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11. Galileu e a "fen na luneta
3 f\ Iuneta cow0 instvuwento cientifico
Em 1597, em uma carta a Kepler, Gali- leu afirma ter aderido "ja ha muitos anos [. . .] a doutrina de CopCrnico". E acrescen- ta: "Partindo dessa posiqiio, descobri as cau- sas de muitos efeitos naturais, que, sem du- vida alguma, siio inexplicaveis com base na hipotese corrente. Ji escrevi muitas argu- mentaq6es e muitas refutaq6es dos argumen- tos contrarios, mas ate agora n5o ousei publica-las, apavorado com o destino do proprio CopCrnico, nosso mestre". Poucos anos depois, portm, essas preocupaq6es e esses temores desvaneceram-se totalmente, cpando, em 1609, apontando a luneta para o ceu, Galileu comesou a acumular toda uma sCrie de provas que, por um lado, asses- tavam golpes decisivos ?i veneravel imagem aristotilico-ptolomaica do mundo, enquan- to, por outro lado, afastavam do caminho os obstaculos que se interpunham ?i aceita- @o do sistema copernicano, oferecendo a este uma forte cadeia de suportes.
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Na primavera de 1609, Galileu teve a informaqiio de que "certo flamengo fabri- cara uma lente atravCs da qua1 os objetos visiveis, mesmo muito distantes do olho do observador, podiam ser vistos distintamen- te como se estivessem proximos". A noticia foi-lhe confirmada logo depois, de Paris, por um ex-discipulo, Tiago Badoukre, "o que constituiu por fim o motivo que me impeliu a dedicar-me totalmente a procurar as ra-
z6es e cogitar os meios pelos quais eu pode- ria chegar ii invenqiio de um instrumento semelhante". Entiio Galileu preparou um tu- bo de chumbo, a cujas extremidades apli- cou duas lentes, "ambas planas de um lado, ao passo que, do outro, uma era convexa e outra c6ncava; aproximando o olho da c6n- cava, vi os objetos bastante grandes e pro- ximo~, ja que apareciam trzs vezes mais pro- ximos e nove vezes maiores do que quando eram vistos apenas com a visiio natural. De- pois, preparei outro, mais exato, que repre- sentava os objetos mais de sessenta vezes maiores". E por fim, diz ainda Galileu, "sem poupar esforqo nem despesa alguma, che- guei a ponto de construir um instrumento tiio excelente que as coisas vistas por meio dele aparecem quase mil vezes maiores e mais de trinta vezes mais proximas do que quando olhadas apenas com a faculdade natural. Seria inteiramente suptrfluo enu- merar quantas e quais siio as vantagens desse instrumento, tanto na terra como no mar". Em 25 de agosto de 1609, Galileu apresen- tou ao governo de Veneza aquele aparelho, como invenqiio sua. 0 entusiasmo foi gran- de, tanto que a renda anual de Galileu foi aumentada de quinhentos para mil florins, sendo-lhe tambkm feita a proposta de reno- vaqiio vitalicia do contrato de ensino, cujo prazo se encerraria no ano seguinte.
Ora, como observou Vasco Ronchi, a invenqiio da luneta por obra de holandeses ou at6 mesmo, um pouco antes, por miios de italianos, ou a redescoberta e reconstru- qiio da luneta por parte de Galileu niio C um episodio que possa causar grande admira- $50. 0 fato realmente importante C que Galileu levou a luneta para dentro da cicn- cia, usando-a como instrumento cientifico e concebendo-a como potencializa@o dos nossos sentidos.
A filosofia da Idade Midia havia igno- rado as lentes de oculos, coisa para doen- tes, para velhos ou para fazer truques du- rante as feiras. Elas foram estudadas por Francisco Maurolico, mas foi Giambattista Della Porta que, com sua Magia natural (1589), arrancou as lentes do mundo dos artesiios para engloba-las na filosofia. E tan- to Della Porta como Kepler (nos Paralipo- menu ad Vitellionem, 1604) "chegaram bem perto da luneta, quase que raspando-a a ponto de escrever frases que podiam fazer crer que a haviam encontrado, mas niio con- seguiram concretizh-la". Niio havia con- fianqa nas lentes, pensava-se que elas "en- ganavam", havia a idCia de que os olhos que o born Deus nos deu eram suficientes para ver as coisas que existem, niio necessitando de "aperfeiqoamentos". AlCm disso e acima de tudo, havia arraigados preconceitos por parte da cultura acadzmica e eclesiastica em relaqiio As artes meciinicas. Mesmo depois, a express50 "vil meciinico" seria tomada como ofensa. E o proprio Della Porta, em 28 de agosto de 1609, ou seja, quatro dias depois que Galileu escreveu ao doge Leo- nardo Donato apresentando-lhe a luneta, enviaria de Nboles uma carta a Federico Cesi, fundadorLda Academia dos Linceus, na qua1 li-se: "Vi o segredo da lente: C uma burla, que examinei em meu livro De refuac- tione. E a escreverei, pois que, querendo-a fazer, apesar de tudo, V.E. se comprazera nisso."
Em substiincia, a importiincia de Gali- leu em relaqiio a luneta esta no fato de que ele superou toda uma sCrie de obstaculos epistemologicos, ou seja, idCias que proi- biam outras idCias e posteriores pesquisas. 0s militares niio se desconcertaram diante da novidade e o ~ublico culto niio manifes- tou nenhuma confianca na luneta. Dizia-se. por exemplo, que ela niio proporcionava imagens veridicas, mas Galileu confessa a Matteo Carozio que experimentou seu te- lescopio "cem mil vezes em cem mil estrelas e objetos diversos". Diz Geymonat que a observaqiio desses "objetos diversos tinha a funciio de fornecer-lhe Drovas da veridici- dad; do aparelho, ao pisso que a observa- qiio das estrelas visava a dar-lhe sua importiincia". "'m provas de