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EQUlPES DE NOSSA SENHORA Carta Mensal • n ° 36o • Dezembro I 2ooo
EDITORIAL Da Carta Mensal ................... .. .. . 01 PALAVRA DA SUPER-REGIÃO O Rumo, Agora, Aponta Para Onde? ................ .... 02 Testemunho: Nos Bastidores do Encontro .. ...... 03 Solidariedade Concreta ............. . 05 Como Foi o IX Encontro Internacional das ENS ... .............. 07 19 DE SETEMBRO DE 2000 Conferência: Se r Pessoa, Podre Bortolomeo Sorge s. j.......... 1O Homilio : Monsenhor Guy Thomozeou ... ....................... 19 Testemunho : Vivendo um Dia do Encontro ....... 22 20 DE SETEMBRO DE 2000 Conferência : Fidel idade e Perdão
Dr. Jack Dominion ........... ... .. ........ 26 Homilia: Monsenhor Michael L. Fitzgerald, À Imagem De Deus ... . 39 Testemunho: Confraternização e Reunião de Equ ipe ........ .. .. .. .. .. .... 42 Carta Mensal é WJlCl publicaçüo ntel lSlil das E<1uipes de Nossa Senhora Edição: Equipe da Carta M ensal Cecília e José Carlos (respo n.WÍl'eis}
\Vi/ma e Orlando Riw e Gilberto Lucinda e Marco
Janete e Nélio Pe. Ernani J. Angelini (COI/S. espiritual) ]omalista R esponsável: Catherine E. Nadwi (mth J9HJ5J Editoração Eletrônica, Fotolitos e Ilustrações: No1•a Bandeira Produções Edito riais Ltda. R. Venâncio Ayres, 93 / - SP Fone: (Oxx ll ) 3873. 1956
21 DE SETEMBRO DE 2000 Homilia : Arcebispo Julián
Borrio Borrio .......... ..................... . 44 Testemunho: Cerimôn ia do "Botofumeiro" e Visita a Santiago ....... .. ......... .... 47 22 DE SETEMBRO DE 2000 Conferência : O Nó De Três Fios,
Xavier Lacroix ....... .. .. .. .. .. .. ... .... .. .. 4 9 Homilia : Monsenhor Luigi Bettozzi ............... ...... .... .. .... . 62 Homi lia: Podre Sarriás s.j., Reconci liação ........ ... ...... .. .. ....... .. 65 Testemunho : Celebração da Reconciliação ... .. .... .. .. ..... .. ... .. 6 7 23 DE SETEMBRO DE 2000 Homi lia : O. Aloysio Penno, s.j...... 68 Testemunho : Encerramento, Eucaristia e Envio .. ... .. ......... .. ...... 71 Amigos Para Sempre .. ... .. ... ..... .... 73 Carta de Envio ..................... .. .... . 75 Sessão de Formação Internacional .. .. .. ... ..... 79 Palavra do SCE da Super-Região .. .. .. .... ........... ... . 80 Projeto Gráfico: Alessandra Carignani Capa : J.C. Safes
Canas, colaborações.
IWT{cias.
testemunhos e imagens de\'em ser enviadas fXIra:
Impressão: Edições Layola R. 1822, 347 Fone: (0 11) 69 /4. / 922
Carta Mensal R. Luis Coe/110, 308 5° andar. conj. 53 01309-000 • Süo Paulo- SP Fone: (Oxx /1 ) 256.1212 Fax: (Oxx 11) 257.3599 carlamensal@ens.org .br
Tiragem desta edição : 15.000 exemplares
NC Cecília e José Carlos
000 ... Um ano revestido de características especiais. Veja mos: Ano Jubilar- celebrado pela Igreja a cada 25 anos; 1° Ano da nova estrutura do Movimento no Brasil (agora, a SuperRegião Brasil está dividida em sete Províncias); 50 anos das ENS no Brasil, nossas Bodas de Ouro; IX Encontro Internacional das ENS, em Santiago de Compostela, na Espanha e final do 2° rnilênio da era cristã, comemorando os 2000 anos do nascimento de Jesus. Um ano muito importante! Não é sempre que se comemora o final de um rnilênio! Contudo, para nós equipistas, muito mais importante do que isso, é o começo do 3° Mi/ênio .Sim, Deus nos deixou a Esperança, como uma das maiores virtudes, e o Movimento das ENS, contando com a inspiração divina, a fim de manter essa Esperança acesa, nos brinda com um Encontro Internacional, com o tema "O CASAL, IMAGEM DE DEUS TRINITÁRIO", com mais de 7000 participantes, sendo 927 "amarelinhos", como foram chamados os brasileiros. Esse evento merece uma edição especial de nossa Carta Mensal, onde publicamos as conferências e as homilias das celebrações eucarísticas, bem como testemunhos de nossos irmãos equipistas que lá estiveram! Agradecemos, de coração, todos os artigos que nos foram enviados, publicados ou não, pois eles foram muito importantes para a elaboração deste número. Como um documento, esperamos que a CM receba, também, um carinho especial de todos vocês, através de uma leitura meditada, pois todos os textos oficiais foram aprovados pelo Movimento, em nível internacional, e seu estudo e pesquisa, individualmente e em equipe, nos colocará em sintonia com os equipistas de todo o Mundo, como já nos proporciona o nosso Magnificat diário. A santidade a que somos chamados tem um caminho novo a partir de Compostela, pois se os peregrinos convergem para Santiago, como os sulcos da concha da vieira, a partir do tema proposto no Encontro, o casal, que se une para formar uma só carne, convergirá para a Santíssima Trindade - Pai, Filho e Espírito Santo - que formam uma só pessoa, uma IMAGEM, para a busca da santidade em casal! Todos esses momentos fortes de oração, espiritualidade, partilha, ficarão sempre no coração dos que participaram pessoalmente do Encontro, mas, esperamos que sejam também vivenciados por todos aqueles que aqui ficaram, orando pelo seu êxito. Por tudo isso, essa edição da Carta Mensal é muito especial! Boa leitura para todos!
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Equipe da Carta Mensal
Palavra da Super-Reqião
O RUMO, AGORA, APONTA PARA ONDE?
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estes últimos anos, até que tezas, senão a de que caminhareacontecesse o 9o Encontro mos guiados por Jesus. Internacional, pusemo-nos E para poder responder a essas todos rumo a Santiago de Compos- e outras tantas perguntas, nosso tela. Foi uma longa preparação. Foi Movimento propõe que nos aventuum caminho que nos atraiu, que nos remos, nos próximos anos, numa chamou, que nos convocou. E por prioridade de reflexão sobre o "Ser ele andamos todos, de uma maneira Casal Hoje, na Igreja e no Mundo". Convocamos todos a novamenou de outra. Mas Santiago não é um caminho te se porem a caminho, e um bom começo é conhecer as que chega ao fim, que propostas, as pistas, as pode ser completado, e Que tipo de diretrizes que emanabasta! Santiago ensiram de Santiago, e que nou-nos a olhar para ENSpodemos esta edição especial cima, na direção do insonhar para coloca muito perto de finito do amor de Deus. todos nós. E porque este camique sejamos Que não nos falte o nho não tem limites, resposta viva entusiasmo para proclanem fronteiras, senão mar as graças de Deus as que nos levam a peràs necessidades no nosso ambiente. Diceber que temos de deste Novo gamos aos quatro cancontinuar nossa antos que o amor de dança, Santiago apontaMilênio? Deus, no casal e na fanos agora para os derm1ia, não é uma utopia. safios deste futuro noQue não nos falte a determinavinho, revestido na forma de um novo ção para fazer aquilo que é preciso milênio, o Terceiro da Era Cristã. O que as Equipes de Nossa Se- ser feito, para lutar pela dignidade nhora poderão oferecer ao mundo da pessoa humana, na sua concepção mais profunda de imagem do neste limiar do Século XXI? Que tipo de Equipes de Nossa Deus criador. Lutar em favor do Senhora podemos sonhar para que maravilhoso mistério do casal, da sejamos resposta viva às necessi- vida conjugal, com seus valores perenes e duradouros. dades deste Novo Milênio? Sim, minha gente, agora é chegaComo ser comunidade eclesial da a hora: de Santiago para o futuro! comprometida e missionária? Com o nosso carinhoso abraço Poderíamos perpassar inúmeros outros questionamentos e desafios Silvia e Chico deste caminho novo, sem outras cer2
Testemunho
NOS BASTIDORES DO ENCONTRO
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e volta para casa. O comandante nos informa que esta mos passando sobre Santiago de Compostela e, dentro de alguns minutos, estaremos sobrevoando o Atlântico. E, daqui a algumas horas, estaremos sentindo o calor do nosso Brasil. Pois é, SANTIAGO 2000 já faz parte da história do Movimento e, dentro dessa história, quantas histórias ...
Quando Carlos Eduardo e Maria Regina nos convidaram, há três anos, para coordenar a participação do Brasil no Encontro Internacional (e, mais tarde, "confirmados no cargo" pelos nossos irmãos caçulas Silvia e Chico) não imaginávamos de quanta riqueza, de quantas vidas iríamos, de alguma forma, participar. E, destas alturas, a visão que eu tenho é a de que, de uma forma ou de outra, sentimos o pulsar dessa parce-
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la do povo de Deus em marcha. Em marcha, quando sonhavam com a possibilidade de participar do Encontro Internacional. Em marcha, quando muitos sonhos foram desfeitos pela mudança cambial (12/1/99), tornando esse sonho impossível de se realizar. Quanto temos a agradecer a Deus e a vocês por nos permitirem participar de suas vidas e de suas histórias! Algumas, são histórias tristes, com doenças inesperadas, com a perda do emprego, com alguém da fanu1ia que morreu. Cada um contando, à sua maneira, sentindo uma certa desilusão por não poder mais estar lá. Outras, são histórias alegres de equipistas que conseguiram aquilo pelo qual tanto lutaram e estavam embarcando. Histórias cheias de solidariedade da equipe, do Setor e da Região. Há também o caso das camisetas. Cor, preço, distribuição, acertos. Enfim, todo mundo pronto para a partida. E o pessoal do nosso Secretariado, gente? Como eles trabalharam, como ouviram, como orientaram. Quantas mudanças, quantos arranjos! Como temos que agradecer o esforço e a dedicação deles que também nos ajudaram a sonhar. E o que falar do Encontro, da equipe organizadora, do trabalho enorme que foi fazer acontecer aquilo que parecia impossível? Abrigar mais de sete mil equipistas numa cidade, cuja estrutura hoteleira só pode receber quatro mil, não é um
trabalho fácil. Acomodações, transporte, greves, traduções, comunicação, é toda uma logística feita por equipistas que, como nós, têm a sua limitação. Aconteceram falhas, sim, aconteceram; mas vamos procurar ter a compreensão de entender que o principal, o espírito do Encontro, foi alcançado. Vamos guardar no coração a participação dos brasileiros, "os amarilhos" (como diziam os espanhóis) que marcaram, com a sua alegria e entusiasmo, os momentos fortes desse Encontro. Assim também, a Igreja viva do Brasil, a igreja da Ressurreição, da esperança, marcou aqueles que, de todo o mundo, estiveram em Santiago. Vamos partilhar, meus amigos, em nossas equipes, em nossas Regiões, o que lá vivenciamos e contagiar os nossos irmãos para uma nova etapa da nossa caminhada. Estivemos juntos durante esses anos de preparação. E não poderíamos deixar de partilhar com vocês o que estamos sentindo. Agora, acabou SANTIAGO 2000. Nosso telefone não vai mais receber chamadas de todo o Brasil. Nosso computador vai diminuir o seu ritmo. Este sonho acabou. Mas, como a vida só tem sentido se houver nela um sonho, um grande sonho, vamos ficar à escuta de Deus para ouvir o que Ele nos pede. Vamos pra frente! Até uma próxima, se Deus quiser...
Orlando (da Wilma) Eq. 2A - N. Sra. do Rosário ]undiaí, SP 4
SOUDAREDADECON RETA
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antiago 2000, caminho de conversão! Sentimos grande emoção quando vimos tantos "amarelinhos" ou "canarinhos" naquele imponente ginásio do Multiusos SAR, em Santiago de Compostela. Éramos quase um milhar de pessoas, vindos das mais diversas regiões de nosso país, para participar do IX Encontro Internacional das Equipes de Nossa Senhora, o último deste milénio que logo mais se encerra.
mos levando a efeito dentro da nossa Super-Região Brasil. A proposta foi simples: cada interessado que efetivamente fosse participar do evento, além da cota de inscrição obrigatória, com a finalidade de cobrir as mais diversas despesas tais como hospedagens, refeições, traslados, material a ser distribuído, etc., foi convidado a dar uma contribuição "extra", a qual iria representar qualquer coisa entre 3 a 5 % do seu gasto total, incluindo a viagem de ida e volta e outras despesas não cobertas pela taxa de inscrição do evento. Além desta contribuição "extra", muitas outras se fizeram pelo país afora, muitas inclusive dentro da própria equipe, permitindo assim a ida de um casal ou de um conselheiro a Santiago, que de outra forma não teria como participar. Deste modo, o Movimento das Equipes de Nossa Senhora pode propiciar a quase uma centena de pessoas, entre casais e conselheiros, a sua ida e participação no Encontro.
Ao constatarmos que quase 10% (dez por cento) daqueles participantes ali estavam como fruto e graça de uma imensa solidariedade praticada entre nós, ficamos realmente com um "nó" na garganta. Quando iniciamos a mobilização dos casais e sacerdotes interessados em participar deste Encontro, ocorreu ao Colegiada Nacional das ENS propor uma ação concreta de solidariedade, fruto de um amadurecimento de reflexões que vínha5
Não podemos deixar de mencionar que, além destes, por uma solicitação da Equipe Responsável Internacional (ERI), o Movimento daqui ainda contribuiu para com a participação de 9 pessoas de outros países, com dificuldades bem maiores do que as encontradas aqui entre nós. Portanto, foi uma manifestação de solidariedade tanto entre nós (a grande parte), mas também em solidariedade com outros irmãos e irmãs de fé de outras partes do mundo. Sim, é verdade que o Brasil fez um grande gesto concreto de solidariedade. Mas essa solidariedade não se fez sentir tão somente na ajuda em dinheiro, mas em diversas outras manifestações, de cunho material (emprestando uma roupa, ou uma mala etc.), de ordem pessoal (amigos que se prontificaram a cuidar dos filhos daquele casal que iria se ausentar pela primeira vez em uma viagem de longo alcance), espiritual (por exemplo, com orações), e muitas outras formas e maneiras poderiam ser aqui lembradas. Os testemunhos são inúmeros e, na maior parte das vezes, comoventes. E isto nos fez refletir e imaginar o que seria se transportássemos esses gestos para outros campos da nossa vida. É inegável que hoje se vive uma realidade gritante de desigualdades econômicas e sociais, que clamam à nossa consciência de cristãos. Se cada um de nós procurasse, com um pouco de criatividade (por que não refletir sobre isso em nossa equipe?), poderíamos exercer outros gestos de solidariedade em situações reais de
vida, minorando o sofrimento de muitos, diminuindo um pouco essa tremenda situação de injustiça e desigualdade. Essa é a "pedagogia" da passagem evangélica da multiplicação dos pães e dos peixes. Vale aqui lembrar as palavras da Madre Teresa de Calcutá, quando ela dizia que, o que fazia era uma gotinha de água no oceano, mas que essa gotinha era o bastante para mudar o oceano. Outra historinha interessante e que diz bem a respeito, lemos a uns tempos atrás, em um dos boletins de Setorou Região: era a história do poeta e do jovem que recolhia as estrelas do mar que ficavam presas na areia e as retornava ao mar. Como ele explicava ao poeta, são milhares de estrelas do mar, e não tinha como dar conta de devolvê-las todas ao mar; entretanto, para aquelas poucas que ele conseguia, isso fazia diferença. Entendemos, pois, que seja isso a solidariedade: se todos partilhassem um pouco do que têm, muitos poderiam vir a ter ao menos o suficiente para ter a dignidade de filhos de Deus. Que mundo maravilhoso poderíamos ter, se cada um procurasse viver a vontade de Deus, de tal forma que a vida fosse realmente valorizada, para que todos tivessem vida e vida em abundância, vida com dignidade de seres humanos. Assim nosso mundo será de fraternidade e de paz! Com todo nosso carinho,
Maria Regina e Carlos Eduardo Eq. 5 - N. Sra do. Rosário Piracicaba, SP 6
COMO FOl O lX ENCONTRO 1NTERNAC10NAl DAS ENS
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depois de um tempo distantes, se reencontram na casa materna. Assim começou o IX Encontro Internacional das Equipes de Nossa Senhora. Depois, em Santiago, no coração da Galícia, foi montada quase toda a programação do Encontro em um grande anfiteatro, chamado SAR - Multiuso, com proporções de um grande ginásio de esportes, com arquibancadas circulares em dois pisos, em volta de um espaçoso pavimento térreo, tendo em uma das extremidades um palco bem dimensionado. Neste palco, era posta uma mesa para o Casal Responsável da ERI (Equipe Responsável Internacional) Cidinha e Igar Fehr, seu Conselheiro Espiritual, Pe. Cris-
encontro começou um pouco antes para a maioria dos peregrinos brasileiros, que acorríamos para Santiago de Compostela. Tanto aqueles que vinham de um programa de visitas por alguns lugares da Europa, ou Terra Santa, como os que chegavam do Brasil, por uma feliz dádiva de Deus, nos cruzamos pelas modestas ruelas da cidade de Fátima, em Portugal, que foi escala anterior a Santiago e é ponto de parada obrigatório para quem é devoto de Nossa Senhora. E ali topamos com os rostos conhecidos e amigos de muitos equipistas, procedentes dos mais variados lugares. Foi uma festa, marcada pela alegria de irmãos que, 7
tobal Sàrrias, s.j. , e os conferencistas convidados para cada dia do evento. Também foi mantida, no palco, uma sólida mesa retangular, bem ornamentada, que servia de altar para as Celebrações Eucarísticas diárias. A decoração era completada por uma imagem do "peregrino" e um "botafumeiro", símbolos do Santuário local. A partir da procissão de entrada do primeiro dia, também passaram a enfeitar o estádio as bandeiras dos diversos países, dos cinco continentes, onde se fazem presentes as Equipes de Nossa Senhora e um vistoso logotipo do Encontro. Em um dos lados do palco postava-se o coral. O evento seguiu a dinâmica usual dos anteriores, com atividades plenárias pela manhã e reuniões de equipes mistas à tarde. Ao início de cada dia, começavam os
deslocamentos dos participantes rumo ao Multi uso. Cada grupo no seu ônibus, provindo de pontos diferentes da própria cidade de Compostela, ou de regiões vizinhas a ela, todos iam ocupando aos poucos os espaços destinados à acomodação, para o acontecimento do Encontro. Com radinhos a postos, sintonizando a freqüência em que eram traduzidas as falas para o seu idioma, tinha-se grande expectativa pelos temas a serem abordados. O tema geral do Encontro era "O Casal, Imagem de Deus Trinitário". É assunto que agrada a todo o equipista e, por isso, as conferências foram recepcionadas com muito entusiasmo. As colocações substanciosas são naturalmente longas, mas era sensível o interesse da platéia, o silêncio, a atenção, apenas cortados por alguma salva de palmas- para referendar uma idéia mais forte ou com risos provocados por algum gracejo do conferencista. Não se sentia o tempo passar, escutando as palavras de tanto conteúdo ditas por Bartolomeo Sorge, Jack Dominian e Xavier Lacroix. Após as palestras, em torno de temas como "Ser Pessoa", "Ser Casal", "Ser Ministro do Casal e da Família", seguiam breves intervalos antes de terem lugar as Celebrações Eucarísticas. As procissões de entrada constituíam-se de quatro longas filas de sacerdotes Conselheiros Espirituais, oriundos dos mais variados recantos do mundo, que iam se acomodando em cadeiras reservadas, di-
Com radinhos a postos, sintonizando a freqüência em que eram traduzidas as falas para o seu idioma, tinha-se grande expectativa pelos temas a serem abordados. 8
de Santiago, Dom Julián Barrio Barrio, e contou com uma sessão do famoso "botafumeiro". À tarde, tivemos tempo para uma visita pela cidade, boa oportunidade para percorrer aquelas ruas estreitas, de construções antigas e belas, por onde os estudantes costumam passear em trajes típicos, entoando canções do seu folclore. Antes do jantar, a partir das 17:00 horas, ocorriam todos os dias, em cada alojamento ou hotel, as reuniões de equipes mistas. Dentro do possível, as reuniões transcorriam como de costume, com momentos de oração, partilha e coparticipação, além da troca de idéias a respeito do tema abordado naquela manhã. Os casais foram agrupados, preferencialmente, por idiomas e em quase todas as equipes havia Conselheiros Espirituais. Como sempre, nasceram daí boas amizades, como início de frutuosas relações fraternas. Por tudo isso, e mais o que o tempo nos dirá, o Encontro se fez forte no calor das relações interpessoais, na comunhão com Deus e com os irmãos e na riqueza da formação de que sempre saímos abastecidos. Isto supera as inevitáveis falhas, que surpreendem com freqüência os esforços de organização, e, ao final, é o que permanece vivo na lembrança, deixando-nos a vontade de estar presentes no próximo, para fazermos o Movimento, enquanto somos a Igreja de Cristo.
A cada dia, as missas eram rezadas em um idioma -francês, inglês, italiano, espanhol e português - e presididas por um prelado de uma nação correspondente à língua utilizada. ante do altar montado no palco, para dar passagem, finalmente, aos senhores bispos e diáconos que circundavam a grande mesa da celebração. A cada dia, as missas eram rezadas em um idioma - francês, inglês, italiano, espanhol e português - e presididas por um prelado de uma nação correspondente à língua utilizada. Os temas das homilias mantinham sintonia com as conferências e tema geral do Encontro. Deste modo, enriquecemo-nos com as belas homilias dos celebrantes Na quinta-feira, dia 21, o roteiro foi diferente. Os ônibus nos deixaram no Estádio de São Lázaro, última etapa do "caminho de Santiago" e, dali, caminhamos até a Basílica, em peregrinação conjunta, clima de oração e cânticos. A Celebração Eucarística aconteceu na Basílica do Santuário, presidida pelo Arcebispo
Maria da Graça e Eduardo CR - Província Sul III 9
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s~: ~ 0 °CONFERÊNC1A: SER PESSOA PADRE BARTOLOMEO SORGE S.
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"Ser pessoa" é a introdução, o ponto de partida destes nos sos dias em Santiago. Na verdade, só depois de definirmos o que significa "ser pessoa" (querida) será possível compreendermos o que significa "ser casal" (escolhido), "ser casados" (amados) "ser ministro do casal e da família" (responsável), "ser casal cristão na Igreja e no mundo" (enviados). A maior dificuldade para compreender o que significa "ser pessoa" está na própria cultura dominante, aquela que respiramos todos os dias, que não apaga o princípio. A cultura dominante de hoje tem realmente uma concepção imanente da própria pessoa: exalta o individualismo e o subjetivismo; incita ao egoísmo e põe o seu próprio interesse acima do bem comum; reduz as relações sociais à pura observância das regras; identifica o bem-estar e a qualidade de vida humana com o consumo; afasta Deus do horizonte humano e pretende construir a cidade terrena "como se Deus não existisse"; tem em conta e tolera a religião como um puro fenômeno particular ou de culto sem qualquer importância social; recusa a existência de regras éticas objetivas e exalta o relativismo ético como forma de maturidade civilizada e humana. Substancialmente, é uma cultura sem alma, materialista, nascida do Absoluto. Agora, esta repulsa da cultura
Biografia Jesuíta italiano, nascido em 1929, ordenado padre em 1958, foi vice-presidente da Conferência Nacional da Igreja Italiana e, desde 1985, é Diretor dos Centros de Estudos Sociais dos jesuítas em Palermo, e Diretor do Instituto de Formação Política "Pedro Arrupe ". Desde 1996,
é coordenador nacional dos Centros de Estudos Sociais dos jesuítas da Itália.
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dominante em relação à transcen- duzindo uma nova cultura e testedência, destrói, não apenas a con- munhando os valores do Reino "Não cepção, mas também a vida, a pes- vos deixeis vencer pelo mal, mas soa humana. A história demonstra vencei-o pelo bem" (Rom.l2, 21). que Deus e o homem permanecem Hoje em dia, é na farru1ia que o juntos ou caem juntos. Sempre que Evangelho e a cultura contemporâo homem esquece ou renega a sua nea mais se confrontam. Na verdaabertura ao Absoluto, perde-se a si de, a família é, não só, o berço onde mesmo. Paulo VI comenta : "Sem o homem nasce, se desenvolve e dúvida, o homem pode organizar toma consciência do seu ser pessoa, a terra sem Deus, mas sem Deus mas, é também, a primeira célula da no final, ele apenas a pode orga- sociedade e da Igreja, o local onde nizar contra o homem. O huma- a pessoa experimenta o que signifinismo de exclusão é um humanis- ca ser o sujeito de uma dignidade mo desumano. Pois não há um transcendente e com direitos verdadeiro humanismo para além inalienáveis. Esta a razão pela qual daquele que é aberto ao Absolu- vós, Equipes de Nossa Senhora, to, no reconhecimento de uma trabalhais na farru1ia e para as famívocação, que possa abrir a idéia lias, vós estais nos alicerces da consverídica da vida humana [. .. ], o trução de uma nova humanidade e homem só se realiza a si mesmo da edificação do Reino de Deus. Por transcendendo-se". isso é tão importante ter em consiPerante este desafio radical da deração o ponto de partida "ser pescultura contemporânea contra a con- soa". cepção transcendente da pessoa Faremos três percursos: humana, seria um erro crasso con- 1. Veremos, antes de mais nada, tentar-se em combatê-la confrontanque Deus vem antes da pesdo-se exclusivamente no plano culsoa. "Ser pessoa" significa, portural. O Evangelho não pode ser retanto, ser imagem viva de Deus duzido a um puro assunto cultural, é (querida). Sobre este ponto algo de melhor, é a Vida, é a Palatranscendente fundem-se a digvra Viva, que transcende a cultura. nidade do homem e os seus diPor um lado, o Evangelho funciona reitos inalienáveis. como consciência crítica, refletindo 2. Em segundo lugar, veremos que o que há de positivo e de negativo a pessoa vem antes da famíno plano cultural numa determinada lia. "Ser pessoa", nunca é uma concepção de vida; no entanto, por realidade fechada em si mesmo, outro lado, o Evangelho também tem mas é sempre uma realidade ina função de consciência profética e trinsecamente social, aberta ao indica novos horizontes, renova os outro, fecunda: a família é, simulhomens e os seus modelos de vida taneamente, o local onde a pesPortanto, não basta criticar o que não soa nasce e para a qual a pessoa está bem, é preciso construir, prutende. 11
3. Por fim veremos que a famaia vem antes da sociedade. Portanto, a família, é a "célula da sociedade" e é a "Igreja doméstica": da "saúde" da farru1ia depende a "saúde " da sociedade, seja ela civil ou de fé.
1. DEUS VEM ANTES DA PESSOA O homem vale por aquilo que ele é e não apenas por aquilo que tem ou faz. O homem merece amor e respeito porque vive, não porque tem algo. A sua dignidade está ligada ao fato de ser pessoa e, por isso mesmo, enquanto viver, cada homem guardará sempre a sua honorabilidade; ainda que seja pobre ou doente, ainda que seja carente ou delinqüente. Numa palavra, a pessoa humana nunca perde a sua grandeza natural e nada pode retirar. O homem permanece sempre como o princípio e o fim da coexistência. Sobre este ponto - em princípio estamos substancialmente todos de acordo: "Crentes e não crentes ressalta o Concílio - todos estão
mais ou menos de acordo que tudo o que existe sobre a terra deve ser relacionado com o homem, como o seu centro e o seu final". A dificuldade surge quando se quer esclarecer a origem e o fundamento da dignidade da pessoa. Muitas são as explicações. Contudo, como o demonstra a história, nenhuma concepção naturalmente imanente do homem pode fundamentar de uma forma absoluta a sua
dignidade e os seus direitos inalienáveis. Sempre que se nega ou ignora a origem transcendente da pessoa, cai-se no relativismo e o homem se destrói. A raça, a cultura, a saúde, o poder, o sucesso, o dinheiro, ou qualquer outra realidade imanente, jamais poderão fundamentar o valor primeiro da pessoa. A revelação divina vem em nosso auxílio, revelando o homem ao homem. "A Sagrada Escritura -
explica o Concílio - ensina que o homem foi criado 'à imagem de Deus', capaz de conhecer e amar o seu Criador e que foi por Ele posto acima de todas as criaturas terrestres como seu senhor, para as dominar e para delas se servir glorificando a Deus". Por outras palavras, a pessoa humana possui - contrariamente a todos os outros seres vivos- uma dignidade transcendente e direitos inalienáveis, pois foi criada "à imagem e à semelhança" de Deus (Gen 1,26). Mas que significa ser criada à imagem de Deus? Na Bíblia a palavra "imagem" (em grego eikàn) indica a própria essência da realidade que está representada e tomada presente. Portanto, quando o Gênesis afirma que "Deus criou o homem à sua imagem" põe em evidência que a pessoa humana partilha o conhecimento e a liberdade de Deus. A pessoa humana é "imagem" de Deus - especifica o Concílio - desde que o homem "sobre a terra é a única
criatura que Deus quis para si mesmo". Por outras palavras, João Paulo II comenta : "a gênese do 12
homem não corresponde apenas à Lei da biologia, mas diretamente ao querer criador de Deus [. .. ] Deus "quis" o homem desde o início - e Deus o "quer" em cada concepção e em cada nascimento de uma criança. Deus "quer" o homem como um ser semelhante a Ele, como pessoa". Portanto, ser criado "à imagem e à semelhança de Deus" significa duas coisas: primeiro, cada um de nós (cada pessoa humana) existe porque foi "querida" diretamente por Deus, por um livre movimento de amor; segundo,
cada um de nós (cada pessoa humana) é livre e capaz de conhecer e amar. Assim, esta dignidade transcendente da pessoa- já grande e sublime por si mesma - ganha a sua plenitude, graças sobretudo ao destino sobrenatural do homem. Na verdade, a Sagrada Escritura revela que
"a imagem de Deus invisível" (Col/1,15) é, por excelência, Cristo, o Filho Único de Deus, que se fez homem. "A Deus, nunca ninguém
viu[... ] foi Ele (Cristo) que o revelou" (Jo.1,18); quem o vê, vê Deus (cfr. Jo14,9). Esta perturbadora revelação dá-nos a conhecer, como Cristo é imagem do Pai, e como por analogia, também o homem é imagem de Deus; e, portanto, nada existe por acaso, mas, como Cristo e com Cristo, também nós fazemos parte dos desígnios eternos do Pai "escondido durante sécu-
O homem merece amor e respeito porque vive, não porque tem algo. A sua dignidade está
los no espírito de Deus, criador do universo" (Ef 3,9) e, agora manifestado no final dos tempos : "isto é o desígnio de resumir em Cristo todas as coisas, as do Céu e as da Terra". Cada pessoa humana é
ligada ao fato de ser pessoa e, por isso mesmo, enquanto viver, cada
chamada a tomar-se- em Cristoum "homem novo". (Ef 1,10; 2,15). Portanto, a expressão "ser pessoa, criada à imagem e semelhança de Deus" não significa apenas ser naturalmente inteligente e livre, mas também ser capaz de participar na vida divina, de tomar-se filho no Filho, até poder dizer "Já não
homem guardará sempre a sua honorabilidade; ainda que seja pobre ou doente, ainda que seja
sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" (Gal2,20). Só em Cristo a
carente ou delinqüente.
pessoa humana retoma o seu pleno significado. 13
Neste ponto, cada um de nós pode frasear e aplicar a si mesmo, com verdade, um texto bem conhecido de São Paulo aos Romanos: "Desde o início o Pai me conheceu e me amou no Seu Filho Único. Desde sempre me escolheu ("predestinou") para ser seu filho no Filho ("para ser conforme a imagem de seu Filho"), para que Ele fosse o mais velho de muitos irmãos. Por isso, Deus disse o meu nome ("Ele também me chamou") fez-me entrar na comunhão da vida com Ele ("Ele também me justificou - hebraico = çecteq) e manifesta em mim o seu poder ("Ele também me glorificou")" (Rom 8,29 s). Eis, portanto, onde se fundamenta a dignidade transcendente da pessoa humana: no fato de ser querida e amada por Deus, chamada a participar na vida divina. Conhece, ó criatura humana, a tua grandeza! Aqui está a premissa e a origem de cada verdadeiro discurso sobre o homem: Deus vem antes da pessoa, nela Ele fundamenta a dignidade, a liberdade, os direitos inalienáveis. São estas as razões pelas quais a cultura dominante de hoje, envolvida no materialismo e no secularismo, atenta não apenas a dignidade do homem, mas tudo o que se fundamenta na dignidade pessoal, especialmente a família e a sociedade. Conseqüentemente, para voltar a subir o declive da crise, é preciso recomeçar do reconhecimento da pessoa como "imagem" de Deus, e sobre isso fundamentar a farru1ia e construir a sociedade.
Assim sendo, tudo o que fizermos para afirmar e defender a concepção transcendente do homem e os seus direitos, encaminha-se rumo ao futuro. Trata-se, portanto, de intensificar aquilo que vós - Equipes de Nossa Senhora- já fazeis, persistindo ainda mais sobre a formação das consciências, sobre a vida de oração e sacramental, sobre a escuta da Palavra de Deus, até chegar - com a sua graça - ao conhecimento e ao encontro pessoal com Deus Vivo, à conversão da vida na fé. É preciso recomeçar a partir de Deus e da sua supremacia na nossa vida, pois adquire-se a consciência de ser "imagem" de Deus, mais do que com estudo, com a vida do Espírito, o qual nos conduz progressivamente à verdade total (cfr. Jo 16,13).
11. A PESSOA VEM ANTES DA fAMlUA Todavia, a pessoa humana jamais poderá ficar fechada em si mesma, pois tem sempre uma dimensão humana e só encontra a sua meta na família, na sociedade e na Igreja. Esta natureza social não é exterior, mas intrínseca à pessoa. Também sobre esta dimensão o homem é imagem de Deus, no qual cada uma das três pessoas divinas vive uma relação intrínseca às outras. A Sagrada Escritura põe a tônica neste último detalhe da semelhança do homem com Deus. "Desde o início - diz o Concílio - "homem e mulher [Deus] os criou" e a sua união constitui a primeira forma 14
de comunhão de pessoas. O homem, pela sua natureza, é um ser social e sem relações com os outros não pode viver nem explicar as suas qualidades". Assim, depois de dizer "à imagem de Deus o criou", o texto sagrado acrescenta imediatamente, no plural "homem e mulher os criou" (Gen 1,27). Se-
II - dão-se para além deles pró-
prios a realidade de um filho, reflexo vivo do seu amor, sinal permanente da unidade conjugal e síntese viva e indissociável do seu ser pai e mãe". Graças à fecundidade espiritual e física, o ser pessoal realiza-se completamente na comunhão familiar. Meus queridos esposos, Deus pensou em vós juntos! Vós sois duas pessoas, dois caracteres diferentes, tendes qualidades diferentes, e, no entanto, sendo e permanecendo dois, estais destinados a ser um. O vosso encontro, elevado pelo dom dos filhos, fruto do vosso amor, não é um acaso. É um projeto! "O homem e a mulher são chamados desde o início, não só, a viverem "um próximo do outro", isto é, juntos, mas também são chamados a viverem reciprocamente "um para o outro". Deus pensou em vós juntos, desde o começo. Pensando num, Deus sempre o pensou junto do outro e dos respectivos filhos. Em segundo lugar, o amor é para sempre, indissolúvel. "O dom da pessoa - explica João Paulo II
ria o mesmo dizer: o homem criado à imagem de Deus não está isolado, mas intrinsecamente "social", como Deus que é Trindade; assim, as relações humanas interpessoais são relações de comunhão e de amor, à imagem das da Trindade: "Deus criou o homem à Sua imagem e semelhança, chamando-o à exis-
tência por amor e ao mesmo tempo chamou-o ao amor"; um amor que, pertencendo à própria existência da pessoa e orientando-o essencialmente para o outro, possui como em Deus - uma dupla característica: é fecundo e indissolúvel. Estas são as características fundamentais, que tornam a farm1ia também "imagem e semelhança" da Farm1ia Divina, de Deus Trinitário. Antes de tudo, o amor é fecundo, gera a vida. Quando duas pessoas se amam, sem dúvida, enriquecem-se uma à outra no plano espiritual, pois o amor produz alegria, confiança na vida e em nós mesmos, crescimento humano; e depois, também, no plano físico. Melhor dizendo, a fecundidade espiritual dos esposos atinge o seu auge na fecundidade física: um não pode enriquecer melhor o outro que tornando-o pai ou mãe. "Os esposos, logo que se dão um ao outro- diz João Paulo
-pela sua essência, exige ser duradouro e irrevogável. A indissolubilidade do matrimônio brota em primeiro lugar da essência de um tal dom: doação da pessoa à pessoa". Quer dizer, a totalidade e a fidelidade da doação conjugal partem, também elas, deste ser pessoa "querida" à imagem e semelhança de Deus, que só pode amar infinitamente, com todo o seu ser, e "para sempre". Exatamente por isso, também 15
entre os esposos, "a doação física total, seria uma mentira, se não fosse sinal e fruto da doação pessoal total, na qual toda a pessoa, também na sua dimensão temporal, está presente: se a pessoa se reservasse algo ou a possibilidade de escolher de outro modo para o futuro, para tal já não se daria totalmente". Portanto, as ligações familiares assentam sobre a consciência que "ser pessoa" faz parte do projeto de Deus e sobre o fato de que "ser imagem de Deus" significa reconhecer na pessoa uma dignidade transcendente e os seus direitos inalienáveis. Assim, jamais se poderá reduzir a vida familiar - sem a destruir - a uma relação de casal, na maioria das vezes extrínseca e funcional, como quer a cultura dominante, hoje: o marido executa a sua "função", a mulher executa a sua, e assim o lar doméstico "funciona" como um hotel ou uma fábrica, onde cada um executa o seu papel, dando "funcionalidade" à empresa. E a comunhão? E o amor? E a unidade na dualidade? Se queremos que a família seja - como ela deve ser - "uma comunidade de pessoas, para as quais a própria maneira de existir e de conviver, é a comunhão das pessoas", devemos recuperar "a referência exemplar do "nós" divino. Só as pessoas podem viver "em comunhão", à imagem e semelhança de Deus. Assim, a verdadeira razão, pela qual hoje a cultura dominante não aceita nem a fecundidade nem a
indissolubilidade do amor, está na recusa da transcendência da pessoa, do conceito do homem criado à imagem de Deus e chamado a partilhar a vida divina. E como o homem, quando perde Deus, perde-se a si mesmo, assim a farru1ia, privada do seu fundamento absoluto, pode ser destruída. Não espanta pois, que muitos, hoje em dia, julguem a família como um dos numerosos acontecimentos contingentes. Esta a razão porque, face às contínuas e profundas mudanças, eles acham normalíssimo duvidar que os modelos de ontem possam servir em &lgum domínio. Por que deveremos ficar agarrados aos velhos modelos de farru1ia? Por que, se um projeto de fami1ia tem defeito, não se pode experimentar um segundo ou até talvez um terceiro, como se faz para qualquer outro projeto humano? Na verdade, no contexto sóciocultural dos nossos dias, é urgente voltar a lançar os fundamentos da farni1ia sobre o valor absoluto de que ela é querida por Deus. Contudo, para tal não basta um propósito cultural. De novo, tocamos na tecla do testemunho de vida. Mais do que raciocinar, é preciso ter experiência. Por isso, a forma mais eficaz de evangelização da farru1ia é demonstrar com fatos, com a vida, que abrir-se ao dom da graça divina, o que aparentemente parece impossível, não só é possível, como é maravilhoso! Mas não basta proclamálo. O mundo de hoje tem orelhas surdas às palavras. "O homem contemporâneo - repetia Paulo VI ouve melhor os testemunhos que 16
os mestres, ou, se ouve os mestres, faz isso porque eles também são testemunhos". Hoje o mundo precisa de testemunhos do Evangelho. As fanu1ias em crise têm necessidade de vós, Equipes de Nossa Senhora, quer dizer, precisam de farru1ias evidentemente prontas a dar conta das suas experiências confrontadas com o plano cultural, mas sobretudo testemunhando estas experiências, vivendo em plenitude e alegria o Sacramento do Matrimônio, deixando transparecer a realização do grande mistério da união indissolúvel entre Cristo e a Igreja.
A caridade é, realmente, o cimento evangélico que o cristão introduz na construção da cidade, para a edifzcação da "Civilização do Amor".
lll. A FAMfllA VEM ANTES DA SOCIEDADE Neste ponto, o horizonte alargase posteriormente. Na verdade, a pessoa não só se aperfeiçoa no interior da família, mas por intermédio da farru1ia, tomando-se centro e célula viva da sociedade civil. "Da natureza social do homem- explica o Concílio - parece evidente como o aperfeiçoamento da pessoa humana e o desenvolvimento da própria sociedade sejam entre eles interdependentes. Com efeito, começo, sujeito e fim de todas as instituições sociais é e deve ser a pessoa humana, isto é, aquela que pela sua natureza tem extrema necessidade de sociabilidade. Como a vida social não é algo exterior ao homem, este ganha em todas as suas qualidades e pode responder à sua vocação 17
pelas relações com os outros, os deveres mútuos, o diálogo com os irmãos". Compreende-se agora porque é que o amor e a solidariedade, isto é, a ligação que - à imagem de Deus - assemelha os homens entre si, não só na farru1ia, mas também na sociedade civil, é algo mais do que "um sentimento de vaga compaixão ou de superficial ternura pelos males de muita gente, vizinha ou afastada. Pelo contrário, trata-se de uma determinação firme e perseverante de se comprometer com o bem comum, isto é, pelo bem de todos e de cada um, pois todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos" . Na verdade, ser "à imagem de Deus" se, por um lado, sublima a dignidade da pessoa assim, por outro lado, glorifica o amor e a solidariedade entre os ho-
mens (na família e na sociedade) transformando-as em caridade (ágape): à luz da fé, a solidariedade tende a superar-se a si mesmo, a revestir as dimensões especificamente cristãs da gratuidade total, do perdão e da reconciliação. Então o próximo não é só um ser humano com os seus direitos e a sua fundamental igualdade diante de todos, mas toma-se imagem viva de Deus Pai, redimida pelo sangue de Jesus Cristo e posta sob a ação permanente do Espírito Santo. Assim, o próximo deve ser amado, mesmo se mlffilgo, com o mesmo amor com o qual o Senhor o ama e por Ele é preciso estar disposto ao sacrifício, tal- , vez supremo de "dar a vida pelos seus irmãos". O amor do cristão, não é simples filantropia, nem simples solidariedade, é caridade (ágape), isto é, amor total, gratuito e desinteressado, que transforma a sociedade humana em "Civilização do Amor". É importante que as farm1ias cristãs testemunhem a supremacia da caridade, não só na sua vida interior, mas também no exterior, comprometendo-se na sociedade multicultural, multiética e plurireligiosa dos nossos dias. A caridade é, realmente, o cimento evangélico que o cristão introduz na construção da cidade, para a edificação da "Civilização do Amor". A farm1ia é - por definição - o local privilegiado onde se ensinam e aprendem as virtudes sociais, onde as novas gerações aprendem a conhecer o rosto da sociedade, a pequena Igreja Doméstica onde "os
Pais devem ser para os filhos os primeiros anunciadores da fé", ensinando-lhes a descobrir o rosto de Deus para servi-lo nos pobres, nos doentes, nos marginalizados. Por isso, a missão da família extravasa os muros domésticos e exige que se tome ativa e presente na vida social e na vida eclesial, para aí exercer uma dupla missão: A primeira, deve ser uma função crítica, isto é, opondo-se e reagindo face às mensagens negativas que todos os dias invadem as casas, difundindo pseudo valores e falsas visões da vida. A segunda é uma função profética, não basta manter-se à defesa, é necessário que as farm1ias cristãs atuem em locais descobertos e se comprometam na construção de um futuro melhor, e também é necessário que as famílias estejam presentes na vida pública, para serem agentes de renovação espiritual e moral. Estas serão as principais coordenadas da caminhada das Equipes de Nossa Senhora face aos desafios da cultura dominante, impregnada de materialismo e de laicismo: recomeçar a partir de Deus, fundar a família sobre a dignidade da pessoa criada à imagem de Deus, abrir a família, à sociedade e à Igreja, comprometer-se também publicamente para que nasça a Civilização do Amor. Que Nossa Senhora, Esposa do Espírito Santo, Mãe do Filho do Pai e nossa Mãe muito carinhosa guie e acompanhe esta nossa caminhada. Amém Vem, Senhor Jesus.• 18
HOMlllA DE MONSENHOR GUY THOMAZEAU BlSPO DE BEAUVAJS, NOYON ET SENUS
P
regrinos de Compostela vindos dos quatro cantos do horizonte, participamos na caminhada jubilar de toda a Igreja e, hoje, convictamente virados para o futuro, fazemos nossa a Oração do Salmo : "Envia a Tua Luz e a Tua Verdade, para que elas nos guiem e conduzam... m Esta luz manifestada em Jesus, recebemo-la, especialmente, pela escuta da Palavra de Deus. Esta Palavra, quero crer, todos vós gostais de a ler individualmente, em casal e, também, em equipe. Haveis feito a experiência de a deixar penetrar em vós como uma roseira que não deixou de irrigar os vossos corações, desde a primavera da vida conjugal até a última noite. Esta Palavra ressoa em nós com acentuações sempre renovadas durante a Eucaristia. Há quem diga que há duas mesas durante a Missa: a da Palavra e a do Pão vivo. Hoje, permitam-me dizer, "sentemo-nos à mesa", tomemos, juntos, lugar à mesa, uma vez que todos somos convidados. Neste ano de graça jubilar, o Senhor alimenta o seu povo na escuta daquilo que o "Espírito diz às Igrejas". A oração sacerdotal ajuda a ouvir os Atos dos Apóstolos. I . Salmo 42 43 S. João 17,2
2.
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A oração sacerdotal do Evangelho de João é a última oração de Jesus na véspera da Sua Paixão, pois Ele diz: "chegou a hora". E nada mais acrescentará às sete palavras pronunciadas sobre a cruz . Uma homilia permite apenas sublinhar alguns traços salientes. Falando da paternidade de seu Pai, Jesus diz: "Ele dá a vida eterna a todos os que lhe entregastem. Esta palavra de Jesus desperta um eco singular nos casais. A maioria de vós, teve já a alegria de pôr filhos no mundo. Deram a vida, mas Je-
sus reza assim: "Esta é a vida eterna: que te conheçam a ti, único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem tu enviastem. Esta vida que brota da fé no único e verdadeiro Deus, dá-vos a certeza de nela despertarem, desde a mais tenra idade, os filhos nascidos de vós. O casal, os pais, são, portanto, o primeiro lugar para a iniciação, onde a criança pode, logo, acolher o dom gratuito, o dom da fé, que é fonte de vida eterna. Saber que a oração de Jesus não esmorecerá; ao longo dos séculos, fortifica, mesmo quando as primeiras maravilhas da tenra infância parecem, por vezes, ser engolidas pela turbulência e interrogações de alguns dos filhos durante a adolescência e para além disso. Que a oração de Jesus vos permita que jamais duvidem do Senhor ou do poder da sua palavra, acreditando que o que foi semeado germinará na hora de Deus na vida dos vossos filhos crescidos, ainda que seja na décima primeira hora: "Jesus, lembra-Te de mim, quando estiveres no teu reino" 4 • "É por eles que Eu rogo" 5• Jesus intercede no próprio ato sacerdotal e convida-nos - a nós batizados e confirmados- a participar por sua intercessão, ato de amor gratui- . to e apaixonado, a ficar diante do nosso Pai, pois "Tu nos escolheste 3. 4. 5. 6. 7.
S. S. S. S. S. 8. S.
para servir na tua presença", segundo a expressão da segunda oração eucarística. A intercessão tece invisivelmente laços fortes, porque, com Jesus, muitas vezes em segredo, afirmamos rezar com um amor sem fronteiras, numa participação já efetiva da grande farru1ia da comunhão dos santos. "Não te peço que os retires do mundo, mas que os livres do maligno"6. Porque Jesus- o Emanuel - prometeu estar sempre no meio de nós, a reação temerosa, a tentação do medo pode ser ultrapassada, mesmo se nesta hora de Quinta-feira Santa, Jesus empregue o forte termo "O mundo os odiou"1• Isto vacina-nos contra qualquer ingenuidade angélica. A fidelidade a Cristo e ao Evangelho degladiam-se, não apenas com as resistências, mas também com oposições tenebrosas. O combate das trevas e da luz trava-se em nós e ao nosso redor. São Martinho, na hora da agonia, teve ainda a visão da presença do adversário, a ponto de o interpelar: "Que fazes aí, besta imunda? Sabes que não tens qualquer poder sobre mim". O impulso jubilar confirma em nós a fé de que Jesus, com a sua presença, venceu a morte. Neste combate, a nossa participação nesta vitória traduz-se por um sinal inequívoco: " ... para que assim
João 17,3
Lucas 23,42 João 17,9 João 17 ,15 João 17, 14 João 17,21
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eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste" 8• Com todas as nossas forças, precisamos deixarnos seduzir por esta oração que nos mergulha já no mistério do Deus único, Pai, Filho e Espírito Santo. Não é a graça da unidade desejada e recebida que é preciso fazer frutificar no Sacramento do Matrimônio? Sim, hoje há um profetismo da unidade através dos casais que, humildemente, consentem na graça da unidade no seu próprio casal, certas noites, como prêmio de um combate espiritual. A oração de Jesus é para todos, mas não é uma apropriação indevida que seja entendida pelos casais cristãos no centro do seu estado de vida - a aliança conjugal. O que é, afinal, a fraternidade de uma Equipe de Nossa Senhora, senão esse ombro a ombro, em que- numa ajuda mútua efetiva - alguns casais caminham juntos para melhor responder à vocação à santidade no caminho da unidade conjugal? Como acontece isto? A oração de Jesus na noite de Quinta-Feira Santa, vêmo-la terminada desde a primavera da Igreja, graças a São Lucas, nos A tos do Apóstolos, e age, sem demora, pela movimentação do espírito de Pentecostes, há já 2000 anos. Conhecemos bem a forma como São Lucas descreve o que caracteriza a primeira comunidade cristã em Jerusalém. Este texto merece ser recebido em casal, pois vivê-lo em farm1ia fundamenta uma verdadeira célula da Igreja. É bem 9 . At. 2,42-46
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verdade que, durante as perseguições, com a ausência de padres, por vezes, durante várias gerações, não se podia exibir o Evangelho porque estava enterrado, mas era vivido na intimidade das fanu1ias, como uma brasa escondida sob as cinzas. Hoje, como ontem, e é a esperança do amanhã, o casal- primeira célula da Igreja e da sociedade fundamenta o futuro da evangelização a despeito dos fantasmas ideológicos do nosso tempo. Mas a condição feita insistentemente pelo apóstolo ainda é a perseverança: os cristãos eram assíduos ao ensino dos apóstolos, à escuta da Palavra de Deus, fiéis à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações. Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum9 • A Carta Fundadora das Equipes de Nossa Senhora pretende apenas alimentar a fidelidade à graça do matrimônio, inscrevendo-a humildemente na duração. Irmãos e irmãs, a partir de agora, com mais de meio século no seio das Igrejas locais, as Equipes de Nossa Senhora fortificam os esposos cristãos. "Dia após dia" como dizia São Lucas, vós viveis a grandeza discreta da fidelidade à graça recebida e ao compromisso tomado. É assim que o misterioso contágio da fé opera junto dos vossos filhos e mais ainda junto daqueles a quem as vossas fanu1ias são enviadas para escrever o livro da vida, as primeiras páginas da evangelização do terceiro milénio.•
Testemunho
"Bom
VlVENDOUM DlA DO ENCONTRO
dia, Senhor..." Com estas palavras, ao orarmos juntos no ônibus, a caminho do SAR (Estadio Multiusos do SAR -local do encontro, próximo aó rio domesmo nome), começa o Encontro Santiago 2000. Na véspera, recebêramos nos hotéis, cada um na sua língua, o caderno da liturgia, pelo qual acompanharíamos as funções litúrgicas e onde encontraríamos as orações para os deslocamentos a caminho do SAR, para as reuniões de equipe e uma oração conjugal para cada uma das noites. Ao penetrar no imenso ginásio, onde fomos acolhidos e orientados pelos equipistas do serviço de ordem com aventais e bonés vermelhos, a primeira surpresa: o magnífico Pór-
tico da Glória e as naves da Catedral de Santiago, reproduzidos em tamanho natural e em cores, enchem o fundo do palco, repetindo em nós a emoção dos peregrinos que atingem, após longa caminhada, o objetivo almejado. O ginásio aos poucos vai ficando cheio, à medida que chegam ônibus e mais ônibus, uns 130, trazendo os participantes de seus alojamentos, vários dos quais bem distantes (aproximadamente 100 km), ou seja, mais de uma hora de viagem. Todos levam no peito um crachá colorido de identificação. Cada cor representa um idioma. Quase todos estão equipados com rádios com fones de ouvido que lhes permitem ouvir as palestras, homilias,
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etc. em tradução simultânea. De repente, ao som do hino do Encontro, surgem, avançando pelas laterais da platéia, duas longas faixas coloridas: são as bandeiras dos diversos países representados, conduzidas, horizontalmente, por casais; muitos, vestidos a caráter, africanos, indianos, espanhóis, mexicanos, poloneses, portugueses ... Essas bandeiras vão formar dois painéis que serão pendurados, verticalmente, em ambos os lados do palco, onde permanecerão por todo o Encontro. A seguir, entram pelo centro os casais da ERI (Equipe Responsável Internacional), com o seu Casal Responsável, Cidinha e Igar, por último. Em francês, Cidinha e lgar abrem o Encontro. Em nome da ERI, ela dá as boas vindas a todos e define os objetivos do Encontro: "Estamos aqui para viver um tempo de fraternidade, de partilha, de oração, de formação, mas principalmente de conversão dos nossos corações. Estamos aqui para refletir sobre 'O casal, imagem de Deus Trinitário' e as suas implicações para nós, como pessoas e como casais". Vai ter início a celebração eucarística de abertura. Depois de um tempo de espera, despontam, de cada lado da entrada, silhuetas de branco: são os celebrantes avançando em fila quádrupla, padres e mais padres, a perder de vista, mais de 600 ao que soubemos. Tão grande foi a emoção ao ver essa multidão de consagrados de todo o mundo que se dedicam ao nosso Movimento que nem nos lembramos de acompanhar o canto.
Neste primeiro dia, a Eucaristia é presidida por Mons. Guy Thomazeau, velho amigo das Equipes, que, como bispo de Beauvais, foi testemunha dos últimos momentos do Pe. Caffarel. Ao iniciar a sua homilia, Mons. Thomazeau nos diz: "Hoje, como ontem, o casal é para a Igreja a esperança de amanhã. A condição, porém, é a perseverança. Na assiduidade à escuta da Palavra, à comunhão fraterna, à fração do pão e à oração, dia após dia, vocês vivem a grandeza da fidelidade à graça recebida e ao compromisso assumido, e assim contagiam aqueles a quem são enviados". A oração dos fiéis é feita em francês por um casal de africanos. Em seguida, casais, com a indumentária tradicional dos peregrinos do Caminho - capa e chapéu castanhos, cajado, alforge e a célebre concha pendurada ao peito- adiantam-se para a procissão do ofertório. À medida que oferecem cada uma dessas peças, é lido um texto explicando o que pretendem simbolizar; depois colocam-nas num boneco vestido de peregrino, à direita do altar. Continua a celebração. A oração eucarística é feita, cada dia, em um idioma diferente. O momento da consagração é em latim, para que todos os concelebrantes possam pronunciar juntos as palavras da consagração. Neste primeiro dia é em francês, o que toma ainda mais bonita a cerimônia, pois os equipistas de língua francesa, os mais numerosos (mais de 3000), cantam com toda a alma; os espanhóis, aliás, pu-
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demos perceber, também acompanham todos os cânticos. Na comunhão, nova surpresa. Somos avisados, em todas as línguas: "Não saiam dos seus lugares, os sacerdotes irão levar a Eucaristia até vocês". Só então percebemos a função dos muitos homens e algumas mulheres que havíamos reparado vestindo batas douradas : eram pessoas, que se dirigem ao altar pelo corredor central e, à medida que os sacerdotes descem com uma das centenas de âmbulas cerâmicas alinhadas sobre o altar, os precedem, levando-os a uma arquibancada prédeterminada, começando pelas mais altas. A âmbula passa de mão em mão numa fileira e retorna ao sacerdote pela fileira seguinte. Assim, em poucos minutos, todos comungam, sem sair do lugar, no maior recolhimento. Depois da celebração, um intervalo, e tem lugar a primeira conferência do Encontro (serão três ao todo), a cargo do Pe. Bartolomeu Sorge, conhecido jesuíta italiano, falando num excelente espanhol, que os brasileiros podem ouvir em português graças à ótima tradução simultânea de Peter Nadas. "Vocês, das Equipes de Nossa Senhora- diznos o Pe. Sorge -, trabalham na construção de uma nova humanidade ... Hoje, o mundo necessita dotestemunho de farru1ias cristãs vivendo em plenitude e alegria o sacramento do matrimónio". Terminada a palestra, novamente os avisos: "Não saiam de seus lugares, vocês vão receber, aí mesmo, uma caixa com o almoço". Sur-
gem então dezenas de moças e rapazes em uniformes brancos, trazendo enormes caixas de papelão, colocadas no chão diante de cada arquibancada, das quais extraem pilhas de caixinhas, logo distribuídas pelas fileiras. Num abrir e fechar de olhos, estamos todos com o almoço no colo, aproveitando para conhecer o equipista ao nosso lado -depois de matar um pouco a fome, já que são 14:30 horas, hora normal de almoço para os espanhóis, mas um pouco tardia para estômagos brasileiros ... Ao terminar o almoço, novo aviso: "Daqui a pouco vamos dar a localização dos ônibus. "Mas como, de manhã, nos havia sido dito que encontraríamos os ônibus no ponto em que nos tinham deixado na ida e que deveríamos sair rapidamente, para estarmos nos hotéis em tempo
Hoje, como ontem, o casal é para a Igreja a esperança de amanhã. A condição, porém, é a perseverança.
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para as reuniões de equipe, muitos, inclusive nós, vão saindo à procura de seu ônibus. Ao chegarmos ao hall, descobrimos que está chovendo, e muitos já vestiram as capas azuis que estavam na bolsa que nos tinha sido entregue- sábia providência- com o material do Encontro. Em alegre algazarra, vamos saindo. Lá fora, começa o desencanto: além da chuva que aumenta, há poças de lama por toda a parte, (havia chovido várias vezes durante a manhã sem que o percebêssemos) e não sabemos para que lado nos dirigir. Os ônibus, ninguém pensara nisso, são uma centena e, embora todos conheçam o número do seu, como encontrá-lo sem uma indicação precisa e com a chuva e a lama a complicar a procura? Assim vamos todos de um lado para o outro, cruzando-nos, parecendo um enxame de baratas tontas! Pra ticamente escondidos dentro da mesma capa azul, se um se descuida ao olhar onde pisa, perde-se do marido ou da mulher! Quando finalmente encontra seu ônibus, tem que tratar de reencontrar o cônjuge, o que só consegue voltando ao ponto de partida ... Com esses desencontros, as reuniões de equipe deste primeiro dia, marcadas para às 17:00 horas, começam com atraso, mas, quinze minutos após a chegada ao hotel, estamos todos no salão para a distribuição em equipes. Na nossa, há casais franceses e espanhóis, um SCE francês, e nós, único casal brasileiro ou de língua portuguesa em todo o hotel. Apresentações, tradu25
ção; co-participação, tradução: os franceses não entendem uma palavra de castelhano e vice-versa! Um casal francês que mora em Madri e Gérard revezam-se na tradução. O tempo que se perde nas traduções não diminui em nada a riqueza da troca e, não obstante a dificuldade de comunicação, sentimo-nos à vontade, como em nossa própria equipe, comungando todos da mesma fé e do mesmo ideal equipista. Após o jantar tardio, à espanhola, nova reunião geral no hotel, desta vez, festiva, com canções francesas, piadas belga-espanholas e danças andaluzas. Gérard tem de traduzir as piadas para os italianos, pois, tampouco eles conhecem o castelhano ... e revezar com o francês de Madri na tradução das instruções que nos dá o responsável pela casa, um simpático catalão que, além da própria língua, só conhece o espanhol. Finalmente, vamos nos deitar, superalimentados de espiritualidade e fraternidade. Já pensando no dia seguinte, fazemos o firme propósito de esperar o anúncio da localização dos ônibus ... (o que aliás seria prudentemente feito durante o almoço, em vários idiomas, e projetado simultaneamente nos telões). Depois de rezarmos a oração conjugal, sugerida no caderno do Encontro, resta apenas dizer um "muito obrigado, Jesus, por esse dia maravilhoso", terminando como começamos: "Boa noite, Senhor!"
Monique e Gerard Duchêne Equipe lA - São Paulo
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CONFERENClA: ADEllDADE E PERDÃO DR. JACK DOMlNlAN
Ser casal: "Não é bom que homem esteja só " .
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(Gn 2, 18) Ser casal cristão : "Assim já não são do is, mas uma só carne " . (Mt 19, 6)
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oje, gostaria de partilhar convosco uma visão, uma visão sobre o que significa a vida da fanu1ia, sobre o que ela significa no seio da comunidade cristã, sobre o que ela significa no seio da sociedade. Começo pelo mistério de Deus. Todos nós, nesta sala, partilhamos a idéia fu ndamental de que existe, por um lado, o cosmos com os seus milhões de estrelas e os seus milhões de anos-luz e, por outro lado, a relação de amor- única e individual - entre as pessoas. Este largo espectro é um mistério que não apareceu por acaso, que não surgiu do caos, mas que foi o fruto de um Deus que é amor. A fonte deste amor pôs à nossa disposição o mistério deste mundo. Ele amou-nos tanto que nos deu o seu Filho único para que Ele manifestasse na sua carne, na sua encarnação, o que significava este amor. Mas Ele pediu-nos que introduzíssemos esta vida de amor nas nossas próprias vidas e que, depois da morte, vivêssemos uma vida de amor com Ele. É isto que, verda-
Jack Dominian (ao centro) Biografia
É inglês, casado, pai e avô. Especializou-se, a princípio, em geriatria e neurologia; depois, em psiquiatria e psicologia médica. Em 1961, escreveu seu primeiro livro: ':4 psiquiatria e o cristão". Como membro do Conselho Consultivo do Casamento Católico , interessou-se pelos aspectos concretos do casamento e insistiu sobre a relação interpessoal do casamento cristão. Em 1971, fundou o "Centro de Pesquisas sobre o Casamento". Sua contribuição à sociologia moderna é muito importante. Escreveu numerosas obras sobre o casamento cristão, o fracasso, a patologia e o projeto conjugal, a sexualidade, a depressão, a capacidade de amar, a fé e o amor, o crescimento do amor e da sexualidade, o amor feito de paixão e de misericórdia.
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deiramente, faz de nós cristãos. A minha missão é demonstrar como esta vida de amor é vivida no matrimônio de uma forma única. Comecemos por fatos concretos: todos nós temos consciência de que estamos frente a uma crise do matrimônio e da farm1ia e não sabemos o que fazer a este respeito. Vemos que esta crise se manifesta nas nossas próprias farm1ias- talvez alguns dos nossos filhos ou dos nossos amigos já acabaram com o seu casamento. Vemos essa crise em milhões de famílias monoparentais. Vemos essa crise nas conseqüências das rupturas do casamento: saúde deteriorada, depressão, suicídio. Vemos essa crise em nível econômico, já que os divórcios custam milhares de dólares nos respectivos países. Estamos perplexos perante a constatação de que nem a sociedade, nem a Igreja parecem saber como remediar esta crise. A primeira parte da minha conferência consistirá, portanto, na análise desta crise e como o cristianismo pode, se possível, remediá-la. Antes de tudo, devemos recordar que somos seres encarnados. Devemos vi ver da vida de Deus na nossa carne, nas nossas relações pessoais e estas relações pessoais refletem o caráter sempre em mutação dos seres. Devemos ter a consciência de que o casamento está em mudança: de um contrato donde emanavam funções na sociedade, ele passa a ser uma relação íntima de amor. Tradicionalmente, quando um homem e uma mulher se casavam, tinham papéis muito definidos 27
a desempenhar. O homem era quem ganhava o pão de cada dia, era ele o chefe de farm1ia, que tomava decisões, que representava a farru1ia no exterior. A mulher punha crianças no mundo, educava-as e ocupava-se da casa. Enquanto representassem estes papéis e se mantivessem fiéis um ao outro, o casamento deles era considerado um êxito. Assim era o modelo do casamento através do mundo, mas, há cem anos, sobretudo nos últimos cinqüenta anos, este modelo transformouse. Transformou-se porque as mulheres se transformaram. Transformou-se porque a emancipação da mulher está modificando profundamente a sociedade ocidental. O homem já não é o único a ganhar a vida. Muitas são as mulheres que trabalham fora de casa, pelo que a relação entre eles, no plano econômico, está modificada. Abandonamos a estrutura hierárquica das relações, de tal modo, que o homem e a mulher, sendo bem diferentes, são reconhecidos com igual valor. Toda a comunicação entre o homem e a mulher é feita numa base de igualdade. O número de filhos por farm1ia é consideravelmente reduzido e, hoje, numa média de dois, os filhos já não ocupam a totalidade da vida familiar como nas gerações precedentes. O que se passa, é o desabamento da repartição tradicional das tarefas e, em contrapartida, a aproximação dos cônjuges; o critério do sucesso já não está no modo de desempenhar o seu papel mas na qualidade da relação. A freqüência dos fracassos conjugais deve-se ao
fato de que a relação entre cônjuges necessita de aptidões diferentes daquelas que são requeridas para desempenhar um papel. Nem a sociedade, nem a Igreja formaram pessoas para a arte da relação conjugal. Esta arte da relação pode resumir-se numa palavra: Amor. Este é o ponto de encontro entre o homem e Deus. Longe de nos desesperarmos porque o mundo segue uma direção e nós - cristãos seguimos outra, constatamos uma convergência entre as visões da sociedade e da Igreja no que respeita ao casamento, que é visto como uma realização do amor. O Concílio Vaticano II deixou-nos uma maravilhosa teologia do casamento defmindo-o como uma comunidade de vida e de amor numa aliança comprometida nas relações pessoais. Assim, longe de recearmos dirigirmo-nos ao mundo, podemos fazê-lo compreendendo que o que o mundo procura é o amor. Tudo isto me conduz ao tema principal do meu propósito que é fidelidade e perdão. O sentido corrente que o mundo de hoje dá à palavra fidelidade limita-se, sem dúvida, à fidelidade sexual. No entanto, quero alargar efetivamente o sentido a toda a atitude dos esposos, um para com o outro, à sua atitude de fidelidade que revela este amor de Deus à imagem do qual foram criados, o Deus Trinitário, três pessoas que vivem numa relação de amor umas com as outras. Assim, irei considerar este amor que reflete a fidelidade e
mostrar como se podem remediar as faltas de fidelidade pelo perdão e a cura das feridas. Vê-se a fidelidade de um casal pelo modo como os esposos se comportam um para com o outro, pelo amor. Mas qual é a nossa concepção de amor humano? Como psiquiatra, o modelo de amor humano que se me apresenta é o amor entre pais e filhos. É a primeira relação íntima de amor nas nossas vidas, o amor entre esposos vem em segundo lugar. O amor fiel dos pais pelos seus filhos traduz-se pela educação ou suporte moral, a cura das suas feridas e o encorajamento da seu crescimento, da sua maturidade. Estas serão as palavras chaves que utilizarei em várias repetições. Deus manifesta o seu amor pela sua criação criando a vida e dandolhe o seu apoio com toda a solicitude. Tal é a superabundância do seu amor. Os pais criam uma vida nova nos seus filhos e dão-lhes alimento e educação. Também podemos ver na solicitude e na educação o reflexo deste amor fiel, com que Deus ama o seu povo e os esposos se amam um ao outro. Vejamos agora quais são as componentes deste amor que é suporte mútuo. Comecemos pela necessidade da criança, da disponibilidade dos seus Pais. O bebê precisa de uma atenção constante. Ele é levado ao colo, acarinhado, alimentado, vestido e precisa que conversemos com ele. Esta disponibilidade dos pais em relação aos seus filhos está na segunda relação íntima - a do casamento. V árias investigações de-
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Nem a sociedade,
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nem a Igreja formaram pessoas para a arte
da relação conjugal. Esta arte da relação pode resumir-se numa palavra: Amor. monstraram que os casais têm necessidade de disponibilidade física e afetiva. Por outras palavras, precisam passar tempo juntos, estar juntos, um com o outro, sentar juntos, passear, fazer compras, pôr em comum todo o seu ser: como dizia o bispo na sua homilia desta manhã, é "o dever ou o prazer de se sentarem juntos". Eles precisam, não só de disponibilidade física, como também de disponibilidade afetiva. Precisam estar cada um em contato com o mundo íntimo do outro, para que tomem consciência dos seus próprios sentimentos. O segundo fator de suporte é a comunicação. A comunicação começa na infância, sem palavras e depois, com a palavra; é assim que a comunicação prossegue na segunda relação íntima. A comunicação é indispensável ao amor conjugal, onde toma duas formas: uma verbal
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e outra não verbal, tal como os olhares, os sorrisos e os gestos que trocamos: é a linguagem do corpo. Expressamos o nosso amor fiel mantendo-nos presentes um ao outro, pelas nossas trocas de palavras e abrindo-nos, um ao outro, tanto quanto o podemos. O que acontece, e sabemos isso por experiência, é que esta comunicação é um fenômeno extremamente complexo. Homens e mulheres expressam-se de modos diferentes. Os homens privilegiam o objeto, a eficácia e a descrição baseados em fatos. As mulheres se comunicam para estabelecer laços e implicações pessoais. Esta diferença de linguagem provoca inúmeras dificuldades. As mulheres falam mais, falam melhor e se comunicam melhor, ao ponto de os homens acharem, por vezes, provocante este dom maravilhoso que elas receberam. Conta-se a história de uma mulher que, nos Estados Unidos, tinha iniciado uma ação de divórcio e a quem o juiz perguntou: "Por que é que se quer divorciar do seu marido?" Ela respondeu: "Ele não fala comigo há já dois anos." O Juiz voltou-se para o marido e disse-lhe: "É verdade que não fala com a sua mulher há dois anos?" O marido respondeu : "Sim, é verdade, eu não queria interrompê-la!". O terceiro fator é a demonstração do afeto. Uma criança sentese reconhecida, desejada e estimada, por outras palavras, sente-se fielmente amada quando é abraçada, apertada, acarinhada. O mesmo se passa no casamento, sentimo-nos
amados quando, entre esposos, trocamos sinais e gestos de afeto. Alguns casais vêm ter comigo e a mulher me diz: "Agora, ele já não me diz que me ama ... " O marido parece perplexo e coçando a cabeça diz: "Há vinte anos, eu disse que te amava. Porque queres ouvi-lo de novo? Se mudar de opinião, eu te direi!" A comunicação do afeto está no centro do amor. Em quarto lugar, para uma criança, a estima de si mesma aumenta quando é felicitada, pelos seus pais e educadores, pelo que fez. A criança gosta que lhe digam: "bravo!", "muito bem!" O mesmo se passa no casamento. Todos gostamos de ser louvados, e uma excelente forma de expressar a fidelidade, um ao outro, é felicitarem-se mutuamente. Há um abismo entre começar uma frase com palavras do tipo "o problema com você é ... " ou começar dizendo: "Obrigado, gostei muito de ... " O equilíbrio entre a felicitação e a crítica é vital para a arte de amar nos nossos dias. Enfim, há sempre resolução para os conflitos. As crianças discutem e brigam com os seus pais. Durante algum tempo estes zangam-se com o filho, mas depressa se reconciliam, as diferenças são resolvidas e o amor é restaurado. O mesmo se passa também com o casal. Discutem e brigam, depois resolvem as suas diferenças. Aresolução dos conflitos está na base da fidelidade autêntica do casal. Não há verdadeira intimidade sem pequenas discussões. Elas são o
reverso da medalha da intimidade.
É preciso que olhemos cada querela, não como um trampolim para ganhar uma batalha, não como uma luta de poder, mas como uma crise, de modo a aprender até que ponto se ofendeu aquele ou aquela que se ama, a fim de evitar repetir no futuro. Resumirei, portanto, as características da fidelidade amante expressas no apoio mútuo. São elas
a disponibilidade, a comunicação, a demonstração de afeto, a felicitação e a resolução de conflitos. Este é o lado positivo do apoio mútuo, mas nós encalhamos constantemente. Deus sabe-o muito bem; por isso Ele enviou-nos o Seu Filho Único para nos salvar da nossa incapacidade de amar suficientemente. Segundo o pensamento cristão, é no perdão que vemos a resposta a esta falta de amor, e é isso mesmo. O perdão é o ato e o comportamento pelos quais não levamos em conta a nossa ofensa e a nossa cólera para com a pessoa que as provocaram. Muitas vezes, a noção de perdão não vai muito longe, o que é lamentável. O perdão implica a resolução de melhor fazer no futuro para evitar ferir de novo. Portanto, não adianta dizer que perdoando se apagam a cólera e a ofensa sentidas em relação à pessoa que nos ofendeu. Permitam-me que vos diga algumas palavras sobre este processo. Quando somos ofendidos, o grau de pena e de cólera que experimentamos depende da nossa sensibilidade
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se encontrarem os dois, a sós. Devemos ter consciência da necessidade da disponibilidade de um para com o outro. Podemos perdoar baixas passageiras de disponibilidade, mas, a longo prazo, o corolário do perdão é o desejo de estar com o seu cônjuge. Aquilo que muitas vezes temos que perdoar, não é a falta ocasional de disponibilidade na nossa vida comum. Mais grave que isso, nos problemas conjugais atuais, é termos que perdoar, e tentar compreender, porque o nosso cônjuge tem dificuldade em viver em nossa companhia. Os conselheiros conjugais, através do mundo, deparam-se muitas vezes com este problema. Devemos ir mais além do perdão, para tentar compreender por que é que o que fazemos repele o nosso cônjuge. Temos suficiente cuidado com a nossa aparência, com os assuntos de interesse que nos preocupam, com as saídas que organizamos, etc. etc.? Se o nosso cônjuge acha difícil estar conosco, então, para além do perdão, o remédio supõe que descubramos o que não está certo em nós próprios. Na seqüência da disponibilidade, temos a comunicação onde há muito a perdoar. Falamos demais ou de menos um com o outro? Sabemos escutar-nos? Esperamos pacientemente que o nosso cônjuge termine de falar antes de começarmos também a falar? Escutamos atentamente, não apenas o sentido das palavras do nosso cônjuge, mas também o sentimento que elas revelam? Interrompemo-nos freqüentemente?
pessoal. Alguns poderão ter um baixo limite de sensibilidade e sentir muita dor com algo que a outros pode parecer sem importância. É inútil dizer ao seu cônjuge que não deveria sentir-se ofendido com uma bagatela. Precisamos conhecer o verdadeiro nível da sua sensibilidade e aceitar que alguns se sintam mais facilmente magoados. Quando é esse o caso, é preciso dar-lhes tempo para se recomporem. A ferida pode ser grande e profunda. Se nós nos desculpamos, não devemos esperar sempre uma reconciliação imediata. Desejamo-la ardentemente, mas, como as crianças, não gostamos de ficar muito tempo fora, no frio, esperando uma reconciliação calorosa com os nossos pais. Há portanto um fator tempo, no perdão. Podemos castigar o nosso cônjuge pelo tempo durante o qual o mantemos à distância. Mas, voltando ao perdão, o nosso arrependimento deve ser não só profundamente sentido, mas também e sobretudo, devemos provar um desejo sincero de arrependimento, o que, numa linguagem teológico-tradicional, quer dizer, tentar evitar ofender de novo. Mas então, que poderemos nós fazer quando não conseguimos apoiar-nos mutuamente num amor confiante? O primeiro elemento que mencionei aqui foi a disponibilidade. A falta de disponibilidade é um problema corrente na nossa sociedade moderna. Em muitos casos, os dois cônjuges trabalham fora de casa e os seus filhos apenas lhes deixam algum tempo para 31
São necessários tolerância, perdão e reconciliação para que nos esforcemos por compreender os nossos respectivos estilos de comunicação. Quanto às demonstrações de afeto, estaremos conscientes que o nosso cônjuge precisa de beijos, abraços, carinhos noutros momentos que não apenas sexuais? O afeto não sexual é uma chave do amor. Quando se sente essa necessidade e tal não acontece, será que se aceita ser privado do afeto ou insiste-se para que essa situação seja mudada? No que se refere ao elogio ou ao encorajamento, somos daqueles que se calam quando tudo está bem e só abrimos a boca para criticar? O próprio Jesus teve necessidade de ser encorajado no batismo e na transfiguração. Que fazemos para sermos menos negligentes nos elogios a respeito do nosso cônjuge? A resolução do conflito aparece na seqüência do perdão, e é essencial. Temos que nos assegurar que não só perdoamos aqueles que nos ofenderam mas, sobretudo, entendemos a causa do conflito a fim de evitar que este se repita. É fácil passar de uma reconciliação a outra sem ter chegado a perceber onde está o problema. A cada vez que se perdoa, é essencial que não se adote uma atitude de superioridade, um sentimento de satisfação com a medida da nossa magnitude. Quando se perdoa, há que chegar ao coração magoado do ofensor. Para além do apoio mútuo, a fidelidade exige a cura de feridas
passadas. Através da comunicação, descobrimos que o nosso cônjuge tem, não só pontos fortes, mas também fraquezas , não só dons, mas também feridas. A nossa forma de zelar pelas feridas, um do outro está no centro da arte de amar. Deus trata continuamente das nossas feridas restaurando a nossa relação com Ele, sempre que caímos no pecado. Os nossos pais curam as nossas feridas, ao longo de toda a nossa infância, sempre que sofremos devido a insuficiências físicas, sociais e afetivas. Os cônjuges tratam mutuamente das suas feridas ao longo de toda a sua vida conjugal. São pessoas feridas quando se casam; estas feridas resultam de uma desordem genética ou de qualquer insuficiência de maturidade. Por isso se aproximam um do outro quando se sentem inquietos e lhes falta confiança, ou quando se sentem vulneráveis, receosos, indesejados,
Poderemos estar fartos do comportamento do nosso cônjuge- e muitas vezes assim é - mas é justamente a~ quando se está quase no final, que é preciso tudo recomeçar. 32
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e, para ela, é mais fácil repetir comportamentos problemáticos do que evitá-los. Há homens e mulheres que estão sempre atrasados e que têm sempre uma desculpa para os seus mau comportamento. É difícil perdoar diante de um sofrimento persistente. Mas o perdão, ainda que pressuponha tolerância, exige que nunca se abandone a jogada e que sempre se encoraje a mudança. Poderemos estar fartos do comportamento do nosso cônjuge - e muitas vezes assim é - mas é justamente aí, quando se está quase no final, que é preciso tudo recomeçar. A terceira forma de ser amorosamente fiel, é ajudar-se mutuamente a crescer, a realizar-se individualmente, a aumentar a nossa capacidade de amar, a tornar mais verdadeira a imagem de Deus, um no outro. Temos que prestar uma atenção redobrada às nossas respectivas necessidades. Amamonos mutuamente zelando pelas necessidades materiais, tais como o alimento, o alojamento, os bens materiais e, também, assegurandonos que o outro tem meios para crescer e desabrochar. Os esposos crescem social e afetivamente na sua vida adulta. Crescem tornando-se independentes, tomando iniciativas, sendo criativos, adquirindo novas competências e assumindo novas missões. O cônjuge facilita este crescimento, encorajando e apoiando o outro. O crescimento da maturidade pode exigir que se perdoem quando um deles progrediu e o outro ficou
mal amados, rejeitados, inseguros de si mesmos, etc. Cada cônjuge reconhece estas feridas e tratá-las é uma forma de ser fiel e de cada um contribuir para a restauração da integridade do outro. Procedendo assim, os cônjuges dão-se uma nova oportunidade de experimentar sentimentos que lhes tinham feito falta, pela primeira vez, na infância . O tratamento das feridas é uma expressão singular da fidelidade amorosa. As feridas do nosso cônjuge podem ser particularmente penosas. Ele é egoísta, egocêntrico, narcisista; ele coloca-se sempre em primeiro lugar; ele está normalmente atrasado; ele foge da nossa companhia; ele ignora os nossos apelos de mudança na sua forma de agir; ele pode ser agressivo e a violência doméstica é vulgar no mundo. Uma pessoa ferida fica ancorada nos seus hábitos de comportamento. Fica facilmente irritada, pode ser violenta ou mesmo mesquinha e avara. O seu problema persiste, qualquer que ele seja. Perdoar é portanto muito mais difícil. É preciso amar o seu cônjuge magoado sendo mais paciente, tolerando durante mais tempo as suas deficiências; sobretudo, jamais perder a esperança que tudo mudará. O método mais frutuoso é ressaltar cada pequeno esforço de melhoras e alegrar-se com isso. É preciso perdoar elogiando constantemente, em vez de adotar atitudes tipo "é muito pouco", "é demasiado tarde". A pessoa ferida é escrava dos seus hábitos
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para trás sem avançar; quando um ganhou confiança em si mesmo e se sente venturoso, enquanto outro está atolado nos velhos hábitos e se mantém pouco disposto a mudar. Um crescimento desigual e mudanças entre os esposos, criam a necessidade de perdoar e de ajudar o outro na sua capacidade de nos seguir. Por vezes, são as ferroadas repetidas do nosso parceiro que nos irritam. O nosso cônjuge talvez veja primeiro no nosso comportamento uma desculpa intelectual "Se tu me amas farás isto ou aquilo por mim!". Alguns continuam a acreditar que tudo o que é necessário é uma mudança racional da vontade, têm dificuldade em pensar que as emoções e os sentimentos também contam. Por isso, acabam por concluir que fazemos de propósito para não mudar, quando afinal fazemos realmente o nosso melhor, mas temos muita dificuldade em nos modificar. Em tais circunstâncias, é preciso perdoar cegamente o seu cônjuge. Então, as palavras de Jesus vêm-nos à memória : "Perdoai-lhes pois não sabem o que fa zem". Quantas vezes não precisamos perdoar o comportamento do nosso cônjuge que nos feriu, não por maldade, mas por ignorância! Até agora, mencionei o apoio mútuo, o tratamento das feridas e o crescimento da maturidade, como sendo elementos substanciais da fidelidade ao amor de um pelo outro. Mas, no centro do casal, está a unidade sexual, e esta é o quarto fator da fidelidade de um ao outro. Repito: a fidelidade sexual é muito mais
do que a exclusão de relações sexuais fora do casamento. Precisamos compreender que ela é o suporte do apoio mútuo, do tratamento das feridas e do crescimento da maturidade. A relação sexual é a linguagem do amor do corpo. Pela qualidade do prazer estático, os parceiros criam uma linguagem de amor, falamse através dos corpos e valorizamse mutuamente. Em primeiro lugar, no seu prazer sexual, afirmam-se, um junto do outro. Esta linguagem exprime que, para cada um, o outro é a pessoa mais importante do mundo, a quem se concede toda a própria confiança e estima. Na relação sexual, dizem-se mutuamente: "Eu te reconheço, eu te desejo, eu te estimo", e assim eles afirmam mutuamente a suas personalidades. Em segundo lugar, no decurso da relação sexual, o homem faz com que a mulher se sinta totalmente feminina e a mulher faz com que o homem se sinta plenamente masculino, e desta forma eles confirmam mutuamente a sua identidade sexual. Em terceiro lugar, os casais questionam-se, brigam e ferem-se mutuamente. Às vezes perdoamos e esquecemos rapidamente, mas outras vezes, o desgosto é mais profundo e dura mais tempo. Depois de algum tempo, horas, dias, semanas, o casal reconcilia-se e une-se e assim a relação sexual torna-se uma linguagem de reconciliação. Em quarto lugar, todos nós precisamos dar um sentido à nossa 34
perfeita, e sempre mantendo distintas as pessoas. A Trindade consiste em três Pessoas unidas pelo Amor. Pela relação sexual, sem qualquer dúvida, entramos na própria vida de Deus, na Trindade. Por isso, a relação sexual é o ato de oração central e repetida na vida do casal. Enfim, pela relação sexual, damo-nos, um ao outro, os nossos corpos. Tudo isto recorda o banquete eucarístico, no decurso do qual recebemos o Corpo de Cristo. O mundo apenas vê na relação sexual um encontro físico que culmina no sumo prazer. Olhado com os olhos da fé, a relação sexual é uma linguagem de amor pela qual os cônjuges se dão um ao outro na verdade plena dos seus seres, e, ao fazê-lo, entram na própria essência da vida de Deus, isto é, do AMOR. No entanto, a sexualidade tem aspectos negativos. No encontro sexual, queremos que o nosso cônjuge seja totalmente nosso. Não por uma qualquer disfunção dos órgãos genitais que tenhamos que suportar, mas sim pelo fato de que o nosso cônjuge poderá estar ferido sexualmente e ter dificuldade em fazer amor. Pode acontecer que o nosso cônjuge deseje mais encontros sexuais que nós próprios, ou que o nosso cônjuge seja um fraco amante e seja insensível às nossas necessidades. Devemos estar atentos à nossa forma de perdoar ou de encontrar mudanças em matéria sexual, pois neste domínio, somos particularmente sensíveis e vulneráveis. Com as insinuações ou os comentários sobre a inépcia técnica
vida. Um dos momentos das nossas vidas que é mais intensamente carregado de sentido é quando o nosso cônjuge nos convida a fazer amor. É um momento que recapitula o sentido pleno da fidelidade amorosa, aquele em que nós nos sentimos desejados, totalmente, pelo que somos; então, a relação sexual tornase uma linguagem de esperança. Em quinto lugar, a relação sexual é uma linguagem de gratidão muito expressiva. Através desta linguagem podemos dizer ao nosso cônjuge: "Obrigado por teres estado comigo, ontem; por estares comigo, hoje, e por estares, assim o espero, comigo, amanhã". A relação sexual é uma linguagem de vida que se repete, no sentido em que é uma confirmação de identidade pessoal, de identidade sexual, de reconciliação, de esperança pessoal, de razão de viver, de gratuidade. É uma linguagem que pode ter todos estes significados e muitos outros, que são cauções de fidelidade reciprocamente trocadas. Acontece mesmo que uma nova vida seja assim criada. A relação sexual é capaz, em todos os momentos, de dar vida ao casal e, por vezes, de dar uma vida nova. Mas o sentido da relação sexual não se reduz a isto. Há também uma dimensão espiritual. Deus é amor. Através da relação sexual que é o ato de amor verdadeiro mais plenamente concretizado, entramos na própria vida de Deus. A relação sexual é um ato que une duas pessoas por um terceiro elemento - o amor deles - e tudo ísto numa unidade
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do nosso cônjuge, arriscamo-nos a recusar globalmente o seu modo de se deixar amar, pois a sua personalidade integral está implicada no amor carnal. Rejeitando o aspecto físico, arriscamo-nos a rejeitar a pessoa por inteiro. Portanto, se as coisas não vão bem no domínio sexual, é preciso ser mais paciente, mais tolerante e mostrar como as coisas podem melhorar, sem jamais reduzir a capacidade de amor do cônjuge. No domínio da sexualidade, precisamos ter em consideração aquilo que- por si só- é o aspecto mais importante da infidelidade conjugal -o adultério. Como puderam observar de tudo o que já vos disse, a infidelidade é mais do que adultério. A infidelidade é desviar a nossa disponibilidade pessoal do nosso cônjuge para uma terceira pessoa. Mas todos os adultérios são diferentes. Baseando-me na minha experiência médica, dividi o adultério em três categorias : Primeiro, há a experiência de uma noite; isto aplica-se geralmente ao cônjuge ausente por um curto período, em negócios ou em férias. A explicação normal desta categoria de adultério é a solidão e a necessidade de contato humano. Este tipo de adultério não pode ser uma ameaça para o casamento. Depois há a ligação que dura algumas semanas ou meses mas que é de curta duração. Habitualmente o marido ou a mulher confessam-no e desaba uma discussão; nestes casos, corno no anterior, a ligação não ameaça necessariamente o casa-
menta e.o perdão e a reconciliação acontecem. Mas há a ligação que dura muito tempo, traduzindo-se num movimento para um novo envolvimento afetivo que conduz à ruptura docasamento. Os homens e as mulheres cometem o adultério por razões diferentes. Para o homem, o adultério é, na maioria dos casos, provocado pela atração sexual e é o corpo que fala. No caso da mulher, há normalrnen-
A relação sexual é o ato de oração central e repetida na vida do casal. Enfim, pela relação sexual, damo-nos, um ao outro, os nossos corpos. Tudo isto recorda o banquete eucarístico, no decurso do qual recebemos o Corpo de Cristo.
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do seu casamento. É normal condenar o cônjuge adúltero e desculpar o cônjuge dito inocente ... mas isso não basta. O cônjuge dito inocente pode ser responsável pelo adultério - quer por ação ou por omissão levando assim o outro a uma ligação adúltera. O adultério é um momento para fazer o ponto da situação conjugal, do ponto de vista social, sentimental e sexual. É um sinal de alarme que avisa que nem tudo está bem no casamento, que precisa reparação ou reestruturação. Finalmente, os cristãos receiam que nos nossos dias, a libertação sexual e a contracepção generalizada tenham contribuído para o crescimento proporcional de adultérios. Se compararmos os dados obtidos por Kinsey em época anterior à nossa, não verificamos que tenham realmente aumentado a freqüência de adultérios, mas é verdade que estão implicadas mais mulheres. Isto demonstra que as causas de adultério não mudaram. Para os homens, a atração sexual é uma tentação constante, e para as mulheres, são as carências afetivas que sempre estiveram em jogo. A lição a tirar do adultério, é que a saúde de um casamento tem constantemente necessidade de ser examinada e que nada deveria ser considerado como indo bem. E isto é tão mais verdade numa época em que homens e mulheres se relacionam livremente na sociedade e no trabalho fora de casa. São estas as características positivas e negativas do amor fiel que
te um contexto sentimental. A mulher está insatisfeita com o seu casamento. Ela sente-se menosprezada e a atenção que recebe na nova ligação restitui-lhe a confiança nela mesma. Para a mulher, normalmente, o adultério é uma questão de coração. Naturalmente, os homens e as mulheres podem inverter estes papéis. Tradicionalmente, nos casos de adultério da mulher, o homem inquietava-se se daí pudesse resultar uma gravidez que o obrigasse a educar uma criança que não era sua. Para a mulher a inquietude consistia nos recursos financeiros que o marido pudesse conceder a outros que não ela e à sua farm1ia. A um nível mais pessoal, o adultério é uma traição do amor; é transferir o amor do cônjuge para uma terceira pessoa. No contexto daquilo que referi sobre o significado da relação sexual, é transferir do cônjuge para um outro a confirmação da personalidade. É uma perda de identidade e de amor. A ferida que mais freqüentemente resulta do adultério é a perda de confiança. A segurança íntima da união está quebrada. Restaurar a confiança depois de uma ligação pode levar muito tempo, mas - em todas as sociedades - o adultério não deveria ser uma causa para a ruptura do casamento, e antes, uma ocasião para o perdão. Não basta perdoar. Os dois cônjuges deveriam proceder a um exame das suas vidas. O cônjuge adúltero deveria perguntar-se o que procura nesta nova ligação e verificar se não o conseguiria obter no seio
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é descrito pelo apoio mútuo, o tratamento das feridas, o crescimento da maturidade e a relação sexual, e todos nós sabemos que a nossa fidelidade em amor está longe de ser perfeita. Termino esta conferência sobre fidelidade e perdão, reflexos da Imagem de Deus, resumindo as idéias principais que já expus: Comecei por dizer que toda a fidelidade tem a sua fonte em Deus que, no seu amor fiel, nos criou, estabeleceu uma aliança conosco e quando rompemos essa Aliança, nos enviou o seu Filho para a renovar com a encarnação. É assim o Amor Divino. Reproduzimo-lo na nossa primeira relação íntima com os nossos pais, na qual eles nos apoiam, nos curam e nos ajudam a crescer. Na segunda relação íntima que é o matrimônio, os cônjuges apoiam-se mutuamente, curam-se das suas feridas e, pela ajuda mútua, crescem em maturidade. Assim é o amor fiel que eles selam com a relação sexual, que dá nova vida ao casal sempre que o fazem e que, por vezes, cria uma nova vida. Este modelo de amor é evidentemente frágil e muitas vezes encalhamos na nossa fidelidade, insucesso que precisamos saber ultrapassar pelo perdão e o tratamento das feridas. Todo o modelo de amor fiel está contido nestes componentes do amor e em cada instante das nossas vidas, há um momento de expressar o nosso amor fiel ou de remediar os reveses. Jesus mandou-nos amar a
Deus e amar ao próximo como a nós mesmos. Para a maioria de nós, a nossa primeira responsabilidade é amar o nosso cônjuge, criado por Deus com amor à sua imagem. Mas num Movimento como o vosso, deverão estar conscientes que fazem muito mais do que simplesmente desenvolver a vossa vida espiritual para vós mesmos. Vós sois a ponta de lança da Igreja que procura compreenderse e que se dá conta que o casamento está no centro da sua vida e que está no centro da evangelização do mundo de hoje. É essencial verificar que o amor entre nós, entre os cônjuges, entre os nossos filhos é a nossa vida de oração, e que só o amor nos permite compreender o que realmente quer dizer "Deus é amor". Na vida familiar quotidiana, podem normalmente surgir momentos extraordinários em que o coração do homem encontra o coração de Deus. Levantar-se em cada manhã, lavar-se, vestir-se, tomar o café, ir trabalhar, ocupar-se dos filhos, regressar à casa, preparar as refeições, comer, beber, conversar e fazer amor, cada um destes momentos é um momento de encontrar Jesus no outro e através do outro. Em todos os momentos, somos desafiados a fazer a experiência da presença de Deus, através do amor no seio desta Igreja doméstica, evocada pelo Concílio Vaticano II. É este o grande desafio de evangelização para o vosso Movimento.•
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HOMlllA: MONSENHOR MlCHAEll. ATZGERALD À IMAGEM DE DEUS
N
uma época em que há tantos debates sobre o matri mônio e família, pelos menos no mundo ocidental (dado que não é um assunto que se ponha a todas as culturas), é bom meditar sobre os textos fundamentais que foram escolhidos para esta missa de hoje. Se olharmos atentamente o texto do Gênesis, parece que Deus faz uma pequena pausa, por assim dizer, antes de proceder ao ato da criação. Até lá, a Palavra de Deus tinha sido suficiente "Faça-se luz". E a luz foi feita (... ) "Que a terra produza verdura (. .. )". E assim aconteceu ... "que a terra produza seres vivos segundo as suas espécies (. .. )". E assim aconteceu". Mas no caso do ser humano, Deus formula Sua intenção antes de a realizar: "Façamos o ser humano à nossa imagem, à nossa semelhança... "Ressalta esta reflexão mais profunda, esta solenidade maior, pois o ser humano aparece no auge da criação. É bom notar a propósito que é a pessoa humana que é feita à imagem de Deus e não Deus à imagem da pessoa humana. Há sempre o perigo de criar falsas imagens de Deus, de o colocar no nosso nível, de não respeitar suficientemente a transcendência divina. Apesar do alto nível concedido à humanidade, a dependência a respeito de Deus e
Biografia
É inglês, membro da Pontifícia Sociedade de Estudos Árabes e Islâmicos dos Missionários da África (padres brancos) e passou um certo tempo em Uganda e no Sudão. É secretário do Conselho Pontifício para o diálogo inter-religioso e mantém inúmeros cantatas entre o Vaticano e as grandes religiões do mundo.
da Sua Vontade terá sempre uma importância primordial. Também é bom notar que o meio que envolve a vida é criado em primeiro lugar, e que o ser humano- a quem é concedida a primazia, só aparece depois. A causa desta primazia é o dom da inteligência e da vontade, que fazem o homem semelhante a Deus. No entanto, esta dominação deve ser exercida de acordo com a vontade de Deus e, portanto, de acordo com a natureza das criaturas de Deus. Os seres humanos não são inteiramente autónomos, não têm a liberdade de fazer exatamente o que querem. Finalmente, há no texto índices de uma certa pluralidade. Deus diz: "Façamos o homem à nossa imagem ". Alguns comentadores inter39
A resposta de Jesus convida a uma volta às intenções originais de Deus como estão expressas no livro do Gênesis, onde, como vimos, são postas em evidência a unidade e a igualdade. Jesus convida os seus interlocutores a um retorno ao ideal original. Parece haver duas condições para poder viver este ideal. Primeiro, a nível humano, é necessária uma certa autonomia. O homem deixará seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher. Deverá haver esta separação da fanu1ia de origem a fim de criar uma nova célula social. Sabemos, por experiência, que quando esta separação não é eficaz, o matrirnônio tem fracas possibilidades de sobreviver. Tudo isto, obviamente, não significa que os pais devem ser negligenciados, mas sim que uma nova relação se desenvolva e que novas prioridades tomem forma. A segunda condição requerida para realizar o ideal da unidade na igualdade é a bênção divina. Por outras palavras, é preciso que a união seja vivida de acordo com a vontade de Deus. Isto inclui, bem entendido, uma abertura à vida, um desejo de fecundidade. Se esta esperança é realizada, através do dom dos filhos- sendo que o termo 'dom' implica uma reflexão amadurecida, pois ter filhos não é seguramente um direito- então, o laço entre marido e mulher está normalmente consolidado logo que eles assumem juntos o seu papel de progenitores. Sabemos que este ideal do matrimônio de acordo com a vontade Divina- tal como o confirma Jesus
pretaram isto como uma referência à corte divina, a Deus e aos anjos. Outros viram aí o reflexo da riqueza da vida interior de Deus. Os padres da Igreja descobriram no texto uma sugestão da natureza trinitária de Deus - o Pai, o Filho e o Espírito Santo numa comunhão de amor. Mas também há pluralidade do lado da humanidade. "Deus criou o ser humano à sua imagem, criouos à imagem de Deus; homem e mulher Ele os criou". Parece que um só sexo não seria suficiente para refletir a imagem de Deus. Os dois são necessários. A natureza humana é essencialmente relacional, assim como o é com Deus; a relação entre homem e mulher é absolutamente fundamental. O texto do Gênesis prossegue: "Abençoando-os, Deus lhes diz: 'crescei e multiplicai-vos!' " ... Eles devem, de qualquer modo, completar a criação de Deus, unir-se a Deus na procriação. O homem e a mulher estão os dois igualmente implicados. Deus lhes confia uma missão a dois. Não há dominação do homem sobre a mulher. Uma tal dominação só aparecerá como resultado do pecado, pois após a queda, Deus dirá à mulher: "Procurarás apaixonadamente o teu marido, mas ele te dominará" Tudo isto nos leva à leitura do Evangelho. A questão colocada a Jesus é um exemplo de dominação masculina. Poderá um homem repudiar a sua mulher por uma qualquer razão? O direito de repúdio é considerado como adquirido; só os motivos são questionados.
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A natureza humana
é essencialmente relacional, assim como o é com Deus; a relação entre homem e mulher é absolutamente fundamental.
nos Evangelhos - não é fácil de assumir. A força do Sacramento do Matrimônio é oferecida àqueles que foram batizados em Cristo, mas o pecado infiltra-se, mesmo assim, com o seu veneno destruidor, criando, por vezes, entre os cônjuges dificuldades que parecem intransponíveis. Assim, o matrimônio, ainda que concebido para ser uma fonte de profunda satisfação e alegria, que é o que se passa normalmente, também pode implicar uma luta difícil para manter a sua promessa. Como é que o movimento das ENS pode ajudar a viver este ideal do matrimônio? Pessoalmente, sugiro duas coisas : O método inclui uma insistência sobre a autonomia ou a aceitação de uma certa solitude. É um encorajamento a rezar juntos como 41
casal, mas insistindo também na oração pessoal de cada cônjuge. Só face a Deus e na aceitação de si mesmo que daí surge, é que um ser humano se abre à aceitação do outro. Isto leva a um reconhecimento das diferenças, a um sentido de complementaridade mútuo e toma a oração comum - a do casal muito mais rica, pois implica a contribuição mútua. Há ainda o dever - ou o prazer - de se sentar juntos, o que aumenta também a autonomia do casal, dado que reforça o laço que os uniu e é também um momento para verificar que se aceita a bênção de Deus. O tempo passado nesta partilha é uma oportunidade de discernir onde está a vontade de Deus, não apenas de uma forma geral ou abstrata, mas sobretudo nos pormenores da vida de todos os dias. É ainda uma forma de verificar se o que é reconhecido como sendo vontade de Deus é efetivamente posto em prática. Esta partilha implica, naturalmente, uma oração de perdão pelas faltas e uma oração pela força, pela abertura ao amor de Deus que nos é derramada pelo dom do Espírito. Criados à imagem de Deus, o homem e a mulher são chamados a crescer juntos para se aproximarem de Deus. É um processo contínuo ... e se se trata da vontade de Deus, a ajuda de Deus está assegurada. Que esta Eucaristia, que celebramos agora para dar Graças a Deus e para o crescimento do Matrimônio seja para todos vós uma fonte de força. •
Testemunho
CONfRATERNIZAÇÃO E REUNIAO DE EQUIPE unir mais de sete mil pessos é um evento gigantesco, e enormes efeitos, que devem perdurar por muito tempo na mente dos participantes e cujo proveito será sentido logo mais, daqui a algum tempo, por uma parcela de cristãos, que só no Brasil são mais de 12.000 casais!!! Vivemos momentos de muita importância para nós, como pessoas, como casais, como equipistas, como cristãos. Os participantes do Encontro ficaram espalhados pela região. Os hotéis de Santiago não comportavam sozinhos tantas pessoas! Ficamos na Residência Rialta, em Culleredo, distrito de La Corufia. Tivemos algumas dificuldades de origens diversas: locomoção, distância do SAR, atendimento, alimentação, etc. Em compensação, houve momentos dos quais nos lembraremos sempre. O convívio com os casais das mais diversas partes do Brasil, com os casais de língua francesa, com os portugueses. Incluímos nos de língua francesa, os africanos, sempre alegres. Todos os dias tivemos REUNIÕES DE EQUIPE MISTA de casais da mesma língua. Foram momentos de troca de idéias, de vivência, de testemunhos de vida autenticamente cristã. Os portugueses, um pouco mais presos, de inicio, aos poucos foram se soltando, libertando-se, e começaram a pôr
para fora experiências de vida, testemunho para nós. Nós e mais três casais brasileiros completávamos o grupo, também crescemos em confiança e pudemos compartilhar as nossas vidas e testemunhar o quanto o Movimento das Equipes de Nossa Senhora tem nos proporcionado de formação, de progresso na vida pessoal, de casal e de casal cristão. Como as propostas para cada reunião foram diferentes, abrangendo toda vida de equipista, pudemos fazer uma ótima avaliação de nossa caminhada. Cada Ponto Concreto foi vivido e partilhado. Aos poucos crescemos na amizade e nossa reunião continuava lá fora, no corredor, no caminho para o jantar. Alguns dos casais se lembraram de distribuir uma lembrança trazida do seu país para ofertála aos demais e sempre com troca de endereços. Já recebemos uma correspondência de um dos casais portugueses! Todos voltamos com propostas de vida para serem levadas aos nossos setores e também para nós, nos diversos planos de nossa vida. A FESTA que aconteceu. na noite de quinta-feira, no refeitório da Residência Rialta, foi um momento de destaque dentro das atividades do Encontro Internacional. Nada havia sido planejado, nada foi preparado com antecedência. Mas foram momentos de grande descontração, de confraternização,
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de alegria e de emoção. As pessoas, os casais, os grupos, se sentiam convidados a se apresentarem, cantando, tocando instrumentos, declamando, representando. E os números artísticos foram se sucedendo espontaneamente, envolvendo aos poucos as centenas de pessoas que participaram dessa festa. Franceses, portugueses e brasileiros se revezavam na escada do refeitório que serviu de palco para os artistas. Ouvimos música de caráter religioso de autoria de uma equipista francesa, fados e outras músicas típicas do povo português (do continente e da Ilha da Madeira). Mas para nós, e acreditamos que para os outros também, os artistas brasileiros deram o toque maior de emoção e de alegria. Representaram pequenas peças humorísticas, lideradas por dois conselheiros espirituais gaúchos, houve declamação de "poesia caipira" e o Eduardo (da Graça) cantou a canção folclórica "Negrinho do Pastoreio ". 43
Quando o Eduardo cantou "Felicidade", de Lupicínio Rodrigues, os brasileiros fizeram coro e os irmãos portugueses e franceses tentaram acompanhar. Foi muito bonito ver a manifestação espontânea das mais de 400 pessoas que estavam ali buscando unirem-se em torno da tão conhecida canção brasileira. O encerramento da festa foi feito por casais equipistas espanhóis responsáveis pelo nosso alojamento; eram eles da região da Andaluzia, então apresentaram danças sevillanas. Foi um fecho muito interessante, porque os "da casa" concluíam aquela manifestação de congraçamento de diversos povos através da arte espontânea e característica de cada um. Vivemos nesses dias momentos ricos e diversos: de espiritualidade, de amizade, de verdadeira partilha!
Lenice e Luiz Leite CRR-SP Centro IV
HOMlllA: JUllÁN BARRlO BARRlO ARCEBlSPO DE SANTlAGO DE COMPOSTELA
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sta Igreja particular oferecevos o seu acolhimento, alegrase vivamente com a vossa presença e agradece-vos o testemunho da vossa fé vivida no amor do matrimónio cristão. Bem-vindos à Cidade do Apóstolo que nestes dias, e de uma forma muito especial, quer ser uma grande casa para acolher as batidas do coração, cheio de vida, da farm1ia cristã que vós representais. Nós também adotamos a oração de Tobias: "Bendito sejas, Deus dos nossos pais, e bendito seja o teu nome, por todas as gerações; louvem-te os céus e todas as tuas criaturas, por todos os séculos. Tu criaste Adão e deste-lhe Eva, sua esposa, como amparo valioso, e de ambos procedeu a linhagem dos homens" (Tb 8, 5-6). "Esta atitude de oração colocanos sobre o horizonte aberto da comunicação conjugal" pela qual o homem e a mulher se entregam e se aceitam mutuamente. (Gen,48). Sem esta doação mútua e sincera, definitiva e sem reserva, o matrimónio seria uma realidade oca. "Toda a vida do matrimónio é uma doação, mas esse dom toma-se singularmente evidente quando os esposos, oferecendo-se mutuamente no amor, realizam o encontro que faz dos dois -uma só carne'"' (Gen 2,24) [João Paulo II, Carta às Farm1ias, 12]. Este compromisso é o grande
mistério que toca São Paulo (Ef 5,32) e cujo consentimento se concretiza no amor, na fidelidade, na honra, na indissolubilidade até à morte, pois que o compromisso é "para todos os dias da vida". É o bem comum do casal que se toma, também, no bem dos seus filhos. "A paternidade e a maternidade representam uma tarefa de natureza conjuntamente física e espiritual; porque a genealogia da pessoa, que tem o seu começo eterno em Deus e a Ele deve conduzir, passa por elas" [João Paulo II, Carta às Famílias, 10]. Portanto a família toma-se o centro e o coração da civilização do amor que se opõe ao egoísmo em todas as suas formas, ao individualismo e "amor livre" que explora as fraquezas humanas, conferindo-lhes certa respeitabilidade com a ajuda da sedução e com o favor da opinião pública. Procura-se assim "tranqüilizar" a consciência, criando um "álibi moral". Mas não se tomam em consideração todas as conseqüências que daí derivam, especialmente quando a pagá-las são, para além do casal, os filhos , privados do pai ou da mãe e condenados a serem, de fato, órfãos de pais vivos" [João Paulo II, Carta às Farm1ias, 14]. Na passagem do Livro de Tobias apercebemo-nos que da união sacramental do homem e da mulher deve surgir uma união de oração, de lou-
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vor, de prece e ação de graças, oração em que o casal tem tantas coisas a dizer a Deus e aos homens. "Na oração, a fanu1ia reencontra-se como o primeiro "nós", no qual cada um é "eu" e "tu"; cada um é para o outro, respectivamente, marido ou mulher, pai ou mãe, filho ou filha, irmão ou irmã, avô ou avó" [João Paulo II, Carta às Falll11ias, 10]. No matrimônio celebrado em Caná da Galiléia, Jesus- com a sua presença - apresenta-se aos nossos olhos como o "arauto da verdade divina sobre o matrirnônio". É em Caná que Ele transforma a água em vinho. Qualquer sacramento é uma possibilidade de reencontro com Deus. O sacramento do matrimônio fala-nos do amor de Deus por nós e diz-nos também que este amor incute a sua presença amorosa naquele que recebe o sacramento. Assim o homem e a mulher são - um para o outro uma possibilidade de reencontro com o amor de Deus. Só poderemos compreender bem o amor conjugal se mergulharmos na maravilhosa profundidade de amor que é a vida comum de Deus Trinitário. "O mesmo Deus é o autor do matrimônio ao qual Ele doou vários benefícios e objetivos e tudo isto é muito importante para a continuidade do gênero humano, para o proveito pessoal e o destino eterno de todos os membros da fanu1ia, para a dignidade, a estabilidade, a paz e a felicidade da própria família e de toda a sociedade humana" (Gen 48). O matrimônio cristão assenta as suas raízes na própria vontade do Criador: "Não é simplesmente um
contrato que está em relação com uma fidelidade recíproca. É Deus que de uma forma muito pessoal, realiza este mistério de união, dando-lhe uma segurança diante dos perigos do desabamento. É a principal característica do matrimônio cristão. É a união em Deus e por Deus" [A Fanu1ia, dom e compromisso, Esperança da Humanidade]. Deus não está ausente deste caminho. Isto não quer dizer que não existam problemas, mas sentimos a sua presença como uma força, como um encorajamento, como um estímulo para continuar. O matrimônio cristão é o sinal do amor de Cristo pela sua Igreja. O consentimento dos esposos não pode estar desligado da adesão a Cristo. Tal como Cristo se entrega à sua Igreja, também cada cônjuge se deve entregar um ao outro. "Também nós convidamos Jesus e os seus apóstolos para o casamento". Recordemos o que se passou: o que para os noivos deveria ter sido uma bela recordação para toda a vida, esteve a ponto de se tornar uma humilhação- "não havia mais vinho". A presença de Jesus protegeu a alegria e eles puderam continuar a festa. O matrimônio começa com todo o entusiasmo e alegria como uma conseqüência do amor mútuo, mas, com os passar dos tempos, esse amor pode enfraquecer. "A rotina é a corrupção que destrói os nossos sentimentos". A insensibilidade e a desilusão dolorosa são como a nuvem que esconde o sol do amor que deveria iluminar a vida do casal, que se
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toma mais ou menos uma grande talha cheia de água. Muitas vezes procura-se crescer partindo do exterior para o interior, sendo que o matrirnônio deve crescer de dentro para fora e sabendo que deixa o seu mais importante cunho na alma dos filhos. "Depois de desfolhar todas as pétalas, apenas sobra uma flor murcha". A solução é convidar Cristo para que Ele transforme a rotina em amor profundo, duradouro, compreensivo, capaz de perdoar sempre, um amor cristão construído com o dom de si mesmo, sem reservas, com a aceitação do outro, sem esperar que a "minha" vontade se cumpra, com a gratidão simples e humilde daquele que pensa em tudo aquilo que o outro fez "por mim"; um amor que sabe alegrar-se com o outro sem fazer desse outro um instrumento ou um escravo. Um amor que sabe suportar perder a beleza ou a simples atração física. O matrirnônio é uma vocação que vem de Deus e que só nele encontra a sua norma e a sua força. Vivei, queridos irmãos e irmãs, o vosso matrirnônio na felicidade, pois há mais alegria em dar que em receber. Jesus disse-nos: "Tomai sobre vós o meu jugo" (Mt 11,29). Cônjuges significa duas pessoas que estão sob o mesmo jugo. Que este jugo seja o de Cristo, o da sua Palavra e o do seu amor pois assim será mais fácil e doce. Para terminar digo-vos as palavras de Tertuliano "Quem poderá descrever a felicidade do matri-· mônio que a Igreja consagra, a Eucaristia confirma, a bênção carimba, os anjos aclamam e o
Pai aceita? Como é belo o jugo que une dois fiéis que têm uma mesma esperança, um mesmo desejo, uma mesma regra de vida, uma mesma vontade de serviço. Unidos na Igreja de Deus, unidos diante da mesa do Senhor, unidos nas dificuldades e nas perseguições e na paz. Nada se esconde do outro, nada se esquiva do outro, nada é pesado para o outro ... Cristo ao ver tudo isto alegra-se e concede-lhes a sua Paz. Onde quer que eles estejam, Deus aí estará, e onde Deus está não está o maligno" (Ad uxorem II, 6-9) Como é diferente esta visão da realidade de tantos cônjuges que perderam a confiança no matrimônio e que vivem o divórcio nos seus corações. É a eles que é preciso dizer: Deus é fiel e esta é a nossa garantia. A graça do sacramento do matrimônio nunca lhes irá faltar. Como o Apóstolo, acolhei Maria nas vossas casas. Ela estará sempre atenta às vossas necessidades para informar o seu Filho do que vos falta e para vos dizer: "Fazei tudo o que Ele vos mandar". Colocaivos nas mãos do Apóstolo São Tiago e nas mãos da Virgem Maria. A Nossa Senhora das Equipes de casais, eu peço nesta Eucaristia, sacramento da nova e eterna aliança que o Senhor olhe e abençoe todos os casais cristãos, para que eles renovem constantemente a aliança de amor entre os esposos que peregrinam para a casa de Deus, nosso Pai. AMEM! •
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Testemunho
CERlMÔNlA DO "BOTAFUMElRO" E VlSlTAA SANTIAGO
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stávamos vivendo aquele clima de Encontro, em Santiago, do "Ser Casal", mas ainda não tínhamos vivido a experiência do peregrinar, do caminhar a pé (mesmo sendo apenas 4 quilômetros). Antes de iniciarmos a caminhada, os organizadores distribuíram para todos os participantes uma sacolinha de ração fria, com sanduíches, fruta e água. Esse seria o nosso almoço que cada um poderia comer no momento em que melhor lhe conviesse. Nós, brasileiros, éra-
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mos os últimos da fila de visitantes que invadiu a cidade de Santiago, cantando músicas do nosso Movimento. No inicio, rezamos o terço, depois jogamos parte da terra que levamos, cada qual do seu país de origem, nos mais variados I ugares, ao longo do caminho. Rezamos por todas as equipes, por todos os conselheiros e pela unidade de cada casal. Pedimos também a Deus que nos auxiliasse nas missões na Igreja, no Movimento, nas nossas equipes e nas nossas famílias, em parti-
cular, na missão de evangelizar os filhos que o Senhor nos concedeu. Mas, a emoção maior foi quando chegamos na grande praça de Santiago, defronte à Basílica, e vimos aquele grande número de equipistas, perto de 3500, ainda com suas capas azuis, aguardando o término da Celebração Eucarística. Essa celebração fazia parte da primeira etapa da programação do dia. Isso porque, como éramos 7000 peregrinos e não caberíamos todos na Igreja, fomos divididos em dois grupos de 3500. Para cada grupo, seria celebrada a Eucaristia com a cerimônia do Botafumeiro, um imenso turíbulo. Embora muitos já saibam do fato, Botafumeiro é um imenso tun'bulo que, antigamente, era usado para perfumar o ambiente da Catedral, sempre que a mesma era visitada por peregrinos que completavam as suas caminhadas. Vale ressaltar que essa aromatização se fazia necessária devido às condições higiênicas insatisfatórias desses peregrinos, que caminhavam centenas de quilômetros, rumo a Santiago, sem apreocupação, ou mesmo a possibilidade, de manter o devido asseio. Quando pudemos entrar na Igreja, sentíamos o cansaço da jornada até aquele momento. Percebemos que estava lotada, já pelo pessoal desse segundo turno, não havendo lugares para sentarmos. Sendo assim, fomos nos acomodando no chão, nos cantos dos bancos, enfim, aonde desse para ficar. A partir daí, começamos a viver a experiência da ajuda mútua. Era um equipista fran-
cês dando lugar a um equipista brasileiro, que apresentava problemas de saúde. Exemplo esse, seguido por outros equipistas que, também, já se encontravam acomodados. Sentimos nesse momento uma emoção muito forte, percebendo a presença de Deus, nos gestos de cada um e nos olhares de solidariedade que trocávamos, uns com os outros mais próximos. Estávamos ali, unidos e irmanados para participarmos da celebração e para entendermos a manifestação de Deus, para nós, naquela hora ... A celebração continuou seu curso, tranqüila, mas eis que antes do término, notamos a descida do Botafumeiro, suspenso por uma enorme corda. Quando pudemos ver, o Botafumeiro já se encontrava no seu característico movimento pendular, ao longo da nave transversal da Basílica, e um odor sensível, de perfume, começou a inundar todo o ambiente, causando-nos uma agradável sensação de paz e harmonia. Nós, particularmente, pela posição em que nos encontrávamos, não conseguimos bater fotos, mas batemos palmas, como todos os outros participantes do evento, num sinal de agradecimento a Deus, por Ele nos ter reunido ali naquele lugar, naquela ocasião ímpar. Quem sabe poderemos sentir, de novo no ano 2006, novas emoções, aonde quer que venhamos a nos reunir para esse mesmo fim: Encontro Internacional de Equipistas de Nossa Senhora.
Maria Clara e Antonio Luiz CRR-SP Sul II 48
CONFERÊNClA: O NÓ DE TRÊS AOS XAVlER lACROlX
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inguém se espanta o suficiente com o nó conjugal. Atualmente, no seio de uma cultura tão carregada de pluralidades, precariedades e rupturas, ainda há tantos homens e mulheres que - em larga maioria, não nos esqueçamos disso -aceitam comprometer-se a partilhar uma vida inteira, num nó desejado como definitivo .. . tudo isto, na verdade, encerra algo de espantoso e alguns mostram-se até incrédulos: será isto possível? Será possível construir uma unidade, apesar dos diversos sentimentos deste termo, com tudo aquilo que hoje ouvimos: harmonia, comunhão, entendimento, conhecimento, entre dois seres separados, diferentes? Diferentes pelo sexo, pela sua história, pela sua constituição física? Descobrindo, sempre mais, que o outro é o outro, e, ao mesmo tempo, avançando pelo caminho da unidade ... que paradoxo! Será possível manter unidos os valores interligados com a modernidade, tais como a liberdade, o desabrochar do eu, a primazia do desejo e tudo isto ligado à durabilidade, que não consegue deixar de comportar uma parte de renúncia, de esforço, de paciência, e até de sofrimento. Como conciliar as imagens contemporâneas da felicidade com as exigências da duração, da eterna duração? ... segundo paradoxo! Como conciliar as abordagens
Biografia Nasceu em 1947. É casado e pai de três filhos. Doutor em teologia, é o Deão da Faculdade de Teologia de Lyon, depois de ter sido Diretor do Instituto de Ciências da Família, de Lyon. É membro do Conselho Nacional da Pastoral Familiar. Escreveu muitos livros como, por exemplo, "O Casamento", "A intocável diferença': "O corpo de carne" e 'J!\5 miragens do Amor".
das ciências humanas, que trazem a lume os determinismos, os limites, os mecanismos do revés de uma e outra parte, com a fidelidade à ética cristã tradicional, afirmando, com perseverança, que o compromisso definitivo é sensato, que é mesmo uma oportunidade, para todas as pessoas e para as suas fann1ias? Sim, é o momento de nos inter-
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rogarmos sobre a questão que recentemente me colocava um ouvinte: "Terá o ser humano a capacidade de se unir por toda a vida com um outro ser humano? Possuirá ele, por si só, essa capacidade?" É uma pergunta muito oportuna. Haveria duas maneiras para não nos interrogarem: • A primeira seria acreditar que o encontro ou a aliança caminha por si, que é fácil, natural. A esta atitude eu chamaria "romantismo" - crê-se no total poder do sentimento. • A segunda seria ter renunciado a essa união, renunciado à construção de uma união duradoura, para toda a vida. Esta atitude qualificá-la-ia de desilusão ou resignação. A atitude que eu proponho consiste em olhar de frente a dificuldade do encontro, insistindo até, como dizem vários autores', a designá-la de impossível, mas sempre apostando nela, afirmando-a desejável como um bem fundamental, e, até mesmo, como um bem vital. O impossível necessário ... , é este o paradoxo com que somos confrontados. A aliança conjugal é necessária pelo menos por três razões: 1) corresponde a uma aspiração muito profunda do homem e da mulher. Quanto mais devemos assumir a separação, mais é verdade que não somos feitos para a separação. Existem em nós atrativos irresistíveis para a aproximação: a unidade, a dádiva e o acolhimento mútuos, conduzem 1.
a uma vitória sobre a divisão e a exterioridade. 2) a fecundidade é a maior aspiração dessa união. Ora, para os filhos que nascerão, será uma felicidade sem limites o fato de poderem contar com a solidez de um nó que uniu o seu pai e a sua mãe. Nascidos desta união, os filhos crescerão sobre esta rocha, que, se for suficientemente sólida, será para cada um deles um princípio de segurança e de unidade interiores que nenhum paliativo conseguirá substituir. No âmbito dos diversos debates que, em muitos países, acontecem hoje sobre a farm1ia, será preciso afirmar que o melhor fundamento, os seus melhores alicerces não são a harmonia afetiva do casal, nem oreconhecimento único dos nós de filiação, mas é o estabelecimento de um pacto conjugal claro entre os pais. 3) Para os esposos também será uma fonte de certeza de segurança interior sem limites o saberem-se amados incondicionalmente, isto é, totalmente, integralmente, um pelo outro. Que alegria não ter todos os dias a impressão de passar no exame, mas ser aceito como se é, e não apenas pelas suas qualidades! Que alegria, também, poder darse de presente ao outro! Eis nos, portanto, confrontados com o impossível necessário. Pela minha mente passa uma frase de Talmud: "A união do homem e da
mulher é um milagre maior ain-
Denis VASSE, Jacques LACAN , Rool and SUBLON, Shmuel TRIGANO.
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da que a travessia do mar vermelho" 2• Sem dúvida, que a recon-
dois desejos. Da admiração diante da beleza do outro, do atrativo dos corpos, da correspondência entre duas psicologias. Mas, para que esse nó seja duradouro, é preciso ainda passar do desejo à liberdade, do físico ao espiritual. Na aliança, não há apenas dois desejos, há também duas liberdades que se unem. É aqui que a vontade intervém. Uma coisa é desejar viver juntos a unidade, ter essa ambição, ou sonhar com ela, outra coisa é efetivamente querer viver juntos a unidade. Uma coisa é o nosso procedimento que acontece conosco, o funcionamento, os mecanismos da nossa vida afetiva, outra coisa é o que decidimos, a fidelidade àquilo que decidimos. O nó conjugal não é um "produto natural", uma coisa pré-fabricada. O nó conjugal é uma realização, uma construção, uma vitória sobre a separação, que exige esforço. Um elemento decisivo para o futuro do casal será o fato de um e outro quererem juntos construir esse nó. Na ausência desta firme vontade, o primeiro obstáculo sério estremecerá o casal. Só uma vontade determinada poderá ter gestos, difíceis por vezes, mas que são necessários à vida e à salvação de um casal. Atos de verdade, de reconciliação, de reforma de comportamentos, de serviço, de solidariedade. Uma máxima de France Quéré sintetiza isto muito bem: "Os casais
ciliação não é fortuita. Na verdade, temos, de um lado uma união e, do outro lado, uma separação. Mas a uni~o em si mesma supõe uma separação, sem esquecer de acrescentar que, na passagem do mar vermelho é uma travessia que está em causa ... pretende-se passar de uma margem para a outra. Será preciso neste domínio acreditar em milagres? É também uma boa pergunta, à qual não se deve responder sem refletir. Em primeiro lugar, proponho-vos verificar como um nó duradouro e feliz- que para mim significa durabilidade e vivência - é o fruto do reencontro entre três disposições, três realidades que se cruzam como a torcida de um nó, que se chamam mutuamente. Veremos como o nó é, simultaneamente, um querer, uma arte e uma oferta. Depois, examinaremos como esta torcida do nó supõe uma abertura do casal a uma vida bem maior, a vida de um terceiro, a vida do outro, que é também o próximo, vida que se revelará por si mesma, num terceiro tempo como relacional, temária, trinitária. Assim, de três maneiras seremos introduzidos na compreensão desta palavra enigmática do livro do Eclesiastes : "O nó de três fios não quebra facilmente" (Ecl , 12)
que caminham são aqueles que fazem caminhar".
No seu primeiro momento, o nó nasce do desejo, do encontro entre
Daí a importância que o casal
2. Traité Sota, 2a (Tratado Sota)
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tenha sido alicerçado, construído sobre uma firme decisão, que necessariamente toma a forma de uma palavra que será a carta de referência, propondo um quadro, um ponto fixo nos momentos de turbulência. Esta palavra abriu um futuro, fixou um cabo, e não há nenhuma navegação que prescinda de um cabo. Como dizia o filósofo Séneca:
mo, techne em grego, que exprime um saber-fazer, uma competência.
"As relações dos casais, são sem dúvida, mais ricas que antes, mas, em contrapartida, requerem mais competência" declarava um sociólogo 3 • O nó também é uma "arte", mesmo no sentido mais restrito das "belas artes", isto é, se entendido como capacidade de criar, de criar uma obra bela. Enunciarei em seguida alguns traços desta arte: • A arte de saber dizer "sim", mas, também, e por isso mesmo, a arte de saber dizer "não". Saber estar, durante uma rixa, tranqüilo, sereno, sem confundir isso com a discórdia, nem o conflito com a crise, ou a crise com catástrofe; • A arte de pedir, de saber dar a conhecer ao outro os seus desejos, as suas aspirações, as suas decepções, sem que isso pareça um queixume, uma censura ou uma acusação; • A arte de receber e de dar. Alguns só fazem uma ou outra dessas coisas. Num e noutro caso, se causam danos. A dádiva, sob as suas diversas formas, da maior à menor, é que dá vida ao nó. Mas isto é apenas o acolhimento de um para com o outro. Saber deixar-se amar, aprisionar, saber reconhecer e afirmar que se tem necessidade do outro, saber também dar, sem alimentar o egoísmo do parceiro, se a dádiva não é recíproca; • A arte de saber ser homem e mulher, respeitando as diferen-
"Não há bons ventos para quem não sabe aonde vai". No entanto, é preciso reconhecer que se a vontade é determinante, não é toda poderosa. Se fosse suficiente querer durar para ter êxito, as coisas seriam bem mais simples. Mas, evidentemente, tal não é o caso. Não basta querer durar, é preciso também saber como conseguir durar. Por outras palavras, tudo isto requer um saber-fazer, uma arteesta será a segunda dimensão do nó. Dois esposos em processo de divórcio diziam um dia: "Nós nos amamos, mas somos incapazes de viver juntos ". Poderemos ser incapazes por um conjunto de inabilidades, pelo encadeamento de cenários funestos, pelo encerramento em situações que tornam difícil um avanço. Eles queriam viver juntos, mas não sabem como fazê-lo. Para os que vivem juntos, o amor não é, em si mesmo, apenas um entusiasmo, uma intenção ou menos ainda uma poção mágica. Segundo as palavras de vários filósofos o amor é um "artefato", uma obra, um trabalho que requer talento e inspiração. Uma "arte" no sentido amplo e mais antigo do ter-
3 . Claude HERAUD, in La Croix, (A Cruz), 27-Fevereiro-1998
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importante como a arte, o saber-fazer, para a realidade de um nó, o que o faz viver, está para além de tudo isto. Obviamente que o nó não é, não poderia ser o resultado de todas estas práticas, como se fossem receitas, e muito menos o produto de técnicas. O nó não é apenas uma questão de vontade, não é só uma questão de saber-fazer, é primeiro que tudo o fruto de uma doação. Já enunciei a minha noção de doação no sentido ativo. A doação é criadora do nó, é fundadora do nó. É quando me dôo ao outro que eu expresso o valor do nó para mim e ao fazê-lo, eu faço com que ele exista. A doação realiza o que ela significa, isto é, a koinonia, o pôr em comum, a comunidade, que é um outro nome do nó. Numa cultura em que domina o pensamento, segundo o qual só a procura do interesse, o interesse individual, comandará todos os nossos atas, precisamos ousar dizer que o desejo de dar é em nós tão profundo, mais profundo ainda, que o desejo de possuir. Concretamente é por isso que fazemos a experiência da alegria de dar. A alegria é o sinal de que a vida cresce, a vida saboreia-se dando e dando-se. Vida, alegria e doação, estas três palavras são indissociáveis. "O amor é a
ças, muito especialmente as diferenças de estilo, sem que um dos dois imponha o seu modelo ao outro, os seus critérios ou a sua maneira de ser. É de um jogo sutil de semelhanças e de diferenças entre os cônjuges, que nascerá o perfil único, inédito da diferença sexual, diferença que assumirá um rosto singular em cada casal, para cada casal, para além dos estereótipos; A arte de cultivar o desejo e a ternura carnais, inventando novos recursos, renovados, em cada etapa da vida comum, para além dos entusiasmos iniciais; A arte de falar com os filhos, e, o que é mais delicado, falar com os adolescentes, descobrindo uma palavra de pai, uma palavra de mãe, e, ainda e sempre com as suas diferenças, discernindo o que é oportuno conforme os momentos e as etapas da vida; A arte de criar uma comunidade de vida original, tão singular como as pessoas que a compõem, onde se partilham as alegrias comuns, os momentos de festa, as descobertas, o que supõe atenção, imaginação e intuição; A arte de exercer hospitalidade, de abrir a farru1ia: a porta aberta, a mesa acolhedora, a conversa com os amigos, o lugar reservado para o hospede imprevisto, tudo isto faz parte, não só da arte de viver, como ainda da conjugalidade em si mesma, contribuindo para a sua edificação. Mas apercebemo-nos que tão
própria circulação da vida enquanto doação" 4 • Não se trata de uma doação de sentido único: a doação verdadeira é o outro nome para o acolhimento. O presente mais belo que eu posso fazer ao outro é acolhê-lo. Amar, é
4. Jean-Claude SAGNE, La Loi du don, (A lei da doação) Presses universitaires de Lyon, 1997
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isto precisamente, é a experiência de receber, dando e de dar, recebendo. O que não significa que se dá para receber, isso só devolveria a razão ao esquema utilitarista. Dáse para que o outro viva, para que o nó viva, sem fazer cálculos. A alegria de dar, a alegria de receber do outro não são a finalidade do ato mas o seu fruto, não são o objetivo de um cálculo egoísta, disfarçado, mas o fruto de um ato generoso. Mas, digam-me, seremos nós capazes de gestos como estes? Seremos nós capazes, por nós próprios, de uma doação autêntica e generosa? Esta é realmente a questão, a grande questão, que se junta àquela que formulávamos no início sobre a possibilidade do próprio nó. Temos a intuição e até a experiência de que a gratuidade e a generosidade inundam os recursos do nosso psiquismo, da nossa vida natural. O amor doação não conseguiria resultar apenas da alquimia da nossa vida psicoafetiva. Entregue a si mesma, a vida fica fatalmente centrada sobre o ego, sobre o eu e os interesses do próprio eu. O filósofo Enmmanuel Lévinas atreveu-se a afirmar : "O psiquismo é egoísmo" Para nos descentrarmos, para entrarmos no movimento que conduz ao outro, precisamos receber um entusiasmo, um dinamismo que nasce bem longe de nós para nos conduzir mais longe ainda. Quem nos alivia de nós próprios, desprende-nos de nós mesmos para nos ligar ao outro. Este entusiasmo é recebido, o movimento que nos impele a dar é também recebido, é uma doação, um presente, em latim gratia, uma graça.
Como o próprio nome indica, a gratuidade é filha da graça. Ambos os termos vêm do latim gratia, favor, oferta. Na verdade recebemos o próprio gesto pelo qual nos tornamos capazes de dar, de nos dar. Sentimos bem que, pelas nossas próprias forças, seríamos incapazes deste gesto "Não há maior amor que dar a sua vida por aqueles que amamos" Quem, só por si, é capaz de uma tal doação? Haverá um entre nós que pense ser capaz só por si mesmo? No fundo a alternativa é a seguinte: ou o nó conjugal não é oresultado da intercessão, da interação, da alquimia entre dois psiquismos, caracteres, temperamentos, histórias, ou, então, é o local de florescimento, de revelação, de doação de uma outra vida, introdução a uma nova vida mais original e mais universal que a dos nossos dois egos, a vida absoluta que na cultura judaico-cristã chamamos ágape, amorcaridade. Desta terceira vida, os não crentes têm uma intuição, uma experiência, alguns até lhe deram um nome. Vladimir J ankelevitch, filósofo agnóstico, afirma· "A caridade é filha da graça". No seu trabalho sobre filosofia estrita, Shmuel Trigano, professor em Paris X - Nanterre, pode afirmar: "É como se houvesse sempre um terceiro interlocutor que se inserisse no face a face e o abrisse de dentro para fora". De uma forma enigmática, o psicanalista Jacques Lacan sugere: "Para que o casal se mantenha sobre o plano humano, é preciso que um deus ali esteja". 54
O atributo dos crentes será po- Cristã: segundo a ordem da criação, derem dar um nome à fonte da doa- da ação criadora, para dar vida ao ção, dar um nome a este terceiro, nó, provocando o desejo (no sentido celebrando-o em comunidade, fa- mais forte do termo), a alegria, a zendo corpo com outros, em refe- maravilha do encontro; mas tamrência a uma escritura, uma histó- bém, segundo a ordem da salvação, ria, uma presença. Reconhecendo para salvar o nó de numerosos pericomo graça o dom de ágape e nes- gos que o ameaçam. "Toda a hisse Dom, a iniciativa daquele a quem tória de amor é uma história de chamamos "Deus" mas a quem, salvação", li recentemente5 • Todo o casal terá, mais dia memais precisamente e mais cristãnos dia, necessidade de ser salvo e mente, reconhecemos e chamamos sê-lo-á de uma forma muito concrePai, Filho, Espírito Santo. Tudo isto ta (isto é, nem mágica nem ideal) a partir das escrituras e da vida espelos diversos aspectos do trabalho piritual concreta. da graça: dom da energia para tudo O Pai como aquele que dá, como recomeçar, dom da humildade para fonte escondida da doação, como pedir perdão, dom da esperança, da aquele que reenvia Jesus quando diz, depois de ter citado o capítulo 2 do ajuda fraterna mais ampla. Esta necessidade, em simultâneo com esta Gênesis "O que Deus uniu... ". O Filho como aquele que se dá, possibilidade de salvação para o como forma e modelo de doação, casal, e portanto para a fanu1ia, é como aquele em quem a doação uma das mensagens mais originais toma corpo e que vem habitar o nó, que os cristãos podem formular nas como Ele próprio prometeu numa atuais circunstâncias. parábola que alguns padres da Igre11 ja aplicavam ao matrirnônio "QuanDurante uma conferência no do dois ou três se reúnem (se Jura, um velho cura disse-me um dia unem) em meu nome, eu estarei com toda a convicção: "No fundo, no meio deles". o Matrimônio não é um problema O Espírito Santo como oferta de amor, é um problema de fé". dada, como aquele que dará ao nó Convém primeiro perceber a palafôlego, respiração e energia, libertanvra fé no sentido mais amplo do terdo-o das suas correntes, Ele, cujos frutos são, segundo as palavras de no latino fides, termo que Santo São Paulo: "Amor, alegria, paz, Agostinho usava para designar um paciência, bondade, benignidade, dos três "bens" do matrimônio, palavra muito rica, sem tradução, que fé, doçura, domínio sobre si". A ação da graça na vida conju- podemos entender segundo três gal pode ser enumerada segundo acepções: Em primeiro lugar, como fidedois registras clássicos na Teologia 5.
Alain MATIHEEUWS, "Les dons du mariage" (Os dons do Matrimónio) , Nouvelle revue théologique, n" 2, 1996
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!idade à palavra dada. É o sig- ça em si mesmo, na presença de nificado primordial desta palavra, cada dia por si mesmo, amanhã que também poderemos traduzir como hoje dessa boa vontade que por lealdade. está em mim hoje, para construir o Num tempo em que a cultura su- nó. Mas é bem visível que esta duperficial lhe dá pouco valor, tome- pla confiança nos remete a uma oumos consciência da importância do tra confiança bem mais fundamencaráter fundador, humanizante, tal, à certeza que este querer será personalizante do sentido da pala- dado a um e a outro, em cada dia. vra em questão. Todos nós fomos Que, para além dos acasos da noscrescendo tendo por base palavras sa afetividade, mais profundamente dadas e apreendidas. É a palavra que os seus altos e baixos, existe que nos unifica e nos constrói. É a uma rocha, existe uma fonte, um palavra que nos une e nos reúne, princípio fiável de permanência e se somos confiáveis. Isto é, se o de renovação. outro pode contar com o nosso A Fé é o contrário do medo. A fides, que é um outro nome para palavra "medo" repete-se na boca esta fiabilidade. daqueles que hesitam casar-se, e até O segundo significado do ter- mesmo, ouvi vários testemunhos, na mo será uma confiança de fundo, boca daqueles que se preparam para que de bom grado chamarei uma o casamento. Medo do outro, medo fiança, velha palavra francesa mui- de ser absorvido ou utilizado, medo to querida ao poeta Charles Péguy de se perder, medo de repetir cená(do verbo fiar-se). Só nos é possí- rios já vividos por alguns parentes, vel fazer aliança se nos fundamen- medo do tédio, medo de não amar tarmos sobre a confiança, com o mais, medo de não amar o suficienapoio de uma segurança fundamen- te ... Não poderemos apostar no nó tal. Não é apenas uma crença, nem se não escutarmos uma voz que nos é só acreditar que é possível, é uma diga, como Jesus disse aos seus disfiança, isto é, é o ato positivo de se cípulos sobre o mar agitado: "Não fiar em, é uma aposta, é um passo . tenham medo!" (Mt 14, 27). Para fazer aliança, para se ligar, por cima do vazio ... Para ter uma tal ousadia de se é preciso ser capaz de se desligar, comprometer para toda a vida com de abandonar alguns nós antigos, é alguém, é preciso ter uma confian- preciso libertar-se deles. A confiça total no outro, em si mesmo, no ança, no fundo, é acreditar que ao nó. Confiança no valor do outro, na dar-se, se é acolhido, acolhido não presença em si mesmo, na sua pre- apenas pelo outro mas pela vida, e sença, para além das suas qualida- que então se entra na verdadeira des e dos seus defeitos, de um prin- vida. É preciso uma boa dose de concípio de vida, de um mistério ines- fiança para acreditar que se quisergotável que permanecerá sempre mos salvar nossa vida, perdê-lapara além das decepções, das difi- emos e que se aceitarmos perdê-la, culdades, dos sofrimentos. Confian- nós a encontraremos. Há em tudo 56
com o versículo tirado do Gênesis:
isto um movimento de abandono radical- deixar-se prender- que está no centro da vida espiritual. Há quem viva esta fides a descoberto, sem o designar como tal, afastados de qualquer confissão religiosa. Todos nós sabemos isso. Estes acreditam que a atitude fundamental de confiança e de fidelidade, de aposta sobre o preço do nó, é a melhor coisa. Apesar, por vezes, das aparências, é a isto que eu chamo uma fé a descoberto ou "uma fé elevada a dois", a fé nafides e a fé na fé. Sem palavras para o exprimir, sem promessa explícita de recompensa, mas uma virtude intuitiva que ali está a verdade da vida. Quer sejamos crentes ou não, haverá momentos em que a fé conjugal passará pelo "breu da noite", tal como a experiência mística por si só, com a qual se pode comparar. Noites sem sentido, já que nada mais se sente, noite de espírito, já que nada mais se compreende. São João da Cruz, no Cântico da Noite Escura afirma: "E eu nada mais vejo,
"Pois a Deus nada é impossível". Daí, também poderemos sublinhar o seguinte: tal como no Evangelho de Mateus sobre a proibição de repúdio, a palavra é fonte daquilo a que chamamos a indissolubilidade do matrimônio e faz parte de outro conjunto de palavras que nos fazem outros apelos também radicais: o celibato para o reino, ser semelhantes às crianças, vender e dar todos os seus bens. No final deste conjunto, os discípulos ficam perplexos e não conseguem reter a pergunta:
"Mas então, quem poderá salvarse?" Pergunta que merece estaresposta: "Para os homens é impossível, mas para Deus tudo é possível" (Mt 19, 26). A fé mais radical deve ser essa ... Poderá tomar formas bem concretas nos momentos de prova, de noite, nas escolhas cruciais ... Há tantas coisas que nos parecem acima das nossas forças, mas, nesses momentos, precisamos recordar as palavras que Paulo ouviu: "Basta-te
sem outra claridade ou guia que aquele que incendiava no meu coração"
a minha graça, porque a força manifesta-se na fraqueza" (28 Cor 12, 9). É uma das graças do nó con-
Vejamos agora o terceiro significado da palavrafides, o mais explícito: o acolhimento do dom de Deus confessado como tal, como o reconhecimento disso mesmo como fonte de verdadeira liberdade, como o "mestre do impossível". Fomos tentados, inicialmente, a começar por esta última palavra, e isso poderia assemelhar-se à pergunta de Maria, quando da Anunciação: "Como será isso possível? "Ora, este versículo, todos o sabem, termina
jugal este desdobrar da força na fraqueza. Na vida conjugal, somos particularmente confrontados com as nossas fraquezas, mas nós acreditamos que, se Deus nos chama à fidelidade incondicional, Ele nos dará a graça de a vivermos. Gosto muito do adágio que diz: "Deus dá o que quer''. Um nosso contemporâneo- Denis Vasse- escreveu: "O verdadeiro amor é impossível entre as criaturas, só em Deus o amor é verdadeiramente possível. Só o coração 57
que se entrega a Deus sabe amar" 6. Aliás, quando nos entregamos a Deus, Deus não resiste. O amor verdadeiro está acima das nossas capacidades, só conseguiremos amar verdadeiramente, se totalmente nos entregarmos ao coração de Deus.
comunhão ao mesmo tempo que sopro de personalização. A cada um de nós Ele inspira o desenvolvimento dos seus próprios carismas, da sua liberdade e da sua própria beleza; entre o casal Ele derrama um movimento de receptividade, de maleabilidade e de docilidade capazes de suscitar uma tal harmonia, que nenhum recurso apenas humano conseguiria atingir.
111 "Jamais conseguiria amar as minhas irmãs como eu as amei se, Vós mesmo, Ó Meu Jesus, as não tivésseis amado em mim", exclamava Santa Teresinha, Thérese de Lisieux. Todos os maridos deveriam dizer a mesma coisa a propósito do amor que são convidados a ter para com as suas esposas, o mesmo se passa para todas as esposas em relação aos seus maridos: "Jamais conseguiria amar a minha irmã, o meu irmão, a minha mulher, o meu marido, se tu mesmo, ó meu Jesus, não o a amasses em mim". É assim que somos levados a perceber o nó conjugal como um ato de Deus. Não, unicamente, como o resultado do nosso trabalho, do nosso agir, mas como o local e o fruto da ação do próprio Deus. Concretamente, tudo isto se traduz pelo acolhimento à ação doEspírito, que suprime a nossa fraqueza e nos torna capazes de amar segundo o coração de Deus. Só o Espírito é capaz de realizar a maior unidade no grande respeito da alteridade. Só o Espírito é sopro de
"Ser apenas um, através de um mútuo dom livre, escrevia Edith Stein, em 1942, só é possível aos seres espirituaism. Espirituais significa capazes de viverem o mistério da habitação de um no outro: "Tu em mim e eu em ti", é este o movimento próprio da vida divina, como podemos ler em São João: "Eu estou no Pai e o Pai está em mim" (Jo 4, 11) ou "Per-
manecei em mim, que eu permaneço em vós" (Jo15, 4) ou ainda "que eles sejam um, como nós somos um. Eu neles e tu em mim, para que eles cheguem à perfeição da unidade" (Jo 7, 23). Toda a verdadeira unidade que não aliena nem acorrenta, mas pelo contrário liberta, vem de Deus, está em Deus.
"O amor no seu cumprimento mais que perfeito , escreve ainda Edith Stein, é ser apenas um num mútuo dom livre, é a vida íntima de Deus, é a vida da Trindade". Todos sentimos bem, todos experimentamos, que há um mistério - não apenas sobre-humano mas
6.
Denis VASSE, La souffrance sans jouissance ou le martyre de l'amou r" (O sofrimento sem fru ição ou o martírio do amor), Seuil , 1998, p.64.
7.
Edith Stein, La science de la croix (A ciência da cruz), 1942, trad., fr., ed. Nauwelaerts, 1998, p.l98
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está um movimento fundamental. O movimento do desprendimento de si, o consentimento radical ao outro, conduzem cada uma das pessoas a uma doação tal que é a sua própria vida que eles trocam, mais ainda, não só que eles trocam, mas que eles comunicam, num movimento que está para além deles mesmos, um movimento criador e fecundo "A grande
supra-humano no nó conjugal autêntico, entendido como nó aquilo que assenta no amor como dom mútuo. E o mais extraordinário é que ao abrir-se ao terceiro, à vida divina como a terça parte entre eles, os esposos abrem-se precisamente a uma vida que por si mesmo é temária, é Trinitária. O Deus cristão não é um indivíduo, uma substância estática, Ele é a própria relação, Ele é comunhão "Ao Deus Trinitário corresponde o homem comunhão" diz com total felicidade O li vier Clément. Termo incisivo e forte "corresponde", isto é, entra em correspondência, em harmonia, em diálogo com ... A Revelação e a experiência espiritual conduzem-nos a reconhecer que existe entre a vida trinitária e a aliança conjugal, não só uma analogia, mas uma relação real, uma participação. Convém obviamente evitar qualquer transposição demasiado infantil, demasiado direta da vida conjugal para a vida trinitária ou o inverso. A trilogia Pai - Filho - Espírito Santo não é de todo a trilogia pai mãe - criança. Isto não poderia ser, apenas porque não existe diferença sexual em Deus. É urgente começar sempre por tomar consciência da alteridade divina, da diferença radical entre Deus e qualquer uma das nossas representações, sejam elas quais forem. Mas, ao passar pela noite, a noite da fé, poderemos ter a intuição do movimento ternário da verdadeira vida, da vida absoluta, da vida divina. Desejar um terceiro abrindo-se ao outro, acolher uma terceira vida comunicando a sua vida ao outro, aqui
lei do amor, é a doação de um ao outro para se darem em conjunto", dizia o Papa Paulo VI, numa alocução às Equipes de Nossa Senhora, em 4 de Maio de 1970. Assim, como entre o Pai e o Filho a troca é tão profunda, tão última, tão total, é o seu ser íntimo, a sua vida essencial que circula entre Eles, originando um repuxo de fogo e de luz de uma terceira pessoa, pessoa essa que é precisamente aquela pela qual Eles se comunicam mais intimamente a cada criatura. O homem e a mulher são convidados a entrarem no mesmo movimento, no mesmo mistério. A união dos seus corpos, imagem e expressão da união entre os seus corações, vai tão longe na troca, que implica uma substância mais íntima dos seus corpos que reúne neles as fontes da vida, de onde brotará uma nova vida. A união dos esposos encarna numa terceira. E aqui estão eles de duas maneiras introduzidos numa vida maior que a deles, amando pelo acolhimento do dom de Deus, garantida peta fecundidade. A maravilha é que estes dois movimentos são um só. O acolhimento é uma vida cuja essência é dar-se, é redobrar-se, é multiplicarse. O movimento em direção à maior interioridade é movimento para o ex59
terior, em direção aos outros, em direção ao futuro. Assim é a respiração do espírito, recolhimento e abertura, inspiração/expiração. A fecundidade será o dom dos dons, a sua dobragem, a sua encarnação. A sua forma mais evidente e mais naturalmente desejada é obviamente a procriação e o acolhimento dos filhos. O Papa João Paulo II escreveu:
"Todas as gerações transportam consigo mesmas a semelhança, isto é a analogia, com a geração divi-
na'18 Mas é preciso verificar que existem outras fecundidades para o casal e para a família contempladas com esta respiração. Retomando uma tradição muito antiga, João Paulo II fala repetidamente de um ministério próprio do casal, ministério autêntico de Igreja ao serviço da edificação dos seus membros'!'}. Espiritual não quer apenas dizer interior, íntimo, intersubjetivo; espiritual quer também dizer radioso, capaz de iniciativas, inventivo, fazendo corpo com os outros membros da Igreja. É preciso saber, muito concretamente, o que é que o acolhimento à vida do Pai, a consagração à pessoa do Filho e a impregnação pelos dons do Espírito Santo podem trazer à vida do casal e da faffil1ia.
Aquele que tem um espírito filial, que não se considera propriedade da sua vida, que experimenta a fonte da sua liberdade como consentimento e obediência, estará mais apto ao espírito da infância, a não se agarrar ao seu deus, a 8. 9.
reconhecer a filiação divina nos outros homens.
Aquele que aceita entrar no movimento da Morte e Ressurreição do Filho, que recebe d'Ele o vinho novo das Bodas de Caná, que se alimenta da sua Eucaristia, estará mais apto a encontrar a sua vida na doação, a aceitar a quota de sofrimento que está no centro de todo o amor, a tomar o lugar do servidor.
Aquele que se deixa transformar pelo sopro de Deus, que se coloca sob a·proteção do consolador, que é habitado pelo espírito da verdade, estará mais apto a receber a força para vir à luz, a coragem para vencer os medos e as angústias, a esperança para viver os recomeços inevitáveis. No fundo, o essencial é muito simples: trata-se de entrar numa respiração, de entrar no movimento de uma vida que vem do Pai, que nos conduz- com o outro e com os outros- em direção a Cristo, para voltar com Ele ao Pai. Este movimento é próprio do Espírito, cujo nome é sopro, vento, respiração. Estamo·s agora prontos para interpretar a palavra enigmática do Eclesiastes. Depois de ter feito o elogio da vida a dois, sem razão aparente, o texto afirma que "o nó de três fios não quebra facilmente" (Ecl. 4, 12). Será um detalhe fortuito? Talvez! ... Mas para alguns cristãos isto deu que pensar. Num outro contexto, São Gregório de Naziano, Padre da Igre-
João Paulo II, La dignité de la femme, (A dignidade da mulher) Carta Apostólica, 1988 § 8 João Paulo II, Les tâches de la famille chrétienne (Os deveres da Família Cristã) Exortação Apostólica, 1981 , §39 e §53
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ja, numa meditação sobre a Trindade, escreveu: "UM é o número da solidão, DOIS é o número da separação, TRÊS é o número que supera a separação". O que significa que TRÊS é o número da relação, da verdadeira relação estável, e nós apercebemo-nos dessa separação superada. Numa época em que a relação conjugal é cada vez mais pensada e vivida como relação de casal, segundo uma lógica dual, será talvez uma missão para os cristãos a de recordarem e anunciarem o lugar para o Terceiro na relação. Um Terceiro não apenas simbólico, como se diz por vezes nas ciências humanas, mas um Terceiro real, bem real, mais real que as quimeras vividas pelas nossas paixões. Muitas são as figuras deste terceiro, na vida social, na vida fraterna, na comunidade eclesial, e já as vimos- nas crianças. Deus é o terceiro primordial, o sujeito absoluto, cuja vida veio dar ao nó uma maior solidez, na medida em que for acolhido. Insisto nisto, pois este dom ainda precisa ser acolhido. Por isso, o poeta Paul Claudel escreveu "Todo o poder de Deus pára à porta do coração do homem"; e antes dele, São Paulo escrevia "a graça, nós transportâmo-la como um tesouro num vaso de barro". Não é uma mágica, é um dom oferecido à nossa liberdade, ao nosso acolhimento ou à nossa recusa. A cultura de hoje torna-nos particularmente sensíveis a esta fragilidade, mas isso não deveria impedir-nos de ver, de ousar dizer e, antes de mais
nada, experimentar, como é que o acolhimento do dom da vida divina - que é o da graça do sacramento - consolida o nó, dando-lhe a capacidade de renascer e recomeçar sempre. Tudo isto é muito concreto, sabemo-lo bem, nas Equipes de Nossa Senhora. Podemos experimentar em cada dia, em cada semana, em cada mês, como é que a oração, ou melhor, como é que a nossa entrada consciente na circulação do dom trinitário, ao entrarmos numa comunhão mais alargada que a nossa, consolida o nosso nó e nos ajuda a tomar atitudes que o conservam vivo. Esta comunhão será maior, embora não exclusiva, com os irmãos nossos equipistas. O nó também se tece de vida espiritual partilhada com os outros, numa fraternidade mais alargada que é a fa1lll1ia. Por tudo isto, a abertura ao Terceiro e a abertura aos "terceiros" humanos não fazem número, mas não podem ser dissociadas. A abertura ao Altíssimo e o alargamento aos irmãos agrupam-nos, enriquecem-nos e alimentam-nos mutuamente. Finalmente, o nó de três fios não quebra facilmente: no terceiro fio cruzam-se, confirmam-se e vivificam-se todas as espécies de nós humanos, divinos, divino-humanos. Saibamos nós, também, espantar-nos e admirar tudo isto: que o reconhecimento do indivíduo, o outro na sua unicidade, na sua singularidade, reate, no seu fundo, o dinamismo do amor fraterno, isto é, o dinamismo do amor mais universal.• 61
HOMlllA: MONSENHOR lUlGl BETTAZZl
A
Palavra de Deus que nos é apresentada hoje está entrada sobre o Espírito Santo, que Jesus dá aos apóstolos no dia da Páscoa da Ressurreição e que derrama sobre a Igreja no dia de Pentecostes. É o próprio Jesus que coloca o dom do Espírito Santo em estreita relação com a realidade da paz. É a missão de Jesus que se realiza, assim anunciada pelos anjos de Belém: "Glória a Deus e Paz na Terra". A glória de Deus é a revelação do mistério de Deus, que está além de toda compreensão e comunicação e que pode ser percebida através das coisas que Ele criou, sobretudo nas mais altas realizações, que são postas em evidência pelos homens dos séculos passados. Nós reconhecemos, hoje, ao contrário, que a criatura mais importante é, justamente, a criatura humana, criada à imagem e semelhança de Deus. Santo Irineu explicava que "a glória de Deus é o homem que vive". Viver em plenitude nossa humanidade é manifestar a sabedoria e a bondade de Deus. O ser humano é feito para viver em sociedade; a imagem e a semelhança de Deus não está no indivíduo Adão, mas nos seres que se relacionam - "homem e mulher, Ele os criou!". Portanto a plenitude da glória de Deus será "a Paz na terra" e não somente "para os homens de boa vontade" (deixando aos outros a guerra ... ), mas para os homens que são objeto da boa
vontade de Deus, "para os homens que Deus ama" e Deus ama a todos, começando pelos pequeninos, pelos pobres, por aqueles que sofrem, os marginalizados. O pecado, que afasta os homens de Deus, põe em evidência as diferenças que existem na criação, fazendo delas fonte de contrastes. A narração bíblica apresenta o contraste da criação com a humanidade que vive as dificuldades do trabalho e a dor do parto. Põe, também, em evidência as contradições internas da pessoa até o momento da morte e anuncia a oposição entre os seres humanos que se querem dominar uns aos outros (Adão e Eva); a opressão e o assassinato
O ser humano é feito para viver em sociedade; a imagem e a semelhança de Deus não está no indivíduo Adão, mas nos seres que se relacionam. I
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(Caim e Abel); a incompreensão e a hostilidade (a Torre de Babel). Jesus veio para derrubar os muros das separações (Ef 2, 12), por exemplo, pelas diferenças de sexo, de raça, de nível social. São Paulo (Gl 3, 28), diz: "Não há mais diferença entre judeu e grego, entre escravo e homem livre, entre homem e mulher, pois todos vocês são um só em Jesus". Monsenhor Toninho Bello tinha razão quando definia a paz corno "a convivência das diferenças". As diferenças, em lugar de ser a causa e a força da oposição e das guerras, devem, isso sim, tornar-se a oportunidade e o alimento do crescimento e do enriquecimento recíproco. E isso só pode ser conseguido se nos colocarmos numa atitude de acolhimento e de serviço recíproco. Jesus disse: "Os reis das nações têm poder sobre elas, e aqueles que sobre elas exercem autoridade, são chamados benfeitores. Mas, entre vocês não deverá ser assim. Pelo contrário, o maior entre vocês seja corno o mais novo; e quem governa seja corno aquele que serve". (Lc 22, 25-26) A farru1ia é o lugar privilegiado da convivência, que, nascida da íntima convivência dos dois sexos, se abre à convivência com os que nos cercam, e com os quais somos chamados a viver. Dessa maneira, o Sacramento do Matrirnônio faz com que se participe especificamente do mistério do Cristo profeta, sacerdote e rei (ou pastor) ... É preciso, portanto, exaltar a experiência da convivência recíproca
Afamflia é o lugar privilegiado da convivência, que, nascida da íntima convivência dos dois sexos, se abre à convivência com os que nos cercam, e com os quais somos chamados a viver. até que ela se torne o exemplo de corno os cristãos transmitem, na vida quotidiana, a mensagem do Evangelho, sentindo-se a serviço, um do outro, para o crescimento pessoal, contra a tentação do fechamento e da dominação. Isso é a profecia (isto é, transmitir o pensamento de Deus) à qual cada um de nós é chamado. Os esposos realizarão assim urna comunidade de amor da qual os filhos serão os primeiros beneficiados, transmitindo com o seu exemplo, que vem bem antes das palavras, o amor que é a vida divina. Esta é a expressão do sacerdócio de cada cristão batizado, chamado a difundir no mundo a vida divina, a graça que santifica. Através desse ministério, esse serviço fundamental e primordial que os pais fazem para seus filhos, estes serão criados para se abrir 63
para a humanidade, que encontram fora da farm1ia e na escola e até mesmo às amizades com perspectivas nacionais e mundiais que fazemos, constantemente, através dos meios de informação. A paz e a unidade vividas na farm1ia tornam-se exemplo de uma estimulação mais ampla, para ideais e engajamentos progressivos de Paz. Se o Rei (ou o Pastor) era aquele que recompunha, na unidade, os povos ou seres diferentes, que se haviam dispersado, agora é a farm1ia que assume essa responsabilidade "real" de se tornar missionária da paz. Tudo isso vai além das capacidades concretas do espírito humano; e por isso, Jesus nos deu, e continua a dar, seu espírito que é o Espírito Santo, fonte de luz e de força, para viver a comunhão e o serviço em cada situação de nossa existência. Quando a liturgia conclui as preces "na unidade do Espírito Santo", não está somente nos chamando à íntima comunhão das Três Pessoas iguais e distintas, mas nos leva à comunhão entre as pessoas - no casal, na farm1ia, na sociedade, na Igreja- que é a obra do Espírito Santo. Nós deveríamos pensar a cada vez que, como hoje, participamos da Eucaristia que nós nos abrimos na fé à Palavra do Pai, que alimenta nossa profecia e que nós participamos da Páscoa do Cristo, grande e eterno Sacerdote, que nos purifica e que nos santifica com sua morte ao pecado e ressurreição para uma Vida Nova. Cristo está de novo presente e continua a derramar o Espí64
rito Santo, para que possamos viver a comunhão com o Pai (é o Espírito que nos faz dizer "Abba"), o que nos permite viver em comunhão com nossos irmãos. A Eucaristia exige fraternidade e serviço; não é por coincidência que Mateus torna claro que a oferta ao altar não é aceita por Deus se ela não vier de um coração reconciliado com os irmãos. "Portanto, se você for até o altar para levar sua oferta, e aí se lembrar de que o seu irmão tem alguma coisa contra você, deixe a oferta aí diante do altar e vá primeiro fazer as pazes com o seu irmão; depois, volte para apresentar a oferta," (Mt 5, 23-24) E São João está de acordo com os sinópticos que lembram que Jesus, tendo tomado o Pão e o Vinho, disse: "Este é meu corpo, este é meu sangue", acrescentando: "Fazei isso em memória de mim." Mas ele nos afirma que Jesus, após ter tomado um pano, lavou os pés de seus discípulos dizendo: "Pois bem: eu, que sou o Mestre e Senhor, lavei os seus pés; por isso, vocês devem lavar os pés, uns dos outros". (Jo 13, 14) A Eucaristia deve nascer do espírito de serviço e deve levar ao serviço concreto, desde o mais humilde, até ao mais eficaz. Que esta missa se renove, na sua inspiração e na sua graça à cada Eucaristia, para a santidade e a difusão da graça de vosso casamento, para o crescimento e a alegria de nossas farm1ias, da Igreja, e de toda a sociedade. •
HOMlllA: PADRE SÀRRlAS S.). RECONCJUAÇÃO Queridos amigos, Os apóstolos tinham por vezes, alguma dificuldade em compreender as parábolas de Jesus. Mas Jesus insistia, fiel à tradição de um estilo literário da sua época. Mesmo assim, uma vez apreendido o seu sentido, graças à sua precisão e ao seu dinamismo expressivo, a mensagem tornava-se clara e com uma grande força pedagógica. Jesus falava a pessoas simples e queria que as suas idéias fossem bem compreendidas. Ele usava palavras de vida eterna, mas Ele desejava que os homens e as mulheres do seu tempo - e de todos os tempos - fossem também capazes de pôr em prática os seus ensinamentos. Ele não queria que a sua mensagem permanecesse no mundo só por palavras ou idéias. Se a fé é um estilo de vida, decididamente Jesus queria projetar um modo de vida coerente e realista. Uma utopia possível? Aparentemente uma contradição, mas tornou-se possível essa utopia, graças ao seu exemplo e à sua companhia. Pensaria Jesus nos nossos dias quando descreveu a cena do Templo em que dois homens se colocaram diante de Javé, para ter um "face a face" entre Ele e os seus estilos de vida? Vamos iniciar um ato penitencial... Tal como o auditório que escutava as palavras de Jesus, também o nosso é complexo e diver65
Biografia Cristobal Sàrrias é espanhol (Barcelona) s.j., ordenado em 1957 (Bruxelas) e licenciado em filosofia, teologia (Louvain) e filosofia francesa (Madri). Professor de literatura comparada (Valência), diretor de colégio secundário (Valência). É também escritor e diretor de revista cultural (Resena, Madrid). Colaborador da televisão espanhola, da rádio do Vaticano e de várias revistas culturais, é diretor da INFORCHJNA (informação sobre a China atual) e antigo secretário dos provinciais dos jesuítas espanhóis. Conselheiro das Equipes de Nossa Senhora, desde 1961 é, atualmente, Conselheiro Espiritual da Equipe Responsável internacional.
so ... Viemos de longe e de bem perto até este lugar alto de conversão ... Este nosso Encontro Internacional pretende purificar a vida do nosso Movimento, torná-lo o mais fiel possível à primeira intuição dos nossos fundadores. Estamos muito longe do tempo dos quatro casais que, com um Padre, quiseram formar uma pequena comunidade inspirada pela escuta da Palavra. Eles queriam ajudar-se mutuamente para serem testemunhas da nossa Fé em Jesus, graças ao Sacramento do Matrimónio, vivido na plenitude. Nós queremos que o estilo de vida que resulta da nossa fé e da nossa adesão ao movimento das Equipes de Nossa Senhora, seja verdadeiramente aquele que foi proclamado pela Boa Nova de Jesus. E, neste momento de revisão de vida, coloquemo-nos perante o Senhor. Somos homens e mulheres que sobem ao Templo para rezar... São Lucas é sóbrio na sua descrição ... os homens eram bem diferentes: um era fariseu - um homem bem parecido, seguro de si mesmo; frente ao Senhor, expõe o seu "curriculum vitae" moral; nada de mau, tudo em ordem; tudo nele é politicamente correto ... ele jejua duas vezes por semana, paga o dízimo de tudo o que adquire. Mas, mais ainda: ele é também perfeito no querespeita à moral pessoal: não comete adultério, não é ganancioso, não é injusto ... Que maravilha, não é assim!? No entanto, há dois pequenos defeitos que decerto ele não reconhece, mas que não escapam à descrição que dele nos faz Jesus: primeiro ele só olha para si próprio,
tudo o que existe no seu íntimo é para satisfação do seu próprio EGO: fazia de si mesmo esta oração .. . É Jesus que o diz de si mesmo ... e, mais um "pequeno" pormenor, ele sente-se não só mais perfeito que todos: eu não sou como o resto dos homens, mas além disso menospreza o pobre diabo publicano que, encolhido ao fundo do templo, não ousava
sequer levantar os olhos ao céu... A força da descrição de Jesus não vos escapa, estou certo disso! Talvez, Ele exagere. Acham que Ele exagera? E o publicano, mantendo-se à dis-
tância... batia contra o peito dizendo ... Jesus fala-nos a todos, neste momento de revisão, de conversão ... A liturgia do Ato Penitencial da missa, deixa-nos entrever a razão das nossas necessidades, da nossa necessidade de Deus; ao convidar-nos a aproximarmo-nos de Deus justo, somos levados a pensar nesta cena. Sentindo-nos como o publicano no Templo, humildes e penitentes, somos postos diante de Deus Pai que é de-
fensor dos pobres, esperança dos fracos e refúgio dos pecadores... Como o publicano, devemos dizer ao Senhor: Ó Deus! Perdoa ao
pecador que eu sou ! Neste momento forte de conversão, convido-vos a reconhecer-vos tal como são, sem nada esconder, e, sobretudo, falando a Deus, não a vós mesmos ... A linguagem de Jesus é de perdão, porque Ele é justo: neste momento atendei ao seu julgamento:
Digo-vos, este (o publicano) voltou justificado para sua casa, muito mais que o outro... Assim seja!•
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Testemunho
CElEBRAÇÃO PA RECONClllAÇAO á havíamos refletido sobre a pessoa humana, imagem viva de Deus, da qual deriva a família e desta, a sociedade, reflexo de Deus Trindade, por isso aberta à comunhão. Já havíamos meditado sobre a maravilha do amor humano criado pelo amor de Deus, mas que, enfraquecido pelo pecado, esbarra no egoísmo individualista dos cônjuges. Já fôramos levados a crer que a transposição dessas barreiras é possível com a graça redentora de Deus, que faz acontecer a comunhão. O estado de peregrinos nos colocava no caminho da conversão. Com essa bagagem, um Dever de Sentar-se, realizado na noite de quinta-feira, fazia acontecer a reconciliação entre os cônjuges.
J
Quase ao final do Encontro, já prestes a sermos enviados, era necessário celebrar, na alegria comunitária, o perdão que nos reconcilia com o Deus comunhão. Padre Sàrrias nos introduz a um exame de consciência exigente e confiante. Exorta-nos a procedermos com a humildade do publicano do Evangelho de Lucas, pois a soberba impede o perdão, mas Deus se reconcilia com o pecador humildemente contrito. Então, toda a igreja ali reunida, cabeças entre as mãos, reconheceu cada um a verdade de seus pecados: o egoísmo disfarçado e enrustido, as infidelidades camufladas, as omissões no amor, a pouca generosidade no relacionamento conjugal, a falta de solidariedade com o cônjuge, com a fanu1ia e com a comunidade. O não empenho profissional. O não assumir a Igreja e na Igreja ... Conscientes da nossa pequenez, com fé confiante, pedimos perdão àquele que deu a vida para tirar-nos da morte. E reconciliados na paz de Cristo, em comunidade, aclamamos, alegres, a sua ressurreição, na firme esperança de também sermos ressuscitados e introduzidos na comunhão da Trindade, para celebrar as núpcias eternas do Cordeiro com a Esposa totalmente purificada, a Igreja.
Graciete e Gambim CR da Região Rio Grande do Sul I 67
HOMILIA: DOMALOYSIO PENNA, S.J. Estimados casais das Equipes de Nossa Senhora, Nesta última Eucaristia do Encontro Internacional das ENS, somos convidados a meditar no tema deste dia "Ser casal cristão hoje na Igreja e no mundo", no contexto do tema geral do encontro "O casal é imagem de Deus Trinitário". Fomos reabastecidos nestes dias com orações, reflexões que nos encheram de "ardor missionário" para sermos enviados, mais uma vez, a cumprir a missão que recebemos no batismo: de vivermos e levarmos o Evangelho ao mundo de hoje. As duas leituras escolhidas para esta Eucaristia nos apontam caminhos e nos convocam para a missão. O apóstolo Paulo, no trecho da carta aos romanos, lido na primeira leitura, mexe com o nosso brio. Chama de fortes a nós que recebemos a graça do Evangelho e, por isso, temos mais responsabilidade na vivência e propagação da mensagem de Jesus Cristo. Não devemos procurar a nossa própria satisfação, continua o apóstolo, mas devemos ajudar os mais fracos com o nosso exemplo. São Paulo nos pede para manter a esperança pela perseverança e a consolação ensinadas nas Sagradas Escrituras. Diz o apóstolo que devemos glorificar a Deus na procura da comunhão "tendo um só coração e uma só voz". São Paulo ensina-nos ainda a não conservarmos egoisticamente a esperança, mas a
Biografia: Monsenhor Aloysio José Leal Penna, s.j. é brasileiro. Arcebispo de Botucatu, estado de São Paulo, desde agosto de 2000, é membro do Conselho Permanente das Comissões Episcopais da Educação e Transmissão da Fé e Presidente da Comissão Episcopal da Família do Brasil. Tem animado grande número de reflexões e pesquisas no domínio da educação em Roma e no Brasil.
transbordá-la pela alegria e a paz que a fé nos proporciona. Somos, pois, chamados e enviados a transbordar nossa fé e esperança ao mundo. No Evangelho de São Mateus ouvimos o envio explícito feito por Cristo, de multiplicar pelo mundo seus discípulos e o envio para batizarmos a todos, em nome da Trindade. Fomos enviados por Cristo, que tem todo o poder recebido do Pai. Pelo batismo, todo cristão assume o compromisso de ensinar a 68
todos a observar o que Cristo nos mandou. Temos a garantia da presença do Mestre: "Estarei convosco até a consumação do mundo". Como ser hoje discípulos de Cristo, comprometidos com o batismo que recebemos? No contexto deste Encontro Internacional poderíamos responder: "Sendo imagem de Deus Trinitário", vivendo a nossa espiritualidade pessoal, conjugal, familiar e social. "Sendo hoje casal cristão na Igreja e no mundo" como nos pede o tema do dia de hoje. Gostaria de destacar duas condições essenciais para sermos imagem de Deus Trinitário: o amor doação e a intercomunicação de dons. A Trindade é comunhão. "No princípio está a comunhão dos Três, diz um teólogo, não a solidão de um". Um Deus fundamentalmente só, é o Deus de outras religiões monoteístas e não o Deus dos cristãos. "A Trindade é comunhão entre vários, a riqueza da diversidade, a união como expressão da entrega e doação de uma Pessoa divina a outra", diz o mesmo teólogo. Ser imagem de Deus Trinitário é o desafio para o casal, a família e a comunidade cristã. O amor Trinitário não é o amor entre duas pessoas mas entre três. "Seria contraditório, comenta um outro teólogo, conceber em Deus um ato de amor solitário e um ato de amor recíproco: único ato é o amor de cada pessoa por si e pelas outras duas". O filósofo francês Maurice Blondel exprime com profundidade este pensamento: "O Deus solitário dos judeus e dos filósofos oferece maiores dificuldades à inteligência do que a Trindade cristã, porquanto um
Deus subsistindo em uma só pessoa dá a impressão de ser dominado por um egoísmo solitário; e uma divindade que só subsistisse em duas pessoas, poderia ser considerada como de egoísmo a dois. Só Deus trino, continua Blondel, satisfaz a inteligência". Deus, pois, é em si e por si, um intercâmbio, uma circulação de amor, ou, como diz o Catecismo Católico, um comércio de amor "amoris commercium", entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. É o que os teólogos exprimem com a palavra grega perocórese, o intercâmbio de amor entre as pessoas da Trindade. Ser imagem do amor Trinitário é viver uma vida de comunhão, contrária ao egoísmo, ao individualismo, ao exacerbado subjetivismo da cultura pós-moderna, urna das principais causas da desagregação familiar. A mais perfeita imagem de Deus Trinitário é o casal, a família de Nazaré. Jesus, Maria e José viveram a comunhão perfeita, o amor total, o intercâmbio perfeito de dons. A Sagrada Farm1ia, por isso, é o grande modelo da farm1ia cristã. No documento das Equipes de Nossa Senhora, a "Segunda Inspiração", há uma frase que resume bem o que deve ser "O casal cristão hoje na Igreja e no mundo. Diz a 23 Inspiração das ENS: "Hoje não será exagerado pensar que a nova evangelização das realidades terrenas terá credibilidade, sobretudo, graças a este sinal de amor, que possui um grande poder de irradiação e de testemunho: o amor conjugal, o amor da farm1ia, o amor vivido em pequenas comunidades cristãs. Este é o serviço, esta é a rnis69
são que a Igreja pede insistente e urgentemente às ENS. Para terminar, gostaria de chamar a atenção para duas virtudes que na minha experiência de 30 anos de Pastoral Familiar considero básicas na espiritualidade conjugal e familiar, no mundo de hoje. Refiro-me às virtudes da sobriedade e da solidariedade diante do consumismo descontrolado da sociedade moderna. Os casais têm que se educar e educar seus filhos para uma vida sóbria sem a escravidão, sem limites, do consumismo do status social... O consumismo destrói a vida de amor e de comunhão. O amor trinitário, imagem do amor conjugal, é amor doação, renúncia, desprendimento, amor ágape, amor altruísta, amor comunicação de bens. A virtude da sobriedade é básica para a outra virtude a que me referi: a solidariedade. O Santo Padre João Paulo II repete sempre que o mundo deve procurar não só a globalização na economia, mas também, e, principalmente, na solidariedade. Vivemos num mundo de profundas desigualdades entre nações e, entre os diversos segmentos de uma mesma sociedade, tanto do primeiro como do terceiro mundo. O mundo querido por Jesus Cristo é um mundo de justiça, de fraternidade, de solidariedade. Jesus resumiu sua vida nesta frase lapidar:
"Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância" (Jo 10, 10). O Projeto do Reino de Cristo postula vida para todos e não para uma pequena parte da humanidade. O Projeto do Reino de Cristo não promete só a vida material, o bem estar social, mas a "vida em abundância" que
abrange o material, o cultural, o espiritual, o homem todo, integralmente. O casal cristão, hoje, na Igreja e no mundo deve dar testemunho de sobriedade e solidariedade. Estas duas virtudes refletem o amor doação, o intercâmbio de dons que existe entre as pessoas da Trindade. É difícil ser sóbrio e solidário na Igreja e no mundo de hoje. Queridos casais das Equipes de Nossa Senhora, Cristo vos envia ao mundo moderno, onde viveis, para ''fazer discípulos dele" sendo imagem de Deus Trinitário, no amor doação, no amor comunhão. Vossa responsabilidade é maior. São Paulo, como ouvimos na primeira leitura, nos chama de fortes. Seremos fortes se, com o auxílio de Deus e a proteção de Nossa Senhora, vivermos a fé, a esperança, o amor que recebemos de Deus e que devemos transmitir a todos os nossos irmãos que não receberam a graça do Evangelho. Ide e testemunhai os valores do evangelho em suas famílias, comunidades e na sociedade em que viveis. A espiritualidade e a metodologia pastoral das ENS são muito bonitas e eficazes. Elas produzirão sempre maiores frutos, se forem realmente praticadas e vividas. Que Maria Santíssima, a Estrela da Nova Evangelização, o modelo e protetora das ENS, vos acompanhe na missão de ajudardes a evangelizar o mundo sendo "casais cristãos hoje na Igreja e no mundo", "à imagem de Deus Trinitário".
D. Aloysio José Leal Penna, SJ Arcebispo de Botucatu, SP Bispo Responsável pela Pastoral Familiar do Brasil 70
Testemunho
ENCERRAMENTO, EUCAR1ST1A E ENV10
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Deus tem a possibilidade de ser experimentada por nós e modelo vivo dessa comunhão e participação o encontramos na família de Nazaré, onde Jesus, Maria e José viveram a comunhão perfeita do amor total e o intercâmbio de dons. Eis a realidade que Deus deseja realizar em nós, e através de nós, no mundo, começando dentro de cada um, atingindo o casal, passando pela própria farru1ia e chegando a todos os ambientes onde estamos ou por onde passamos. Esta comunhão de amor e unidade é a obra que o Espírito Santo deseja realizar em nós, através de nós, na Igreja e no mundo.
iante de nós, um painel da catedral de São Tiago com as portas abertas e a inscrição: O CASAL É A IMAGEM DO DEUS TRINITÁRIO. Eis o ambiente do IX Encontro Internacional das ENS. O estádio se transformou numa acolhedora casa de Deus onde celebramos, rezamos, ouvimos catequeses e vivemos a comunhão e a partilha. Dom Aloysio, na sua inspirada homilia, exalta a beleza do Deus vivo dos cristãos, o Deus Trinitário como comunhão entre vários, na riqueza da diversidade e união da entrega de cada uma das pessoas divinas à outra. Esta comunhão que existe em 71
O futuro da humanidade passa pela fallli1ia, nos diz o Papa João Paulo II. Portanto o amor conjugal, o amor da fanu1ia, o amor vivido em pequenas comunidades cristãs é o que a Igreja lembra e pede a todos os casais cristãos e de maneira especial, hoje, aos casais das ENS. Todos somos enviados a testemunhar o amor de Deus e Cristo vai à nossa frente e vai conosco também a intercessão contínua de Nossa Senhora. Testemunhai a graça do Evangelho e seus valores nas nossas famílias, nas vossas comunidades paroquiais e na sociedade em que viveis. Deixai-vos ajudar pela metodologia pastoral das ENS e os frutos virão a vós e, através de vós, para toda a Igreja e para o mundo tão necessitado de luz. Tomemos consciência dos inúmeros dons e privilégios que temos recebido de Deus e da Igreja atra-
vés das ENS. Não guardemos só para nós o que o Senhor nos oferece, mas abramo-nos aos outros que não pensam como nós, que não compartilham a nossa fé e os nossos ideais mas que, sem dúvida, são nossos irmãos em Deus. Para nós, a grande proposta, sermos casal cristão na Igreja e no mundo, se desenvolverá em três etapas: a Pessoa Humana, o Casal Hoje e a nossa Missão na Igreja e no Mundo. A Trindade Santa nos permitiu viver aqui, neste lugar abençoado que é Santiago de Compostela, uma profunda experiência de fé, de oração e de partilha. Todos progrediram, certamente, na vida conjugal, na vida de membros das Equipes e como cristãos nos tornamos mais abertos ao amor de Deus, amor que nos permite viver o ideal de fraternidade e de solidariedade com toda a fallli1ia humana. Foram apresentados o casal brasileiro Maria Regina e Carlos Eduardo, e o casal belga Priscilla e Jean Louis Sirnonis, que farão parte da ERI, recebendo a lâmpada acesa para manter acesa a chama da caminhada da fé a que todos somos chamados. Cidinha e Igar receberam a imagem de Nossa Senhora, modelo de discípula de Jesus, que acolhe e anuncia o que o Senhor nos diz. Esta experiência marcou a todos os participantes pois Deus está agindo e quer agir em todos os lugares onde existir alguém que lhe abra o coração e a vida.
Para nós, a grande proposta, sermos casal cristão na Igreja e no mundo, se desenvolverá em três etapas: a Pessoa Humana, o Casal Hoje e a nossa Missão na Igreja e no Mundo.
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Mons. Joaquim Justino Carreira SCE Equipe 4A - Jundiaí, SP
AMlGOS PARA SEMPRE
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hegávamos ao final do Encontro Internacional das ENS! Naquele dia, desde a manhã, sentíamos um misto de alegria, tristeza e ansiedade. Alegria por termos podido participar de tantos
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momentos significativos, como as conferências no SAR, a caminhada no histórico Caminho de Santiagoinspiração e encontro com Deus de tantos peregrinos, a missa na Catedral de Santiago presidida pelo Arcebispo, que nos recebeu e nos falou com tanto carinho e, além de tudo, o mais simplesmente, a graça que o Pai nos concedeu de estarmos lá. O pouquinho de tristeza que sentíamos era por ter de deixar o convívio com aqueles amigos que conhecêramos há apenas 4 dias. Nas reuniões mistas e nas refeições, acabamos por conhecer casais de outros países, que rapidamente se tornaram tão queridos para nós. Era uma pena deixá-los depois de momentos tão intensamente partilhados nas reuniões ou nos percursos de
ônibus. Mas, enfim, assim é a vida, e temos certeza de que como eles permanecem em nossos corações, nós também permanecemos nos corações deles, e quando rezarmos o Magnificat nas intenções de todos os equipistas, o nosso coração se aquecerá com aquelas boas lembranças. A ansiedade era sentida pelo que estaria por vir naquele último dia. A Eucaristia e a homília em nossa língua, o português, presidida por um bispo brasileiro- dom Aloysio Penna; a procissão do ofertório, tão cheia de significados a cada dia, deveria ser feita pelos brasileiros e D. Aloysio já tinha pedido que fosse representativa da alegria dos brasileiros. Aliás, como sempre ocorre quando os brasileiros se juntam num estádio, estávamos todos lá, com a inconfundível camisa amarela. Nos primeiros dias, divididos em pequenos grupos por todo o espaço do anfiteatro do SAR, queríamos, nesse último dia, estar todos juntos para a homenagem ao casal brasileiro - Cidinha e lgar que se despediam da função de Casal Responsável Internacional das ENS, que seria então assumida por um novo casal. Efetivamente, a Eucaristia de encerramento, e envio para a missão, com a posse do novo Casal Responsável Internacional foi uma festa brasileira de louvor e ação de graças. A cor amarela de nossas camisas dominou, num único bloco parte do plenário, rezamos na nossa língua e cantamos as nossas canções, acompanhados com simpatia
por equipistas de todo o mundo. Na procissão de entrada da Bíblia, todos de amarelo, um casal brasileiro com um bebê ao colo em ação de graças pela farm1ia equipista; outros casais levando a Bíblia e a bandeira do Brasil caminhavam, com um discreto balanço, ao ritmo da música. A nossa bandeira foi ornamentar a mesa da palavra, e aí ficou durante toda a celebração: homenagem a Cidinha e lgar e santo orgulho para todos os equipistas brasileiros. Tudo foi lindo e emocionante: cantamos em coro para Cidinha e Igar a música "Mãe do Céu Morena", tão do agrado deles! Após a comunhão, novamente em coro, cantamos o nosso tão conhecido Hino da Família: "Que nenhuma família comece em qualquer de repente ... ". A despedida de Cidinha e lgar, ao passarem a missão para Marie Cristine e Gérard (França) foi marcada pelas luzes de estrelinhas que cada um de nós, presentes no auditório, acendeu, gerando um belíssimo efeito de fogos de artifício em todo o plenário a saudar o novo casal da ERI. Ao final, a última música- a que ficou no coração de todos (Friends forever) - deu o tom do encontro com o refrão: Amigos para sempre! E então, a cada abraço de despedida vinha sempre repetida a mensagem: Amigos para sempre! Graças a Deus!
Fátima e ]erson CRR- Rio II
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CARTA DE ENVlO Caros amigos das Equipes de Nossa Senhora vindos de todos os continentes: Chegamos ao final do IX Encontro Internacional das Equipes de Nossa Senhora, encontro que serealizou na aurora do novo milénio da era cristã, e nós queremos lhes di-
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zer algumas palavras, a vocês que vieram dos quatro cantos do mundo para participar deste privilegiado tempo de escuta do Senhor. O Senhor nos falou muitas coisas durante estes dias. Ele nos falou, em primeiro lugar, durante as celebrações eucarísticas profundas, e ao mesmo tempo festivas, das quais participamos. Ele nos falou também no mais profundo de nosso coração, durante as conferências, o dever de sentar-se, as reuniões de equipes mistas, durante o tempo de marcha no Caminho de Santiago e mesmo durante os tempos de repouso. Ele nos chamou a nos comunicarmos uns com os outros, a trocarmos idéias, a partilharmos experiências de vida com nossos irmãos equipistas vindos de outros horizontes da terra. Ele nos chamou, sobretudo a orar juntos. Nós todos, que aqui viemos, estamos unidos pela mesma fé, pelo mesmo batismo, no mesmo Espírito e temos o mesmo ideal. Estamos, pois, próxi-
mos uns dos outros e nos compreendemos com facilidade. Mas, o diálogo com as outras pessoas nem sempre é fácil e, por vezes chega a ser difícil. Mas se somos conscientes de nossa filiação divina, e portanto, conscientes de sermos todos irmãos e irmãs, nós estaremos sempre dispostos à abrir nosso coração e nossos pensamentos aos outros mesmo àqueles que não compartilham de nossa fé, de nosso ideal. Até o momento presente, o Movimento das Equipes de Nossa Senhora tem proposto, para os anos que seguem, após um Encontro Internacional, algumas "orientações de vida". Mas como surgiram algumas confusões entre as orientações de vida pessoal, que constam do documento "O que é uma Equipe de Nossa Senhora?" e as apresentadas no encerramento dos Encontros Internacionais, a Equipe Responsável Internacional decidiu dar a estas o nome "Prioridades do Movimento". Após oração e reflexão com os membros do Colégio das Equipes de Nossa Senhora, a _prioridade escolhida, para os próximos anos, será: "SER CASAL CRISTÃO HOJE NA IGREJA E NO MUNDO". Porque se escolheu esta prioridade? Quando nos casamos, nós nos prometemos: "Eu te recebo como minha esposa - Eu te recebo como meu marido - e prometo te amar fielmente na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, durante todos os dias de nossa vida". A seguir, o padre proclamou:
"Que o Senhor confirme este consentimento que vocês exprimiram na presença da Igreja e que Ele vos cubra com sua benção". Mas, as circunstâncias da vida, o trabalho dos cônjuges fora do lar, as preocupações concernentes aos filhos e à formação humana e cristã dos mesmos, as dificuldades econômicas ... os engajamentos de Igreja, no sentido de colaborar com sua missão e sobretudo a falta de abertura de nosso projeto de vida ao projeto de Deus, podem nos trazer problemas e criar dificuldades. Diante desta realidade, nosso Movimento nos convida a uma reflexão: Nós, seres humanos temos necessidade de nos conhecer, de conhecer nossa verdade interior. Temos necessidade de nos amar para podermos amar os outros. O verdadeiro amor a nós mesmos implica o respeito e o desenvolvimento de nossas capacidades, bem como a responsabilidade de assumir as conseqüências de nossos atos. Temos necessidade, também, de ser feliz. Se temos a impressão que jamais seremos felizes, entramos em um processo de morte e mergulhamos na tristeza. Um dos grandes símbolos da felicidade procurada por todos os seres humanos, é o símbolo das núpcias. A humanidade está sempre à procura do amor. Não somos seres perfeitos. Temos nossas fraquezas que nos perturbam e que dificultam nossa relação com os outros, em particular com nosso cônjuge. Mas estamos certos de que po76
universo: ser imagem de Deus. Entretanto, homem e mulher, juntos, são também a imagem de Deus em sua união e sua unidade de amor: um existe para o outro, um se define em relação ao outro. O livro do Gênesis nos mostra que, quando o homem e a mulher se afastam de Deus, quando Deus não está mais presente na união dos dois, eles perdem a inocência primitiva, eles conhecem a angústia e tomam consciência do pudor. O homem, acusa a mulher e procura dominála. A unidade dos dois é rompida. Eles não são mais uma só carne. O homem, bem como a mulher, corre então o risco de fechar-se em si mesmo, em seu pequeno universo. Mas, abrir-se ao outro, estabelecer relações de amizade com as pessoas, penetrar no mundo do amor, da comunhão, da doação, da partilha e do acolhimento é necessário, ao ser humano, para ser feliz. E, ele poderá viver tudo isso, com a ajuda da Graça de Deus. Deus nos criou homem e mulher para nos amarmos, para nos ajudarmos mutuamente a crescer e a caminhar para a santidade. Somos todos chamados ao amor mútuo, como seres humanos e como cristãos. Deus nos chama como homens e mulheres, como casais unidos por um sacramento, a realizar juntos nosso casamento como uma relação baseada num amor humano, fiel, total, exclusivo e fecundo. Deus nos chama também a ser um sinal de seu amor lá, onde falta o amor. Estamos certos que é disto
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Primeiro ano: Reflexão sobre a pessoa humana Segundo ano: Reflexão sobre o casal hoje Terceiro ano: Reflexão sobre nossa missão na Igreja e no mundo.
demos caminhar para a perfeição cristã, dia após dia. Esta é a maior responsabilidade que temos para conosco, para com nosso cônjuge e para com Deus: caminhar sempre rumo à perfeição cristã. O que Deus quer de nós casais? Deus nos criou homem e mulher. Deus quis que os dois constituíssem uma só carne. O homem e a mulher são complementares por seu corpo e seu psíquico. Eles se definem em referência a Deus: um e outro são a imagem de Deus. É esta a tarefa fundamental e última do homem e da mulher no
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que o mundo tem necessidade e que o mundo espera: "sinais de amor". Estamos imersos em uma sociedade em profunda mutação. Tomase pois urgente, neste começo de um novo milênio, fazer uma reflexão adulta, isto é, consciente, concreta, coerente e honesta a respeito de nossa missão e dos engajamentos atuais, específicos dos casais cristãos de hoje. Há pouco tempo, o Papa João Paulo II exortava os movimentos de leigos e as comunidades a dar à Igreja e ao mundo "frutos maduros de comunhão e engajamento". A prioridade para os próximos anos, proposta pelo Movimento, "SER CASAL CRISTÃO HOJE NA IGREJA E NO MUNDO" quer ser um desses frutos. A proposição desta prioridade é a de apresentar, a nós equipistas do mundo inteiro, um itinerário de interrogação e de reflexão, que nos conduza a uma conversão de coração, para responder às necessidades da Igreja e de nosso mundo atual. As etapas de reflexão serão: Primeiro ano: Reflexão sobre a pessoa humana Segundo ano: Reflexão sobre ocasal hoje Terceiro ano: Reflexão sobre nossa missão na Igreja e no mundo. Muitos responsáveis da Igreja reconhecem hoje que as Equipes de Nossa Senhora têm sido um dom para a Igreja e para o nosso tempo. Chegou, pois, para nós, o tempo de partilhar este dom, de uma forma muito mais concreta que a utilizada
até hoje. Devemos nos dar conta de que somos cristãos privilegiados em um final de século muito difícil. Tudo o que recebemos, não nos foi dado para guardar, mas para passar a outros, pois somos chamados a estar sempre prontos para dar contas da esperança que existe em nós, a todos aqueles que nos pedem. Para nos ajudar nesta missão, somos todos convidados a fazer uma profunda reflexão a respeito desta prioridade proposta pelo Movimento, a partir do tema preparado. Vamos retornar aos nossos países, aos nossos lares, às nossas famílias, às nossas equipes, com nossos corações cheios de alegria e de reconhecimento pelas graças que recebemos do Pai e de seu filho, através do Espírito. A Trindade Santa nos permitiu viver aqui, neste lugar abençoado que é Santiago de Compostela, uma profunda experiência de fé, de oração e de partilha. Aqui pudemos experimentar a alegria da conversão e também a alegria da unidade dos filhos de Deus, unidade vivida apesar de nossas diferenças. Progredimos, certamente, na vida conjugal, progredimos como membros das equipes e como cristãos, nos tomando mais abertos ao amor de Deus, amor que nos permite viver o ideal de fraternidade, de solidariedade com toda a família humana.
Cidinha e Igar Fehr Santiago de Compostela, 23 de setembro de 2000 78
SESSÃO DE FORMAÇÃO
lNTERNAClONAL
N
a Sessão de Formação In- que o nosso Movimento é sério e ternacional, que aconteceu tem unidade. nos dias 23 a 26 de setemDestacamos também os mobro de 2000, tivemos momentos mentos de oração: as celebrações de troca de experiências, de aju- ti veram "vida", com a animação da e de conhecimento que não dos equipistas dos países que orpoderemos esquecer. Não sabe- ganizaram cada celebração mos como aplicaremos na nossa eucarística; a vigília foi um ponto vida do dia-a-dia como pessoa, alto, digno de nota. As orientações como casal, pais, cristãos ou pro- dadas pelos casais da ERI, que se fissionais, as riquezas, as desco- colocaram à nossa frente, dispenbertas do encontro com o outro, sando os recursos das traduções que veio de outro lugar, de outro simultâneas, nesse momento, já nos continente, de outra cultura. É sensibilizaram: o casal francês fauma experiência (vivência) onde lava, o inglês traduzia, depois o de a palavra "inesquecível" tem sig- . língua espanhola e, por último, o nificado: é real. português. Nós íamos assimilando Para nossa vida de equipista, a desde a fala do primeiro e já vivíaSessão de Formação nos levou à mos a adoração desde aquele moconstatação de que o Movimento mento, ouvindo a cada um deles, tem unidade- fato comprovado nas como mensageiros (amigos íntimos) reuniões e nas trocas de experiên- do padre Caffarel, nos orientando cias que aconteceram. para bem realizarmos aquela noite Pudemos observar pelos casais de vigília. dos Estados Unidos, Angola, PorConsideramos a Sessão de Fortugal, África do Sul, Moçambique mação Internacional muito positiva, ou do Brasil, que as reuniões de forte na troca de experiência, na equipe se desenvolvem da mesma oração . O nosso grupo de língua forma, com as 5 partes. Que todas portuguesa muito bom, todos as partilhas enfocam os PCE e to- interagindo com alegria. Houve muidos almejam a entre-ajuda. Que ta serenidade e segurança por parte casais de culturas, idiomas ou ra- dos casais que coordenaram o nosças diferentes possuem ideais de so grupo. Nós, brasileiros, nos senespiritualidade conjugal como o nos- timos felizes e em harmonia entre so e lutam por isso. nós e o nosso grupo. As trocas de experiências foram momentos muito fortes de ajuda e Aparecida e Saléh conversão. Isso por si só já nos coCRR Minas II loca mais animados e convictos de Divinópolis, MG 79
PALAVRA DO SÇE DA SUPER-REGlAO Caros casais e Conselheiros Espirituais. Santiago de Compostela, final da Eucaristia de encerramento. À saída do altar, estava olhando as arquibancadas coloridas, todo o lado direito largamente marcado com as camisas amarelas do Brasil. Casais de quase todo o mundo. Podíamos dizer que ali estava o mundo reunido em torno da Eucaristia, vivendo a mesma fé, a mesma fraternidade, a mesma esperança, erguendo aos céus o mesmo canto, uma alegria só em todas as línguas. Num momento mágico, podíamos viver de forma visível, palpável até, a unidade das ENS espalhadas pela Terra. Ali estava um mundo de homens e mulheres, aos pares, casais, como discípulos que se sentiam enviados pelo Cristo, dois a dois, para anunciar a vida, a vida nova possível em Cristo. Casais que, como casais, queriam levar sua mensagem própria para a sociedade e a Igreja. Ali estavam aqueles poucos sete milhares, a representar todos os casais equipistas que, em toda a parte, querem ser imagens do Deus Trino. Que procuram ser manifestação da Trindade pelo seu amor conjugal, pela sua aliança, pela sua comunhão de vida, pela sua fecundidade em filhos do sangue e em filhos do coração. Ali estavam aqueles poucos milhares de casais que, em sua alegria fervilhante, eram eco da alegria vivida e fruto da luta de milhões de homens e mulheres unidos pelo amor conjugal. A Eucaristia chegava ao fim, mas era como se não quisessem aceitar que dias assim passem tão rápido. Mãos erguidas abertas acenando, ou agitando lenços e folhetos, o ginásio ondulava num imenso bater de asas, de muitas asas querendo retomar altura para vôo que se anuncia longo, muito longo, a dois, a três. Tenho certeza que, se alguém lhes pedisse um texto mostrando o que sentiam, iriam todos repetir o "Senhor, é bom estarmos aqui!" Os acenos foram parando aos poucos, nas praias da realidade inevitável: era preciso descer o monte, reencontrar o cotidiano para o transfigurar à luz da proposta: - Ser casal para a Igreja e para o Mundo. Ser casal manifestação da Trindade. Irmãs e irmãos que lá estiveram participando do IX Encontro Internacional, saibam partilhar e testemunhar. Tragam de volta para suas equipes muito mais que fotos e lembranças. Deus os aj ude.
Pe. Flávio Cavalca de Castro, cssr. 80
Meditando em E quipe zooo • Ano da Eucaristia Lendo o Evangelho de Mateus, duas passagens nos chamam a atenção . A primeira é do capítulo 1 7, versos de 2 a 8, Jesus levou alguns discípulos até uma alta montanha, onde se transfigurou diante deles. Depois, ainda extasiados com o que viram, desceram até a planície. A Segunda passagem, é do capítulo 28, versos de 16 a 20 . Jesus ordena aos discípulos : "Ide, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei ". Na festa litúrgica da Epifania do Senhor, fecharam-se as "portas santas" dos Santuários . Encerra-se o jubileu 2000, o grande Ano Santo da Igreja . Em Santiago de Compostela fecharam -se, no final de setembro, as "portas santas" do grande anfiteatro do Multiuso-SAR, onde uma multidão de mais de 7 000 discípulos e discípulas estiveram reunidos para o IX Encontro Internacional das ENS . Agora, precisamos sair. O Espírito que animou o jubileu e o Encontro deve influenciar a nossa caminhada . O Senhor transfigurado continua vivo e atuante em nossa vida missionária . Andando na planície devemos "Ser casal cristão na Igreja e no Mundo" . As "portas santas" são agora das famílias, principalmente as carentes de tantos valores. As indulgências acontecem através do nosso serviço, da nossa compaixão, do nosso amor no dia a dia . O Senhor está agora na planície. Ele se encarnou . Ele está no meio de nós .
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Como continuar os apelos jubilares na nossa vida?
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Como tornar vivos os apelos do Encontro de Santiago em nosso Movimento? Padre Ernani
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EQUIPES DE NOSSA SENHORA Movimento de Casais por uma Espiritualidade Conjugal
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