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nº 15 | mai/07 | R$ 7,90
QUANTO É? Os clubes que vivem para vender jogadores
COPA UNIÃO O ano em que o futebol brasileiro quase mudou
• Entrevista: Riquelme • Caio Júnior • Novo Wembley • Bosman à portuguesa • Atenas editora
P O O L
nº 15 | mai/07 | R$ 7,90
E MAIS...
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Brasileirão: teste de resistência Todos querem levantar a taça, mas não faltam obstáculos no caminho 4/27/07 10:10:19 AM
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índice Entrevista: Riquelme, um dos últimos representantes da camisa 10 no futebol Brasileirão 2007: Seu time está pronto para os obstáculos do campeonato? Grandes que caem: Voltar à Série A é mais difícil do que parece Entrevista: Caio Júnior conta à Trivela como quer mudar o Palmeiras História: Os detalhes de uma quase-revolução da década de 80
Fernando Soutello/Agif Press/Gazeta Press
Balcão FC: Os times sem torcida que exportam craques Curtas Jogo do mês Tática Opinião Peneira Capitais do futebol Embaixadas Cultura Negócios Cadeira cativa E se...
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A Várzea
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editorial Finalmente, futebol Nesta edição de maio, a Trivela dá as boas vindas ao mais importante torneio do futebol brasileiro. Chega de campeonatos nos quais todo mundo pode dizer que é grande. Com os 20 participantes da Série A, jogos difíceis inundam os estádios do país, e todo mundo tem de mostrar que tem garrafa para vender, desde a primeira rodada. E para ir assim até dezembro, haja fôlego. Mais do que ter o melhor time, o Brasileirão exige resistência e inteligência para poder ter gás nos momentos necessários, aumentando o equilíbrio geral. Rumo ao título. Mas o Brasileirão também trará um lado que ninguém pensa agora: o do rebaixamento. Entre os membros da elite brasileira, somente sete nunca passearam pela Série B – e tem time que está doidinho para ver como é. A edição de maio também traz um retrato de como subir de volta à primeira divisão é difícil e que pensar em título logo de cara pode só piorar as coisas. Hoje, todo mundo quer o título, mas, em sete meses, pelo menos quatro torcidas estarão rezando para não cair. Quem será que se safa?
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www.trivela.com Editor executivo Caio Maia Editor Cassiano Ricardo Gobbet Reportagem Carlos Eduardo Freitas Leonardo Bertozzi Ricardo Espina Tomaz Rodrigo Alves Ubiratan Leal Colaboradores Antonio Vicente Serpa João Tiago Picoli Marcio Kohara Mauro Beting Mauro Cezar Pereira Zeca Marques Agradecimentos Rafael Martins Fotomontagem da capa Galismarte Destaque: Acervo Gazeta Press Projeto gráfico e direção de arte Luciano Arnold (looks@uol.com.br) Diagramação e tratamento de imagem s.t.a.r.t. (start.design@gmail.com)
Assinaturas www.trivela.com/revista (11) 3038-1406 trivela@teletarget.com.br Diretor comercial Evandro de Lima evandro@trivela.com (11) 3528-8610 Atendimento ao leitor contato@trivela.com (11) 3528-8612 Atendimento ao jornaleiro e distribuidor Pool Editora pooleditora@lmx.com.br (11) 3865-4949 Circulação LM&X - Alessandra Machado (Lelê) lele@lmx.com.br (11) 3865-4949 é uma publicação mensal da Trivela Comunicações. Todos os artigos assinados são de responsabilidade dos autores, não representando necessariamente a opinião da revista. Todos os direitos reservados. Proibida a cópia ou reprodução (parcial ou integral) das matérias e fotos aqui publicadas Distribuição nacional Fernando Chinaglia Impressão Prol Editora Gráfica Ltda. Tiragem 30.000 exemplares
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PROCESSO Christian Vieri pediu uma indenização de € 21 milhões à Internazionale e à Telecom, empresa de telefonia italiana. A quantia refere-se a um ressarcimento pela espionagem feita pelo clube contra o atacante, na época em que defendia os Nerazzurri. Massimo Moratti, dono da Inter, teria solicitado à Telecom que fizesse um grampo no telefone do atleta. O dirigente estava preocupado com a suposta fama do atacante gostar de freqüentar casas noturnas, o que teria prejudicado seu desempenho em campo. O jogador requereu o pagamento de uma indenização de € 9 milhões por parte do clube e de outros € 12 milhões da empresa telefônica. Vieri defendeu a Internazionale de 1999 a 2005.
Carlo Baroncini/AFP Photo
Curtas SE NÃO TEM OUTRO JEITO... O Graz AK aceitou seu rebaixamento para a segunda divisão austríaca. O clube decidiu retirar sua ação contra a perda de 28 pontos no campeonato nacional, após ter sua falência decretada. O clube vinha ameaçando contestar a pena, aplicada por causa de várias irregularidades financeiras, nos tribunais civis. Como a Fifa poderia punir a federação caso o time entrasse na Justiça comum, houve ameaças de processos por parte da liga, da federação e de diversos outros clubes contra o GAK.
NOVO TORNEIO A Liga Portuguesa estuda a criação de mais uma competição em formato de copa. O torneio, que seria patrocinado pela cervejaria Carlsberg, serviria como teste para novas tecnologias, como o uso de uma bola com microchip para determinar se ela ultrapassou ou não a linha do gol. A “Copa da Liga de Portugal” contaria com 32 equipes, da primeira e da segunda divisões do país.
ASSIM EU VOU EMBORA! Um time na Bósnia levou sua indignação às últimas conseqüências. O Zrinjski, time que luta pelo título do Campeonato Bósnio, simplesmente abandonou o campo durante uma partida contra o Orasje, em abril. O Zrinjski perdia por 3 a 2 quando o árbitro inverteu a marcação de uma falta e favoreceu os adversários. “Estou enojado de tudo e nunca mais volto a este país”, disse Blaz Sliskovic. Ele era o treinador da seleção Bósnia até novembro, quando foi demitido pela má campanha nas eliminatórias para a Euro-2008. O Zrinjski perdeu dois pontos pelo abandono de campo e anunciou que desistiria do campeonato em protesto.
frases “É com muito prazer que apresento mais um técnico aqui: Paulo César Carpegiano” Alberto Dualib, presidente do Corinthians, erra o nome do novo treinador da equipe. Não é a primeira vez que isso acontece: o dirigente também já o chamou de “Carpeliano”.
“O cartão foi por causa da falta. Eu conheço o Cleberson desde o tempo em que ele defendia os juvenis do Botafogo. Sempre foi um rapaz muito educado” O árbitro Ubiraci Damásio, ainda surpreso por ter recebido um beijo do jogador da Cabofriense durante o jogo do Botafogo, conta que o advertiu pela falta cometida antes, e não pelo “gesto de carinho”.
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“Não tem que trazer jogador da Argentina por 23 milhões, ou da Europa. O Bragantino esteve na semifinal do Paulista porque montou um time com jogadores daqui” Alberto Dualib, presidente do Corinthians, explica qual será o modelo no qual o clube se espelhará.
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“O Campeonato Inglês é muito duro. Gosto de fazer passes inteligentes, mas o jogo aqui na Inglaterra é tão rápido que não tenho tempo para pensar” Julio Baptista, meia do Arsenal, tenta encontrar uma desculpa para justificar por que não se adaptou à Inglaterra. No Real Madrid, ele deveria fazer passes espetaculares, então.
Depois do quebra-quebra ocorrido na capital da Itália, na ocasião do encontro entre Manchester United e Roma pela Liga dos Campeões, a associação dos torcedores do clube britânico (Imusa) anunciou que quer um pedido formal de desculpas da polícia romana. Os torcedores alegam que foram agredidos pelos batalhões de choque da polícia sem nenhum motivo e que há provas fotográficas dos supostos excessos. Além do pedido de desculpas, a Imusa também quer que os agredidos recebam uma indenização. Se a polícia italiana se recusar, a questão vai para os tribunais, prometem os torcedores do Manchester.
Daniel Aguilar/Reuters
Yoshikazu Tsuno/AFP
EMPRESÁRIOS NO PODER A Associação de Agentes de Futebol (AFA, sigla em inglês) indicou o ex-secretário geral da Fifa, Michel Zen-Ruffinen (foto), para ser o seu presidente. Zen-Ruffinen ocupou o cargo de número 2 da entidade máxima do futebol mundial entre 1998 e 2002, quando deixou a organização, depois de uma tentativa para tomar o lugar do presidente, Sepp Blatter. Em seu período trabalhando na Fifa, Zen-Ruffinen, curiosamente, foi o responsável pela confecção da legislação que regulamenta o trabalho dos agentes no mundo do futebol. Nos últimos cinco anos, ele estava trabalhando como advogado em causas esportivas. Chris Heaton-Harris, britânico que é membro do Parlamento Europeu, foi eleito vice-presidente.
QUERENDO DESCULPAS
UM DOS ADVERSÁRIOS DO MUNDIAL Para quem está tão confiante na conquista da Libertadores que já pensa no Mundial Interclubes, vale a pena prestar atenção nesta: o Pachuca, do México, é o primeiro time classificado para o torneio da Fifa. A vaga foi alcançada na final da Copa dos Campeões da Concacaf, contra o Chivas, em uma vitória nos pênaltis. O Pachuca já tinha vencido a competição em 2002 e é também o atual campeão da Copa Sul-Americana.
“Sinto-me motivado a continuar. E me sinto tão motivador quanto sempre fui. Meu comando continua intacto” Abel Braga afirma que seguiria no Internacional depois da eliminação do Colorado, atual campeão da Libertadores, ainda na fase de grupos do torneio sul-americano. Horas depois, ele disse adeus ao Beira-Rio.
“Saio de uma turbulência e entro no paraíso” Dagoberto revelou como se sentia ao finalmente assinar contrato com o São Paulo, após uma longa batalha judicial para conseguir a liberação do Atlético-PR. Isso foi antes do vexame tricolor diante do São Caetano.
“Não sou a Mãe Dinah, e a bola entrou. Foi uma fatalidade” Jean, goleiro do Corinthians, tenta explicar o “frango” que tomou no segundo gol do Náutico, no primeiro jogo das oitavas-de-final da Copa do Brasil. A partida terminou com um empate por 2 a 2.
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Divulgação
PROTEJAM OS JUÍZES!, DIZ A FEDERAÇÃO Já se foi o tempo em que os homens de preto só ouviam ofensas às senhoras suas mães. De acordo com a Federação Alemã de Futebol (DFB), os árbitros do país deveriam receber status de funcionários públicos, para ajudar a protegê-los de ataques de torcedores mais violentos. Segundo o presidente da comissão de arbitragem da DFB, Volker Roth, a medida garantiria que agressões aos juízes pudessem ser punidas com penas mais severas, como ocorre na França. A declaração de Roth veio logo depois que o Borussia Dortmund foi multado porque seus torcedores alvejaram o árbitro da partida contra o Energie Cottbus, em março passado.
COM UM PÉ NAS COSTAS Com nada menos que oito rodadas de antecedência, o Valladolid garantiu o acesso à primeira divisão do Campeonato Espanhol. A equipe manteve-se invicta por 28 jogos e acumulou, em 34 rodadas, 77 pontos - está a apenas seis do recorde histórico da Segundona espanhola (estabelecido pelo Alavés, em 2001). Almería e Murcia são os favoritos para ficar com as outras duas vagas na elite.
RONALDO EM SPRINGFIELD Certamente, Ronaldo teve uma de suas missões mais diferentes na carreira: ensinar Lisa Simpson a jogar futebol. O “Fenômeno” fez uma participação especial na série animada “Os Simpsons”. No episódio chamado “Marge Gamer”, o de número 395 da história do desenho, o próprio atacante dublou sua versão animada. O episódio ainda não tem data definida para ser exibido no Brasil.
10 maiores decepções dos estaduais 2007 1
Internacional
A torcida colorada pode argumentar que o time B é que começou o Gaúcho. Mas a equipe titular tropeçou em casa contra Santa Cruz e Ulbra e acabou eliminada em Veranópolis. Para o campeão do mundo, não passar de fase no Gauchão é vexatório, nem que fosse com o time Z.
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América-MG
Não é de hoje que o Coelho anda mal das pernas. Caiu para a Série C do Brasileirão, e teve gente que achou que chegara ao fundo do poço. Ledo engano. O terceiro maior campeão de Minas Gerais conseguiu ser rebaixado no Estadual, com apenas cinco pontos ganhos em 11 jogos.
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Fluminense
A Unimed gastou uma bela grana com craques como Carlos Alberto, Soares, Rafael Moura e Alex Dias. Ok, não são bem craques, mas eles achavam que eram. Assim, cair fora do Estadual do Rio sem ao menos chegar a uma semifinal de turno é difícil de engolir.
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Santa Cruz
Foi sexto colocado no Campeonato Pernambucano, que tinha apenas dez participantes. Isso porque o time vinha de um rebaixamento no Brasileirão e ainda vê os rivais renascerem. Só não fica mais alto no ranking porque, ao menos, não perdeu do Sport.
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Getty Images/AFP
CONVERSA FIADA Um rápido bate-papo entre o árbitro Manuel Mejuto González e Etxeberría, capitão do Athletic de Bilbao, foi o suficiente para causar polêmica. A conversa ocorreu pouco antes da partida entre o time basco e o Valencia, pela 29ª rodada do Campeonato Espanhol. No corredor de acesso ao gramado, o juiz disse ao jogador: “Boa sorte. Tenho certeza de que vocês se salvam”. Tudo foi flagrado por uma câmera do Canal Plus. Quique Sánchez Flores, técnico do Valencia, reclamou da atuação da arbitragem, que ignorou um pênalti a favor dos Ches. O Athletic, que luta para escapar do rebaixamento, venceu por 1 a 0. Para piorar, Ángel María Villar, presidente federação espanhola, havia declarado que não gostaria que o clube basco caísse.
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MEDIDAS ANTIVIOLÊNCIA Após a morte de um torcedor antes de uma partida de vôlei entre Olympiacos e Panathinaikos, que motivou a paralisação de todas as competições esportivas na Grécia por duas semanas, o governo tomou algumas medidas para tentar coibir a violência. A principal delas foi a suspensão das atividades de grupos de torcedores. Antes, os times gregos davam suporte às torcidas, fornecendo-lhes ingressos para partidas, ajuda com viagens e outros tipos de auxílio financeiro. Para a próxima temporada, haverá a venda eletrônica de bilhetes e a instalação de câmeras de segurança nos estádios.
Corinthians
A federação paulista tinha tanta certeza que os pequenos estavam fracos que até criou um torneio de consolação. Pois o Corinthians conseguiu ir tão mal que não só ficou de fora das semifinais, como também não teria vaga no Torneio do Interior se pudesse disputá-lo.
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Figueirense
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Paysandu
Ficar da fora do final do Campeonato Catarinense até dá para entender. Mas terminar o primeiro turno em sétimo, o segundo em quarto e na classificação geral em quinto é abaixo do necessário para um clube da Série A.
Na prática, o Campeonato Paraense tem dois times de verdade e vários outros que tentam aparecer. O que dizer quando um dos clubes “de verdade” não consegue chegar à final?
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Joinville
Outro time que já vinha decadente, mas tentava preservar o status de grande em seu Estado. Agora, vai ficar mais difícil, pois o JEC foi último colocado no Catarinense e vai passar pelo menos um ano na Segundona.
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Santo André
O Santo André é um clube pequeno, e ser rebaixado no Paulistão nem assusta tanto. Mas se você pensar que o time fez apenas 10 pontos em 19 jogos e que, há dois anos, o Ramalhão estava na Libertadores, a campanha assusta.
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Náutico
O fato de ser vice-campeão pernambucano até dá uma sensação boa sobre a campanha. Mas isso foi mais pela falta de concorrência. O Timbu ficou 19 pontos atrás do Sport e ainda perdeu para Ypiranga, Vera Cruz, Porto e Serrano.
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7x1 Getty Images/AFP
Jogo do mês, por Tomaz R. Alves
Show no Teatro dos
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e vez em quando, é possível sintetizar a história de uma temporada inteira em um só jogo. É o que acontece com a vitória por 7 a 1 do Manchester United sobre a Roma, pelas quartas-de-final da Liga dos Campeões. Naturalmente, não dá para dizer que o futebol inglês seja tão superior assim ao italiano. Mas, nesta temporada, a Itália vê um campeonato tecnicamente fraco e sem graça, sofrendo os efeitos do escândalo “Calciocaos”. Enquanto isso, a Inglaterra vive um ano excelente, com uma emoção incomum no torneio doméstico e três representantes nas semifinais da LC. Nesse aspecto, o paralelo com o 7 a 1 acontecido no “Teatro dos Sonhos” (apelido de Old Trafford) é preciso. Na noite de 10 de abril, o time inglês estava em momento inspirado, enquanto, do lado italiano, deu tudo errado – a exemplo do que acontece internamente nos dois campeonatos, hoje. As más notícias para a Roma começaram no aquecimento, quando Taddei se contundiu. A saída do brasileiro claramente afetou os italianos. Do lado inglês, a tática de sufocar o adversário desde o início deu certo e acabou rendendo frutos melhores que os esperados. Com 19 minutos de jogo, o Manchester já havia marcado três gols e decidido a
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Rooney (em pé), Fletcher e Smith celebram gol, no início do massacre
classificação. Como a noite era realmente especial, o time não se acomodou e aproveitou o embalo para construir uma goleada histórica. No entanto, vale lembrar que, antes do jogo, ninguém esperava uma vitória fácil como essa. Na partida de ida, na Itália, os Giallorossi mandaram em campo e desperdiçaram várias chances de conseguir uma vitória mais elástica do que o 2 a 1 final. Os romanistas mostravam-se confiantes e estavam invictos há 10 jogos. Do lado do Manchester, Ferguson não escondia o alívio por ter “achado” um gol em Roma, que mantinha seu time vivo na disputa. Além disso, os Red Devils chegaram à partida depois de perder duas vezes – além da equipe italiana, o Portsmouth derrotou o United. Ao contrário do esperado, a espetacular vitória do Manchester sobre a Roma pareceu não ter um impacto muito grande sobre as duas equipes. Os Red Devils ganharam moral e seguiram em frente em sua busca pela “Tríplice Coroa”, mas só isso. Do lado italiano, a humilhação em Old Trafford colocou a equipe em seu devido lugar no cenário internacional, mas não abateu o time, que seguiu a eliminação com uma goleada de 4 a 0 sobre a Sampdoria e uma belíssima vitória por 3 a 1 sobre a Internazionale, quebrando a invencibilidade dos campeões italianos.
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Goleada do Manchester United sobre a Roma, a maior numa quarta-de-final de Liga dos Campeões desde 1958, simboliza a temporada na Inglaterra e na Itália
MANCHESTER UNITED 7 ROMA 1 Data: 10/abril/2007 Local: Old Trafford (Manchester) Público: 74.476 pagantes Árbitro: Lubos Michel Gols: Carrick (11min, 60min), Smith (17min), Rooney (19min), Cristiano Ronaldo (44min, 49min), De Rossi (69min) e Evra (81min) Cartões amarelos: Smith, Ferdinand (Manchester United), Cassetti e Méxès (Roma) MANCHESTER UNITED Van der Sar; Brown, Ferdinand, Heinze e O’Shea (Evra); Carrick (Richardson), Fletcher, Giggs (Solskjaer), Cristiano Ronaldo e Rooney; Alan Smith. Técnico: Alex Ferguson ROMA Doni; Chivu, Méxès, Panucci e Cassetti; Mancini (Okaka), Pizarro, Wilhelmsson (Rosi), De Rossi (Faty) e Totti; Vucinic. Técnico: Luciano Spaletti
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Tática, por Cassiano Ricardo Gobbet
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Improvisação
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2. Empoli 1x1 Lazio
1. Lazio 0x0 Reggina
Lazio começou a Série A sem dinheiro para novos craques, mas imaginação e versatilidade supriram as lacunas
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Tare
Rocchi
assados os anos de vacas gordas, quando as contratações milionárias podiam suprir qualquer deficiência, a torcida da Lazio preparou-se para uma temporada na corda bamba, na qual os melhores jogadores seriam vendidos e o garimpo de substitutos soava como um risco. Para a sorte da “Curva Nord” do Olímpico (área do estádio romano em que fica a torcida “biancoceleste”), o técnico Delio Rossi não precisava dos cofres do clube para resolver eventuais problemas nem precisou fazer o discurso tático do “vamos que vamos”, recurso de nove em dez treinadores no Brasil. A solução para melhorar o jogo e recuperar-se de perdas de jogadores vendidos estava no próprio elenco. A Lazio começou o ano atuando num 4-4-2 tradicional, com um meio-campo com dois medianos que ajudavam a defesa e dois externos responsáveis por chegar à linha de fundo. O resultado não era ruim, mas deixava a guarda aberta a ataques adversários. Na nona rodada, quando a rival foi a difícil Reggina, Rossi, por problemas de elenco, teve de escalar Mutarelli, volante de ofício, pela ala direita, enquanto Stefano Mauri abria pela esquerda (veja figura 1). O resultado foi um 0 a 0 opaco, mas o treinador começou a vislumbrar um desenho de como era melhor jogar. Na partida seguinte, o esquema passou a usar três volantes e um meia-armador atrás dos atacantes — o jovem Quadri foi o primeiro testado na posição —, e as jogadas de linha de fundo ficariam por conta dos laterais (veja figura 2). No
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Peruzzi
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Patrick Hertzog/AFP Photo
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Cribari
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G Peruzzi
G: goleiro / LE: lateral-esquerdo / LD: lateral-direito / Z: zagueiro / V: volante / ME: meia-esquerdo / MD: meia-direito / M: meia / A: atacante
3. Palermo 0x3 Lazio
Sem torrar os tubos, a Lazio 2007 só não somou mais pontos que a Inter
hostil campo do Empoli, o empate por 1 a 1 não foi um mau resultado, e Rossi concluiu que o 4-3-1-2 era promissor. No 4-3-1-2 ideal (figura 3), graças ao trabalho incansável de três meias que têm o passe muito bom (normalmente Ledesma, Mudingayi e Mutarelli), e com Mauri fazendo a ligação com o ataque, o time deslanchou, preferindo manter menos a posse de bola e apostando nos contra-ataques, ideais para o próprio armador e para os atacantes Rocchi e Pandev. Tudo isso apoiou-se em uma defesa seguríssima, que é comandada pelo veterano goleiro Peruzzi. Nem mesmo perdendo seu capitão, o lateral-direito Massimo Oddo, vendido ao Milan, o clube da capital sentiu o baque. O jovem suíço de origem kosovar Valon Behrami (inicialmente meia) adaptou-se à posição e é até mais cauteloso do que o antecessor campeão mundial. O sucesso do novo sistema não deixa dúvidas. Depois do dérbi contra a Roma (3 a 0, no começo de dezembro), a Lazio jogou 18 vezes e só perdeu para a Inter. Foram 11 vitórias (oito delas seguidas) e seis empates, com 32 gols a favor e só 13 contra. No segundo turno, até a 32ª rodada, o time de Rossi é o que faz melhor campanha, com 31 pontos. Graças a esses números, uma vaga na Liga dos Campeões deixou de ser um sonho de uma noite de verão.
Desempenho com...
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4-4-2 3 vitórias 2 empates 4 derrotas 12 gols pró 9 gols contra
4-3-1-2 14 vitórias 7 empates 2 derrotas 45 gols pró 16 gols contra
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Opinião
Os traparceiros
Mauro Beting
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ENQUANTO ISSO, em lugar incerto e não sabido pela Interpol, KGB, Mossad, Liga da Justiça, Esquadrão Ultra e os Thunderbirds (International Rescue), conversam os megaempresários Nicolau Lalauvich, Boris Beiramarovski, Roman Marcolai e Al Capone IV. Em pauta, a formação de um fundo de investimento para a contratação de jogadores de futebol sul-americanos. Ou, pela idéia de um dos participantes da reunião, que pediu para não ser identificado e entrou encapuzado, vedado, sedado e pendurado de cabeça para baixo: – Que tal fazermos uma parceira com um time da América do Sul? Antes de ser novamente amordaçado e desorientado psicologicamente, o gigainvestidor, com boas relações no crime organizado, no tráfico de drogas, armas, escravos e crianças e também benemérito de uma Escola de Samba, forneceu uma lista de clubes que poderiam fazer parceria com os ultralavadores de din..., ops, com os hipermiliardários europeus. Segue abaixo a transcrição das conversas, com a tecla SAP apertada: – Esse time é uma boa opção de parceria. Já ouvi falar muito bem dele. – Eu não. Mas ouvi falar muito do presidente. Ele administra o clube como se fosse a própria casa. Tanto que tem parente dele em tudo quanto é lugar. – Se for aquele que eu tô pensando, ele já não é mais. – Nããão. É sim. Ele tem 40 parentes trabalhando com ele. – Mas não tem outro? – Outro presidente ou outro clube? Ou outro parente? – Os dois. Ou todos eles. – Tem. Tem muitos. O bom lá na América é que tem de tudo. Só não tem pra todos. Mas é só a gente trazer uns dois
bons jogadores logo de cara, pagando um absurdo acima do mercado, e já ganhamos a torcida, damos uns centavos pro conselho, e a mídia vai adorar. – Se conselho fosse bom, ele era vendido, não dado... – Não é o caso. Esse é ótimo. E muito dado! – Mas vocês acham que eles vão aceitar que a gente entre lá? Eles nem sabem quem somos... – Saber, os caras sabem. Mas eles acreditam em tudo, são gente boa. No clube, é moleza entrar. Ultimamente, entra qualquer um. – Não é isso: quero saber se dá para entrar fácil no país. – A polícia e a Justiça têm sido bem duras. Mas tem uns deputados que dão um jeito. “Um jeitinho”, como eles dizem por lá. Tem muito político que é conselheiro de clube ou ganha os votos das torcidas profissionais. Eles vestem a camisa. Eles estão com as massas e com as bases. – Acho que é roubada... – Claro que não! Tá tudo limpo, tudo lavadinho... – Nããão. Roubada é fazer negócio com esses caras de lá. Sei não... Já ouvi muitas histórias por aí, e por lá, também. – Não esquenta... – Mas é para isso que nós precisamos fazer negócio na América! Precisamos esquentar as notas, carambolav! Precisamos de traparceiros! – Traparceiros pega mal. – Nããão. Traparceiro é um sócio meio atrapalhado. Tem erro, não. Só precisamos de uns bons advogados. E mudar o nome da empresa. Ah! Além de apresentar o negócio como algo de outro mundo. Galáctico! Tipo “a maior parceria desde Adão e Eva”! – Mas os dois fizeram pacto com o diabo! – Não se preocupe. Temos cláusula de sigilo.
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Negando a realidade
Cassiano Ricardo Gobbet
NO MÊS DE ABRIL, a escolha da Itália como sede da Eurocopa de 2012 era dada como certa por dez entre dez jornais do continente. A Gazzetta Dello Sport, o mais importante diário esportivo italiano, trouxe a manchete de capa cravando o país como sendo o escolhido nos três dias anteriores à decisão do comitê executivo da Uefa, a entidade maxima do futebol europeu. Só que alguma coisa deu errado, e a Euro será dividida entre Polônia e Ucrânia. “Um tapa na cara da Itália”, estampou a mesma Gazzetta, cujo humor foi similar ao resto da mídia italiana, que, atônita, se esforçava para explicar a surpresa. “Tínhamos todos os requisitos para organizar a Euro, mas o comitê escolheu uma política que privilegia o Leste Europeu” desculpou-se Giancarlo Abete, presidente da Federcalcio, a CBF italiana. O discurso defensivo de Abete é significativo da negação psicológica que se apossou da Itália depois da vitória na Copa do Mundo. Ainda que com um futebol devastado por uma corrupção endêmica, violência descontrolada nas torcidas e falta de confiança nas instituições, os italianos fingem que não é com eles e que o terremoto que atingiu o “calcio” há menos de um ano foi completamente superado. Não foi. Mas nem de longe. Esta edição do Campeonato Italiano foi, sem dúvida, a de pior nível técnico em décadas. Os maiores times do país – Internazionale à parte – perderam jogadores para o exterior, por uma diminuição dos cofres das agremiações. O desempenho italiano nas competições européias resumiu-se a um Milan que abriu mão do campeonato
no meio da temporada para seguir vivo na Europa, e por conta disso os grandes craques que ficaram na Itália perderam terreno na luta pelo prêmio de melhor jogador do continente. A consequência direta foi óbvia, com uma queda de público perto dos 20%, diminuição dos índices de audiência das transmissões do campeonato (em alguns países, como a Inglaterra, os contratos de exibição da Série A nem foram renovados) e uma série de espetáculos dantescos de violência, culminando na vergonha de Catania, onde um policial foi morto. É diante desse retrato que as autoridades – esportivas e não – da Itália esfregavam as mãos, comemorando antecipadamente o “prêmio” da Uefa. Contudo, mesmo entidades políticas distantes da realidade do jogo têm, às vezes, de se dobrar aos limites da decência. A realização de uma competição do peso de uma Eurocopa é um prêmio a ser dado ao organizador. Tal recompensa tem de ser concedida como reconhecimento de mérito pelo desenvolvimento de seu futebol doméstico e do sucesso dos clubes nacionais – além de um possível olhar para as vitórias da seleção nacional. Exceção feita à brilhante conquista da Itália na Copa de 2006, todos os outros quesitos são vergonhosamente deficitários no “calcio” de hoje, historicamente glorioso, mas recentemente infectado por escândalos. A surpresa sincera da Itália com a escolha da Polônia e da Ucrânia deixa clara a maior nódoa deixada pelo sucesso “azzurro” na Copa: uma disposição de todos de buscar um grande “perdão geral” pelo escândalo do “Calciocaos”, no qual, além de brandas punições esportivas, ninguém foi preso, ao contrário do que se esperava no caso de uma fraude tão extensa, sistemática e duradoura. Como maus perdedores, os italianos preferiram atribuir a derrota a uma espécie de preconceito do resto do continente, que preteriu as suas virtudes em favor de países que vêm de um nível econômico inferior. Esqueça-se a corrupção, a bagunça, a violência, a impunidade, o descaso com o interesse público e com o espírito do esporte. Tudo já está “equacionado” para a Itália. A escolha da sede de uma competição importante, como já se disse, deve premiar a competência administrativa, especialmente porque a quantia de dinheiro movimentada por uma copa atrai a atenção de tubarões da pior espécie. Muito mais do que uma competição legal, um torneio desses é uma chance de impulsionar a economia da sede escolhida. Com bandalheira, isso acaba nas mãos de meia dúzia de espertos. Talvez fosse a hora de a Itália – e não só ela – separar o joio do trigo e colocar os espertos no lugar em que eles merecem estar. Pelo bem do futebol. Maio de 2007
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“Romário para santo, já”
hat trick
Mauro Cezar Pereira
ROMÁRIO FICOU POR AÍ, na história dos mil gols. Foram semanas sendo festejado por todos, com reverências que se devem não só a sua capacidade como jogador, mas também à dose de gratidão coletiva pelo título mundial de 1994, quando foi protagonista. Mas as coisas ultrapassaram o limite do razoável. Só faltou pedirem a beatificação do Baixinho, tamanha a veneração pelo atacante. Aproveitando a passagem do papa por aqui, alguém poderia lançar a campanha: “Romário para santo, já”. Ele já fez bobagens, e não foram poucas. Estão em seu currículo gestos obscenos para torcedores adversários ao comemorar gols e bate-bocas com colegas de time, como o recente com Renato e Leandro Amaral, pouco se importando com os efeitos colaterais de suas atitudes. Jogou sua ira em direção à comissão técnica da Seleção pelo corte na Copa de 1998, quando, comprovadamente, não tinha condições físicas para atuar – a competição acabou em 12 de julho, ele atuou uma semana antes em um amistoso Internacional x Flamengo, em Porto Alegre, mas só foi capaz de engatar uma série de atuações a partir de 1º de agosto. Romário já subiu as arquibancadas das Laranjeiras para, escoltado por seguranças, espancar um torcedor do Fluminense. Destilou arrogância e ironia barata contra Pelé, Zagallo, Zico e até na direção do então candidato a técnico Alexandre Gama, do Fluminense. Fez campanha contra treinadores, como Levir Culpi, quando este tinha chances de chegar à Seleção. Romário sempre gostou de privilégios,
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O Internacional superestimou seu elenco após a conquista do mundial. Os jogadores de Abel Braga superaram-se, mas, ao contrário do que acreditou boa parte da torcida colorada, Ceará não é superior a Zambrotta, tampouco Wellington Monteiro, Edinho e Alex são melhores do que Deco, Xavi e Iniesta. Mas ainda há tempo para salvar a temporada.
até encontrar um certo Felipão... Em 1995, depois de um Flamengo x Botafogo, se auto-intitulou “Deus”, após vencer um duelo com Túlio. E ele parece crer nisso. O que Romário faz em campo confunde-se com aquilo que ocorre fora dele. Se o Baixinho ofendeu alguém em tom debochado há décadas, tal fato é lembrado como algo divertido, um exemplo do espírito brincalhão do craque. Que engraçado, não? Se, um certo dia, ele “rebocou” uma desejada mulher, isso se deve ao fato de Romário ser “o cara”, como se o talento para jogar bola fosse algo conectado a uma capacidade incomum para atrair o sexo oposto. Em programas especiais, Romário foi aplaudido como se tivesse acabado de cantar impecavelmente uma ópera, deu conselhos sobre como educar filhos e, sem a menor cerimônia, deixou claro que sempre se preocupou mais com ele mesmo. Não por acaso, jogou em Vasco, Flamengo, Fluminense e, de novo, Vasco com naturalidade incomum para quem se reveza entre históricos rivais. Há quem force a barra para fazer do camisa 11 um ídolo como nenhum outro, mas ele não tem vínculo com camisa alguma. Romário se ama, joga para ele, desejou os mil gols para si. Tanto que encontrou no Vasco o espaço para perseguir sua meta, mas, após fracassar no Estadual e na Copa do Brasil, admitiu negociar com equipes estrangeiras que estariam dispostas a tê-lo no jogo do milésimo tento – isso depois de os vascaínos colocarem seus próprios objetivos em segundo plano. Ele é Romário Futebol Clube, amigo.
O Palmeiras cometeu um erro estratégico. O bem intencionado trabalho iniciado em 2007 foi comprometido pela prioridade dada ao Campeonato Paulista, numa semana em que a equipe jogaria em Ipatinga. Edmundo e Valdívia ficam fora, o time perdeu poder de fogo, não fez nenhum gol na casa do adversário e acabou eliminado nos pênaltis.
Todo ano, o Cruzeiro aparece como candidato ao Campeonato Brasileiro para parte numerosa da mídia – talvez pela estrutura da Toca da Raposa, pelos cofres sempre bem abastecidos do clube celeste ou alguma outra razão. Fato é que o time de 2007 é jovem e ainda está muito distante do que se espera de um eventual favorito ao título nacional.
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Peneira
Afellay:
opção pela Oranje
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brahim Afellay, meia do PSV, acabou com as dúvidas sobre que nação representaria, ao ser escalado como titular da seleção holandesa na vitória por 1 a 0 sobre a Eslovênia, em março. O jogador de 21 anos, nascido em Utrecht, tinha a possibilidade de defender Marrocos, por sua ascendência, mas preferiu servir à Oranje do que atender à chamada do país do norte da África. Armador de grande habilidade, Afellay estreou entre os profissionais do PSV em fevereiro de 2004, aos 17 anos, mas apenas na reta final da temporada 2004/5 mostrou ser um jogador em quem o clube podia apostar sem medo. Na penúltima rodada da Eredivisie daquela temporada, ele marcou dois gols e deu o passe para outro, em uma vitória por 4 a 2 sobre o rival Feyenoord. Em 2005/6, o meia passou a ser utilizado com freqüência pelo técnico Guus Hiddink e, na atual campanha, manteve o prestígio com o sucessor de
Hiddink, Ronald Koeman. Tal regularidade deu-lhe a exposição necessária para chegar à seleção holandesa. Muito hábil, o meia do PSV tem um porte físico franzino: com 1,81m de altura e peso de 68 kg, ainda se lesiona com relativa facilidade. Por causa de um problema físico, Afellay não participou da conquista do Europeu sub-21 no ano passado, mas deve ser nome certo na defesa do título em junho, quando a “Jong Oranje” jogará o torneio em casa, disputando vaga na Olimpíada de Pequim. [LB]
Nome: Ibrahim Afellay Nascimento: 2/abril/1986, em Utrecht (Holanda) Altura: 1,81m Peso: 68kg Carreira: PSV (desde 2004)
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Bale:
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(desde 2005)
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as comparações com Ryan Giggs – embora Bale atue mais recuado. Nesta temporada, o lateral galês é titular absoluto no time do Southampton e está entre os melhores jogadores da segunda divisão – tudo isso com apenas 17 anos. Além do controle de bola, impressiona pelos chutes precisos, principalmente nas cobranças de falta. O contrato de Bale com os Saints vai só até julho de 2008. Por isso, sua venda neste verão europeu parece inevitável – aliás, foi surpresa ele não ter saído já em janeiro, quando o Tottenham teria oferecido € 15 milhões. Além dos Spurs, Manchester United, Newcastle, Liverpool e Arsenal estariam de olho no jogador. [TRA]
Phil Nob
A
cada ano, uma jovem promessa protagoniza uma transferência milionária na Inglaterra. Em 2004, Wayne Rooney trocou o Everton pelo Manchester United. No ano seguinte, foi a vez de Shaun Wright-Phillips ir para o Chelsea. Ano passado, todos se surpreenderam quando Arsène Wenger pagou milhões para contratar Theo Walcott. Em 2007, o nome da vez é Gareth Bale. Assim como Walcott, Bale é bem jovem (17 anos), extremamente habilidoso e revelado pelo Southampton, da segunda divisão. A diferença é que Bale é lateral-esquerdo, não atacante – o que torna ainda mais impressionantes os valores que alguns grandes clubes estariam dispostos a pagar por ele. O jogador vem quebrando recordes por sua precocidade. É o mais jovem a ter defendido a seleção do País de Gales (16 anos e 315 dias) e também o mais novo a fazer gol pelo país. Pela nacionalidade, habilidade e por jogar pelo lado esquerdo, são freqüentes
Nome: Gareth Frank Bale Nascimento: 16/julho/1989, em Cardiff (País de Gales) Altura: 1,83m Peso: 74kg Carreira: Southampton
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O Último
Entrevista, por Antonio Vicente Serpa
dos Moicanos
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uan Román Riquelme não é o mesmo que deixou o Boca há cinco anos. Continua sendo amigo dos mesmos amigos, mantém os valores da infância, gosta de um bom churrasco e do futebol na várzea. É tão apegado à família quanto era antes, a ponto de colocar sua mãe acima de sua carreira (“Só um louco não faria isso”, opina) e age como um pai com seus companheiros mais jovens. Aos 28 anos (faz aniversário em 29 de junho), alcançou a maturidade daqueles que já passaram por tudo, ou quase, e não quer dívidas. Por isso, entregase de maneira mansa a uma conversa de horas, algo impensável no intratável Riquelme que foi para o Barcelona, em 2002. Por isso, também, não reconhece inimigos – ou prefere ignorar os questionamentos que o levaram em determinado momento a renunciar à seleção para que sua mãe não sofresse com aquelas críticas. Riquelme é um ídolo que os argentinos parecem tentar derrubar. Durante o Mundial da Alemanha, o primeiro de uma carreira brilhante que inclui títulos de todos os tipos (duas Libertadores e uma Intercontinental com o Boca, três títulos argentinos, um Mundial e um SulAmericano sub-20), a tribo de jornalistas argentinos minimizava suas capacidades e exigia mais dele, sempre mais. Não bastou que alguns meses antes tivesse conduzido a equipe a um de seus mais destacados sucessos frente à Seleção Brasileira (3 a 1 em Buenos Aires, com um golaço seu). Nem que imitasse a epopéia de Maradona no Napoli, levando até as semifinais da Liga dos Campeões o pequeno Villarreal espanhol. Uma boa parte da imprensa argentina destacava o pênalti perdido por Román frente a Lehmann (Arsenal) naquela circunstância, em vez de assinalar que só foi possível chegar tão longe graças a ele. E, paradoxalmente, na concentração brasileira ele era admirado a ponto de garantir que era talvez o único argentino (ou um dos poucos) que poderia ter um lugar na Seleção.
Ídolo do Boca Juniors, Juan Román Riquelme é espécime de uma raça em extinção – o camisa 10
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Você sabia dessa admiração dos brasileiros? Não sente que é mais reconhecido no exterior do que em seu país? Sempre digo que fui um afortunado no futebol. Não precisei mudar minha forma de jogar nunca. Sempre joguei da mesma maneira e sou feliz assim. Tive a sorte de ter aproveitado ao máximo os anos que estive no Boca, onde as coisas foram muito boas para mim. Na Espanha, fiquei um ano no Barcelona, três anos e meio no Villarreal, e posso dizer que fui tão feliz quanto em Buenos Aires. Eles gostam muito de como eu jogo futebol, me deram muito reconhecimento, e isso é importante para mim. No dia em que enfrentei o Zidane, no campo do Real Madrid, em seu último jogo, tive a sorte que me pedisse para trocar a camisa. Se isso não é um reconhecimento... Essas coisas valem muito. Bom, claro, mas veja que você está mencionando como exemplo alguém que não é argentino. Eu estou satisfeito com o que fiz até agora na minha carreira e com o reconhecimento que tenho. Depois, tenho claro que unanimidade não existe. A do Zidane é a camisa que você guarda com mais carinho? Ele me surpreendeu muitíssimo. Como era seu último jogo no campo do Real, pensei que ia guardar a camisa, era o lógico. Lembro que tiraram ele faltando três ou quatro minutos, e quando terminou o jogo estava me esperando no túnel, para trocar a camisa comigo. Esse gesto foi bonito. Ter na minha casa a última camisa que usou no Madrid é uma lembrança muito bela. Que outros jogadores que você admira foram seus rivais na Europa? Tive a sorte de ter enfrentado todos na Liga dos Campeões. Nesse torneio, você joga contra os melhores. E eu aproveitei muito. Sou agradecido ao futebol porque tive a sorte de haver jogado ao lado do Maradona e também pude ver de perto o Zidane, quem, para mim, foi o maior dos últimos dez anos. Você conversa com algum deles?
Felizmente, por causa da Adidas [Riquelme é um de seus modelos exclusivos], sempre nos encontrávamos. Me aconteceu com Beckham, Ballack e mesmo com Kaká. Você costuma assistir a futebol pela televisão? Muito. Você assistiu ao Brasil ultimamente? Eu assisto ao Brasil toda vez que joga. Eu gosto de futebol e por isso sinto a obrigação de ver o Brasil em todos os jogos, tem sempre alguma coisa boa. Além disso, é nosso rival, não? É preciso conhecê-lo. De que time você gosta? Entre as seleções, o Brasil. Na verda-
de, não é que eu goste do Brasil porque desenvolva um jogo em particular ou tenha em conjunto algo especial. O que acontece é que estou convencido de que o Brasil tem jogadores que poucas equipes possuem. Gosto muito de ver o Kaká jogar futebol. Tenho uma relação muito boa com ele. Cada vez que ele joga no Brasil ou no Milan, paro para ver. E entre os clubes? Mesmo que não esteja em um nível tão alto como no ano passado, gosto do Barcelona. É o que mais tenta jogar. Entra sempre disposto a mostrar um futebol bonito, a arriscar. Isso é muito difícil de ver no futebol atual.
Paro para ver o Kaká jogar
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Você antes dizia que seu jogo não mudou, mas o futebol em geral mudou. No meio-campo, há mais marcação, e há exemplos de sujeitos como o Van Gaal, que diz que o Barcelona, com Riquelme, jogava com um a menos quando não tinha a bola. Cada um pode ver o futebol a sua maneira. Uns parecem que defendem mais, outros menos. Mas eu acho que os times grandes, de uma forma ou de outra, tentam ganhar as partidas — com a forma de jogar, com a tática, com o que o técnico pede aos jogadores, mas buscando os três pontos. Eu acho que se o time tiver dois ou três jogadores capazes de controlar bem a bola, que possam fazer a diferença, não importa a tática. É questão de confiar nos jogadores e saber que a qualquer momento vão fazer algo de bom. Há diferença em jogar com um camisa 10 ou com dois volantes no meio, com um deles adiantados, como o Ballack? Eu não gosto de ficar falando de um “camisa 10”. Ultimamente, também se diz que se joga com quatro atrás, dois meias defensivos, três mais adiantados e um centroavante. Não sei como
o chamam, mas é mentira, porque no fim das contas são quatro defensores, cinco meias e um só atacante. Depois, cada um diz “eu joguei de tal maneira”. O técnico pode jogar da maneira que quiser, porque o importante é que o time jogue bem. Eu penso de uma maneira: tanto o técnico como os jogadores têm que se adaptar ao elenco. Por mais que alguém tenha uma idéia determinada, se não tiver os nomes adequados, não pode implementá-la. O técnico sempre depende dos jogadores, mas nós temos a sorte de dependermos de nós mesmos. Como você vê a situação do meia de ligação, do 10? Muitos dizem que não existem mais, outros dizem que você é o último. Isso não me incomoda. Eu tento aproveitar o futebol ao máximo, tento ser o mais feliz possível e tento ajudar meu time fazendo o que me cabe no campo. Na Argentina, vamos dormir e acordamos falando de futebol. Em outros países, isso não acontece. Nós achamos que todos somos técnicos, todos temos que opinar. Mas no futebol tudo já foi inventado. No campo,
Se o time tem bons jogadores, não importa a tática
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Qual jogador dos que você vê agora na Argentina pode se encaixar naquele futebol? O bom jogador pode atuar em qualquer lugar. A Argentina tem a sorte de vender muito e depois de três meses voltar a ter jogadores bons. O Boca acabou de vender o Gago, e o Ever Banega parece jogar na primeira divisão há anos. (Pablo) Ledesma é outro que se sai muito bem. E isso também acontece nas outras equipes. Se o (Daniel) Montenegro joga bem no Independiente, fará o mesmo na Europa. Verón mostrou o mesmo. O futebol é igual em todos os lugares, e o bom jogador pode se destacar aqui ou na Europa tranqüilamente. Se você gosta do futebol dos brasileiros, gostaria de jogar no Brasil? Não me imagino no Brasil, nem sequer fora da Espanha ou da Argentina. Sei que em junho tenho que voltar ao Villarreal. Nos últimos meses, a relação lá não era boa com o treinador (Pellegrini), e eu não podia imaginar uma opção melhor que o Boca para voltar durante estes meses. O Boca é a minha casa, onde estou feliz.
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A Europa não tem nada a ver conosco
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somos 11 contra 11, e sempre tem mais chances de vencer o que joga melhor. No Boca que ganhou a Libertadores do Palmeiras e a Intercontinental do Real Madrid, em 2000, uma formação habitual tinha Cagna ou Battaglia, Serna, Basualdo, você, Schelotto ou Delgado e Palermo. Taticamente, era parecido com o Boca atual. Claro. Nesse time, eu jogava com vantagem. Tinha o Serna, que toda sua vida jogou como 10 na Colômbia, e o Bianchi o colocou como camisa 5, e que nunca errava um passe. E tinha o Basualdo, para mim o último camisa 8 do futebol argentino, porque em 20 anos não apareceu ninguém igual a ele. E às vezes eu o xingava! Então, no campo, me parecia muito fácil. Esse time é um bom exemplo do que eu digo: todos sabiam como jogava, quem tinham que marcar, quem defendia, quem fazia os gols, e mesmo assim sempre ganhava. O time ficou 40 jogos seguidos sem perder! Então, se os jogadores estão bem, não há tática que valha. Se o time joga bem, o adversário pode fazer o que quiser, que com certeza vai perder. Então por que se dá tanta importância ao técnico, no mundo inteiro? A Europa não tem nada a ver conosco. As pessoas assistem ao jogo de domingo pela televisão e mais nada. Na Argentina, um jogador da sexta divisão, qualquer garoto de 14 anos, quer jogar de qualquer jeito na primeira divisão, quer tirar o lugar do que está na frente, para levar dinheiro para sua família. Na Europa, isso não acontece. Um moleque de 15 ou 16 anos vive bem, sem a fome que tem o jogador argentino ou sul-americano. Acho que isso não ajudou o Bianchi. Ele gosta de trabalhar muito, e sabemos que o (Julio) Santella é um preparador físico muito bom e te exige ao máximo. Lá, não estão acostumados a trabalhar da mesma forma. São coisas que vão se acumulando e não o ajudaram muito. Qual foi o melhor conselho que o Bianchi te deu?
Eu tive com o Bianchi uma relação especial e vou ser grato a ele por toda minha vida. Ele me tratou muito bem, agüentou um montão de coisas e me exigiu ao máximo também. Mantenho com ele uma relação fora do campo, algo que não me aconteceu com nenhum outro técnico. É mais um amigo que um técnico. Com ele, posso falar da vida, ele me dá conselhos, pergunto qualquer coisa, como se fosse mais um da minha família. Chegou um ponto em que a relação tornou-se tão forte que, só de me olhar, eu já sabia o que queria de mim. Agora, com a experiência, é você que tem a possibilidade de dar conselhos? Sim. Na verdade, fora do campo, não falo muito, mas dentro... Tive a sorte de que meus companheiros sempre me deixaram falar muito. Às vezes, passei dos limites ao dizer algumas coisas, e depois termina o jogo e tenho que pedir desculpas para alguém. Mas eles entendem, porque sabem que faço isso porque sinto o futebol assim. Eu não quero perder de jeito nenhum, e eles me perdoam. Quando você diz que não quer perder de jeito nenhum, o que você não quer perder, fundamentalmente, é a bola. Você prefere dar um passe para trás do que passar a bola para a frente, para um companheiro marcado? Eu tenho um pensamento sobre o futebol: quando meu time tem a bola, o adversário não pode me atacar. Com a bola, posso descansar muito mais, se eu ou meu time estiver cansado. O futebol se joga com uma bola, e, se a tivermos o tempo todo conosco, é difícil que o outro faça um gol em nós. Então, na Copa, quando você saiu contra a Alemanha, a Argentina perdeu a chance de manter a posse de bola. Hoje, todos nos lembramos disso, porque tivemos o azar de que eles empataram faltando sete minutos. Se a Argentina tivesse se classificado, teriam dito que o técnico fez uma boa substituição. No futebol, mandam os resultados, goste ou não. Eu vim mui-
to tranqüilo, nesse sentido. Estivemos a minutos de uma semifinal e voltamos sem perder um jogo: fomos eliminados nos pênaltis. Você sente que se o time perde a culpa é sua? Cada um tem seu trabalho. O meu é controlar a bola, atacar todo o tempo que puder e criar perigo para o rival. Quando a equipe não consegue isso, sinto que é culpa minha, porque é minha obrigação encontrar os defeitos dos adversários. Assim, a resposta é sim, continuo sentindo isso. E tomara que continue sentindo isso até o dia em que parar de jogar. Quais foram seus três melhores jogos pelo Boca? Contra o Palmeiras, na semifinal da Libertadores de 2001, contra o Real Madrid, no Japão, e uma partida local em 2001, 3 a 1 contra o Vélez. Se você pudesse montar um time com todos os jogadores do Boca com os quais jogou, como o armaria? Não posso, muitos ficariam de fora. Comecei com Navarro Montoya e terminei com Oscar Córdoba, o melhor goleiro que vi na minha vida. Não posso ficar escolhendo... Sempre gostei de jogar com Maradona, com Caniggia, com Basualdo, Serna, Traverso, Delgado, Palermo, Guillermo, o Samuel foi um dos maiores defensores que vi... De que coisas da sua infância você sente saudades? Sinto saudades... não só de pequeno. Na minha primeira passagem pelo Boca, quando jogávamos às quartasfeiras na Libertadores, o Bianchi não nos fazia jogar no campeonato local nos domingos, para pouparnos. A maioria dos outros jogadores ia para o estádio do mesmo jeito, para ver a equipe, e eu não. Então, eu jogava no meu bairro com meus amigos. E dizia para ele: “Veja, Carlos, eu não posso ir para o estádio nos domingos, tenho que ficar com meus amigos porque nos domingos jogo com eles”. E me aconteceu duas ou três vezes que, como jogava sem bandagens, nem
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caneleiras, nem nada, e os campos têm buracos, eu dobrava o tornozelo e sofria uma entorse. Ele dizia: “Na quarta-feira, você tem que jogar do mesmo jeito, doa ou não doa”. Você aceitava isso, e ele também. Sim. Eu, às vezes, aparecia para treinar na segunda-feira com o tornozelo ruim, e ele me dizia: “Eu nem olho para você. Na quarta-feira, você tem que jogar do mesmo jeito”. E na quarta eu jogava, doesse ou não. Tinha que jogar porque, se não, meus companheiros podiam me bater – e tinham todo o direito do mundo de fazer isso. E hoje? Hoje, continuo jogando, porque tenho a sorte de manter meus amigos da vida toda. Agora, jogamos entre nós para nos divertirmos. Antes, naquela época, quando não ia para o Boca nos domingos, era por dinheiro. Mais duro... Você era um reforço de luxo. Jogava como atacante, mas tomavam cuidado comigo. Tanto eles como as pessoas do meu bairro cuidavam de mim. Havia 10 ou 12 times. E você era só mais um? Eu era o Román para todos. Não reparavam em quem era. Era legal porque, sem perceber, você estava jogando aí e ficava por dentro de todas as partidas. Porque alguém atrás do gol gritava um gol do San Lorenzo, outro do Independiente, outro do River... Um lado tirava sarro do outro. Na verdade, é do que mais sinto falta – disso e dos churrascos com eles. Como a torcida do Boca te trata neste retorno? A torcida do Boca é especial, diferente de todas. O que se vive no campo do Boca não se vive em lugar nenhum. Às vezes, é difícil de explicar. Você está no campo, começam a cantar, e o estádio treme. E não é mentira! Lá, na Europa, ir ver um jogo é como ir para o teatro. As pessoas se sentam, olham, se levantam e vão embora. Aqui, você joga e não quer ir embora nunca mais. Quer que dure dez horas. Começam a cantar, e são momentos incríveis. Maio de 2007
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Brasileirão 2007, por Carlos Eduardo Freitas, Leonardo Bertozzi e Ubiratan Leal
Corrida de
Para uma boa campanha no Brasileirão, uma equipe precisa estar preparada não apenas para jogar bem, mas também para superar uma série de desafios durante os sete meses da competição. Será que seu time está pronto para isso?
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parentemente, o clube faz tudo direitinho. Contrata um bom técnico e monta um time com bons jogadores. A torcida gosta, e todo mundo entra no Campeonato Brasileiro achando que dá para conquistar o título. Daí, o time não agüenta o ritmo de disputar duas competições e tropeça mais do que o esperado. Com isso, entra em crise e troca de técnico. No meio do torneio, o mercado internacional se abre, e a base montada no início do ano vai parar em Itália, Espanha, Ucrânia e Japão. No final do ano, restam apenas retalhos do time que se considerava favorito, e a diretoria fala em “fatalidade” e “azar”. Já viu a cena em algum lugar? Pois é. Ela se repete todo ano. Mas será que dá para alguém culpar o “azar” e acreditar nisso, depois de cinco anos de torneio de pontos corridos? Não. Neste ano, ainda menos, pois o torneio é ainda mais igual do que os outros, já que a fórmula de competição e o número de participantes não mudaram – fato que ocorre pela primeira vez. Ninguém mais pode alegar que foi pego de surpresa. Os torcedores dos 20 participantes do Brasileiro gostariam de soltar o grito de “campeão” já no primeiro fim de semana. Entre aqueles que estiverem em primeiro depois de uma rodada, não faltarão os que acreditarão nisso cegamente. A história recente, porém, deixa claro que as 38 rodadas do Brasileiro, distribuídas em sete meses, são uma prova de resistência, na qual é preciso muito mais do que somente uma camisa tradicional. Os cinco campeões brasileiros rebaixados nos primeiros quatro anos de torneio por pontos corridos – Grêmio, Atlético-MG, Bahia, Coritiba e Guarani – são uma boa prova disso.
Só um levantará o troféu Por mais que todos queiram ser campeões, não é segredo para ninguém que boa parte dos competidores não tem condição de chegar ao título. A Trivela entrou em contato com dirigentes de todos os participantes do Brasileirão. Apenas dois disseram que o objetivo é fugir do rebaixamento. Enquanto isso, o discurso “nosso time sempre entra em uma competição para ser campeão” foi freqüente. Considerando que há um campeão e quatro
Campeões dos pontos corridos Ricardo Saibun/Gazeta Press
Técnicos
Pontos
Jogos Aproveitamento
Muricy Ramalho
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Emerson Leão
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Vanderlei Luxemburgo
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De olho no calendário O segundo passo para uma equipe planejar-se bem para disputar o Brasileirão está na análise do calendário durante a disputa da competição. Mais importante do que saber quando será disputada cada uma das 38 rodadas é estar de olho no que acontece em paralelo a cada uma delas, em que momentos é possível acumular pontos e como se preparar com antecedência para as desvantagens. Quando for disputada a primeira rodada, uma parte significativa dos participantes estará com suas atenções divididas entre o Brasileiro e outra competição. Alguns, a Libertadores;
outros, a Copa do Brasil – torneios que estarão em suas fases decisivas. Essa é a hora das equipes sem outros compromissos além da Série A ganharem o maior número de pontos possível. É nesse momento – e não em dezembro – que clubes mais modestos garantirão que escaparão do rebaixamento. Para alguns times, até a mudança de clima entra no planejamento. O Juventude, por exemplo, costuma tirar proveito do frio do inverno da Serra Gaúcha para conquistar pontos importantes em agosto. “Em junho e julho, o frio é ruim para a gente, porque os nossos jogadores que vêm de fora também estranham a mudança na temperatura. Mas, lá para agosto, a gente leva vantagem, especialmente contra adversários do Norte e Nordeste”, comenta Carlos Maitelli, vice-presidente de futebol do time gaúcho. Lógica inversa vale para os clubes mais ao norte, que podem aproveitar o forte calor de outubro e novembro. A análise do calendário também deve levar em conta as datas de amistosos e competições da Seleção A principal delas neste ano, a Copa América, deverá desfalcar diversos clubes entre junho e julho. “Esse é o nosso caso”, lamenta Muricy Ramalho, antevendo as convocações dos são-paulinos Reasco, Josué e Ilsinho. “Infelizmente, esse é o preço que se paga por contar com um atleta de alto nível”, diz Caio Júnior, que já trabalha sabendo que perderá o chileno Valdívia, um de seus principais jogadores, na Copa América. O problema também se repete durante a realização dos Mundiais sub-20 (no Canadá, entre 1° e 22 de julho) e sub-17 (na Coréia do Sul, entre 18 de agosto e 9 de setembro). O verdadeiro “jardim da infância” que acontece em alguns elencos, que têm muitos atletas abaixo dos 20 anos, faz com que as convocações das seleções menores deixem vários treinadores apreensivos. Mas nem tudo é tristeza. “Quando há jogo da Seleção nas eliminatórias, o Brasileirão pára. Nós já pensamos em aproveitar as quase duas semanas de folga desses momentos para fazer intertemporadas, períodos de recuperação física para a reta final”, comenta Marcos Moura Teixeira, diretor esportivo do Atlético-PR.
Mauricio Val/Vipcomm
rebaixados, percebe-se que há uma distorção. Se todos os clubes percebessem desde cedo quais seus objetivos realistas, diretoria e comissão técnica teriam menos chances de se frustrar em dezembro. Um exemplo recente disso foi o do Paraná, em 2006. Quando começou o Brasileirão, o time era considerado um “cavalo paraguaio”, como havia acontecido com outras equipes nos anos anteriores, que chegaram às primeiras posições no primeiro turno e depois despencaram na tabela. Comandado por Caio Júnior, o Tricolor curitibano surpreendeu ao se manter nas primeiras posições na maior parte da temporada e, no final das contas, abocanhar uma vaga na principal competição sul-americana. “Chegar à Libertadores era o objetivo que eu e minha comissão técnica havíamos traçado internamente, no começo do ano”, revela o treinador, considerado a grande revelação do último Brasileiro e que agora está no comando do Palmeiras. É na hora de traçar esses objetivos, por exemplo, que levam vantagem os clubes mais organizados, capazes de avaliar que uma seqüência de maus resultados não significa que todo um trabalho foi por água abaixo. Isso resulta em menos técnicos demitidos, o que ficou claro no campeonato de 2006, em que os seis melhores colocados foram justamente os clubes que não haviam trocado de treinador ao longo da temporada: São Paulo, Internacional, Grêmio, Santos, Paraná e Vasco.
Sem Renato Gaúcho, Vasco precisa provar que tem um bom grupo
as barreiras do Brasileirão Disputa de duas competições
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Fechamento do mercado europeu
Início da Copa Sul-Americana Início do Mundial sub-17
Final do Mundial sub-20
agosto
Final da Copa América
julho
Final da Copa Libertadores Início da Copa América Abertura oficial do mercado europeu Início do Mundial sub-20
Final da Copa do Brasil
junho
Início do Campeonato Brasileiro
maio
Êxodo de jogadores
Maio de 2007
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Mundial de Clubes
novembro
Fim do Brasileiro
outubro
Final da Sul-Americana
setembro
Eliminat贸rias da Copa do Mundo
Final do Mundial sub-17 Eliminat贸rias da Copa do Mundo
mercado europeu
Desfalques por causa da Sele莽茫o Arrancada final
dezembro
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Seu time está mesmo preparado para fazer um bom Brasileiro? Destaques
Elenco/ Solidez
Ambiente Interno
Dinheiro
ContinuiJogos Expectativa da diretoria dade (min-máx)
Rogério Ceni, Josué, Ilsinho
69-85
“Chegar ao bicampeonato”, Carlos Augusto Barros e Silva, vice-presidente de futebol
Fernandão, Alexandre Pato, Iarley
62-62
“Entramos para ganhar, até porque poderemos nos dedicar 100% ao campeonato”, Celso Vaz Correa, diretor de futebol
66-74
“Temos um grupo forte para pensar em lutar pelo título, como em 2006”, Paulo Pelaipe, diretor de futebol
Lucas, Saja, Tuta
“Entramos em qualquer competição pensando em ganhar”,
Zé Roberto, Cléber Santana, Maldonado
71-79
Dinélson, Flávio, Daniel Marques
73-81
Morais, Romário, Leandro Amaral
57-65
Victor Simões, Clayton Xavier, Ruy
70-82
“Reformulamos muito o elenco, mas temos de pensar em conseguir um lugar na Sul-Americana”, Anderson Barros, gerente de futebol
Paulo Baier, Petkovic, Harley
64-72
Romário Machado, diretor de futebol
Nilmar, Magrão, Marcelo Matos
64-78
Araújo, Gabriel, Gladstone
61-75
Renato, Obina, Souza
62-70
Dodô, Zé Roberto, Lúcio Flávio
64-76
“Nós nos preparamos para lutar pelo título, mesmo sabendo que tudo é possível”, Bebeto de Freitas, presidente
Dênis Marques, Ferreira, Cléber
71-83
Temos de ficar entre os quatro primeiros sempre, para, na reta final, pensar no título”, Marcos Moura Teixeira, diretor desportivo
André, Lauro, Alex Alves
60-60
“Não temos condições de conquistar o título, mas podemos pensar na Sul-Americana”, Carlos Maitelli, vice-presidente de futebol
Carlos Alberto, Cícero, Thiago Silva
57-61
“O Fluminense é sempre um clube que chega pensando no máximo”, Roberto Horcades, presidente
Edmundo, Valdívia, Diego Cavalieri
60-60
Toninho Cecílio, gerente de futebol
Diego, Marcinho, Coelho
60-64
Beto Arantes, diretor de futebol
Carlinhos Bala, Fumagalli, Durval
61-67
“Queremos ser bicampeões”, Homero Lacerda, diretor de futebol
Kuki, Gléguer, Felipe
64-68
Marcílio Sales, diretor de futebol
Souza, Paulo Isidoro, Marcelo Bonan
59-59
“Lutamos por uma vaga na Sul-Americana, mas a permanência na Série A estaria bom”, Alex Padang, presidente
Solidez
muito forte
resistente
Ambiente
sol de verão
chuvas esparsas
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meio caído
frágil
temporal à vista
Dinheiro Continuidade
Luiz Antônio Capella, gerente de futebol
“Melhorar o desempenho em relação ao ano passado”, Zé Domingos, vice-presidente de futebol
“O Vasco sempre entra para ser campeão”, José Luiz Moreira, vice-presidente de futebol
“A expectativa é de irmos melhor que em 2006”,
“Nosso objetivo é ser campeão”, Ilton José da Costa, gerente de futebol
“Queremos brigar pelo título”, Eduardo Maluf, diretor de futebol
“Temos uma base forte e podemos pensar no título”, Márcio Braga, presidente
“Nosso objetivo é ficar entre os cinco primeiros”,
“A pretensão realista é terminar entre os cinco primeiros”,
“Vamos tentar permanecer na Série A”,
pode gastar longo prazo
sem dívidas constante
anda duro se esforça
pindaíba total bagunçado
uma zona
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Wander Roberto/Vipcomm
substitutos”, explica Muricy. Esse é mais um momento em que é posto à prova o planejamento do clube no início da temporada. Se a comissão técnica sabe quem tem potencial para ir embora, dá para se preparar com antecedência para essas perdas. “Por isso é que temos tantos jogadores para a lateral-direita”, explica Muricy, referindose a Ilsinho. ”Entendo a necessidade de fazer dinheiro, mas também é preciso dar sustentação ao projeto”, completa Levir Culpi, treinador do Atlético-MG, que prevê a saída de pelo menos três jogadores até o fim do campeonato. O Paraná viveu outro efeito negativo do assédio internacional, em 2006. O time fez um bom primeiro turno, recebeu diversas sondagens de clubes do exterior e, no final das contas, ninguém foi embora. “Por isso, houve uma queda psicológica muito grande no elenco”, relembra Caio Júnior, que, como Muricy, alerta para o fato de o clube precisar estar sempre de olho em possíveis reforços, “desde que seja um jogador para fazer diferença”, observa.
Tricolor paulista tem elenco grande, mas enfrentará Brasileiro e Sul-Americana
Fôlego na reta final
O maior exemplo do uso dessas pausas foi o Cruzeiro de 2003, que fez a melhor campanha da história do Brasileirão dos pontos corridos. “Como o Cruzeiro do Luxemburgo deu um salto na frente naquele ano, todo mundo se espelha no que eles fizeram”, comenta Muricy Ramalho.
Um entra e outro sai Tão importante quanto estar de olho nas competições em paralelo e eventuais convocações para a Seleção, é ficar atento à data de 31 de agosto, uma sexta-feira. Explica-se: esse é o dia em que se fecha a janela de transferências para o mercado europeu, o “eldorado” dos boleiros. Uma série de jogadores já está com o passaporte carimbado para o exterior, como o lateral-direito Ilsinho, do São Paulo, e os meias Cléber Santana e Zé Roberto, cujos contratos com o Santos terminam após a Libertadores. Tanto para esse caso quanto para o das convocações para jogos de seleções, o segredo passa pela formação de um elenco sólido – grande o suficiente e equilibrado em todas as posições. “Você precisa ser regular. Ganhar em casa, ganhar ou empatar fora. Como se faz isso? Com um bom elenco”, ensina Muricy Ramalho, técnico que mais pontos conquistou no Brasileirão de pontos corridos. A formação de um elenco sólido exige um número adequado de jogadores para enfrentar seus compromissos, mas não só: alternativas para todas as áreas do campo e recursos para substituir nomes que sejam vendidos ou se machuquem também são indispensáveis. “A gente sabe quando vai perder um jogador, pois tem informações do mercado. O jeito é correr atrás de
A preparação física também é fundamental para enfrentar a corrida de obstáculos do Brasileiro. Equipes com um número menor de jogadores tendem a sofrer maior desgaste físico. O mesmo vale para os times que disputam mais competições no ano. É aí que faz a diferença o trabalho feito lá em janeiro: a pré-temporada, que sempre tem alguém questionando. “Poucas equipes fazem esse trabalho de maneira adequada”, alerta Caio Júnior. No caso de quem saiu mais cedo da Copa do Brasil – como Palmeiras e Fluminense –, o mês de abril sem competições oficiais foi uma oportunidade de melhorar a preparação física para o campeonato nacional. “Quem não tiver esse período de preparação terá de se virar com o que fez em janeiro, quando todos tiveram um tempo curto”, completa o técnico palmeirense. Outros clubes preferiram deixar de lado uma parte dos Estaduais para cuidar melhor de seus principais jogadores. O Internacional começou o Campeonato Gaúcho com o time B, mas a má campanha no início da competição apressou o uso da equipe titular. Só que a emenda saiu pior do que o soneto, porque contusões inesperadas comprometeram também a campanha na Libertadores. No Atlético-PR, a diretoria decidiu inchar o elenco para não faltarem jogadores. “Montamos uma equipe B para o início do Estadual e poupamos o time A. Depois, juntamos os dois grupos, aproveitando os jogadores do time B que mostraram valor e emprestando os demais para manter o elenco enxuto no Brasileirão”, explica Marcos Teixeira, diretor do Furacão. Não é possível dar uma receita de como um time pode se sair bem no Brasileiro, até porque os objetivos dos clubes não são – ou não deveriam ser – os mesmos. Mas dar uma olhada em alguns critérios, como qualidade do elenco, ambiente e continuidade do trabalho, podem dar boas pistas (veja tabela na página ao lado) dos indícios de como cada clube deve se sair no Brasileiro. Com tudo isso, um pouco de sorte e a sua torcida, quem sabe o seu time não esteja comemorando depois da última rodada? Maio de 2007
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Grandes que caem, por Leonardo Bertozzi e Ubiratan Leal
A dificuldade de
voltar à tona Neste ano, o Atlético-MG reaparece na Série A, depois de uma temporada na Segundona. Mas a experiência de outros grandes que caíram mostra que de nada adianta a empolgação da torcida se, fora de campo, o clube não se preparar para fazer parte da elite
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Hans Von Manteuffe/Agência O Globo/Gazeta Press
M
elhor média de público de todas as divisões do Brasileiro, título da Segundona com arrancada final de apenas uma derrota nos últimos 14 jogos, surgimento de alguns garotos de futuro e até camisa aposentada em homenagem à torcida. O final de 2006 do Atlético-MG foi dos melhores, devolvendo a seus torcedores um pouco da auto-estima perdida. O reencontro do primeiro campeão brasileiro com a divisão de elite deveria servir para o Galo reafirmar-se como um dos grandes do país. Só que, como mostram as experiências de outros times importantes que caíram e retornaram, isso está longe de ser uma tarefa simples. O que o torcedor não deve perder de vista é que o rebaixamento atleticano – como, antes, o gremista, o palmeirense e o botafoguense – não foi acidente, mas resultado de um processo de desgaste institucional e administrativo que se refletiu no campo. Assim, é fundamental aprender com os erros ou, então, correr o risco de voltar à Segundona. Olhando rapidamente, parece que o Atlético-MG construiu as bases para voltar a crescer. Depois de insistir por dois anos – 2004 e 2005 – em jogadores que tinham algum nome e nenhuma motivação, o Galo decidiu adotar uma política mais cautelosa, fazendo contratos curtos que permitissem ao clube se livrar de quem não se encaixasse. Depois de oito rodadas na Série B com Lori Sandri, o Galo contratou Levir Culpi, que havia levado o Botafogo à elite em 2003, e a recuperação começou. “Quando eu cheguei ao Atlético, era nítida a instabilidade emocional”, diz o técnico. “A situação vinha se complicando como uma bola de neve, desde o ano anterior”.
Como caiu (2005)
Como sobe (2007)
Elenco
O time era formado por vários jogadores renomados, mas na fase descendente das carreiras. Quando foram afastados, já era tarde
A base campeã da Série B foi mantida, e a maioria dos jogadores tem experiência limitada em um campeonato de elite. Metade do time-base é formada no clube
Situação financeira
Ignorando a situação financeira, o clube fez gastos excessivos, aproveitando o dinheiro injetado pelo presidente Ricardo Guimarães e aumentando sua dívida
Dívidas trabalhistas, na casa de R$ 30 milhões, ainda preocupam, mas o clube diz trabalhar com pés no chão, mantendo os salários e premiações em dia
Ambiente interno
A falta de compromisso dos “medalhões” era evidente durante a campanha. Problemas financeiros não colaboravam: em setembro, jogadores chegaram a se recusar a treinar por atraso nos pagamentos
Título da segunda divisão pode ter servido como “aperitivo” para alguns jogadores, que querem repetir a dose em uma competição mais importante. O Atlético-MG é, para muitos, a primeira chance de brilhar no cenário nacional
Técnicos no ano
atlético-mg
Procópio Cardoso, Tite, Marco Aurélio e Lori Sandri
Levir Culpi
Maio de 2007
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Como subiu (2004)
Elenco
O grupo estava dentro da realidade financeira do clube – o que não garantia muita coisa. A maioria dos jogadores mostrou-se incapaz de corresponder às exigências da Série A
O elenco era parecido com o que conquistou o acesso, formado por jogadores não aproveitados em outros clubes. Os veteranos Fernando e Valdo eram o esteio do time
Situação financeira
Clube estava endividado, com salários atrasados, beirando um processo de falência
O processo de reestruturação das contas ainda estava em andamento. A prioridade era recuperação do patrimônio, mas salários foram mantidos em dia
Ambiente interno
Muita turbulência, com falta de motivação por atraso de salários e processo eleitoral. O presidente Mauro Ney Palmeiro chegou a se afastar por problemas de saúde, e jogadores sofreram ameaças de morte
No ano do centenário do Botafogo, o grupo mostrou consciência de suas limitações, e não foi por falta de empenho que a garantia de permanência na Série A teve de esperar até o jogo da última rodada, contra o Atlético-PR
Abel Braga, Leomir de Souza, Arthur Bernardes, Abel Braga, Ivo Wortmann e Carlos Alberto Torres
Levir Culpi, Luiz Matter, Mauro Galvão e Paulo Bonamigo
Levir estreou com uma derrota para o Brasiliense, mas teve toda a pausa da Copa do Mundo para trabalhar com o grupo. A escalada na tabela teve início com vitórias consecutivas em casa sobre Gama e Portuguesa. A paz com a torcida foi selada no 2 a 1 sobre o Coritiba, concorrente direto pelo acesso. Dali em diante, o Atlético-MG teve público grande até para os padrões da Série A, impulsionando o time. Depois que garantiu a promoção, o título foi celebrado por mais de 70 mil torcedores presentes ao Mineirão na última rodada, contra o América-RN, quando a camisa 12 foi aposentada – ela agora é da torcida. Ainda que soe populista, a decisão de homenagear a torcida confirmava a intenção do departamento de marketing do clube de capitalizar o bom momento. Durante a campanha, o grito da torcida, “Vamos subir, Galô”, transformou-se em frase de camisetas licenciadas, um sucesso da loja oficial do clube. “Nosso faturamento foi 300% maior que no ano anterior graças a isso. Vendemos 10 mil camisetas em um mês e meio”, lembra o gerente de marketing do Atlético-MG, Álvaro Cotta.
Não é o que parece Toda a empolgação da conquista induz o Galo a achar que deve pensar novamente em títulos, mas a situação financeira do clube sugere menos pressa. Recentemente, o Galo por pouco es-
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Bruno Domingos/Reuters
Como caiu (2002)
Técnicos no ano
botafogo
capou de ter sua sede leiloada por causa de uma dívida de R$ 1,5 milhão com Ronildo. O lateral-esquerdo é apenas um dos credores que recorreram à Justiça do Trabalho, cujas dívidas impostas ao Galo beiram os R$ 30 milhões. Quinze por cento da receita total do Atlético-MG destinam-se a pagar dívidas trabalhistas – um acordo necessário que limita as finanças do futebol. Outros fantasmas da administração de Ricardo Guimarães, presidente no ano do rebaixamento e no do acesso, ainda rondam o clube. O Galo não apenas deve dinheiro ao ex-cartola, dono do Banco de Minas Gerais e um dos envolvidos no escândalo do “mensalão”. Ele assinou outros acordos nebulosos em sua gestão no comando do Galo. O caso mais polêmico diz respeito a uma dívida com o grupo WRV, que emprestou US$ 6 milhões ao Atlético-MG no final dos anos 90, época em que Guimarães era diretor financeiro do clube. Em uma de suas últimas medidas como presidente, Guimarães aceitou pagar uma entrada de R$ 200 mil e outros R$ 100 mil mensais, durante os próximos 14 anos – tudo isso sem consultar o conselho deliberativo. Na volta à elite, o Atlético-MG parece não ter um consenso claro sobre seus objetivos. O otimista presidente Ziza Valadares diz que o Galo tem de brigar por todos os títulos que disputa. A idéia, no entanto, não encontra eco nem na comissão técnica nem em seus subordinados diretos na administração do clube.
Botafogo sofreu muito recentemente, como Ricardinho
Maio de 2007
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Sem discordar abertamente das ambições de Valadares, nem todos preferem apostar em uma campanha para buscar a ponta. O elenco foi pouco modificado, e a falta de experiência em jogos de alto nível pode pesar. Desde que foi eliminado pelo Flamengo nas quartas-de-final da Copa do Brasil de 2006, o time só enfrentou um adversário da elite do Brasileiro – o rival Cruzeiro, pelo Campeonato Mineiro. Será que esse elenco tem como fazer com que o Galo chegue ao ano de seu centenário na primeira divisão? O diretor de futebol, Beto Arantes – o Beto “Bom de Bola”, integrante do time campeão em 1971 –, acha que o Galo luta por uma vaga na Libertadores ou até mesmo pelo título. “Nosso exemplo é o Grêmio do ano passado, que veio da segunda divisão e chegou à Libertadores”, afirma Beto. “Com exceção de Santos, São Paulo e Internacional, o nível é muito semelhante”. Mas até o dirigente otimista admite que o elenco não é grande o suficiente. A solução, argumenta, é atrair destaques dos Estaduais para jogar o Brasileiro. Levir Culpi, que já teve a experiência de subir da Segundona antes, adota um tom comedido. “Um clube grande como o Atlético é movido a paixão. É sempre encarado como candidato natural a títulos. Mas a realidade é outra. Este é um time que começa a ser montado, jogando sempre com cinco, seis jogadores formados nas categorias de base, que vão, aos poucos, conquistando credibilidade, e outros que se destacaram na Série B. Se você encara esse nível de investimento como suficiente para ser campeão brasileiro, está pensando como torcedor”, comenta.
Sobe e desce
Levir Culpi: “Brigas internas são ponto em comum”
(aproveitamento em %)
Veja como um grande, antes de ser rebaixado no Brasileiro, já vem em fase descendente. E, depois do retorno à elite, não consegue repetir o mesmo desempenho da Segundona
80 70 60 50 40 30 20
2001 Atlético-MG Grêmio
2002
2003 Palmeiras Botafogo
2004
2005
2006
Temporada na 2ª divisão
Você já viveu o rebaixamento, com o Palmeiras, e o acesso, com Botafogo e Atlético-MG. Há algum paralelo entre as situações? Normalmente, o ambiente do clube é marcado por muitas brigas internas na direção do clube. Há divisões na parte administrativa, e tudo fica difícil. Tanto no Botafogo quanto no Atlético, foi preciso fazer uma blindagem inicial sobre o elenco, mas aos poucos as direções também foram se acertando. De qualquer forma, não há dois trabalhos iguais. Em cada time, há uma receita diferente. No Palmeiras, por exemplo, o elenco não era rachado como dizem. As divisões que existiam vinham da diretoria. O presidente Bebeto de Freitas fez muitos elogios a sua passagem pelo Botafogo, dizendo inclusive que você foi decisivo para a montagem do time que subiu em 2003. Como foi esse trabalho? O Botafogo não tinha nenhum crédito, a situação quando o Bebeto assumiu era caótica. Precisei ligar para jogadores amigos e convencê-los a vir pelo projeto que o clube estava iniciando. Estava sendo reformada a estrutura, com a recuperação de General Severiano. Ali, o Botafogo recuperou sua alma, sua auto-estima. Depois que subimos, o elenco para o ano seguinte sofreu muitas mudanças. Isso infelizmente acontece em muitos clubes brasileiros. Fizemos uma pré-temporada com apenas dois ou três jogadores que seriam considerados titulares. Deixei o clube no início do Brasileiro, mas foi um trabalho de um ano e três meses, o que hoje em dia já é muito. Por esse ponto de vista, como está o Atlético-MG, em comparação àquele Botafogo? O Atlético-MG tem uma vantagem sobre o Botafogo: as categorias de base. Os jogadores revelados no clube dão um grande suporte. Eles treinam no mesmo CT que os profissionais, então é fácil observá-los. Hoje, no elenco profissional, temos entre 15 e 20 jogadores formados aqui. Acredito que nenhum outro time do Campeonato Brasileiro tenha um número semelhante. No Botafogo, não há chance de fazer isso. As categorias de base não existem, no sentido de que não há nenhuma relação entre o time de juniores e o profissional. A base treina em Marechal Hermes, sem nenhuma interação com a equipe de cima. Maio de 2007
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Alerta para outros clubes O Galo é o único grande clube brasileiro que retorna à elite em 2007, mas exemplos recentes de camisas tradicionais que caíram e retornaram à Série A – Grêmio, Botafogo e Palmeiras – mostra como o retorno é muito mais duro do que parece (veja boxes) e que o simples fato de ter história não garante sucesso imediato a ninguém. Bebeto de Freitas, presidente do Botafogo, tem uma posição muito clara em relação a isso. “O Botafogo era grande de nome, mas pequeno como clube”, afirma. Ele assumiu o time de General Severiano dias depois do rebaixamento e encontrou atrasos nos pagamentos de salários que iam de oito meses – para o elenco – até um ano e meio – para os funcionários. Além disso, nenhum jogador estava sob contrato. Se serve de boa notícia para os atleticanos, o dirigente botafoguense não economiza elogios a Levir Culpi, por considerálo fundamental para o rápido retorno do alvinegro à primeira divisão. De acordo com Bebeto, o técnico fundou as bases do Botafogo de hoje, ligando pessoalmente para os jogadores, convencendo-os a acertarem com o clube e fazendo todo o projeto para que o time pudesse crescer novamente. Mesmo com todo esse trabalho e o retorno sem sustos, o Botafogo só escapou de novo rebaixamento no ano seguinte nos minutos finais da última rodada – sinal de como o time vicecampeão da Série B (ficou atrás do Palmeiras) tinha seus limites.
“O Botafogo voltou à primeira divisão no campo, mas fora dele ainda era um clube de segunda. Não tínhamos estrutura ainda, e a capacidade de investir em um time de primeiro nível era nula”, comenta Bebeto de Freitas, reconhecendo as limitações do clube, em 2004. “Não adianta voltar à Série A se não houver reorganização. Se não, o time sobe para cair logo em seguida”, alerta. Um exemplo claro disso é o Palmeiras, que caiu e subiu no mesmo ano que o Botafogo. O alviverde fez uma campanha fantástica na Série B e, nos dois anos seguintes, conseguiu classificação para a Copa Libertadores. Essa trajetória poderia servir de exemplo para quem prega que um clube tradicional, depois que volta à elite, é grande como qualquer outro. A boa fase palmeirense, porém, não era sustentável, o que ficou claro depois. O clube paulista beneficiou-se do fato de ter encontrado uma geração de garotos promissores – liderada por Vágner Love – e de ainda contar com dois jogadores acima da média – Marcos e Magrão – que se dispuseram a ficar no clube, mesmo na Série B. Havia a dose de talento necessária para jogar a primeira divisão, mesmo sem investir muito. No entanto, a falta de reestruturação administrativa acabou cobrando a conta. Em 2006, o clube enfrentou um quadro de endividamento crescente, atraso de salários, dificuldade de investimento e instabilidade política. Depois de duas temporadas entre os cinco primeiros do Brasileirão, o Palmeiras voltou à parte de baixo da tabela e só escapou do rebaixamento nas últi-
Como subiu (2004)
Elenco
No papel, o time não era ruim, tanto que fora semifinalista do Rio-São Paulo, no primeiro meiro semestre. No entanto, tanto, nto, o, havia hav desequilíbrioo em pontos-chav ppontos-chave s-chave -chave chave
A base da Série B foi mantida, mas o time perdeu sua re referência quando Vágner ner Love Lov ffoi vendido, no meio da d temporada tempor mpora porad
Situação financeira
A diretoria toria oria ria ggabavagabava-se aba a-se a-s -se se de d ter milh milhões ilh lhõess em ca ccaixa aixxa xa e pagar gaar em m dia dia, mas mas iis isso s se sso devia evvia vi ao pou pouco invest investimento nvesstimen sttimen i t to em m todoo o clubee
A diretoria direto dire dir retoria etoria toriaa continuava c ntin ava va apostando apposta apo postando do na na estratégia stra iaa de d times tii es baratos, tim bbara barraatos atos, s, mas as exagerou ex exager ero rou a ponto p o de d sucatear su uccatear ar o clube c bee e iinfra infraf a-e -estruttu ura doo futebol fut l a infra-estrutura
Ambiente interno
O clube ube vivia via pproc proces processo cess ess esso eleitoral, el e oral, e um eitoral, uma ma cha chapa paa de d oposição op poosiçãoo apresent apresentou-se. rese tou-se. A di ddiretoria iretoria toria teve ev de nnegociar gociar alianças. anç nç A ins nças. instabilidade stabi ade refletiu-se tiu iuu-see no n elenco, el co, que se viu sem m respaldo, res re paldo, e algun alguns jogadoress passa pas passaram assaram aram a pensar pens mais no seu futuro turo uro do d que no do time
Pela Pela Pel la la faltaa de de reforços, a expectativa expecta ex pectat ctativa ivaa paraa a volta volt à Série S rie A não não era ra das d melhores. melhorees. Por Po isso, isso, os bons bbon ns resultados reesultados tados no início iníccio do ano an a trouxeram troux rouxeram eram m tranqüilidade tranqüili tranqüilidad idad ade ao ao clube, be, que q ainda a daa tinha ttin processo proces rocesso so eleitoral eeleitora eitoral ral mais m tranqüilo tranqüilo
Vanderlei Luxemburgo, Paulo César Gusmão, Flávio Murtosa, Karmino Colombini e Levir Culpi
Jair Picerni, Wílson Coimbra e Estevam Soares
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Marcos foi um dos símbolos da lealdade ao Verdão na Segundona
Sergio Moraes/Reuters
Como caiu (2002)
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palmeiras
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Luiz Costa/Hoje Em Dia/Gazeta Press
Como caiu (2004)
Como subiu (2006)
Elenco
Tentando achar qualidade na quantidade, o clube contratou dezenas de jogadores, muitos itoss apenas apen nas para três meses esess de testes. s No final, al, não nãão sabia o que fazerr com com tanta gente
O clube contratou reforços (Hugo, Tcheco e Léo Lima, entre outros), ou para dar mais capacidade capacid ca capacidad técnica ao time me guerreiroo e brigador bri b por vocação que conquistara q stara a Série B
Situação financeira
O clu clube ube be tinha quase qu R$ 100 00 milhões milh lhões ões em dívidas e nã não conseguia co onsseguia pagar bichos e a re rescisão escisão cisão dos jogadores ogadore gado s dispensados, di isppensados, ensados, qque ue aca acaba acabavam vam see amontoando amontoando no time B
As As dívidas d as continuam cont contin tinuam existindo, tindo, mas m o clube conseguiu controlar os gastos a ponto pont dee pagar pag os o salários em dia dia e investir inves em reforços reforços úteis. úútei eis. s
Ambiente interno
Péssimo. éss ssimo. imo. Sem comand comando, a diretoria eto toria ria coma comandada mandada por Flávioo Obino Obiino não cons conseguiu u controlar larr o elenco, que passou a agir ir por p conta própria, sem qualquer alquer compromisso com o clube
Depois da emocionante emo partida part r decisivaa contra c o Náutico áut o na Série B e do do títuloo gaúcho sobree o Inter, In o clima clima acalmou. acalmou. Paulo Pa P Odone, o novo nov presidente, p tinha ti h mais ma respaldo político
Técnicos no ano
grêmio
Batalha dos Aflitos: nome histórico para jogo inesquecível
Adílson Batista, José Luiz Plein, Cuca e Cláudio Duarte
Mano Menezes
mas rodadas. Ciente disso, a comunidade palmeirense uniu-se e mudou o grupo político que administra o futebol do clube. No Grêmio, citado por atleticanos como modelo a ser seguido, a mudança foi imediata. Como no Botafogo, houve troca na presidência na época do rebaixamento. Paulo Odone era do mesmo grupo político de Flávio Obino, mas ao menos soube deixar nas mãos da comissão técnica – tentou com Mário Sérgio e Hugo de Leon, mas ficou com Mano Menezes – a montagem da equipe. Assim, o Tricolor voltou com um time que se destacava pela força e garra, mas ciente de que tinha de melhorar quando voltasse à primeira divisão. “Qualificar nosso elenco com reforços foi importante para acompanhar o ritmo das melhores equipes da Série A”, afirmou Mano Menezes, em entrevista concedida à Trivela em 2006. A campanha do Atlético-MG no Brasileirão, como aconteceu com os grandes que passaram há pouco pelo “trauma” da Série B, deve ser observada com atenção, não só por atleticanos (e cruzeirenses secadores). Com o formato por pontos corridos e o fim das viradas de mesa, a epopéia do Galo pode novamente ser vivida por vários clubes grandes na tradição, mas que, no resto, estão fazendo força para encolher. Maio de 2007
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Entrevista, por Carlos Eduardo Freitas
Rearrumando a casa Revelação do último Brasileiro no comando do Paraná, Caio Júnior conta à Trivela como planeja reerguer o Palmeiras
Você destacou-se pela campanha do último Brasileiro, com o Paraná, mas era o técnico do Cianorte, quando ocorreu aquele duelo com o Corinthians na Copa do Brasil, em 2005. Vocês venceram em casa por 3 a 0 e acabaram derrotados no Pacaembu, por 5 a 1. O que significou aquela partida e no que ela ajudou em sua carreira? Quando vi a tabela da Copa do Brasil e notei que se passássemos da primeira fase pegaríamos o Corinthians, sabia que essa era minha grande chance como treinador, de aparecer em nível nacional. Quando eliminamos o Cene, em Campo Grande, reuni os jogadores no meio do campo e disse: “Nós vamos ganhar do Corinthians. Acreditem nisso. Tenho certeza de que vocês estão achando que estou falando da boca para fora, mas vamos ganhar deles”. Vim duas vezes para São Paulo assisti-los jogar. Estava no começo daquela fase dos “galácticos”. Estávamos muito
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ó a aparência do treinador palmeirense já o distingue de seus pares. Com óculos que o deixam com ar de professor, Luiz Carlos Saroli não abusa de chavões nem tenta criar frases de efeito. “Quem?” O Caio Júnior. Seu apelido, dado pelos companheiros de Grêmio quando ainda estava nas divisões de base (e se parecia com o ex-armador Tricolor Caio), pode induzir a engano. Mas o que ele tem mostrado como técnico – tanto no Paraná quanto no Palmeiras – parece confortar os torcedores. Uma prova disso foi a forma como a torcida alviverde encarou a desclassificação da Copa do Brasil, em pleno Parque Antártica, diante do Ipatinga. Em outros tempos, o mundo desabaria sobre a cabeça do técnico. Contudo, Caio Júnior continua firme no cargo, lidando com as dificuldades financeiras com um estilo pouco afeito a promessas de títulos imediatos ou contratações de peso. “O que eu quero é fazer o Palmeiras voltar a vencer de forma consistente. Cheguei aqui para fazer parte dessa história de mudança”, disse, em entrevista exclusiva à Trivela.
preparados em relação ao adversário, e acho que o Corinthians não nos deu tanto valor – o que é normal quando não se conhece tanto o potencial de equipes menores. Estávamos bem preparados, tivemos sorte durante a partida e, claro, mérito. Mas no segundo jogo foi tudo por água abaixo... É, principalmente porque criamos uma situação inusitada: ficamos por três semanas na mídia dentro do futebol brasileiro. Só se falava em Cianorte e Corinthians. A pressão foi muito maior do que deveria ser – e isso acabou influenciando muito na história do segundo jogo. De qualquer maneira, foi uma experiência inesquecível. Primeiro pela satisfação da conquista, pelo 3 a 0, de nos sentirmos valorizados, e depois pelo fracasso total. No começo da temporada passada, pouco se esperava do Paraná no Brasileirão. Você acha que isso, de algu-
ma maneira, ajudou o time a se portar como azarão na competição? Ajudou no aspecto emocional, mas chegamos a um ponto em que esse discurso não cabia mais, apesar de ele ter nos acompanhado até o final, em termos de mídia nacional. Todo mundo achava que o Paraná não chegaria à Libertadores, que o Vasco conseguiria a vaga. Por isso, eu nem precisava trabalhar esse aspecto: os jogadores viam pela televisão e liam a respeito – e isso motiva muito. Mas se você não tiver uma base, banco, um esquema tático bem definido, não adianta nada motivar. No Paraná, você trabalhou com um orçamento limitado e chegou à Libertadores, mas dirigia um clube onde não havia tanta pressão. Neste ano, no Palmeiras, a situação financeira é semelhante, mas a pressão é maior. O que isso influi na sua forma de trabalhar?
Se você não tiver uma base, banco e tática, não adianta motivar
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B. Quando recebi o elenco, para trocar idéias e discutir, tínhamos mais de 50 jogadores – a maioria deles desgastados, com muitas dúvidas. Isso tudo era fruto da instabilidade e da pressão que existia aqui, pela troca de treinadores. Em relação ao time B, imaginava uma coisa bem organizada, mas não era. Temos de buscar nesse pessoal quem tem perfil para o Palmeiras, sem interferência de empresários. O Valmir é um exemplo que deu certo, pois em pouco tempo já pudemos lançar um jogador. Tenho certeza de que o Palmeiras vai lançar muitos jogadores. Precisam só acreditar nisso. Quando o Leão passou por aqui, ele mandou o time B treinar em Guarulhos. O que você acha dessa decisão dele? Respeito, mas não vou entrar no mérito dessa questão. Só posso dizer que a primeira coisa que eu fiz foi trazer o time B para cá. Não há nenhuma possibilidade de lançar jogadores se não houver uma integração das categorias de base com o time B e com os profissionais. Já trouxe alguns dos juniores e até mesmo do infantil para treinar aqui, e vamos fazer isso mais vezes. O time B, agora, treina aqui. O técnico precisa trabalhar para o clube, o que significa estar atento a todos os jogadores que possam ser titulares do Palmeiras. Isso é o que pode dar retorno para o clube. Essas mudanças simples já interferiram no dia-a-dia, geraram um bom ambiente, harmonia e expectativa positiva. Antes, o ambiente era muito ruim, pois esse pessoal estava marginalizado. O Palmeiras, assim como várias outras equipes do futebol brasileiro, passa por sérios problemas financeiros. Até que ponto isso afeta o seu trabalho dentro de campo? Salário atrasado atrapalha. Não só no futebol, mas em qualquer área. Quando cheguei, me colocaram a situação e disseram que teríamos de sofrer um período. Sabia que teríamos dificuldades e, por isso, não havia a possibilidade de investimentos no início do
Djalma Vassão/Gazeta Press
Não vejo uma pressão grande. É maior externamente, em função da história do clube, que “tem de ser campeão todo ano” – e não é já faz algum tempo, justamente porque ninguém parou para fazer um planejamento. Para ser campeão, você precisa ter uma equipe formada, tempo e tranqüilidade. Desde que cheguei, sempre tive um apoio muito grande, tanto interna quanto externamente. Isso está nos fortalecendo muito. Dentro do planejamento que fizemos, nenhum jogador foi dispensado, não estamos fazendo loucuras. Isso é o que faz uma equipe ser forte: a manutenção do elenco de um ano para o outro. Na temporada que vem, essa nossa base, que já é forte, será mais forte ainda. Esses meninos – Michael, William, David, Valmir – estarão muito mais experientes, e é isso que vai fazer da gente uma equipe vencedora. Muita gente se surpreendeu com sua decisão de deixar o Paraná, depois de ter conseguido a vaga para a Libertadores. Para sua carreira, não teria sido melhor essa experiência numa competição tão importante? Não. Eu vou ter, um dia, essa experiência. Se eu não tivesse recebido a proposta do Palmeiras, eu continuaria no Paraná. Isso estava praticamente certo. O Paraná estar na Libertadores é um feito fantástico e histórico. Eu concluí um trabalho, cumpri o que foi determinado e planejado. Se não tivesse conseguido isso, eu teria ficado. Agora, vejo o Palmeiras numa situação muito parecida com a do Paraná: um clube grande, que está se estruturando e que vai voltar a ser vencedor. Por isso, acho que cheguei na hora certa aqui, pois vou fazer parte dessa história de mudança. Por falar em troca de clubes, como você encontrou o Palmeiras, quando chegou ao Parque Antarctica? Fiquei bem surpreso. Positiva ou negativamente? Negativamente. O que mais me chamou a atenção era como se administrava o futebol e como era conduzida a equipe
ano e optamos por lançar os jogadores mais jovens. O que eu falei e pedi foi para que os dirigentes – no caso o doutor Gilberto Cipullo (presidente do Palmeiras) e depois o Toninho (Cecílio, gerente de futebol) – falassem a verdade para os jogadores, que gostam de dirigentes e técnicos que dizem a verdade e cumprem o que prometem. Demos créditos à direção, e tudo o que eles falaram, cumpriram. Isso fortalece muito essa relação, da comissão técnica com os jogadores e a direção. O doutor Cipullo prometeu que colocaria tudo em dia até o final de abril – e ele colocou antes. Isso é bacana, gera união e espírito de equipe. É consenso no clube que jogadores deverão ser negociados ao longo do Brasileirão. Como você está se preparando para essa situação? No ano passado, também havia essa possibilidade, no Paraná. Houve uma expectativa muito grande de que al-
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guns jogadores seriam negociados e nenhum foi, o que foi ruim para o grupo. No último jogo do primeiro turno, estávamos disputando a liderança do campeonato com o São Paulo. Perdemos a ponta e, depois desse jogo, tivemos uma queda e sofremos quatro derrotas seguidas – tudo porque houve uma queda psicológica muito grande. Vou conversar com eles no momento certo e dizer que não pode haver expectativa. Se acontecer, tudo bem, faz parte da realidade do futebol brasileiro termos de negociar jogadores. O Valdívia chegou com potencial de destaque do time, mas demorou para estourar. O que mudou nele neste ano, quando enfim passou a aparecer? Ele se sentiu confiante. Cheguei para ele e disse: “Acredito em você. Vou deixar você jogar. Me diga onde acha que rende mais”. O Valdívia também estava mais adaptado, o que ajudou. Posso dizer que, hoje, ele é outro jo-
gador, muito mais confiante. Sem dúvida nenhuma, o Valdívia tem tudo para ser um dos grandes nomes do Campeonato Brasileiro. Há uma dificuldade para encaixá-lo junto ao Edmundo no time. Como você imagina resolver essa questão? Acho cedo ainda para falar sobre isso. Pelas características, ambos são jogadores de frente, e hoje o futebol pede mais marcação. Você tem de acompanhar o volante, e essa é a maior dificuldade do Edmundo e do Valdívia. Temos de encontrar uma solução para isso, para que a equipe esteja mais competitiva. Isso vai depender muito do adversário e de cada jogo. Não há dúvidas, porém, de que os dois são jogadores que desequilibram. Os diretores de uma empresa que faz levantamento estatístico do Brasileirão disseram que você é um dos treinadores que mais se preocupa em analisar esse tipo de informação. Isso
é realmente importante para você? Não vou dizer que isso decide, mas, às vezes, um detalhe, uma informação tática e técnica, pode definir uma escalação. Isso é muito importante. Um treinador que quer chegar bem num campeonato longo como esse tem de estar com todas as informações possíveis à disposição. No Brasileiro, vou usar mais isso desde a primeira rodada, como usei no Paraná, no ano passado. Houve alguma partida em que você tenha tomado uma decisão em função de alguma estatística que você viu? No próprio jogo contra o Palmeiras. Analisando o posicionamento e a tática do Palmeiras, cheguei a algumas conclusões às quais eu talvez não tivesse chegado apenas com a observação dos jogos. Eu mudei o posicionamento tático do meu time contra eles justamente em função disso, mas preferia não entrar em detalhes (risos).
Tive muitas más surpresas, quando cheguei no Palmeiras
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História, por Ubiratan Leal
Crise,
revolução e traição Vinte anos se passaram, e o Brasil ainda debate quem é o verdadeiro campeão nacional de 1987. Tudo por causa de uma grande confusão que começou no ano anterior e tem episódios conhecidos por poucos
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uando o Flamengo levantou o título brasileiro de 1992, o então capitão rubro-negro Júnior ergueu a taça como se tomasse posse definitiva do troféu, pela quinta conquista. A CBF, no entanto, julgava o título como sendo o quarto do clube, e a taça só ficaria com o primeiro pentacampeão. Diante do impasse, a famosa peça cheia de bolinhas criada pelo artista Maurício Salgueiro foi tirada de circulação e até hoje não tem dono. A origem da disputa vinha de 1987. Naquele ano, por causa de uma rebelião dos clubes grandes, o país teve dois campeões: o Flamengo, segundo os clubes, e o Sport, segundo a CBF. Vinte anos depois, a dúvida ainda não se resolveu. Como a Trivela mostra nas próximas páginas, as raízes desse problema vão muito além de uma questão de regulamento.
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Capítulo 1: CBF em crise institucional
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urante a década de 1980, até a CBF percebeu que os Brasileirões com quase 100 clubes eram insustentáveis – tanto que, para 1987, ela decidiu “enxugar” o torneio. Dos 80 participantes de 1986, somente os 24 melhores teriam vaga no ano seguinte. Seria simples, se não fossem os detalhes. No final da primeira fase da Copa Brasil 1986 (o Brasileirão daquele ano), o Joinville pediu os pontos do empate por 1 a 1 com o Sergipe, alegando que um jogador sergipano tinha sido pego no antidoping. O CND (Conselho Nacional de Desportos) contrariou a CBF e deu razão aos catarinenses, agradando o então ministro da educação, Jorge Bornhausen. Só que, assim, o Vasco ficaria de fora. A CBF tentou então rifar a Portuguesa, mas voltou atrás, colocando todo mundo para dentro – incluindo Náutico e Santa Cruz, por influência do chefe da Casa Civil, o pernambucano Marco Maciel. A falta de autoridade da CBF não era gratuita. A entidade vivia grande confusão desde a eleição a sua presidência, no início de 1986. Nabi Abi Chedid e Medrado Dias eram os candidatos, e o prognóstico era de empate, o que elegeria Dias, mais idoso. Momentos antes da votação, Nabi inverteu a chapa com seu vice Octávio Pinto Guimarães, mais velho que o concorrente. Guimarães venceu por um voto e assumiu a presidência da CBF. Esperava-se que Guimarães fosse presidente apenas formalmente, pois o comando seria de Nabi. “Cheguei a participar de uma reunião que discutiu se Guimarães deveria renunciar meses depois de assumir”, revela Carlos Miguel Aidar, presidente do São Paulo na época. Isso não ocorreu, e o presidente eleito resolveu fazer valer seu poder, o que desagradou ao vice. Sem comando forte, o poder da CBF deteriorou-se rapidamente.
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Capítulo 3: Copa União ganha forma
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O Flamengo levantou a taça, mas a CBF não reconheceu o título
Capítulo 2: nasce o Clube dos 13
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omo a CBF estava à deriva, os clubes se organizavam. A maior preocupação era fazer lobby para incluir na pauta da Assembléia Constituinte – que se formaria em 1988 – um artigo que lhes desse autonomia de organização. A campanha foi bem sucedida, e a união de clubes ganhou força. Em abril, Flamengo e São Paulo negaram-se a ceder seus jogadores para uma excursão da Seleção Brasileira à Europa, respaldados pelo CND. Márcio Braga, presidente do Flamengo na época, saiu da reunião que anulou a convocação da Seleção dizendo, triunfante, que era “o fim do autoritarismo no futebol brasileiro”. Em junho de 1987, Octávio Pinto Guimarães anunciou: “a CBF não tem condições de organizar o Campeonato Brasileiro deste ano”. O motivo era a falta de dinheiro para arcar com despesas da competição. Sob o risco de ficar sem o torneio mais importante da temporada, os grandes clubes se mexeram. “Liguei para o Nabi e perguntei se era sério o que o Octávio falava. Ele disse que era e ‘deu a bênção’ para que organizássemos o campeonato, se quiséssemos”, conta Aidar. O dirigente são-paulino propôs a comandantes de outros times tradicionais a formação de uma associação de clubes, para organizar o Brasileirão. Foram convidadas as equipes mais tradicionais de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Para evitar o rótulo de elitista, a associação também convidou um representante do Nordeste, o Bahia. Assim, surgiu a União dos Grandes Clubes Brasileiros, conhecida como Clube dos 13, presidida por Aidar.
intenção do novo torneio era ser um grande produto para o mercado. O principal atrativo era haver apenas confrontos entre clubes de grande torcida. Por isso, não houve critérios técnicos para a definição dos participantes. Guarani e América-RJ, pela ordem, vicecampeão e semifinalista no ano anterior, foram deixados de lado. “Nossa idéia era romper os vínculos com o modelo antigo do torneio, começar uma nova história”, comenta Márcio Braga, presidente do Flamengo. “Priorizamos os clubes que viabilizariam financeiramente uma competição à beira da falência”, acrescenta. Ainda assim, o Clube dos 13 contava com o apoio da CBF. “A única exigência da entidade para oficializar nosso Campeonato Brasileiro foi a inclusão de mais três clubes de outros Estados”, comenta Aidar. Assim, foram chamados Coritiba, Santa Cruz e Goiás, à época os clubes de melhor histórico no nacional entre paranaenses, pernambucanos e goianos. Foram levados em conta os resultados do ano anterior? De novo, não. O Coritiba, por exemplo, não era nem campeão estadual e ficara em 43º no último Brasileiro. Com participantes definidos, o Clube dos 13 correu atrás de apoio financeiro, fechando com Rede Globo, Coca-Cola e Varig. A empresa de refrigerantes colocaria seu logotipo no gramado e nas camisas de todos os clubes que não tivessem patrocinadores. A Rede Globo transmitiria o campeonato com exclusividade, podendo exibir os jogos na cidade onde eram realizados, desde que fossem escolhidos por sorteio.
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Capítulo 4: traição, e a CBF volta à cena
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aturalmente, muita gente ficou bem brava. América-RJ, Guarani e Portuguesa eram os que se sentiam mais injustiçados, pois teriam direito de estar na elite pelo desempenho no Brasileirão de 1986. “Não dá para aceitar um Campeonato Brasileiro em que os clubes grandes viram a mesa só porque não querem dividir o torneio com ninguém”, brada Homero Lacerda, atual diretor de futebol do Sport e presidente do clube em 1987. O sucesso comercial da competição organizada pelo Clube dos 13 atraiu a CBF, que mudou de idéia e resolveu fazer uma competição com os times que tinham sido deixados de fora da Copa União, usando a classificação do Brasileiro anterior como critério. A Copa União não seria mais o Brasileiro, e, segundo a entidade, o campeão sairia do cruzamento dos dois torneios (então denominados como Módulos Verde e Amarelo). O Clube dos 13 decidiu boicotar o cruzamento, mas não esperava que um de seus membros remasse contra, poucos dias antes do início da competição. “O Eurico Miranda era vice-presidente do Vasco e nosso interlocutor na CBF”, comenta Aidar. “Ele nos traiu e deu sinal verde para a CBF virar a mesa”, diz, referindo-se à proposta da entidade de cruzar os
dois módulos. O Clube dos 13 não assinou o regulamento, mas a confusão estava armada. Para a mídia, o título brasileiro se decidia na Copa União, embora o Brasileiro da CBF continuasse. O Flamengo conquistou o torneio, ao surpreender o invicto Atlético-MG de Telê Santana na semifinal e bater o Internacional na decisão. O Módulo Amarelo teve percalços. Nem a possibilidade de cruzamento contentou América-RJ e Portuguesa, que decidiram boicotar o torneio. A Lusa voltou atrás posteriormente, mas os rubros, de fato, não jogaram nenhuma partida da competição, na qual Sport e Guarani empataram na final e, depois de 11 pênaltis para cada lado, decidiram “dividir o título”. Em janeiro de 1988, a CBF impôs seu regulamento e determinou que Flamengo, Sport, Internacional e Guarani fizessem um mata-mata. Flamenguistas e colorados confirmaram a decisão de boicotar o cruzamento e não compareceram às semifinais. Assim, Sport e Guarani fizeram a final, vencida pelos pernambucanos. As duas equipes – campeão e vice de 1987, segundo a CBF – representaram o Brasil na Libertadores. O CND tinha outra visão e deu o título ao Flamengo. Anos depois, o rubro-negro de Recife ganhou o campeonato na Justiça comum.
um para lá, dois para cá A dança de clubes que participariam do Brasileirão de 1987 foi bastante confusa. Veja como seu time fez parte desse vaivém
Pelo regulamento da Copa Brasil 1986, os seis primeiros de cada grupo da segunda fase teriam vaga no Brasileirão do ano seguinte. Com a briga na Justiça entre Joinville, Vasco e Portuguesa, a CBF determinou que seriam os sete primeiros de cada chave
Ceará C rá Corinthians inth t
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Internacional-RS nacional c RS RS Internacional-SP Internacional-S ternacional SP
América-RJ A m c R Atlético GO Atlético-GO O Atlético-MG tic MG G A Atlético-PR Fluminense minense inense Goiás oiás Grêmio ê Guarani Gu
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Com a desistência da CBF de organizar a competição, o Clube b dos d 13 3 decidiu realizar seu próprio campeonato
Atlético-MG Bahia Botafogo Corinthians Cruzeiro Flamengo Fluminense Grêmio
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Capítulo 5: legado
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Cláudio Adão, pelo Cruzeiro, foi uma das atrações da Copa União
O Clube dos 13 ainda convidou as três equipes equipes mais equi populares p p a de Estados que não tinham tinh vaga ti na Copa União, para tornar a competição mais nacional
Coritiba Goiás Santa Cruz
o ano seguinte, a CBF voltou a organizar o Brasileirão, apesar de o nome Copa União ter sido mantido por mais uma temporada. “A Globo apoiou com força o torneio de 1987 e sentiu-se traída pelos clubes no ano seguinte”, afirma o jornalista Juca Kfouri, comentarista da emissora na época. Ainda assim, não se pode dizer que o torneio não deixou rastros. A média de público da competição, 20.877 pagantes, é a segunda maior da história. Somando-se também o dinheiro pago por patrocinadores, as equipes faturaram o equivalente a um público médio de 40 mil pessoas por jogo. De lá para cá, os grandes clubes aumentaram sua voz nas discussões do futebol brasileiro. Desde então, o principal torneio do país passou a prever sistema de promoção e rebaixamento (exceções feitas a 1993 e 2000). “O que era para ser uma revolução transformou-se em uma transição, mas não deixou de ter importância histórica”, comenta o jornalista Celso Unzelte, pesquisador da história do futebol brasileiro. A maior interrogação, no entanto, continua a ser a respeito do título daquele ano. “Essa confusão toda até foi boa para a gente, pois todos lembram que somos os campeões de 1987. Ninguém fala no título do Bahia, em 1988”, ironiza Homero Lacerda, do Sport. Para o jornalista Roberto Assaf, autor de três livros sobre a história do Flamengo, o fim da polêmica depende da CBF. “Enquanto a CBF não determinar que o Flamengo também é campeão de 1987, sempre vai se discutir a legitimidade da conquista do Sport”. E o troféu Copa Brasil? Criado em 1975, ele seria posse definitiva do primeiro clube que conquistasse três Brasileirões consecutivos ou cinco alternados. Pelos critérios da CBF, até hoje a peça não tem dono. Pelo Clube dos 13, é do Flamengo. Sem saber o que fazer, a confederação desistiu da taça, que está esquecida em um cofre da Caixa Econômica Federal, no Rio de Janeiro.
A CBF decidiu organizar o Amarelo Módulo óduloo Amarel Amarelloo com os clubes que se classificaram entre os 28 da Copa Brasil 1986 e não estavam na Copa União. Ainda convidou Sport e Vitória
Para definir os 24 participantes da Copa União de 1988, a CBF convidou os integrantes do Módulo Verde de 1987 e os oito primeiros do Módulo Amarelo. A exceção foi o América-RJ, que ficou com a vaga da Internacional-SP, como compensação pelo ano anterior.
América-RJ* América-R m Atlético-PR Atlético-GO Bangu Ceará Criciúma CSA Guarani
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Internacional-SP Joinville Náutico Portuguesa Rio Branco-ES Sport Treze Vitória
Criciúma r Cruzeiro z i Flamengo Fluminense i Goiás G oiá Grêmio ê êm Guaran Guarani u Internacional-RS n ci l RS RS
Portuguesaa SSanta anta C Cruz Santos São Paulo P l S Sport Vasco V Vitória
* Em protesto pela exclusão na Copa União, o América-RJ não disputou o Módulo Amarelo.
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Marcelo Elias/Gazeta do Povo
Balcão FC, por Carlos Eduardo Freitas
Laranjas mecânicas
Você nunca foi num jogo desses clubes, não torce para nenhum deles e não sabe nem que eles existem, mas eles estão entre os maiores “exportadores” de jogadores do país
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Clubes brasileiros que mais venderam jogadores para o exterior *
Iraty prepara desde cedo jogadores para sair do Brasil
1° 2° 3° 4° 5° 6° 7° 8° 9° 10° 11° 12° 13° 14° 15°
Cruzeiro .................................................................. 67 Atlético-PR...................................................... 60 Palmeiras .............................................................. 55 Corinthians-AL............................................. 54 Inhumense/Anápolis ............................ 52 Matsubara .......................................................... 45 Vasco .......................................................................... 44 Atlético-MG..................................................... 43 Corinthians........................................................ 41 Juventude ............................................................ 40 São Paulo ............................................................. 40 Santos ....................................................................... 37 Iraty.............................................................................. 33 União Barbarense .................................... 31 São Caetano .................................................... 31
* 2003 a 2006
Fonte: CBF
m junho de 2006, depois de quatro anos, chegou ao fim o contrato de Zé Roberto com o Bayern de Munique. O meia não quis renovar o vínculo e, apesar de propostas de equipes européias, decidiu voltar ao futebol brasileiro, mesmo tendo sido um dos poucos que se salvaram na opaca campanha da Seleção na Copa. Nos últimos dias da janela internacional de transferências, São Paulo e Santos corriam contra o tempo para poder anunciar o jogador como reforço. Na bacia das almas, Zé Roberto foi para a Baixada Santista, vestir a camisa 10 que um dia foi de Pelé. Enquanto a imprensa voltou os holofotes para a troca de farpas entre santistas e tricolores, uma pergunta muito mais interessante ficava sem resposta. Por que razão Zé Roberto, um jogador sem contrato (e, de acordo com a Fifa, não sujeito à limitação de data), precisava acertar com um clube antes que a janela de transferências se fechasse, já que, no Brasil, qualquer transação poderia ser folgadamente feita até setembro? A pressa dos dois clubes era mais do que justificada. Zé Roberto não estava sem contrato, como todos diziam. Assim que encerrou o vínculo com o Bayern, o atleta assinou com o Central Español, atual lanterna do Campeonato Uruguaio, cujo pequeno estádio, o Parque Palermo, de Montevidéu, ele certamente nunca viu. Por que cargas d’água o ex-astro de Real Madrid e Bayern de Munique teria trocado a Liga dos Campeões pelo subúrbio da capital uruguaia? O mistério dissolve-se quando se constata que o dono do Central – e também do Rentistas, outro clube de Montevidéu, que é vice-lanterna do Campeonato Uruguaio – é Juan Figer, um dos mais influentes agentes de jogadores de futebol do planeta, “dono” de uma constelação de astros internacionais, brasileiros com passagem de destaque pela Seleção Brasileira, em sua maioria. A grafia de “dono”, com aspas, justifica-se: tecnicamente, de acordo com a Fifa, empresários de jogadores não podem “ter” atletas nem clubes. Mas, como
se sabe, para muitos, o espírito da lei pode ser distorcido para atender a interesses. Nesse assunto, Figer – que tem mais de 30 anos de carreira – certamente fez escola na América do Sul.
No limite da lei Ainda que a regra seja clara, como diz um comentarista da TV, para a lei, Figer não é dono de nenhum dos dois clubes. O próprio empresário disse, quando intimado a depor na CPI do Futebol, em 2001, que não era proprietário de jogadores – “sequer parcialmente” – e muito menos de clubes uruguaios, “como noticiado na imprensa”. Segundo ele, essas duas equipes são “apoiadas financeiramente por fundos de investimento”. Verdade. O que Figer não mencionou à CPI é que ele próprio tem participação nesses fundos de investimento, como confirmou à Trivela, sob sigilo, um excolaborador de muitos anos. Outro parceiro de Juan Figer, Wagner Ribeiro, empresário de Robinho, explica como trabalha o uruguaio: “O Figer faz o clube do Uruguai comprar o jogador e o deixa retido lá. Aí, esse timee empresta para outro, como fez com o Renato, que era do Santos, como faz com o Zé Roberto e tantos outros, como o Cléber Santana”. Logo, o procedimento não passa de um “jeitinho” para driblar a legislação da Fifa. “No fundo, é isso mesmo”, admite Ribeiro. “Mas não está fora da lei. Talvez alguém questione que moralmente não é correto, mas isso não passa de uma interpretação. Legalmente, está tudo perfeito”. De acordo com um agente Fifa que aceitou falar sob a condição de anonimato, Figer não paga nada para colocar o jogador em clube algum – nem nos brasileiros. “A grande sacada dele é convencer os outros que todos podem sair ganhando quando um bom negócio for fechado”, conta o agente. Segundo ele, esses clubes funcionam como “laranjas”, que ganham dinheiro sem grande esforço, simplesmente para servirem de fachada e tornarem legal a posse de jogadores por empresários. Maio de 2007
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Valterci Santos/Gazeta do Povo
Iraty Alex Silva (São Paulo) Brandão (Shakhtar Donetsk/UCR)
Itamar (ex-São Paulo e Palmeiras, hoje no Seongnam Ilhwa/COR)
Lino (ex-São Paulo, hoje na Acadêmica de Coimbra/POR)
Márcio Nobre (Besiktas/TUR)
Malucelli: “Não escondo de ninguém que o time está aí para vender jogadores para fora”
Negócio em expansão
Corinthians-AL Deco (Barcelona/ESP)
Marcelinho Paraíba (Wolfsburg/ALE)
Pepe (Porto/POR) Zé Carlos (Jeonbuk Motors/COR)
Tombense Bruno (Flamengo) Fellype Gabriel (Flamengo) Jônatas (Espanyol/ESP) Leonardo Moura (Flamengo) Obina (Flamengo)
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jogadores revelados
Narciso (ex-Santos)
Desde o fim da “lei do passe” e a entrada em vigor da Lei Pelé, em 2001, o futebol tornou-se um universo extremamente interessante para se fazer dinheiro, sobretudo no Brasil, um dos maiores – se não o maior – exportadores de jogadores. Investidores que antes se arriscavam na bolsa de valores, em gado ou em outros negócios passaram a apostar nesse mercado. Prova disso é que, nos últimos dez anos, o número de agentes Fifa no país subiu de apenas sete para 129. De lá para cá, a quantidade de versões brasileiras do Rentistas e do Central tem aumentado rapidamente. Na verdade, são agremiações que servem como hospedeiros para jogadores de empresários que tentam faturar com a venda de atletas, sobretudo para o exterior. Hoje, essa atividade é a mais lucrativa do futebol brasileiro, a ponto de sustentar as finanças da maioria dos clubes. Uma vez que o Brasil é rico em “matéria-prima” no assunto futebol, clubes do país desenvolveram dois modelos de gerenciamento para enriquecer seus donos com negociações de atletas. Em um deles, no esquema “hospedeiro”, o clube é só (ou quase só) uma ficção jurídica,
servindo de fachada burocrática para o empresário poder ser “dono” de atletas, assim como ocorre no Rentistas. Em outros, o objetivo é “criar” os jogadores – e os empresários têm apostado cada vez mais em atletas que ainda nem se profissionalizaram. Para tanto, oferecem ao garoto toda a infra-estrutura para desenvolvê-lo dentro de campo, além de terem como atrativo a educação básica (escola e cursos de idioma) e o acompanhamento de médicos e outros profissionais especializados.
Versões brasileiras O brasileiro que mais se aproxima do modelo “hospedeiro” do Central Español e do Rentistas é a Tombense, da cidade de Tombos. O clube disputa a segunda divisão de Minas Gerais e tem ganho destaque, sobretudo no noticiário carioca, pelas relações de seu “dono”, o empresário Eduardo Uram, com os clubes do Rio de Janeiro. Uram já teve jogadores no Botafogo e no Fluminense, mas, tornou-se “persona non-grata” em ambos, acusado de ter tirado atletas de General Severiano e Xerém, centros das categorias de base dos dois, e os levado de bandeja para rivais.
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apresenta vídeos com gols e boas jogadas de seus principais jogadores. Isso tudo é mostrado em português e inglês, claro, para facilitar a vida dos interessados. De acordo com a imprensa local, o clube é mantido por empresários portugueses, que mandam uma ajuda de custo mensal para manter a estrutura e cada vez mais buscar novas promessas.
Figer na CPI do Futebol, em uma de suas raras aparições públicas
Vendendo mais que os grandes
Número de agentes Fifa no Brasil 129
7 1997
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Hoje, Uram manda e desmanda no Flamengo, onde tem cerca de 20 jogadores. Dentro do clube, o empresário é até acusado de roubar atletas da base do próprio Flamengo e registrá-los na Tombense, para, depois, emprestá-los - em certos casos, até para a equipe da Gávea. A Tombense, neste ano, poderia ter disputado a Segundona de Minas Gerais. Não o fez porque seus dirigentes acharam que não valia a pena gastar dinheiro com viagens e despesas para jogar o torneio. Quase 2 mil quilômetros ao norte de Tombos, um clube que segue o modelo “criadouro de jogadores” é a vedete do futebol alagoano. Dono de uma das mais modernas instalações do futebol do Estado – a ponto de ser elogiada até por Rogério Ceni, em passagem do São Paulo por Maceió –, o Corinthians-AL é
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um dos recordistas de vendas de jogadores para o exterior. Nos últimos quatro anos, o clube foi o quarto que mais exportou atletas em todo o Brasil (um total de 54 jogadores – veja box na pág. 45), bem mais do que gigantes do futebol brasileiro, como Flamengo, São Paulo e o Corinthians paulista. Numa breve visita ao site oficial da equipe (www.corinthiansalagoano.com.br), já fica clara a intenção do xará nordestino do Timão: exportar. No texto de apresentação, não há espaço para dúvidas. “O objetivo principal desde a sua fundação é a descoberta de jogadores jovens e talentosos, projetando-os em seguida para o futebol nacional e internacional”. Foi de lá que saíram, por exemplo, Deco e Marcelinho Paraíba. No link “TV Corinthians”, fica mais evidente ainda a vocação de balcão de negócios: o clube
Há também os times que fazem um pouco de cada modelo. Um deles, sempre no centro de polêmicas, é o Iraty, time da primeira divisão paranaense apontado pelo empresário Fernando Gomes como o clube de Juan Figer no Brasil. A equipe é presidida por Sérgio Malucelli, apontado como sócio de Vanderlei Luxemburgo, cujo empresário é... Juan Figer. Malucelli nega veementemente essa versão. “Quase todos os jogadores do Iraty realmente atuaram pelo clube. Tem uns cinco ou seis que não o fizeram”, justifica-se o empresário, que é amigo e sócio de Luxemburgo em outros negócios, fora do futebol. O relacionamento do empresário paranaense com Figer chega a ser tão próximo que Malucelli pensou em batizar um complexo na sede do Iraty, a Casa do Atleta, com o nome do empresário. A confiança é total. “Todos os meus jogadores têm o Figer como procurador”. No caso, são mais de 100 jogadores do Iraty. A confiança que Malucelli deposita em Figer não pode ser questionada, sob o ponto de vista de negócios. Apesar de ter só um título estadual em sua história de quase 100 anos, o time da cidade de pouco mais de 50 mil habitantes está entre os maiores “exportadores” de atletas para o exterior – isso sem falar nos que são negociados dentro do país (só o Santos, treinado por Luxemburgo, tem dez jogadores). O Iraty não deverá chegar à Libertadores, nem enfrentar Chelsea ou Milan no Mundial da Fifa. No futebol de hoje, porém, o Azulão, como a torcida chama o time, tem tantas chances de vender um jogador para um desses gigantes quanto o campeão da Libertadores. Pelo que os números mostram, aliás, tem até mais chances.
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O melhor da América
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64 páginas, com o perfil dos 32 clubes participantes, entrevistas e tudo o que você precisa saber sobre a competição
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Já nas bancas! 4/27/07 9:02:48 AM
Aris Messinis/AFP Photo
Capitais do futebol, por Marcio Kohara
Nascidos da
guerra Dominado por três clubes, o futebol em Atenas cresceu em função de uma derrota militar
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o final de maio, Atenas se transformará na capital do futebol europeu, com a realização da final da Liga dos Campeões. Mesmo o jogo sendo no Estádio Olímpico Spiridon Louis e com a atmosfera festiva esperada, os torcedores locais assistirão à partida com uma ponta de frustração, pela ausência de jogadores ou equipes gregas. A história foi diferente um dia. O Panathinaikos chegou à final da Copa dos Campeões em 1971 e enfrentou o Ajax de Cruyff, que venceu o jogo e iniciou uma hegemonia européia de três anos. Ainda que o vice-campeonato europeu seja o ápice dos clubes gregos no continente, o futebol ateniense – e do resto do país – não pára
aí. A capital Atenas e sua região metropolitana, conhecida como Ática, é o principal centro urbano e econômico da Grécia, concentrando sete dos 16 clubes da Super League. Apesar de já existir anteriormente na cidade, praticado em clubes como o Panathinaikos (surgido em 1908), o futebol ateniense desenvolveu-se mesmo entre as décadas de 1920 e 1930. A federação grega foi fundada em 1926, e o campeonato nacional foi disputado pela primeira vez dois anos depois. Esse “boom” futebolístico tem relação direta com o fim da Guerra Turco-Grega. Derrotados nesse confronto, que buscava a expansão do território helênico, os gregos acertaram uma troca de populações com os turcos. Houve um
grande deslocamento de pessoas de ambos os lados, e grande parte dos refugiados gregos advindos da Turquia foi parar na Ática, delineando o perfil dos times que existem até hoje. A criação de clubes de futebol foi uma maneira encontrada pelos novos habitantes para se integrarem com a população local. Um dos frutos desse fenômeno é o AEK, cujo nome, numa tradução literal, significa União Atlética de Constantinopla (nome da atual Istambul, capital da Turquia). O clube foi fundado em 1924, por alguns dos refugiados daquela região. Outro clube criado por refugiados é o Panionios. Estabelecidos em Smyrna (hoje conhecida como Izmir, na Turquia) desde o século XIX, os Istorikos (“Históricos”) mudaram-se
Super League
(primeira divisão)
clubes da cidade
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1 Olympiacos Syndesmos
Filathlon Peiraios 34 Campeonatos Gregos 22 Copas da Grécia 1 Copa dos Bálcãs
2 Panathinaikos
Athlitikos Omilos 19 Campeonatos Gregos 16 Copas da Grécia 1 Copa dos Bálcãs
2 Athlitiki Enosis
Konstantinoupoleos 11 Campeonatos Gregos 2 Copas da Grécia 1 Copa do Mediterrâneo
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O futebol grego é historicamente dominado por três potências: duas da capital, Panathinaikos e AEK, e uma da Ática, o Olympiacos. Uma mostra da força dos três é o dado de que 64 dos 70 títulos nacionais ficaram com um deles. Nas dez últimas temporadas, nove títulos foram ganhos pelo Olympiacos, ainda mais hegemônico depois da
Se, tecnicamente, os clubes gregos não são os mais fortes da Europa, o fator campo acaba por equilibrar a disputa contra os poderosos times ocidentais. Os torcedores sabem como pressionar os adversários em suas visitas e, fazendo muito barulho, incentivam e levam seus times a vitórias que, em condições normais, não aconteceriam. Por outro lado, excessos não são raros, e problemas com esse tipo de exagero dos fãs são recorrentes. O ódio existente entre os torcedores dos clubes gregos é algo extremado, e batalhas campais às vezes acontecem. O governo grego tomou algumas atitudes para coibir a violência, como o banimento de torcidas organizadas dos estádios. Imagina-se que esse seja o primeiro passo de muitos que ainda precisam ser feitos para resolver esse problema da Super League .
Grécia
Atromitos, Egaleo, Ionikos
Gama Ethniki
Ethinikos Asteras, Ethnikos Piraeus (1 Copa da Grécia), Haidari, Ilsiakos, Kallithea, Proodeftiki, Thrasyvoulos
(terceira divisão)
Syllogos Smyrnis 2 Copas da Grécia
Beta Ethniki
3 Panionios Gymnastikos
(segunda divisão)
localização
Do gramado do Estádio Olímpico de Atenas sairá o próximo campeão europeu
Acharnaikos, Aghios Dimitrios, Apollon, Ilioupoli, Koropi
Ática
2 Atenas
1
3,2 milhões de habitantes Atenas + Ática: 3,7 milhões
Agia Paraskevi, Agioi Anargyroi, Aias, Athinais, Athinaikos, Fostiras, Nea Ionia, Rouf, Sourmena, Terpsithea, Atromitos, Ermis, Iraklis, Moschato, Perama
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Atenas
Delta Ethniki
Três potências
FANATISMO FATAL
venda do clube para o magnata Sokratis Kokkalis, na década passada. Kokkalis tem feito grandes investimentos, o que tem garantido ao time mais popular da Grécia a possibilidade de contar com estrelas de nível mundial, como o brasileiro Rivaldo, hoje principal ídolo dos Thrylos (“Mitos/Lendas”). Por outro lado, o controlador do Panathinaikos, Giannis Vardinoyiannis, prefere privilegiar a formação de jovens jogadores locais, mesmo sendo membro de uma das famílias mais ricas da Grécia. Apesar de o clube ter a melhor infraestrutura dentre os times gregos, não consegue competir com os investimentos do time de Pireu. A terceira força do futebol grego, o AEK, além de não ter a sorte de contar com um mecenas, ainda foi envolvido num escândalo que quase liquidou o clube e forçou a venda de vários campeões da Eurocopa de 2004. Assumido por um grupo de empresários e sob o comando do ex-ídolo Demis Nikolaidis, está voltando a seus melhores dias.
(quarta divisão)
junto com a população local em 1922 e fincaram base em Nea Smyrni. Da mesma forma, o Egaleo tem sua origem relacionada com os refugiados de Hierápolis, e o Chalkidona, que se fundiu com o Atromitos em 2005, originou-se com os refugiados do bairro de Istambul de Kadikoy (onde hoje fica a sede do Fenerbahçe). Mesmo os clubes já existentes na região sofreram alterações significativas pelos refugiados e veteranos da Guerra Turco-Grega. Um exemplo é o próprio Panathinaikos, que teve suas cores e seu símbolo (um trevo) sugeridos por Michalis Papazoglou, um herói de guerra.
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Embaixadas Portugal, por Cassiano Ricardo Gobbet e Zeca Marques
Bosman
à portuguesa Sentença da Justiça de Portugal deixa os clubes em pânico com a possibilidade dos jogadores poderem rescindir contratos com custos muito menores
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ma importante decisão do Supremo Tribunal de Portugal não fez tanto barulho quanto a aprovação da lei Bosman em 1996, quando caiu a limitação de uso de jogadores comunitários por clubes dentro da União Européia. Talvez fosse o caso de pensar de novo. Os dirigentes lusos certamente já o fizeram. O caso que levou à sentença do tribunal luso teve origem na transferência do jogador Zé Tó, que deixou o União Leiria e foi para o Salamanca, da Espanha. O time português entrou na Justiça, pedindo € 10 milhões de indenização, mas teve de se contentar com € 400 mil. Na prática, essa sentença determinou que, quando um jogador quiser sair de um clube, tudo o que ele precisa fazer é pagar
O que é a lei Bosman? A lei Bosman veio de uma decisão da Corte Européia determinando que atletas sem contrato poderiam mudar de clube sem ter de pagar indenização. Ela surgiu em decorrência de ação proposta em 1990 por Jean-Marc Bosman, então meia belga do Liège, contra seu time, para assinar com o Dunkerque, da França.
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ao time o equivalente aos salários que receberia no restante de seu contrato. Para citar um exemplo, o meia-atacante Nani, do Sporting, avaliado pelo clube em € 20 milhões, poderia se desvencilhar de seu contrato por apenas € 192 mil. Adivinhe se os grandes europeus se ouriçaram... O abalo de Portugal pode se transformar em um tsunami na Europa? Sim. Se o caso for levado à Corte Européia, a medida portuguesa pode virar lei no resto do continente. Daí, a disputa entre os clubes por atletas pode tornar-se uma guerra. “Acredito que essas mudanças tornarão os clubes mais sensatos para sentar à mesa e discutir o que é ou não possível”, observa Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores de Portugal. “A legislação esportiva não pode se sobrepor àquelas determinadas pelos Estados democráticos”. Segundo Evangelista, a decisão da Justiça lusitana simplesmente adequou a lei do país a um princípio básico da Constituição Européia, que diz que nenhum cidadão europeu pode ter seu direito ao trabalho restrito. Para aumentar a temperatura do caldeirão da Uefa, entidade máxima do futebol europeu, uma outra decisão, tomada por
um juiz na França, também derrubou o direito que os clubes têm sobre os jogadores formados em suas divisões de base. Hoje, o time formador tem direito a receber uma compensação em qualquer transação ocorrida antes de o atleta fazer 23 anos, mas o veredicto francês pode acabar até com isso. “Se a decisão portuguesa é um terremoto de seis graus na escala Richter, a francesa é de oito”, compara Evangelista. Na França, no entanto, a decisão ainda permite recursos em várias instâncias. Há controvérsias sobre as chances de a decisão portuguesa estender-se para o resto da Europa. O grupo de advogados do Sindicato dos Jogadores Profissionais (FifPro) acha que é questão de tempo para todas as barreiras caírem (veja box). Só que não há quem discorde e entenda que a questão vá se limitar a Portugal. Para os clubes portugueses, apesar das previsões catastrofistas – dirigentes do país dizem que o êxodo em massa vai acabar com o futebol de Portugal –, o mais lógico é que o impacto seja menor do que o imaginado. Do time titular que iniciou a semifinal com a França no último Mundial, por exemplo, apenas o goleiro Ricardo não defendia as cores de
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João Moutinho, do Sporting, é um dos jogadores que atrairá interessados com a nova lei
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Evangelista. “Os agentes, na minha opinião, não deveriam fazer parte do mundo do futebol, mas já que eles existem, têm de ser submetidos à uma legislação bem rigorosa”, diz. Se os legisladores não estiverem atentos à atuação desses profissionais, corre-se o risco de apenas transferir o dono do poder tutelar sobre o atleta – que deixaria de pertencer a um clube e passaria a ser “propriedade” de um agente internacional. Mas espera aí: já não é isso mesmo o que acontece?
“Decisão portuguesa é histórica” Wil van Megen, advogado da FifPro A sentença portuguesa vai reverberar no resto da Europa? Sem dúvida. Acredito que a sentença de Portugal deve ter repercussão na Europa rapidamente, porque ela vem proteger um direito garantido pela Constituição Européia. A Fifa tinha chegado a um acordo com a União Européia para evitar que contratos pudessem ser quebrados antes de um certo período, mas isso foi claramente um arranjo que vai contra a lei européia.
Francisco Leong/AFP Photo
um clube estrangeiro. Todos os demais já haviam deixado o país, em busca de melhores salários. No máximo, num primeiro momento, os clubes portugueses tentarão se precaver, fazendo contratos mais longos com seus atletas – o que tornaria a indenização maior, em caso de rescisão. Um dos temores que até o próprio sindicato tem é o de que a legislação transfira ainda mais poder para os agentes dos atletas, “alçapões por onde escoa o dinheiro do futebol”, na opinião de
Por que razão o senhor está tão certo de que a lei européia vai absorver essa decisão? Porque em qualquer área contratos podem ser quebrados, e essa sentença só vem a adequar a lei à legislação européia. Na verdade, trata-se de um progresso lógico da sentença Bosman. A liberdade do indivíduo de trabalhar onde quiser não pode ser cerceada. Trata-se de uma decisão histórica, que deve se transformar em jurisprudência na Europa.
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Inglaterra, por Tomaz R. Alves
A Catedral do Futebol
está de volta Não faltaram percalços, erros e atrasos. Mas o novo Estádio de Wembley está pronto – e é espetacular
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m prédio pode ter alma? Pensando racionalmente, não. Não passa de uma junção de ferro, concreto e outros materiais. Só que, em alguns casos, a história do local pode conferir a ele uma aura, um magnetismo que vai muito além de sua parte física. É o que ocorre com alguns estádios de futebol – e certamente o que acontece em Wembley, na zona norte de Londres. Reconstruído de maneira totalmente diferente da original, o templo inglês manteve a majestade. Sete anos depois da última partida no velho estádio, sua nova versão parece uma velha conhecida. Wembley já nasceu carregado de uma tradição herdada de seu antecessor. Do início do projeto até a inauguração, foram dez anos atribulados, com gastos, atrasos e erros milionários. Antes de ser oficialmente reinaugurado – com a final da Copa da Inglaterra –, o estádio foi palco de um evento de teste, com capacidade reduzida, para avaliar suas condições gerais. Nesse dia, em março, a seleção inglesa sub-21 enfrentou a Itália sub-21. Ninguém esperava uma grande partida, mas eis que as duas equipes, inspira-
O novo Wembley (laranja) é muito maior que o antigo (azul)
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das, fizeram um jogaço: 3 a 3, com direito a um “hat trick” de Giampaolo Pazzini. O italiano marcou o gol mais rápido da história do estádio – tanto do antigo quanto do novo –, aos 25 segundos de jogo, deixando claro que a magia de Wembley ainda está intacta.
A catedral “Wembley é a catedral do futebol, é a capital do futebol e o coração do futebol”. Essa frase de Pelé é célebre na Inglaterra. A deferência prestada pelo “Rei” é um dos argumentos usados pelos ingleses, quando dizem que Wembley o estádio mais importante do mundo – e é difícil discordar. A aura de Wembley foi construída ao longo de décadas, com acontecimentos que marcaram a história do futebol inglês e mundial. Já na abertura, um fato histórico: mais de 200 mil pessoas aglomeraram-se para assistir à final da FA Cup de 1923 – evento que é considerado, junto com a decisão da Copa de 1950, o maior público presente a uma partida de futebol. Em 1966, o estádio recebeu final da Copa do Mundo, com vitória inglesa. A pior derrota do English Team também foi em Wembley: em 1953, a Hungria de Puskas humilhou a Inglaterra por 6 a 3.
Erros e atrasos Apesar de todo o charme e de sua importância histórica, o peso do tempo começou a se fazer sentir em Wembley. O estádio foi construído na década de 20 e, apesar de bem conservado, não resistia a comparações
Para onde foi a grana Nem todo o € 1,1 bilhão gasto no novo Wembley foi usado na construção do estádio propriamente dito. Confira para onde foi o dinheiro:
53% 18% 12%
construção em si compra do terreno custos dos empréstimos (em geral, juros) 8% melhorias na infra-estrutura da região 6% desenvolvimento do projeto 3% demolição do estádio antigo
Do valor gasto na construção, em torno de 70% veio de um empréstimo do banco alemão Westdeutsche Landesbank. O resto foi financiado com dinheiro público – parte de fundos da loteria nacional e parte do Governo e da Agência de Desenvolvimento de Londres.
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Eddie Keogh/Reuters
Moderno e tradicional, Wembley é assunto até durante a construção
com os modernos recintos que os clubes da Premier League construíram na última década. Mesmo com uma atmosfera única, o velho estádio oferecia uma visão limitada do campo, além de cadeiras apertadas e uma infraestrutura muito distante das mais modernas. Na década de 90, a federação inglesa concluiu que não seria possível adequar o estádio aos padrões exigidos pela Fifa para grandes finais com uma simples reforma. Para Wembley entrar no século XXI, era preciso botar o estádio abaixo e construir um novo no lugar. O projeto começou em 1997, comandado por um comitê que tinha à frente Ken Bates, à época presidente do Chelsea. No início, falava-se em gastar € 700 milhões, mas à medida que se adicionavam ao projeto recursos como um hotel e um centro de convenções, os valores cresciam. Em 2000, foi assinado o contrato de construção com a Multiplex – a mesma empresa que fez o Estádio Olímpico de Sydney. No entanto, as obras não puderam ser iniciadas, porque o comitê não conseguia encontrar bancos dispostos a financiar o projeto. Esse problema forçou a saída de Bates, que foi
substituído por Sir Rodney Walker. A situação arrastou-se até maio de 2002, quando a federação finalmente encontrou um financiador: o banco alemão Westdeutsche Landesbank. A essa altura, o projeto já havia sido simplificado, mas mesmo assim o orçamento final ficou em incríveis € 1,1 bilhão. Como comparação, vale mencionar que o Millenium Stadium, de Cardiff, custou € 190 milhões, e o Stade de France, que recebeu a final da Copa de 1998, saiu por € 700 milhões. As obras tiveram início em setembro de 2002, mas outros percalços ainda estavam por vir. Em janeiro de 2004, um andaime caiu, matando um operário. Em agosto do mesmo ano, os trabalhadores entraram em greve, após 200 funcionários serem demitidos devido a divergências sobre pagamentos de bônus. Para piorar, a Multiplex brigou com seu principal fornecedor, atrasando todo o cronograma. Ainda por cima, a empresa errou o tipo de cimento usado na base do arco que passa sobre o estádio e enfrentou problemas com o sistema de esgoto. Como resultado, a conclusão de obra atrasou um
ano, e a Multiplex fechou o projeto com um prejuízo de dezenas de milhões de euros.
Final feliz Ainda que as trapalhadas no projeto tenham ameaçado transformar um orgulho nacional em piada, o resultado final impressiona. Com 90 mil lugares, é o maior do mundo com 100% dos assentos cobertos. Seu teto retrátil é sustentado em grande parte por um gigantesco arco de 133 metros de altura, que é a marca registrada do novo Wembley. O arco, além do valor estético, permite que o teto se sustente sem pilares. Graças a isso, nenhum lugar do estádio tem a visão do gramado prejudicada. Se o aperto era um problema no antigo Wembley, no novo não é mais: segundo os construtores, todos os lugares são mais espaçosos até que os assentos reservados para a rainha no estádio antigo. Com a reabertura de Wembley, é visível o alívio e o orgulho dos torcedores ingleses. Parecia muito difícil construir um novo recinto à altura das tradições e importância do antigo. Ao que tudo indica, conseguiram. Maio de 2007
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Bru Garcia/AFP Photo
Espanha, por Ubiratan Leal
Clube-empresa?
Nem a pau! Real Madrid mexe-se para manter status de entidade esportiva
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oatos envolvendo o Real Madrid são tão ou mais comuns que os ligados a Paris Hilton ou celebridades questionáveis em busca de mídia em Hollywood. Até os espanhóis têm dificuldade em saber o que é verdade ou não. Por isso, a confirmação de que Ramón Calderón, presidente madridista, tinha a intenção de transformar o time de Chamartín em clubeempresa caiu como uma bomba entre os associados. Na lógica merengue, essa possibilidade tem um impacto tão grande quanto uma derrota de lavada para o Barcelona. Alguns até vêem a medida com bons olhos, já que aumentaria a capacidade “blanca” de captar recursos. Mas a maioria execrou a sugestão, preferindo manter intacto o orgulho de se dizer sócio de um clube que pertence a todos, e não a uma única pessoa ou empresa. Manter o Real como uma entidade imaculada, na visão dos sócios, é mais importante do que qualquer dinheiro. O susto foi tamanho que o próprio clube tratou de classificar a notícia como “boato” e mostrou disposição de continuar como uma sociedade esportiva. O conselho até anunciou a criação de uma comissão para discutir a reforma dos estatutos do Real Madrid, para reforçar as regulamentações internas e
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evitar que algum dirigente tente transformar o clube em sociedade anônima no futuro. Essa é a terceira vez que a torcida madridista convive com esse fantasma. Em 1990, o governo espanhol queria mais transparência administrativa dos clubes e obrigou todas as equipes de futebol profissional a se transformarem em sociedades anônimas esportivas (figura jurídica criada naquele ano). Dos times da primeira divisão, apenas Real Madrid, Barcelona e Athletic de Bilbao escaparam. O fato de serem clubes faz parte de suas identidades, e os três se dispuseram a aceitar condições exigidas pelo governo para não se transformarem em empresas. A outra vez em que o Real Madrid quase virou uma S.A. foi em 1999, durante a gestão de Lorenzo Sanz. Com dívidas de 35 bilhões de pesetas (cerca de € 200 milhões), a diretoria não via muitas saídas. A solução mais viável para capitalizar o clube era transformar-se em sociedade anônima esportiva, para receber investimentos diretos e colocar ações na bolsa de valores. No entanto, os Merengues venderam o terreno de seu centro de treinamento, em área nobre de Madri, e conseguiram equacionar o passivo e continuar a ser propriedade de seus sócios.
Torcida não quer nem ouvir Calderón (foto) falar em clube-empresa
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Alemanha, por Carlos Eduardo Freitas
De volta ao
centro das atenções Quase 20 anos depois da geração campeã mundial em 1990, Alemanha volta a exportar jogadores para grandes clubes do exterior À medida que se aproxima o fim da temporada 2006/7, começam as especulações que indicam uma grande leva de jogadores alemães a caminho de outros centros. O zagueiro Christoph Metzelder, do Borussia Dortmund, fez exames médicos no Real Madrid e será apresentado como novo reforço merengue tão logo chegue ao fim a Bundesliga. Thorsten Frings, outro destaque do Nationalelf nas últimas duas Copas do Mundo, foi a Turim e fez exames para, ao que tudo indica, assinar com a Juventus. O goleiro Timo Hildebrand, do Stuttgart,
também avisou que não renovará com o clube, para ir jogar na Espanha. Miroslav Klose, artilheiro do último Mundial, é mais um que está há tempos no radar dos principais clubes europeus. Enquanto comandou a seleção, Klinsmann foi massacrado pela imprensa alemã, por suas decisões e convocações. Ao ver o interesse que seus ex-atletas despertam nos maiores clubes europeus, certamente não deve deixar de atender à mídia de seu país com um sorriso irônico no canto da boca, como quem diz: “Eu já sabia”.
Alemães no exterior Ballack, estrela do Chelsea
Frings, reforço juventino
Fotos Reuters
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ouco depois da Copa do Mundo de 1990, o futebol alemão estava valorizadíssimo. A seleção era campeã, e seus jogadores estavam entre os principais dos mais badalados campeonatos europeus, sobretudo no futebol italiano. Lothar Matthäus, Andreas Brehme e Jürgen Klins– mann jogavam pela Internazionale; Rudi Völler e Thomas Berthold, na Roma; Jürgen Kohler, Stefan Reuter e Andreas Möller, na Juventus; Stefan Effenberg, na Fiorentina; Karlheinz Riedle e Thomas Doll, na Lazio. No resto do continente, a moral dos campeões mundiais era igualmente alta. Desde aquela geração, entretanto, poucos foram os jogadores alemães que conseguiram destaque internacional. Menos ainda os que foram jogar no exterior. Desde o ano 2000, quando a eliminação da Eurocopa pôs um ponto final na era Matthäus, a seleção passou por uma fase de desintegração e reformulação, passando pelo comando de Berti Vogts, Christoph Daum, Rudi Völler e, finalmente, Klinsmann. Todos foram bastante criticados, sobretudo o último, por terem levado tantos jogadores jovens e inexperientes a vestir a camisa do Nationalelf. Menos de um ano após a Copa do Mundo da Alemanha, porém, os frutos começam a ser colhidos. Quem puxou a fila foi Michael Ballack, que, após muita controvérsia, mudou-se do Bayern de Munique para o Chelsea. Trocou o conforto e a quase garantia de títulos em seu país pelo desafio de triunfar num novo mercado – e, claro, faturar alto com seu salário milionário.
Metzelder, indo para Madri
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Getty Images/AFP
Escócia, por Tomaz R. Alves
Brooks Mileson levou o pequeno Gretna à final da Copa da Escócia
Cinderela escocesa Gretna, cidade de apenas 2,7 mil habitantes, está a um passo de ter um time na primeira divisão da Escócia
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População das cidades com times na Premier League (em mil habitantes*) 650 500 350 200
*de acordo com o censo de 2001
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Gretna
Motherwell
Falkirk
Dunfermline
Inverness
Kilmarnock
Paisley
Dundee
Aberdeen
Edimburgo
Glasgow
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e fosse a história de um filme, ninguém acreditaria. Imagine um time de uma pequena cidadezinha, novato na quarta divisão. De repente, a equipe conquista três promoções seguidas e chega à elite. No meio do caminho, ainda consegue ser vice-campeã da copa nacional. Essa história digna de conto de fadas é real e está acontecendo com o Gretna. A equipe da cidade de mesmo nome, cuja população é de apenas 2,7 mil habitantes, está a uma vitória de conquistar o direito de disputar a Premier League escocesa. É claro que uma ascensão meteórica como essa só poderia acontecer com a ajuda de um patrono multimilionário. No caso do Gretna, ele atende pelo nome de Brooks Mileson. Se você pensou em Roman Abramovich, Vladimir Romanov ou Malcolm Glazer, esqueça. Mileson é diferente. Com uma fortuna estimada em € 110 milhões, ele é um verdadeiro fanático por futebol.
Além de investir em jogadores, o dono procura estreitar os laços do clube com a comunidade, dando ingressos grátis para crianças e bancando o treinamento de milhares de jovens da região. Nas partidas do time, Mileson pode ser encontrado na geral, vibrando no meio da torcida. O crescimento do Gretna foi incrível. Na quarta e na terceira divisões, o time deu um banho nos adversários. Em 2004/5, a equipe fechou a campanha 20 pontos acima do segundo colocado, com um saldo de gols de +101. Na temporada seguinte, o título da Terceirona foi conquistado com 18 pontos de folga. O terceiro acesso mostra-se mais difícil: a equipe chegou à última rodada apenas um ponto à frente do vice-líder St. Johnstone (apenas uma equipe sobe para a Premier League). E teve mais: em 2005/6, a equipe ainda conseguiu a proeza de chegar à final da Copa da Escócia. Foi a primeira vez na história que um time da terceira divisão chegou tão longe. Na decisão, a equipe empatou com o Hearts por 1 a 1, mas foi derrotada nos pênaltis, por 4 a 2. Como o time de Edimburgo classificou-se para a Liga dos Campeões, o Gretna ganhou uma vaga na Copa Uefa – acabou eliminado nas preliminares, pelo Derry, da Irlanda. No entanto, se confirmar o acesso, a Cinderela escocesa ainda terá que enfrentar uma grande dificuldade. A Premier League exige que todas as partidas sejam disputadas em estádios com capacidade para, no mínimo, 6 mil pessoas. Parece pouco, mas é uma enormidade para uma cidade cuja população não chega a metade desse número. Para piorar, enquanto o estádio estiver em construção, o Gretna terá que mandar suas partidas em Motherwell, a mais de 100 quilômetros de distância. Na primeira divisão, o Gretna dificilmente será mais que um eterno candidato ao rebaixamento. Mas isso não importa. Para o fã de futebol, é gostoso ver, uma vez na vida, um milionário realmente interessado em fazer o bem para um clube e sua comunidade. E ainda ver um time de uma pequena cidadezinha de fronteira lado a lado com gigantes do futebol do país.
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Buffon quer disputar a Liga dos Campeões
Daniel Joubert/Reuters
França, por Ricardo Espina Patrik Sttolarz/AFP Photo
Itália, por Cassiano Ricardo Gobbet
Ex-jogador do PSG, Le Guen é santo de casa, mas fez milagre
O fantasma Paris Saint dos brasileiros Le Guen O C atual goleiro da Seleção Brasileira, Júlio César, ainda nem terminou de comemorar a conquista do Italiano com a camisa da Inter de Milão; Dida, seu antecessor defendendo o Escrete, renovou com o Milan até 2010. Ainda assim, os dois não têm sono tranqüilo. Atrapalhando o descanso dos dois brasileiros está o nome do italiano Gianluigi Buffon, campeão mundial, atualmente na Juventus. Depois de ter passado uma temporada solidária na segunda divisão, o dono inconteste da camisa 1 “azzurra” dá sinais de que deixará Turim em junho. Tudo indica que a briga por ele será em Milão. Inter e Milan são cotados pela imprensa italiana como os maiores interessados em ter o campeão mundial. Mesmo campeão italiano, Júlio César nunca conquistou a torcida interista, e Dida, mesmo de contrato novo, não tem inspirado confiança nas últimas temporadas, tanto pelas saídas incertas quanto por uma contusão insistente no ombro. “Se eu sair de Turim, não vejo times fora da Itália capazes de pagar o que a Juve pede”, disse Buffon, sinalizando uma transferência doméstica. Para aumentar o buxixo, o ex-diretor da Juventus, Luciano Moggi, deu uma entrevista à uma rádio italiana, cravando: “Buffon vai ao Milan. Dida vai para o exterior”. Já a Gazzetta Dello Sport diz que a Inter está na frente, na corrida pelo juventino. Júlio César e Dida torcem para que ambos estejam errados.
om o 4 a 0 em cima do Nantes, concorrente direto na luta contra o rebaixamento na França, o Paris Saint-Germain pela primeira vez respirou realmente aliviado, vendo a permanência na D1 como uma meta próxima. Os aplausos pelo feito, improvável até meses atrás, são para o tricampeão pelo Lyon, Paul Le Guen, que acertou a cozinha com o navio afundando. A chegada de Le Guen foi determinante para mudar o rumo da equipe. De cara, o técnico, que vinha de uma experiência ruim no Rangers, da Escócia, tratou de se impor, deixando claro quem é que mandava. Não teve receio de mandar titulares para o banco (como o português Pauleta, por exemplo), com a seguinte mensagem: não rendeu, está fora. Le Guen foi ajudado pela chegada de alguns bons reforços. O armador Marcelo Gallardo devolveu ao meio-campo um nome com qualidade para fazer o time andar; Peguy Luyindula deixou o ataque mais incisivo do que quando Pauleta era o titular absoluto, e, na retaguarda, Jeremy Clemént foi o galvanizador da defesa sob o comando de Le Guen. Depois de ter sido tricampeão pelo Lyon, a reversão de tendência que Le Guen provocou no clube da capital francesa (o PSG chegou a ocupar a última posição) fortalece o seu currículo como um dos melhores treinadores franceses da atualidade. Com novos proprietários e o técnico planejando a próxima temporada, há espaço para otimismo na “cidade-luz”. Maio de 2007
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Cultura, por Leonardo Bertozzi
Botão, brincadeira envelhecida
Fotos Cassiano Ricardo Gobbet/Trivela
Apesar do trabalho de alguns aficionados fiéis, concorrência com os videogames e escassez de ofertas nas lojas fazem com que o botão corra o risco de virar um jogo só de adultos
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om Wiis, Playstations e Dreamcasts travando uma briga de foice para ganhar os corações e mentes dos mais jovens, os passatempos prediletos de gerações passadas foram perdendo terreno. O que provavelmente era o favorito de nove entre dez garotos há algumas décadas – o futebol de botão – hoje vive uma crise que mistura a competição eletrônica, a briga por royalties das marcas dos times e a própria dificuldade de se encontrar os botões e mesas. Hoje, encontrar times de botão à venda é uma tarefa mais dura do que há alguns anos. Fabricantes importantes deixaram o mercado, e até o mais renomado deles, a fábrica paulista Brianezi, deixou de funcionar em 2001. “Escritórios de advocacia que falavam pelos clubes pediam uma fortuna para usarmos suas marcas, e tivemos de parar”, explica Lúcio Brianezi, filho do famoso “artesão” botonista, Paulo Brianezi. Diante deste panorama, o futebol de mesa, como esporte, ou jogo de botão, como brincadeira, tenta garantir sua sobrevivência para as próximas gerações e livrar-se da imagem de ‘’jogo de adulto’’ que tem adquirido nos últimos tempos. O advogado Marcus Buiatti, de 32 anos, tem cerca de 300 times de botão e uma mesa oficial em seu quarto. ‘’Tenho times suficientes para fazer vários campeonatos internacionais’’, brinca. ‘’Quando eu era garoto, não havia tantas transmissões de jogos de futebol do exterior. Jogar botão era minha maneira de imaginar como eram esses times, seus estádios’’. Entusiasta confesso do futebol de botão, o di-
O CLÁSSICO, EM BREVE ONLINE Os jogadores de Football Manager, o viciante simulador feito pela SI Games, podem se preparar para mais noites sem sono. A empresa britânica anunciou o lançamento de uma versão do jogo na qual o jogador cria seu time e interage com outros “técnicos” em uma competição online com ranking de melhores times, compra e venda de atletas, gerenciamento das finanças do clube e alertas via SMS. Segundo os autores do game, o FM Live estabelece novos conceitos dos jogos multiplayer do gênero. Antes de terminar com a sua namorada ou pedir divórcio para poder jogar uma partidinha extra, espere. O joguinho só deve sair no começo de 2008. “Football Manager Live” Lançamento: 2008
retor de jornalismo da ESPN Brasil, José Trajano, disse à Trivela que costuma jogar com o filho adolescente. ‘’O pai tem que incentivar. Comprar um time para o filho, ter uma mesa boa em casa. Infelizmente, virou jogo de adulto’’. Dizer que o botão está morrendo também é exagero. Federações e clubes de amigos mantêm a prática viva, mesmo que limitada a poucos fanáticos. Quem ainda joga sabe como é bom poder fazer um cruzamento de Gerson para Van Basten e arrematar com Roberto Baggio. Se o time é seu, a escalação é tão livre quanto a imaginação permitir.
lançamentos
CRUZEIRO, DETALHE POR DETALHE Depois dos almanaques feitos por Celso Unzelte e companhia sobre os times paulistas (e Flamengo), agora também os cruzeirenses poderão escarafunchar os detalhes do passado do clube e descobrir quem foi o ponta-direita reserva naquele obscuro empate com o URT, na noite chuvosa de uma quarta-feira perdida no passado. O jornalista Henrique Ribeiro está lançando o Almanaque do Cruzeiro, com mais de 4 mil fichas de jogos da Raposa, desde 1921. Comprar não é difícil e dá para encomendar pela Internet, no site www.almanaquedocruzeiro.com.br. “Almanaque do Cruzeiro Autor: Henrique Ribeiro Preço sugerido: R$ 39
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Negócios, por Caio Maia
Para que
serve? Lei de Incentivo ao Esporte oferece dinheiro novo para o setor, mas o impacto inicial no futebol deve ser limitado
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os últimos dias de 2006, a Câmara dos Deputados aprovou e o presidente Lula sancionou a chamada Lei de Incentivo ao Esporte. Nos moldes da Lei Rouanet, como é conhecida a Lei de Incentivo à Cultura, a legislação aprovada prevê que empresas que paguem Imposto de Renda pela modalidade de lucro real podem destinar parte do imposto devido para ações de incentivo ao esporte. Nos dias anteriores à aprovação, uma intensa discussão ganhou o noticiário, entre artistas e esportistas, sobre a conveniência de permitir que o esporte “tomasse” parte dos recursos destinados à cultura. Com isso, pouco se falou sobre o principal: o que prevê a lei aprovada e que mudanças pode trazer ao esporte brasileiro – incluindo o futebol. De acordo com a lei, o esporte poderá receber recursos para quatro tipos de proje-
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to: os de desporto educacional, esporte de rendimento, de simples participação ou os que promovam a inclusão social. Em maio, virá a definição mais clara do que cada tipo significa e das condições, com a regulamentação da lei. Apesar das semelhanças, há algumas diferenças com relação à lei da cultura. A maior delas refere-se a quem pode receber o dinheiro. Na área cultural, qualquer um pode, inclusive empresas com fins lucrativos – como, por exemplo, Ivete Sangalo e produtores de cinema bem sucedidos. A alegação é de que um dos objetivos da regra é “fortalecer o mercado” de cultura. A julgar pelos recursos destinados ao setor que não vêm de renúncia fiscal, não tem dado certo. No caso do esporte, não há essa preocupação, já que o mercado, pelo menos das
principais modalidades, não precisa desse tipo de ajuda. Só podem, portanto, receber os recursos captados pela lei as organizações sem fins lucrativos – como é o caso, pelo menos na teoria, dos clubes de futebol. A divisão do dinheiro entre as duas áreas também acabou beneficiando a área cultural. A lei aprovada pelo Congresso previa um limite para a isenção fiscal de 4%, o mesmo da cultura. Com isso, esporte e cultura competiriam pelo mesmo dinheiro. “O esporte tem muito mais apelo e levaria vantagem”, explica José Maurício Fittipaldi, especialista na área de incentivos fiscais. “Além disso, a cultura, não só no Brasil, sempre contou com o apoio do Estado para se desenvolver, ao contrário do esporte”. A solução encontrada pelo governo foi editar uma Medida Provisória que, ao mesmo tempo em
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que limita as isenções relativas ao esporte a 1% do total do imposto devido por pessoas jurídicas, estabelece que esse valor não tem nada a ver com os 4% da cultura. A idéia é oferecer um “novo” dinheiro para o esporte, que não estava disponível para a cultura.
Mudanças Aprovada em 1991 e implementada efetivamente a partir do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, a Lei Rouanet mudou a cultura brasileira. Para o bem ou para o mal, em 2006 foram mais de R$ 800 milhões destinados a eventos ligados à área – que, diga-se, concentram-se em grandes eventos e produções como “Dois Filhos de Francisco”, em vez de incentivar a cultura popular ou regional. “O problema da Lei Rouanet é que não há
BRASILEIRO NO AR Repetindo estratégia utilizada em 2006, a TAM fechou um acordo com o Clube dos 13 para transportar os jogadores durante o Brasileirão de 2007. Com a imagem arranhada por causa da crise aérea, a empresa pretende aproveitar a presença de atletas em seus vôos para atrair passageiros. Outra possibilidade anunciada pela companhia é a de levar clientes estratégicos para assistir a partidas nos estádios. Famosa por patrocinar clubes como São Paulo e Atlético-MG nos anos 90, a TAM tem um longo histórico de associação de sua marca ao futebol.
VISA E FIGUEIRA INOVAM Outra empresa preocupada em associar sua marca ao futebol, a Visa, anunciou uma parceria com o Figueirense, por meio da qual os usuários do cartão poderão entrar no estádio utilizando os cartões da bandeira. O torcedor terá que comprar o ingresso antecipadamente, por meio de um website, mas não precisará retirá-lo na bilheteria – o acesso será feito por meio do próprio cartão de crédito. Segundo a empresa, o serviço permite também a compra de ingressos com lugares marcados.
PATROCÍNIO DE (PERDA DE) PESO
notas
Fernando Pilatos/Gazeta Press
Projetos de cunho social estão entre os objetivos declarados da nova lei
unanimidade quanto a seus objetivos. Há quem defenda que ela serve para fomentar a indústria cultural. Outros dizem que serve para dar à população acesso à cultura, pura e simplesmente. E há quem entenda que é uma maneira de estimular a realização de eventos culturais que não seriam viáveis sem incentivo fiscal. Com isso, é impossível avaliar se ela atingiu suas metas”, diz o especialista José Maurício Fittipaldi. No esporte, ainda há a chance de deixar claras as metas, no decreto que regulamentará a lei. O que já se sabe, porém, é que o dinheiro arrecadado não poderá se utilizado para pagar salários de atletas profissionais. Está claríssimo, no caso do futebol. Mas e no do atletismo, da esgrima e de outros esportes amadores? Para Fittipaldi, a solução para a dúvida estaria no mesmo decreto. “A Lei Pelé diz que o atleta profissional é aquele que tem um contrato com o clube, que o remunera. Não dá para comparar, porém, um jogador de futebol, ou mesmo de vôlei, com um de atletismo, que recebe uma ajuda de custo do clube, mas que depende de outras fontes de recurso para sobreviver”. Pagar salário de jogador de futebol, portanto, não pode. E patrocinar time grande? A princípio, pode, mas não vai fazer muito sentido, uma vez que nenhum clube poderá pagar salários com ele. Além disso, haveria dificuldade para determinar para onde estão indo exatamente os recursos de origem pública. Uma empresa que queira, porém, investir na formação de atletas, poderá fazê-lo. A lei permite uma gama de usos para o dinheiro, que vão desde construção de um centro de treinamentos à compra de equipamentos para ele, passando pelo pagamento do salário de técnicos e médicos. O “lucro” do patrocinador, no entanto, só poderia ser na exposição de sua marca, já que ele não pode ter vantagens financeiras diretas em função de seu investimento. Assim como aconteceu com a lei para incentivo cultural, vai demorar para que o esporte aproveite as novas possibilidades de captação de recursos. Clubes com a corda no pescoço não tirarão o pé da lama com essa ajuda do governo – para isso, eles têm a Timemania. Agora, se eles usarão o dinheiro adequadamente, isso é outra conversa...
Não estranhe se, a partir do meio deste ano, David Beckham usar uma camiseta com a frase “Perca peso agora. Pergunte-me como”. Isso porque sua nova equipe, o LA Galaxy, aproveitou que a MLS liberou os patrocínios nas frentes das camisas – antes proibidos pela liga – para fechar com a Herbalife, empresa de produtos de emagrecimento que se notabilizou no Brasil pela frase. De acordo com o website da equipe, o contrato terá a duração de cinco anos. Maio de 2007
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Cadeira cativa, por Rafael Martins
O último degrau
para a Copa E
studar num colégio a 300 metros do Maracanã, com aulas no turno da tarde, era muito cômodo. Quando havia jogo no meio de semana, desde que não fosse um daqueles muito perigosos (mãe é fogo), o destino natural para a garotada, depois que o sinal tocava, era o “maior do mundo”. Certa vez, a curta caminhada aconteceu mais cedo, para garantir ingressos antecipados para Brasil x Uruguai, última partida das eliminatórias para a Copa de 1994. Comprar o tíquete era um suplício. Alguns desistiam, tal a desorganização da fil... ehr... do amontoado longitudinal que fazia carga sobre a bilheter... ehr... sobre o claustro medieval onde havia um sujeito oculto fornecendo troco e coisas do tipo. Depois de uns 45 minutos de pura barbárie, o santo graal estava na mão. A duas horas do apito inicial, o Mário Filho já estava entupido. O único espaço vago era uma pontinha do último degrau da arquibancada, atrás da baliza à direita das cabines de rádio. O lugar não era dos melhores, mas um colega do colégio, Perninha, parecia satisfeito, profetizando: “Pra quê procurar outro? Aqui tá bom, dá pra ver direitinho o gol da classificação”. Antes do apito inicial, a torcida carioca festejava seus clubes, nos quais muitos jogadores que entrariam em campo – Jorginho, Ricardo Gomes, Branco, Dunga, Zinho, Bebeto e Romário – tinham jogado. Em 1993, o futebol do Rio atacava
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de Júnior Mineiro, Aléssio e André Pimpolho. Era a chance de matar a saudade. O Brasil deu um banho no Uruguai. Antes de anoitecer, Romário já tinha carimbado o travessão da Celeste, depois de voltar do exílio imposto por Parreira e Zagallo. Com o Uruguai acuado, a sensação era de que uma goleada estava por vir. Os gols, porém, só saíram no segundo tempo. No primeiro, o Baixinho cumpriu a profecia de Perninha, depois de passe de Bebeto. Depois veio o segundo gol, também de Romário. Hoje, não é raro ouvir gente dizendo que “se não fosse o Baixinho, o Brasil nem teria ido à Copa”. Mesmo com uma grande atuação dele, a imagem é distorcida, pois todo o time jogou bem. Semanas antes, o Brasil dera de seis na Bolívia (que, à época, tinha um time razoável), com Bebeto e Müller formando o ataque. Por que, então, atribuir tudo a Romário? Será falta de memória? Embora esse seja um ponto fraco do brasileiro (pouca gente lembra que um empate sem gols teria bastado), a explicação para o fenômeno deve ser outra. Afinal de contas, numa das rampas do Maracanã, cinco minutos após o fim do jogo, Perninha repetia, rouco e entusiasmado: “Tamo na Copa! Valeu, Romárioooo!”
Você foi a algum jogo que tem uma boa história para ser contada? Escreva para contato@trivela.com que seu texto pode ser publicado neste espaço!
ficha
Do alto da arquibancada, foi grande a emoção de ver o genial Romário (e Ricardo Rocha, Dunga, Raí, Bebeto...) aniquilando o Uruguai
BRASIL 2 URUGUAI 0 Competição: Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994 Data: 19/setembro/1993 Local: Maracanã (Rio de Janeiro)
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E se..., por Cassiano Ricardo Gobbet
E se Ricardo Teixeira não fosse genro de João Havelange? udo poderia ter sido muito diferente para Ricardo Teixeira se ele tivesse atendido à razão em vez do coração e decidido não se casar com sua esposa Odete. Apesar de muito decente, Odete Teixeira, um amor juvenil do mineiro de Carlos Chagas, era, como ele, uma despossuída. A opção pelo coração foi também a opção por uma vida materialmente difícil. O que poderia ter acontecido em sua vida se ele, em vez de Odete, tivesse desposado Lúcia Havelange, a filha de João Havelange, que viria a ser presidente da Fifa? Ah, se existisse o “se”… Em meados da década de 60, o casal Teixeira deixou a cidade mineira para retornar ao Rio de Janeiro, onde Rico, como a esposa carinhosamente o chamava, tinha estudado Direito. Na excapital federal, a vida como advogado era difícil. Conseguira algumas boas oportunidades, como a gestão financeira de um clube de remo, uma federação de peteca e o comando de uma lotérica. Sua aversão ao esporte sempre foi um empecilho, no entanto, a atividades do gênero. Foi demitido sumariamente das duas primeiras e faliu a terceira. Candidatou-se à gerência de uma concessionária de automóveis no centro da cidade, pouco depois do tetracampeonato do Brasil na Alemanha – na qual o ex-futuro-sogro teve participação decisiva, ao demitir Zagallo meses antes da Copa. Frustrado em suas intenções de virar gerente da loja, aceitou um emprego no setor de usados, tendo como primeira tarefa negociar três dos fuscas dados por Paulo Maluf aos campeões do mundo no México (cujos en-
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vergonhados donos já tinham passado adiante). Não conseguiu. “Tudo ligado com futebol me dá dor de cabeça”, reclamava o recém-divorciado, vítima de enxaqueca crônica. Anos depois, já em seu segundo casamento, fechou um negócio às vésperas da Copa de 1978, comprando uma chácara em São Gonçalo, para dividir com a nova esposa. Durante o torneio, no entanto, à noite, chorava como criança por não conseguir dormir com os festejos após os jogos. Ganhou a inimizade dos vizinhos ao sair na rua, logo depois da desclassificação brasileira, gritando: “Chupa, Seleção!” Acabou tendo de se mudar para um quarto-e-sala em Humaitá. Já na década de 80, com o Brasil hexa depois de 82 e 86, Teixeira tinha sido até personagem de matérias de jornal, como “o brasileiro que detesta Copa”, dados seus rompantes contra o barulho que piorava sua enxaqueca. O nervoso excessivo rendeu-lhe, além da fama, problemas cardíacos leves. O pior ficou para seu filho, Riquinho, cujo talento para o futebol encantava a todos no São Cristóvão, clube vizinho ao novo lar dos Teixeira. “Você só vai jogar futebol sobre o meu cadáver”, proibiu, ao saber das intenções do filho em seguir carreira (Riquinho viraria professor de educação física e romperia relações com o pai, anos depois). A instabilidade profissional trazia tantos problemas quanto a fama de “anti-torcedor”. Já morando em Cascadura, Teixeira decidiu virar empresário comprando um bar, o Manjedoura Lanches, na Rua Felício.
Seu arrojo o incentivou a superar a aversão ao futebol e tentar capitalizar com a possível conquista do hepta em 1994. Investiu pesado (para seus padrões), mudando o nome do bar para Jóquei Clube Lanches e adquirindo uma serpentina de chopp americana. Mesmo inocente, viu o título com a CBF dirigida por Pelé, em 1994, da delegacia. O aparelho “alemão” tinha sido trazido por um amigo sem nota do exterior. As autoridades o livraram de culpa na acusação de contrabando, mas teve de vender o bar. Hoje, 13 anos depois, Teixeira faz bicos como despachante numa auto-escola em Duque de Caxias. Ainda odeia futebol.
A cada edição, um convidado imagina como seria o mundo do futebol, se alguma coisa fosse diferente. Você tem sugestões de temas para esta seção? Mande um e-mail para contato@trivela.com
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A Várzea
Várzea Futebol Clube
A lorota do mês “O gol que marcamos em Roma foi muito importante” O leitor não vai acreditar, mas Alex Ferguson disse isso depois que seu Manchester United goleou a Roma por 7 a 1, em Old Trafford, na partida de volta das quartas-de-final da Liga dos Campeões. Realmente, o golzinho da partida de ida fez toda a diferença...
A manchete do mês
A charge do mês
A Várzea resolveu montar um time para disputar o Brasileirão! Como discípula de Hunter Thompson, sabe que às vezes a melhor maneira de reportar é vivendo o tema na própria pele. Para isso, é claro, está se inspirando nos grandes clubes do futebol nacional. Afinal, como se sabe, em time que está ganhando não se mexe. E, a julgar pelas declarações dos seus dirigentes, todos os times do Brasil estão ganhando. A primeira medida do Editor, nomeado gerente de futebol por sua capacidade notória em quebrar hosp... ou melhor, deixa pra lá, foi a de buscar um investidor, prontamente encontrado, e de maneira incrivelmente fácil: “My name is Robert Ayegbeni and I am the son of Former Nigeria President, Yakubu Ayegbeni”, dizia o email recebido pelo dirigente, que, em troca apenas do empréstimo da conta bancária d’A Várzea por alguns dias, prometeu enviar ao Várzea Futebol Clube US$ 4 milhões – além, é claro, de dinheiro para construir um estádio na Marginal Tietê. Na seqüência, o Editor contratou uma comissão técnica, mas, sem demora, a demitiu. Contratou outra. E a demitiu. Na terceira, resolveu dar duas rodadas de chance. Comprou uma prancheta e começou a montar o elenco. No esquema, é claro, do Futebol Alegre: laterais que jogam no ataque, zagueiros que marcam gols, nenhum volante, 14 meias iguais ao Souza e 134 atacantes iguais ao Roni. O primeiro treino coletivo do Várzea Esporte Clube chamou a atenção de alguns empresários que passavam por ali, que acharam que a molecada tinha potencial. No início da semana seguinte, o Editor resolveu que era hora de usar de verdade o exemplo dos grandes vencedores e vendeu o time todo por duas paçocas. De volta à redação, percebeu a importância da vivência direta e deduziu: está na cara que a culpa é da Lei Pelé.
Em alta
Número de técnicos do Fluminense Renato Gaúcho é o terceiro do ano. E o Brasileirão nem começou!
“Morais: Romário não prejudica o Vasco” (Jornal dos Sports) Um dia antes, era: “Conca: Romario não prejudica o Vasco” e, no seguinte, “Abedi: Romário não prejudica o Vasco”. O pior não é alguém dizer, mas sim outrem publicar.
Você pode receber A Várzea todo dia na sua caixa postal. Basta entrar no site www.trivela.com e inserir seu endereço de e-mail no campo de cadastro. Ou então mande uma mensagem para varzea@trivela.com, com a palavra Cadastrar no campo de assunto
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São Caetano Uma equipe que ganha só de quatro de um time que tem Ilsinho e Alex Silva como zagueiros realmente só podia estar na segunda divisão nacional.
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Todas as camisas,
Galatasaray
Palmeiras
Bayern de Munique
Real Madrid
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Cruzeiro
Lazio
Olympiakos
Sporting
Werder Bremen
Copenhagen
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Parma
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Fiorentina
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