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Desabafo de uma recém especialista de MGF
Os médicos internos de Medicina Geral e Familiar foram dos únicos a terminar a especialidade em 03/2020. Quando realizámos a prova teórica, a 28/02/2020, a maioria de nós achava que o término da formação específica seria o maior desafio profissional a concretizar num ano, já de si, repleto de tantas emoções e incertezas.
A nova realidade imposta pelo SARS-CoV2 demorou a ganhar importância nas nossas vidas. Tudo o que não fazia parte da bibliografia do exame era "ruído de fundo".
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Na segunda semana de 03/2020, notava-se alguma apreensão por parte dos orientadores de formação e júris das provas orais. Surgiram os primeiros rumores de que as provas poderiam não ser concluídas, o que para nós era algo impensável. Na semana seguinte, regressámos a uma Unidade de Saúde (US) que já não reconhecíamos. Novas regras, conceitos e tarefas. Tivemos que ignorar o cansaço e arregaçar as mangas. Todo o estudo realizado para concluir esta etapa tão importante de nada serviria para fazermos face a esta nova realidade.
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A criação das áreas dedicadas ao COVID-19 (ADC), ao nível dos Cuidados de Saúde Primários, surgiram na tentativa de reorganizar a oferta e os cuidados prestados. O ambiente do ADC em pouco ou nada se assemelha ao ambiente das US. Estamos habituados a uma medicina de "proximidade", mas, de repente, vestimos "fatos espaciais", colocamos acrílicos nas secretárias, encostamos cadeiras à parede. Alguns de nós ficam seis horas sem comer, beber ou ir à casa de banho para "poupar" mais um Equipamento de Proteção Individual. Os profissionais de saúde são incumbidos, desde o início, de um espírito de sacrifício notável. Penso que é algo “contagioso”, que aprendemos ao convivermos uns com os outros.
Tenho receio de que nos tornemos inflexíveis, que nos esqueçamos que nem toda a tosse, febre ou dispneia representam infeção por COVID-19. Sem dúvida que há atitudes e comportamentos que devem perdurar após a pandemia. No entanto, temos que (re)conquistar alguma desta "proximidade" que nos foi tirada.
Em todos os recém-especialistas de MGF começa a despontar a ansiedade inerente à próxima fase. Aproxima-se o "tão esperado" concurso. Certamente as vagas serão (como sempre) uma desilusão. Possivelmente muitos de nós terão de fazer as malas à pressa e rapidamente adaptar-se a uma nova realidade.
Penso que não houve tempo para congratulações ou festejos. Por isso, deixo aqui os Parabéns a todos os meus Colegas, que aguardam neste "limbo" comigo. Somos especialistas!
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Maria Ferreira
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USF Boa Nova maria.s.ferreira90@gmail.com