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IV. TrGs "magos" italianos: Fracastoro, Cardano e Della Porta
doenqas e dos relativos remkdios, a justifi- de bons filhos (teorias controlaveis). Para- caqiio dessa idtia, do ponto de vista da cih- celso nio deixou de ser mago. Sua magia, cia moderna, esta bem distante da cisncia. portm, continha projetos cognoscitivos "po- Como acontece freqiientemente na hist6ria sitivos": sua iatroquimica pretende revelar da cicncia, tambtm aqui uma idtia metafi- os processos secretos da natureza, mas tam- sica revela-se como a miie ma (incontrolivel) btm pretende completa-10s artificialmente.
IV. N TvZs "magos italiaoos:
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Fvacastovo, Cavdaoo e Della Povta
De familia nobre, Jer6nimo Fracastoro (1478-1 553) foi medico, astr6nomo e poeta.
Na obra De sympathia et antipathia Fracastoro defende a influencia recipro- ca das coisas; sustenta a atraqao das coisas semelhantes e a rejeiqao das desse- melhantes; e afirma que sao fluxos de atomos que estabelecem as relac8es entre as coisas, motivo pelo qua1 nenhuma asso pode ter lugar sem contato. De 1530 e o poema Syphylis sive morbus Gallicus: aqui Fra-
Fracastoro: castor0 6 o primeiro a usar o termo "sifilis", descrevendo a peste a teoria e o tratamento da doensa por meio do mercurio. do contdgio De 1546 e a obra-prima de Fracastoro, o De contagione, e o nascimento onde sao descritos tres modos de infecqao: por contato direto, da por "estimulos" (por exemplo, por meio de roupas), e a distsn- epidemiologia cia (corno no caso da variola e da peste). +§ 1 A obra de Fracastoro e considerada de extraordinaria mo- dernidade. Naquela epoca nao era conhecida a existencia de microorganismos, e Fracastoro falava porem de "seminaria", as sementes da do- en$a que, invisiveis, se multiplicam rapidamente. E por isso que Fracastoro e con- siderado o fundador da epidemiologia. Outro medico mago que nao devemos esquecer e Jerdnimo Cardano (1 501- 1576). Foi autor de um tratado de algebra, Ars Magna (1 545), onde exp6e o meto- do resolutivo das equaebes de terceiro grau, descoberto na ver- dade por seu rival Tartaglia.
Cardano: mtor de Obras de matematica e de metoposcopia +§2 Ja matematico famoso, treze anos depois de Ars Magna, Cardano publica um livro sobre metoposcopia, ou seja, sobre a interpretagao das rugas da fronte. Seu De subtilitate constituiu uma especie de "enciclopedia domestica" (da qua1 e possivel vir a saber como se selecionam os fungos, como se recuperam os navios afundados, como se originam as montanhas, como e feita a junsao universal conhecida como "junta carddnica" etc.).
Um documento excepcional e a autobiografia De vita propria liber (1 575). Cardano tambem e autor de um livrinho de preceitos para seus filhos, um dos quais sera justieado por assassinio, livrinho chamado: Praeceptorum filiis liber.
Della Porta: Experiente em otica, alem da magia, foi o napolitano experiente Giambattista Della Porta (1 535-161 5). em otica Foi autor do De refractione e de outra afortunada obra: e magia natural Magia naturalis sive de miraculis rerum naturalium (1 558), em +§3 que a magia natural e vista como a perfeiqao da sabedoria.
A Magia naturalis de Della Porta teve sucesso estrepitoso: basta pensar nas 23 edis8es do original latino e nas tradu@es italiana, francesa, espanhola, holan- desa e tambem Orabe. Eis alguns dos titulos dos 23 livros da obra, verdadeira e pr6pria encicloptidia: Cruzamento dos animais; Metodos para produzir novas plan- tas; As distilagbes; 0s unguentos; 0 tratamento do ferro; A caga; A cosmetics fe- minina.
,=Jer&niwo Fracastoro, f~ndador
JerBnimo Fracastoro (1478-1553) foi mtdico, astrBnomo e poeta. De familia no- bre, viveu sempre em uma vila de sua pro- priedade em Verona. Estudando em Padua, conheceu Coptrnico, de quem foi amigo. Na obra De sympathia et antipathia, Fracastoro defende a influincia reciproca das coisas, sustenta a atraqiio entre as coisas semelhan- tes e a repulsa entre as dessemelhantes e, em sua opiniiio, siio fluxos de itomos que estabelecem as relaq6es entre as coisas, de mod0 que nenhuma aqiio pode se verificar sem contato.
Em 1495. auando Carlos VIII, rei da Franqa, sitiou 'a cidade de ~i~oles; mani- festou-se nova e terrivel doenqa: a sifilis. Dizia-se que a doenqa fora levada a Espa- nha por Colombo e que os espanhois leva- ram-na depois para Napoles. Em seguida, os espanh6is de Napoles a teriam transmi- tido aos franceses, que chamaram a doen- ga de "napolitana", ao passo que, para os espanh6is, ela era o "ma1 francis". 0 nome "sifilis" foi usado pela primeira vez por Fracastoro, quando, em 1530, publicou o poema Syphylis sive morbus Gallicus. Si- filo, pastor mitologico, tendo provocado a ira dos deuses, foi atacado por uma doen- ga contagiosa e repugnante. 0 poema niio tem uma trama propriamente dita: a fi- gura de Sifilo t apenas um pretext0 util a Fracastoro para descrever a sifilis e o tra- tamento da doenqa por meio de mercurio e guaiaco ou lenho sagrado, um remidio importado da Amirica juntamente com a doenqa.
Fracastoro niio se ocupou so com a sifilis; conseguiu identificar tambtm o tifo petequial. E, em 1546, publicou a sua obra-prima midica, o De contagione, que descreve tris modos de infecqiio: por con- tat0 direto, por "estimulo" (atravts do ves- tuario, por exemplo) e a disthcia (como ocorria, em sua opiniiio, com a variola ou a peste). E dentro de uma visiio filos6fica (substancialmente empedocleana) que Fra- castor0 desenvolve a sua obra, considera- da "de estupenda modernidade, porque, embora niio sendo conhecida a existincia de microbios naquela tpoca, Fracastoro fa- lou de 'seminais', as sementes das doenqas, que se multiplicam e se propagam rapida- mente. Sera o desenvolvimento da ciincia futura que fara com que Fracastoro pudes- se ser considerado o fundador da epidemio- logia" (D. Guthrie).
3ev6nimo Cardano, um mago que foi mkdico
Outro medico-mago que devemos re- cordar 6 Jerhimo Cardano. Nascido em Pavia em 1501, professor de medicina em Pidua e Milso, morreu em Roma em 1576. Autor de uma autobiografia (De vita pro- pria), deixou-nos varios escritos, entre eles alguns de maior destaque: De subtilitate (1547), De rerum varietate (1556) e Arca- na aeternitatis. Cardano foi um escritor muito fecundo, como testernunha a Ope- ra omnia em dez volumes, publicados um apos o outro. Em seu tratado de algebra Ars Magna (1545), ele exp6e o mCtodo de resolugio das equaqoes de terceiro grau, na verdade descoberto por seu rival Tar- taglia.
Matematico famoso, treze anos de- pois da Ars Magna, Cardano publicou um livro de natureza completamente diferente sobre a metoposcopia, isto C, sobre a inter- pretaqio das rugas da fronte. Sua obra De subtilitate foi muito popular, sendo defi- nida por um estudioso contemporiineo (Douglas Guthrie) corno uma espCcie de "encicloptdia domistica", onde C possivel encontrar de tudo urn pouco: como mar- car as roupas de casa, como recuperar os navios afundados, como selecionar os co- gumelos, a origem das rnontanhas, a sina- lizaqio por meio de tochas e a articulaqZo universal conhecida como "junta cards- nica" .
Sua autobiografia i um livro que se 16 corn prazer ainda nos dias de hoje. Carda- no apresenta-se a si mesmo como homem excepcional, com poderes sobrenaturais que o colocam acima dos simples mor- tais. E apresenta os acontecimentos de sua vida sempre acompanhados do miraculoso e do extraordinirio. Para ele, sao impor- tantes os sonhos e outros sinais premoni- torios.
A infiincia infeliz e a juventude dificil, a batalha contra a pobreza, a triste experiin- cia de mkdico do interior, o acesso ii univer- sidade, a gloria, as descobertas matemati- cas, a celebridade como rnCdico, a execu~io do filho condenado como assassino, a ve- lhice como protegido do papa em Roma, todas essas coisas Cardano descreve no De vita propria liber (1575), um livro que me- rece estar ao lado do outro excepcional do- cumento que C a autobiografia de Benvenuto Cellini.
Para se ter uma idCia, eis alguns tre- chos dessa cClebre autobiografia: "Dedi- quei-me durante muitos anos a ambos os jogos: ao xadrez por mais de quarenta, e aos dados durante cerca de vinte e cinco anos. E, durante tantos anos, niio me en- vergonho de dizi-lo, jogava todo dia." E informa ter dedicado um livro ao xadrez, no qual, declarava ele, "descobri muitos problemas notaveis". Substancialmente misantropo, confessa: "E, se olho para a alma, pergunto-me: que animal C mais malvado, enganador e pCrfido do que o homem?" Depois da execu~ao do filho, Cardano niio encontra mais paz, vi ini- migos e conjuras por toda parte e nso con- segue mais dormir: "Em 1560, la pelo mis de maio, em virtude da dor pela morte do meu filho, pouco a pouco eu vinha per-
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dendo o sono (. . .). Rezei entHo a Deus para que tivesse misericordia de mim: com efei- to, corria o risco de que aquele nHo dor- mir sem interrupqiio me levasse a morte ou a loucura (...). Supliquei-lhe entHo que me fizesse morrer, coisa que C concedida a todos os homens, e fui estender-me sobre o leito". Tendo adormecido, Cardano ou- viu uma voz que lhe dizia para levar a boca a esmeralda que carregava ao pescoqo. Ao fazE-lo, logo a dor passou, bem como a penosa recorda~iio. E isso acontecia sem- pre que levava a esmeralda i boca. Mas, relata, "quando comia ou dava aulas, nio podendo usufruir da ajuda da esmeralda, retorcia-me em dores a ponto de suar mor- talmente."
Cardano conta ainda que aprendeu miraculosamente o latim, o grego, o fran- c& e o espanhol. Diz que um zumbido nos ouvidos o advertia se alguCm estivesse tramando contra ele. E escreve ainda: "En- tre os acontecimentos naturais de que fui testemunha, o primeiro e mais excepcio- nal foi o de ter nascido nesta nossa Cpoca, na qua1 pela primeira vez se conheceu todo o mundo."
CClebre como mkdico, Cardano, em 1552, chegou a ser at6 mesmo chamado para consulta na Escocia, a fim de curar o arce- bispo Hamilton que, apos os tratamentos, ficou curado. Durante a sua viagem para a Escocia, Cardano conheceu em Paris o me- dico Jean Fernel (que seria criticado por Harvey por causa de sua teoria dos espiri- tos do organismo) e o anatomista Sylvius. Em Zurique, encontrou-se com o naturalis- ta Conrad Genser. Em Londres, conheceu o rei Eduardo VI.
Cardano tambCm C autor de um livrete de preceitos para os seus filhos, um dos quais, como dissemos, seria executado por assassinio. Nesse Praeceptorum filiis liber encontramos conselhos como os seguintes: "NHo faleis aos outros de vos mesmos, de vossos filhos, de vossas mulheres. NHo vos acompanheis de estranhos pelas vias publi- cas. Se estiverdes falando com um homem mau ou desonesto, niio o olheis na face, mas nas miios."
Bacon atacara o ideal de saber defen- dido e professado por Cardano (um saber de iniciados e cheio de maravilhas e mila- gres). Em nome de um saber publico, claro e que cresce por colabora@o, Bacon falari de Cardano como de urn esforqado cons- trutor de teias de aranha; da mesma forma qualificara Paracelso como um monstro que acasala fantasmas e Agripa como um bufHo trivial.
Ciiambattista Della Porta, entre &ica e magia
0 napolitano Giambattista Della Por- ta (1535-1615) era um cultor de otica, au- tor de De refractione, obra dedicada preci- samente A otica, e de um livro que ficou muito famoso, a Magia naturalis sive de miraculis rerum naturalium (1558). Nesse livro ele distingue a magia diabolica (a ma- gia que se serve das aqdes dos espiritos imun- dos) da magia natural, que C a perfeiqzo da sabedoria, o ponto mais alto da filosofia natural.
Pode-se ter uma idCia do que era essa obra - que teve vinte e trk ediqdes do ori- ginal latino, dez traduqdes italianas, oito francesas e outras traduqoes espanholas, holandesas e at6 arabes - com base nos ti- tulos dos seus vinte livros: 1) Causas das coisas; 2) Cruzamento dos animais; 3) Mo- dos de produzir novas plantas; 4) A admi- nistraqiio da casa; 5) Transformaqiio dos metais; 6) Adulteraqio das pedras precio- sas; 7) As maravilhas do imH; 8) ExperiEn- cias mCdicas; 9) CosmCtica feminina; 10) As destilaqdes; 11) 0s ungiientos; 12) 0 fogo artificial; 13) 0 tratamento do ferro; 14) A culinaria; 15) A caqa; 16) 0s cifrarios; 17) As imagens oticas; 18) A meciinica; 19) Aerologia (De pneumaticis); 20) Diversos (Chaos). Em suma, uma verdadeira enciclo- pCdia.
Na realidade, Della Porta "preferia seguir sua paixiio pelos conhecimentos, mas niio se esquecendo nunca de que es- tava diante de um campo de paixoes e in- teresses, advertido que era pela tradiqao, que lhe fornecia estimulos para suas pes- quisas e para a sociedade que o cercava, bem como pelos consensos, as expectati- vas e as desconfianqas que sua obra susci- tava (. . .). Certamente, ao fazer cisncia, ele tinha em mente muitas coisas: o util e o supCrfluo, o absolutamente verdadeiro e o vagamente provivel, o sucesso de pu- blico e o tribunal da Inquisiqiio, a tradi- $20 magica e os experimentos de Arqui- medes (...). Na sintese racional operada pela ciincia moderna, niio encontraremos
mais muitas dessas referhcias (...). Della tudo o que aconteceu nesse meio tempo, Porta, portanto, demorou-se no palco da particularmente pel0 que foi a caminhada nossa vida, das nossas paix6es e da nossa da ci2ncia depois dele. 0 que nio faz com morte. Isso fez com que, durante s6culos, que sua obra n5o possa mais suscitar nos- ele parecesse urn cientista parado no tem- sa curiosidade, tambCm por seus aspectos po. E esse juizo se tornou irreversivel por arcaicos" (L. Muraro).