornou um problema quando a túnica cerimonial começou a ficar curta. “Minhas canelas ficavam de fora", conta. Andamos cerca de 50 metros à procura de sombra. Em um banco descascado pelo tempo, retomamos a conversa. Era a primeira vez que ela contava a alguém que poucos meses antes havia sido violentada. “Ele tinha sido ordenado para

Segundo Ivan de Oliveira Silva, especialista em Direitos Humanos e coordenador do curso de Segurança Pública da UBC (Universidade Braz Cubas), o crescimento da criminalidade exige do poder público o combate preventivo à violência. Entre as medidas, ele cita redução da circulação de armas de fogo, desestímulo ao discurso de ódio e redução da desigualdade social. Kethleen Torres Santa Rita, 19, atendente de uma farmácia no centro de Mogi, foi vítima de assal-

to a mão armada durante o expediente. No dia 11 de setembro, Kethleen atendia no caixa quando viu um rapaz entrar na farmácia. “Ele veio diretamente até a mim, então falei com ele gentilmente, como faço com todos os clientes”. Assim que a funcionária se dirigiu ao homem, ele anunciou o assalto. A atendente conta que sofreu ameaças constantes enquanto pegava o dinheiro para o ladrão e sentiu que se não entregasse ele atiraria. Na opinião de Kethleen, “enquanto estiver faltando empregos,

outra função na igreja e não usaria mais a túnica de coroinha, por isso pedi emprestada. Quando cheguei à casa dele para pegar a roupa ele me segurou pelos braços com força, me jogou na cama e me estuprou. Depois ainda zombou de mim, dizendo que era bom eu usar a túnica ou ele teria que pegar de volta”, conta num único fôlego. Tomada pela angústia, medo e dor, Bruna voltou para casa mas não disse nada à mãe. Ao invés disso, ligou para uma amiga mas nem conseguiu contar tudo. “Ela disse que eu queria transar com ele, que parasse de graça. Chorei muito, porque nem ela ficou do meu lado”, lembra, enquanto enxuga os olhos. Uma pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) estima que apenas 10% das vítimas de estupro dão queixa do crime à polícia. Ainda segundo o IPEA, 70% das violações são cometidos por parentes, namorados ou amigos da vítima, o que indica que o principal inimigo está, muitas vezes, dentro de casa ou muito próximo. “Muitas mulheres não denun-

ciam pelo constrangimento e por medo do julgamento da sociedade”, afirma Maria Margarida Mesquita, plantonista da Sala Rosa de Suzano. Embora desde 2005 exista no país a Central de Atendimento à Mulher – Disque 180, Bruna não foi informada de seus direitos. A jovem nunca havia ouvido falar no atendimento “emergencial, integral e multidisciplinar” disponível em qualquer hospital do SUS, público ou conveniado. A Secretaria de Saúde de Mogi das Cruzes, município que já registrou 80 casos neste ano, adota o “Protocolo de Assistência às Vítimas de Violência Sexual”, instrumento que orienta os profissionais da saúde sobre como detectar sinais de agressão e como prestar atendimento imediato mantendo sigilo e discrição. * O nome foi alterado para preservar a identidade da vítima.

Telefones úteis: Central de Atendimento à Mulher: 180; Patrulha Maria da Penha (Suzano): 153; Disque-Denúncia: 181; Polícia Militar: 190.

Roubos crescem 17,5% na região do Alto Tietê Nayara Francesco Dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo comprovam o sentimento de insegurança nas ruas do Alto Tietê. Os roubos aumentaram 17,5% de janeiro a julho deste ano em comparação com o mesmo período de 2016. Itaquaquecetuba registrou a maior alta com 1.996 nos últimos sete meses, seguida por Suzano com 1.914 e Mogi com 971 casos. Em Itaquá foram quase 10 ocorrências por dia.

NAYARA FRANCESCO

Farmácia na qual trabalha Kethleen Torres, assaltada em setembro deste ano

algumas pessoas vão buscar formas como essa para sobreviver, infelizmente”. Segundo o especialista, o aumento das taxas de

desemprego e cobrança de juros exorbitantes por parte do sistema financeiro têm relação, sim, com o aumento da criminalidade.


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economia

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Número de MEIs aumenta 42,3% em Mogi Comércio é atividade mais procurada. Inexperiência faz muitas empreitadas acabarem em fracasso FOTOS: GUSTAVO GOMES

Gustavo Gomes Trabalhar com a carteira assinada e ter os direitos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) está se tornando cada vez mais raro entre os trabalhadores. Mas muitos começam a ter esperança de dias melhores depois do novo dado divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em agosto. A pesquisa mostra queda no desemprego de 13,7% para 12,8%, de abril a julho deste ano. No Alto Tietê não é diferente. Entre janeiro e julho de 2017, houve o aumento de admissões sobre demissões na região, sendo empregados 61.463 contra 58.503 demitidos, gerando saldo positivo de 2.960 vagas. É o que mostra o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), fornecido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). No entanto, a redução do desemprego se deve ao aumento de vagas na informalidade. “Quando o trabalhador perde o emprego ele procura outra atividade para se manter, e a informalidade tem sido a principal saída para muitos que já perderam a esperança de encontrar um novo emprego no seu ramo de atividade. Muitas vezes essa empreitada acaba em fracasso, pela falta de experiência”, explica o vice-presidente do Sindicato dos Economistas de São Paulo e professor da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) Waldir Pereira Gomes. Isso pode ser visto na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) referente ao segundo trimestre de 2017, que mostra a existência de aproximadamente 10,7 milhões de trabalhadores sem carteira assinada, aumento de 5,4% em

Nova legislação muda relações trabalhistas SAMUEL BARÃO

Alexandre Siqueira, vendedor ambulante há 16 anos nas imediações da UMC

relação ao segundo trimestre de 2016. Já o trabalho por conta própria caiu 1,8% em relação ao ano anterior e ocupa atualmente 22,5 milhões de trabalhadores. As dificuldades que esses trabalhadores enfrentam são inúmeras. ”Para trabalhar informalmente você tem que estar bem todos os dias. Você não pode ficar doente, não pode se machucar, não pode ter problema algum. Um dia sem trabalhar representa dinheiro a menos e as contas não esperam”, declara Cláudio Gomes, motorista informal de 44 anos, que dirige pelos aplicativos Uber e 99. A informalidade quase sempre representa trabalho árduo, mas para quem está em busca de sustento, isso é o que menos importa. “Chego a trabalhar mais de 10 horas por dia, mas também sou meu próprio patrão e faço o meu horário e ganho até mais que quando estava registrado”, diz Alexandre Siqueira, 40 anos, vendedor ambulante de chocolates, doces e derivados, que trabalha há 16 anos nas imediações da UMC. O número de Microempreendedores Individuais (MEI) aumentou nos últimos dois anos na cidade de Mogi das Cruzes. Dos

Cesar Alexandre, do PAT Suzano: MEI não pode mascarar vínculo empregatício

HEITOR HERRUSO SAMUEL BARÃO

Gláucia Coutinho, diretora de departamento do Emprega Mogi

5.900 em 2015 passaram a 8.381 em agosto de 2017, um aumento de 42,3%. “Com a crise, percebi que muitas pessoas decidiram empreender no comércio, foram trabalhar com suas habilidades manuais e se tornaram Microempreendedores Individuais (MEI). Esta forma de empreendimento dá mais segurança que o trabalho informal”, afirma Gláucia Coutinho, diretora de departamento do Emprega Mogi, programa municipal de auxílio à recolocação profissional.

As leis federais 13.429 e 13.467, aprovadas em 2017, conhecidas como Lei da Terceirização e Lei da Reforma Trabalhista, permitem, entre outras coisas, que atividades-fim das empresas sejam terceirizadas. A nova legislação invalida a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e institutos como convenção coletiva perdem força. Com a nova legislação as empresas têm preferido contratar trabalhadores na condição de Microempreendedores Individuais (MEI), ao invés do tradicional contrato registrado em carteira. O suzanense Ivan Garcia, 22, aprova a novidade. “Já fui estagiário, assistente comercial e coordenador de marketing, sempre em regime ‘celetista’, mas hoje faço distribuição de materiais para construção civil na condição de MEI. Os descontos da CLT são muito altos compara-

dos aos meus gastos como MEI”, afirma. Para Cesar Alexandre, 34, do Posto de Atendimento ao Trabalhador (PAT) de Suzano, muitas empresas na região estão se aproveitando para economizar encargos. Ele afirma que há empregadores demitindo funcionários na expectativa de contratar outros como prestadores de serviços. "No entanto, qualquer prestação de serviço com regularidade e subordinação caracteriza vínculo empregatício para o qual se exige registro na carteira”, alerta. Daniela Inácio da Silva, 38, se tornou MEI por exigência de um órgão público de Mogi e acha que faltam benefícios no novo regime. “Prefiro a CLT, pois ela garante direitos como vale transporte, férias e décimo terceiro. Como prestadora de serviços só tenho o INSS”, diz. De acordo com o PAT de Suzano, atualmente a agricultura e a construção civil são as áreas que mais contratam na nova forma de relação trabalhista.


economia

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Especialização ajuda setor fitness a superar crise Oferta de treinos diferenciados, como pilates, crossfit e treinamento funcional, está se popularizando em Mogi das Cruzes BEATRIZ FERNANDES

BEATRIZ FERNANDES CAYNAN FERREIRA O setor fitness parece blindado à crise enfrentada pelo país desde 2014. Entre 2016 e 2017 o setor cresceu cerca de 20% e tem conseguido manter esse ritmo. Levantamento realizado pela ACAD (Associação Brasileira de Academias) em 2014, aponta que o ramo movimenta cerca de US$ 2,5 bilhões de dólares, ou seja, algo em torno de R$ 8 bilhões de reais por ano. Em Mogi das Cruzes, dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados) mostram melhora na geração de empregos, com 2.817 admissões contra 2.601 demissões em julho, o que pode ser efeito do empreendedorismo, sobretudo na área fitness. Dados do Empresômetro – Perfil Empresarial Brasileiro –, do começo do ano colocam Mogi em 16º lugar no ranking do Estado de São Paulo com a maior quantidade de micro e pequenas empresas em atividade, cerca de 43.912. De acordo com Mônica Lemes, analista do Sebrae de Mogi das Cruzes, o mercado fitness

CAYNAN FERREIRA

Alunas na aula de pilates com bola e acessórios, trabalhando a contração do abdômen e a coordenação motora, por meio do controle respiratório

tem crescido bastante. “Atendemos muitas academias aqui no Sebrae. O mundo fitness ligado à qualidade de vida, com exercícios bem instruídos, vem evoluindo muito”. O movimento do setor se deve também à preocupação com a aparência. A fisioterapeuta Heloisa Pudo, proprietária do estúdio de pilates

Vittalisa, afirma que a empresa amadureceu na crise, focando no público-alvo. “Adotamos algumas estratégias, como descontos, promoções, incentivos para alunos continuarem matriculados, propagandas em mídias sociais e atendimento online”, explica. O pilates é um campo em ascensão no Brasil e no mundo. Só

conseguir uma renda variável. Algumas vantagens podem ser notadas neste “novo” modo de trabalho, como: trabalhar em casa cumprindo seu próprio horário e melhor definição de estratégias do negócio, uma vez que há pouca interferência de gestores. A mogiana Erica Santos é uma empreendedora de marketing multinível há 3 meses numa revenda de cosméticos, produtos de hi-

giene e bem-estar. Ela e o seu amigo investiram a quantia de 2.200 reais para entrarem no negócio e em uma semana conseguiram recuperar o dinheiro investido, uma vez que já conhecia a marca e faltava apenas uma apresentação de alguém que já estivesse atuando no ramo. Assim Erica pôde conciliar a venda de produtos adquiridos com a sua rotina diária: “Minha maior preocupação em voltar a

Marketing de rede atrai pelas facilidades, mas vantagens podem ser ilusórias LUCAS CAMARGO A crise econômica brasileira que dissolve empregos de carteira assinada e o desgaste natural da velha rotina de trabalho são alguns dos fatores para o crescimento de uma alternativa profissional. É o marketing de rede ou marketing multinível (MMN) que ganha cada vez mais adeptos e atrai pelas suas “facilidades” em

Lucas Siqueira, instrutor de treinamento funcional, demonstra exercício com corda que estimula força e resistência

trabalhar era com minha filha, ter que deixar em creche ou com outra pessoa. Com o MMN, eu posso trabalhar em casa, cuidando dela, fazendo o meu horário”. Porém, esta diversificação de concepções capitalistas proporcionadas pelo marketing de rede não agradou a todos que se arriscaram em apostar neste plano de negócios alternativo. O profissional liberal Marcos Martins conta que conheceu há um ano e meio um clube de compras on-line da Alemanha. A promessa básica era a opção de compra em mais de 2000 produtos

no Brasil, existem atualmente em torno de 35 mil estúdios e esse número tende a crescer. O educador físico Lucas Siqueira, da academia Mogi Treinamento Funcional, acabou de inaugurar uma nova unidade. A modalidade começou a se popularizar no Brasil e tem se tornado uma ótima oportunidade para quem deseja investir no setor. Lucas fala que valoriza muito a propaganda e comenta que o marketing online faz diferença. Cerca de 70% dos alunos vêm da internet. “Tentamos estabelecer um relacionamento mais próximo, fazendo com que o cliente se sinta acolhido”, justifica. Outro segmento em expansão é o crossfit. O site crossfit.com, especializado no segmento, informa que o Brasil já é o segundo país com maior número de boxes, com 846, atrás dos Estados Unidos, disparado na frente com 5.522. Hebert de Matos, um dos proprietários do box Um CrossFit, afirma que resolveu abrir o negócio por ter percebido a alta procura de alunos. “Quase todos os dias há alguém buscando pela modalidade. As pessoas querem boa saúde e treinos diferenciados”. mais baratos que em lojas convencionais, mas o negócio logo perdeu sua força frente aos concorrentes devido ao investimento do e-commerce de lojas tradicionais, além de outros clubes que surgiram e a forte cobrança de metas para se manter na base do negócio. “O sistema não se importa com as pessoas que estão embaixo na rede. É um trabalho ilusório que fabrica riqueza para quem está em cima. Eles alegam trabalho em equipe, mas só com sorte talvez você consiga fazer a sua própria riqueza com esse tipo de exploração".


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meio ambiente

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Aquecimento causa estragos no setor agrícola Mogi das Cruzes, Cinturão Verde da Grande São Paulo, é uma das cidades afetadas pelo fenômeno KAYANE ROCHA

Museu cria parcerias para educação ambiental Bárbara Mattos O Museu da Energia de Salesópolis está investindo em inovações que podem trazer grandes mudanças para o futuro com boas ações para o meio ambiente. Por meio do Projeto Aprendendo a Reciclar, o museu ofere-

faz questão de mostrar aos alunos o destino final das suas arrecadações. Desde o início em 2016, houve aumento de 20% na arrecadação de materiais recicláveis na cidade. Só de garrafas PET, já foram recoclhidas cerca de 41 mil. O Museu também promove parcerias com outras instituições, FOTOS: BÁRBARA MATTOS

Plantação de caqui de Lucas Siqueira seriamente afetada pelo aquecimeto global. Produção agrícola sofre transformações

Andriele Mendes Kayane Rocha Mirela Rodrigues De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o aquecimento global deve provocar perdas de R$ 7 bilhões na produção agrícola brasileira já em 2020. Segundo o professor Fernando Juabre Muçouçah, engenheiro agrônomo com doutorado na área, e diretor da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec) em Mogi das Cruzes, as alterações no clima impactam as plantações, atingem a geração de empregos, reduzem produtividade e aumentam o preço dos alimentos. “A economia do município e da região será afetada, já que o setor do agronegócio é responsável por mais de 20% do PIB Nacional e 37% dos empregos gerados no Brasil”, avalia. Os agricultores da região já notaram mudanças. Lucas Siqueira, 21, é estudante de Agronegócio e com a família cuida da Siqueira

ANDRIELE MENDES

MIRELA RODRIGUES

Fernando Maia (acima, à direita) em evento do Projeto Energizando. Estudantes entram no clima da música gerada pelas pedaladas

Moçouçah explica riscos para o setor

Feirantes se preocupam com o futuro

Hortifruti, empresa familiar de produção e distribuição de caqui, berinjela, jiló e outros alimentos, em nível nacional. Para Lucas, as alterações climáticas causadas pelo aquecimento são ruins, principalmente para os legumes. "Nas secas prolongadas temos que molhar as plantas com mangueiras, o que encarece muito a produção”, relata. Muçouçah diz ser difícil encontrar soluções que sejam 100% funcionais. “Repensar hábitos, atentar para os cuidados ambientais e diminuir o ritmo de consu-

mo são possibilidades para reverter essa situação”, alerta. As mudanças climáticas impactam toda a cadeia produtiva de alimentos, causando prejuízos também para comerciantes e consumidores. Yoshida Hoçoya, que há mais de 17 anos vende legumes nas feiras de Mogi se sente inseguro quanto ao futuro. “Antes sabíamos em quais períodos do ano haveria chuva, ou quando ficaria seco, mas com o clima instável de hoje, fica difícil saber quais produtos poderemos vender”.

ce oportunidades para crianças e jovens aprenderem desde cedo a importância da reciclagem. São atividades de arrecadação e processamento de materiais recicláveis, além de trilhas ecológicas. Desenvolvido em parceria com a Associação dos Recicladores da Estância de Salesópolis, o projeto

como Projeto Energizando, promovido pela Pedal Sustentável. Trata-se de uma empresa privada de pesquisa de energia renovável e eficiência energética. José Carlos Armelin, professor de mecatrônica e idealizador do projeto, explica que a ideia é fruto de três amores: ciclismo, mecatrônica e música. Ele desenvolveu plataformas que convertem pedaladas em energia elétrica capaz de fazer funcionar ventiladores, instrumentos musicais, carregar celulares e muito mais. Além de grandes eventos, o projeto leva as bicicletas experimentais e palestras para escolas estaduais de São Paulo, incentivando os alunos a pedalar para gerar energia.


meio ambiente

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2017 | Ano XIX | Nº 101

SOS Mata Atlântica financia pesquisa da UMC Projeto criado por professores e alunos da UMC, financiado pela fundação SOS Mata Atlântica, visa mapear, conservar e restaurar áreas degradadas da Serra do Itapeti

Salesópolis tem falhas no saneamento básico AMANDA MOREIRA

LABMAP/UMC

Vala conduz esgotos domésticos até as represas Ponte Nova e Rio Paraitinga

Amanda Moreira Lucas Oliveira Pablo Arisa

Projeto “Caminhos do Itapeti" busca conservar e reflorestar áreas degradadas por ocupações imobiliárias irregulares

CAROLLINE BITTENCOURT SUELENN LADESSA Uma das maiores áreas da Mata Atlântica do Estado de São Paulo, a Serra do Itapeti, corre sério risco de degradação devido à ocupação imobiliária desenfreada e loteamentos clandestinos. Para enfrentar o problema, a Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) e a Fundação SOS Mata Atlântica criaram o projeto “Caminhos do Itapeti”, que espera identificar quais as iniciativas sustentáveis ocorrem na área do entorno do Parque Natural Municipal Francisco Affonso de Mello, localizado na Serra, preservar áreas ainda intocadas e mapear o espaço visando o reflorestamento de locais devastados. As atividades tiveram início no meio do ano passado, após

ser selecionado, entre mais de 100 projetos inscritos, para o financiamento da ONG SOS Mata Atlântica. O estudo descobriu que os principais danos causados pelos moradores na área pesquisada estão relacionados ao descarte de lixo, queimadas, desmatamento e destruição de animais nativos que não conseguem trafegar pelos corredores ecológicos. O projeto é coordenado pela professora Maria Santina Morini, com participação do professor Ricardo Sartorello, da aluna e mestranda do curso de Políticas Públicas Jéssica Paloma Ferreira, e da professora Renata Scabbia. “Percebemos que o lado da Serra em que não há moradores está se recuperando. Porém o lado que sofre maior pressão está perdendo áreas florestais para as

construções”, comenta o professor Ricardo. Outro fator a ser pensado são os problemas para futuro, uma vez que não houver a preservação. “Temos muitas nascentes na Serra do Itapeti. Quando retiram a floresta e a ocupam, ocorre naturalmente uma redução na disponibilidade de água, afetando inclusive o aquecimento global”, afirma a professora Renata. Segundo a mestranda Jéssica, o projeto já identificou diferentes tipos de atividades produtivas na área, como caqui, cambuci, piscicultura e eucalipto. A coordenadora do projeto, Maria Santina, espera que a Serra seja tratada com maior fiscalização e cuidado pelo poder público na unidade de conservação. “O poder público tem como fazer algo e deve ser feito”, afirma a professora.

Já imaginou morar numa cidade isolada, sem sistema de tratamento de água e esgoto? Esta realidade é enfrentada pelos moradores do bairro Fartura, em Salesópolis. De acordo com o Instituto Trata Brasil, mais de 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada e outros 100 milhões não têm acesso a esgoto tratado. Em áreas rurais, oito em cada dez pessoas não recebem água potável em casa. Em Salesópolis, centenas de famílias convivem com o mau cheiro e a falta de água potável. No Lote dos Narcisos, localizado no bairro Fartura, por exemplo, a distribuição de água obedece a um regime comuniário. Há apenas um reservatório, compartilhado por todos os moradores do lote, o que acaba gerando conflito quando alguém não usa a água com o devido cuidado. Além disso, os dejetos são despejados numa vala que lança tudo em duas grandes barragens da cidade, a Ponte Nova e a Rio Paraitinga, que abastecem as cidades do Alto Tietê.

Francisco de Siqueira Reis, 55 anos, participou de uma reunião da Sabesp com a Prefeitura, na qual foi informado que as mudanças e melhorias iriam acontecer até o final de 2017. “Ao todo 97 residências utilizam fossas e para esvaziá-las cada família tem que pagar R$ 1,8 mil por mês. Ninguém aqui tem esse dinheiro, então a sujeira acaba jogada rio abaixo”, afirma. Segundo o prefeito Vanderlon Gomes, enquanto não houver um contrato a Sabesp não poderá fazer investimentos de saneamento no município. "Durante a audiência, apresentamos a necessidade dos recursos para atender os moradores que necessitam do serviço”, afirma. Em nota oficial, o superintendente da Unidade de Negócio Leste da Sabesp, Márcio Gonçalves de Oliveira, informou que as obras só serão iniciadas após assinatura do contrato, o que ainda não tem data para ocorrer. “O Lote dos Narcisos, no bairro do Fartura, será contemplado com redes de água e esgoto. As obras serão iniciadas imediatamente após a formalização do Contrato de Prestação de Serviços entre a Sabesp e o município de Salesópolis”, finaliza.


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meio ambiente

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Aquecimento causará mudanças nas cidades Maior desafio é desenvolver infraestrutura urbana para enfrentar elevação das temperaturas médias FOTOS: ALINE MOREIRA

Excesso de chuvas causa inundações no Alto Tietê LARISSA MARTINS

Córrego do Jardim Nazareth, em Suzano, que alaga nas temporadas de chuva

Hulli Moraes Larissa Martins Mogi, com trânsito tranquilo e calor acima da média para o fim do inverno . Ciro Pirondi defende cidades mais humanas

ALINE MOREIRA Estima-se que até 2100 a temperatura média global aumentará entre 1,4°C e 5,4°C. Os efeitos do aquecimento não se limitarão ao desconforto das temperaturas elevadas, mas causará também fortes transformações na sociedade. Com mais de 80% da população brasileira vivendo em áreas urbanas, de acordo com o Censo de 2010, a estrutura física, econômica e social do país será seriamente afetada. Haverá impactos sobre a saúde, o fornecimento de alimentos, o consumo de energia será maior e os desastres naturais mais frequntes. As cidades se tornarão grandes ilhas de calor, com graves consequências sociais. Mogi das Cruzes, cujo centro se caracteriza pela aglomeração de construções coloniais, não está preparada para esta nova realidade. O centro não foi planejado pensando nas pessoas que o ocupariam no futuro. Ciro Pirondi, arquiteto e urbanista, fundador da Escola da

Cidade, de São Paulo, estudioso da cidade de Mogi, revela que o crescimento das cidades implica necessariamente em impactos sobre a natureza, e que por isso a sustentabilidade deve ser adotada como modelo de crescimento. “A primeira coisa que deveríamos ter feito era ter desenhado a cidade para um propósito. Sabendo interpretar os desejos da cidade e a partir de ações efetivas, não apenas de leis, teríamos agredido menos o meio ambiente”, firma. Para ele, a infraestrutura urbana não pode estar voltada para o uso individual, mas precisa ser dedicada ao uso coletivo. Para o arquiteto, as cidades da América Latina dão prioridade aos veículos particulares e o pedestre fica em último lugar, quando deveria ser o oposto. “Precisamos entender de mobilidade urbana como uma infraestrutura básica”, defende. O especialista ressalta que atitudes simples, como projetos de arborização, construção de parques lineares imensos e o fim da segregação entre o espaço pú-

blico e o privado podem diminuir a temperatura de Mogi entre 3°C e 4°C. Daniel Teixeira, secretário do Verde e Meio Ambiente, e Cláudio Rodrigues, secretário de Planejamento e Urbanismo, ambos de Mogi das Cruzes, falaram ao Página UM sobre as estratégias adotadas no município para driblar os efeitos do aquecimento. Segundo Teixeira, estão sendo feitos estudos visando a construção de jardins verticais - paredes cobertas por vegetação -, calçadas permeáveis e a implantação do IPTU através do qual será concedido até 80% de desconto no imposto para quem mantiver áreas verdes nas propriedades particulares. “Essa foi a forma encontrada pela prefeitura conscientizar as pessoas. Neste caso, pelo bolso”. Já Cláudio Rodrigues diz que é preciso ter um olhar estratégico e uma política pública de Meio Ambiente. “As cidades são pensadas para os automóveis e temos que pensar nas pessoas”, afirma.

O aquecimento global vem causando grandes mudanças no clima do Alto Tietê. Desde 2009, estudos mostram relação entre enchentes na região e aquecimento global. Isso porque os gases causadores do efeito estufa estão associados ao aumento da formação de chuvas. Em Poá, onde as enchentes causam estragos, os comerciantes estão preocupados. Nilton César dos Santos, 45 anos, perito ambiental e antigo secretário de Meio Ambiente da cidade, afirma que o calçamento da região central da cidade não favorece o escoamento de água, o que explica as frequentes inundações próximas ao córrego que corta a cidade. Para o perito ambiental, o cumprimento da lei federal que determina distância mínima de 30 metros entre os rios e construções civis reduziria o problema. O comerciante Marcos Paz, 53 anos, perdeu tudo nas águas. “De repente veio uma enxurrada e alagou tudo. Os funcionários tiveram que ficar em cima dos móveis porque não tinha como sair da loja.

O prejuízo final foi de quase meio milhão”. Lúcia da Silva, 50 anos, proprietária de uma escola de cabeleireiros também em Poá, lamenta os transtornos quando chove forte. “Aqui é o primeiro lugar a acumular água e onde mais demora para escoar, por causa do bueiro em frente à minha loja”. No Jardim Nazareth, em Suzano, quem reclama são os moradores. A estudante Bruna Luisa de Oliveira, 19 anos, atribui o problema à construção do Supermercado Assaí no bairro. “Depois que construíram começou a encher com mais frequência. Em março deste ano ocorreu a pior enchente: na minha casa a água chegou até à cintura”, disse. Esmeralda Francisca da Silva, 62 anos, perdeu a geladeira, o fogão e a máquina de lavar roupa nas chuvas de março. “A gente perde tudo e tem que continuar pagando impostos”, lamenta. Questionada, a secretaria de Comunicação de Poá afirmou em nota que a limpeza na cidade e nos córregos é realizada de forma intensa. A assessoria de imprensa da prefeitura de Suzano não enviou resposta.


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