8 minute read
IV. A teoria dos "idola"
IV. teoria dos "idola"
A primeira fun@o da teoria dos idolos C a de tornar os homens conscientes das falsas noq8es que obscurecem sua mente e barram o caminho para a verdade. 0s gCneros de idolos que assediam a mente do quatro: 1) os idolos da tribo, fundados sobre a prdpria natureza hu- A mana e dependentes do fato de que o intelecto humano mistura do, idolos sempre a prdpria natureza com a das coisas, deformando-a e tornaoshomens transfigurando-a; conscientes 2) os idolos da caverna, que derivam do individuo sin uiar, e 3 precisamente da natureza especifica da alma e do corpo o indi- de suas falsas no~Bes viduo singular, ou entiio de sua educaqao e de seus hiibitos, ou -) 7-5 ainda de outros casos fortuitos; 3) os idolos do for0 ou do mercado, dependentes dos contatos reciprocos do gCnero humano, que se insinuam no intelecto por via das combinq6es impr6- prias das palavras e dos nomes; 4) os idolos do teatro, que penetram na alma humana por obra das diversas doutrinas filos6ficas e das pCssimas regras de demonstraq80.
Advertisement
Sigmificado da teoria dos "idola"
"0s idolos e as falsas noq6es que inva- diram o intelecto humano, nele lanqando raizes profundas, niio s6 sitiam a mente hu- mana, a ponto de tornar-lhe dificil o acesso h verdade, mas tambtm (mesmo quando dado e concedido tal acesso) continuam a nos incomodar durante o process0 de ins- tauraqiio das ciincias, quando os homens, avisados disso, nio se disp6em em condi- q6es de combati-10s h medida do possivel."
A primeira funqgo da teoria dos ido- los, portanto, 6 a de tornar os homens cons- cientes das falsas noq6es que congestionam sua mente e barram-lhe o caminho para a verdade.
Desse modo, a identificaqiio dos ido- 10s t o primeiro passo que se deve realizar para tornar ~ossivel libertar-se deles.
Todavia, quais Go esses idolos? Pois bem, Bacon responde a essa pergunta dizen- do que eles siio de quatro gineros e os cha- ma, com belas imagens didhticas: 1) idolos da tribo; 2) idolos da caverna; 3) idolos do foro; 4) idolos do teatro.
Tais "idolos" siio eliminados aprenden- do conceitos adequados, alcanqados com mttodo justo, ou seja, mediante a indu~rio, da qua1 falaremos. Todavia, uma identifica- qiio preliminar deles constitui grande van- tagem para sua eliminagiio.
0s "idola tribus"
0s idolos da tribo se fundamentam so- bre a propria natureza, e sobre a propria familia humana ou "tribo". 0 intelecto humano mistura sua pro- pria natureza com a das coisas, deforman- do-a e desfigurando-a.
Assim, por exem~lo, o intelecto huma- no C levado por sua natureza a supor nas coisas "uma ordem maior" do que aquela que efetivamente nelas se encontra, ou seja, paralelismos, correspondincias e relag6es que na realidade niio existem.
Ou ainda: "Quando encontra alguma noqiio que o satisfaz, porque a considera verdadeira ou porque convincente e agra- divel, o intelecto humano leva todo o resto a valida-la e coincidir com ela. E mesmo que a forqa ou o n6mero das instfncias contra- rias seja maior, no entanto, ou niio do leva- das em conta por desprezo ou sf o confun- didas com distinq6es e rejeitadas, niio sem grave e danoso prejuizo, desde que isso con- serve im~erturbavel a autoridade das suas afirmaq6es primeiras."
Em suma. um vicio do intelecto huma- no C o que hoje chamariamos de equivoca- da tendincia verificacionista, contriria a justa atitude falsificacionista, com base na qual, se queremos o progress0 da ciincia, devemos estar Drontos a descartar uma hi- potese, conjectura ou teoria quando obser- vamos fatos contririos a ela.
Mas as tendincias perniciosas do inte- lecto niio siio somente as que sup6em or- dens e relagoes que um mundo complexo niio tem ou entiio as que niio levam em con- ta os casos contririos. 0 intelecto, de fato, tambCm tende a atribuir com facilidade as qualidades de algo que o impressionou a outros objetos que, no entanto, nso tirn es- sas qualidades. Em suma, "o intelecto hu- mano niio C apenas luz intelectual, mas tam- bCm sofre a influincia da vontade e dos afetos, o que faz com que as ciincias sejam como se quer. Isso ocorre porque o homem cri que C verdadeiro aquilo que ele prefere, rejeitando por isso as coisas dificeis, pela impaciincia de pesquisar; a realidade pura e simples, porque deprime as suas esperan- gas; as verdades supremas da natureza, por superstigiio; a luz da experiincia, por sober- ba e presungiio [...]; os paradoxos, para fi- car com a opiniiio do vulgo; e o sentimento ainda penetra no intelecto e o corrompe por muitos outros modos, frequentemente im- perceptiveis".
E hi tambCm os obst6culos dos senti- dos enganosos, que s5o obstaculo porque amiude "a especulaqiio se limita [. . .] ao as- pecto visivel das coisas, deixando de lado ou reduzindo a muito pouco a observaqiio daquilo que nelas hi de invisivel [...I ".
AlCm disso, "por sua propria nature- za, o intelecto humano tende para as abstra- q6es e imagina como estivel aquilo que, no entanto. C mutivel".
S& esses, portanto, os idolos da tribo.
0 s "idola specusl'
0s idolos da caverna "derivam do in- dividuo singular. AlCm das aberrag6es co- muns ao ginero humano, cada um de nos tem uma caverna ou gruta particular na qual a luz da natureza se perde e se corrompe, por causa da natureza propria e singular de cada um, por causa de sua educagiio e das conversagoes com os outros, por causa dos livros que 1i e da autoridade daqueles que admira e honra ou por causa da di- versidade de impressoes, ii medida que elas encontrem o espirito jii ocupado por pre- conceitos ou entiio descongestionado e tran- quil~". 0 espirito dos individuos singula- res "C variado e muthvel, quase fortuito". Por isso, escreve Bacon, Heraclito estava com a raziio quando disse: "0s homens pro- curam as cisncias em seus pequenos mun- dos, niio no mundo maior, que C idintico para todos." 0s idolos da caverna, portanto, "tsm [...I sua origem na natureza especifica da alma e do corpo do individuo, em sua edu- cagiio e seus habitos ou entiio em outros casos fortuitos". Assim, por exemplo, pode ocorrer que alguns se afeigoem As suas es- peculag6es particulares "porque se acredi- tam seus autores e descobridores ou porque a elas dedicaram todo o seu engenho e a elas se habituaram". Ou entiio, baseando-se em alguma parcela de saber por eles construida, os individuos a extrapolam, propondo sis- temas filosoficos inteiramente fantasticos. E h6 ainda aqueles que se deixam tomar de admiragiio pela antiguidade, enquanto ou- tros, pela atraqiio da novidade; "poucos siio aqueles que conseguem manter-se num cami- nho intermediirio, ou seja, sem desprezar aquilo que C justo na doutrina dos antigos e sem condenar aquilo que foi corretamente descoberto pelos modernos".
0s "idola fori"
0s idolos do for0 ou do mercado deri- vam da comunhiio e das relagoes que os homens tim entre si. Na realidade, escreve Bacon, "a relagiio entre os homens ocorre por meio da fala, mas os nomes siio impostos as coisas segundo a compreensiio do vulgo. E basta essa informe e inadequada atribui- $20 de nomes para perturbar extraordina- riamente o intelecto. E, naturalmente, para retomar a relagiio natural entre o intelecto e as coisas, tambim n5o tim valor todas aque- las definiqoes e explicag6es das quais fre- qiientemente os doutos se servem para se precaver e se defender em certos casos".
Em outros termos, Bacon parece ex- cluir exatamente aquilo que hoje nos cha- mamos hipoteses ad hoc, isto 0, hipoteses cogitadas e introduzidas nas teorias em pe-
rigo com o zinico objetivo de salva-las da critica e da refutagiio.
Entretanto, diz Bacon, "as palavras fa- zem grande violihcia ao intelecto e perturbam os raciocinios, arrastando os homens a inu- meraveis controvksias e viis consideraq6es".
Na opiniiio da Bacon, os idolos do for0 siio os mais incBmodos de todos, "justamen- te porque estio ligados a linguagem". 0s homens "acreditam que sua raziio domina as palavras; mas ocorre tambim que as pa- lavras retrucam e refletem sua forga sobre o intelecto, o que torna a filosofia e as citncias sofisticas e inativas". 0s idolos que, por intermtdio das pa- lavras, penetram no intelecto, siio de duas espicies: siio nomes de coisas inexistentes (corno, por exemplo, a "sorte", o "primei- ro m6veln etc.), ou sio nomes de coisas que existem, mas confusos, indeterminados e impropriamente abstraidos das coisas.
0s idolos do teatro "penetraram no espirito humano por meio das diversas dou- trinas filosoficas e por causa das pissimas regras de demonstraqiio" .
Bacon os chama de idolos do teatro porque considera "todos os sistemas filos6- ficos que foram acatados ou cogitados como f6bulas preparadas para serem representa- das no palco, boas para construir mundos de ficciio e de teatro". Encontramos fabu- las niio somente nas filosofias atuais ou nas "seitas filosoficas antigas", mas tambim em "muitos axiomas e principios das cihcias que se afirmaram por tradiqiio, fi cega e desleixo".
Bacon particularmente classifica tres tipos de idolos do teatro, que estio na ori- gem da falsa filosofia: a) idolos sofistas, baseados sobre experihcias comuns niio suficientemente provadas, e depois integra- das artificiosamente pela inteligcncia; b) ido- 10s empiricos, baseados sobre poucos expe- rimentos acurados, mas com a pretensiio de sobre eles construir sistemas filosoficos: c) , r idolos subersticiosos. baseados sobre uma mistura acritica da filosofia coni a teologia e com as tradiqoes.
Bacon nio pretende com isso menos- prezar os antigos nem atingir sua respeita- bilidade. Nos, diz ele, nos ocupamos de novo mitodo, um mitodo desconhecido dos an- tigos, que permite a gsnios menos fortes que os antigos ir bastante alim dos seus resulta- dos: "Diz-se que at6 um manco, se coloca- do no caminho certo, pode ultrapassar urn corredor que esteja fora do caminho; por- que 6 verdade que, quanto mais veloz cor- re, quem esta fora do caminho mais se per- de e erra."
E assim chegamos ao ponto em que podemos tratar daquilo que, para Bacon, constitui a) o verdadeiro objetivo da ciin- cia e b) o verdadeiro me'todo da pesquisa.