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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da Universidade de Mogi das Cruzes | Produzido pelos alunos do 5º e 6º períodos | Ano XIX | Número 102 | Distribuição gratuita | paginaum@umc.br MOZART CIRINO

Mercado discrimina mães

ALINE MOREIRA

Pesquisa da FGV (Fundação Getúlio Vargas) indica que 50% das mulheres perdem o emprego logo que se tornam mães. Legislação trabalhista não evita prejuízos para as mamães e seus filhos. Página 3

Desemprego volta a assombrar a região

Fome volta a rondar famílias

Estudo da OIT (Organização Internacional do Trabalho) indica que um a cada três desempregados no mundo será brasileiro. Na foto, candidatos a emprego fazem fila em frente a empresa de Poá. Leia reportagem da página 13.

THAYNA DE OLIVEIRA

Déficit de moradia causa ocupações irregulares Com a geladeira vazia e impedida de receber o Bolsa Família, Alessandra Gomes não sabe como alimentar os três filhos. Política econômica afeta negativamente indicadores sociais do país. Página 6

Quem está de fora não sabe das dificuldades de quem mora em terrenos irregulares. Moradores se organizam para enfrentar risco de despejo, violência, falta de serviços básicos e discriminação. Página 11

NATHALIE ALVES

MARIA EDUARDA BARRIOS

Cresce número de estudantes negros no Ensino Superior Embora negros e pardos sejam 54% da população brasileira, apenas 12,8% dos estudantes matriculados no Ensino Superior pertencem a esses grupos. Em 2005, segundo o IBGE, eram apenas 5,5%. Lei de cotas instituída em 2012 contribuiu para reduzir a desigualdade. Página 12


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opinião

2017 | Ano XIX | Nº 102

editorial

Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC)

Ano XIX – Nº 102 Fechamento: 4/dezembro/2017

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Avenida Doutor Cândido Xavier de Almeida Souza, 200 – CEP: 08780-911 – Mogi das Cruzes – SP Tel.: (11) 4798-7000 E-mail: paginaum@umc.br * * * O jornal-laboratório Página UM é uma produção de alunos do curso de Jornalismo da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), em conformidade com o Projeto Pedagógico do curso. Esta edição foi produzida pelos alunos do 5º e 6º períodos. Professores orientadores: Profa. Simone Leone – MTb 399.971-SP (Pautas e Edição de Textos); Prof. Elizeu Silva – MTb 21.072-SP (Orientação geral, Edição e Planejamento Gráfico); Prof. Fábio Aguiar (Fotografias); Projeto gráfico: Andre Eiji Nihiduma; Guilherme Mendonça de Oliveira; Luis Felipe Candido Gregorutti (Alunos do curso de DG da UMC): Orientador: Prof. Fábio Bortolotto * * * UNIVERSIDADE DE MOGI DAS CRUZES Chanceler: Prof. Manoel Bezerra de Melo Reitora: Profª. Regina Coeli Bezerra de Melo Pró-Reitor Acadêmico do Campus Sede: Prof. Claudio José Alves de Brito Pró-Reitor Acadêmico do Campus Fora da Sede: Prof. Ariovaldo Folino Júnior Diretor de EaD Prof. Ariovaldo Folino Junior Diretor de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão Prof. Cláudio José Alves de Brito Diretor Administrativo: Luiz Carlos Jorge de Oliveira Leite Gestora dos Cursos de Design Gráfico, Jornalismo e Publicidade e Propaganda: Prof. Ma. Agnes Arruda

artigo

Jornalismo para a cidadania

Da fartura à fome

A produção da presente edição voltada para o tema “Cidadania” revelou uma verdade pouco percebida: poucas pessoas sabem o que significa cidadania. O conceito está contaminado pela ideia de ações cidadãs – mormente assistencialistas e desconectadas das necessidades mais profundas do alvo da boa ação. No teatro das boas ações, cabe ao doador um papel de compungida generosidade, enquanto ao assistido compete demonstrar uma humilde gratidão. Nada mais distante da cidadania, conceito contrário à ideia de relações assimétricas entre pessoas. Por cidadania entendemos o pleno acesso aos direitos disponíveis aos indivíduos de determinada sociedade, assim como suas obrigações para com a coletividade. Nesse sentido, a cidadania visa a realização plena do ser, o respeito absoluto às suas prerrogativas e a valorização da sua dignidade. A ignorância em relação ao conceito ganha forma no desrespeito em relação ao direito do outro. Quando o poder público nega plenas condições de aprendizagem aos estudantes, está negando cidadania; ao negar a alguns o pleno acesso à alimentação, aos tratamentos para a saúde, à moradia, à segurança, ao ir e vir, entre tantos outros direitos, a sociedade cria cidadãos de segunda classe. A cidadania se efetiva mais facilmente quando as pessoas sabem o que ela significa. Quem lutará por direitos que ignora existir? Quem se preocupará em garantir o acesso aos direitos a quem sequer sabe que os possui? “A população não cobra seus direitos”, dizem alguns, atribuindo à vítima a culpa pelo mal que lhe fazem. Na mesma medida em que cabe ao Jornalismo informar sobre os acontecimentos que impactam a sociedade, compete contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e de plena cidadania para todos. Nas próximas páginas o leitor irá se deparar com os esforços da equipe do Página UM em prol da cidadania plena na nossa região.

Raissa Ferreira*

da coordenação

Cidadania para quem? Agnes Arruda* O conceito de cidadania é um daqueles que a gente acredita piamente saber o que é, mas quando vai ver na prática, não consegue nem explicar direito seu significado. No dicionário, o substantivo feminino vem seguido de duas elucidações: “1. Qualidade ou condição de cidadão” e “2. Condição de pessoa que, como membro de um Estado, se acha no gozo de direitos que lhe permite participar da vida política”. Numa breve reflexão sobre o tema, pode-se apontar para o fato de que exercer a cidadania é algo que está diretamente relacionado com a plena consciência de seus direitos e deveres dentro de uma sociedade. Plena consciência essa que, invariavelmente, está relacionada ao acesso à informação. Nesse sentido, o Jornalismo responsável se faz não só com a cobertura do estritamente factual, do ao vivo, do on time, da velocidade das notícias na internet, mas sim a partir da identificação e elucidação do contexto das coisas. Assim, entender quais são os desafios para a cidadania plena é o primeiro passo para esse processo, que durante a formação de jovens jornalistas se faz fundamental; e é esse exercício que se apresenta na edição mais recente do Página UM. Boa leitura. *Professora-coordenadora dos cursos de Design Gráfico, Jornalismo e Publicidade e Propaganda da UMC. E-mail: agness@umc.br.

O Brasil é o quarto maior exportador de alimentos no mundo e a 21º maior economia exportadora. Mesmo assim, 4% da população brasileira,, ou 8.306.437 pessoas, não consome a quantidade mínima de 2200 calorias diárias recomendadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Embora o país não esteja no mapa da fome, elaborado pela Organização das Nações Unidas, a situação pode piorar, se não houver novas e eficazes políticas públicas. Segundo o Observatório da Complexidade Econômica, apenas em 2016 o país faturou R$ 600 bilhões exportando, os principais produtos comercializados são soja, açúcar, café e minérios. A soja, alimento mais produzido no Brasil, ocupada 34 milhões de hectares. É como se todo o território de Goiás, livre de cidades, reservas florestais e acidentes geográficos, fosse uma imensa lavoura de soja. Entretanto, apesar da aparente abundância a nação pode voltar ao Mapa da Fome, estudo que monitora as situações de insegurança alimentar no mundo. Entre os critérios adotados estão a quantidade de pessoas que consomem menos calorias diárias do que as recomendadas, a quantidade de pessoas que não tem certeza se terão a próxima refeição e até mesmo as pessoas que precisam se desfazer de bens, como animais, terra ou trocar trabalho, para garantir a refeição. No Maranhão se verifica insegura alimentar em 60,9% dos domicílios; no Piauí, 55,6%; e no Amazonas, 42,9%. As regiões Norte e Nordeste são as mais afetadas pela falta de alimentos. Segundo o pesquisador Francisco Menezes, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, uma série de fatores são responsáveis pela provável volta do Brasil ao mapa da fome. Entre elas, o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, o crescimento do desemprego e o corte de 1,1 milhão de benefícios do Bolsa Família, resultantes das medidas econômicas adotadas pelo atual governo. Apesar de ter assinado acordos para a erradicação da fome, como os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o país precisa implementar políticas públicas de assistência e desenvolvimento, garantindo assim acesso à terra, ao trabalho e à alimentação. A fome é apenas um sintoma da injustiça social e da má distribuição de riquezas. Ainda assim, não faz sentido diminuir o alcance de uma ferramenta como o Bolsa Família num momento de juros altos, inflação e desemprego recorde. *Aluna do 6ºA de Jornalismo da UMC.


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Mulheres perdem emprego quando viram mães Estudo da FGV indica que metade das mulheres que engravidam perdem espaço no mercado de trabalho ALINE MOREIRA

Aline Moreira Casos de mulheres demitidas após retornarem da licença maternidade são constantes e alarmantes. Uma pesquisa da FGV (Fundação Getúlio Vargas) ainda em andamento, revela que 50% das mulheres são demitidas após retornarem a seus postos de trabalho. As justificativas mais comuns são cortes de gastos pela empresa e falta de empenho das funcionárias. Monique Shinabe trabalhava na setor tecnológico de uma empresa multinacional quando ficou grávida de Mayumi, atualmente com 7 anos. Quando retornou da licença, Monique não recebeu o tradicional ‘bom regresso’. “Me demitiram no primeiro dia. Fui chamada para uma reunião e meu diretor disse que um homem havia me substituído durante a licença e, como ele tinha apresentado bom desempenho, a empresa decidiu me dispensar”, conta. Impactada pela demissão, Monique sofreu medo quando foi procurar um novo emprego. “Um ano e meio depois consegui um novo trabalho, mas me senti inferior, incapacitada, mesmo tendo formação superior e diversas certificações. Me sentia oprimida tendo que provar, mais que meus colegas, que merecia estar ali”. A história da médica veterinária Thabata Souza não é diferente. Ela foi demitida após os quatro meses de licença maternidade, faltando apenas duas semanas para retornar ao trabalho. Ela conta que a empresa alegou problemas financeiros e redução do quadro de funcionáros, mas apenas ela foi demitida. "Se o problema era financeiro, porque só eu fui mandada embora?”, questiona. Thabata contatou um advogado, que a

Maternidade da Santa Casa falha no atendimento Brenda Elvira Larissa Amorim

A médica veterinária Thábata Souza foi demitida duas semanas antes do fim da licença maternidade. Empresa alegou reestruturação e crise financeira

aconselhou a processar a clínica, mas ela decidiu não ir adiante. “Fiquei com medo de manchar minha imagem com empresas que poderiam me contratar no futuro”. Casos como os de Thabata e Monique são mais constantes do que se pode imaginar. De acordo com a pesquisa da FGV, metade das mulheres que têm filhos perdem o emprego até dois anos após a licença maternidade. A advogada trabalhista Marcela Oliveira explica que a lei para as gestantes no país é bem clara. São 120 dias de licença maternidade, podendo ser prorrogados por mais 60 se a empresa aderir ao Programa Empresa Cidadã. “Entretanto, ultrapassado o período legal, a empregada não tem mais estabilidade”.

Quanto aos direitos da mãe para cuidar do bebê, a advogada informa que a lei permite dois intervalos, de meia hora cada, durante a jornada de trabalho, para amamentação de bebês de até 6 meses de vida. "A mãe também pode faltar ao trabalho uma vez por ano, sem desconto do dia, para acompanhar o filho de até 6 anos em consulta médica”, explica. Para a jornalista Giovanna Balogh, responsável pelo site "Mães de Peito", os prejuízos para as mães não são apenas financeiros. “Pensando na volta ao trabalho, muitas mulheres fazem um grande estoque de leite materno, o que gera grande sofrimento e angústia. Ainda assim acabam demitidas. Isso é revoltante”.

Em 2015, Nadya de Almeida Vicente, 20, gestante há nove meses, estava em casa quando a bolsa rompeu. Imediatamente ela se dirigiu à Santa Casa de Mogi das Cruzes, chegando às 10h da manhã. O médico mandou que lhe aplicassem soro e depois a dispensou para voltar para casa. “Não tenho como voltar, doutor. Estou perdendo muito líquido”, desesperou-se Nadya. Após a troca de plantão, ela foi atendida e informada de que teria que aguardar pois a maternidade estava muito lotada e seu parto só seria realizado às 22h. Foram 12 horas de espera. O médico Francisco Moacir Bezerra de Melo Filho, o Chico Bezerra, que atende na Santa Casa há muitos anos, minimiza a angústia da paciente dizendo que casos assim acontecem. “Não é porque ela tem bolsa rota (rompida) que o neném nascerá de imediato”, explica. Mas o sofrimento de Nadya ainda não havia chegado ao fim. Uma semana após o parto cesareano, ela teve uma forte hemorragia e retornou ao hospital. Por meio do ultrassom foi descoberto que a placenta não havia sido retirada. “Não tem como descobrir isso na hora do parto”, justifica Chico Bezerra. Há três meses, Kawane Mançano, 24, passou por um choque. No terceiro mês de gestação, começou a sentir dores e foi até a maternidade da Santa Casa. Após examiná-la brevemente o médico disse: “O bebê não se desenvolveu, mas

LARISSA AMORIM

Falta atendimento humanizado na Santa Casa de Mogi das Cruzes

não faremos nada agora. Vá para casa e volte amanhã”. As dores continuaram, ela começou a ter sangramento e retornou ao hospital na mesma madrugada. O exame de toque constatou que o útero estava fechado. “Enquanto me vestia, senti uma coisa saindo de mim. Tirei a roupa, sacudi e aquilo caiu. Tipo um pedaço de carne”. Sem entender, olhou para o médico, que disse: “Ah, é sua bolsa gestacional. Marca um ultrassom para ver se saiu tudo ou se vai precisar fazer coletagem”. Kawane ficou perplexa com a frieza do médico. Marcello Cusatis, secretário de saúde de Mogi, culpa a superlotação da Santa Casa pelos problemas e afirma que há dois projetos para melhoria do atendimento às gestantes: ampliação da Santa Casa e construção de uma maternidade municipal. Por meio de nota, a assessora de imprensa da Santa Casa, Marina Barlati, informa que mensalmente são realizados 450 partos no hospital e 100 atendimentos diários a gestantes.


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Analfabetismo resiste mesmo na era digital

Preconceito prejudica trabalhadores negros

Em Mogi, mais de 15 mil pessoas não conseguem exercer plenamente a cidadania por falta de educação formal KAYANE JACKELINE

Andriele Mendes Kayane Rocha Mirela Rodrigues As marcas no rosto de Terezinha de Jesus da Silva, colecionadas ao longo de 87 anos de vida, revelam a tenacidade de quem não se amedronta diante das dificuldades. Analfabeta, como uma parcela dos habitantes do Alto Tietê, ela conta, com voz mansa, os desafios enfrentados pela falta dos estudos. “Eu só conhecia as letras, mas não sabia pronunciar, então eu ia juntando e perguntando, até que alguém falava ‘escritório’, por exemplo, e me mostrava onde era, quando precisava tirar algum documento”. Terezinha nasceu num sítio de Biritiba Mirim, longe das escolas. "O trajeto era muito perigoso para eu ir sozinha", conta. Aos 15 anos ela se mudou para Mogi das Cruzes e passou a trabalhar como empregada doméstica e lavadeira. O primeiro registro em carteira veio somente quando tinha 30 anos de idade. Foi na Santa Casa de Mogi das Cruzes, onde permaneceu por 35 anos até se aposentar. O número de pessoas analfabetas no Alto Tietê chega a 75.325 indivíduos, equivalente a 5% da população da região. Em Mogi das Cruzes há 15.887 pessoas analfabetas, de acordo com uma pesquisa realizada em 2013 pelo Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) e baseada no último censo. No Brasil o analfabetismo atinge 27% da população, conforme levantamento do Instituto Paulo Montenegro, em parceria com o Ibope. Se engana quem pensa que apenas os mais velhos enfrentaram dificuldades para concluir os

ROSANGELA OLIVEIRA

Os negros ainda são pouco representados no mercado de trabalho

Jheniffer freitas paulo oliveira rosangela oliveira

"Eu me viro como posso" afirma Terezinha, que nunca frequentou a escola

estudos. Luis Fernando Candido, 34, deixou a escola na primeira série da Educação Infantil, aos 11 anos, para trabalhar. Até hoje ele não conseguiu concluir nem mesmo o Ensino Fundamental. Luis trabalha como pedreiro e diz que precisa de ajuda para tudo que vai fazer, até para comprar materiais de construção, pois ele não tem noção de preço. Para se deslocar na cidade, ele anda sempre a pé por não sabe ler os itinerários dos ônibus. Luis sente vergonha por ser analfabeto, quer voltar a estudar e cobra dos governantes mais ajuda para pessoas como ele, que precisam começar do zero.

ANDRIELE MENDES

Luis gostaria de voltar a estudar

Segundo o psicólogo Fabrício Nogueira, 32, é importante concluir os estudos não só para entrar no mercado de trabalho, mas também para viver em sociedade, pois sem isso a pessoa pode ser excluída.

Após 129 anos do fim da escravidão, a sociedade brasileira ainda carrega marcas do preconceito contra pessoas negras. A discriminação apresenta-se na forma de baixa remuneração, segundo a pesquisa de Característa do Emprego Formal da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) os negros chegam a receber em média 30,42% menos que brancos, e os cargos que ocupam não têm status de liderança. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os negros são 53,6% da população, mas representam 76% dos brasileiros mais pobres e apenas 17,4% da parcela mais rica. Dados do Censo de 2010, apontam que no Alto Tietê 630 mil pessoas são negras. O município que tem o maior percentual de negros é Itaquaquecetuba, com 53,33% da população. Porém a representatividade em cargos de grande importância é mínima. Algumas empresas deixam de contratar candidatos devido à cor da pele, como relata o assistente administrativo William

Kato. “Contratamos uma funcionária para atender à solicitação de uma cliente, mas ao descobrir que se tratava de uma mulher negra ela pediu que fosse substituída”, conta. O preconceito que muitos dizem ser coisa do passado ainda pode ser percebido em todas as esferas da sociedade. Sandra Ferreira, consultora de negócio, diz que já perdeu oportunidades profissionais por conta de sua cor. “Uma vez fui a um processo seletivo e tinha tudo para aquela vaga ser minha, mas me falaram que eu não tinha o perfil da empresa”, relata. Ela conta já ter ouvido frases como “Ela está ocupando um cargo que não era para ela e que estava ocupando o espaço de pessoas qualificadas”. A líder de RH Paula Santos destaca ter conseguido o cargo que ocupa devido à sua experiência. “Entrei como líder pois trabalhei em outra empresa e exerci por três meses a função”. Para a supervisora de call center Camila Oliveira, no telemarketing o preconceito de cor não tem vez. “A filosofia de gestão de pessoas que adotamos independe de raça, crença, cor, cabelo, sexo e outras peculiaridades”.


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Famílias lutam contra esquecimento de crimes Douglas Valence e Ivani Lira aguardam por justiça após perder familiares em homicídios não solucionados FOTOS. RENAN OMURA

ANNY NUNES RENAN OMURA Às 4 horas da madrugada de 20 de agosto, Shirley dos Santos recebeu a notícia. “Seu filho reagiu a um assalto e está internado no Hospital Santa Marcelina, em Itaquá”, disse por telefone a ex-namorada de Danilo Valence, 21 anos. Shirley foi até local e encontrou o filho em coma, com fraturas e coágulo na cabeça. Seis dias depois o jovem morreu devido a uma infecção hospitalar. Na noite do crime, a vítima saiu para se reconciliar com a ex-companheira, com quem tinha uma filha de um ano. O encontro foi numa tabacaria em Suzano. Após saírem do local, Danilo foi encontrado inconsciente embaixo do Viaduto Ryu Mizuno. Não se sabe ao certo o que aconteceu. Na primeira versão, contada pela a ex-namorada, Danilo sofreu uma tentativa de assalto e foi atropelado, porém ela não registrou o boletim de ocorrência no dia do crime. Contestada, ela sustenta outra versão. Segundo a ex-companheira, Danilo tinha tentado agredi-la e, para defendê-la, Thiago, amigo dela, teria atropelado a vítima. Se-

"É injusto. Eles devem pagar pela morte do meu filho como assasinos"

"Entrei no grupo Mães Mogianas depois que perdi nove alunos"

nadora do grupo Mães Mogianas que luta por justiça ao lado de mulheres que perderam filhos em chacinas. Ela relata que a insistência traz conquistas. Em dois anos o grupo conseguiu a prisão dos dois policiais que mataram Breno e outros jovens, bem como descobriram o envolvimento deles nas chacinas de 2013. “Para o caso ser totalmente resolvido eles precisam ser expulsos da corporação”, diz. Segundo Inês o esquecimento rápido dos casos faz com que o desfecho do processo permaneça indefinido. “Há pessoas que veem a matança por parte dos policiais como uma limpeza social, eliminando quem merecia, e por isso as chacinas caem no esquecimento”, conclui. vos sobre os serviços oferecidos. Segundo Priscila, muitos pacientes encaminhados pelos diversos serviços públicos desistem do programa. Ela diz que é importante que a vítima se sinta preparada para o atendimento. “Cada caso é um caso, muitas vezes as pessoas nos procuram depois de meses após o crime. Por meio de parcerias, os cartazes do CRAVI estão distribuidos em hospitais, delegacias, cemitérios e unidades do IML.

gundo o advogado dela, a jovem não falou a verdade porque teve medo de prejudicar o amigo. O laudo do IML aponta que houve politraumatismo e diversas pancadas, porém nenhuma fratura. Para o delegado que investigava o caso, foi uma fatalidade. Douglas Valence, 22 anos, ir-

mão gêmeo da vítima, teme que o crime caia no esquecimento e questiona a demora na investigação. “Já se passaram três meses e não descobriram nada. Mesmo que seja uma fatalidade, a justiça tem que ser feita porque houve um homicídio. Não sabemos o andamento da investigação e temo que meu

irmão se torne apenas mais um número na estatística. Enquanto a lei não for cumprida ficamos nesse desespero sem paz”, afirma. Em Mogi das Cruzes, outra família luta por justiça. Ivani Lira Santos, 42 anos, é mãe de Breno Santos Vale, 14, assassinado em janeiro de 2015, em Jundiapeba. Ele foi morto a tiros pelos policiais Fernando Cardoso de Oliveira e Vanderlei Messias. Apesar de estarem presos, os dois não foram expulsos da corporação, e seguem detidos na prisão Romão Gomes. “Eles não podem ter essas regalias. Devem cumprir a pena numa cadeia normal. Enquanto não pagarem de fato pelo crime, não vou descansar”, garante. Inês Paz, 65 anos, é coorde-

entrevistou 12 pessoas, entre vítimas diretas de crimes violentos não consumados e familiares de vítimas fatais. Nenhuma delas havia sido encaminhada para assistência jurídica e psicológica. A empregada doméstica Laura (nome fictício) foi vítima de uma tentativa de homicídio no mês de outubro num bairro de Mogi. “Ninguém me falou nada sobre CREAS ou outro tipo de ajuda. Não consigo sair de casa”, diz. Outro caso é o de Luzia (nome

fictício), que perdeu o filho, Jonatan, assassinado em 2015, aos 22 anos, em Ferraz de Vasconcelos. “Ninguém nunca falou comigo sobre assistência”, afirma. Além das unidades regionais dos CREAS, um programa da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, criado em 1998, presta assistência a vítimas diretas e indiretas da violência. Chamado Centro de Referência e Apoio à Vítima (CRAVI), o programa tem sedes apenas em Araçatu-

ba, São Paulo, São Vicente e Santos. Segundo uma das psicólogas do programa no Fórum da Barra Funda, Priscila Santos Martins D’auria, 80% dos pacientes atendidos são mulheres que perderam maridos ou filhos assassinados. O CRAVI recebe pacientes através de encaminhamentos de Unidades Básicas de Saúde, delegacias e também dos CREAS. Uma das formas utilizadas pelo programa chegar até as vítimas é também a distribuição de cartazes informati-

"Houve um homicídio. Mesmo sendo uma fatalidade a justiça tem que ser feita"

Vítimas da violência desconhecem direito à assistência

Erick Santana Vítimas de violência, assim como seus herdeiros e dependentes, estão amparados pelo artigo 245 da Constituição Federal, que lhes garante direito à assistência pelo poder público. Os Centros de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS), com unidades espalhadas por todo o país, são os locais onde esses cidadãos devem ser atendidos. A reportagem do Página UM


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Fome no Brasil: o retorno de um antigo inimigo Diretrizes econômicas reduzem poder de compra dos brasileiros e insegurança alimentar volta a assombrar THAYNA DE OLIVEIRA

Arethusa Salemi Thayna Oliveira Uma das mais significativas conquistas sociais na história recente do Brasil foi a retirada do país do mapa da fome da ONU (Organização das Nações Unidas). Isso significa que o país alcançou a notável marca de menos de 5% da população sem acesso regular a alimentos. O combate à fome é a garantia de um padrão mínimo de dignidade humana, o mais importante desafio de qualquer sociedade. Esse avanço social tão importante está correndo o risco de desaparecer. Medidas tomadas pela equipe econômica do atual governo reduziram significativamente o investimento social e diversos programas sofreram corte de verbas, deixando mais pessoas sem acesso a alimentos. Manter-se fora do mapa da fome é um dos mais importantes compromissos assumidos pelo país a partir da Agenda 2030, conjunto de acordos que visam o atendimento aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), programa da ONU que prevê o

A realidade de Alessandra Gomes: três filhos para alimentar, armários vazios e incerteza quanto ao futuro

cumprimento de 17 objetivos e 169 metas sociais e ambientais. Em 2014, o número de famílias em situação de pobreza extrema aumentou, após sucessivos anos de queda, informa a Síntese de Indicadores Sociais (SIS), do IBGE. De acordo com levantamento realizado pela FGV-Social, a desaceleração da economia lançou novas 5,9 milhões de pessoas na linha de pobreza de 2015 em diante.

O Bolsa Família, destinado a complementar a renda de pessoas em situação de pobreza extrema, sofreu cortes. Somente em julho desse ano, foram cancelados 543 mil benefícios. Ayeska Hanna dos Santos, de 19 anos, mora com o marido em Poá, na casa dos sogros, e não consegue trabalho fixo. Para pagar as despesas ela faz bicos como garçonete, mas não é sempre que consegue.

O próprio Ministério reconhece atrasos sucessivos no cumprimento das metas. Até o fim de 2017, deveriam ter sido atendidas 300 mil crianças, mas aapenas 65 mil haviam sido atendidas até outubro. Yasmim Vitória, dois anos completados em setembro, não receberá o atendimento esperado pela mãe, Flávia Regina, porque o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) do seu bairro não foi escolhido. Em Mogi, ape-

nas os CRAS da Vila Nova União, Jundiapeba I e Jundiapeba II foram inscritos. No Alto Tietê, somente Arujá, Guararema, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Poá e Salesópolis firmaram convênio para receber o programa. Arujá já superou a fase de implantação e começou a receber as visitas em novembro. Andreia Passos, coordenadora do programa na cidade, afirma que 200 pessoas serão atendidas. “São famílias beneficiárias do Bolsa Fa-

Em um ano Programa Criança Feliz tem poucos atendimentos no Alto Tietê Gustavo Gomes O Programa Criança Feliz, do governo federal, completou o primeiro ano de atividade no último mês de outubro com apenas 1% da meta executada, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDA). Voltado para crianças da primeira infância e gestantes que recebem o Bolsa Família, o programa consiste na visitação de especialistas para ajudarem no desenvolvimento integral das crianças.

ARETHUSA SALEMI / THAYNA DE OLIVEIRA

Com o marido também desempregado, ela está tentando conseguir o Bolsa Família. "Não é tão fácil quanto parece. Você tem que juntar vários documentos e quando chega lá eles dizem que tem que esperar, só que essa espera nunca acaba". A dona de casa Alessandra Gomes, 38, mãe de três filhos e moradora de Suzano, ficou presa durante sete anos e por isso tem dificuldade para conseguir emprego. O marido

tem tuberculose e não pode trabalhar. “Tem três meses que meu benefício foi bloqueado. Tentei a cesta básica que o Centro de Referência de Assistência Social doa, porém, como tenho cadastro no Bolsa Família eles não podem me ajudar. Como vou alimentar meus filhos?” O benefício foi bloqueado porque ela perdeu o prazo do recadastramento e agora enfrenta a burocracia para resolver a situação. GUSTAVO GOMES

Yasmim, filha de Flávia, não será atendida pelo programa em Mogi das Cruzes

mília, ou seja, a listagem que recebemos tem como base os dados do cadastro único”. Caso o programa não seja

cancelado e passe da fase de implantação, mais de 1000 pessoas, entre crianças e gestantes do Alto Tietê, poderão ser atendidas.


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Falta de acessibilidade desrespeita deficientes Visual, auditiva, mental ou motora, incapacidades geram várias dificuldades de inclusão e preconceito no âmbito social FOTOS: CAYNAN FERREIRA

BEATRIZ FERNANDES CAYNAN FERREIRA Dados da Coordenadoria da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (Copede) apontam que 99 mil habitantes de Mogi das Cruzes têm algum tipo de deficiência. É como se todos os moradores de Guararema, Salesópolis, Biritiba Mirim e Santa Isabel fossem portadores de necessidades especiais. Entre as dificuldades vividas por pessoas com limitações visuais, auditivas, mentais ou motoras, locomover-se nas cidades pode representar um verdadeiro desafio pela falta de acessibilidade, em evidente desrespeito a um dos direitos humanos mais básicos, o de ir e vir. Daniel Yoshizawa é cadeirante e sofre com rampas de acesso mal planejadas. “As pessoas fazem as mudanças só para se livrarem de multa ou reclamação, nunca pensam no bem-estar do próximo”. Reinaldo Rodrigues, deficiente visual, relata que as limitações à acessibilidade estão em todo lugar. “Lixeiras mal posicionadas, postes no meio da calçada, buracos, falta de piso tátil e de avisos sonoros transformam qualquer caminhada numa empreitada de risco”. Na opinião dele, Mogi das Cruzes poderia ser bem mais acessível, não fosse o descaso da prefeitura. “É muito ruim saber que um lugar de que gosto tanto não é acessível e que para circular pela cidade sempre preciso de ajuda”. Para Eberton Thomas, amputado, o poder público não ampara os deficientes, principalmente nos bairros mais afastados. “São diversos problemas e a prefeitura não ajuda”. Ele também percebe que a sociedade não se importa com os

Buracos nas calçadas põem idosos em risco

LARISSA MARTINS

Rampas e pisos tátieis facilitam o deslocamento de pessoas com deficiência

deficientes, pois muitos problemas passam despercebidos. De acordo com o advogado Luiz Fidalgo, existem decretos e leis voltados à inclusão da pessoa com deficiência, mas ainda há muito a melhorar. “Há uma considerável falha da população e até dos órgãos públicos no cumprimento da lei”. O advogado ressalta que os deficientes têm direito às mesmas oportunidades disponíveis para toda a sociedade. O Estatuto da Pessoa com Deficiência dispõe de mecanismos que permitem cobrar do poder público o atendimento adequado aos deficientes. “Devem ser feitas mudanças em relação ao transporte e à mobilidade, adaptando prédios e veículos de utilidade pública às necessidades de inclusão”. De acordo com o arquiteto Ricardo Hatiw, a adequação das cidades exige muito trabalho e conscientização. “As prefeituras tentam adequar e modernizar os centros urbanos e pontos turísticos às necessidades de inclusão, mas os moradores dos bairros afastados e da zona rural continuam prejudicados”.

Armando Minowa fez várias reclamações à prefeitura de Mogi, sem sucesso

Hulli Moraes Larissa Martins

Em nota a Prefeitura de Mogi das Cruzes informou que vem adotando medidas para melhorar a acessibilidade das pessoas com deficiência, e que este é um trabalho desafiador, principalmente quando são levadas em consideração as características urbanas de um município de 457 anos, marcado por ruas e calçadas estreitas.

Quedas em calçadas com desnível ou buracos estão entre as principais causas externas de morte de idosos, segundo a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Quando sobrevivem a acidentes como estes, as sequelas podem durar por toda a vida e até comprometer a mobilidade. No centro de Mogi das Cruzes há pisos quebrados na Praça Monsenhor Roque Pinto, em frente ao Centro Cultural. Desde abril, o aposentado Armando Minowa, de 67 anos, vem denunciando o problema à prefeitura. Armando já presenciou duas quedas de idosos por causa dos blocos soltos e por isso se preocupa. “É um descaso com a população, ainda mais com os idosos", afirma. Elio da Silva de Jesus, 62, caiu ao descer do ônibus quando pisou em falso na calçada cheia de buracos, no centro de Suzano. O acidente causou inchaço e muita

dor ao aposentado. Ele teve sorte, pois as dores desapareceram sem que fosse necessário ir ao médico. Mas nem todos têm tempo para se recuperar. Foi o caso de Rosalina Pereira, 69 anos, que morreu após perder o equilíbrio por causa de um buraco no Jardim Varan, em Suzano. Para piorar, segundo relatos do neto Randal Savino, houve erro médico no atendimento a Rosalina, o que a levou à morte. As prefeituras de Mogi e Suzano foram questionadas através das Secretarias responsáveis, a respeito das melhorias nos locais danificados, porém somente a administração de Suzano respondeu. Em nota, a prefeitura afirma que a responsabilidade pela manutenção das calçadas cabe aos proprietários dos imóveis. Ainda segundo a nota, o proprietário cuja calçada estiver danificada pode ser multado em R$ 639,26 (200 Unidades Fiscais), caso em até 60 dias não realize as intervenções necessárias, após notificação.


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Precariedade das escolas públicas atrapalha desenvolvimento dos alunos

Alunos podem ajudar a construir um ensino melhor TATIANA FLORIS

Em Itaquaquecetuba, falta de manutenção e falhas na infraestrutura comprometem a noção de cidadania CAINAN CRISTINE

Coordenadora fala sobre desafios do ensino público em Biritiba Mirim

Tatiana Floris

Falta segurança na E.E. Carmen Netto dos Santos. Alunos também apontam pichação, alagamentos e falta de limpeza

Cainan Cristine As escolas estaduais Carmen Netto dos Santos e Jardim América, em Itaquaquecetuba, não atendem a todos os direitos garantidos pela Constituição. Falta de segurança, esgoto a céu aberto que faz o odor entrar nas salas, merenda insuficiente, ambientes sujos, pichação e degradação da estrutura são os principais problemas que comprometem a dignidade, dificultam o aprendizado e ameaçam a saúde dos estudantes. Segundo o advogado Quintino Fleury, pós-graduado em Direito Educacional, o que o Estado faz, na verdade, é impedir as pessoas de concorrerem em igualdade de condições. Para o advogado, carteiras quebradas e iluminação precária nas escolas são uma violência contra o cidadão. “Crianças que frequentam essas escolas são relegadas à condição de cidadãos de segunda classe”, afirma. Cássio Luiz Conrado da Silva, ex-aluno da escola estadual Jardim América, diz que faltam

rampas ou elevadores para alunos com mobilidade reduzida. Nathan Gabriel Alves, da mesma escola, acrescenta: “Tem pichação na quadra, tem salas de aula com janelas quebradas, os banheiros não são limpos e o cheiro de esgoto se espalha pela escola”. Para as coordenadoras Edileusa Aparecida e Maria Aparecida, a escola oferece boas condições, embora admitam que algumas coisas podiam ser melhores. “A merenda está muito precária e os móveis não são adequados à faixa etária dos alunos. Os mais velhos usam as mesmas carteiras dos pequenos. Isso prejudica a saúde deles e os materiais não aguentam muito tempo”, diz Maria Aparecida. Crislaine Santos, ex-aluna da Escola Estadual Carmen Netto dos Santos, também reclama da infraestrutura. “Há pichação, degradação e falta de limpeza. Quando chove forte o pátio alaga, porque não tem escoamento”. “Dentro da escola a segurança é zero”, completa a aluna Tatiana Cadera.

A psicóloga Kelli Miranda, especialista em neuropsicologia, explica que o ambiente compromete o desenvolvimento do aluno. “A escola sempre foi e será um dos recursos mais utilizados para o desenvolvimento cognitivo e comportamental do ser humano. É nela que o indivíduo pode melhorar significativamente seu desenvolvimento de forma geral”. De acordo com a psicóloga, o ambiente precário faz com que os alunos comecem a apresentar sintomas que podem variar de acordo com suas necessidades psíquicas. Atualmente, a escola Carmen Netto dos Santos está tentando manter a organização e a limpeza, mas de acordo com os estudantes do nono ano, estão sendo adotadas medidas extremas como corte da água nos banheiros. A coordenadora da escola, Soraya Loyola, disse que já foi solicitada manutenção da quadra à FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), mas o pedido ainda não foi atendido.

Na Constituição Federal de 1988, o Artigo 205 expressa que: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. No munícipio de Biritiba Mirim, que tem cerca de 31 mil habitantes, segundo IBGE, manter o aluno na sala de aula é um dos principais desafios. A economia do município é baseada na produção agrícola, e muitas crianças deixam de frequentar as aulas para ajudar os pais na lavoura. Denise de Souza Morais Viera, coordenadora pedagógica da escola estadual Professor José Carlos Prestes, revela que o índice de abandono escolar na região é alto. De acordo com o último relatório disponibilizado pelo INEP em 2016, a taxa de abandono escolar no município foi de 8,6%. “Por ser uma cidade pequena, onde o comércio e a lavoura são os principais geradores de emprego, os alunos não são incentivados a concluírem os estudos por não possuírem perspectivas de mudança”, comenta Denise. Para a coordenadora, falta a participação da comunidade nas

decisões escolares. “Acredito que para reverter este cenário, os pais deveriam ser mais presentes. Embora os alunos já tenham uma certa independência para tomar suas próprias decisões, a maioria ainda é menor de idade”, afirma. Além da participação dos responsáveis, Denise explica que os próprios alunos podem auxiliar na melhoria da educação. “É um ciclo, o aluno crítico fortalece a escola quando cobra seus direitos”, explica. Manter os alunos em sala de aula ainda é o começo. João Victor de Souza, aluno do último ano do Ensino Médio, acredita que o ensino seria melhor se as aulas fossem mais atrativas. João conta que a maioria dos professores fica preso ao Caderno do Aluno e negligencia a preparação dos alunos para o Ensino Superior. “Há professores que estão realmente interessados em ensinar, mas tem outros que apenas passam as atividades da apostila”, diz. De um lado, os educadores que não podem fugir da Base Comum Curricular, que é obrigatória pelo Estado. Do outro, as atuais gerações que nasceram com a internet na palma de suas mãos e exigem dinamismo nas aulas. “O grande desafio para o professor é planejar aulas realmente desafiadoras, aulas que façam sentido no cotidiano do aluno”, Denise conclui.


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Assédio misógino faz da rua campo de batalha No primeiro semestre de 2016 foram registrados 1860 ataques contra mulheres em Mogi e Suzano LILA CUNHA

Da cicatriz à arte na pele VICTOR NERES

Fabiana corrige cicatrizes uma vez por mês. A tatuagem é feita gratuitamente

Elizabeth Tavares Victor Neres Sara Fernandes fala sobre o assédio sexual que sofreu no transporte público. "Foram longos minutos de medo", afirma

Lila Cunha Nahara Reis Todo cidadão tem o direito básico de ir e vir, de transitar tranquilamente pelas ruas, utilizar o transporte público, frequentar os locais que deseja, entre outros. No entanto, as mulheres não podem exercer esse direito plenamente, pois o assédio verbal e sexual e o medo de se tornarem alvo de ataques violentos são frequentes. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, até o mês de setembro de 2017, foram registrados 60 estupros em Mogi das Cruzes, 54 em Suzano e 72 em Itaquaquecetuba. Embora a legislação garanta à mulher que se sente ameaçada ou constrangida o direito de prestar queixa à polícia por cantadas maldosas e insinuações que a agridam moralmente ou fisicamente, é necessário provar que o acusado realmente cometeu o ato criminoso para que ele de fato seja enquadrado na lei. Segundo o artigo 216 do Código Penal, a pena para quem pra-

tica assédio sexual é detenção de um a dois anos, caso o crime seja comprovado Suéllen Yuri, de 21 anos, mora em Mogi das Cruzes e conta que se sente mal quando passa perto de determinados grupos masculinos. “O meu direito de ir e vir começou a ser limitado desde a minha pré-adolescência, quando eu andava nos corredores da escola e os garotos passavam a mão em mim, tentando uma intimidade que me desagradava. Depois foram as buzinadas e os assovios nas ruas. Vejo que isso já virou cultura, pois minha sobrinha de 15 anos enfrenta os mesmos problemas”, diz. O transporte público é outro local de assédio Em 2016 foram registrados 188 relatos de assédio nos trens da Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos (CPTM), o que levou a empresa a promover campanhas de conscientização com cartazes dentro dos vagões. Sara Fernandes, 24, moradora de Itaquaquecetuba, conta que passou por um episódio de assédio e constrangimento dentro do

metrô paulistano. “O vagão estava lotado e de repente percebi que um homem atrás de mim estava em visível excitação sexual. Me senti muito mal e desamparada, já que ninguém demonstrou qualquer solidariedade comigo naquela situação”, conta. Para escapar do assédio no transporte público, algumas mulheres optam por táxis, de preferência dirigidos por mulheres. Beatriz Martins, 25, que trabalhou durante três meses como motorista de Uber em Mogi e Suzano, conta que notou como as mulheres se sentem mais à vontade e seguras quando a motorista era do mesmo sexo. Por outro lado, ela própria acabou vítima de assédio por parte de passageiros. Muitas mulheres preferem não denunciar abusos e assédios, o que sugere que os números oficiais desses crimes são subdimensionados. Qualquer mulher que se sentir ameaçada pode encaminhar sua denúncia à Central de Atendimento à Mulher por meio do telefone 180. A ligação é gratuita.

Toda cicatriz tem sua história, mas algumas carregam mais dores que outras e isso acontece principalmente com mulheres. A tatuadora Fabiana Ressetti decidiu ajudar algumas delas a superarem os traumas, transformando gratuitamente cicatrizes em arte. Esta ação ajuda as mulheres a recuperem a autoestima. Faz três anos que uma vez por mês a tatuadora recebe mulheres traumatizadas para a intervenção gratuita. “Tive a ideia ao assistir uma reportagem na TV. Vi uma tatuadora que fazia esse mesmo trabalho em mulheres vítimas de agressão doméstica. Adotei como inspiração e decidi abranger para mais situações”, explica. A profissional cobre marcas de queimaduras, cicatrizes de cirurgias, intervenções médicas mal feitas e, claro, vítimas de violência. No Outubro Rosa, o serviço passou a ser feito em mulheres que precisaram operar a auréola do seio. Ela também arrecada roupas para associações que tratam mulheres dependentes químicas e brinquedos e comida para doação a comunidades carentes

A agente penitenciária Perla de Miranda Rodrigues, de 38 anos, foi uma das beneficiadas. Ela “adquiriu” a cicatriz após ser submetida a uma cirurgia de vesícula. A agente conta que no começo não ligava muito para a cicatriz, mas com o tempo aquela marca começou a incomodá-la. “Sempre usei biquíni para ir à praia, mas aí comecei a prestar atenção nas fotos que eu tirava e achava aquilo estranho. Quando me separei e iniciei um novo relacionamento, ficava com vergonha de mostrar para meu parceiro ou até mesmo de usar roupas mais curtas”, conta. A agente conheceu os trabalhos de Fabiana em 2014 e depois de ver uma postagem sobre a ação nas redes sociais decidiu entrar em contato e cobrir os sinais da cirurgia. “Mesmo a tatuagem estando inacabada, já consigo frequentar piscina sem me incomodar, pois sinto que as pessoas não ficam olhando a cicatriz, mas sim a tatuagem”, explica Perla. Ações sociais como de Fabiana mostram que cada passo é importante para a formação de uma sociedade mais humana. “Fico feliz ao ver que as pessoas ficam contentes com que faço. Isso me motiva a continuar ajudando”, afirma a tatuadora.


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“Foi bom pra escola eu ter ficado de fora” Evasão escolar aumenta em 19% no Alto Tietê, segundo dados da Secretaria de Educação do Estado JOÃO DE MARI

JOÃO DE MARI LEONARDO NASCIMENTO PAULA FERRAZ Em meio ao barulho dos vendedores ambulantes, da correria para garantir um lugar confortável no trem, diante de uma calorosa tarde de novembro, um grupo de cinco garotos pré-adolescentes entrou no transporte público na zona central da cidade de São Paulo, com destino ao Alto Tietê. De chinelos e com os pés sujos, os meninos, descontraídos despertaram a atenção da reportagem do Página UM, quando comentavam em voz alta suas experiências de trabalho na Avenida Paulista. “Um policial me parou e perguntou se eu era ladrão. Acho que foi por causa das minhas tatuagens”, afirmou Belo, que com apenas 14 anos tem o hábito de viajar diariamente para a capital, no horário em que crianças de sua idade costumam estar na escola. Bitera, de 13 anos, comentou sobre a responsabilidade que tem; não com livros ou cadernos, mas com os mantimentos em seu lar. “Eu trabalho para ajudar minha mãe em casa. Só que agora a gente está tentando ganhar mais dinheiro para comprar roupas no Natal”. Quando questionados sobre seus estudos, por alguns segundos, o silêncio dominou a conversa, mas logo em seguida, Mateus, de 10 anos, o irmão caçula de Bitera, disse o que achava de sua antiga escola: “A diretora era chata demais e eu tumultuava muito. Acho que foi bom pra escola eu ter ficado de fora”. A infância é facilmente associada à escola. O ambiente escolar, por sua vez, é considerado o ponto de largada para a vida social e profissional. O direito ao ensino básico é fundamental e gratuito no

Em cinco anos, escolas públicas do Alto Tietê perderam mais de 35 mil alunos. Segundo a ONU, no mundo cerca de 263 milhões de crianças estão fora da escola

Brasil, como aponta a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB); crianças e adolescentes devem receber a formação comum, algo indispensável para o exercício da cidadania. Para tanto, a trajetória de todo aluno compreende-se em três etapas obrigatórias: a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio (até 17 anos). Contudo, a realidade que os garotos apresentaram tem crescido a cada ano e alarmado nosso planeta. Segundo um estudo divulgado pela ONU (Organização das Nações Unidas), cerca de 263 milhões de crianças, em todo o mundo, estavam fora da escola no primeiro semestre de 2017. A organização afirma que o fato tem elevado os níveis de analfabetismo e discriminação, além de aumentar as tensões na sociedade. No Brasil, a evasão escolar, entre 2014 e 2015, atingiu pouco mais de 11% dos alunos do ensino público. No Alto Tietê, 35 mil estudantes na rede estadual de ensino abandonaram as escolas em

meio ao ano letivo. A pesquisa divulgada em agosto deste ano, pela Secretaria da Educação do Estado São Paulo, também apontou que entre 2012 e 2017, houve uma diminuição de 19% no número de matriculados nas dez cidades que compõem a região. No fim da conversa, os garotos contaram o que planejam para o futuro. Com brilho no olhar, três deles exprimiram seu desejo de se tornarem grandes jogadores de futebol. Todavia, enquanto os amigos evitavam que as portas do trem fossem fechadas, Mateus, o mais novo da turma, revelou que seus planos são outros. “Eu quero ser bandido e atirar em todo mundo”, afirmou em meio a gesticulações que simbolizavam armas de fogo. Ao ser questionada pela reportagem, a Secretaria da Educação de Mogi das Cruzes apresentou apenas a quantidade de matriculados dos últimos nove anos. Já o Conselho Tutelar e a Diretoria de Ensino não se pronunciaram.

Alunos especiais ficam sem transporte no AT Bárbara Mattos Alunos especiais que estudam em escolas estaduais de Suzano e Ferraz de Vasconcelos estão sem transporte escolar público desde o final de outubro, porque a Secretaria de Educação do Estado cancelou o contrato com a empresa responsável pelo serviço. Há semanas que pais e crianças esperam pela van no ponto e o transporte não chega. Quem não tem transporte alternativo fica sem ir à escola. O transporte estava sob responsabilidade da mesma empresa há cerca de um ano e meio, mediante um contrato de terceirização firmado com o governo. Segundo os usuários a empresa atendia adequadamente as ne-

cessidades das crianças e cumpria os horários escolares. Gabriela Santos, 32 anos, mãe de um aluno de 10 anos, depende do transporte público para que o filho frequente a escola. A criança tem paralisia e utiliza cadeira de rodas. Como a escola fica longe, não há como ir a pé. “Ele sente muita falta da escola”, afirma. Ela acredita que a situação só vai ser normalizada no próximo ano. Segundo a Secretaria de Estado da Educação, o contrato foi rescindido porque a empresa apresentava irregularidades nas condições especificadas no edital. Emergencialmente foram acionados os serviços do Transporte Metropolitano, que está fazendo a adaptação nos itinerários.


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Déficit de moradias causa ocupações irregulares Parte dos moradores do Rio Abaixo, em Suzano são privados de direitos como saneamento e moradia digna NATHALIE ALVES

Michelly Nogueira Nathalie Alves Randal Savino Comunidade, favela, invasão, ocupação irregular. Cada um chama de um jeito, mas quem está de fora não sabe quais são as dificuldades enfrentadas por quem mora em áreas irregulares. Esta é a situação de parte dos moradores do bairro Rio Abaixo, Suzano. As áreas que eles ocupam têm proprietários diferentes, sendo alguns trechos privados, e outros reservados para dutos da Petrobrás. Segundo a Associação de Moradores, cerca de mil famílias vivem no local. Por ser irregular, não contam com direitos básicos que outros cidadãos possuem, como saneamento básico. Luz e água são fornecidos através de ligações irregulares nas redes, e as casas têm fossas individuais. O lixo é descartado em uma caçamba localizada na estrada

que dá acesso à comunidade. O transporte escolar não entra no bairro. É necessário caminhar até a estrada, onde também fica a caixa postal comunitária, já que as áreas irregulares não têm CEP. Para pegar ônibus, é necessário

caminhar por ruas de terra até a área central do bairro. A realidade do local é uma afronta ao direito à moradia garantido no Artigo 6º da Constituição. Natanael Oliveira Souza, 53 anos, morador há 10 anos, não

gosta da palavra “invasão” como descrição do local onde mora. “Eu não uso esse termo, porque é pejorativo e não somos invasores. Vir para cá não foi uma opção. Somos vítimas do déficit habitacional que existe no país. Se o governo garantisse habitação para todos, isso aqui não existiria”, desabafa. Não ter acesso à moradia digna vai além da privação de quatro paredes e saneamento básico, como se isso já não fosse indigno o suficiente para um cidadão. Contudo, a falta de um endereço afeta a dignidade e o desenvolvimento do indivíduo. Natanel perdeu a chance de estudar na universidade por não ter um comprovante de endereço. “Me atingiu muito. Meu sonho era um curso de graduação. Alcancei nota suficiente no ENEM para uma bolsa integral e escolhi Pedagogia. Na hora de assinar a matrícula, me pediram comprovante de residência em meu nome, mas por não ter um domicílio oficial, fui ex-

abortou”, afirma Thais Schaedler, 26 anos. Ela conta que durante a infância tinha contato com o pai por exigência da família dele, mas ele nunca esboçou nenhum afeto ou responsabilidade. A jovem tentou, por diversas vezes, receber a pensão, mas sua mãe e sua avó tiveram vergonha de cobrar de quem sempre negou ajuda. Thais Azevedo, 24 anos, fruto de um relacionamento extraconjugal, viu o abandono paterno prejudicar toda a sua família. Ela não foi reconhecida pelo pai, mas a mãe, funcionária concursada do Banco do Brasil, nunca se importou em exigir pensão alimentícia até que sua irmã nasceu com deficiência e o pai abandonou toda

a família. “Ele não queria gastar com a gente porque era casado. Uma vez minha mãe foi internada na UTI e liguei para ele desesperada e ele desligou na minha cara e disse que depois retornava, mas nunca retornou”, afirma Thais. O processo de reconhecimento de Thais e sua irmã está em fase inicial, mas seu pai só aceitou por medo. “Ele é um empresário importante na região e tem muito medo de ter a imagem prejudicada. Depois de várias ameaças de levar o caso a público, ele concordou em ajudar”, relata a jovem. Thais afirma que o tempo jamais apagará a ausência dele e os tempos difíceis de desestruturação familiar. Os procedimentos de reco-

nhecimento na Justiça variam de acordo com os casos de abandono. O Conselho Nacional de Justiça determina que a mãe pode procurar o cartório de registro civil mais próximo, indicar o nome do suposto pai, e dar início ao processo de reconhecimento. Se houver recusa, a mãe terá que entrar com uma ação de investigação de paternidade na Vara de Família, com ajuda de um advogado ou da Defensoria Pública. Se a decisão partir de filho maior de 18 anos, ele mesmo pode procurar o cartório, sem a necessidade da presença da mãe. Com experiência em diversos casos sobre o Direito da Família, a advogada Stéphanie Brasil conta que já atendeu diversos casos e

Na casa de Cléo Silva e Natanael Souza funciona uma biblioteca comunitária

cluído. Isso é discriminação pura”, conta Natanael. Abalado, ele completa: “Eu não estava pedindo favor. Era meu direito, que eu tinha conquistado. Depois disso desanimei e não tentei mais. Os critérios utilizados incluem os que não precisam. Esses programas não foram feitos para a classe mais pobre”. Natanael se mudou para Rio Abaixo dez anos atrás, juntamente com a esposa Cléo Silva de Souza, 44, e as duas filhas do casal, após um acidente de trabalho que causou paralisia facial, perda de audição e de visão. Impossibilitado de trabalhar, a família não pode mais pagar o aluguel em Ermelino Matarazzo, São Paulo. “Quando viemos para cá havia apenas um barraco”. Atualmente a casa é de alvenaria. Cléo já se habitou ao local. Melissa, 15 anos, filha mais nova do casal, também não pensa em se mudar. Para Natanael, a adaptação nunca veio.

que as novas alternativas deixam o processo mais rápido. “O próprio exame de DNA atualmente não passa de R$300,00. Essa possibilidade torna a decisão ainda mais rápida”, afirma. Para a advogada o reconhecimento paterno deve ser encarado como um problema social porque envolve muitas questões. “Desde a questão da sexualidade com responsabilidade até a mudança do conceito de que somente a mulher dever arcar com as consequências de uma gravidez. Acho que ainda existe um caminho longo a ser percorrido, um filho muitas vezes é tratado com um boleto, mas esse estigma é perpetuado pela forma como os homens são responsabilizados”.

Mais 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai na certidão Ingrid Caroline Segundo o artigo 227, parágrafo 6º da Constituição Federal, o reconhecimento paterno na certidão de nascimento é um dever do adulto e um direito da criança. Contudo, em 2011 os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indicaram que 5,5 milhões de crianças brasileiras não possuem o registro paterno. Além de estimular o valor afetivo, o registro assegura direitos legais, como recebimento de pensão alimentícia e herança. “Eu nasci, minha mãe me pariu e com isso pariu todo o preconceito e dificuldades que ela poderia enfrentar sendo uma jovem solteira e mãe. Já o meu pai me


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Cresce o número de negros nas universidades Desde a aprovação da lei nº 12.711 ,em 2012, mais de 150 mil pessoas ingressassem no ensino superior MARIA EDUARDA BARRIOS

De acordo com a lei cada universidade estadual e federal deve estipular uma porcentagem para cotas raciais.

Maria Eduarda Barrios De acordo com os dados divulgados pelo IBGE, em 2005, apenas 5,5% dos negros e pardos frequentavam uma universidade. Após 10 anos, em 2015, foi realizada uma nova pesquisa e o número de matrículas mais que dobrou, atingindo a marca de 12,8%. Apesar crescimento considerável,

brancos ainda são maioria nas das salas de aulas das universidades públicas e privadas, mesmo os negros representando mais de 54% da população brasileira. Após a lei de cotas nº12.711, aprovada em 2012, entrar em vigor, o número de negros no ensino superior cresceu. A lei exige que 50% das vagas das universidades federais sejam ocupadas por pes-

soas de baixa renda e que dentro deste percentual cada universidade deve delimitar um número de vagas para cotas raciais, que deve abranger negros, pardos e indígenas. Segundo o Ministério da Educação (MEC), mais de 150 mil negros ingressaram na faculdade desde que a lei entrou em vigor. Atualmente 52% das vagas do Programa Universidade Para Todos

(ProUni) são para negros e pardos. “Não foi fácil entrar e não é fácil se manter na universidade. Preciso trabalhar para ajudar nos custos de casa, já que apenas eu e minha mãe estamos trabalhando no momento e somos em cinco pessoas, então não consigo me dedicar integralmente aos estudos, como a maioria dos alunos da minha sala”, conta Vinícius dos San-

ca de 30 doaçõs de órgãos por mês. A expectativa é de que mais famílias possam se conscientizar e reconhecer que a doação também é uma forma de superar a perda. "Meu irmão não era mais a vítima, e sim herói daquela situação". Foi assim que a enfermeira Daiane Aparecida Medeiras, de 32 anos, se referiu ao irmão,Thiago Medeiros, 22 anos, que faleceu num acidente de moto ocorrido em 2010 e que teve quatro órgãos doados. Fígado, pâncreas, rins, córneas e coração foram captados do jovem. "Era um momento muito difícil para toda a família, mas não tinha nada mais que pudesse ser feito. Ele não

viveria mais, não poderia ser salvo, mas poderia salvar alguém, e foi nisso que nos apegamos naquele momento”, afirma a enfermeira. Daiane não conhece as pessoas que receberam os órgãos, mas afirma que o sentimento que fica é de saudade e orgulho. Aos 32 anos, Aparecida Miranda foi diagnosticada com insuficiência renal, doença hereditária que ocasionou o falecimento de sua mãe. Há 18 anos esperando uma doação e fazendo hemodiálises no mínimo quatro vezes por semana, Aparecida comenta que mesmo com as dificuldades do dia-a-dia, encara essa luta como

mais uma motivação para não desistir. “Nunca parei. Sempre tive muita vontade de viver e não deixar que as limitações causadas pela doença me abatessem”. Para ser um doador de órgão basta comunicar os familiares mais próximos que serão responsáveis na autorização do processo. O doador é capaz de salvar mais de vinte pessoas, podendo doar córneas, coração, fígado, pulmão, rim, pâncreas, ossos, vasos sanguíneos, pele, tendões e cartilagem, e permitir que cada vez mais pessoas que estão na fila de transplante possam voltar a desfrutar de uma vida confortável.

tos, único negro da turma de Engenharia. Ele cursa o 3º semestre com bolsa integral pelo ProUni. Outras pessoas que conversaram com a reportagem disseram que tentaram ingressar na vida acadêmica, mas não conseguiram devido à falta de condições financeiras e falta de preparo nas instituições de ensino médio. A historiadora Priscila Lima explica que, devido à sofrida história dos negros no Brasil, não houve tempo ainda para que eles se igualassem aos brancos em termos financeiros e acesso a direitos fundamentais. Muitas pessoas ainda têm preconceito e os acham inferiores, exatamente como eram tratados antigamente, “sem alma”. Sem muitas opções mais qualificadas de emprego, os negros continuam fazendo parte do universo de 76% de pessoas que vivem na pobreza no Brasil, o que dificulta também a entrada dessa parcela da população nas universidades.

Doação de órgãos transforma dor em esperança Carolline Bittencourt Suelenn Ladessa Mais do que uma prova de solidariedade, a doação de órgãos deve ser encarada como uma forma de conforto para a família, que consegue transformar a própria dor em esperança para alguém. De acordo com a Secretaria da Saúde de Mogi das Cruzes, 107 mil transplantes foram realizados nos últimos vinte anos no estado de São Paulo. É o estado com maior número de doadores de órgãos do Brasil, porém mais de 40 mil pessoas esperam na fila para obter algum órgão. Em Mogi, ocorrem cer-

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"Meu irmão se tornou um herói", afirma a enfermeira Daiane Medeiros


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Desemprego compromete o futuro dos jovens Segundo previsão da OIT, até o final de 2017, um em cada três desempregados no mundo será brasileiro MOZART CIRINO

Candidatos a vagas de atendente de telemarketing numa empresa de Poá. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) desemprego afeta principalmente os mais jovens

Mozart Cirino Com mais de 14 milhões de desempregados, o país vive uma grave e duradoura crise econômica. Segundo previsão da Organização Internacional do Trabalho (OIT), até o final de 2017 em cada três desempregados no mundo, um será brasileiro. Em toda crise econômica os que mais sofrem são os cidadãos mais jovens, que têm o futuro comprometido. Dados do Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada (IPEA) mostram que entre os jovens de 14 a 24 anos, o valor da taxa de desemprego trimestral subiu de 20%, em 2015, para 27,2% em 2016. Para os adultos de 25 a 59 anos, também houve aumento na taxa de desemprego em 2016 e 2015. Início de 2016, a taxa era de 2,2% fechando o ano com 9,1%. A população idosa acima de 60 anos teve um variação de 1,1 %, chegando a 3,4%.

Desaparecimento do emprego Com o desemprego, muitos saem em busca de recolocação no mercado de trabalho, como é o caso de Bruna Danielly da Costa Oliveira, 20 anos, moradora de Poá, desempregada há cerca de três meses. Na opinião dela, a excassez de vagas e a elevada exigência das empresas explicam a dificuldade para conseguir se empregar. ‘’Eles só querem dar chance a quem tem curso superior, pós-graduação e experiência no mercado de trabalho’’, diz. Bruna só conhece alguns direitos trabalhistas, como o FGTS e o recebimento dos dias trabalhados após a demissão. De acordo com a prefeitura de Poá, aproximadamente 6 mil pessoas estão desempregadas na cidade desde o ano passado. O Núcleo de Atendimento à População (NAP) da prefeitura encaminhou para o emprego, no período, aproximadamente 1 mil pessoas.

Direitos do trabalhador Yara Cristina Gonzaga da Silva, de 23 anos, que está empregada em Poá, conta que o mercado de trabalho não está muito bom. Yara trabalha como atendente de call center, porta de entrada para muitos que estão em busca de uma oportunidade. Ela diz que o mercado de trabalho está muito exigente. As empresas exigem que os estagiários já tenha alguma experiência, o que é difícil quando ainda se está na faculdade. ‘’O mercado de trabalho quer você esteja preparado e com cursos, diplomas, para trabalhar em pequenos cargos’’, completou. Yara diz que conhece alguns de seus direitos trabalhistas, como o 13° salário, 30 dias do aviso prévio antes de ser demitido e FGTS. Os outros direitos ela desconhece. O cidadão que está desempregado tem vários direitos, como o seguro desemprego. Este benefício pode ser solicitado se ele foi demitido sem justa causa e pode

ser pedido pela primeira vez depois que o trabalhador completa no mínimo 12 dos 18 meses antes da demissão com carteira assinada, a segunda vez cai para 9 dos 12 meses antes da demissão e na terceira, o prazo para requisição cai para 6 meses. Além de direitos trabalhistas o cidadão também tem alguns direitos sociais, como o Bolsa Família que é destinado a pessoas com renda mínima per capita de 170,00 reais por pessoa e o valor varia de acordo com a composição da família. O programa minha casa minha vida que oferece um subsídio para financiamento da casa própria, ou seja, um valor para reduzir a prestação do financiamento que atendente às famílias que necessitam de moradia. E o Pro jovem que é destinado a jovens de 15 a 24 anos pertencentes a famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família ou em situação de risco social.

Qualificação para o mercado Segundo Lea Pires, gerente de RH da empresa de contact center TMKT, o Ensino Médio é insuficiente como preparação dos jovens para o mercado de trabalho. "É necessário se qualificar. Chega muita gente aqui com idade entre 18 e 30 anos com enorme déficit no domínio da língua portuguesa", afirma. Ela orienta aos jovens que desejam se recolocar no mercado de trabalho que façam cursos online gratuitos e que sejam proativos. O próprio Ministério do Trabalho oferece um aplicativo gratuito para quem está à procura de um emprego. O Aplicativo do Sistema Nacional de Emprego (SINE) está disponível para smartphones android e tabletes. Para utilizar o aplicativo o trabalhador deve ter um código de acesso, que pode ser obtido no portal https://empregabrasil.mte.gov.br ou nas unidades de atendimento do SINE.


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Acesso a dados públicos em Mogi é inadequado Falta clareza nos dados do Portal da Transparência de Mogi. Economista crítica uso de linguagem técnica NAYARA FRANCESCO

Modelo portadora de vitiligo supera preconceito EDUARD LINS

No site da prefeitura o acesso não é intuitivo e linguagem técnica inibe o interesse do cidadão à pesquisa dos dados públicos

Nayara Francesco Esta era para ser uma reportagem sobre impostos. Aquela velha questão que sempre se vê no noticiário: tudo o que o cidadão brasileiro paga e espera ter de retorno. Eis que surge um obstáculo e a dificuldade no acesso aos dados públicos da prefeitura (quanto se gasta com a merenda, com o transporte, a segurança, entre outros) mudou o rumo do texto. A lei de acesso à informação 12.527/2011, vigente no Brasil, assegura ao cidadão “o direito de acesso à informação, proporcionado mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão”, ou seja, sem confusão, para qualquer pessoa com acesso à internet. Logo no início do site da prefeitura tem uma barra com todas as subpáginas para o cidadão acessar: “prefeitura”, “cartas e serviços”, “cidade”, “fale conosco” e “transparência”. Se intuitivamente o internauta clicar em “transparência”, ele será direcionado

para outra janela de acesso que solicita o preenchimento de outras informações- desconhecidas pelo cidadão comum. Mas não é lá em que ele deve pesquisar. Logo acima dessa mesma barra tem a opção de “acesso à informação”, disposta em uma área pequena e não tão óbvia. Quando finalmente o interessado encontra a opção correta de pesquisa, ele se depara com o “Portal de Transparência de Mogi das Cruzes”, com todos as planilhas, documentos e relatórios dispostos, mas em linguagem técnica. O professor de Ciências Contábeis da UMC, Wiliam Retamiro, que também é economista, constatou a dificuldade que as pessoas encontram ao pesquisar no site da prefeitura. “Algumas situações temos que dar muitas voltas no website. O problema está na forma que é apresentado”, analisou. A reportagem solicitou para a professora do ensino infantil, Erika Santana, fazer uma pesquisa sobre gastos públicos e dar sua opinião sobre o acesso ao site da prefeitura. Ela levou seis minutos

para chegar aos campos de pesquisa - aquela área intuitiva que confunde o internauta, e diz que isso dificulta o acesso. “Poderia ser mais objetivo, a fim de favorecer a transparência dos gastos públicos de forma mais clara e simples para qualquer cidadão”, conta. Erika, porém, admite que, como cidadã, deveria ter mais interesse nas contas públicas, mas não pesquisa. O especialista aponta o desinteresse como resultado da metodologia que os órgãos públicos usam para publicar os dados e ainda sugere uma solução para o acesso. “Talvez seja interessante que haja uma padronização geral dos municípios na forma de apresentar os dados”, analisa. Ele acrescenta que poderia ser de forma mais didática e atrativa de modo a incentivar os cidadãos a acessar os números. A prefeitura de Mogi foi procurada, mas até a conclusão desta reportagem não se manifestou sobre o assunto. O site para quem quiser consultar é www.mogidascruzes.sp.gov.br.

Superando bullying e discriminação, Bruna Souza se tornou modelo

EDUARDO LINS Aos 10 anos, quando foi diagnosticada com vitiligo, doença que provoca a perda progressiva da cor da pele, Bruna Souza de Freitas conheceu a crueldade de algumas pessoas ao virar alvo de bullying. Hoje, aos 23 anos, ela realiza o sonho de entrar no mundo da moda ao mostrar que a beleza não possui um único padrão. Com cerca de 10 mil seguidores no Instagram, a garota, além das fotos compartilha lições de vida com frases motivacionais que ensinam que não é necessário ter medo de se mostrar como você realmente é. Contudo, Bruna lembra como foi difícil conquistar seu sonho. “Na quinta série, eu sofria muito com piadas e ofensas dos colegas de sala, mas piorou depois que a doença começou a avançar para meu rosto”, declarou Bruna. Segundo a médica Vanessa Simões, especializada em derma-

tologia para tratamentos clínicos, o caso de Bruna Freitas é raro. “Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), pessoas com menos de 20 anos representam menos de 0,02% do total de acometidos pela doença, por isso Bruna sofreu tanto na infância. Os casos são mais comuns em pessoas de 20 a 30 anos e acima dos 50”, diz. A doença causou sofrimento a Bruna mesmo depois que ela chegou à idade adulta. Ao procurar emprego, as empresas não a contratavam em razão do vitiligo. “Eu ouvia coisas como 'essa vaga é para pessoas normais. Não abrimos vagas para pessoas com deficiência'". O advogado Marcelo Dantas, especialista em direito trabalhista, declara que julgar a aparência física do portador de vitiligo é discriminação que deve ser tratada e registrada como crime. Dantas sugere reforma na legislação que garanta direitos e maior proteção aos portadores de vitiligo.


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Discriminação fere artigo 5º da Constituição Pessoas que praticam atos de Intolerância religiosa, social, racial e homofóbica podem ser punidas por lei PATRÍCIA BARRETO

Bruna Souza Dorival Martins Patrícia Barreto Em um cenário de intolerância, a luta contra o preconceito é diária. Não é difícil encontrar pessoas vítimas de discriminação, seja racial, homofóbica, social ou religiosa. Definido pelo dicionário como “conceito formado antecipadamente e sem fundamento razoável”, o ato fere o exercício da cidadania conforme expresso no artigo 5º da Constituição Federal. Para Brenda Ribeiro, 25, moradora de Mogi das Cruzes, é difícil ser homossexual e não enfrentar preconceito. Ela conta que, na adolescência, alguns pais não deixavam seus filhos se aproximarem dela com medo de que estes fossem influenciados. Em casa, felizmente, Brenda não enfrentou problemas. “Não tenho do que reclamar da minha família, pois todos reagem muito bem à minha homossexualidade”. Ela enxerga como desafio fazer as pessoas entenderem que toda forma de amor é válida. “Só queremos viver e amar, não estamos fazendo mal a ninguém”, desabafa. Stefanie Torres, 20, estudante de Psicologia, cresceu ouvindo expressões como “cabelo duro” e “cabelo de bombril” em referência ao seu cabelo. Ela lamenta o preconceito e lembra-se de uma reportagem exibida na TV, na qual as crianças viam duas bonecas, uma negra e outra branca, e em seguida eram indagadas sobre qual delas se parecia mais com uma princesa. “A maioria das crianças respondeu que a boneca branca era mais parecida com uma princesa. Ninguém nasce preconceituoso, elas são ensinadas”. A intolerância religiosa também é um desafio para o exercício

Grupos de congada resistem ao preconceito Hannah Matias

Stefanie Torres [acima] relata preoconceito sofrido na infância. O advogado e professor Edison Yague [abaixo] alerta para punições previstas em lei

pleno da cidadania. O mogiano Rodrigo Mendes, 31, conta que foi demitido depois de seu ex-patrão descobrir que ele era umbandista. Assim como ele, muitos brasileiros sofrem preconceito religioso e cultural, principalmente os adeptos de crenças afro-brasileiras. “Na escola meus colegas de classe tiravam sarro de mim por ser umbandista. Falavam que eu fazia macumba para passar nas matérias e eu não entendia o motivo de verem minha religião como algo errado”. O advogado Edison Yague Salgado, professor de Direito Constitucional na Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), afirma que o artigo 5º da Constituição defende amplamente o direito de todos serem vistos como iguais perante a

BRUNA SOUSA

lei, sem distinção de qualquer natureza. “A Constituição determina punição para toda forma de discriminação que atinja a dignidade da pessoa. Está no inciso 41 do artigo 5º da Constituição Federal”. Segundo o advogado, a garantia legal não se efetiva porque o povo não cobra.

Em meio aos tambores, batuques, violas e sanfonas, grupos afrodescendentes homenageiam num canto uníssono seus antepassados, pedindo cura e proteção aos santos negros. Ícone da cultura popular brasileira, a congada, assim como os moçambiques e marujadas, é uma manifestação afrocatólica gestada a partir das heranças culturais trazida pelos escravos. A Constituição Federal garante a todos, no 215º artigo, os direitos culturais e o acesso às fontes da cultura do país, reconhecendo e incentivando a valorização e difusão dessas manifestações culturais. Entretanto, ainda hoje existem grupos vítimas de intolerância. Até 2015, por exemplo, nas festas tradicionais do Divino Espírito Santo em Mogi das Cruzes, o acesso das congadas à igreja após a procissão de Pentecostes não era permitido. Em 2016, por pedido da organização da festa, a procissão foi realizada em silêncio, sem os batuques e cantos dos congadeiros. “A partir de então os grupos resistiram, não cumpriram o acordo e o diálogo com a igreja passou a ser diferente”, explica Deo Miranda, pesquisador e coordenador da Casa do Congado, associação de defesa dos direitos sociais localizada em Cézar de Souza. Em 2017, como resultado da resistência no ano anterior, o acesso às missas passou a ser liberado.

Mogi das Cruzes conta atualmente com quatro grupos de congada e dois de moçambique. Originada na década de 1950 na região de Conselheiro Lafaiete (MG), a Congada da Santa Efigênia, fundada em Mogi em 1984, é um dos grupos mais antigos da região e conta com cerca de 40 integrantes – entre crianças, adultos e idosos. Já na quarta geração, a congada de Santa Efigênia tem na figura de Mestre Laine uma de suas maiores representantes. Reconhecida em Brasília como a primeira capitã mulher da região, Mestre Laine, como é conhecida Gislaine Donizeti Afonso, 39 anos, é filha de José Batista Afonso, fundador do grupo. “A congada para mim é muito mais do que uma manifestação, é a riqueza e herança de meu pai”, revela. Como manda a tradição, os filhos sucedem os caminhos dos pais nos cortejos. “Ainda recebemos reprovação de gente que desconhece a cultura do Brasil e as religiões afrobrasileiras”, conta Eduarda Afonso, 20, filha de Mestre Laine e auxiliar na coordenação da congada. “Tem ainda o preconceito racial, que também colabora com essa intolerância”, completa. Para a Mestre Laine, aceitar as riquezas deixadas pelos escravos africanos ainda é um desafio à cidadania. “A cultura negra é silenciada há muitos anos e o nosso trabalho aqui é propagar não apenas a dança e a música, mas também os valores que nossos antepassados nos ensinaram”.


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Ele deixou a vida na rua em busca de dignidade Durante os 25 anos que viveu nas ruas, Wagner usava drogas, passava fome e não conseguia emprego ARQUIVO PESSOAL

HEITOR HERRUSO SAMUEL BARÃO A madrugada era fria, e Wagner estava onde costumava dormir àquela hora: debaixo de um toldo, perto da fábrica da Coca-Cola, no distrito de Braz Cubas. Foi às tantas que um acidente aconteceu. Eram jovens embriagados, que sobre quatro rodas seguiam para Suzano. Wagner correu até o local da batida, encontrou sangue misturado aos objetos pessoais das vítimas e decidiu ligar para o SAMU utilizando um dos celulares que recolheu do chão. Após o resgate, as famílias o agradeceram pela atitude, mas quando tudo

teve fim, ele tornou a se sentir sozinho. Estava sem comer há três dias. Ninguém lhe ofereceu comida, ninguém lhe ofereceu abrigo. Até hoje se pergunta se esqueceram dele, ou se simplesmente não se importaram. Situações de descaso como essa, vivida por Wagner Souza, acontecem todos os dias. Somente em Mogi das Cruzes, a prefeitura estima que mais de 500 pessoas estejam nas ruas. Quando tinha 17 anos Souza entrou no mundo das drogas. A família não aceitava sua condição de usuário e, sem ter onde ir, ele passou a viver fora de casa. Souza já passou por vários centros de

acolhimento, mas a dependência química não permitia sua permanência neles por muito tempo. Na época, diz, não havia tratamento ideal, o que facilitava o retorno ao ciclo do vício. Durante a maior parte do tempo que viveu na rua, o mogiano dormiu no chão da praça Oswaldo Cruz, no centro da cidade. Ele sobrevivia se alimentando com restos de comida quando e se alguém, por pena, lhe oferecia. Um dos maiores desafios para quem vive na rua é conseguir emprego. Várias empresas o rejeitaram pelo fato dele morar em casas de acolhimento. Foi necessário utilizar um endereço de conheci-

dos para conseguir a primeira oportunidade. Isso foi em 2014, quando se tornou zelador num condomínio em Mogi. Apesar de o horário de trabalho ser das 8 às 17h, ele chegava às 6h para tomar banho e lavar a própria roupa. Quando um de seus chefes o viu na rua, após o expediente, Souza foi demitido sem nenhum direito trabalhista. A falta de dignidade causada pela exclusão levou o mogiano a reunir forças para sair da rua definitivamente. Hoje, aos 42 anos, está acolhido na Associação Beneficente Onde Moras (Abomoras), em Mogi, e se livrou da dependência química. Ele é representante

Ele, contudo, quer permanecer. Jairo fica chateado com as pessoas que julgam sua condição de maneira equivocada: “A maior dificuldade nem é o lugar, mas a indiferença de quem passa pela calçada e nem sabe dos motivos que me trouxeram aqui”. Em contrapartida, fala sobre a ótima relação de amizade, estabelecida com os moradores em situação de rua e também dos agentes sociais que os acompanham. O Centro Pop, localizado na

Avenida José Benedito Braga, 496, Mogilar, trabalha com uma equipe de assistentes sociais, psicólogos, auxiliares de apoio administrativo e os agentes sociais Alexandre, Eda e Fernando, que realizam uma abordagem social, ações da atitude reforçadora que tem como intuito a ressocialização dessas pessoas, explica o supervisor Domingos Martins. Abrigos do município também oferecem assistência social aos moradores em situação de

rua, como a Associação Maranathá Casa de Maria e Casa de Passagem, em quatro unidades: São João, Santo Ângelo, Casarejos e a Residência Inclusiva no Centro, além da Associação Abomoras, em César de Souza, e a Casa Conexão Paz, no Cocuera. Em Mogi das Cruzes, aproximadamente 236 pessoas vivem em situação de rua, e cerca de 2 mil em todo o Alto Tietê, segundo levamento das prefeituras, em 2017.

Indiferença torna a vida na rua mais difícil

Lucas Camargo A reportagem do Página UM encontrou na Avenida Francisco Rodrigues Filho, no bairro Mogilar, Jairo Siqueira que há mais de 20 anos se fixou nas ruas da cidade. Divergências com a ex-esposa e a ex-sogra abalaram o convívio familiar e o fizeram tentar começar uma nova vida fora de casa. Seu Jairo tem três filhos, que o visitam frequentemente e tentam convencê-lo a sair da rua.

Coordenador regional do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), Wagner Souza quer montar o próprio abrigo

da coordenação regional do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR). O desejo de Souza é montar uma república para a população de rua, e assim proporcionar atendimento a outras pessoas que, como ele, só precisam de uma oportunidade. O ex-morador de rua conseguiu resgatar sua condição de cidadão, e agora luta para devolver dignidade a outros que ainda estão à margem da sociedade. LUCAS CAMARGO

Jairo Siqueira, há mais de 20 anos na rua, não quer outra vida


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