N«? Especial -
1972
Fevereiro
Velhas e novas perspectivas das Equipes de Nossa Senhora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. Fim e caracteres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p.
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Meios e pedagogia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p.
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Organização e govêrno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 10 As orientações dadas em Roma . . . . . . . . . . . . p. 13 O engajamento na Igreja e no mundo . . . . . . p. 20 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 22
Revisão, Publicação e Distribuição pela Secretaria das Equipes de Nossa Senhora no Brasil. Rua Dr. Renato Paes de Barros, 33 - ZP 5 - Te!.: 80-4850 04530- SAO PAULO, SP -
somente para distribuição interna -
VELHAS E NOVAS PERSPECTIVAS DAS EQUIPES DE NOSSA SENHORA
Caros amigos:
De acôrdo com o que foi anunciado nas últimas Cartas Mensais de 1971, êste ano vai ser um ano de aprofundamento. E, quando da reunião de balanço, em novembro, a pergunta à' qual todos os casais serão convidados a responder não é: "Es· tamos satisfeitos no Movimento?", mas sim , esta outra: "Estamos firmemente decididos a nos integrar nas Equipes e a cumprir, com a ajuda do Movimento, a missão de testemunhas de Deus no meio dêste mundo que a maré crescente do ateísmo ameaça submergir?" Foi nestes têrmos que o Cônego Caffarel, no fim da conferência sôbre "As ·Equipes de Nossa Senhora face ao Ateísmo" pronunciada em Roma a 5 de maio de 1970, se dirigiu a todos nós, membros das Equipes, representados pelos dois mil casais peregrinos que enchiam a Basílica de São Paulo-fora-dos• ·Muros. ' · Vamos dispor de um ano inteiro para responder com conhe·. cimento de causa a esta indagação. ' Em primeiro lugar, vamos proceder à leitura daqueia conferência do Cônego Caffarel, lei· tura éssa que deve ·ser objeto de· séria 'reflexão. Em seguida, faremos o estudo mais aprofundado dos Estátutos. : . •• .': \ • I . ,• • ·; ~stes estudos já foram feitos em 1970-71 nas equipes euro· péias. Certas dúvidas foram levantadas e comunicadas à Equipe Responsável Internacional, que resolveu respondê-las englobadamente através de um número especial da Carta Mensal. Ei-lo! ~.
É claro que a leitura desta Carta Mensal pressupõe o estudo da conferência do Cônego Caffarel. Igualmente não se pretende que substitua os documentos de base, como os Estatutos e as conferências fundamentais do Movimento: "Vocação e itinerário das Equipes de Nossa Senhor'a" (1959) , "As Equipes de Nossa Senhora a serviço do Mandamento Nôvo" (1965). Presume-se ainda que todos conheçam os discursos de João XXII] (1959) e de Paulo VI (1970) e a Carta do Cardeal Feltin (1960).
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1: mais modesto o propósito dêste número: é o de responder às interrogações, às objeções, aos pedidos de explicação e, assim, esclarecer certos aspectos essenciais das Equipes de Nossa Senhora. A estrutura desta Carta é a seguinte:
Impõe-se, primeiro, um olhar sôbre o passado, não por preocupação de erudição, mas porque parece necessário lembrar o que tem sido e continua sendo fundamental: o fim do Movimento, os seus métodos e a sua organização; é o objeto das três primeiras partes. Sôbre êste fundo permanente as orientações dadas em Roma adquirem o seu verdadeiro relêvo (quarta parte). A resposta à objeção freqüente de que as equipes não favorecem c. engajamento dos casais impõe-se por si mesma (quinta parte).
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A Equipe Responsável resolveu seguir o processo de perguntas e respostas, por achar esta forma mais viva e direta. As perguntas, fizeram-nas os equipistas: foram extraídas, por vêzes sem tirar urna vírgula, das cartas que recebemos. Esforçamo-nos para que as respostas não fôssern cautelosas e imprecisas mas, pelo contrário, francas e claras. Assim, a decisão pessoal de cada casal, no final dêste ano, poderá ser tornada sem sombra de mal-entendidos. Bem conscientes da gravidade desta decisão, antes de redigir esta Carta com o maior cuidado e com preocupação profundamente fraternal, recorremos longamente à oração, à reflexão, a consultas. Pedimos que a leiam com as mesmas disposições: abertura, seriedade, amizade, vontade ardente de saúde espiritual e de irradiação das Equipes de Nossa Senhora. Desejamos, ainda, que não a leiam de um só fôlego, mas que a releiam várias vêzes. Dirigindo-se a casais de trinta e cinco países, a Carta não pode entrar em detalhes de mentalidades ou de situações locais, pois deve apenas salientar os traços característicos da face autêntica das Equipes de Nossa Senhora, Movimento que a todos nós compete tornar cada vez mais conforme ao que Deus dêle espera.
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FIM E CARACTERES
1.
I~
Para que fim foram fundadas as Equipes de Nossa Senhora?
Não se trata de relatar aqui a história das Equipes de Nossa Senhora, mas somente de relembrar as suas origens. Pequenos grupos de casais encontravam-se com o Cônego Caffarel para procurar em comum o pensamento de Deus acêrca do amor, do matrimônio, da sexualidade, da paternidade, etc . . . , e descobrir, no casamento, um caminho que conduzisse à santidade. Depois, os grupos multiplicaram-se e uma primeira organização tornou-se indispensável. í:stes grupos, graças a reflexões coordenadas, elaboraram pouco a pouco uma espiritualidade conjugal e familiar. Enfim, em 1947, os Estatutos apresentaram o Movimento tal como êle, passo a passo, se fôra construindo. E, no conjunto dos movimentos de leigos, as Equipes de Nossa Senhora situaram-se deliberadamente como "Movimento de espiritualidade". 2.
Por que se conserva a denominação "Movimento de esptrttua.lidade" ? Ela soa mal aos ouvidos de numerosos cristãos de hoje.
E, no entanto, esta denominação exprime exatamente o que são as Equipes de Nossa Senhora. É preciso compreendê-la bem. Ao longo dos séculos, a Igreja conheceu diferentes tipos de associações de leigos: confrarias, ordens-terceiras, movimento de Ação Católica, agrupamentos de vida evangélica. . . Em alguns predomina o serviço ao próximo, à Igreja e ao mundo, sem excluir a santificação dos seus membros; em outros . a preferência vai para a formação espiritual, sem esquecer os objetivos apostólicos. É a êst es últimos que pertence a expressão "movimento de espiritualidade". Nêles se acentua a vida "espiritual", isto é, a vida cristã, animada pelo Espírito Santo e tendendo para a santidade. 3.
A santidade ? Não é êste têrmo demasiado pretensioso e abstru.to?
Pretensioso ? Sem dúvida, se considerarmos a santidade como uma escalada à fôrça de braço. De maneira alguma, se nos
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convencermos de que ela é, antes de hl:do; um dom de Deus: o Pai dá-nos o Filho; em seu Filho e por ltle, transmite-nos a sua vida, o seu amor, o seu Espírito Santo. São Paulo constata-o: "pela graça de Deus é que sou o que sou ... " (1 Cor. 15, 10). Qual é a nossa parte ? Abrirmo-nos a êste dom, acolher esta vida e procurar vivê-la pela fé, esperança e caridade no cumprimento das nossas tarefas. Caminhar para a santidade é precisamente isto. Quem avança ousadamente deve poder declarar um dia, como o Apóstolo: ". . . e a graça que :Ele me deu não foi
inútil, pelo contrário, tenho trabalhado mais do que todos êles; não eu, mas a graça de Deus que está em mim" (1 Cor. 15, 10) .
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Abstrato ? Não deixa de sê-lo, mas, ao invés de procurarmos definir a santidade, observemos os santos - São Paulo, por exemplo. Logo nos apercebemos de que o santo é um apaixonado de Cristo. Em cada página das suas cartas vê-se como arde o seu amor por Aquêle que o conquistou em luta acesa. De fato, um dia, Cristo apareceu-lhe (2 Cor. 15, 8), êle o viu (1 Cor. 9, 1). Desde então a sua vida transformou-se radicalmente. O amor do seu Senhor o persegue (2 Cor. 5, 14) e êle sabe que nada o pode repelir. Não teme nem mesmo a sua própria fraqueza: também ela não o poderá separar de seu Mestre (2 Cor. 12, 9-10). A sua união com Cristo vai até a identificação (Gal. 2, 19-20). Tal é a santidade cristã: amor, êste amor por Cristo que devora o coração de Paulo ... Um movimento de espiritualidade é aquêle que ajuda os seus membros a caminhar para a santidade assim compreendida.
4.
Queiram ou não, falar de santidade é evocar a preocupação de se aperfeiçoar, de ser realmente BOM, mais do que a de se comprometer no serviço da Igreja e do mundo.
Se a santidade é êste amor apaixonado por Cristo de que S. Paulo nos dá o exemplo, caminhar para ela não comporta o risco de favorecer o "fechar-se sôbre si", muito pelo contrário. A alma da santidade, com efeito, é a caridade, que significa ao mesmo tempo amor de Deus e dedicação à obra de Deus. S. Paulo, mais uma vez, o atesta: "A caridade de Cristo nos impele . . . " (2 Cor. 5, 14). "Em que, sendo completamente livre, me fiz
servo de todos para ganhar a todos . . . Fiz-me tudo, para todos, para sa.l var alguns a todo o custo" (1 Cor. 9, 19 e 22). É preciso verificar continuamente, através da nossa dedicação ao próximo, a autenticidade do nosso amor a Cristo. 5.
Falam de "espiritualidade", mas, no caso das Equipes, não se trata de "espiritualidade conjugal e familiar" ?
De fato , as Equipes de Nossa Senhora definem-se, ainda mais precisamente, como um "movimento de espiritualidade conjugal
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e familiar". Um movimento de espiritualidade é, vimo-lo, uma associação cujo principal fim é encaminhar os seus membros para a santidade. Um movimento de espiritualidade conjugal e familiar convida-os a seguir êsse mesmo rumo "no e através do matrimônio", como o disse Paulo VI (1). O casamento, com efeito, pelas suas exigências e riquezas, pelas suas alegrias e dores e, sobretudo, pelas graças sacramentais que comporta, é de fato um caminho de santidade: por tudo aquilo que exige de doação e renúncia, faz amadurecer o coração humano e favorece o crescimento da caridade de Cristo nos cônjuges. Note-se que a espiritualidade conjugal e familiar pode compreender-se de duas maneiras distintas. Uma, mais restrita, que vê nela a ciência e a arte de viver cristãmente as realidades do matrimônio. A outra, mais larga, que a considera como a ciência e a arte de viver no estado de casado tôda a dimensão do cristianismo integral. As Equipes abraçaram sempre êste segundo sentido.
Compreende-se que um Movimento se preocupe com os seus membros. Mas não corre o risco de se fechar sôbre si mesmo e sôbre os problemas internos, em vez de se abrir aos apelos do nosso tempo ? É verdade que o Movimento se preocupa, primeiro, com a santificação dos seus membros mas nem por isso deixa de levar em conta a sua missão de Igreja, que consiste, por um lado, em elaborar e difundir a espiritualidade conjugal e familiar e, por outro, em testemunhar a promoção do casal dentro da Igreja. Elaborar uma espiritualidade conjugal e familiar não só para os membros das Equipes mas para todo o povo de Deus. Pode-se dizer, sem triunfalismo, que os nossos "inquéritos a serviço da Igreja" lhe trouxeram uma contribuição eficaz. Difundir esta espiritualidade. O Movimento, como tal, e os seus membros, individualmente, muito contribuiram para isso. L'Anneau d'Or empenhou-se nesta missão durante vinte e cinco anos; deu a conhecer aos casais, clero e teólogos de numerosos países as nossas reflexões sôbre a espiritualidade conjugal. Pensamos particularmente no número especial "Casamento e Concílio", enviado a todos os padres conciliares. Pensamos no Discurso de Paulo VI, em maio de 1970, que incontestàvelmente levou em consideração essas reflexões. Por outro lado, inúme-
6.
(1)
"Como todos os batizados, sois chamados à Sanl:idade, segundo o ensinamento da Igreja solenemente reafirmado pelo Concilio (cf. Lwnen Gentiwn, N9 11) . Mas deveis fazê-lo segundo a vossa própria maneira, na e através da vossa vida de casal (lbid. n9 41)" (Discurso, § 29).
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ros casais têm dado o seu concurso à pastoral dos noivos, dos recém-casados e dos casais em dificuldade.
Testemunhar, na qualidade de Movimento, êste fenômeno característico do século vinte: a promoção do casal no Povo de Deus. As Equipes de Nossa Senhora (como, de resto, outros movimentos de casais) manifestam, pelo simples fato da sua existência, que o amor humano é uma grande realidade aos olhos de Deus e da Igreja. Será isto supérfluo em nossa época? Sem que fôsse modificado o seu fim, não teria sido possível conceber de outra forma o Movimento ? É óbvio! Nos primeiros tempos do Movimento, foi preciso optar. Em primeiro lugar, o Movimento encontrou-se perante a seguinte alternativa: recorrer à Hierarquia para que ela o tomasse a seu cargo, ou constituir-se em "associação livre" dentro da Igreja, elaborando êle mesmo a sua regra e modificando-a segundo as necessidades, designando os seus responsáveis, convidando sacerdotes a desempenharem o papel de conselheiros espirituais. As Equipes adotaram, desde a origem, esta segunda fórmula. Posteriormente, o Vaticano II reafirmou a legitimidade e o interêsse de tais associações no s~io da Igreja (Decreto Sôbre o Apostolado dos Leigos, n. 0 19, § 4). 7.
Nem por isso pretendem as Equipes pôr-se à margem da Hierarquia, muito pelo contrário! Elas estão convencidas de que o sucessor de Pedro é a "pedra" sôbre a qual devem apoiar a sua fé e timbram, por outro lado, em que os equipistas permaneçam atentos ao ensinamento e às determinações de seus bispos, conforme recomendam os Estatutos. Um dos objetivos de nossa peregrinação a Roma foi o de firmar esta convicção. Em segundo lugar surgiu a questão de saber se as Equipes de Nossa Senhora se constituiriam em movimentos nacionais, mais ou menos semelhantes mas independentes, ou em federação de movimentos nacionais ou, ainda, em Movimento supranacional. Pareceu preferível a terceira fórmula. Uma federação de movimentos nacionais teria, sem dúvida, apresentado certas vantagens, sobretudo quanto à adaptação às características, temperamentos e mentalidades dos diferentes países. No entanto, as vantagens de um movimento supranacional revelaram-se muito superiores. De fato, em vários países, não teria sido possível o agrupamento dos casais sem o auxílio de um movimento supranacional; esta dependência permitiu, ainda, que as Equipes de certas regiões resistissem a várias influências internas e externas que pretendiam desviá-las de sua verdadeira linha. De resto, tanto a missão universal da Igreja como a evolução atual da sociedade tendem para a supranacionalidade. (Decreto sôbre o Apostolado dos Leigos, n. 0 19, § 3).
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MEIOS E PEDAGOGIA
8.
Não é suficiente que as Equipes proponham um fim? Por que determinam os meios ?
Nas Equipes de Nossa Senhora tudo adquire sentido quando se considera o fim: ajudar os casais a caminhar para a santidade. Mas um movimento, para atingir o seu fim, deve determinar os meios que entende pôr em ação, e adotar uma pedagogia, uma organização e um modo de govêrno. De resto, qualquer emprêsa, mesmo espiritual, não escapa à necessidade de ter uma regra que, nas Equipes, chama-se "Estatutos". Mas é evidente que esta regra está subordinada ao fim. Ela não deve tornar-se um fim, sob pena de gerar o farisaísmo. Pode modificar-se de acôrdo com as exigências do fim, seja porque êste fim firmou-se mais claro, seja porque novos contextos se apresentaram. 9.
Então por que esta regra e as "obrigações" que comporta irritam certos casais ?
Muitos casais vão buscar nela o auxílio que lhes possa trazer; é, inegàvelmente, por necessidade de uma regra que certo número de casais ingressa nas Equipes. Mas não é menos verdade que alguns se irritam. Esta irritação pode ter várias causas. Em primeiro lugar, uma regra não é propriamente uma roupa "feita sob medida". Nunca se ajusta perfeitamente a cada um dos membros do Movimento e concebe-se fàcilmente que certos temperamentos se sintam pouco à vontade. Mas esta regra não é uma camisa de fôrça para aquêles que, aceitando-a lealmente em vista do fim desejado, se preocupam em ajustá-la às suas condições de vida. É uma base comum adotada por todos, deixando a cada um o cuidado de completá-la com uma "regra de vida" que corresponda às suas necessidades e responsabilidades e sôbre a qual tem total iniciativa. Em segundo lugar, é preciso confessá-lo, quase todos nós gostamos de variar, repugna-nos a regularidade e a submissão - daí a irritação contra as "obrigações". Mas, precisamente, esta constatação é o melhor argumento em favor de uma regra. Ela nos protege contra a nossa própria inconstância, que se manifesta muito especialmente no domínio espiritual, onde não estamos submetidos a imperativos inexoráveis como na vida familiar e profissional. É por isso que vemos na regra e nas "obrigações" um amparo e um estímulo à nossa procura de Cristo.
I!
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10.
Esta regra, sem dúvida necessarta, é-nos imposta de cima. Por que ? E por que não é elaborada pelo conjunto dos casais?
Em verdade, na origem, todos os casais participaram da elaboração desta regra. Durante os primeiros anos todos os membros das Equipes se reuniam regularmente com o Cônego Caffarel para pôr em comum seus esforços e estudos. Depois, dado o número crescente de casais, só os responsáveis de Equipe, escolhidos pelos equipistas, participavam dessas reuniões. Mensalmente confrontavam as experiências, apuravam as obrigações, os métodos, a pedagogia e, sobretudo, aprofundavam com alegria a espiritualidade conjugal que descobriam pouco a pouco. Somente após sete anos de investigação, de experimentação e de vivência é que se promulgaram os Estatutos. Sem dúvida alguma, deve-se a êste realismo na elaboração dos métodos e orientação o fato de as Equipes de Nossa Senhora convirem a tantos países (trinta e dois atualmente) e a meios sociais e culturais muito variados. É mesmo notável que casais de países tão diferentes como os Estados Unidos e as Ilhas Maurícias, a Espanha e o Canadá, etc., - adotem sem dificuldade um Movimento nascido fora das suas fronteiras. Aquêles dentre nós que viajam e participam de reuniões e de Equipes a milhares de quilômetros das suas casas ficam sempre muito surpreendidos por não se sentirem deslocados. É certo que os casais de hoje recebem das Equipes uma regra já feita. Mas incumbe a cada um dêles refazer por sua conta o caminho que conduziu à elaboração dos meios de aperfeiçoamento. Somente nestas condições podem compreender a sua razão de ser e conseguir integrá-las na própria vida.
11.
Falam da "pedagogia" das Equipes. Que entendem por isso ?
Há casais que vêm para as Equipes desejosos de caminhar com Cristo para o Pai. Outros procuram nelas o revigoramento de seu cristianismo. A uns e outros o Movimento pretende ajudar neste caminho e ser o educador espiritual dos seus membros. Contribui para essa educação o conjunto do que êle propõe: os Estatutos, os meios de aperfeiçoamento, a vida de Equipe, a reunião mensal, os temas, e também as orientações do ano, as grandes opções, as sessões de formação, as peregrinações, etc. É igualmente relevante o papel do casal pilôto e do casal de ligação, aos quais compete levar em conta os casos particulares, preservar da fantasia mas também da rigidez de uma disciplina aplicada sem discernimento as Equipes e os seus membros.
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E a ajuda fraternal foi sempre considerada, desde o início, como fator essencial da nossa pedagogia. 12.
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Qual é, então, o lugar do auxílio fraterno nas Equipes ?
Desde sempre, as Equipes propuseram-se ser uma "vitória da caridade" e viver a realidade misteriosa do que chamam "ecclesia", essa pequena comunidade cristã da qual emerge e na qual se concretiza o mistério da grande Igreja. Preconizam o auxílio mútuo espiritual no verdadeiro amor, em todos os níveis. Auxílio mútuo dos Cônjuges. É uma das exigências essenciais do matrimônio cristão; deve ser cotidiano. Nas Equipes tudo tende a fomentá-lo, principalmente o "dever de sentar-se". Auxílio mútuo dos Casais. É, em certo sentido, a razão de ser das Equipes. Lembremos a passagem dos Estatutos: "Porque conhecem a sua fraqueza e os limites das suas fôrças, como também da boa vontade que os anima, porque experimentam diàriamente a dificuldade de viver como cristãos num mundo pagão, e porque têm fé indefectível no poder do auxílio mútuo fraternal, decidiram unir-se em Equipe". A reunião mensal é o tempo forte desta ajuda, que se deve estender espontâneamente às necessidades espirituais e também materiais dos membros da Equipe. Auxílio mútuo das Equipes. O nosso Movimento é uma comunidade de Equipes. Assim, as Equipes antigas ajudam aquelas que se fundam em qualquer ponto do globo, levando-as a aproveitar a sua experiência. Por outro lado, todo o Movimento beneficia-se da riqueza de cada Equipe, do dinamismo apostólico característico de um país, da amizade fraterna que, noutras regiões, leva os seus membros a superarem preconceitos raciais etc. Esta vasta ajuda espiritual tem o seu símbolo e um dos seus pontos de aplicação na oração das Equipes e traduz-se concretamente na contribuição.
13.
O que espera uma Equipe do Conselheiro espiritual ?
Para ajudá-la, cada Equipe escolhe e convida um sacerdote, o qual, trazendo-lhe o benefício de sua formação doutrinai e de sua experiência pastoral, representa para os casais auxílio e sustento no seu caminhar na vida espiritual. O sacerdote, entretanto, só ajudará eficazmente os casais na sua marcha para a santidade através dos meios preconizados pelas Equipes de Nossa Senhora, se acreditar no Movimento e encorajar os casais a observarem as suas exigências. Se os casais muito se beneficiam com a presença de um Conselheiro Espiritual, a recíproca também é verdadeira: inúmeros padres nos têm manifestado o quanto devem à amizade dos casais e ao estímulo da sua oração e dedicação.
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ORGANIZAÇÃO E GOV~RNO
14.
A extensão do Movimento conduziu à multiplicação dos Responsáveis. Qual é o seu papel ?
Existe, de fato, todo um escalonamento de responsáveis: Responsáveis de Equipe, Casais de Ligação, Responsáveis de Setor, Regionais, Super-Regionais e uma Equipe Responsável do Movimento, assistida por um Conselho Internacional. Poderíamos ser levados a crer que êstes Responsáveis constituem essencialmente peças de uma máquina administrativa. É certo que preenchem determinada função administrativa indispensável. Servem, especialmente, de órgão intermediário, nos dois sentidos, entre a Equipe Responsável do Movimento e os casais. Preocupam-se tanto em transmitir as orientações da Equipe Responsável aos membros das Equipes de base, quanto em dar a conhecer àquela as necessidades e desejos dos casais. Todavia o seu papel ultrapassa de longe a função de intermediário: estão a serviço do crescimento da caridade no Movimento, pois que lhes cabe animar espiritualmente uma sua parte, grande ou pequena que seja. Para isto torna-se necessário que os escalões de responsabilidade sejam numerosos. Bem sabemos que a correspondência escrita não é suficiente para transmitir a animação espiritual. Os contatos humanos são insubstituíveis. ~stes responsáveis querem ser apenas, na sua missão, "os cooperadores de Deus" (2 Cor. 6,1), os "Servidores de Cristo" (l-Cor. 4,1). Na verdade, só o poderão conseguir se viverem na docilidade ao Espírito de Cristo. É o motivo pelo qual parte importante das reuniões de Responsáveis, em todos os escalões, é dedicada à oração. É, também, o motivo pelo qual sempre se pediu aos Responsáveis que procurassem viver em maior intimidade com Cristo através da meditação diária e da participação na Eucaristia uma vez durante a semana. Mas, na verdade, a responsabilidade do Movimento é comum a todos os casais. Não há duas categorias de membros, uns encarregados da animação e do progresso do Movimento, outros simples beneficiários das suas riquezas. Qualquer movimento acabará declinando se os seus membros não tiverem todos amor por êle e não se sentirem todos responsáveis pela sua vitalidade.
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15.
1,
A Equipe Responsável do Movimento impõe demasiadamente as suas diretrizes.
Nada se desenvolve ou progride sem que uma direção oriente as pesquisas e o trabalho. Isso é óbvio quando se· trata das emprêsas humanas, seja de investigação científica, de casas de comércio ou das gigantescas organizações que lançaram engenhos na conquista do espaço. Sê-lo-ia menos na procura e no avanço espirituais ? De fato, a questão não é de govêrno da "base" ou de govêrno da "cúpula", mas sim, de saber se a Equipe de "cúpula" consegue descobrir as autênticas necessidades dos membros das Equipes de base e as correspondentes soluções ou se limita a tomar arbitràriamente as suas decisões. A Equipe Responsável centraliza enorme soma de informações, de experiências, de testemunhos, recebidos através de cartas, de visitas, de inquéritos, de estatísticas, de encontros internacionais, de viagens. Esta abundância de informações é-lhe de inapreciável auxílio para poder assumir o seu papel de direção. Mas não lhe é suficiente estar bem informada das necessidades espirituais; precisa ainda procurar as respostas a essas necessidades. É a razão pela qual deve estar continuamente a par das investigações em matéria de teologia do matrimônio e de espiritualidade dos leigos, sempre informada das lições do Papa e dos Bispos, e em contato com os teólogos e os sacerdotes empenhados na pastoral. É em razão desta responsabilidade doutrinai e espiritual da Equipe Responsável que se torna insubstituível o papel do sacerdote em seu seio. Tem êle por missão o aprofundamento da teologia espiritual, esta ciência do progresso no amor de Deus. Para isto, dispõe da experiência privilegiada obtida através da confissão, da direção espiritual, da pregação de retiros, etc.... De resto, a Equipe Responsável e todo o Movimento sempre deram a maior importância a esta presença e a êste impulso sacerdotais. Quantas informações, reflexões, opções não exigem as decisões que a Equipe Responsável deve tomár! Assim, foi quando saíram os Estatutos, em 1947, com o risco, que se verificou não ser quimérico, de perder uma parte dos membros das Equipes. Também assim foi quando, em 1970, foram dadas em Roma as orientações que devem permitir ao Movimento responder melhor àquilo que Cristo dêle espera. Mas, com esta preocupação de informação e reflexão, a Equipe Responsável teria o sentimento de ficar totalmente ultrapassada se não contasse com o auxílio do Senhor, que a oração de todos os membros das Equipes solicita diàriamente, e com a intercessão -11-
da Virgem Maria, a quem, desde a origem, o Movimento confiou o seu destino.
16.
F:or que não são, em todos os níveis, eleitos os Responsáveis ?
Na maior parte dos casos é impossível. Nas regiões onde as Equipes são numerosas, nas grandes cidades, principalmente, os casais não se conhecem. E uma eleição daria lugar ao jôgo das campanhas eleitorais, o que não assentaria bem, confessemo-lo, a um Movimento de espiritualidade. Mas a razão mais importante é que a Equipe Responsável do Movimento julga devam ser escolhidos aquêles que parecem os mais aptos a assumir uma responsabilidade, em função da confiança dos casais e, também, das orientações e da animação espiritual que pretende dar.
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AS ORIENTAÇOES DADAS EM ROMA
17.
Por que atribuem tanta importância às "orientações" dadas em Roma?
As orientações dadas em Roma, através do discurso do Cônego Caffarel, não modificam o Movimento - que conserva o seu fim, os seus meios e a sua organização - mas sublinham de maneira nova certas diretrizes das Equipes, em função das necessidades dos casais, do Movimento, da Igreja. Com efeito, pareceu à Equipe Responsável que, face ao mundo atual, os casais do Movimento não estavam suficientemente amparados na sua vida espiritual. Embora não fôssem desconhecidos, certos aspectos da vida cristã não eram suficientemente levados em consideração. Particularmente, muitos casais pareciam limitar-se ao nível do esfôrço moral; faltava-lhes o vigoroso impulso teologal que transformaria tudo. Esta insuficiência ao nivel dos casais repercutia-se por todo o Movimento. Aqui ou acolá manifestava-se certa falta de dinamismo espiritual e apostólico. Ainda nada de grave, mas importava prevenir um possível declínio. Remediar certo enfraquecimento espiritual é apenas a face negativa das nossas preocupações. Necessário tornava-se imprimir ao Movimento uma vitalidade crescente. O Concílio convidou os cristãos e tôdas as instituições da Igreja a um esfôrço de atualização e de renovação interiores, ao mesmo tempo que a uma presença ativa no mundo. O nosso Movimento quer responder a êsse convite, sem evasivas. Isto lhe pareceu tanto mais urgente quando vemos o mundo imerso em um processo de mutação extraordinária que traz consigo a descrença em constante aumento, favorecida, em parte, por um cristianismo sem vigor nem sedução. Dia a dia o homem toma consciência do seu poderio, mas com tendência a desprezar a Fonte divina que lhe deu o ser e o agir. A dificuldade de crer atinge, cada vez com mais freqüência, os nossos casais, através dos seus filhos crescidos. Poderíamos ficar alheios a êste drama de um mundo que pretende construir-se rejeitando a pedra angular, o Cristo? Um mundo, o mundo onde viverão os nossos filhos ? Tais são as razões - minuciosamente expostas pelo Cônego Caffarel na sua conferência de Roma - que nos levaram a insis-
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tir em determinadas orientações. Os casais cristãos têm um papel específico e capital na Igreja e no m11ndo de hoje, mas só abrindo-se totalmente a Cristo é que poderão desempenhá-lo. Para ajudá-los, o Movimento propõe-lhe que dêem um maior lugar à Palavra de Deus, através da leitura refletida das Sagradas Escrituras, particularmente dos Evangelhos. Será isto um primeiro passo para a introdução da meditação e da ascese na vida dos equipistas, também objetivados nas orientações dadas em Roma. 18.
Em que consiste a nova orientação referente à leitura refletida da Palavra de Deus ?
Fra Angélico, o grande pintor e dominicano, dizia que "para pintar Cristo, é preciso viver com Cristo". Para reproduzir Cristo em nós e na nossa vida é necessário ter com í:le um contato freqüente. Encontramo-lo, primeiro, no Evangelho. Ora, quantos de nossos casais conhecem verdadeiramente os Evangelhos e o conjunto do Nôvo Testamento? E quantos nem suspeitam as riquezas do Antigo Testamento ? Por isso o Movimento pretende, com esta orientação, incitar os casais a recorrerem assiduamente à Palavra de Deus, por meio de uma leitura refletida das Escrituras começando pelo Evangelho, onde se desvendam as "insondáveis riquezas de Cristo". A cada um compete escolher o seu modo e o seu ritmo. Não se pode ler o Evangelho como se leria um livro de história que nos contasse a vida de um grande homem. Pelo Evangelho, Cristo fala a cada um de nós. Cabe-nos, portanto, proceder à sua leitura numa atitude de espírito profundamente religiosa. A leitura refletida da Palavra consistirá na leitura pausada, atenta, respeitosa de um trecho curto das Escrituras, procurando discernir o que Deus nos quer comunicar e refletir sôbre qual tem sido ou deve ser a nossa resposta a essa Palavra. Tal reflexão poderá nos levar a um diálogo com Cristo, que se fará mais presente à nossa alma, e então ela se transformará em meditação, segunda meta a ser alcançada. De futuro, nas reuniões de Equipe, depois dos temas fundamentais sôbre o amor e o casamento, será dada preferência ao estudo de temas bíblicos que nos ajudem a aprofundar a Revelação divina e os grandes aspectos da vida cristã à luz da Sagrada Escritura. Como dizia o Cônego Caffarel em sua conferência, "veremos então os milagres que a Palavra de Deus opera, porque ela é criadora : faz viver aquêles que se abrem à sua virtude, faz brotar a alegria no lar... E as nossas reuniões de Equipe conhecerão o fervor sempre observado nos cristãos que se reunem para aprofundar as Escrituras".
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19.
Mas a conferência do Cônego Caffarel, além da leitura da Palavra, fala-nos também da meditação e da ascese. E então?
Não há dúvida. Mas, ao caminhar, não se dá mais do que um passo de cada vez. ~ste ano vamos nos aplicar conscienciosamente em pôr a leitura da Palavra em nossa vida. O segundo e terceiro passos serão a meditação e a ascese a serem pedidos no ano próximo. 20.
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Por que se pedirá, de futuro, a todos os membros das Equipes que façam a meditação ?
"A meditação - escreve Santa Tereza de Avila - é, a meu ver, uma relação íntima de amizade em que se conversa a sós com Deus que, sabemos, nos ama". E insiste na sua importância: "As almas que não fazem a meditação, dizia-me recentementi:' um teólogo, são como um corpo paralisado ou imobilizado, que tem pés e mãos de que não se pode servir ... ". A meditação, com efeito, exercita e desenvolve a nossa fé, a nossa caridade, a nossa esperança, êsses "órgãos" da vida divina em nós; entrega-nos à ação de Deus. É verdadeiramente um dos fatores essenciais do progresso espiritual. Até agora as Equipes de Nossa Senhora preconizavam a todos os seus membros a oração conjugal e familiar e a oração na reunião da equipe; a meditação só era "obrigação" para os casais responsáveis. Ora, muitos dêles descobriram a necessidade vital dêste tipo de oração e ficaram-lhe fiéis após terem deixado o cargo e vêm há vários anos reclamando a sua extensão a todos os casais. Pede-se pois a todos os membros do Movimento que, através da leitura refletida da Palavra, procurem se iniciar na meditação. Assim, ser-lhes-á mais fácil atender ao que lhes irá pedir o Movimento: consagrar diàriamente à meditação, um mínimo de dez minutos. Dez minutos, são a 144.a parte do dia. É essa pequenina parte do nosso tempo que será gratuitamente oferecida a Deus! Como ocupar êsse tempo? Com a ajuda da Escritura, por meio da qual Deus nos fala, pensando Nêle, esforçando-nos por tentar responder, pela adoração, o arrependimento, o louvor, a ação de graças, a intercessão, àquilo que nos revela de si mesmo ou da sua vontade sôbre nós e sôbre a humanidadP.; melhor, adotando uma atitude interior de fé, de caridade, de esperança; e, por vêzes, a meditação será um silêncio habitado por uma Presença. Haverá dias em que a meditação será difícil, em que teremos vontade de deixar de fazê-la, ou de abandoná-la de vez. Importará então não ceder ao desânimo e recomeçar quando se -15-
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tiver fraquejado. Nunca se deverá perder de vista o objetivo: dar, pouco a pouco, todo o lugar a Cristo. E então a nossa vida inteira será oração. 21.
E a ascese ?
Que significa e o que acarreta concretamente ?
A palavra "ascese" costuma despertar uma idéia pouco atraente, ligada à prática de exercícios e mortificações severas, mais próprios para monges do que para leigos casados. Ora, a ascese cristã, bem compreendida, nada tem de sombrio e triste. A sua prática é simples, ao alcance de todos. Requer esfôrço, sim, mas o esfôrço normal de quem procura o seu aprimoramento espiritual. Na realidade, a ascese não é uma novidade em nossa vida. Fazemos ascese quando somos levados a pequenos ou grandes sacrifícios ou renúncia~ na vida cotidiana do lar, do trabalho, da vida social, e os aceitamos de coração _aberto lembrando-nos de oferecê-los ao Senhor. Fazemos ascese quando realizamos esforços voluntários para dominar a susceptibilidade, a preguiça, a cólera e muito particularmente, quando nos exercitamos em disciplinar os nossos instintos ou dominar certos aspectos negativos do nosso temperamento. Mas tudo isso só será ascese, quando praticado em espírito de fé ; quando objetivar desenvolver a vida de Deus recebida no batismo ; quando visar o esfôrço para vencer as resistências que em nós impedem a ação da graça - resistências estas constituídas pelos nossos instintos, bons em si, mas freqüentemente desviados de seus fins, ou as nossas tendências imoderadas: a violência que nos domina, a preguiça que nos imobiliza, o egoísmo que entrava os impulsos da caridade. Reconhecemos, com efeito, quanta resistência encontra Cristo em nós mesmos, como a nossa vida pouco lembra a Sua, quão pouco zelosos somos da glória do Pai e pouco maleáveis à ação do Espírito Santo. O papel da ascese é, por um lado, reduzir estas resistências com vista à unificação do nosso ser e da nossa vida em Cristo e, por outro, educar tôdas as nossas faculdades físicas e morais e desenvolver as virtudes cristãs, para estarmos aptos a serví-lq e a assemelhar-nos a tle.
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Para produzir todos os seus frutos , é preciso um certo método, uma certa orientação. É justamente para a reflexão e para a aplicação dêsses métodos e dessas orientações que as Equipes nos convidam. Um cristão que quer reproduzir a imagem de Cristo e viver a Sua vida não os pode ignorar. Convém notar que vários meios de aperfeiçoamento das Equipes já são meios de ascese : a "regra de vida", o "dever de sentar-se", a "partilha"... Para melhor compreender o seu sen-
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tido e a sua eficácia é preciso, justamente, situá-los nesta perspectiva geral da ascese cristã. O próprio compromisso, como bem dizia o Cônego Caffarel em Roma, se enquadra nesta orientação para a ascese, pois constitui "um meio de se acautelar contra a inconstância, de contrariar o nosso gôsto pela independência - que é por vêzes uma forma de orgulho e de suficiência, de reagir contra a tendência para o individualismo espiritual que nos leva a dispensar o apoio dos outros no caminho da santidade" ... Mas, neste domínio, um trabalho cabe ao Movimento. Se as regras e os meios de ascese religiosa foram amplamente estudados, se, ao longo dos .tempos e graças aos grupos de leigos, se esboçou pouco a pouco uma ascese da vida leiga, quase tudo está por fazer no que se refere à ascese própria dos cristãos casados. Imenso servi ço poderão as Equipes de Nossa Senhora prestar à Igreja - e aos seus próprios membros - se prosseguirem nesta tarefa que se está apenas esboçando. 22.
Por que será pedido aos casais que se pronunciem, já ao final dêste ano, sôbre as orientações de Roma?
O que se pede não é tanto que se pronunciem sôbre essas orientações, mas sim sôbre a real adesão às Equipes de Nossa Senhora, tal como elas se apresentam hoje, isto é, incluindo as orientações dadas em Roma, que doravante pertencem à sua fisionomia. Pràticamente, o que primeiro se pede a todos os casais do Movimento é refletirem sôbre o que são e o que querem ser as Equipes de Nossa Senhora. O ano em curso é dedicado a esta reflexão , que quisemos auxiliar com êste número da Carta Mensal e com o tema de estudos proposto. No fim do ano, após a reunião de balanço, o Casal Responsável da Equipe, juntamente com o relatório da citada reunião, comunicará ao seu Responsável de Setor quais os casais de sua Equipe que, tendo estudado a conferência de Roma do Cônego Caffarel, a presente Carta Mensal e o tema do ano, estão decididos a confirmar a sua adesão ao Movimento e, progressivamente, viver o seu ideal de conformidade com as orientações propostas pela Equipe Responsável Internacional. De acôrdo com esta decisão, cada casal, no início do próximo ano, fará ou renovará o seu compromisso nas Equipes, ou então escolherá outro caminho que melhor lhe convenha. Tentar uma acomodação seria falta de lealdade; ficar na indecisão seria prejudicial ao casal e ao Movimento. Trata-se, em suma, de refletir sôbre o que são as Equipes de Nossa Senhora, de pedir a Deus que nos faça ver com tôda a ela-
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reza se devemos ou não fazer o compromisso, e de tomar em seguida uma decisão. Um tempo limitado é suficiente para isso: não se pode passar a vida tôda interrogando-se sôbre o caminho a seguir, alinhando os "prós" e os "contra". O que não impede que nos interroguemos periodicamente: será que Deus me quer ainda neste caminho? E a renovação do compromisso que se pede aos casais anualmente é a ocasião para responder a esta pergunta. Desta vez, para as Equipes já compromissadas, a renovação do comêço do ano de trabalho, em 1973, terá um significado especial. 23.
Mas, através das orientações dadas em Roma, as Equipes de Nossa Senhora não estão aumentando as suas exigências, a ponto de se tornarem impraticáveis para os casais que, já agora, encontram dificuldades ?
As orientações dadas em Roma apenas vêm definir, de maneira mais concreta, o que os Estatutos já propõem. Antes do mais, pede-se aos casais que compreendam a sua razão de ser, para depois· as incluirem progressivamente na sua vida. Evitem, contudo, ver apenas nestas orientações novas "obrigações" que se acrescentam às outras: a nossa intenção não é a de elevar de alguns centímetros a barra para obrigar o saltador a transpô-la imediatamente, sob pena de desqualificação. Nas Equipes não se trata de alcançar recordes, trata-se apenas de boa vontade. Como declarava em Roma o Cônego Caffarel: "É necessário nunca desencorajar os casais que, cheios de boa vontade, têm dificuldades em cumprir as obrigações dos Estatutos (é precisamente para encontrarem ajuda que estão nas Equipes), mas é ilógico e perigoso que entrem e permaneçam no Movimento aquêles qve não concordam com os fins e os meigs ou que, mesmo concordando, não tenham a firme disposição de procurar vivê-los". 24 .
Acentuando o seu caráter "espiritual", as Equipes de N assa Senhora não vão afastar certo número de casais ?
O Movimento não tem a pretensão de convir a todos os casais cristãos. É certo que se dirige aos casais cristãos de todos os países, raças e meios sociais e a todos acolhe com alegria. Contudo, cremos que as Equipes não respondem aos desejos de tôdas as "famílias de espírito" (2). São vários os dons humanos e os dons (2) A expressão "famllia de espírito" é esclarecedora. Designa certa maneira global de perceber, de sentir, de reagir em diferentes domínios, segundo os atrativos, os gostos, as afinidades. Assim como se fala em literatura clássica barroca ou romântwa, em teologia de escola agostiniana ou tomista, ou em espiritualidade de linha beneditina, franciscana ou jesuítica ...
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espirituais: uns inclinam-se para o apostolado direto, outros para a ação através das estruturas temporais; êstes sentem-se chamados para a oração, aquêles para a ação, etc... E os apelos do Senhor, que não são desencarnados, correspondem às aptidões dos sêres a quem se dirigem. Consideremos as ordens religiosas: são múltiplas e variadas. O homem com vocação de jesuíta não se sentirá à vontade no noviciado dos beneditinos e ficará o tempo todo desejando ou reclamando reformas. A questão não é de saber se tem ou não razão, mas de saber se está ou não no seu lugar. E imaginemos que se viessem a fundir beneditinos, franciscanos, dominicanos, jesuítas, reduzindo-se a um denominador comum... Que empobrecimento seria para a Igreja! Nos casais cristãos, também se encontra semelhante diversidade de famílias de espírito. É o motivo pelo qual as Equipes convêm a uns e não a outros. E não se pode diminuir as exigências do Movimento sob o pretexto de abrí-lo a todos. Seria roubar-lhe o seu caráter próprio. Além do mais, sairia alguém beneficiado ? Tal como é, sem dúvida, responde às aspirações de numerosos casais. Existem outros movimentos de casais: mais de vinte no Ca1ladá, segundo nos dizem; o "Movimento Familiar Cristão", que está bastante desenvolvido na América Latina; o "Christian Familr Movement" nos Estados Unidos; em França, número consideravel de movimentos ocupam-se dos casais cristãos. É desejável que êsses movimentos se diversifiquem e se espalhem através do mundo para responder às diversas necessidades dos casais.
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O ENGAJAMENTO NA IGREJA E NO MUNDO
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Insistindo na "espiritualidade" as Equipes de Nossa Senhora não correm o risco de cultivar cristãos fechados, unicamente preocupados com a sua perfeição pessoal, que não se comprometem nem na Igreja nem no Mundo?
É uma objeção freqüentemente endereçada às Equipes. Todo Movimento de espiritualidade dá margem a esta crítica. Propondo um quadro de vida, uma regra, uma ajuda, atrai ínevitàvelmente as pessoas que precisam, antes de tudo, de apoio e de segurança... Mas, em compensação, quantos casais das Equipes se devotam de coração a obras diversas. Em todo caso, o fim do Movimento não é fabricar cristãos tímidos e friorentos que se apertam uns contra os outros para se aquecerem e se abrigarem das tempestades. Reunir-se para rezar é preparar-se para um Pentecostes, é abrir-se ao Espírito de Cristo, o qual não se sabe "nem de onde vem nem para onde vai" mas que, quando surge, abre com fragor as portas do Cenáculo para projetar os Apóstolos pelos quatro cantos do mundo. Procurar tornar-se verdadeiramente um apaixonado de Cristo, entregue ao espírito de Cristo, - é a isto que as Equipes nos convidam - é empenhar-se na mais magnífica e também imprevisível aventura. Por vêzes, é certo, assusta; Paul Claudel escrevia! "Espírito de Deus, não entres, temo as correntes de ar".
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É-lhes possível definir melhor o pensamento das Equipes a respeito dos compromissos na Igreja e no mundo ?
O Movimento tem por fim a formação espiritual dos casais cristãos no e através do matrimônio. Julga trabalhar assim diretamente na formação de testemunhas para um mundo cada vez mais contagiado pelo ateísmo. Os cristãos, felizes em sua fé no Deus vivo, dão testemunha do seu amor. Os casais cristãos que amam e acolhem generosamente os outros dão testemunho do Deus cristão, que é uma comunidade de três Pessoas que se amam. Um casal que vive verdadeiramente o amor de Cristo não pode desinteressar-se dos outros; é-lhe impossível deixar de concretizar, através de "compromissos", o "compromisso" fundamental do batismo e também do matrimônio. Mas é preciso compreender bem. -20-
Para uma mãe de família, dedicar tôdas as suas fôrças à educação humana e cristã dos seus numerosos filhos representa um compromisso tão válido e exigente como o do sindicalista; não fique ela desolada se, por uns tempos, lhe fôr impossível ocupar-se de outras tarefas apostólicas. Para o homem político ou o médico, o compromisso apostólico poderá ser dar-se a fundo, por amor de Cristo, à sua profissão, cujo alcance é tão grande. Para determinado casal será encarregar-se dos desfavorecidos do seu bairro. Para outro será dedicar-se a um movimento de jovens. Outros militarão nos movimentos paroquiais, na preparação para o casamento, na Escola de Pais, etc. As possibilidades e as necessidades são inúmeras. E qual é o casal que não pode realizar aquilo que Paulo VI nos dizia ser "uma forma eminente da missão apostólica do casal", a hospitalidade ? Não é ao Movimento que compete propor êsses engajamentos. Cada um deve assumir aquêles que correspondam melhor ao seu temperamento, às suas aptidões, às necessidades do seu meio, segundo as inspirações do Espírito Santo. As Equipes também não podem dar uma formação técnica para êsses compromissos. Todos - uns mais, outros menos - exigem uma preparação, um estudo que não se improvisa: como em qualquer ofício, os amadores fazem má figura. Para tal formação, é preciso recorrer àqueles que estão empenhados na mesma ação.
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As Equipes sempre recomendaram insistentemente que se dedicasse uma parte da reunião mensal à co-participação sôbre as responsabilidades e compromissos dos seus membros. Mas atentemos bem: não se trata de discussões teóricas sôbre as opiniões políticas, sociais, apostólicas, etc., de uns e outros, das quais se tira pouco proveito. Trata-se, isto sim, de uma troca de idéias que permita a cada um falar dos seus compromissos, dizer por que os tomou, contar as experiências que fêz, as dificuldades que encontrou. Qual a atitude cristã a assumir nesse ou naquele caso ? Se trab~lha na preparação para o casamento, por exemplo, poderá preconizar algum método de regulação dos nascimentos ? e assim por diante . .. A Equipe não trará, forçosamente, uma resposta e, de qualquer forma, não irá substituir-se ao interessado para tomar decisões; mas poderá escla:r:ecê-lo e encorajá-lo pelo interêsse, compreensão e simpatia manifestados. E como a Equipe se enriquece com isto ! De resto, é indispensável que cada Equipe ajude, suave mas firmemente , cada membro a repensar os seus compromissos em função das contingências do momento: uns podem estar sobrecarregados e correm o risco de ativismo, enquanto outros se contentam com muito pouco. Uma Eqmpe que se preocupa com os compromissos de cada um, que ajuda a sustentá-los, tem maiores possibilidades de ser uma Equipe viva.
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CONCLUSÃO
Esperamos que a face autêntica das Equipes de Nossa Senhora apareça e mais claramente ao final destas páginas. Se todos os casais que querem encontrar nelas o seu caminho se comprometerem a fundo, podemos esperar para os anos vindouros um Movimento sólido e coerente, jovem e dinâmico, inventiva e aberto, apto a cumprir a sua missão na Igrej_a e a colaborar na ação divina que está modelando um mundo nôvo. A abertura de cada um ao Espírito de Cristo pela meditação da Palavra de Deus, pela oração e pela ascese fará crescer, no seio das Equipes, obreiros eficazes da Igreja e do mundo, capazes de responder às necessidades do tempo presente e de dar testemunho do Deus vivo num universo que tende cada vez mais a desconhecê-Lo e a dispensá-Lo: testemunho da grandeza do amor e do matrimônio; testemunho da alegria cristã no coração da nossa sociedade de consumo, atolada no seu confôrto, morrendo de tédio por estar farta de tudo, tanto de Deus como das suas máquinas ou das suas invenções sensacionais. Pensemos também em nossos filhos. Poderão viver e respirar no mundo de amanhã ? Em determinada cidade do nosso globo 30% das crianças de 13 anos tomam tóxicos. Na França, o suicídio é a principal causa da mortalidape entre 18 e 25 anos. Em nosso lar talvez algum dos nossos filhos mais velhos rejeite a fé ou o casamento religioso, ou até o próprio casamento. De onde vem êste tédio da vida, esta revolta ? Podemos resignar-nos ? Então é preciso. rezar, procurar e agir. O fato de considerarmos o papel que nos cabe não deve ser motivo de vanglória. Antes, seria natural certa apreensão, pois conhecemos de sobra os nossos limites, as nossas fraquezas, as nossas resistências à graça; no entanto, deve animar-nos uma firme confiança, pois. "o que é impossível ao homem é possível a Deus". Tudo isto experimentava São Paulo, dizendo: "Portanto, prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, para que habite em mim a fôrça de Cris_to" (2 Cor. 12, 9). De resto, o representante de Cristo convida-nos a esta confiança na humildade. Releiamos e meditemos as palavras de Paulo VI (Discurso, § 18): "Caros filhos , a Igreja, de que sois as
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células vivas e atuantes, dá através dos vossos lares como que uma prova experimental do poder do amor salvador, e produz os seus frutos de santidade. Lares provados, lares venturosos, lares fiéis, preparais para a Igreja e o mundo uma nova Primavera cujos primeiros rebentos nos fazem estremecer de alegria. Vendo-vos, tendo presentes pelo pensamento os milhões de casais cristãos espalhados através do mundo, sentimo-nos cheios de uma irreprimível esperança e, em nome do Senhor, confiadamente vos dizemos: "Brilhe assim a vossa luz aos olhos dos homens, a fim de que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus (Mat. 5.16) ". Compreendamos o apêlo do nosso tempo, que reclama, mais ou menos confusamente, um "suplemento de alma" que só os santos lhe podem trazer. "Importa, dizia o Cônego Caffarel aos peregrinos de Roma, em 1959, que a santidade de Cristo esteja presente em todos os setores da vida moderna: o nosso mundo tem imperiosa necessidade de santos leigos, quero dizer: de homens e mulheres totalmente entregues a Cristo, penetrados pela sua caridade, movidos pelo seu Espírito. Operários, camponêses, dirigentes de emprêsa que sejam santos, artistas e cientistas que sejam santos, políticos que sejam santos. Santos, missionários, e quem sabe, até mártires. Não se pode esperar que surjam de geração espontânea; virão de famílias profundamente cristãs, serão formados e apoiados pelos Movimentos de espiritualidade". A EQUIPE RESPONSÁVEL
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