Vivências Educacionais v.2 n.1

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ISSN: 2526-0529

ยบ

v.2 n.1 marรงo/agosto 2018


CONSELHO

Comissão Editorial Profª Ma. Elizane Andrade da Silva (Presidente) Profª Drª Fedra Osmara Rodrigues Hinojosa Profª Ma. Gislaine Bilma Vidal Kazeker de Siqueira Profª Ma. Liliam Maria Born Martinelli Profª Ma. Monica Cristiane David Profª Ma. Noeli Pinto Steklain Prof. Me. Osnir José Jugler Profª Ma. Sandra de Fátima Kruger Gusso Profª Esp. Sandra Maria Gemin Vidal Profª Ma. Silvana Elisa de Morais Schubert

Conselho Editorial Profª Drª Elaine Turk Faria – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Prof. Dr. Érico Hack – Faculdades OPET Profª Drª Luana Priscila Wunsch – Centro Universitário Internacional UNINTER Profª Drª Maria Fani Scheibel – Universidade Federal do Rio Grande Profª Drª Maria Iolanda Fontana – Universidade Tuiuti do Paraná Profª Drª Marilene Weinhardt – Universidade Federal do Paraná Prof. Dr. Paulo José da Costa – Universidade Estadual de Maringá


DADOS CATALOGRÁFICOS

Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. V857

Vivências educacionais / Faculdade Educacional da Lapa. v.2, n.1 (mar.- ago. 2018). Lapa: Fael, 2018 Semestral ISSN: 2526-0529 1. Ensino superior 2. Formação 3. Educação a distância 4. Educação ambiental I. Faculdade Educacional da Lapa CDD 370

Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.

Presidente do Conselho Profª Ma. Elizane Andrade da Silva

Diretores Diretoria Executiva

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Editora Fael Diretoria de Operações Acadêmicas

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Coordenação Editorial

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Projeto Gráfico

Evelyn Caroline dos Santos Betim

Arte-Final

Evelyn Caroline dos Santos Betim

Capa

Rafael Luis Blanski De Menezes

Revisão

Editora Coletânea

Tradução

Alexandre Scussel

Infraestrutura TI

Alexssandro Domingues de Lima Claudio Ney Lins Goslar


APRESENTAÇÃO

É com grande alegria e satisfação que, a Revista Vivências Educacionais, lança a sua 2ª edição. Esta edição traz relatos sobre vivências pedagógicas e experiências significativas documentadas pelos docentes e acadêmicos, dos diferentes cursos de graduação e pós-graduação, da FAEL. Esta revista é um projeto idealizado por: diretores, coordenadores, docentes, acadêmicos e demais funcionários, e que vêm construindo uma história de incentivo às práticas investigativas, visando socializar as práticas pedagógicas para todo o território nacional. Esta revista traz temáticas e reflexões sobre as seguintes linhas de pesquisa: cultura, tecnologia e aprendizagem, e sustentabilidade organizacional. Vale destacar que a revista conta com duas equipes de grande importância: a Comissão Editorial, formada pelos docentes da FAEL, mestres e doutores, que são responsáveis pela análise, aprovação/reprovação dos artigos enviados com relação a aderência para com as linhas de pesquisa da revista. Os artigos aprovados pela Comissão Editorial seguem para a Comitê Científico – Formado por professores doutores de instituições externas, e que, são responsáveis pela avaliação, aprovação/reprovação dos artigos que serão publicados na Revista Vivências Educacionais. Nesta edição, temos o prazer de apresentar a vocês, caros leitores, os artigos, aprovados em todos os processos de produção da revista, onde apresentam reflexões riquíssimas e de forma interdisciplinar, trazendo aspectos das diversas áreas do conhecimento. Agradecemos imensamente aos autores, professores orientadores, a Comissão Editorial e Comitê Científico, a Editora e a todos os colaboradores que se dedicaram para a publicação da 2ª Edição da Revista Vivências Educacionais da FAEL. Uma ótima leitura! Lapa, 9 de março de 2018.

Prof. MSC. Elizane Andrade da Silva Presidente da Comissão Editorial

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO....................................................................................................................................................3 FORMAÇÃO DE DOCENTES PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR..........................................................................6 Teacher Training for Higher Education CAPELLESSO, Elivane Salete ANDRADE, Valter Zotto de O APOIO PEDAGÓGICO O APRENDIZADO MUSICAL: O IMPACTO DA MÚSICA NAS RELAÇÕES SOCIAIS DAS CRIANÇAS DA ESCOLA ACREANA DE MÚSICA - EMAC........................................................................15 The Pedagogical Support in Musical Learning: the Impact of Music on the Social Relations of Children at Acreana Music School FERREIRA, Edemilson DIAS, Gilmar A INTEGRAÇÃO DAS DIMENSÕES TÉCNICA E HUMANA NOS CURRÍCULOS DOS CURSOS SUPERIORES DO CAMPUS ERECHIM DO IFRS: UMA ANÁLISE A PARTIR DO CONCEITO DE AÇÃO EM HANNA ARENDT................................................................................................................................................................27 The Integration of Technical and Human Dimensions in the Curricula of the Higher Education Courses of IFRS Erechim Campus: an Analysis from the Action Concept in Hannah Arendt NUNES, Daniel Pires SCHUBERT, Silvana Elisa de Morais TEMPOS E ESPAÇOS EM QUE ACONTECE A BRINCADEIRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM MAPEAMENTO DAS PESQUISAS REALIZADAS NO CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO (CED/UFSC) SOBRE A BRINCADEIRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL.....................................................................................................37 Times and Spaces in which the Childreen Education Child’s Play Happen: a Mapping of Researches Performed at the Center of Educational Sciences (CED/UFSC) on Childreen Education Child’s Play NERI, Sabrina Santana Francisco SOEK, Ana Maria EDUCAÇÃO INCLUSIVA: ATITUDES DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL................................47 Inclusive Education: Teachers Attitudes in Children Education BONAFÉ, Cinara BOLFE, Juliana

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SUMÁRIO

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NA MATEMÁTICA: INCLUSÃO DE ALUNOS COM DISCALCULIA...55 Learning Difficulties in Mathematics: The Inclusion of Students with Dyscalculia AFONSO, Angela de Fátima DIAS, Gilmar A CONSCIENTIZAÇÃO AMBIENTAL E SEUS OBSTÁCULOS NO ÂMBITO SOCIAL E JURÍDICO.................62 Environmental Awareness and its Obstacles in Social and Legal Scopes PORTELA, Daniella Gonçalves MONTESCHIO, Valeria Juliana Tortato A PRESENÇA DO INTÉRPRETE DE LIBRAS E DO ESTUDANTE SURDO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: IMPLICAÇÕES PARA ENSINAR E APRENDER GEOGRAFIA NO MUNICÍPIO DE RECIFE.......................................72 The Presence of the Interpreter of Brazilian Sign Language (Libras) and of the Deaf Student in Basic Education: Implications for Teaching and Learning Geography at Recife City SILVA, Helton Roger da SCHUBERT, Silvana Elisa de Morais A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DO EDUCADOR NO ÂMBITO DO ENSINO SUPERIOR..84 The Importance of Educator’s Pedagogical Formation in Higher Education SIMÕES, Alan de Macedo BOLFE, Juliana Simões HISTÓRIA AMBIENTAL E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: REFLEXÕES PARA UMA ABORDAGEM SISTÊMICA DE AMBIENTE......................................................................................................................................................92 Environmental History and Environmental Education: Reflections for a Systemic Environmental Approach MOREIRA, Juliane Roberta Santos ANDRADE, Valter Zotto de ENSINO FUNDAMENTAL: A INFLUÊNCIA DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NOS HÁBITOS DE LEITURA DOS CLÁSSICOS.....................................................................................................................................101 Elementary Teaching: The Influence of the Pedagogical Coordinator on Reading Habits of Classic Literature MAIA, Cleia Virleis DIAS, Gilmar

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Formação de Docentes para a Educação Superior Teacher Training for Higher Education

CAPELLESSO, Elivane Salete1 ANDRADE, Valter Zotto de2

RESUMO O trabalho apresenta como foco avaliar os anseios e as dificuldades dos discentes de pós-graduação, bem como avaliar a qualidade na formação do docente de nível superior. Foram utilizados, como base para a discussão, questionários que foram respondidos por dez pós-graduandos de mestrado e doutorado em diferentes instituições no país. Questionou-se sobre a atuação profissional, se os pós-graduandos se sentiam preparados para entrar no mercado de trabalho, sobre a necessidade de mais disciplinas voltadas para a formação docente, quais os desafios que esperam encontrar e sobre a disponibilidade de novas tecnologias de informação para a formação do docente de nível superior. Os entrevistados puderam, ainda, fazer comentários sobre a qualidade do ensino superior. Dessa forma, foi possível verificar como os pós-graduandos sentem-se em relação à sua qualificação para o exercício da docência. Palavras-chave: pós-graduação; discentes; novas tecnologias; qualidade do ensino.

ABSTRACT This study focuses on evaluating the desires and difficulties of postgraduate students, as well as evaluating the quality of higher education teacher training. As a basis for the discussion, questionnaires answered by ten master’s and doctor’s degrees students from different institutions of the country were used. They were questioned about professional performance, if they were feeling prepared to get into the the labor market, about the need for more disciplines focused on teacher education, what challenges they expect to find and about the availability of new information technologies for higher education teachers preparation. The interviewees were able to make comments on the quality of higher education. Therefore, it was possible to verify how post-graduate students feel about their qualification for teaching. Keywords: postgraduation; students; new technologies; quality of teaching.

1 Mestre em Ecologia pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões; Doutoranda em Ecologia e Conservação pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: elivane_s_c@yahoo.com.br. 2

Mestre em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná. Professor da Faculdade Educacional da Lapa. E-mail: valterzotto@uol.com.br.


Formação de Docentes para a Educação Superior

1 INTRODUÇÃO Um grande número de cursos de educação superior foi aberto nos últimos anos no Brasil. Como consequência desse processo, muitas vagas para cargo de docente foram abertas, solicitando cada vez a formação de novos profissionais. Entretanto, a formação de docentes para a educação superior no Brasil é um assunto pouco discutido e abordado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A grande maioria dos cursos superiores de mestrado e doutorado apresenta como foco a formação do pesquisador, e não do docente. Assim, muitos profissionais acabam seus cursos superiores com muitas dificuldades e dúvidas no momento de pôr em prática o seu conhecimento. A grande maioria dos cursos superiores no Brasil apresenta como objetivo a formação de bons pesquisadores, em que não se privilegiam conteúdos direcionados especificamente para a formação do profissional que irá atuar dentro das salas de aula. Muitos alunos dos programas de pós-graduação têm seu primeiro contato com a sala de aula durante o estágio de docência, que é obrigatório em algumas universidades e instituições que disponibilizam bolsas de estudos da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES). Entretanto, o estágio é um processo rápido, com apenas algumas aulas e avaliações rápidas, não sendo semelhante ao que o discente irá encontrar quando estiver em uma sala de aula, assumindo disciplinas. A baixa qualidade nessa formação básica não prejudica somente o futuro docente, mas também os alunos e a qualidade da educação em nível superior. Esse problema gera um efeito cascata em toda a educação, pois os futuros docentes são responsáveis, muitas vezes, pela formação de novos professores, que irão atuar no ensino fundamental e médio, diminuindo assim a qualidade do ensino. A falta de legislação referente à educação superior está fazendo com que sua qualidade diminua. Estudos sobre esse tema são fundamentais para compreender os anseios dos docentes em formação. A maioria dos programas de pós-graduação apresenta como foco a formação de profissionais “pesquisadores” e não “educadores”; dessa forma, faltam disciplinas voltadas para a formação pedagógica. Apenas quando compreendermos as falhas no ensino e as necessidades dos docentes será possível melhorar a qualidade do ensino superior no país. Entretanto, essa tarefa será longa e difícil. Por isso, é necessário dar os primeiros passos na busca por essa qualidade.

Diante disso, este trabalho tem como foco refletir sobre a importância de um enfoque maior na formação docente na educação superior. Pretendemos avaliar a qualidade da formação do discente de pós-graduação para atuar como docente da educação universitária a partir do olhar do próprio graduando e identificar os desafios a serem enfrentados para a formação.

2 DESENVOLVIMENTO 2.1 Revisão de literatura A qualidade da educação começou a ser investigada e discutida a partir de vários estudos desenvolvidos por agências internacionais, a fim de encontrar medidas para melhorá-la (NEITZEL; FEERI; LEAL, 2007). A formação dos docentes de nível superior só se tornou uma preocupação atualmente, pois estes têm demonstrado falta de preparo para formar profissionais (NEUENFELDT, 2010). Ainda segundo Neuenfeldt, o problema é mais preocupante quando o docente é responsável pela formação de futuros professores, que é um compromisso de responsabilidade direta sobre o futuro da qualidade da educação nacional. Segundo Batista (2011, p. 3), “o que se percebe é que a formação para a docência não é prestigiada na pós-graduação, visto que seu objetivo se direciona para a dimensão científica, relacionada com a formação do pesquisador”. Essa falta de interesse por parte dos alunos de pós-graduação agrava ainda mais a qualidade da formação dos docentes e consequentemente a educação do país. A falta de compreensão do discente e das instituições sobre a importância da preparação específica para a atuação os faz acreditar que o conhecimento específico desenvolvido nos anos de formação é o bastante para apresentar um bom desempenho docente (ISAIA, 2006 apud CORRÊA; RIBEIRO, 2013). Esse problema ocasiona deficiências no processo de ensino, como apontam Almeida e Pimenta (2014, p. 12):

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Os elementos constitutivos de sua atuação docente, como relação da disciplina com o projeto do curso, planejamento, organização da aula, metodologias e estratégias didáticas, avaliação, peculiaridades da interação professor-aluno, lhe são desconhecidos, bem como a compreensão do sentido e do significado de sua área específica na formação dos estudantes como 7


sujeitos e cidadãos, questões essas determinantes do que se ensina, do para que se ensina e dos modos como se ensina e que são próprias da atividade educativa de ensinar.

valores éticos e morais, formando, assim, cidadãos capazes de produzir e construir sua própria identidade, isto é, ensinar e aprender com competência pedagógica.

Neuenfeldt (2010) afirma que os docentes na educação superior se preocupam em demasia com suas atividades de pesquisa, deixando as atividades de sala de aula em segundo plano. Apenas o domínio do conteúdo não é suficiente para exercer a docência, sendo essencial a capacitação nas competências pedagógicas (LIRA; SPONCHIADO, 2012). A única forma de o aluno de pós-graduação ter acesso ao conhecimento pedagógico é por meio de disciplinas ministradas durante os cursos de mestrado e doutorado, juntamente com as disciplinas específicas.

Joaquim, Boas e Carrieri (2013) e Soares e Cunha (2010) observam em seus trabalhos que os cursos têm destinado maior destaque à pesquisa, deixando de lado a formação de docentes qualificados. Dessa forma, é necessário focar em disciplinas de formação dos discentes, as quais são espaços importantes para a formação, e essas deveriam estar em todos os currículos dos programas de pós-graduação (MELLO, 2002). A pós-graduação está cada vez mais focada no desenvolvimento da pesquisa científica, mesmo sendo esses cursos os de formação do docente universitário (CHAMLIAN, 2003). Segundo Pachane (2005), os cursos de mestrado e doutorado apresentam atividades de ensino e pesquisa dissociadas, dando a noção de que um bom professor deve apenas ter conhecimento sobre o seu conteúdo.

A falta de práticas docentes em instituições torna a formação dos alunos bastante precária. Segundo Soares e Cunha (2010), o professor universitário utiliza as vivências familiares e os modelos de antigos professores para sua formação docente. Essa deficiência faz com que o docente sinta a necessidade de conhecimentos para praticar a docência (PAIVA; SPONCHIADO, 2010). Segundo Paiva e Sponchiado (2010, p. 177), o domínio de conteúdos não é o bastante para o exercício da docência em qualquer nível. Os saberes e competências pedagógicas são elementos essenciais na capacitação própria e específica do professor. A ideia de que “aquele que sabe sabe automaticamente ensinar”, embora ainda defendida por alguns, está sendo superada em razão das especificidades e complexidades do ato de ensinar e da aprendizagem.

Alves e Oliveira (2010) afirmam que a didática que deve ser aplicada dentro da sala de aula não tem recebido a devida atenção, pois o “professor do ensino superior necessita de orientações quanto às técnicas e métodos que melhor se aplicam ao ensino superior”. Assim, ao ingressar na docência em nível superior, o profissional se depara com inseguranças em relação às suas habilidades e competências (OLIARI et al, 2012), o que prejudica as suas atividades como docente. Segundo Lira e Sponchiado (2012, p. 8), para exercer a profissão de docente de ensino superior, não basta ter apenas a formação na área específica; é preciso buscar incessantemente o aprendizado e saberes necessários à prática educativa, juntamente com 8

Para dificultar ainda mais, a legislação nacional não enfatiza a formação pedagógica desses profissionais, sendo essa formação fundamental para a atuação como docente, e, atualmente, o principal objetivo é a formação do pesquisador que gere conhecimento científico (SOARES; CUNHA, 2010). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394) de 1996, no seu Artigo 66, diz que para que o docente possa ministrar aulas na educação superior deve ter cursado pós-graduação stricto sensu em nível de mestrado e doutorado (BRASIL, 1996). Entretanto, Vasconcelos (2009 apud PRIGOL; BEHRENS, 2014), aponta um equívoco na legislação, pois não apresenta obrigatoriedade da formação didático-pedagógica como pré-requisito para o ingresso na carreira de docente superior. No seu artigo 65, a LDB discorre que “A formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas”, mostrando, novamente, a falta de preocupação com a qualidade do ensino superior. Os cursos de pós-graduação focam na formação da matéria especifica, na forma de pesquisa e, por sua vez, esquecem-se da formação pedagógica. O estágio de docência na formação do docente passou a ser obrigatório em 1999, por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a qual exigiu de todos os bolsistas de mestrado e doutorado sob sua tutela que realizassem a disciplina de estágio (CHAMLIAN, 2003), minimizando a falta de preparo desses profissionais. Essa exigência pro-

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vocou alterações na organização dos programas de pós-graduação, nas atividades de ensino, pesquisa e orientação e nas relações entre os indivíduos e as instituições (MOREIRA, 2009). Entretanto, Joaquim, Boas e Carrieri (2013) afirmam que o estágio de docência desenvolvido durante a pós-graduação é baseado em saberes práticos sem conhecimentos científicos, em que muitos programas colocam os discentes para ministrar aulas no lugar dos seus orientadores na graduação (FISCHER, 2006, apud JOAQUIM; BOAS; CARRIERI, 2013). Dessa forma, a qualidade da educação no Brasil diminui ao longo dos anos, iniciando pela falta de preparo dos docentes de graduação em seus cursos de mestrado e doutorado, que serão os formadores dos docentes de nível básico da educação nacional.

2.2 Procedimentos metodológicos e análise dos dados Para o desenvolvimento da pesquisa, foi desenvolvido um questionário direcionado para os discentes de pós-graduação em nível de mestrado e doutorado. O questionário abordou as principais dificuldades enfrentadas pelos alunos da pós-graduação e o que eles acreditam ser um desafio para o futuro. As perguntas mais relevantes a serem discutidas ao longo do trabalho se referem especificamente à formação e à atuação antes e durante a pós-graduação, qual o principal objetivo ao cursar pós-graduação e se acreditam estar preparados para o mercado de trabalho. Foi questionado, ainda, se mais disciplinas específicas da docência durante a pós-graduação seriam importantes para sua formação; se as tecnologias atuais auxiliam na atuação como docente e quais os desafios e comentários que os pesquisados têm sobre a educação superior no Brasil. Dessa forma, foi possível compreender os anseios dos docentes em formação.

duação e os demais atuaram em empresas ou salas de aula. Seis dos entrevistados atuaram em empresas antes de entrar na pós-graduação, não tendo contato com a docência. Quando questionados sobre a atuação atual, apenas um dos discentes estava trabalhando em uma empresa. Os demais tinham dedicação exclusiva à pós-graduação, exigência dos órgãos de fomento para obter bolsa de estudo (especialmente CAPES e CNPq). Outro questionamento feito foi a respeito de qual a finalidade de cursar a pós-graduação. Um deles apresentou como objetivo apenas a pesquisa, os demais queriam estar preparados para atuar na docência e na pesquisa. Quando abordamos o preparo para o mercado de trabalho, seis se sentiam preparados para atuar e quatro deles não estavam preparados para entrar no mercado de trabalho com a formação atual. Apesar da maioria acreditar que está preparada, nove deles acreditam que seria fundamental a presença de mais disciplinas voltadas para a formação docente nas grades curriculares dos cursos de pós-graduação. Outra questão abordada no questionário foi: “você tem algum comentário para fazer referente à formação de docentes para a educação superior?”. O entrevistado 1 abordou vários pontos que o deixavam desconfortável quanto à formação do docente universitário:

Foram selecionados dez discentes em nível de pós-graduação, envolvendo mestrado e doutorado. Os cursos de especialização não foram considerados, pois Corrêa e Ribeiro (2013) acreditam que mestrado e doutorado apresentam mais claramente a formação da pós-graduação com foco na docência.

2.3 Discussão dos resultados 2.3.1 Formação discente Dentre os discentes entrevistados, dois não atuaram na área de formação antes de entrar na pós-graFaculdade Educacional da Lapa - FAEL

Devido à ampliação e diversificação, muitas instituições de ensino e programas de pós-graduação não apresentam um corpo docente qualificado e com formação necessária para exercer atividades necessárias de um programa de pós-graduação enquanto formação do discente. Muitos discentes não estão preparados para estarem inseridos em um programa de pós-graduação (falha na formação durante a graduação e fracos processos de seleção de discentes para programas de pós-graduação). Destaco também que muitos programas de pós-graduação apresentam falhas em seu processo avaliativo de formação de docentes para a Educação Superior. A grande maioria dos cursos de pós-graduação, principalmente cursos de pós-graduação na área da ciência e tecnologia, em seus métodos de ensino, apresentam como exigência a ênfase no conhecimento científico, sem a mínima formação pedagógica. (Entrevistado 1) 9


Assim, como mostra o entrevistado 1, a formação qualificada para docência sempre esteve entre as maiores preocupações dos discentes de pós-graduação: Deveria haver maior articulação entre teoria e prática. Dar mais importância em formar profissionais preparados a ensinar. Não deveria se perder muito tempo avaliando e dando maior importância ao conhecimento somente teórico dos futuros docentes. A disciplina de metodologia do ensino superior deveria ser obrigatória em todos os cursos de formação docente, porque além de nos especializarmos na área específica, deveríamos sair preparados a repassar aos alunos informações e avaliá-los de forma coerente e eficiente”. (Entrevistado 9). O despreparo nas séries iniciais causa muitos atrasos no momento em que o aluno entra no ensino superior e muitas vezes a falta de investimento das instituições e a falta de preocupação dos professores também influenciam para que seja formado um mal profissional. (Entrevistado 7). Os programas de pós-graduação poderiam incluir mais disciplinas relacionadas à formação docente, ou mesmo aumentar o tempo das disciplinas oferecidas. O estágio em geral tem uma duração muito curta para preparar o profissional para atuar no ensino superior. (Entrevistado 6) Por falta dessas disciplinas voltadas para a educação, me sinto inseguro para iniciar a carreira de docente, pois não terei uma prática prévia ou um estudo acerca disso, dependendo apenas da vocação para tal tarefa. (Entrevistado 3)

Assim como os discentes entrevistados, Zanchet e Fagundes (2012) afirmam que falta uma fundamentação teórica que “adentre nas concepções de mundo, ciência e conhecimento, bem como nos processos de ensino e aprendizagem” na formação do futuro docente. Apesar da importância da formação dos docentes universitários, “as análises e reflexões em torno dos saberes necessários para a prática docente ficam excluídos da discussão que envolve a formação do professor universitário” (ZANCHET; FAGUNDES, 2012, p. 8). 10

Os programas de pós-graduação apresentam como objetivo a formação de pesquisadores, e não de docentes (ARROIO; RODRIGUES FILHO; SILVA, 2006; CHAMLIAN, 2003; ZANCHET; FAGUNDES, 2010). Os próprios conceitos do mestrado e do doutorado deixam explicita a sua função de formação de profissional. Segundo Arroio, Rodrigues Filho e Silva (2006, p. 1388), o mestrado apresenta como objetivo “dar ao aluno uma visão geral para o desenvolvimento de trabalhos científicos e tecnológicos de forma que possa iniciar-se profissionalmente em uma área de pesquisa”. E o doutorado “deverá propiciar ao aluno maturidade que lhe permita prosseguir como pesquisador independente, após a obtenção do título”. Apesar disso, a pós-graduação em nível de mestrado e, especialmente, o doutorado são as únicas formas de formação do docente universitário. Zanchet e Fagundes (2010) acreditam que a formação do docente universitário tem seu início de formação durante a vida de estudante e a convivência com os professores, com os quais aprenderam a “dar aulas” e até mesmo conheceram alguns recursos pedagógicos. Pode ser por essa razão que a maioria dos pós-graduandos entrevistados acredita estar preparado para atuar. Entretanto, a formação básica, juntamente com a formação obtida por meio de convívio, não torna o futuro professor universitário apto a atuar dentro de uma sala de aula. Especialmente quando, os docentes atuantes muitas vezes não apresentam conhecimento conceitual “que fundamente suas práticas docentes” (ZANCHET; FAGUNDES, 2010). A formação do discente pós-graduando foca no conhecimento específico da sua área de atuação, a qual também é relevante para a atuação na docência. Porém, juntamente com o conhecimento especifico, o docente deve apresentar competência pedagógica, que deveria ser um requisito fundamental para trabalhar na formação do aluno (ARROIO; RODRIGUES FILHO; SILVA, 2006). Além desses requisitos fundamentais, Pachane (2010) acredita que a formação do docente universitário, além das questões didáticas e metodológicas, envolve também questões éticas, afetivas e político-sociais, que devem ser conhecidas durante a formação pedagógica. Diante disso, é de extrema importância que o discente pós-graduando tenha a oportunidade de vivenciar atividades voltadas para a docência durante a sua formação (ARROIO; RODRIGUES FILHO; SILVA, 2006). Os mesmos autores afirmam ainda que a falta

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dessa vivência torna o futuro docente mais inseguro no momento de desenvolver atividades inovadoras, devido ao medo de errar. Entretanto, a educação necessita de docentes inovadores, que só poderão ser construídos por meio da formação pedagógica docente e mudanças na cultura universitária (PACHANE, 2010). Apesar de muito discutido, poucas são as atitudes tomadas para mudar o cenário da qualidade da educação superior no Brasil. Apesar de ter melhorado muito nos últimos anos, devido à exigência da CAPES para a realização do estágio de docência por seus bolsistas (PACHANE, 2010), muito ainda tem que ser feito para melhorar a formação dos docentes universitários. 2.3.2 Tecnologias na formação do docente de ensino superior As tecnologias estão disponíveis para o desenvolvimento de diferentes atividades na área de educação. Há uma grande disponibilidade de formas de se utilizar a internet, além de diversos aplicativos para celulares disponíveis para os professores de diferentes áreas do conhecimento. Diante dessa nova perspectiva, fizemos a seguinte questão aos futuros docentes: “A utilização de novas tecnologias pode melhorar a formação docente do aluno de pós-graduação? Quais?”.

como softwares relacionados à área de atuação do docente, é fundamental para melhorar sua formação. (Entrevistado 6)

Marchiori, Melo e Melo (2011) argumentam que as novas tecnologias têm sido alvo de grande interesse para os ensinos presenciais e a distância. O acesso à informação é fundamental nos dias atuais. Ela está disponível de maneira fácil e rápida, e as instituições devem se adaptar aos recursos disponíveis na atualidade, a fim de melhorar os seus objetivos. Minayo (2007, p. 13 apud PAIVA; SPONCHIADO, 2010), afirma que “é muito ingênuo se pensar que, numa época de tão aceleradas transformações, (...), o mundo universitário e das instituições de pesquisa pudesse permanecer intocado”. Segundo Zonotelli (2009), o uso das tecnologias está aumentando no meio acadêmico, porém ainda se vivencia uma fase de transição. Essas novas tecnologias tendem a melhorar a atenção dos alunos e avançar na aprendizagem (MARCHIORI; MELO; MELO, 2011), sendo, portanto, aliadas do docente, e não fontes de distração como são vistas por alguns docentes mais antigos. Marchiori, Melo e Melo (2011, p. 440) afirma que: Deve haver uma ação conjunta entre o professor de ensino superior e a universidade, uma vez que a segunda é a responsável pela infraestrutura para a inserção de novas tecnologias de comunicação (...). Já o primeiro é o maior responsável pelo crescimento profissional, na busca por uma maior inter-relação com as novas tecnologias em prol da atenção e aprendizagem mais efetiva dos alunos.

Nove dos dez entrevistados acredita que é necessária a utilização das novas tecnologias para a formação do docente universitário, especialmente na atualidade, em que a tecnologia é amplamente utilizada pelos discentes. As respostas à questão de quais tecnologias deveriam ser usadas estão descritas nas seguintes afirmações: Qualquer tecnologia que facilite o acesso a informação. (Entrevistado 5) A grande variedade de software e aplicativos pode auxiliar tanto na aprendizagem quanto no interesse dos alunos. (Entrevistado 10) Acredito que o uso direcionado de ferramentas de procura para artigos e material didático poderia ser mais explorado. Uma possibilidade seria a utilização de palestras por vídeo conferência com pesquisadores de universidades internacionais, ou mesmo de grandes universidades nacionais, para pequenos centros de pós-graduação. (Entrevistado 4) Vivemos em uma sociedade dominada pela informática, portanto, integrar novas tecnologias, tais

Apesar das grandes vantagens que as novas tecnologias fornecem para o processo de ensino-aprendizagem, ainda é necessário um esforço a fim de influenciar as práticas pedagógicas com o uso das tecnologias, sem se esquecer das práticas educacionais, e o investimento no professor, que pode apresentar maior resistência de se envolver com as tecnologias do que os discentes (VEIT; TEODORO, 2002). 2.3.3 Desafios enfrentados para inserção no mercado de trabalho Quando os entrevistados falaram sobre as dificuldades que eles acreditavam enfrentar após a sua formação pedagógica, a grande maioria apontou a con-

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corrência como principal desafio, como foi dito pelos seguintes entrevistados: Inserir-se no mercado de trabalho, tanto para docente quanto para pesquisador, devido à falta de oportunidade (vagas emprego), pouca valorização e elevada competividade em processos de seleção de novos docentes ou cargos de trabalho na área de formação. (Entrevistado 1) O principal desafio será encontrar um emprego após acabar a formação acadêmica, já que o mercado de trabalho está cada vez mais seletivo e exigente. (Entrevistado 6) O baixo número de oportunidades (concursos públicos) com relação ao alto úmero de pessoas qualificadas disputando estas vagas. (Entrevistado 5)

Outro, porém, lembrou da concorrência com outras áreas de formação, que muitas vezes disputam vagas no mercado de trabalho: Falta de preparo na formação, competição com formados de outras áreas, concorrência no mercado de trabalho, falta de empregos. (Entrevistado 10)

Outro, citou a falta de preparo para enfrentar o mercado de trabalho: Falta de preparo para enfrentar o mercado de trabalho atual, nas diretrizes em que ele funciona atualmente. (Entrevistado 7)

Como se pode perceber, a grande maioria dos pós-graduandos acredita que após a sua formação estar completa, terão dificuldades de conseguir um emprego, devido, especialmente, à concorrência por vagas e à falta de vagas para tantos profissionais formados. Esses pós-graduandos acabam muitas vezes atuando em áreas diferentes das suas devido à falta de vagas na sua área de formação específica. A falta de preparação é um assunto que sempre volta à tona, quando o tema é formação docente de nível superior. A falta de confiança, juntamente com a precária formação, faz com que esses futuros docentes se sintam inseguros em atuar, o que prejudica ainda mais a qualidade do ensino superior. E todos esses “problemas” em conjunto deixam o discente menos instigado a buscar o seu melhor desempenho, pois a grande concorrência na busca por um emprego após 12

sua formação já pode ser observada mesmo durante sua formação. Apesar de ser um tema de extrema relevância, são raríssimos os trabalhos com esse enfoque. A grande maioria dos estudos compreende a atuação do profissional ao fim da graduação, sem focar nos níveis de pós-graduação.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A falta de preparação dos docentes de nível superior é um dos maiores problemas no país, apesar de ser um tema pouco investigado. Quando a questão da educação é discutida, geralmente o foco principal é a educação básica, na qual os problemas são graves. Entretanto, para melhorar a qualidade da educação, é necessário focar na formação dos professores atuantes, os quais recebem seus conhecimentos durante a formação na graduação. Assim, a formação do docente que irá formar os futuros professores da educação básica deve ser abordada com maior urgência pelos órgãos responsáveis pela educação. Apesar da existência de um Plano Nacional de Pós-Graduação, não existe legislação que obrigue os programas de pós-graduação a focarem também na formação do profissional como docente. Essa falha na legislação nacional faz com que a grande maioria dos programas apresente como foco a formação do pesquisador. Não podemos esquecer que a pesquisa é o foco principal também das empresas governamentais que financiam os discentes com suas bolsas de estudo. O problema torna-se ainda mais grave quando consideramos que os discentes de pós-graduação, em nível de mestrado e doutorado, serão os docentes de amanhã. E essa falta de preparação profissional para atuar em sala de aula, faz com que os futuros docentes sintam a necessidade de disciplinas mais especificas, não apenas o estágio de docência obrigatório. Os discentes estão, cada vez mais, percebendo essa carência na sua formação e, também, na formação dos seus formadores – os docentes atuantes no nível superior. Essa necessidade de formação qualificada acaba falhando na formação do graduando, que pode iniciar sua carreira profissional, ou ainda ingressar em níveis superiores de formação. A formação do docente de pós-graduação nas instituições de ensino é realizada pelo mesmo corpo docente que atua na formação do graduando, o que acaba acarretando mais problemas, pois, se o aluno continuar na mesma intuição durante toda a sua formação, sempre terá acesso aos mesmos temas e conhecimentos. A falta de conhecido prévio,

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Formação de Docentes para a Educação Superior

juntamente com a falta de um ensino qualificado na formação do discente, torna ainda mais preocupante a questão da formação desses futuros docentes. A falta de disciplinas de formação adequadas faz com que esses alunos, sem nenhum tipo de experiência com a sala de aula, sejam apenas transmissores de conteúdo. Os docentes devem sempre buscar alternativas para melhorar a qualidade das suas aulas, utilizando sempre alternativas mais modernas e atrativas aos alunos. Diante disso, esperamos observar um avanço na qualidade do ensino em nível de pós-graduação, tornando os profissionais mais bem qualificados para atuarem no ensino superior nacional. Apesar das grandes dificuldades apontadas pelos discentes, quando há uma formação de qualidade, mesmo com a concorrência, a possibilidade de entrar no mercado de trabalho aumenta, diminuindo assim as preocupações dos discentes. Deixamos em aberto, para maiores investigações, a discussão sobre a inserção do pós-graduando no mercado de trabalho. Esse é um tema que merece maiores pesquisas para se encontrar alternativas para os futuros profissionais, tanto para a formação docente como também para a de pesquisador.

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O Apoio Pedagógico no Aprendizado Musical: o Impacto da Música nas Relações Sociais das Crianças da Escola Acreana de Música - EMAC The Pedagogical Support in Musical Learning: the Impact of Music on the Social Relations of Children at Acreana Music School FERREIRA, Edemilson1 DIAS, Gilmar2

RESUMO Essa pesquisa se debruçou sobre a questão de como o educador pode inserir no ensino musical ações que privilegiem o aprendizado de maneira a transformar a realidade social dos educandos. Por meio da intervenção pedagógica é possível contribuir para o desenvolvimento dos alunos mediante atividades lúdicas que trabalhem a socialização e o estreitamento dos laços estabelecidos nas relações sociais, promovendo a convivência das crianças, estimulando a coordenação motora, com incentivo à autodisciplina. Os benefícios promovidos pela música, principalmente na iniciação musical aplicada à criança, em que o aprendizado é mais intuitivo, diferem do modelo tradicional de ensino que favorece a reprodução e prioriza a técnica, impactando no contexto social das crianças, transformando sua realidade. Ao desenvolverem a percepção e a sensibilidade por meio do experimento, da criação e da reflexão ampliam sua visão de mundo. A ação pedagógica diferenciada e inovadora, portanto, possibilita auferir os resultados que se deseja alcançar. Esse estudo tem a finalidade de verificar o impacto da música nas relações sociais de crianças da Escola Acreana de Música (EMAC), para isso foi desenvolvida uma pesquisa do tipo estudo de caso com enfoque qualitativo e aplicação de questionários, entrevistas a docentes e alunos, bem como observações in loco. Abordamos nesse artigo, as questões relacionadas à pedagogia no ensino musical inserida no Projeto Político-Pedagógico da escola, como um instrumento gerenciador da proposta política que direciona o ensino-aprendizagem musical. Palavras-chave: ensino; música; ação pedagógica; educação infantil.

ABSTRACT This research focused on the question of how the educator can insert in music teaching actions that privilege learning in order to transform the social reality of learners. Through pedagogical intervention, it is possible to contribute for the development of the students due to playful activities that work the socialization and the approaching of established links in social relations, promoting the children’s coexistence, stimulating the motor coordination, encouraging self-discipline. The benefits promoted by music, especially in musical initiation applied to children, in which learning is more intuitive, differ from the traditional model of teaching that leverages reproduction and prioritizes technique, impacting on the social context of children, transforming their reality. By developing awareness and sensitivity through experimentation, creation, and reflection, their worldview is broadened. The differentiated and innovative pedagogical action, therefore, makes it possible to obtain 1 Aluno do curso de pós-graduação em Pedagogia. Professor de música graduado em Licenciatura em Música pela UFAC. E-mail: nickekoja@yahoo.com.br. 2 Matemático, tecnólogo em Processos Gerenciais, pedagogo pela UFPR, mestre em Educação, especialista em Educação a Distância, especialista em Administração

Financeira e Informatização e professor do curso de Pedagogia e da Pós-Graduação da FAEL. E-mail: gilmar.dias@fael.edu.br.


the expected results. This study aims to verify the impact of music on the social relations of children at Acreana Music School (EMAC), and for this, it was developed a case study with a qualitative focus and the application of questionnaires, interviews with teachers and students, as well as on-site observations. We address in this article the issues related to pedagogy in the musical teaching inserted in the Political-Pedagogical Project of the school, as an managing instrument of the political proposal that addresses the musical teaching-learning process. Keywords: teaching; music; pedagogical action; child education.

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O Apoio Pedagógico no Aprendizado Musical: o Impacto da Música nas Relações Sociais das Crianças da Escola Acreana de Música – EMAC

1 INTRODUÇÃO Esta pesquisa busca investigar como o impacto do aprendizado musical e o trabalho de apoio da coordenação pedagógica pode ajudar no desenvolvimento das relações sociais de alunos de musicalização infantil da Escola Acreana de Música (EMAC). Nesse sentido, o foco investigativo deste estudo foi entender como o aprendizado musical auxilia nas relações sociais de discentes de musicalização infantil da EMAC e qual a contribuição do coordenador pedagógico dessa instituição nesse processo, cuja finalidade contida no PPP da escola é a formação e preparação de profissionais do nível básico ao nível médio na área da música. Nesta proposta, definem-se os profissionais que se pretende preparar, ancorando-se numa visão de indivíduo, educação, escola e sociedade, de cuja construção se quer participar efetivamente. Essa pesquisa se ateve às contribuições das ações pedagógicas no aprendizado musical e especificamente nas transformações ocorridas no contexto social dos alunos, considerando ser a música um elemento de fundamental importância no processo formativo da vida do ser humano. O objetivo foi identificar a colaboração do ensino musical nas relações sociais dos alunos da EMAC e a importância da coordenação pedagógica no processo ensino-aprendizagem. A relevância dessa pesquisa consiste em considerar o trabalho do coordenador pedagógico frente às ações desenvolvidas na escola, visto que é ele o mediador entre a escola e o professor, agente que fará os arranjos pedagógicos necessários, trazendo pautas de discussões para o espaço organizacional. A articulação do pedagogo frente ao trabalho desenvolvido nesse ambiente de aprendizagem considera o papel representado por ele como interlocutor entre professor e aluno, cabendo-lhe o auxílio ao corpo docente e lhe conferindo ampla criatividade na execução da disciplina a ser ministrada. A pesquisa de campo possibilitou aferir, mediante o trabalho desenvolvido por docentes e coordenador pedagógico no acompanhamento às atividades dos alunos, as mudanças ocorridas em suas relações sociais. A investigação foi estruturada na Escola de Música do Acre com 21 alunos, regularmente.

2 A PERCEPÇÃO DO SILÊNCIO, A REPRODUÇÃO DO SOM E A PRODUÇÃO DA MÚSICA O silêncio é entendido como ausência de som, porém, no silêncio existem sons que se propagam em uma audição perceptível aos ouvidos das pessoas. Tudo vibra em movimento constante, entretanto nem toda vibração se transforma em som para os ouvidos. Segundo Orlandi (2007, p. 32), “[...] o silêncio não está disponível à visibilidade, não é diretamente observável. Só é possível vislumbrá-lo de modo fugaz”. Nesse discurso, Orlandi (2007) elenca duas metáforas para organizar o silêncio, tendo em vista a impossibilidade de observá-lo, ou seja, em ambas ela aponta um movimento com retorno que produz um deslocamento. São as ondas do mar e o eco. A autora ainda define o mar como expressão do som de maneira incalculável, disperso, profundo, imóvel em seu movimento monótono, do qual as ondas são as frestas que o tornam visível através de sua imagem. O eco, por sua vez, também é uma fresta para ouvir o som, em sua não finitude, com movimento contínuo. Nessa abordagem comparativa e paralela, observa-se que o mar e o eco propagam sons embutidos no próprio silêncio que os produz, representados de maneiras diferenciadas em um processo contínuo de movimento. Embora o silêncio produza sons graves ou agudos, mesmo em um ambiente supostamente silencioso, esses não se tornam sempre perceptíveis. Brito (2003, p. 18) afirma que “Som e silêncio são partes de uma única coisa, e, nesse sentido, podemos dizer que são opostos complementares, conforme nos propõe Hans-Joachim Koellreutter: o silêncio deve ser percebido como outro aspecto de um mesmo fenômeno, e não apenas como ausência de som”. Portanto, o som é o resultado das vibrações das coisas. As vibrações propagadas pelo ar ou por outro meio condutor são transmitidas e identificadas pelo cérebro. Os sons que circundam os seres são expressões da vida, do universo em movimento e constituem-se diferentemente dos musicais. A vibração permanente e regular com altura definida dos objetos (flauta, harpa, violão) produz sons que são nomeados sons musicais. A vibração irregular, ao contrário, produz sons com altura indefinida, não podendo ser distinguido como “nota musical”, portanto produzem o que se identifica como “barulhos”

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ou “ruídos”. Para Schafer (1992, p. 69), “[...] ruído é qualquer som que interfere. É o destruidor do que queremos ouvir”. Schafer (1992, p. 69) ainda afirma que “[...] a sensibilidade do homem para a música varia inversamente de acordo com a quantidade de ruído com a qual é capaz de conviver”. Nesse caso, o ruído interfere na sensibilidade e na percepção do som de quem escuta. Na reprodução do som, é preponderante a seleção natural realizada pelo ouvinte em sua percepção auditiva e sensitiva, para captação da música. A natureza em si reproduz sons naturais, como as ondas do mar, o vento, a chuva; os objetos reproduzem sons variados e em diversas intensidades, alturas e timbres. Em um contexto didático e mais abrangente, a música é parte integrante da arte e da cultura, portanto elemento essencial no processo ensino-aprendizagem. O panorama educacional no Brasil apresenta dificuldades e lacunas não preenchidas no que concerne ao atendimento da demanda de alunos que atualmente sobrepõem-se no ambiente escolar apresentando descompassos na aprendizagem, com níveis diferenciados de aprender, impondo a esses mesmos alunos a superação no que diz respeito ao ensino-aprendizagem e à participação ativa nas atividades. Vale ressaltar a ampliação de Fonterrada (2015) sobre a pouca existência musical na educação básica, com exceção de algumas escolas que acolhem a presença da música em seus currículos. A Constituição Federal de 1988 determina, em seu Art. 210, que “Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 1988). Reforçando este artigo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9396, em seu Art. 26, determina o seguinte:

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básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos. (BRASIL, 1996).

Partindo do princípio de que a criança se encontra em processo de desenvolvimento, a educação musical é elemento crucial para agregação de valores, mudanças comportamentais do ser humano e envolvimento com as diversas culturas. De acordo com Fonterrada (2008, p. 10), “[...] a educação musical decorre de hábitos, valores, condutas e visão de mundo da sociedade a cada época”. A música permite que as pessoas, de maneira geral, conheçam melhor a si e qualifiquem sua existência no mundo. No caso dos alunos, contribui com o desenvolvimento de seus potenciais e a descoberta de habilidades. No contexto musical, a percepção, a audição, o som, a compreensão e a emoção transcendem o tempo e o espaço. Os significados embutidos nessas expressões vêm à tona sempre que se estabelece uma relação direta com a música. É válido destacar que o professor, no papel de educador, deve estar atento aos diferentes níveis de aprendizagem, considerando essas expressões individuais sentidas e exploradas por cada aluno.

3 A PEDAGOGIA E A EDUCAÇÃO MUSICAL A educação musical estimula o vínculo, possibilita a participação efetiva das relações e fomenta a produção de conhecimentos de modo geral e amplo, propiciando na área pessoal a formação do aluno de maneira abrangente, e não somente uma transferência de informações por parte do professor. Fonterrada (2008) considera que a construção de todas as bases sensoriais, afetivas, mentais, morais, sociais e estéticas que nortearão as fases posteriores, tem início na infância.

Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.

No processo educativo, o professor se transforma em educador, participando ativamente no espaço educacional da construção do sujeito. Nesse caso, a cultura individual permite a compreensão das questões de alteridade e identidade, conceitos fundamentais para o desenvolvimento humano. Segundo Souza (2015, p. 164), em seus escritos sobre as possibilidades musicais na educação infantil,

§ 2o. – O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação

o professor tem a possibilidade de buscar formação, cursos e capacitações no intuito de promover

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às crianças o contato com a educação musical, desenvolvendo, dessa forma, melhor compreensão das propostas, atuando adequadamente e promovendo não só o contato com a música, mas a ação e transformação acerca dela.

A linguagem musical parte do princípio de aquisição do externo e expressão do interno. Dessa forma, o aluno se apropria da linguagem musical. Nesta configuração, Fonterrada (2008, p. 135), ao discorrer sobre o sistema de Dalcroze, argumenta que “[...] o sistema organiza-se em movimentos e atividades destinados a desenvolver atitudes corporais básicas, necessárias à conduta musical”. Especificamente no caso de crianças, as emoções fluem mais facilmente através da música do que pelas palavras. Dessa forma, a educação musical passa a ser um recurso pedagógico para favorecer a ampliação do desenvolvimento cognitivo e emocional nessa faixa etária. A autora ainda afirma que “[...] o principal papel da música é pedagógico, pois é responsável pela ética e pela estética, implicando na construção da moral e do caráter da nação, o que a transforma em evento público e não privado” (FONTERRADA, 2008, p. 27). Nesse sentido, a música encontra-se ao alcance de todos como elemento contributivo da construção do sujeito, imprimindo à sua formação caracteres norteadores de sua conduta. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1997) são documentos que explicitam cada área de conhecimento que deve ser desenvolvida na escola. Inseridas nessa proposta, as ações pedagógicas estão estruturadas em três eixos conectados com a construção musical, que abrange sua execução por meio da produção, que compreende a comunicação e expressão em música, sintetizando o fazer musical com a interpretação, improvisação e composição; da fruição, que compreende a apreciação significativa da arte e do universo a ela relacionado – tal ação refere-se à produção dos alunos e à música como produto cultural e histórico em sua diversidade – e a reflexão, que contempla a arte como um produto da variedade de culturas que fazem parte da história. Sendo assim, a linguagem musical contribui para o desenvolvimento da expressão, da autoestima, do equilíbrio e do meio de integração cultural e social.

No Brasil, existe uma diversidade cultural grande, devido à influência dos povos oriundos de diversas etnias, à influência regional do país e a suas tradições específicas. Portanto, nesse processo de educação musical, é relevante a variedade de estilos musicais a serem utilizados com as crianças, como músicas infantis, regionais, clássicas, eruditas e músicas populares do Brasil, que venham a estimular também o canto, proporcionando ganhos significativos na fala e na audição com a aprendizagem do ritmo, da melodia e da harmonia, elementos utilizados no método dalcroziano. O método desenvolvido por Dalcroze traz os três elementos básicos (ritmo, melodia, harmonia) sincronizados como essencial para o aprendizado musical. De acordo com o referido autor, o ritmo traz em si a proposta de retirar o aluno da inércia do próprio corpo, libertando-o de uma prática mecanizada organizada em literaturas para o acúmulo de informações sem a participação orgânica muscular, que desperta e desenvolve a consciência rítmica (DALCROZE, 2012, p. 31). Segundo Moreira (2003, p. 15), em sua pesquisa sobre o método Dalcroze no estudo musical para o corpo e a mente, cita a eurritmia como um trabalho corporal harmonioso em que a atuação do cérebro interage, promovendo uma atuação em conjunto – instinto e intelecto devem se desenvolver simultaneamente. Nesse sentido, a linguagem produzida pelo corpo em movimento traduz o ritmo natural necessário à execução de uma obra musical com determinado instrumento. Segundo Moreira (2003), a rítmica Dalcroze compreende o solfejo como estudo da melodia e da harmonia, compreendendo audição e linguagem trabalhando em conjunto. Sendo o corpo utilizado como o instrumento rítmico natural, a voz é considerada como o instrumento tonal natural, fio condutor da expressão do trabalho de solfejo. Articulados em conjunto, o sistema nervoso dispensa atenção ao ritmo e o ouvido para o som. O solfejo como metodologia utilizada desenvolve o sentido dos graus, as diferentes tonalidades e reconhecimento de timbres. Além disso, o solfejo desenvolve a simbolização mental da melodia, do contraponto e da harmonia em atividades de leitura, improvisação, notação e composição. Dessa forma, por meio da música, pode se estimular a flexibilidade mental, fortalecer vínculos, compartilhando emoções que tornam a percepção da existência do “outro” concreta e parte do referencial social.

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Segundo Grispino (2016), elementos fundamentais no processo de desenvolvimento da criança e do jovem, a audição e a linguagem capacitam jovens e crianças para reconhecer formas de expressão, modos de ser dos povos e das diferentes culturas. Portanto, a música contribui para superar preconceitos e, quanto menores as crianças, mais abertas estarão para a diversidade. A sociedade abriga em seu cerne uma diversidade sociocultural que faz com que, segundo Michaliszyn (2013), essa mesma sociedade se prevaleça das diferenças, admita a alteridade, mas acentue a dessemelhança e, consequentemente, evidencie a diversidade. Michaliszyn (2013) segue afirmando que, em consequência desse comportamento social, todos, em determinados momentos, são vítimas da diversidade; em outros, terminam por utilizá-la para reafirmar a própria identidade. Pensando na diversidade encontrada nas instituições de ensino, é pertinente destacar o papel fundamental da atuação dos profissionais inseridos nesse processo de trabalho desenvolvido, no sentido de conciliar as diferenças existentes nesse espaço educacional, valorizando as peculiaridades embutidas no contexto social e favorecendo as relações interpessoais. Para Acosta e Vitale (2005), o mundo em torno é provocante e desperta disposições com aspectos atraentes e repelentes. Destaca ainda que, em sua concepção, é o valor dado ao significado que as atividades, os papéis sociais e as relações interpessoais vividas nas interações face a face têm para a pessoa em desenvolvimento. que

Nesse sentido, o Referencial Curricular reforça para que seja incorporada pelas crianças, a atitude de aceitação do outro em suas diferenças e particularidades precisa estar presente nos atos e atitudes dos adultos com quem convivem na instituição. Começando pelas diferenças de temperamento, de habilidades e de conhecimentos, até as diferenças de gênero, de etnia e de credo religioso, o respeito a essa diversidade deve permear as relações cotidianas. (BRASIL, 1998, p. 41).

Nesse caso, a interação entre professor e aluno é um fator importante para a evolução da aprendizagem. No entanto, e além de tudo isso, o fundamental para o sucesso dos alunos é a motivação para o que aprende, o interesse do aprendiz para o que está sendo ensinado. 20

Os benefícios da música exercem influência direta nos relacionamentos sociais, de modo geral, na vida das pessoas e, especificamente, na das crianças, estando estas em um processo de desenvolvimento constante de ensino-aprendizagem.

4 METODOLOGIA UTILIZADA NA PESQUISA O presente trabalho investiga o impacto da música nas relações sociais dos alunos da Escola Acreana de Música. Por conseguinte, aborda o apoio pedagógico e suas intervenções no processo de aprendizagem do ensino musical e a forma de atuação inserida na proposta de musicalização como fator preponderante para uma proximidade maior com professores e alunos, de modo a alcançar resultados satisfatórios, contribuindo para o processo ensino-aprendizagem da música e as transformações comportamentais advindas dessa aquisição. Utilizou-se instrumentos de coleta de dados como análise de documentos, entrevistas, questionários e observação in loco. Em seguida, houve a análise qualitativa dos dados coletados. Sobre a técnica de observação (observação in loco) Gil (1995, p. 104) afirma que “a observação apresenta como principal vantagem, em relação a outras técnicas, a de que os fatos são percebidos diretamente, sem qualquer intermediação. Desse modo, a subjetividade, que permeia todo o processo de investigação social, há de se reduzir”. Segundo Gil (1995), a presença do pesquisado no local da pesquisa pode alterar o comportamento dos observados, por isso, essa técnica precisa ser aplicada com a maior descrição possível por parte do pesquisador. O autor define a entrevista como “[...] a técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que interessam à investigação” (GIL, 1995, p. 113). O autor afirma ainda que a entrevista é uma excelente ferramenta para obtenção de informações sobre os sentimentos pessoais dos investigados. Diante dessa perspectiva, analisaram-se qualitativamente as entrevistas aplicadas aos coordenadores pedagógicos, docentes e alunos. Quanto ao questionário, Gil (1995, p. 124) afirma que “constitui hoje uma das mais importantes técnicas disponíveis para a obtenção de dados nas pesquisas sociais”. Ele acrescenta ainda que: “[...] a construção do questionário consiste basicamente em

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traduzir os objetivos específicos da pesquisa em itens bem rígidos” (GIL, 1995, p. 126).

em vista os impactos nas relações sociais estabelecidas no contexto de cada aluno.

Os questionários aplicados aos professores forneceram a base para aferir as mudanças ocorridas nas relações sociais dos alunos e a contribuição das intervenções pedagógicas no processo ensino-aprendizagem. Aplicados aos coordenadores pedagógicos, teve como direcionamento a importância da música nas relações sociais. Também se aplicou um questionário a 21 alunos da Escola de Música do Acre, com a finalidade de pontuar a evolução e as mudanças percebidas por eles.

A entrevista, os questionários e a observação in loco foram utilizados como instrumentos e possibilitaram a visibilidade nas mudanças ocorridas nos aspectos sociais e pedagógicos do universo dos alunos da Escola de Música. A pesquisa de campo realizou-se na Escola Acreana de Música, que se localiza na cidade de Rio Branco (Acre).

A pesquisa realizada (aplicando os três instrumentos de coleta de dados) buscou o entendimento da visão desses atores sobre a prática pedagógica e a influência da música e sua função social como agente transformador.

A pesquisa realizada na Escola Acreana de Música, localizada no Bairro Tucumã, na cidade de Rio Branco, no estado do Acre, trabalhou o universo de 21 alunos das redes públicas e particular de educação regular.

Realizamos observações in loco com o objetivo de verificar como é o dia a dia dos alunos pesquisados, para acompanhar as mudanças decorrentes da influência da música em seus comportamentos e relações. Na observação do espaço escolar e dos alunos da Escola de Música, a proposta foi identificar as mudanças ocorridas nas relações sociais dos alunos, considerando os aspectos emocionais, familiar, cognitivos, problemas de conduta e atenção. O método de análise dos dados coletados foi o dialético que, segundo Gil (1995, p. 31), em método: “de investigação da realidade”. Realizou-se a análise qualitativa desses dados, pois, segundo Chizzotti (2006, p. 156), “Atualmente, a tendência que os pesquisadores adotam é a pesquisa qualitativa, cuja metodologia permite uma maior reflexão sobre os dados e vem atendendo vários segmentos de áreas de conhecimento não só da educação”. Segundo Gil (1995, p. 84), eles se dão em um contexto fluente de relação: “São ‘fenômenos’ que não se restringem às percepções sensíveis e aparentes, mas se manifestam em uma complexidade de oposições, de revelações e de ocultamento, é preciso ultrapassar sua aparência imediata para descobrir sua essência”. A análise dos dados coletados por meio de entrevistas estabelece não somente um caráter quantitativo, mas também qualitativo, em que é possível quantificar elementos estudados e analisar as questões propostas. Os dados coletados apontaram que o trabalho desenvolvido é de fundamental importância, tendo

5 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS

A Escola de Música do Centro Cultural Tucumã (nome anterior à sua oficialização por parte do governo do estado), deu início a suas atividades em 2005, com a proposta de ensinar música à população de Rio Branco (AC). No ano de 2007, devido à reforma do prédio em que a escola estava implantada, a instituição passou a exercer suas atividades nas dependências da Usina de Arte João Donato. A partir de 2010, passou a funcionar definitivamente na sua sede, no antigo Centro Cultural do Tucumã, com as condições de infraestrutura mais adequadas aos seus objetivos. A Escola de Música não restringe suas atividades apenas ao ensino musical, estando direta ou indiretamente ligada às apresentações artísticas realizadas principalmente na cidade de Rio Branco e projetos externos relacionados à produção artística local. A proposta da escola apresenta um desenho curricular com o objetivo de preparar o profissional de música, não só para atender à demanda cultural e econômica da região, mas também para enriquecê-la, ampliando e aprofundando a área de conhecimento e de atuação musical. Para tanto, prevê-se a qualificação e a capacitação contínua dos profissionais envolvidos no trabalho escolar, associada à pesquisa e à extensão. Desse modo, a música, como área de conhecimento, é fortalecida e difundida. O projeto político-pedagógico da Escola Acreana de Música consiste na sistematização dos anseios da comunidade da escola quanto ao trabalho educativo de iniciação musical, formação e preparação de alu-

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nos, que vai do ensino básico ao nível médio, na área da música. Por meio das entrevistas aplicadas foi possível identificar a importância da educação musical, o papel do coordenador pedagógico e as transformações ocorridas nas relações sociais das crianças. De acordo com o Referencial Curricular Nacional “[...] aprender música significa integrar experiências que envolvem a vivência, a percepção e a reflexão, encaminhando-as para níveis cada vez mais elaborados” (BRASIL, 1998, p. 42). Os dados coletados por observação in loco, os questionários aplicados e as entrevistas mostraram que o trabalho desenvolvido pelo coordenador pedagógico da escola está centrado na articulação da equipe em prol de um mesmo objetivo, apontando caminhos diferenciados e alternativos para que as ações propostas possam fluir de maneira homogênea no desenvolvimento e aprimoramento dos cursos. À direção cabe a coordenação do processo de implantação e execução do Plano Político Pedagógico, além de verificar e acompanhar a qualidade do ensino da EMAC. O corpo docente entrevistado respondeu a seis questões e se dividiu ao identificar as melhorias ocorridas nas relações sociais de seus alunos no ensino da música. Dos entrevistados, quatro consideram que as mudanças são significativas e perceptíveis; três professores perceberam as mudanças, porém acreditam que estas sejam suficientes para o processo de aprendizagem do ensino musical de seus alunos; um apontou que essa mudança foi mínima. Em referência à utilização da música como elemento socializador da EMAC em relação à implementação no contexto da proposta política da Escola, cinco professores afirmaram que às vezes a música é utilizada com essa função e três afirmam que sempre a música é utilizada como um elemento socializador. De acordo com o projeto político-pedagógico, a escola tem como missão: Valorizar a Cultura Musical Universal, buscando a excelência na formação de profissionais e sendo agente para o desenvolvimento social através da arte musical, desenvolvendo competências e habilidades na área da música para crianças, jovens e adultos, tendo em vista a formação para a pro22

dução, fruição, o empoderamento da cidadania e a capacitação para o trabalho musical e seus afins (EMAC, 2012 p. 16).

Quanto à relevância do papel do coordenador pedagógico na contribuição da musicalização dos alunos, seis professores destacaram a importância da coordenação pedagógica frente às atividades; dois disseram não ter importância o papel do coordenador. Seguindo o que diz o projeto político-pedagógico em sua filosofia: No âmbito estritamente pedagógico, a sistematização das atividades escolares exige um plano pedagógico que contemple as disciplinas, os conteúdos dos programas de ensino, as atividades de extensão e de pesquisa como parte integrante do currículo da Escola (EMAC, 2012, p. 17).

Nas melhorias das relações sociais dos alunos, dos oito professores entrevistados, três identificaram a melhoria na concentração como uma mudança no comportamento cognitivo dos alunos; três apontaram a atenção como uma melhoria significativa, pois as crianças eram dispersas; um elencou o aprendizado como uma transformação perceptível e um destacou a percepção. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil salienta: A integração entre os aspectos sensíveis, afetivos, estéticos e cognitivos, assim como a promoção de interação e comunicação social, conferem caráter significativo à linguagem musical. É uma das formas importantes de expressão humana, o que por si só justifica sua presença no contexto da educação de um modo geral, e na educação infantil, particularmente (BRASIL, 1998, p. 45).

Dessa forma, entende-se que a música de acordo com Referencial Curricular, tem a função de estimular a área cognitiva, ampliando fatores subjetivos fundamentais no processo ensino-aprendizagem dos alunos da escola de música. Nas observações das práticas dos docentes, das entrevistas realizadas e os questionários aplicados, podemos constatar que a música, de modo geral, tem a função de mudar hábitos, facilitando o processo de aprendizagem das crianças nessa instituição.

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O Apoio Pedagógico no Aprendizado Musical: o Impacto da Música nas Relações Sociais das Crianças da Escola Acreana de Música – EMAC

Em relação ao comportamento social, quatro docentes mencionaram a empatia como uma mudança notável; três intitularam a elevação da autoestima no comportamento dos alunos, mediante a valorização da potencialidade de cada um e um docente nomeou uma mudança na diminuição da timidez. Nesse sentido, as palavras de Miranda (2013) são esclarecedoras ao destacar que o trabalho pedagógico deve ser realizado em contextos educativos que compreendam a música como processo construtivo contínuo, englobando a capacidade de perceber, sentir, experimentar, imitar, criar e refletir, considerando esse processo interacional com o meio, em um ambiente fertilizado de amor, afeto e respeito. O corpo docente não fez menção ao estímulo no caso de alunos com dificuldade de concentração, desinteressados e dispersos e como são desenvolvidas as atividades com a finalidade de fertilizar a criatividade. O Referencial Curricular ressalta ainda: [...] para que a aprendizagem da música possa ser fundamental na formação do cidadão, é necessário que todos tenham a oportunidade de participar ativamente como ouvintes, intérpretes, compositores e improvisações, dentro e fora da sala de aula. Isso exige que atividades musicais, estejam inseridas nas práticas educativas dos professores (BRASIL, 1998, p. 103).

Assim, observa-se que, para que as atividades alcancem êxito no desenvolvimento da criatividade das crianças, são necessárias participação e interação maiores por parte dos professores. Souza (2015) realça a necessidade de promover as potencialidades criativas das crianças, para que possam, dessa forma, fazer músicas por si mesmas, executando a produção, um dos eixos das ações pedagógicas estabelecidas no PCN. Nessa mesma abordagem, Brito (2003, p. 45) ressalta que: Obviamente, respeitar o processo de desenvolvimento da expressão musical infantil não deve se confundir com a ausência de intervenções educativas. Nesse sentido, o professor deve atuar – sempre – como animador, estimulador, provedor de informações e vivências que irão enriquecer e ampliar a experiência e o conhecimento das

crianças, não apenas do ponto de vista musical, mas integralmente, o que deve ser o objetivo prioritário de toda proposta pedagógica, especialmente na etapa da educação infantil.

Os 21 alunos entrevistados responderam um questionário com 7 perguntas para identificar as mudanças ocorridas em suas relações sociais. Destes, 11 alunos afirmaram que a música mudou de maneira positiva suas relações com outras pessoas; 2 alunos assinalaram que não houve mudança e 8 não souberam apontar as transformações ocorridas. No âmbito das melhorias identificadas pelos alunos; 6 alunos manifestaram que suas interações nas amizades ampliaram; 5 alunos disseram que se tornaram mais tranquilos em relação a seu comportamento antes da música; 3 alunos apontaram a responsabilidade como um aspecto positivo que mudou após o aprendizado musical; 1 aluno respondeu que se tornou mais atencioso; 1 aluno destacou que passou a ser mais centrado e 5 alunos não observaram mudanças significativas em seu comportamento. Evidenciaram-se diversos fatores que atuam e interferem direta ou indiretamente no comportamento das crianças. De acordo com Miranda (2013), essas interações trazem modificações tanto no objeto quanto no sujeito. Miranda (2013) ainda coloca que o diálogo inteligente e crítico da realidade considera o objeto sempre como um objeto-sujeito, em que a realidade tanto se mostra quanto se esconde. Inseridos em seu próprio contexto social, os alunos foram questionados a apontar o ambiente em que essas mudanças foram mais perceptíveis. Do universo de 21 alunos, 6 responderam que na própria escola de música seu comportamento se transformou; 4 alunos apontaram o colégio em que estudam como o ambiente que mais perceberam as mudanças, no aprendizado, na atenção, na relação com os colegas; 3 disseram que sua mudança maior ocorreu na família, em que passou a ter mais responsabilidade e ser menos inquieto; 1 identificou a Igreja como seu ambiente de mudanças e 6 não se posicionaram. Considerando a escola de música e o colégio onde realizam o estudo formal como os ambientes de socialização adequado ao mundo da criança, as mudanças foram mais perceptíveis nesses locais, onde se estabelecem vínculos e relações de amizades.

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Nessa perspectiva, segundo Acosta e Vitale (2005), os afetos são espaços de vivência da ética em que se qualificam as ações e as relações humanas. Acrescentando que impulsionados por esses é que surgem as decisões se algo é bom ou não o suficiente para determinar que uma ação seja evitada. Os motivos que impulsionaram o aprendizado da música foram diversos: 7 alunos receberam orientações de seus pais; 6 alunos responderam que o motivo que os incentivou foi a possibilidade de aprender tocar um instrumento; 5 alunos identificaram o gosto natural pela música; 2 assinalaram a ocupação do tempo; 1 por influência dos amigos. Dos 21 alunos entrevistados, ao destacarem o que os levou a aprender a música; 13 apontaram a oportunidade de se tornar músico; 4 informaram que o motivo que os levou a aprender música foi uma forma de diversão; 3 disseram ser aprender por lazer e 1 não se posicionou. Os alunos foram convidados a identificar como eram antes do aprendizado musical; 8 alunos assinalaram que eram inquietos; 5 eram tímidos; 4 eram dispersos e tinham dificuldades em manter atenção nas atividades; 4 informaram que eram tranquilos. De modo geral, os alunos apontaram mudanças em seus comportamentos nos aspectos cognitivo e comportamental, destacando maior concentração e atenção em atividades das quais participam. No aspecto social, ocorreu maior proximidade com as pessoas com as quais se relacionam, tendo em vista a facilidade de interagir mediante a superação da timidez, promovendo a união com os colegas e familiares. Nos aspectos subjetivos, deram destaque ao desenvolvimento do senso de responsabilidade, à tranquilidade conquistada por algumas crianças consideradas agitadas. É válido mencionar que no contexto da escola de música, espaço social em que estão inseridos os alunos, as transformações são perceptíveis, considerando a diversidade existente.

6 PROPOSTA PARA SUPERAÇÃO DOS PROBLEMAS LEVANTADOS COM ESSA PESQUISA A aprendizagem consiste em um processo dinâmico presente constantemente na vida relacional das pessoas. A aprendizagem educacional, por ser um pro24

cesso complexo que abrange ações pedagógicas com a finalidade de ensinar, requer planejamento, estratégias e intervenções direcionadas a atender as dificuldades e as especificidades dos alunos. Na educação musical da EMAC, a proposição não é diferenciada. No grupo observado durante as aulas, as intervenções estão ocorrendo parcialmente e o avanço pretendido nos resultados está acontecendo progressivamente. O espaço educacional configura-se em sua representatividade social como locus da heterogeneidade, abrigando em seu interior sujeitos com diferenças variadas, incluindo as de aprendizagem. Assim estabelecem os Parâmetros Curriculares, partindo do princípio de uma sociedade não homogênea: [...] ao se admitir que a realidade social, por ser constituída de diferentes classes e grupos sociais, é contraditória, plural, polissêmica, e que isso implica na presença de diferentes pontos de vista e projetos políticos, será então possível compreender que seus valores e seus limites também são contraditórios (BRASIL, 1998, p. 23).

Observando os alunos, verifica-se a grande diversidade existente no aspecto cultural, religioso, étnico/ racial e até mesmo de estruturas familiares, o que torna a educação ainda mais desafiadora, em especial as ações pedagógicas, pois essas trazem em si uma proposta política educacional de valoração da heterogeneidade. Nesse ambiente de diversidade, os alunos colaboram nas atividades propostas por meio de uma interação conjunta e mútua para despertar o senso de cooperação e compartilhar o aprendizado. Para tanto, faz-se necessária uma proposta de trabalho com capacitações do corpo docente para que possam inserir práticas inclusivas em suas aulas, e não somente executivas, da parte técnica do ensino musical, considerando que nem todos os alunos se tornarão músicos profissionais. Ao ensinar música ao aluno, o professor estará contribuindo com o despertar do interesse, estímulo à participação e à criatividade, colaborando com sua formação humana, sem a exigência da construção de um músico profissional. que

Nessa perspectiva, Miranda (2013, p. 23) aponta

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[...] a educação musical em um ambiente permeado por auto-respeito [sic] e respeito mútuo, condu-


O Apoio Pedagógico no Aprendizado Musical: o Impacto da Música nas Relações Sociais das Crianças da Escola Acreana de Música – EMAC

zida pela ação do brincar, contribui para o desenvolvimento integral do ser humano, sendo os jogos e o espírito criativo, mediador dos mais adequados para promovê-lo.

Dessa maneira, os professores são responsáveis pelo fazer educacional, imprimindo no processo ensino-aprendizagem da música formas conscientes agregadas a novas estratégias pedagógicas de modo que os alunos aprendam brincando. Para tanto, as ações docentes precisam perceber os alunos como um sujeito naturalmente constituído de habilidades e potencialidades para o fomento da criatividade. A acepção do aluno nessa lógica pedagógica acarretará ganhos futuros não somente com a formação de profissionais músicos, mas também com a transformação social por meio do aprendizado musical e a difusão da música como elemento inerente à condição humana.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS A aprendizagem como processo educacional propicia aos agentes envolvidos possibilidades de novas descobertas. Sendo assim, a música inserida nesse contexto, permite que novos conhecimentos sejam acrescidos à formação do aluno em sua amplitude no ambiente social do qual faz parte. A interação do aluno inserido na educação musical promove mudanças em torno de si mesmo, transformando sua realidade social e suas relações. Dessa forma, é essencial a participação articulada e conjunta dos profissionais envolvidos no processo ensino-aprendizagem da educação musical para a execução da prática pedagógica. Nessa constatação, observamos que na atuação dos professores é essencial que ocorra a prática que estimule os alunos à criatividade, atentando para que não foram identificadas atividades que propusessem aos alunos a criação. Para tanto, vale ressaltar que a criatividade é elemento constituinte na educação musical. A educação de modo geral transcende o ensinamento a que se está acostumado; considera a motivação, o estímulo, a criatividade e o contexto social de quem aprende. Com essa pesquisa, conclui-se que a música desempenha papel fundamental no desenvolvimento integral da criança e na vida das pessoas. Por meio dela é possível interagir com o mundo exterior, melhorar a comunicação, descobrir e aprimorar habilidades e potencialidades.

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A Integração das Dimensões Técnica e Humana nos Currículos dos Cursos Superiores do Campus Erechim do IFRS: uma Análise a Partir do Conceito de Ação em Hannah Arendt The Integration of Technical and Human Dimensions in the Curricula of the Higher Education Courses of IFRS Erechim Campus: an Analysis from the Action Concept in Hannah Arendt NUNES, Daniel Pires1 SCHUBERT, Silvana Elisa de Morais2

RESUMO Este artigo se propõe a analisar se os currículos dos cursos superiores do campus Erechim do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) preveem o trabalho das dimensões técnica e humana de forma integrada. Tal investigação é baseada nos conceitos de labor, trabalho e ação, de Hannah Arendt, e considera como material de análise os planos de ensino do primeiro semestre letivo de 2016, os PPCs (Projeto Pedagógico de Curso), vigentes dos referidos cursos e os documentos norteadores da instituição. Palavras-chave: Hannah Arendt; IFRS; ensino superior; andragogia; formação integral.

ABSTRACT This article aims to analyze if Curricula of the Higher Education Courses of Erechim Campus of Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) contemplate studies of technical and human dimensions in an integrated way. This research is based on the concepts of labor, work and action, by Hannah Arendt, and considers the teaching plans for the first semester of 2016, PPCs (Pedagogical Course Project) operating in those courses and the base documents of the institution. Keywords: Hannah Arendt; IFRS; higher education; andragogy; whole formation.

1 Pós-graduando do curso de Especialização em Metodologia do Ensino Superior e EaD da Fael. Mestre em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul (2014), Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2009), Engenheiro Eletricista pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2004) com Complementação Pedagógica – Licenciatura Plena pela Universidade de Santa Cruz do Sul (2007). Atualmente, é docente do Instituto Federal do Rio Grande do Sul – campus Erechim. 2 Professora orientadora. Doutoranda em Educação e Mestre em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná (2012). Graduada em Pedagogia pela Universidade do Oeste Paulista (2000), Especialista em Educação Especial pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão (2001), em Educação Infantil pela Universidade Castelo Branco (2004) e em Educação Bilíngue para Surdos: Libras-Língua Portuguesa pela Faculdade Maringá (2008). Professora do ensino fundamental (séries iniciais), desde 1996, no município de Araucária, professora da educação especial, desde 1999, intérprete de Língua Brasileira de Sinais no ensino fundamental desde 2004 (anos iniciais e finais l) no município de Araucária. Intérprete no ensino superior EaD da Faculdade Educacional da Lapa (Fael-Eadcon), de 2008 a 2012. Atualmente é professora no ensino superior da Fael-EaD e membro do grupo de pesquisa TEPE (Trabalho Educação e Políticas Educacionais).


1 INTRODUÇÃO Este artigo analisa os currículos dos cursos superiores do campus Erechim do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), buscando evidenciar se eles preveem o trabalho das dimensões técnica e humana de forma integrada e se tal integração acontece efetivamente. Tal investigação é baseada nos planos de ensino dos componentes curriculares oferecidos no primeiro semestre letivo de 2016, nos Projetos Pedagógicos de Curso (PPC) vigentes dos referidos cursos e nos documentos norteadores da instituição. O campus Erechim do IFRS oferece quatro cursos superiores, a saber: Engenharia Mecânica, Engenharia de Alimentos, Tecnologia em Design de Moda e Tecnologia em Marketing. Então, mais especificamente, o presente trabalho procura oferecer uma análise preliminar para um debate mais profundo para verificar se o planejamento e a organização das aulas, nos cursos anteriormente citados, proporcionam uma integração das dimensões técnica e humana. Nesse sentido, pretende contribuir para uma reflexão que leve ao maior aproveitamento das histórias de vida e das experiências dos sujeitos de aprendizado, considerando a não dissociação daquilo que é ensinado e o modo como é ensinado. Em outras palavras, pretende-se contribuir para uma reflexão acerca da metodologia de trabalho dos docentes do campus, levando em conta que o método de ensino nunca é neutro e que o fato de não se discutir em aula sobre o papel social daquilo que é aprendido e ensinado já é uma postura enquanto sujeito e cidadão que interfere no processo de aprendizagem. Em um primeiro momento, faz-se uma reflexão acerca das práxis docentes, relacionando-as à formação integral do sujeito no ensino superior e tomando como chave de leitura a categorização das atividades humanas fundamentais proposta por Hannah Arendt (2008). Posteriormente, o que se propõe é a avaliação do estatuto, do regimento geral e do plano de desenvolvimento institucional do IFRS, a fim de identificar se tais documentos contemplam a previsão de uma abordagem integrada das dimensões técnica e humana no ensino. Em um terceiro momento, serão analisados os PPC atuais (vigentes no primeiro semestre de 2016) dos respectivos cursos para identificar se estão presentes – e de forma integrada – os elementos da dimensão 28

humana nos componentes curriculares. Optou-se pela delimitação temporal no ano de 2016 no intento de que a análise reflita o que é feito atualmente no campus, considerado o objeto abordado e destacando que não se pretende realizar um aprofundado retorno. Na etapa seguinte, busca-se identificar se elementos da dimensão humana estão presentes no planejamento e nas estratégias de aula dos planos de ensino das disciplinas desenvolvidas no primeiro semestre letivo de 2016, relativos aos componentes curriculares técnicos e de ciências exatas dos cursos superiores do campus Erechim do IFRS. A partir disso, apresenta-se uma reflexão acerca da metodologia de trabalho dos docentes do campus. Nesse sentido, utilizou-se o método hipotético-dedutivo, levando em conta que se procura chegar à verificação ou à falsificação da hipótese de que os currículos dos cursos superiores do campus Erechim do IFRS não preveem o trabalho das dimensões técnica e humana de forma integrada. Além disso, vale-se também do método comparativo na medida em que se faz uma análise do que é previsto nos planos de ensino e do que se propõe nos documentos que norteiam a instituição. Passemos, então, à próxima seção, em que trataremos das práxis docentes e da formação dos estudantes no ensino superior do IFPR Erechim.

2 A PRÁXIS DOCENTE E A FORMAÇÃO INTEGRAL DO SUJEITO NO ENSINO SUPERIOR Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia foram criados pela Lei n. 11.892, de 29 de dezembro de 2008, para atuar no ensino básico, técnico e superior, sendo neste último, mais especificamente, no tecnológico. Tal amplitude de níveis de ensino implica a possibilidade de os docentes dessas instituições tratarem com públicos de idades muito diversas entre si, que têm necessidades e dificuldades distintas por estarem em fases de desenvolvimento diferentes. Os docentes dos institutos federais podem atuar desde a educação básica até a pós-graduação e isso exige deles uma grande capacidade de adaptação na abordagem dos conteúdos dos componentes curriculares, visto que em cada nível de ensino há diferentes exigências e princípios para orientar a práxis docente.

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A Integração das Dimensões Técnica e Humana nos Currículos dos Cursos Superiores do Campus Erechim do IFRS: uma Análise a Partir do Conceito de Ação em Hannah Arendt

Isso pode acarretar a tendência de que as abordagens se tornem indesejavelmente uniformes entre os diferentes níveis. Da mesma forma, entendemos que os docentes podem acabar abrindo mão de adotar uma abordagem integrada das dimensões técnica e humana nos componentes curriculares, focando somente a parte técnica e uniformizando, assim, a suas práxis. Há uma quantidade considerável de professores dos institutos federais que não têm formação acadêmica na área da educação, o que pode fazer com que os projetos pedagógicos dos cursos3 oferecidos não prevejam o trabalho das dimensões técnica e humana de forma integrada, visto que a tendência é que os professores das áreas mais técnicas (que participam da elaboração dos PPC) procurem focar exclusivamente nos conteúdos das suas áreas específicas de conhecimento. Acerca dos institutos federais, conforme Silva (2009, p. 24), […] o que deve distinguir essas instituições é um projeto pedagógico que na expressão de sua proposta curricular configure uma arquitetura que, embora destinada a diferentes formações (cursos e níveis), contemple os nexos possíveis entre diferentes campos do saber. A este processo deve estar integrada a inovação na abordagem das metodologias e práticas pedagógicas com o objetivo de contribuir para a superação da cisão entre ciência/tecnologia/cultura/trabalho e teoria/prática ou mesmo com o tratamento fragmentado do conhecimento (SILVA, 2009, p. 24).

O tratamento fragmentado do conhecimento é uma característica do ensino tradicional. Quando o projeto pedagógico do curso já se apresenta tendo isso como base, torna-se mais difícil (mas não impede) que os planos de ensino sejam pensados e desenvolvidos por meio de uma abordagem mais integradora e emancipatória. Ademais, para além da vinculação entre teoria e prática, é necessário no ensino superior que se integre a dimensão técnico-científica à reflexão humanística acerca do que está sendo estudado. 3 A elaboração dos Projetos Pedagógicos de Cursos (PPC) no IFRS segue o fluxo dado pela IN002/2016 da Pró-Reitoria de Ensino (INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL, 2016), que tem a seguinte redação: “Art. 2º Compete à Direção de Ensino e Coordenação de Curso, juntamente com [sic] seu Colegiado de Curso e/ou Núcleo Docente Estruturante (NDE), no caso dos cursos de Graduação, a elaboração, execução, avaliação permanente e atualização do Projeto Pedagógico de Curso [...]”. Sendo assim, os docentes participam de forma ativa na elaboração do PPC dos cursos superiores.

O executar das tarefas, bem como o objetivo a ser alcançado precisam estar sempre permeados pela reflexão humanística acerca do próprio fazer. Em outras palavras, como destaca Arendt, trata-se da reflexão sobre “o que estamos fazendo” (2008, p. 13), tanto como sociedade ou como indivíduos, ou seja, no coletivo ou no individual, o que é sempre inerente à formação integral do sujeito no ensino superior. Isso se visamos uma educação emancipatória, aquela que contribui para a formação de sujeitos capazes de refletir e agir sobre o contexto social, o que exige que compreendamos as concepções de trabalho, labor e ação apresentados por Hannah Arendt, que enfatizamos a seguir.

2.1 Hannah Arendt e as três atividades humanas fundamentais Para Hannah Arendt (2008), as atividades humanas fundamentais são divididas em três tipos: labor, trabalho e ação. O labor se relaciona à animalidade, porque está ligado à subsistência, à sobrevivência individual; assim, compreendemos que sua condição “é a própria vida” (ARENDT, 2008, p. 15). O trabalho é aquele que cria um mundo “artificial” de objetos; segundo Arendt, é aquilo que faz com que compartilhemos um mundo de coisas totalmente diferentes do mundo natural e a sua condição, portanto, é a mundanidade. Já a ação é aquela que só pode acontecer na condição da pluralidade, pois é a “única atividade que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da matéria” (ARENDT, 2008, p. 15). Então, a ação se difere por ser aquela que institui a liberdade. No mundo grego antigo, o labor e o trabalho eram atividades da esfera privada, ou seja, do âmbito familiar. A satisfação das necessidades vitais do senhor era função de sua família, que compreendia também os escravos (ARENDT, 2008, p. 40). Dentro da estrutura familiar não havia espaço para o discurso nem para a liberdade, apenas para uma sólida hierarquia. O trabalho ou os negócios da família também se encontravam no âmbito da esfera privada, em que também imperava a vontade do senhor, ou seja, não havia uma vida entre iguais. Já a vida dos cidadãos, aqueles que eram livres e que viviam entres seus iguais, utilizando o discurso para a persuasão ao invés da violência, era a que correspondia à esfera pública.

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O uso da violência era o modo de dominação de escravos e bárbaros, a forma de relação entre desiguais. A hierarquia familiar, em que o senhor dominava, também era outra relação entre desiguais. Ambas correspondiam à esfera privada. Somente na Pólis o indivíduo exercia a sua liberdade (entendida como dar-se coletivamente os seus princípios), porque apenas ali havia uma relação entre iguais, baseada no discurso. Na cidade-estado, o cidadão livre não estava envolvido com suas necessidades ou com as de sua família, mas com o desenvolvimento de seu pensamento próprio e com a livre manifestação dele por meio do discurso (além da prática vinculada ao discurso). Portanto, Arendt (2008) destaca que, na sociedade grega antiga, a família e a cidade-estado eram entidades diferentes e separadas. A Pólis era o âmbito da ação (esfera pública) e a família, do labor e do trabalho (esfera privada). No entanto, queremos compreender: como isso acontece na sociedade atual? A ação, segundo Arendt (2008, p. 15), é aquela atividade livre, baseada no discurso e desvinculada de satisfazer as necessidades da vida e da mundanidade. Tendo isso em mente e também considerando que a sociedade é uma “superampliação” da esfera privada, com consequente diminuição da dimensão da esfera pública (com limites muito difusos entre ambas), pode-se concluir que a sociedade, se não impossibilita, ao menos encarrega-se de reduzir muito a ação (ARENDT, 2008). Quadro 1 – Esferas, finalidades e características da esfera pública e privada

Esfera Privada Pública

Finalidade Satisfação das necessidades Instituição da liberdade

Característica Diferença entre seus membros Igualdade de princípio entre os cidadãos

Fonte: Elaborado pelos autores.

Ora, a ampliação da esfera privada acontece com os interesses particulares sendo tornados de interesse público, ou seja, quando a satisfação das necessidades daquela passa a ser do âmbito popular. Então, na sociedade, a lógica da esfera privada é trazida para a pública. Em tal cenário, a satisfação das necessidades está presente em todos os níveis, o que impossibilita a ação tal como foi definida. Mas

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como podemos de fato considerar essas determinações no âmbito educacional?

2.2 Educação para a ação Hannah Arendt (2008), Jürgen Habermas (2014) e Boaventura de Souza Santos (1988) trabalharam a tese de que tanto o desenvolvimento tecnológico quanto o científico não fornecem, por si mesmos, argumentos que dizem respeito à sua legitimidade. Entendemos com os autores que o fato de se ter um determinado conhecimento para fazer algo não significa que este seja legítimo de ser feito. Entretanto, o desenvolvimento da tecnologia e da ciência tem sido feito como se os conhecimentos técnico-científicos se autolegitimassem, como se fosse certo fazer algo simplesmente porque se pode fazer. Trata-se de um discurso tecnicista que se reproduz em sala de aula e que influenciou as bases curriculares de diversos países, um deles o Brasil, enfatizando disciplinas das chamadas ciências exatas em detrimento das humanas, sendo as primeiras tratadas como “verdadeira ciência”, e as últimas tendo pouca probabilidade de levar à verdade. Esse é um discurso que traz uma perspectiva de que somente tem legitimidade aquele raciocínio que procura provar e evidenciar algo matematicamente ou por meio de experimentos laboratoriais. “[...] a nova racionalidade científica é também um modelo totalitário, na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas.” (SANTOS,1988, p. 48). Nesse sentido, a técnica e a ciência também podem carregar uma ideologia consigo, conforme destacado por Habermas (2014), como o faro de que o progresso científico e tecnológico é autojustificado, bom em si mesmo. Entretanto, a tese que Arendt (2008, p. 9-12) defende é a de que a simples produção do conhecimento científico e tecnológico não legitima a utilização deles. Ou melhor, que o progresso científico e tecnológico não se autojustifica, nem se legitima por si mesmo. O âmbito discursivo sobre os rumos da ciência e da técnica não deve estar fechado na lógica dessas formas de raciocínio, mas, sim, estar além delas, porque essa é a tarefa do discurso político.

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A Integração das Dimensões Técnica e Humana nos Currículos dos Cursos Superiores do Campus Erechim do IFRS: uma Análise a Partir do Conceito de Ação em Hannah Arendt

A formação integral do cidadão pressupõe que ele não somente tenha se apropriado do conhecimento científico e tecnológico, mas que tenha a capacidade de, por meio do discurso, refletir acerca dos rumos a serem dados às suas capacidades. Santos (1988, p. 48) afirma que, após o modelo de racionalidade científica das ciências “duras” se estender às sociais, pode-se falar em [...] um modelo global de racionalidade científica que admite variedade interna, mas que se distingue e defende, por via de fronteiras ostensivas e ostensivamente policiadas, de duas formas de conhecimento não científico (e, portanto, irracional) potencialmente perturbadoras e intrusas: o senso comum e as chamadas humanidades ou estudos humanísticos (em que se incluíram, entre outros, os estudos históricos, filológicos, jurídicos, literários, filosóficos e teológicos) (SANTOS, 1988, p. 48).

balhar por uma educação voltada para a atuação na esfera pública. Então, utilizando os termos de Hannah Arendt (2008), deve-se educar para a ação e não tendo como foco somente o labor e o trabalho, o que trataremos no próximo subitem.

2.3 A metodologia de trabalho docente do ensino superior à luz dos conceitos de labor, trabalho e ação Para que se possa educar para a ação no ensino superior, é necessário considerar que o discente já traz consigo conhecimentos, saberes e experiências adquiridas tanto na vida escolar quanto nos demais âmbitos. Então, o aluno desse nível de ensino é capaz de se valer de outros conhecimentos, que não apenas aqueles da disciplina que estiver cursando, para chegar aos objetivos propostos pelo professor. Sendo assim, […] O construtivismo encontra num grupo andragógico um terreno fértil. O método consiste na proposição de tarefas a serem resolvidas ou executadas, bem como no fornecimento dos meios para se chegar aos objetivos. […] A aprendizagem baseada em problemas [...] é um método muito utilizado em Andragogia e que se aplica particularmente bem aos cursos de graduação profissionalizantes [...]. Consiste na narração ou construção de um problema que será posto para o grupo de estudos solucionar. Para essa solução, serão necessários os conhecimentos objetivados pelo momento particular da aprendizagem em que o problema é inserido (CAVALCANTI 2004, p. 49).

Essa proteção de “fronteiras” bem delimitadas encontra respaldo em sala de aula, sobretudo no ensino superior com a delimitação dos conteúdos em suas respectivas “disciplinas” ou componentes curriculares. Nesse sentido, A questão que se impõe é justamente como superar a dicotomia, a fragmentação do conhecimento, se ela é pressuposta no nosso modelo de abordagem científica e no processo de conhecimento, inviabilizando a possibilidade de síntese. [...] essa perspectiva positivista da Ciência orientou a Epistemologia e a Pedagogia para uma estrutura fragmentada do ensino em disciplinas e do conteúdo em tópicos (BARBIERI, 2004, p. 119).

Entretanto, não é o que geralmente se propõe, mesmo no discurso presente nos documentos das instituições de ensino superior. Em geral, os PPC dessas instituições preveem uma abordagem interdisciplinar (mesmo que na prática possa não se efetivar), mas para além da discussão acerca da interdisciplinaridade, aspecto importante para um currículo que preze a formação integral do educando, inclusive o de nível superior, está a questão da formação humana permeando os estudos dos conteúdos técnicos ou científicos. Ora, se o que se pretende é a formação humanística, a formação de cidadãos, devemos tra-

Portanto, uma abordagem que leve à reflexão e que aproveite a vivência do aluno pode ser mais proveitosa para a educação de discentes adultos para a ação. Porém, se a resolução de problemas não vier acompanhada da reflexão acerca do “contexto dos interesses sociais mais amplos contidos nas estratégias eleitas, nas tecnologias empregadas e nos sistemas instituídos” (HABERMAS, 2014, p. 76-77), a atividade acaba por não contribuir para uma formação emancipatória, mas apenas para o labor e o trabalho. Na próxima seção, trataremos da integração das dimensões técnicas e humanas, tendo como base os documentos norteadores institucionais do IFRS.

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3 A INTEGRAÇÃO DAS DIMENSÕES TÉCNICA E HUMANA NOS DOCUMENTOS INSTITUCIONAIS DO IFRS: DOCUMENTOS NORTEADORES O primeiro passo para avaliarmos os currículos dos cursos superiores do campus Erechim do IFRS e verificarmos se neles há efetivo trabalho com as dimensões técnica e humana de forma integrada foi analisar o documento por meio do qual foram criados os institutos federais. Buscamos, assim, compreender se há, nessas instituições, a pretensão de formar um cidadão educado para a ação. Os institutos federais são instituições com foco no ensino técnico de nível médio, mas que também oferecem cursos de graduação, possibilitando a verticalização da formação discente. Os professores “podem atuar em todos os níveis e modalidades da educação profissional, com estreito compromisso com o desenvolvimento integral do cidadão trabalhador” (SILVA, 2009, p. 8). Entretanto, é preciso ter clareza do que há na Lei n. 11.892 de 2008 (BRASIL, 2008), que cria os institutos federais dando ênfase à “formação integral”, para que se possa avaliar se na própria concepção dessas instituições já se prevê que as dimensões técnica e humana sejam trabalhadas de forma integrada. Silva (2009, p. 9-10) afirma que, para que os institutos federais possam cumprir os seus objetivos, sendo um deles a formação e o desenvolvimento do cidadão de forma integral, deverão adotar algumas diretrizes. Dentre elas, pode-se destacar as seguintes:

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e exercer sua cidadania, na perspectiva de um país fundado na justiça, na equidade e na solidariedade. […] 22

A sintonia dos currículos com as demandas sociais, econômicas e culturais locais, permeando-os das questões de diversidade cultural e de preservação ambiental, pautada na ética da responsabilidade e do cuidado (SILVA, 2009, p. 9-10).

Vemos, portanto, que a concepção dos institutos federais prevê em suas diretrizes uma formação integral, não somente uma educação para a técnica ou a ciência desvinculada do contexto social. Isso porque são instituições que se propõem a formar um cidadão não apenas para o mercado de trabalho, mas para agir com responsabilidade social. Ora, a educação para emancipação do cidadão se dá não somente a partir da formação de mão de obra, mas deve permear todas as facetas da complexidade humana. É necessário que o sujeito possa compreender o contexto em que vive e nele saiba agir de forma justa e responsável. É nesse sentido que os incisos VII a IX da Lei n. 11.892 (BRASIL, 2008) aponta para “um projeto de formação emancipatória” (SILVA, 2009, p. 40). O Estatuto do IFRS (BRASIL, 2014, p. 14), em seu Artigo 29, que trata do ensino, está em consonância parcial com tal concepção. Embora não deixe claro que a dimensão humana deve estar integrada à técnica, afirma que os currículos da instituição devem ter em vista princípios humanísticos, o que pode ser constatado em sua redação.

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A compreensão de que o conhecimento deve ser tratado em sua completude, nas diferentes dimensões da vida humana, integrando ciência, tecnologia, cultura e conhecimentos específicos – inclusive nas propostas pedagógicas dos cursos de graduação (licenciaturas, engenharias e superiores de tecnologia) e pós-graduação – na perspectiva de ultrapassar o rígido limite traçado pelas disciplinas convencionais;

22

O reconhecimento da precedência da formação humana e cidadã, sem a qual a qualificação para o exercício profissional não promove transformações significativas para o trabalhador e para o desenvolvimento social;

Art. 29. O currículo no Instituto Federal está fundamentado em bases filosóficas, epistemológicas, metodológicas, socioculturais e legais, expressas no seu projeto político-institucional, sendo norteado pelos princípios da inclusão social, da estética, da sensibilidade, da política da igualdade, da ética, da identidade, da interdisciplinaridade, da contextualização, da flexibilidade e da educação como processo de formação na vida e para a vida, a partir de uma concepção crítico-social de sociedade, trabalho, cultura, educação, tecnologia e ser humano (BRASIL, 2014, p. 14).

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A necessidade de assegurar aos sujeitos as condições de interpretar a sociedade

Por outro lado, o mesmo documento projeta a formação emancipatória dos discentes, questão que pode-

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mos verificar na redação do Inciso VII do Art. 5º, o qual trata de um dos objetivos do IFRS: “Art. 5º. VII – estimular e apoiar processos educativos que levem à geração de trabalho e renda e à emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento humano e socioeconômico local e regional” (BRASIL, 2014, p. 13).

indicar o contrário. Por isso, buscamos avaliar de modo específico excertos que trazem referências a aspectos humanísticos.

Assim, sem tratar de forma exaustiva quanto à presença textual da intenção de se oferecer uma formação integral por parte do IFRS, podemos constatar que a instituição busca, por meio de seus documentos norteadores, contribuir para a formação do cidadão. Porém, é preciso fazer a ressalva de que a integração das dimensões técnica e humana nos currículos não parece estar presente de forma explícita no estatuto da instituição, questão que apresentaremos no próximo subitem.

3.1 A integração das dimensões técnica e humana nos projetos pedagógicos dos cursos superiores do campus Erechim do IFRS Para que se possa avaliar se os currículos dos cursos superiores do campus Erechim do IFRS trabalham as dimensões técnica e humana de forma integrada, faz-se necessário analisar os projetos pedagógicos dos quatro cursos desse nível existentes nessa sede. Os elementos da dimensão humana devem estar caracterizados como integrados em disciplinas técnicas ou científicas para que se possa considerar que existe um uma formação voltada aos princípios humanísticos. Tais elementos podem estar no discurso do projeto pedagógico ou até no ementário dos componentes curriculares. Entretanto, é importante salientar que a previsão de interdisciplinaridade, a não ser que seja explicitamente entre componentes curriculares técnicos (ou científicos) e aqueles que enfocam a dimensão humana, não necessariamente caracteriza a integração buscada. Da mesma forma, não se pode considerar que discursos que apontam para a integração entre teoria e prática evidenciam o real, ou seja, nem sempre significam a adoção e prática de uma abordagem que envolve a dimensão humana. As justificativas de oferta dos cursos oferecidos pelo campus Erechim – Engenharia de Alimentos, Engenharia Mecânica, Tecnologia em Marketing e Tecnologia em Design de Moda – podem oferecer evidências da integração em questão, ou mesmo Faculdade Educacional da Lapa - FAEL

(1) [...] a Engenharia quando ofertada nos Institutos Federais alia-se à [sic] alguns aspectos estratégicos, pois estas instituições consideram o momento singular pelo qual passa o país e com isso vislumbram a oportunidade de rever o ensino de engenharia, contemplando uma visão mais humanística e sustentável, uma vez que apresentam sua concepção e prática educativa fundada nos Direitos Humanos primando pela promoção, proteção, defesa e aplicação na vida cotidiana [...] (IFRS, 2014a, p. 12). (2) [...] o curso proposto de Engenharia Mecânica diz respeito à verticalização do ensino, além de contribuir com o desenvolvimento da região do Alto Uruguai através da intensificação do processo de industrialização e qualificação dos profissionais. Dessa forma, oportunizará formação humana e profissional na área de Engenharia Mecânica e, consequentemente, conduzirá à qualidade de vida (IFRS, 2015, p. 12). (3) Cabe à educação articular os conhecimentos indispensáveis para que o educando construa as competências necessárias para a análise crítica da realidade da qual faz parte, compreendendo os princípios científicos, tecnológicos e éticos fundamentais a sua inserção no trabalho e à construção de sua cidadania (IFRS, 2012, p. 12). (4) [...] voltadas à aprendizagem continuada, à aplicação de técnicas gerenciais adequadas à realidade de mercado e que promovam a produtividade e a competitividade empresarial. […]. Sendo assim, o Curso Superior de Tecnologia em Marketing, ao propiciar a capacitação profissional de pessoas ligadas à indústria, ao comércio e aos serviços, pode contribuir para a modernização da gestão de marketing, para o crescimento das empresas, para a geração de novos empregos, para o aumento na renda, para a melhoria da qualidade de vida e, como consequência, contribuir 33


rentes a direitos humanos e a história e cultura afro-brasileira, africana e indígena serão contextualizadas na disciplina de Ética e Sociedade na abordagem dos assuntos pertinentes à respectiva ementa (IFRS, 2015, p. 17-18).

para o desenvolvimento regional (IFRS, 2014b, p. 12-13).

Os trechos (1) e (2) referem-se, respectivamente, aos cursos de Engenharia de Alimentos e Engenharia Mecânica e apresentam discursos que não estabelecem um elo claro entre os aspectos humanos e os técnico-científicos em suas justificativas. O trecho (3), do curso de Tecnologia em Design de Moda, já traz indícios dessa posição, sobretudo quando fala em “articular os conhecimentos específicos da área propriamente técnica do curso com uma criticidade acerca da realidade em que o educando se insere”. Por outro lado, o trecho (4), do curso Superior de Tecnologia em Marketing, aponta para um ponto de vista puramente técnico e mercadológico da formação dos discentes, pois traz uma visão de que a sociedade irá se desenvolver a partir dos sucessos profissionais individuais, o que caracteriza um apelo ideológico que contrasta com o que propõe a Lei n. 11.892 (BRASIL, 2008). Segundo Silva (2009), no que se refere à formação emancipatória: Em tal proposta não cabe a compreensão do empreendedorismo em sua acepção restrita de competitividade e individualização da responsabilidade pelo sucesso ou fracasso profissional. O empreender é entendido em sua dimensão criativa e no comportamento proativo na busca de alternativas viáveis para solução de problemas coletivos (SILVA, 2009, p. 40).

Da mesma forma, o trecho (4) vai contra o seu objetivo geral, que afirma pretender formar profissionais que, além de outras características, tenham como “princípios os aspectos sociais, econômicos, culturais e humanos, possibilitando a integração da multidimensionalidade do ser humano e da sociedade” (IFRS, 2014b, p. 15). Após leitura e análise do documento anteriormente citado, verificou-se que todos os quatro projetos pedagógicos de curso tratam básica e exclusivamente da dimensão técnica e científica. A dimensão humana está presente nos textos, mas de forma desarticulada dos aspectos técnicos. Tal desarticulação é mais acentuada nos projetos pedagógicos das duas engenharias e um exemplo disso pode ser verificado no excerto: O projeto prevê ainda o estudo dos temas: direitos humanos, cultura afro-brasileira e indígena e de educação ambiental. As questões refe34

Segundo essa afirmação, fica evidente que há intenção de que a dimensão humana se faça presente por meio das questões apontadas e seja tratada em componentes curriculares específicos, os quais são escassos nos cursos. Há, ainda, elementos indicativos de que atividades de pesquisa e sobretudo de extensão complementem a formação dos alunos com propostas de reflexão humanística. Isso não caracteriza integrar a dimensão humana à técnica, mas indica uma tendência à abordagem dicotômica tecnicista. É a questão das “fronteiras” bem delimitadas citada anteriormente. Trataremos, a seguir, da integração das dimensões técnicas e humana nos planos de ensino no campus Erechim.

3.2 A integração das dimensões técnica e humana nos planos de ensino das disciplinas técnicas ou científicas dos cursos superiores do campus Erechim do IFRS Passamos, agora, à avaliação dos currículos dos cursos superiores do campus Erechim do IFRS e de suas dimensões técnica e humana, buscando identificar se elas estão presentes no planejamento das estratégias de aula, nos planos de ensino relativos aos componentes curriculares técnicos e de ciências exatas dos cursos citados. Como destacado na introdução, o período considerado nesta análise é o primeiro semestre de 2016. Dos oitenta e quatro (84) planos de ensino analisados (conforme anexo), sete (7) foram consideradas disciplinas não técnicas ou não científicas, ou seja, disciplinas mais afins com as áreas humanas. Essas sete disciplinas não receberam análise quanto à existência de elementos da dimensão humana em seu planejamento, nem se eles aparecem de forma integrada. Do mesmo modo, nos planos de ensino de tais disciplinas não se analisou se o planejamento é focado na aprendizagem baseada em problemas, isso porque o foco da pesquisa são as disciplinas técnicas ou cien-

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tíficas, cujo universo é composto de setenta e sete (77) componentes curriculares. Desse universo em análise, apenas três (3) planos de ensino apresentaram elementos da dimensão humana em seu planejamento, a saber: Projeto Interdisciplinar (Tecnologia em Design de Moda), Introdução à Engenharia de Alimentos (Engenharia de Alimentos) e Introdução à Engenharia Mecânica (Engenharia Mecânica). Destes, somente no último os elementos da dimensão humana aparecem de forma integrada. Compreendemos, então, que dos setenta e sete (77) componentes curriculares técnicos ou científicos, setenta e quatro (74) não apresentaram nenhum elemento que evidenciasse algum aspecto da dimensão humana em seu planejamento. Ainda consideramos importante destacar que em apenas dez (10) planos de ensino encontramos um planejamento focado na aprendizagem baseada em problemas, o que poderia favorecer uma reflexão que integra a dimensão humana. Entretanto, em nenhum deles foi possível identificar elementos dessa integração. Portanto, o planejamento das aulas (nos planos de ensino) das disciplinas dos cursos superiores do campus Erechim entra em desacordo com a concepção dos institutos federais, isto é, de proporcionar uma formação integral, que não seja somente para a técnica ou a ciência socialmente descontextualizada. As evidências indicam que as atividades de ensino apontam para uma formação apenas para o mercado de trabalho. Passamos, a seguir, para as considerações acerca desta análise.

4 CONSIDERAÇÕES SEM INTENÇÃO DE FINALIZAR A reflexão sobre o que se está fazendo, tanto como sociedade quanto como indivíduo, é uma característica essencial da educação emancipatória. É próprio de uma educação integral que ela vise não somente a uma formação para o labor ou o trabalho, mas para o exercício pleno da cidadania, o que entendemos como uma formação para a ação. Para tanto, considerando componentes curriculares técnico-científicos, uma abordagem de ensino baseada em problemas a serem solucionados pode facilitar, no entanto, não será capaz de garantir que a dimensão humana seja integrada à técnico-científica. A presença dessa reflexão é apresentada na concepção e nos documentos que norteiam o trabalho

dos institutos federais e, por conseguinte, do IFRS, embora seu estatuto (BRASIL, 2014) não apresente explicitamente esse aspecto. Entendemos que os institutos federais são instituições que se propõem a formar um cidadão capaz de pensar a sua realidade (de maneira social, coletiva) e de agir sobre ela. Entendemos que a descontextualizarão social da ciência ou da técnica na educação superior não contribui para a emancipação do cidadão, ao contrário, pode reforçar a ideia do ensino apenas como formação de mão de obra qualificada para o labor e/ou trabalho, segundo os termos e conceitos utilizados por Hannah Arendt (2008). Os quatro projetos pedagógicos analisados, referentes aos cursos superiores do campus Erechim do IFRS, abordam quase que exclusivamente a dimensão técnica e científica nos currículos, sendo que a dimensão humana se faz presente de forma não integrada aos aspectos técnicos. Isso se reflete, por sua vez, nos planos de ensino das disciplinas técnico-científicas elaborados pelos docentes. Na quase totalidade desses projetos, não estão presentes elementos da dimensão humana no planejamento das estratégias de aula, muito menos de forma integrada. Não foram analisados diários de classe nem a real metodologia dos docentes (prática) – aquela que realmente ocorre, que vai além do que o texto do plano prevê, do currículo elaborado. Não temos, com esta análise, a intenção de concluir, mas de abrir possibilidades para outras e mais aprofundadas pesquisas que considerem o tema proposto em sua máxima expressão. Temos, com este trabalho, apenas indícios, porém fortes, de que os currículos dos cursos superiores do campus Erechim do IFRS (e talvez de outros institutos federais) não proporcionam uma integração das dimensões técnica e humana. Sendo essa hipótese confirmada nos cursos superiores do referido campus, utilizando as categorias fundamentais de Hannah Arendt (2008) para as atividades humanas, compreendemos que a pesquisa não deve se encerrar. Os cursos não educam para a ação (para o exercício da liberdade entre iguais), para o agir na esfera pública, mas apresentam na práxis formação e preparo voltados fortemente para o labor e o trabalho, ou seja, em consonância com os objetivos do modo de produção capitalista, que prepara para ocupação em uma sociedade voltada à satisfação de suas necessidades (de produzir mais e sempre, independente da humanidade).

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REFERÊNCIAS ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense-universitária, 2008. BARBIERI, S. C. R. A interdisciplinaridade como condição para a humanização do homem. Conjectura, v. 9, n. 1-2, p. 111-123, 2004. BRASIL. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul. Conselho Superior. Resolução n. 44, de 27 de maio de 2014. Aprova as alterações no Estatuto do Instituto Federal do Rio Grande do Sul. Brasília: Diário Oficial da União, 2014. Disponível em: <http://ifrs.edu.br/site/midias/ arquivos/201476141311904estatuto_ifrs_completo_ diario_oficial.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2016.

SANTOS, B. de S. Um discurso sobre as ciências na transição para uma ciência pós-moderna. Estudos avançados, v. 2, n. 2, p. 46-71, 1988. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S010340141988000200007>. Acesso em: 17 nov. 2016. SILVA, C. J. R. (Org.). Institutos federais: lei n. 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Comentários e reflexões. Natal: IFRN, 2009. Recebido em: 12/12/2016 Aprovado em: 04/09/2017

BRASIL. Presidência da República. Lei n. 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 2008. CAVALCANTI, R. A.; GAYO, M. A. F. S. Andragogia na educação universitária. Conceitos, n. 44, p. 44-51, jul. 2004/jul. 2005. Disponível em: <http:// www.wr3ead.com.br/UNICEAD/andragogia_na_ educacao_universitaria.pdf>. Acesso em: 3 nov. 2016. HABERMAS, J. Técnica e ciência como “ideologia”. São Paulo: Editora Unesp, 2014. INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL (IFRS). Instrução normativa PROEN n. 002, de 9 de junho de 2016. Bento Gonçalves: IFRS, 2016. Disponível em: <http://www.ifrs.edu.br/site/ midias/arquivos/201661102035362in_fluxo_ppcs_ pos_coen_revisada_alteracao.pdf>. Acesso em: 9 nov. 2016. ______. Campus Erechim. Projeto pedagógico do curso de engenharia de alimentos. Erechim: IFRS, 2014a. ______. ______. Projeto pedagógico do curso de engenharia mecânica. Erechim: IFRS, 2015. ______. ______. Projeto pedagógico do curso de tecnologia em design de moda. Erechim: IFRS, 2012. ______. ______. Projeto pedagógico do curso de tecnologia em marketing. Erechim: IFRS, 2014b.

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Tempos e Espaços em que Acontece a Brincadeira na Educação Infantil: um Mapeamento das Pesquisas Realizadas no Centro de Ciências da Educação (CED/UFSC) sobre a Brincadeira na Educação Infantil Times and Spaces in which the Childreen Education Child’s Play Happen: a Mapping of Researches Performed at the Center of Educational Sciences (CED/UFSC) on Childreen Education Child’s Play NERI, Sabrina Santana Francisco1 SOEK, Ana Maria2

RESUMO A presente pesquisa visou investigar dissertações produzidas na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) entre 2005 e 2015 que abordam a brincadeira na Educação Infantil, buscando identificar o que elas dizem sobre a importância da brincadeira na vida da criança e quais as dificuldades para que ela seja plenamente vivenciada pelas crianças. A fundamentação teórica baseou-se nos estudos e reflexões realizados pela autora ao longo do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Santa Catarina, entre 2010 e 2014, sobre a importância da brincadeira para a criança. O procedimento básico da pesquisa foi a consulta ao acervo disponível on-line na Biblioteca Central da UFSC e na Biblioteca Setorial do Centro de Educação (CED), a partir das palavras-chave: brincadeira, Educação Infantil, criança e pesquisa. Obtivemos 13 trabalhos realizados durante o recorte temporal de 2005 a 2015, nos seguintes Programas de Pós-Graduação da UFSC: Educação, Educação Física e Psicologia. Para construir o corpus de nosso estudo, foram lidos o título, o resumo e as referências bibliográficas de cada trabalho; quando apresentavam indicativos que correspondessem a nossa temática, eram lidas também as considerações finais e produzido um fichamento. No estudo realizado apresentamos os registros comentados de três trabalhos (todos realizados no PPGE/CED/UFSC) que se enquadraram nos critérios definidos. O trabalho conclui que, mesmo existindo uma considerável produção na Universidade Federal de Santa Catarina sobre a importância da brincadeira na Educação Infantil, precisa-se ainda aprofundar a discussão sobre o tema, pois, como mostram as pesquisas, observamos que poucos trabalhos acadêmicos refletem a acuidade que a brincadeira exerce no desenvolvimento humano, o que contradiz todo o referencial teórico no qual as pesquisas e também nossa formação no Curso de Pedagogia se baseiam, segundo o qual a criança e o brincar são indissociáveis. As produções realizadas na Universidade na área de Educação sobre atividade lúdica, o jogo e a brincadeira na Educação Infantil necessitam ser socializadas para os professores, tendo uma relacão horizontal entre o professor da Educação Infantil e a Universidade, cumprindo a função social de consolidação das abordagens teórico-metodológica das produções sintetizadas na área da Educação Infantil. Conclui-se também que é preciso desenvolver mais pesquisas de campo sobre como ocorrem as ações do brincar na Educação Infantil e o que dizem as crianças sobre a brincadeira. Palavras-chave: criança; brincadeira; Educação Infantil; pesquisa. 1

Graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e aluna do curso de especialização em Educação Infantil, da Faculdade Educacional da Lapa (FAEL). E-mail: sabrina.francisco@hotmail.com.

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Professora Orientadora pela Faculdade Educacional da Lapa (FAEL). E-mail: ana.soek@fael.edu.br.


ABSTRACT This research aimed to investigate dissertations produced at the Federal University of Santa Catarina (UFSC) between 2005 and 2015 that discuss Child’s Play in Childreen Education, trying to identify what they say about the importance of Child’s Play in the life of the kid and what are the difficulties faced to be fully experienced by children. The theoretical basis was focused on the studies and reflections made by the author during the Course of Pedagogy of the Federal University of Santa Catarina, between 2010 and 2014, about the importance of Child’s Play for the child. The basic procedure of the research was to consult in the collection available online at the UFSC Central Library and at the Education Library of the Education Center (CED), using the key words: Child’s Play, Childreen Education, child and research. We obtained 13 works carried out during from 2005 to 2015 period, in the following Post-Graduation Programs of UFSC: Education, Physical Education and Psychology. In order to construct the corpus of our study, the title, the summary and the bibliographical references of each work were read; when they presented indicatives that corresponded to our theme, the final considerations were also read and a file was produced. In this study we present the commented records of three studies (all performed at PPGE/CED/UFSC) that fit the defined criteria. This research concludes that, even though there is considerable production at the Federal University of Santa Catarina on the importance of Child’s Play in Childreen Education, it is necessary to further deepen the discussion about the subject, since researches show, we observed a few academic studies reflect the acuity the Child’s Play perform in human development, which contradicts all the theoretical reference in which researches and also our formation in Pedagogy Course are based, according to which the Child’s Play and the kids are inseparable. The productions carried out at the University in the area of Education on play activities and games in Childreen Education need to be socialized for teachers, providing a horizontal relationship between the Childreen Education teacher and the University, fulfilling the social function of consolidating the theoretical-methodological approaches of the synthesized productions in the area of Childreen Education. It is also concluded it’s necessary to develop more field research on how the actions of playing in Childreen Education occur and what the children say about playing. Keywords: child; Child’s Play; Childreen Education; research.

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Tempos e Espaços em que Acontece a Brincadeira na Educação Infantil: um Mapeamento das Pesquisas Realizadas no Centro de Ciências da Educação (CED/UFSC) sobre a Brincadeira na Educação Infantil

1 INTRODUÇÃO O tema que propusemos desenvolver como trabalho de conclusão do curso (TCC) de Pós-Graduação da Educação Infantil pela Faculdade Educacional da Lapa (FAEL) surgiu pelo nosso interesse em estudar mais a criança na Educação Infantil. Uma das motivações que nos levou a pesquisar o tema brincadeira está relacionada a diferentes momentos da trajetória profissional que se encontrava a orientanda, desde sua formação acadêmica, cursada na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no Curso de Pedagogia, até a área de atuação, professora de Educação infantil. No curso de pedagogia da UFSC, discute-se muito, nas disciplinas de Educação e Infância, a importância da brincadeira, principalmente na Educação Infantil, em que a brincadeira é vista como o centro de todo o processo de formação da criança. A concepção de infância discutida na graduação no curso de Pedagogia entende a criança como sujeito ativo, participante no seu processo de desenvolvimento, que se expressa por diversas linguagens, que se relaciona e interage com o meio social no qual está inserido. A criança é vista não como mera reprodutora da cultura à qual pertence, mas sim como agente social, como cidadã que produz cultura e a ressignifica. Portanto, deve ser respeitada, cuidada, protegida, orientada, educada, ouvida, enfim, atendida em seus anseios e necessidades para seu bom e saudável desenvolvimento. A partir desse ponto, em que a brincadeira é importante para o desenvolvimento da criança, observamos que aquela deve estar contemplada independentemente da modalidade de Ensino – seja Educação Infantil, Ensino Fundamental ou Médio, há essa necessidade do brincar. Aos poucos fomos perguntando: pensando nesse ser criança, em qual momento se deveria ou se deve contemplar a brincadeira no contexto da instituição? Nesse sentido, ao olhar a criança e a instituição de Educação Infantil, refletimos, a partir de todos os estudos que fizemos no Curso de Pedagogia, que as brincadeiras devem estar presentes ao se inserir a criança no contexto da instituição, seja na rede pública ou privada, independentemente de faixa etária, grupo ou proposições a serem desenvolvidas. Sentimos a necessidade de aprofundar a compreensão da brincadeira na Educação Infantil pela importância de saber o que se tem pesquisado sobre esse assunto no Centro de Educação (CED), onde se fazem

muitas pesquisas sobre a criança. Queremos conhecer melhor o que está sendo investigado na Universidade Federal de Santa Catarina, já que temos o Centro de Educação como o centro de pesquisa e referência em educação e infância na cidade de Florianópolis. Definimos assim, buscar produções desenvolvidas no Centro de Educação da UFSC nos últimos 10 anos, abordando a mesma temática. Assim os objetivos deste trabalho foram estudar dissertações e teses produzidas no CED/PPGE/UFSC (2005-2015) que abordam a brincadeira na Educação Infantil, buscando identificar o que elas dizem sobre a importância da brincadeira na vida da criança e como ela ocorre, quais as dificuldades para que seja plenamente vivenciada pelas crianças, identificando os principais autores e conceitos utilizados nessas pesquisas para caracterizar a brincadeira e sua importância para a criança e quais os caminhos e as propostas sugeridas pelos pesquisadores para que as brincadeiras estejam mais presentes.

2 JUSTIFICATIVA E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Fomos compreendendo que deveríamos nos aprofundar nos estudos teóricos sobre a temática da brincadeira na Educação Infantil, percebendo que ela não é de interesse apenas nosso, havia outras pessoas, inclusive no CED, que em anos recentes já haviam pesquisado a temática a partir de questionamentos semelhantes aos nossos. Avaliamos que as conclusões desses trabalhos eram importantes e ainda não tinham sido suficientemente conhecidas por nós e por muitos de nossos colegas de profissão. Surgiu-nos assim a ideia de pesquisar, em um estudo de cunho bibliográfico, o que está sendo produzido sobre essa temática CED. A base de dados sugerida para a realização da pesquisa foi o portal da Biblioteca Universitária (BU), já que todos os trabalhos apresentados como dissertações e teses na UFSC são arquivados nesse banco de dados. Como fundamentação teórica da pesquisa, baseamo-nos em estudos realizados ao longo da formação no Curso de Pedagogia da autora, sobre a importância da brincadeira para a criança, que sintetizamos a seguir. A brincadeira é central no desenvolvimento da criança. Quando ela brinca, ela se afirma. Dessa forma, a brincadeira da criança não é uma simples recordação do que ela vivenciou, mas uma reelaboração criativa de impressões vivenciadas. “Toda criança

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brinca porque gosta. Para as que ainda não falam, brincar é uma forma de expressar o que estão sentindo, suas experiências e vivências interiores. Brincar, para a criança, é tão vital quanto comer e dormir.” (PAGANI, 2004, p. 12). Quanto mais a criança brinca e aumenta o grau de complexidade da brincadeira, mais ela se desenvolve, o que se reflete muito no seu desenvolvimento global. A criança não deixa de brincar porque entrou no espaço de convivências, mesmo tendo atividade dirigida para ser feita. No olhar de alguns profissionais, ela deve deixar de brincar para fazer a atividade proposta. É perceptível essa afirmação quando entramos em um espaço de convivência e observamos por algum tempo as crianças realizarem atividades, muitas vezes maçante para produção de portfólio, muitas vezes exigência da rede particular de ensino. Queremos deixar claro que essa pesquisa não irá entrar no mérito de errado ou certo, mas apontar indícios de que essa metodologia abordada por alguns profissionais da área precisa ser revista. São importantes para a formação desse ser criança as atividades dirigidas, os trabalhos pedagógicos? Com toda a certeza, mas o enfoque na Educação Infantil não é realizar atividades, trabalhos manuais, e sim criar meios para que essa criança se desenvolva globalmente. Sem dúvida, brincar faz parte da criança, não podemos negar. Não podemos separá-los, são indissociáveis. O ser humano é social, ele precisa de contatos com outras pessoas para desenvolver suas linguagens. É nessa interação que nos afirmamos como humanos. E essas relações estão muito presentes nas brincadeiras. A concepção de criança e de infância que muitas vezes se tem é registrada pelo olhar do adulto, conforme afirma Rocha (2002). Nesse sentido, a história da infância surge como possibilidades de ponderações, discussões a respeito da concepção de criança e infância. Ariés (1981) relata em seus estudos que o sentimento de infância surgiu apenas no contexto histórico e social da Modernidade e que antes desse período não se distinguia um sentimento particular de infância. Segundo o autor, na Idade Média as crianças eram vistas como adultos em miniaturas. Por volta dos sete anos, as crianças eram inseridas no convívio com os adultos, não se distinguindo deles, e participavam de todas as atividades realizadas por eles. “Com as grandes mudanças nas formas de organização da estrutura social e econômica que marcaram o período de transição entre feudalismo e capitalismo, é que vimos nascer o sentimento de infância” (MARTINS, 2003, p. 17). 40

No contexto das classes médias abastadas, a criança passou a ser concebida como um ser que necessitava de cuidados (“paparicação”) e precisava ser educada. Se antes ela era inserida no mundo dos adultos, com o surgimento do sentimento de infância foi sendo afastada do convívio dos adultos. Contrapondo-se a esse sentimento de “paparicação”, a igreja e os moralistas da época caracterizaram outro sentimento, a “moralização”, “associando fraqueza e inocência, como se a criança fosse um reflexo da pureza divina. Nesse sentido, a educação surgiu como obrigação humana na busca da moralização” (MARTINS, 2003, p. 17), contexto também relacionado ao surgimento da escola moderna. Esses sentimentos foram amadurecendo na sociedade. Atualmente, e especialmente a partir da Declaração dos Direitos da Criança (1959)3, e, no Brasil, da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), a criança é vista como ser de direitos, que merece ser respeitado, tanto na sua singularidade como no coletivo. “Não existe, portanto, uma natureza infantil, mas uma condição de ser criança, socialmente determinada por fatores que vão do biológico ao social, produzindo uma realidade concreta. Assim, a dependência da criança é um fato social e não um fato natural.” (MIRANDA, 1985, p. 128). A criança brinca porque gosta, porque sente prazer, mas, além disso, a brincadeira estabelece uma relação entre o real e o imaginário. É principalmente por meio das brincadeiras que a criança pequena aprende: Brincando, elas aprendem a escolher: uni-duni-tê. aprendem a imaginar: esta poça d’água vai ser o mar. aprendem a perseverar: caiu o castelo, vou fazer de novo. aprendem a imitar: eu era o motorista – brrrrrrum. [...] aprendem a partilhar: tira, bota, deixa ficar. aprendem a inventar: essa tampinha de garrafa vai ser o pratinho deles. aprendem a pensar logicamente: joga a bola pra ele!

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A Declaração dos Direitos da Criança foi proclamada pela Resolução da Assembleia Geral da ONU/1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959. Tem como base e fundamento os direitos a liberdade, estudos, brincar e convívio social das crianças que devem ser respeitadas e preconizadas em dez princípios.

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Tempos e Espaços em que Acontece a Brincadeira na Educação Infantil: um Mapeamento das Pesquisas Realizadas no Centro de Ciências da Educação (CED/UFSC) sobre a Brincadeira na Educação Infantil

[...] (GIRARDELLO, 2006, p. 64-65).

Todo o conjunto de regras, implícitas ou explícitas, e os elementos imaginários e reais envolvidos na brincadeira, fazem com que a criança aprenda muitas coisas brincando, vivenciando no plano da brincadeira situações que poderia enfrentar na realidade. Essa dinâmica faz com que, por meio da brincadeira, a criança aprenda também a conviver com os outros, a entender as regras sociais, a perceber que está inserida em uma sociedade e que precisa cumprir as normas estabelecidas por ela.

3 ASPECTOS TEÓRICOMETODOLÓGICOS Como já indicamos, este trabalho consiste em uma pesquisa bibliográfica. Segundo Minayo (2012), uma pesquisa bibliográfica deve ser “disciplinada, crítica e ampla”. Disciplinada porque [...] devemos ter uma prática sistemática – um critério claro de escolha dos textos e autores. Quais serão as chaves temáticas de busca? Serão incluídos somente os textos mais recentes? Serão textos oriundos somente de uma área de conhecimento? Haverá alguma forma de escolha dos autores? Aqueles, por exemplo, que defendem determinada linha de pensamento? Responder a estas perguntas ajuda a definir um certo escopo de pesquisa bibliográfica (MINAYO, 2012, p. 36).

Nesse trabalho, então, buscamos usar uma compreensão de pesquisa crítica, entendendo, como Minayo (2012, p. 36), que “a pesquisa crítica institui um diálogo reflexivo entre as teorias e outros estudos com objetivo de investigação por nós escolhido”. Além disso, procuramos fazer com que nossa pesquisa fosse ampla no sentido de abrirmos um leque sobre a temática da brincadeira, mostrando o que é de consenso e o que é polêmico entre os trabalhos analisados. O procedimento básico da pesquisa realizou da seguinte forma: primeiro acessamos o site da UFSC, clicamos no link Geral, selecionamos Biblioteca e escolhemos a opção Consulta ao Acervo Pergamum. Ao sermos direcionadas para a Pesquisa Geral, selecionamos as seguintes palavras-chave: criança, brincadeira, pesquisa e Educação Infantil. No link Uni-

dade de Formação, deixamos selecionadas todas as opções e os tipos de obras: dissertação e tese. Obtivemos o seguinte resultado: 13 trabalhos realizados durante os 10 anos no período de 2005 a 2015, nos seguintes Programas da UFSC: Programa de Pós-Graduação em Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação Física e Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Para construir o corpus de nosso estudo, selecionamos o material escrito do seguinte modo: líamos o título, o resumo e as referências bibliográficas de cada trabalho; se apresentassem algum indicativo que correspondesse à nossa temática, deveríamos fichar o trabalho, que passaria a integrar nossas referências. Dentre os trabalhos encontrados, selecionamos três, dos quais foram lidas também as considerações finais, resultando em fichamentos. Desses materiais inicialmente escolhidos, deixamos de fichar 9 dissertações e 1 tese. Isso por que, após a leitura dos trabalhos, verificamos que eles não traziam contribuições diretas para o foco de nossa pesquisa sobre brincadeira na Educação Infantil e por serem de outros Programas de Pós-Graduação. Assim, os três trabalhos fichados foram os seguintes: 1. Atividade lúdica: uma análise da produção acadêmica brasileira no período de 1995 a 2001 (BISCOLI, 2005); 2. O professor de Educação Infantil: uma análise das concepções de docência na produção acadêmica (LA BANCA, 2014). 3. Brincadeira e linguagem na Educação Infantil: uma relação apreendida a partir do fazer pedagógico do professor (CAMPOS, 2015).

4 LEVANTAMENTO DAS LEITURAS SOBRE O TEMA BRINCADEIRA Optamos por ler inicialmente o resumo e as considerações finais de todas as dissertações selecionadas, a partir dos critérios que indicamos anteriormente. Caso sentíssemos a necessidade de buscar mais informações, faríamos uma leitura mais dinâmica de outras seções dos trabalhos, no sentido de localizar elementos que pudessem responder às nossas perguntas. A partir de todos os fichamentos realizados, pretendemos fazer um diálogo entre todas as pesquisas analisadas, para alcançarmos melhor compreensão do tema de estudo. Em relação à fundamentação teórica dos trabalhos, verificamos que dois dos trabalhos pesquisados, utilizaram a abordagem histórico-cultural, já o terceiro fundamentou-se no materialismo histórico dialético e se aprofundou na ontologia crítica.

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Biscoli (2005) realizou uma pesquisa de cunho bibliográfico e teve como base as informações do banco de dados da Capes, que reúne as dissertações e teses defendidas no período de 1995 a 2001, tendo como técnica de investigação a análise de conteúdo. Seu referencial teórico-metodológico foi a Psicologia Histórico-Cultural, em especial os trabalhos dos autores soviéticos Vygotsky, Elkonin, Leontiev, Luria Usova, Zhukóvskaia, Jukovskaia, Bondarenko e Matúsik e as considerações de autores contemporâneos que discutem o tema, como Jobim e Souza, Smolka, Sarmento, Kramer, Benjamin, Brougère, Kishimoto e Ortega. Na mesma linha, a pesquisa de Campos (2015) apresenta como referências principais os trabalhos de Vygotsky, Elkonin, Luria e Leontiev, apresentando a teoria histórico-cultural. Sua pesquisa é caracterizada como estudo de caso, tendo sido realizada no Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI), instituição de Educação Infantil da Universidade Federal de Santa Catarina, localizada na cidade de Florianópolis. Seus procedimentos metodológicos utilizados foram análise de documentos da instituição, observações junto a uma turma de crianças com idade entre 4 anos e 4 anos e 11 meses, questionário e entrevista com a professora da turma, participação em reuniões do corpo docente. A pesquisa de La Banca (2014) é de natureza teórico-bibliográfica, fundamentada no materialismo histórico dialético, e se aprofunda na ontologia crítica. Ela toma por base a perspectiva histórico-cultural, ao se tratar acerca da docência na Educação Infantil e analisa trabalhos que se referem ao professor de Educação Infantil apresentados entre 1998 e 2011 no Grupo de Trabalho 7, que debate sobre a educação das crianças de 0 a 6 anos, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED). Apresentamos a seguir uma síntese geral e introdutória do que os trabalhos examinados dizem sobre a brincadeira na vida da criança, sendo que os temas serão retomados na discussão de cada pesquisa, mais adiante. Biscoli (2005) disserta que os resultados encontrados em sua pesquisa demonstram que atividade lúdica é destacada como primordial nos aspectos cognitivos do desenvolvimento, esquecendo-se que esse processo envolve as várias dimensões do desenvolvimento humano. Já Campos (2015) salienta que a brincadeira é percebida como produção humana, logo precisa ensinar a criança e faz-se necessário torná-la como prática intencional no cotidiano pedagógico. Ao encontro da pesquisa de Campos, La Banca (2014) destaca em 42

sua pesquisa que o professor deve planejar e priorizar a brincadeira no cotidiano da Educação Infantil, pensando em propostas que causem o desenvolvimento integral das crianças nas múltiplas linguagens. Biscoli (2005, p. 164) nos chama atenção para a configuração do ser criança: “[...] visto como sujeito de direitos, completo, único e dialético. Ao mesmo tempo, percebemos entranhadas concepções espontaneístas, bem como naturalistas da criança e de sua atividade principal que é o brincar”. A autora destaca que nas pesquisas analisadas, existe uma defesa de que a brincadeira livre deve ocorrer destacando uma forte crítica à escolarização precoce concomitantemente preocupando-se com os aspectos cognitivos e educacionais da criança. Campos (2015, p. 165) traz a concepção de que a criança é percebida como ser concreto, desenvolvendo-se “a partir das leis que regem a sociedade à qual pertence, isto é, ela tem as marcas do seu tempo e, ao agir no mundo, vai formando os nexos de seu desenvolvimento”. A pesquisadora reforça que o NDI garante ações educativas, que visam atividades lúdicas promovendo o desenvolvimento integral da criança “[...] promove o processo de humanização; ao mesmo tempo, garante à criança viver a infância, realizando atividades que realmente lhe façam apropriar-se, como indica Mello (2007), das máximas qualidades humanas” (CAMPOS, 2015, p.165-166). A autora afirma ainda que negar a brincadeira como uma atividade principal ao desenvolvimento psíquico “[...] é deixar a criança à margem do processo de apropriação dos conhecimentos fundamentais ao seu desenvolvimento, já nos primeiros anos da sua vida” (CAMPOS, 2015, p. 167). La Banca (2014) ressalta que além do professor de Educação Infantil ter a responsabilidade do cuidar e educar precisa organizar, os tempos e espaços da brincadeira, sendo assim, a brincadeira deve ter o papel fundamental na Educação Infantil. Em seu trabalho, a autora cita Dias e Macedo que trazem a concepção de que a brincadeira se configura “[...] como forma privilegiada da criança conhecer o mundo” (LA BANCA, 2014, p. 102). Dessa forma, podemos destacar que a brincadeira é atividade principal da criança.

4.1 Fichamentos Apresentamos a seguir os registros comentados, no mapeamento das dissertações que compõem o corpus da nossa pesquisa.

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Tempos e Espaços em que Acontece a Brincadeira na Educação Infantil: um Mapeamento das Pesquisas Realizadas no Centro de Ciências da Educação (CED/UFSC) sobre a Brincadeira na Educação Infantil

BISCOLI, Ivana Ângela. Atividade lúdica: uma análise da produção acadêmica brasileira no período de 1995 a 2001. Florianópolis, 2005. 198 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Em sua pesquisa, Biscoli buscou identificar a importância do jogo na Educação Infantil e nos Anos Iniciais. A estudiosa aponta dificuldade em definir um significado único à palavra jogo, que é tratada pelos autores Brougère (1998) e Kishimoto (1998, 1999), tendo significado de brincadeira e brinquedo. Fazendo uma leitura mais dinâmica no trabalho de Biscoli, encontramos a definição de brincadeira como sendo “a ação que a criança tem para desempenhar as regras do jogo na atividade lúdica” (p. 25). A autora ressalta em sua pesquisa que o brincar na creche é visto como uma característica da infância – a brincadeira é considerada de grande valor para o desenvolvimento integral da criança. Ela salienta que, mesmo que a brincadeira seja vista com grande valor na Educação Infantil, ocupando um espaço especial, na prática muitas vezes fica em segundo plano ou é deixada de lado, já que as brincadeiras livres e de faz de conta são centralizadas pelo professor. É preciso permitir que as brincadeiras aconteçam, sejam elas orientadas ou livres. O professor deve permitir que elas ocorram, pois o faz de conta, conforme analisa Biscoli, tem um papel fundamental a fim de contribuir para o desenvolvimento da escrita na criança, já que “[...] na brincadeira e no desenho, acontece a evolução dos gestos com seus significados para a representação gráfica que já é o significado (p. 50). Outro ponto que ela destaca como problema são os professores considerarem que o jogo é uma atividade de descanso ou apenas como instrumento de ensino cujo valor educativo está dirigido ao desenvolvimento do aspecto cognitivo. Dessa forma, não aplicam sua potencialidade de valor educativo, pois são eliminadas tais probabilidades diante do modo errado de sua utilização, subordinando-o à didática e aos conteúdos de ensino. O jogo e a brincadeira não devem ser levados à questão de ensino didático somente. Mais um problema avaliado pela autora foi a relação verticalizada professor–aluno, destacando o ponto de vista crítico dos autores analisados. Sendo assim, é necessária a participação do professor nas brincadeiras das crianças e intervenções de maneira mais lúdica.

O papel do professor é garantir que a criança tenha acesso às múltiplas linguagens na Educação Infantil, priorizando a brincadeira, sendo central para o desenvolvimento integral da criança. Os documentos norteadores da Educação Infantil no município de Florianópolis colocam a brincadeira no centro dos princípios educativos. Sendo assim, não podemos negar que a brincadeira aconteça, seja dentro ou fora do espaço de sala. A brincadeira precisa ser garantida, vista como algo importante. A autora aponta com uma solução para isso as políticas de formação do educador da Educação Infantil, em que se privilegie não só a dimensão ética, mas a questão lúdica, fazendo com que o professor tenha noção da sua ação e faça uma reflexão da sua mediação pedagógica com a criança. La Banca (2014), em sua pesquisa, cita as autoras Schnetzler e Terciotti para destacar a importância do brincar. Elas afirmam que é por meio das brincadeiras que se “[...] constroem vínculos, aprende-se a linguagem humana, além de passar a gostar de si próprio, ao se manter relações com o outro proporcionando, assim, a formação de uma autonomia pessoal” (p. 102). O documento de orientação pedagógica denominado Brinquedos e Brincadeiras de Creche, citado em sua pesquisa, define que o brincar é “[...] repetir e recriar ações prazerosas, expressar situações imaginárias, criativas, compartilhar brincadeiras com outras pessoas, expressar sua individualidade e sua identidade, explorar a natureza, os objetos, comunicar-se e participar da cultura lúdica para compreender seu universo” (p. 106). Ainda o manual de orientação pedagógica percebe a brincadeira como “[...] momento privilegiado para o professor gerar desenvolvimento; ensinar sem deixar de lado o caráter lúdico da mesma [...]” (p. 116). Algumas indicações dos trabalhos analisados pela pesquisadora vêm ao encontro do que se tem pensado sobre a Educação infantil, considerando a brincadeira como o eixo orientador, ao enfatizar o caráter escolar, defendendo o ensino como eixo das atividades pedagógicas, organizando conteúdos das diferentes áreas para que a criança tenha apropriação dos conhecimentos produzidos pela humanidade na Educação Infantil, deixando a brincadeira em segundo plano e afirmando enfatizar o caráter escolar. Isso coloca em cheque tudo que se tem produzido sobre a questão de a criança viver plenamente sua infância na Educação Infantil, priorizando a brincadeira, visto que ela é fun-

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damental para o desenvolvimento das múltiplas linguagens da criança. Uma solução indicada pela pesquisadora é que o professor de Educação Infantil use uma analogia diferente dos outros níveis de ensino: “[...] estabelecer sua ação pedagógica tendo as crianças como centro e ponto de partida; organizar os espaços; planejar o cotidiano de forma a priorizar a brincadeira; pensar em propostas que promovam o desenvolvimento das crianças em todas as suas dimensões [...]” (p. 158). Outro ponto que ela destaca é que o profissional envolvido no trabalho pedagógico tenha formação necessária e valorização salarial. Em sua pesquisa, Campos (2015) cita o jogo protagonizado, como definem Vygotsky e Elkonin: “Brincadeira de papéis sociais, jogos de papéis e jogo protagonizado são termos utilizados para indicar a atividade realizada pela criança no período pré-escolar [...]” (p. 69). A autora destaca que a brincadeira é “[...] compreendida como linguagem simbólica necessária ao desenvolvimento da personalidade da criança, principalmente no que tange à apropriação da linguagem escrita [...]” (p. 35). Dessa forma, a brincadeira precisa ser garantida todos os dias na Educação Infantil. A criança, não pode deixar de brincar para realizar uma atividade dirigida, tendo como resultado um “trabalho”. Negar a brincadeira é negar a apropriação de entendimento do mundo. A estudiosa reforça que o Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI) garante ações educativas que visam em atividades lúdicas que promove o desenvolvimento integral da criança “[...] promove o processo de humanização; ao mesmo tempo, garante à criança viver a infância, realizando atividades que realmente lhe façam apropriar-se, como indica Mello (2007), das máximas qualidades humanas” (p. 165-166). A pesquisadora afirma que negar a brincadeira “como uma atividade fundamental ao desenvolvimento psíquico, é deixar a criança à margem do processo de apropriação dos conhecimentos fundamentais ao seu desenvolvimento, já nos primeiros anos da sua vida” (p. 167). Ela salienta que a brincadeira é percebida como produção humana, logo precisa ensinar à criança e faz-se necessário torná-la como prática intencional no cotidiano pedagógico. Dessa forma, uma das soluções que a autora traz em sua pesquisa em relação a contemplar a brincadeira é que o profes44

sor deve planejar diariamente atividades que envolvam a brincadeira.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS De início, relembramos que o foco da nossa pesquisa não foi discutir a importância da Educação Infantil e os conceitos de infância e criança (embora citados no corpo dessa pesquisa), pois consideramos que já existem várias publicações acadêmicas com esse tema no Brasil. Foi de suma importância para nossa formação conhecer o que se tem produzido no CED da Universidade Federal de Santa Catarina. Não partimos do “nada”, mas de concepções e visões que, ao longo da formação acadêmica da pesquisadora, foram discutidas e que foram muito importantes para a realização deste estudo mais sistematizado, juntamente com os estudos realizados na pós em Educação Infantil. Percebemos, com isso, que uma pesquisa não é feita sozinha, ela não é minha, é nossa, pela grande contribuição que recebemos das pesquisas que analiamos, para que nossa formação na área de Educação Infantil ficasse mais completa, em um tema que para nós é muito importante. A fundamentação teórica da pesquisa foi embasada nos estudos realizados ao longo do Curso de Pedagogia sobre a importância da brincadeira para a criança, que sintetizamos no corpo do trabalho. O levantamento do material teve início a partir do portal da Biblioteca Universitária da UFSC, usando as palavras-chave: criança, brincadeira, pesquisa e Educação Infantil. Depois de várias etapas de triagem, que foram relatadas anteriormente, chegamos a um corpus composto por três dissertações, produzidas no CED da UFSC nos dez anos entre 2005 e 2015. Para fins dessa pesquisa, analisamos os resumos, o sumário e as considerações finais de cada trabalho, buscando fazer conexões com o tema proposto: a brincadeira na Educação Infantil. Dessa forma, deixamos de incluir dez trabalhos, visto que, após a leitura dos trabalhos, verificamos que eles não traziam contribuições diretas para o foco de nossa pesquisa. A primeira consideração geral a ser feita é em relação à fundamentação teórica dos trabalhos. Verificamos que as pesquisas de Biscoli (2005) e Campos (2015) utilizaram a abordagem histórico-cultural, com a presença do referencial teórico: Vygotsky, Elkonin, Leontiev, Luria. Já La Banca (2014) fundamentou-se

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Tempos e Espaços em que Acontece a Brincadeira na Educação Infantil: um Mapeamento das Pesquisas Realizadas no Centro de Ciências da Educação (CED/UFSC) sobre a Brincadeira na Educação Infantil

no materialismo histórico dialético, aprofundando-se na ontologia crítica. Percebemos ao longo dessa pesquisa que não existe uma definição única da brincadeira. Existem vários sentidos e definições diferentes para o brincar. As pesquisas apontam que o brincar tem finalidade didática, que é entendido como importante, principalmente na atividade simbólica; sendo o brincar definido como atividade principal da criança, visto que a brincadeira em alguns momentos é analisada como uma atividade espontânea, mas faz parte de um aprendizado e é parte integrante das interações estabelecidas no mundo social em que a criança está inserida. Por meio deste breve estudo sobre a brincadeira, a partir das pesquisas analisadas e dos aportes teóricos pesquisados e incluídos nesse trabalho, entendemos que a brincadeira – a ação de brincar – é muito importante para o desenvolvimento integral da criança nos aspectos físicos, afetivos, cognitivos, sociais, culturais e emocionais. É pela brincadeira que a criança elabora simbolicamente seu cotidiano, entre os mundos da fantasia, da imaginação e do real. O ato da brincadeira proporciona à criança muitas aprendizagens, facilitando sua compreensão de mundo, autonomia e criatividade, entre outros aspectos tão importantes para o desenvolvimento integral dela. É brincando muito que a criança aprende. É importante que todos os profissionais envolvidos na creche e pré-escola tenham consciência de que a infância faz parte da criança e a criança precisa da brincadeira, não sendo possível separá-las. Assim sendo, não se pode negar à criança a brincadeira, pois “elas são uma só”. O professor deve buscar que o seu trabalho pedagógico seja significativo, e articular um planejamento que contemple a realidade, a cultura e as necessidades de aprendizagens das crianças. Nesse sentido, cabe também a ele incorporar abordagens lúdicas considerando em seu planejamento atividades e propostas em que a brincadeira esteja sempre presente, já que é fundamental no desenvolvimento da criança, ela tem a função humanizadora, e é através do brincar que criança se desenvolve, compreende e conhece o meio em que vive. Ao finalizarmos esse artigo, temos claro que esse tema não se esgota, é preciso ainda aprofundar mais e analisar em campo como ocorrem, de fato, as ações do brincar na Educação Infantil e o que dizem as crianças sobre a brincadeira. Mesmo que existam inúmeros

trabalhos acadêmicos sobre a importância da brincadeira para o desenvolvimento da criança, as pesquisas analisadas nos mostram que se tem produzido poucos trabalhos acadêmicos sobre o tema brincadeira de maneira mais ampla, com a finalidade de investigar, analisar se de fato ela está sendo garantida na Educação Infantil, e a acuidade que a brincadeira exerce no desenvolvimento humano. Conclui-se também que as produções realizadas na UFSC, na área de educação, sobre atividade lúdica, o jogo e a brincadeira na Educação Infantil necessitam ser socializadas para os professores, tendo uma relacão horizontal entre o professor da Educação Infantil e a Universidade, cumprindo a função social de consolidação das abordagens teórico-metodológica das produções sintetizadas na área da Educação Infantil.

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Educação Inclusiva: Atitudes dos Professores da Educação Infantil Inclusive Education: Teachers Attitudes in Children Education

BONAFÉ, Cinara1 BOLFE, Juliana2

RESUMO A inclusão de estudantes com necessidades educacionais especiais em turmas regulares requer mudanças nos ambientes escolares e principalmente nas atitudes dos professores. A partir dessa perspectiva, o presente estudo teve por objetivo descrever as atitudes dos professores da educação infantil em relação à inclusão de estudantes com necessidades educacionais especiais em turmas regulares. É pertinente conhecer as atitudes dos professores da educação infantil em relação à educação inclusiva, pois atitudes favoráveis podem ser indicativos de que os estudantes com necessidades educacionais especiais serão realmente incluídos em suas turmas desde a primeira etapa da educação básica. Metodologicamente, a pesquisa caracteriza-se como descritiva e quantitativa, e para o seu desenvolvimento utilizou-se um questionário e uma escala de atitudes como instrumentos de coleta de dados. Participaram desse estudo nove professores de uma escola de educação infantil situada em um município de pequeno porte da região norte do estado do Rio Grande do Sul. Os resultados obtidos na pesquisa indicam que os professores inquiridos possuem atitudes favoráveis perante à educação inclusiva. Palavras-chave: necessidades educacionais especiais; educação inclusiva; educação infantil.

ABSTRACT The inclusion of students with special educational needs in regular classes requires changes in school spaces and especially in teachers’ attitudes. From this perspective, this study aimed to describe the attitudes of Children Education teachers related to the inclusion of students with special educational needs in regular classes. It is pertinent to be aware of the the Children Education teachers attitudes related to inclusive education, since good attitudes may indicate that students with special educational needs will actually be included in their classes from the first stage of basic education. Methodologically, this research is characterized as descriptive and quantitative, and, for developing it, a questionnaire and a scale of attitudes were used as instruments of data collection. Nine teachers from a Children Education school located in a small city in the northern region of the state of Rio Grande do Sul participated in this study. The results obtained in this research indicate that the who were teachers interviewed demonstrate good attitudes toward inclusive education. Keywords: special educational needs; inclusive education; children education.

1 Especialista em Educação Especial e Inclusiva pela Faculdade Educacional da Lapa - FAEL; licenciada e bacharel em Química pela Universidade de Passo Fundo – UPF. E-mail: cibonafe@msn.com. 2 Mestre em Educação (UTP), especialista em Marketing e Desenvolvimento Gerencial (FAFI – Cornélio Procópio), licenciada em Letras Português/Inglês e Respectivas Literaturas (FAFI – Cornélio Procópio), orientadora e avaliadora de TCC de Pós-Graduação da FAEL.


1 INTRODUÇÃO

2 REVISÃO

A educação inclusiva é uma tendência mundial e requer o envolvimento e a colaboração dos profissionais da educação. Os professores, por estarem em contato direto com os estudantes em sala de aula, são os profissionais da educação responsáveis por garantir a concretização da inclusão no ambiente escolar.

A revisão busca apresentar aspectos relacionados à temática da educação inclusiva, abordando opiniões e ideias expressas por alguns autores, bem como definições legais que tratam deste tema.

Diante do que preconiza a atual legislação brasileira sobre a educação inclusiva, os professores necessitam, além de capacitar-se, rever suas atitudes em relação à inclusão. Partindo dessas premissas, buscou-se reunir dados com o propósito de responder à seguinte pergunta: os professores da educação infantil apresentam atitudes favoráveis em relação à inclusão de estudantes com necessidades educacionais especiais em suas turmas?

2.1 Educação e escola inclusiva Conforme o artigo 5º da Resolução CNE/CEB n. 2 (BRASIL, 2001), são considerados estudantes com necessidades educacionais especiais os que exibirem durante o processo educacional: I – Dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos:

O principal objetivo deste estudo foi realizar um levantamento das atitudes dos professores de uma escola de educação infantil em relação à inclusão de estudantes com necessidades educacionais especiais em turmas regulares, além de investigar a relação entre essas atitudes e as variáveis demográficas. Considerando que as atitudes são determinantes do comportamento humano, é imprescindível que os profissionais da educação, especialmente os professores, tenham atitudes favoráveis perante a inclusão de estudantes com necessidades educacionais especiais em turmas regulares, para que assim as escolas sejam verdadeiramente inclusivas. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) a educação infantil é obrigatória para todas as crianças a partir dos quatro anos de idade. Assim, é natural que os professores dessa etapa da educação básica passem a ter estudantes com necessidades educacionais especiais incluídos em suas turmas. Nesse contexto, a atual pesquisa torna-se relevante, pois permite perceber se as atitudes dos professores da educação infantil são favoráveis à inclusão; podendo assim esperar que os docentes propiciem aos estudantes com necessidades educacionais especiais condições adequadas de ensino/aprendizagem que favoreçam a construção significativa do conhecimento. O presente estudo apresenta caráter descritivo das atitudes dos professores de uma escola de educação infantil em relação à inclusão de estudantes com necessidades educacionais especiais. Para o desenvolvimento do estudo, realizou-se uma pesquisa quantitativa, com coleta de dados por meio de questionário e escala de atitudes. 48

a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica; b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências; II - Dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis; III - altas habilidades/Superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes.

Para Pires (2010, p. 114) “a escola, como espaço inclusivo, deve ter como desafio o êxito de todos os seus alunos, sem exceção”. Essa afirmação corrobora com Karagiannis, Stainback e Stainback (1999, p. 21), os quais afirmam que “[...] o ensino inclusivo é a prática da inclusão de todos – independentemente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou origem cultural – em escolas e salas de aula provedoras, onde todas as necessidades dos alunos são satisfeitas”. Diversos documentos fundamentam a educação inclusiva, dentre os quais se destaca a Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994), a qual estabelece que o “princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter”. De acordo com a Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994, p. 12),

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Educação Inclusiva: Atitudes dos Professores da Educação Infantil

O sucesso de escolas inclusivas depende em muito da identificação precoce, avaliação e estimulação de crianças pré-escolares com necessidades educacionais especiais. Assistência infantil e programas educacionais para crianças até a idade de 6 anos deveriam ser desenvolvidos e/ou reorientados no sentido de promover o desenvolvimento físico, intelectual e social e a prontidão para a escolarização.

Cabe ainda destacar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) que assegura aos alunos com necessidades educativas especiais currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica. De acordo com Karagiannis, Stainback e Stainback (1999), a educação inclusiva oferece benefícios para estudantes, professores e sociedade. Aos estudantes destacam-se como benefícios da educação inclusiva a sensibilização e o respeito com as diferenças e semelhanças individuais, além dos ganhos nas habilidades acadêmicas e sociais e a preparação para a vida em comunidade. Os benefícios proporcionados aos professores são, entre outros, o apoio cooperativo e a melhoria das habilidades profissionais. E a sociedade é beneficiada pela educação inclusiva, pois a igualdade passa a ser promovida como um valor social. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) realiza anualmente o Censo Escolar da Educação Básica, o qual é obrigatório aos estabelecimentos de ensino públicos e privados de educação básica (BRASIL, 2008). Por se tratar de uma pesquisa anual é possível comparar, entre outros dados, a evolução do número de matrículas na educação básica por modalidade e etapa de ensino, incluindo o número de matrículas na educação especial. Conforme dados do Censo Escolar da Educação Básica divulgados pelo Inep referentes a 2014, verifica-se que o número de matrículas de alunos incluídos em classes comuns era de 698.768, sendo este expressivamente maior que as 375.775 matrículas observadas em 2008 Em contrapartida, o número de matrículas em classes especiais e escolas exclusivas teve um decréscimo no mesmo período, uma vez que o número de matrículas diminui de 319.924 em 2008 para 188.047 em 2014 (INEP, 2015).

3 METODOLOGIA Os itens abordados a seguir apresentam a metodologia utilizada na realização deste estudo: o contexto social, os instrumentos utilizados na coleta de dados e o método de análise dos mesmos.

3.1 Local da pesquisa e participantes O estudo foi desenvolvido em um município de pequeno porte da região norte do estado do Rio Grande do Sul, que, de acordo com as estimativas do IBGE (2015), apresenta aproximadamente 4.400 habitantes. Há no município apenas uma escola de educação infantil, a qual pertence à rede municipal de ensino, ou seja, é uma escola pública. Participaram da pesquisa nove professores que trabalham na escola supracitada.

3.2 Tipo de pesquisa Quanto aos objetivos, a pesquisa caracteriza-se como descritiva. De acordo com Gil (2008), a pesquisa descritiva tem como finalidade descrever as características de determinada população ou fenômeno ou estabelecer relações entre variáveis. Em razão da abordagem metodológica adotada, a pesquisa classifica-se como quantitativa. O método quantitativo, de acordo com Fonseca (2009, p. 35), “é aquele que se baseia em dados mensuráveis das variáveis, procurando verificar e explicar sua existência, relação ou influência sobre outra variável”.

3.3 Instrumento para a coleta de dados Utilizou-se um questionário para coletar dados pessoais dos participantes e informações referentes às suas formações acadêmicas e experiências profissionais na área da educação. O questionário era composto por questões fechadas e de múltipla escolha. Gil (2008, p. 121) conceitua questionário “[...] como a técnica de investigação composta por um conjunto de questões que são submetidas a pessoas com o propósito de obter informações sobre conhecimentos, crenças, sentimentos, valores, interesses, expectativas, aspirações, temores, comportamento presente ou passado etc.”. Outra ferramenta de coleta de dados utilizada foi a escala de atitudes dos professores em relação à inclusão escolar, desenvolvida em 1979, por Larrivee e Cook,

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que visa medir as atitudes dos professores em relação à inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais no ensino regular. As escalas sociais, de acordo com Gil (2008), são instrumentos construídos com a finalidade de mensurar a intensidade das opiniões e atitudes de maneira objetiva. Essa escala de atitudes é composta por 30 itens tipo Likert, cada um com 5 alternativas de resposta que variam em níveis de concordância e discordância em relação ao item. Cada uma das 5 alternativas de resposta relaciona-se a um componente numérico de 1 a 5 para os itens favoráveis à inclusão e de 5 a 1 para os desfavoráveis. Os itens 2, 3, 5, 7, 9, 11, 12, 13, 15, 17, 19, 20, 23, 24, 25, 27, e 29 são desfavoráveis à inclusão (FERREIRA, 2012). Cada um dos participantes indicou na escala de cinco pontos a sua posição em relação a cada item. O somatório total da escala indicou a pontuação do participante, a qual representa a atitude manifestada pelo sujeito em relação à inclusão (FERREIRA, 2012). As pontuações máximas e mínimas para a escala são, respectivamente, 150 e 30. Uma pontuação de 75 é considerada intermediária, sendo que pontuações a partir de 75 refletem atitudes favoráveis à inclusão e pontuações inferiores a este valor indicam atitudes desfavoráveis (FERREIRA, 2012). Larrivee e Cook apud Ferreira (2012) categorizaram os itens da escala em cinco áreas diferentes: 22 filosofia geral da inclusão (itens 2, 6, 10, 15, 18, 21, 23, 25, 28 e 30); 22 conduta na sala de aula do estudante com necessidades educacionais especiais (itens 3, 9, 14 e 19); 22 problemas inerentes ao funcionamento da classe (itens 1, 5, 7, 12, 17, 24, 26 e 29); 22 desenvolvimento acadêmico dos estudantes com necessidades especiais (itens 4 e 11); 22 competências percebidas para ensinar estudantes com necessidades especiais (itens 8, 16, 20 e 27). Para analisar o percentual de respostas positivas e negativas para cada uma das áreas citadas anteriormente, contabilizou-se o número total de respostas 1, 2, 3, 4 e 5 para cada um dos itens da escala e, a partir desses resultados, realizou-se uma análise da porcentagem por grupo de questões. Considerou-se como positivas as respostas pontuadas com 4 e 5 pontos e 50

como negativas aquelas pontuadas com 1 e 2 pontos (FERREIRA, 2012).

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS Analisando os dados obtidos pela aplicação dos questionários, constatou-se que todos os professores inquiridos são do sexo feminino. Quanto à formação acadêmica das professoras, todas apresentam, além da graduação na área da educação, alguma especialização. Cabe ressaltar que nenhuma das docentes tem especialização em Educação Especial e/ou Inclusiva. No que diz respeito à idade, verificou-se que três professoras estavam na faixa etária dos 31 aos 40 anos, e seis encontravam-se na faixa dos 41 aos 50 anos. Em relação ao tempo de experiência profissional, constatou-se que cinco professoras lecionam a menos de 10 anos e quatro professoras entre 11 e 20 anos. Destaca-se também que das nove professoras pesquisadas, sete declararam ter, neste ano letivo ou em anos anteriores, estudantes com necessidades educacionais especiais incluídos em suas turmas.

4.1 Atitudes dos professores frente à inclusão As atitudes dos professores em relação à inclusão escolar foram mensuradas por meio da escala de atitudes dos professores frente à inclusão escolar. As pontuações obtidas pelos professores variaram de 82 a 121, indicando que todos os professores inquiridos são favoráveis a inclusão, uma vez que pontuações a partir de 75 indicam atitudes favoráveis.

4.2 Relação entre atitudes e variáveis demográficas Um dos objetivos deste estudo foi verificar as variáveis demográficas que podem influenciar as atitudes dos professores da educação infantil frente à inclusão escolar de estudantes com necessidades educacionais especiais. Diante dos dados obtidos pela aplicação do questionário, e apresentados anteriormente, constatou-se que participaram desta pesquisa apenas professoras que, coincidentemente, apresentam o mesmo nível de formação acadêmica. Então, pôde-se considerar como variáveis apenas os dados referentes à faixa etária, ao tempo de experiência profissional e à experi-

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ência com a inclusão de estudantes com necessidades educacionais especiais. Para verificar a possibilidade de a faixa etária dos participantes influenciar as atitudes em relação à inclusão de estudantes com necessidades educacionais especiais, calculou-se o valor médio dos escores obtidos pela escala de cada grupo. Esses valores são apresentados na figura 1. Observa-se que o valor médio dos escores referente à faixa etária dos 31 aos 40 anos corresponde a 98 pontos, e o valor médio de 102 pontos foi obtido pela faixa etária dos 41 aos 50 anos. Indicando que as professoras com idade entre 41 e 50 anos apresentam atitudes mais favoráveis em relação à inclusão.

O comparativo entre os valores médios das atitudes das professoras que declararam ter experiência com a inclusão de estudantes com necessidades educacionais especiais e as que declararam não a ter está apresentado na figura 3. Tendo em vista que os valores médios dos dois grupos são similares, pode-se afirmar que a experiência com inclusão não influencia nas atitudes das professoras. Figura 3 – Experiência com estudantes com necessidades educacionais especiais

Figura 1 – Faixa etária dos professores

Fonte: Elaborada pelas autoras.

4.3 Categorias da escala de atitudes

Fonte: Elaborada pelas autoras.

A figura 2 apresenta os valores das médias das atitudes das professoras em função do tempo de experiência profissional. Percebe-se que a média das atitudes das professoras com menos de 10 anos de experiência profissional corresponde a 105,4 pontos. Em contrapartida, as professoras que apresentam entre 11 e 20 anos de experiência obtiveram uma média de 94,8 pontos. Nesse sentido, é possível afirmar que as professoras com menos tempo de experiência profissional demonstraram atitudes mais favoráveis à inclusão. Figura 2 – Tempo de experiência profissional das professoras

Para simplificar a apresentação e a análise dos resultados, optou-se por apresentar as categorias definidas pelos autores da escala de atitudes, Larrivee e Cook (apud FERREIRA, 2012), por meio das figuras 4, 5, 6, 7 e 8, que exibem as respostas obtidas para cada um dos conjuntos de itens. Destaca-se que foram consideradas as respostas 1 e 2 como negativas e as respostas 4 e 5 como positivas. Em relação ao conjunto de itens relacionadas à categoria filosofia geral da inclusão (questões 2, 6, 10, 15, 18, 21, 23, 25, 28 e 30), apenas 19% das respostas correspondem a 1 ou 2 pontos, enquanto 80% correspondem a 4 ou 5 pontos, conforme valores apresentados na figura 4. Esses resultados indicam que os professores de educação infantil que participaram da pesquisa são favoráveis à filosofia relacionada à inclusão de estudantes com necessidades educacionais especiais nas turmas regulares.

Fonte: Elaborada pelas autoras.

Figura 4 – Filosofia geral da inclusão

Fonte: Elaborada pelas autoras. Faculdade Educacional da Lapa - FAEL

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Para o conjunto de itens relacionados à conduta na sala de aula do estudante com necessidades educacionais especiais (questões 3, 9, 14 e 19), 36% das respostas correspondem a 1 ou 2 pontos e 61% correspondem a 4 ou 5 pontos, de acordo com os valores apresentados na figura 5. Os resultados obtidos nessa categoria indicam que os professores inquiridos são favoráveis à conduta na sala de aula dos estudantes com necessidades educacionais especiais, ou seja, acreditam que este aluno não manifestará problemas de conduta em uma sala de aula inclusiva.

os professores acreditam que a inclusão de estudantes com necessidades educacionais em turmas regulares estimula o desenvolvimento de tais estudantes. Figura 7 – Desenvolvimento acadêmico dos estudantes com necessidades educacionais especiais

Figura 5 – Conduta na sala de aula do estudante com necessidades educacionais especiais Fonte: Elaborada pelas autoras.

Fonte: Elaborada pelas autoras.

A figura 6 apresenta as respostas obtidas no conjunto de itens referentes à categoria problemas inerentes ao funcionamento da turma (questões 1, 5, 7, 12, 17, 24, 26 e 29), sendo 41% das respostas correspondentes a 1 ou 2 pontos e 52% correspondentes a 4 ou 5 pontos. Esses resultados indicam que os professores apresentam atitudes favoráveis no que concerne ao bom funcionamento da turma com estudantes incluídos.

A figura 8 apresenta os resultados obtidos no conjunto de itens correspondente à categoria competências percebidas para ensinar estudantes com necessidades educacionais especiais (questões 8, 16, 20 e 27), e 74% das respostas correspondem a 1 ou 2 pontos, ao passo que apenas 20% das respostas indicaram 4 ou 5 pontos. Esses dados revelam que os professores não se consideram aptos para trabalhar com estudantes com necessidades educacionais especiais, pois não apresentam preparação suficiente para isso, além de acreditar que o ensino inclusivo depende de uma nova formação do professor. Figura 8 – Capacidades percebidas para ensinar estudantes com necessidades educacionais especiais

Figura 6 – Problemas inerentes ao funcionamento da turma

Fonte: Elaborada pelas autoras.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fonte: Elaborada pelas autoras.

As percepções dos professores em relação à categoria desenvolvimento acadêmico dos estudantes com necessidades educacionais especiais (questões 4 e 11) são apresentadas na figura 7, e 39% das respostas correspondem a 1 ou 2 pontos, enquanto 50% correspondem a 4 ou 5 pontos. Esses resultados indicam que 52

O presente estudo teve por objetivo apuraras atitudes dos professores de uma escola de educação infantil em relação à inclusão de estudantes com necessidades educacionais especiais. Os resultados obtidos com a escala utilizada no levantamento de dados demonstraram que os professores de educação infantil investigados apresentam atitudes favoráveis à inclusão de

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estudantes com necessidades educacionais especiais nas turmas regulares. Para investigar como algumas variáveis podem estar relacionadas com as atitudes dos professores em relação ao ensino inclusivo, procurou-se identificar as características demográficas dos docentes investigados, como o sexo, a formação acadêmica, a faixa etária, o tempo de atuação docente e a experiência com estudantes com necessidades educacionais especiais. Porém o sexo e a formação acadêmica não se apresentaram como variáveis. Considerando a variável idade, observou-se que entre as participantes da pesquisa, as professoras mais velhas apresentam atitudes mais favoráveis em relação à inclusão. Porém, a diferença entre as médias das atitudes nas diferentes faixas etárias é muito pequena, permitindo afirmar que não existe relação entre a idade das professoras e suas atitudes. Por outro lado, com os resultados obtidos em relação ao tempo de experiência profissional, detectou-se que as professoras que iniciaram na carreira docente a menos tempo apresentam atitudes mais favoráveis em relação à inclusão. Pode-se concluir que a variável referente ao tempo atuação profissional influencia as atitudes dos professores. Ao considerar a variável referente à experiência com estudantes com necessidades educacionais especiais, os resultados obtidos demostraram que, embora algumas professoras já tenham atuado em salas de aula inclusivas, isso não influenciou suas atitudes, uma vez que suas médias são praticamente iguais às das professoras que não apresentam essa experiência. Em relação às diferentes categorias em que as questões da escala de atitudes estavam divididas, é possível concluir que nas categorias filosofia geral da inclusão, conduta na sala de aula do estudante com necessidades educacionais especiais, problemas inerentes ao funcionamento da classe e desenvolvimento acadêmico dos estudantes com necessidades especiais a maioria das respostas indicam atitudes positivas, enquanto na categoria competências percebidas para ensinar estudantes com necessidades especiais o maior percentual de respostas indica uma atitude negativa das professoras. Esses resultados apontam para a necessidade de uma formação continuada para as professoras, uma vez que não se sentem preparadas para trabalhar com estudantes com necessidades educacionais especiais incluídos em suas turmas.

Cabe ainda destacar que os resultados obtidos neste estudo se referem às professoras de uma única escola de educação infantil e, portanto, trata-se de uma amostra pequena, a qual não pode ser considerada representativa da atitude geral dos professores de educação infantil. Ressalta-se ainda que as conclusões deste estudo são válidas apenas no contexto em que a pesquisa foi desenvolvida. Alguns aspectos poderiam ser aprofundados e aperfeiçoados em trabalhos futuros. O principal deles está relacionado ao alargamento da amostra, para que assim obtenha-se resultados realmente representativos da população pesquisada. Outro aspecto interessante é estender a pesquisa a outras etapas do ensino básico e realizar um estudo comparativo entre as atitudes dos professores das diferentes etapas do ensino básico.

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Dificuldades de Aprendizagem na Matemática: Inclusão de Alunos com Discalculia Learning Difficulties in Mathematics: The Inclusion of Students with Dyscalculia AFONSO, Angela de Fátima1 DIAS, Gilmar2

RESUMO O presente artigo trata de aspectos relacionados ao distúrbio de aprendizagem na área Matemática. Apoiou-se em embasamento teórico, pautado em uma pesquisa descritiva relacionada a esse distúrbio – em especial alunos com discalculia, do 4º ano da escola Municipal da cidade da Lapa. O objetivo da pesquisa foi mostrar como a matemática está presente no cotidiano de todas as pessoas, no tempo que passamos, no espaço que ocupamos, na distância que percorremos e em todas as referências de contagens e comparações que realizamos junto à sociedade. Pesquisou-se também a importância da mediação correta do educador diante da dificuldade na disciplina de matemática, em favor de um ensino de qualidade para amenizar essa problemática, o uso dos jogos matemáticos e como a discalculia afeta a aprendizagem. Para tanto, investiga maneiras de ensinar e favorecer práticas simples, eficazes e de fácil acesso para o professor no desenvolvimento do estudante com defasagem nesta área. E para cumprimento de tal objetivo, a revisão da bibliografia proporcionou referências teóricas para coleta dos dados por meio de pesquisa de campo. Palavras-chave: educação matemática; distúrbio de aprendizagem; discalculia.

ABSTRACT This article deals with aspects related to the learning disorder in Mathematics. It was based on a theoretical method, based on a descriptive research related to this disorder - especially students with dyscalculia of the 4th stage of elementary school in the city of Lapa. The aim of this research was to show how mathematics is part of everybody’s daily lives, such as the time we spend, the space we occupy, the distance we travel and in all references of counts and comparisons that we carry out with society. It was also researched the importance of correct mediation of the educator in facing the difficulties in math discipline, in favor of a quality teaching to soften this problem, the use of mathematical games and how dyscalculia affects learning. In order to accomplish this, it investigates ways of teaching and leveraging simple, effective and easily accessible practices for the teacher in helping the students with problems regarding this to develop theirselves. To fulfill this goal, the literature review provided theoretical references for data collection through field research. Keywords: mathematical education; learning disorder; dyscalculia.

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Aluna do curso de pós-graduação em educação especial e inclusiva – graduada em pedagogia pela FAEL. E-mail: angelafafonso@hotmail.com.

Matemático, tecnólogo em Processos Gerenciais, pedagogo pela UFPR, mestre em Educação, especialista em Educação a Distância, em Administração Financeira e Informatização e professor do curso de Pedagogia e da Pós-Graduação da FAEL. E-mail: gilmar.dias@fael.edu.br.


1 INTRODUÇÃO

2 COMO APRENDER MATEMÁTICA?

Esta investigação se insere no âmbito da pesquisa sobre as dificuldades de aprendizagem na área matemática, investigando maneiras de ensinar e favorecer práticas simples e eficazes no desenvolvimento do estudante que apresenta a defasagem na área em questão.

Cada aluno é um e, como tal, apresenta suas necessidades e anseios. Nesse sentido, é essencial que a Escola ofereça uma educação escolar que contribua para a formação do indivíduo, respeitando suas diferenças, seus limites e seu ritmo de aprendizagem, uma vez que todos têm direito à educação e devem ser respeitados como seres que possuem limitações, dificuldades e que aprendem progressivamente. Preocupar-se em oferecer uma Educação de qualidade está previsto na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB): “O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo” (BRASIL, 1996).

O interesse pelo estudo surgiu da necessidade de proporcionar aos alunos maneiras de aprender significativas e de qualidade. Cada estudante tem seu tempo de aprendizagem, e tal momento deve ser respeitado pelo educador, para construir o conhecimento com planejamentos, jogos, sequências lógicas e materiais concretos. A matemática é de extrema importância para a humanidade em todos os sentidos, como para sobrevivência e cidadania, pois é no cotidiano que as práticas com cálculos são realizadas, das mais simples até os mais complexos raciocínios. A dificuldade dos alunos das séries iniciais de resolver problemas matemáticos torna indispensável novos estudos sobre possíveis transtornos que podem afetar diretamente a aprendizagem. A pesquisa com estudo de caso proporcionou acompanhar as atividades docentes e o avanço dos alunos. A investigação foi estruturada por meio de questionário direcionado à coordenadora pedagógica sobre seu posicionamento em relação às dificuldades de aprendizagem dos alunos – em especial a discalculia – encontradas em sala de aula. O questionário também foi aplicado ao professor da turma regente, direcionado sobre o uso de jogos matemáticos para o auxílio dos alunos com discalculia, e a um aluno diagnosticado com discalculia, regularmente matriculados no 4º ano do Ensino Fundamental da escola municipal. O objetivo da pesquisa foi desenvolver novas práticas pedagógicas para a superação das dificuldades de aprendizagem, mediante ações responsáveis e coerentes que contribuam para a construção do sucesso escolar de um grupo de alunos com discalculia, além de propor soluções para essa dificuldade. A pesquisa se mostrou relevante pelo fato de considerar fundamental ao professor a diversidade cultural dos alunos como ponto de partida para o trabalho educativo, no sentido de valorização do conhecimento por ele trazido e da capacidade de aprendizagem de cada um.

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A escola é um espaço privilegiado para a aquisição de conhecimentos para uma formação de qualidade, sendo o conhecimento matemático um fator indispensável para a participação social – todos têm direito de acesso a esse conhecimento. O ser humano tem contato com a matemática desde o seu nascimento, pois ela faz parte do cotidiano natural do convívio em sociedade. Aprender é pessoal e ocorre por meio de trocas de saberes, e não é conhecimento mecanizado ou decorado. É diante das necessidades do dia a dia que as pessoas solucionam problemas, como dar troco, comprar, vender, organizar as contas, enfim, resolver e interpretar novas situações. Construir o conhecimento é assimilar, elaborar não somente pela quantidade, mas também pela qualidade do ato de aprender. Construir conhecimento implica elaborar uma representação pessoal do conteúdo que é objeto de aprendizagem. Essa representação, segundo Mauri (1998, p. 87 apud STAREPRAVO, 2009, p. 15), “[...] não se realiza em uma mente em branco, mas em alunos com conhecimentos que lhes servem para ‘enganchar’ o novo conteúdo e lhes permite atribuir-lhe algum grau de significado”. Para aprender com significado, os alunos precisam de espaços para elaborações, desafios com direcionamentos que aproveitem sua própria bagagem, para que possam ir moldando o conhecimento que já apresentam. Não precisam seguir apenas fórmulas e regras, mas entender realmente o processo de ensino e aprendizagem, tornando a matemática algo inovador e sem limitações. Dessa forma, podemos perceber a importância dos conhecimentos prévios dos alunos para que

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haja aprendizagem significativa, pois eles têm muitas ideias inovadoras a respeito das coisas. Não são recipientes vazios que precisam ser preenchidos pelas transmissões do professor, mas precisam que suas ideias sejam aprimoradas e modificadas pela intervenção escolar. O papel do professor é de extrema importância neste processo. De acordo com Moro (1998, p. 28 apud STAREPRAVO, 2009, p. 51), “o papel do professor passa a ser o de orientador, de provedor de desafios interessantes para que seus alunos tenham uma aprendizagem significativa no sentido de compreensão, do domínio do conhecimento e do próprio processo de conhecer”. O espaço escolar deve servir para o aluno fazer suas reelaborações, sendo desafiado a usar seu próprio conhecimento. A concepção de que ele aprende matemática apenas com uma sequência de exercícios vem sendo questionada, e os professores devem pensar numa prática pedagógica mais elaborada e de qualidade que vise ao todo.

3 O PAPEL DOS JOGOS NO ENSINO DA MATEMÁTICA Os jogos exercem papel importante na construção de conhecimentos matemáticos. Por se constituírem em desafios, trazem experiências novas, utilizando regras e proporcionando o trabalho em grupos, assim podendo resolver constantemente situações-problema. Na solução de problemas apresentados a eles, os alunos levantam hipóteses, testam sua validade, modificam seus conhecimentos e avançam cognitivamente. Nesse sentido, Kishimoto (2006, p. 37 apud VALLE, 2011, p. 59) nos diz que “[...] o jogo é um recurso que ensina, desenvolve e educa de forma prazerosa”. O jogo envolve o ser humano em suas cognições, afetividade, corpo e interações sociais, contribuindo para a aprendizagem e o desenvolvimento daqueles alunos com discalculia. Os jogos são instrumentos que podem ajudar o aluno a aprender, já que a matemática parece uma tarefa árdua. Com o auxílio deles, ela pode se tornar prazerosa, instigante e desafiadora. Para Kishimoto (2007, p. 62 apud CARNEIRO, 2012, p. 21), “[...] o brinquedo tem grande importância no desenvolvimento, pois cria novas relações entre situações no pensamento e situações reais”. O brinquedo contribui para formação da criança, pois constitui uma ferramenta pedagógica ao mesmo tempo promotora

do desenvolvimento cognitivo e social, além de ser um instrumento de alegria, pois uma criança que brinca o faz porque se diverte, e dessa diversão ocorre a aprendizagem. Para promover esse processo, os professores devem propor jogos nos quais os alunos usem estratégias próprias, e não simplesmente apliquem técnicas ensinadas anteriormente. Devem ser atividades muito bem planejadas, visando um ensino de qualidade e que favoreça a todos – em especial os alunos com discalculia. O professor se torna o responsável pela inclusão daqueles alunos com mais dificuldades, mas não deve acabar não acompanhando o ritmo dos demais alunos da turma. Segundo o documento subsidiário à política de inclusão, “Um pressuposto frequente nas políticas relativas à inclusão supõe um processo sustentado unicamente pelo professor, no qual o trabalho do mesmo é concebido como o responsável pelo seu sucesso ou fracasso” (BRASIL, 2005, p. 9). É um desafio ao profissional da educação, já que ele tem de atender esses educandos com qualidade, para que os objetivos e o desenvolvimento propostos realmente aconteçam, pois o professor sempre vai ser responsabilizado pelo sucesso ou pelo fracasso da aprendizagem desses alunos.

4 DISCALCULIA: UM TRANSTORNO DE APRENDIZAGEM POUCO CONHECIDO Quando as dificuldades perduram ou demoram a passar, algo de errado está acontecendo. Pode ser uma dificuldade de aprendizagem, cujas causas precisam ser investigadas: no sistema de ensino, no professor, nos seus sentimentos, no desenvolvimento. Todos cometem erros, porém quando se tem dificuldades ou até mesmo um transtorno, acabam aparecendo muito mais erros do que se diz normal. De acordo com Dockrell, Mcshame e Negreda (2000, p. 115 apud PERETTI, 2009, p. 14), “[...] os erros que elas fazem com números são frequentemente sistemáticos e apresentam uma série de princípios, apesar de incorretos. O primeiro passo da avaliação é descobrir exatamente quais princípios a criança está usando”. Os erros cometidos não são muito diferentes dos das outras crianças, mas elas apresentam mais dificuldades em dominar operações básicas, relacionar situações matemáticas com os problemas de vida no dia a dia. Diante desses fatos, verifica-se a necessidade

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de o educador flexibilizar metodologias e métodos de ensino para o trabalho com alunos discalcúlicos, sendo os jogos uma das formas de ajudá-los a melhorar em relação à matemática, o que vai acabar se tornando mais prazeroso e divertido e, ao mesmo tempo, irá proporcionar aprendizado. Segundo Smole et al. (2008, p. 116 apud SILVA, 2011, p. 2), “Todo jogo por natureza, desafia, encanta, traz movimento, barulho e uma certa alegria para o espaço no qual normalmente entram apenas o livro, caderno e o lápis”.

rio com duas perguntas relacionadas ao uso dos jogos matemáticos. Além disso, foi aplicado um questionário à pedagoga com uma pergunta relacionada ao seu posicionamento sobre os distúrbios de aprendizagem, em especial a discalculia.

O professor, principalmente da disciplina de matemática, deve buscar metodologias diversificadas para desenvolver a aprendizagem dos alunos de maneira consolidada e, em especial, de alunos discalcúlicos. Entre as atividades pedagógicas existentes, estão alguns tipos de jogos para o aluno com discalculia: sudoku, caracol, dominó e tangram.

Além dos questionários, realizou-se uma observação in loco, e foi aplicado um questionário com uma pergunta a um dos alunos diagnosticado com discalculia para saber se ele gosta de jogos matemáticos e se eles são aplicados para amenizar suas dificuldades, cujo objetivo foi observar o aluno em relação ao seu desempenho, quais são suas maiores dificuldades, os avanços na aprendizagem, discussões e reflexões essenciais ao dia a dia, o que torna desafiador o trabalho em sala de aula.

5 METODOLOGIA UTILIZADA NA PESQUISA O presente artigo utilizou-se de pesquisa do tipo estudo de caso, com uma revisão da bibliografia referente ao tema e com aplicação de instrumentos de coleta de dados, como entrevista, questionário e observação in loco. Os dados foram coletados utilizando-se técnicas características da pesquisa qualitativa. A pesquisa foi realizada em uma escola pública municipal no interior da Lapa que atende alunos do pré até o 9º ano do Ensino Fundamental. O estudo de caso caracteriza-se como o estudo profundo de um objeto, permitindo assim amplo e detalhado conhecimento sobre ele. Segundo Triviños (1987, p. 133 apud OLIVEIRA, 2011, p. 27), o estudo de caso “[...] é uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa profundamente”. Esse tipo de pesquisa oferece a possibilidade de alargamento da visão, apreendendo o indivíduo em sua integridade e seu contexto. A estratégia permite a análise da dinâmica dos processos em sua complexidade, o que constitui sua condição específica de contribuição à construção do conhecimento científico, abrangência de visão e flexibilidade peculiar dessa modalidade de investigação. Realizou-se também uma entrevista com a professora regente que atende 19 alunos. O objetivo da entrevista foi deixar a professora falar livremente a respeito de como é trabalhar com os distúrbios de aprendizagem e quais as estratégias usadas com os alunos com discalculia. Também foi entregue um questioná58

O questionário é um importante instrumento de coleta de dados. Gil (1995, p. 126 apud GIROTO, 2015, p.7) afirma que “[...] a construção do questionário consiste basicamente em traduzir os objetivos específicos da pesquisa em itens bem rígidos”.

O período de observação aconteceu em quatro visitas mensais à escola no decorrer do 1º bimestre, de uma hora cada – das 09h00 às 10h00.

6 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS A pesquisa foi realizada na Escola Municipal Dona Mirazinha Braga, situada em Mariental, interior da cidade da Lapa (Paraná). A escola oferece turmas do pré e do Ensino Fundamental e atende aproximadamente 270 alunos, distribuídos em 12 turmas nos turnos matutino e vespertino. Os profissionais que colaboram para o seu funcionamento são diretora, coordenadora pedagógica e professores titulares para o pré e anos iniciais (1° ao 5°). Também atua na escola uma professora com formação em educação especial, que trabalha na sala de recursos multifuncionais com alunos com necessidades educacionais especiais. O primeiro contato com a turma se deu na terceira semana de início das aulas, momento em que a professora já havia feito uma avaliação diagnóstica para saber o nível de desenvolvimento de cada aluno e em que já surgiram as dificuldades na matéria de matemática. A escola conta com a sala de recursos multifuncionais e com uma professora específica da área. Os alunos diagnosticados com discalculia vão para a sala todas as quartas-feiras pela manhã, e a professora tra-

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balha utilizando vários recursos, como jogos matemáticos, para amenizar o distúrbio de aprendizagem, e passa vários materiais e ideias para a professora regente trabalhar com toda a turma. De acordo com o Projeto Político Pedagógico da Escola, o trabalho com “[...] jogos didáticos, entre tantas outras, devem favorecer a expressão dos alunos, seus pensamentos, suas percepções, significações, interpretações, uma vez que aprender envolve a produção/criação de novos significados” (EMDMB, 2014, p. 27). Para a referida pesquisa foram usados três instrumentos diferentes: o questionário para a pedagoga, o questionário e a entrevista para a professora regente e o questionário e observação in loco para o aluno. A entrevista realizada com a professora ocorreu usando somente o diálogo informal. O questionário com a pedagoga serviu para saber o seu posicionamento em relação aos distúrbios de aprendizagem, em especial a discalculia. Fez-se um questionário e observação in loco a um dos alunos diagnosticados com discalculia com o propósito de saber se ele gosta de jogos matemáticos e se eles ajudam na sua defasagem em relação à matemática. Os métodos foram aplicados em quatro visitas mensais, totalizando o período de cinco horas e vinte minutos, no turno matutino. A classe analisada pertence ao quarto ano do Ensino Fundamental. A turma tem 19 alunos, com idade entre 8 e 10 anos. É uma classe muito heterogênea, tanto no comportamento quanto em conhecimento, e há alunos barulhentos, outros quietos, uns sabem muito, outros têm muitas dificuldades e precisam de ajuda. Tendo isso em vista, como afirma Rodrigues (1992, p. 38 apud SOUZA; NUNES, [s. d.]), “[...] o professor terá que enfrentar situações inesperadas em sala de aula e em algumas oportunidades, deverá alterar aquilo que tinha planejado, ainda mais, terá que estar atento às dificuldades apresentadas pelos alunos”. A primeira observação foi em um dia normal de aula, os alunos já estavam em sala conversando bastante e estavam escrevendo no caderno de matemática o nome da escola. Continuando as atividades, a professora passou no quadro problemas matemáticos e, de início, alguns alunos já sentiram aversão à matemática. Assim que a professora terminou de passar os problemas, concedeu um tempo para os alunos copiarem, o que levou mais ou menos 20 minutos. Em seguida, ela começou a ler e explicar os problemas; a maioria dos alunos resolveu com facilidade as atividades, outros não entenderam, porém não pediram explicação e acabaram não fazendo os exercícios. Finalmente,

a professora pede que cada aluno resolva o problema matemático no quadro. A maioria vai até o quadro e consegue resolver, alguns que se encontram com dificuldades não fazem questão de ir, e a professora não os obriga a ir, deixa a critério de cada um escolher, para também não expor ninguém. No questionário aplicado ao aluno da turma diagnosticado com discalculia, ele relata a dificuldade na resolução de problemas e a vergonha de perguntar por medo de ser ridicularizado pelos colegas, além de afirmar que gosta de jogos e da interação com os demais colegas da turma, o que deixa mais fácil aprender a matemática. A professora regente também conta com o apoio da professora da sala de recursos multifuncionais. Segundo Mendes (2006, p. 387 apud CIA; RODRIGUES, 2014, p. 93), “[...] uma das funções do professor de educação especial, atuante em SRM, é a de estabelecer articulação com o professor da sala de aula comum”. Por isso, é importante que exista um contato permanente entre esses profissionais, para um melhor ensino-aprendizado. A sala de recursos multifuncionais é adaptada para esses alunos atendendo às suas necessidades; a professora trabalha com jogos específicos para o distúrbio de aprendizagem na matemática, a discalculia, fazendo grupos para jogar e também tirando suas dúvidas. Nesse processo, percebeu-se um entendimento por parte dos alunos em relação à matemática, que depois voltaram para a sala de aula. A pedagoga pontuou no questionário que sempre conversa com os professores regentes de turma para saber quais as maiores dificuldades, os distúrbios encontrados em sala de aula e busca formas de intervenção para auxiliá-las. Os relatos mostram que a professora está tendo dificuldades para lidar com os alunos discalcúlicos, e não consegue o resultado esperado com a sua metodologia. Reafirma essas declarações no questionário e revela que está enfrentando muitas dificuldades, mas também isso está fazendo com que haja um enriquecimento da sua prática pedagógica e oportunizando seu crescimento profissional.

7 PROPOSTAS DE ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO COM ALUNOS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM A aprendizagem matemática é de extrema importância para os alunos em termos de sociedade e de sobrevivência. Aprender a matemática é uma

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tarefa árdua, por isso requer muito do professor que precisa buscar estratégias diferentes e um planejamento muito bem estruturado que vise às dificuldades encontradas pelos alunos. Na turma observada durante as aulas, as intervenções estão acontecendo de maneira bastante satisfatória tanto para os alunos quanto para a professora. A participação do aluno na construção do conhecimento contribui na forma como abordar a linguagem matemática, incentivando a criança a criar seus próprios métodos para resolver problemas e apresentando materiais para representar suas soluções, sendo levada a perceber que existem vários modos de expressar pensamentos. Existem recursos manipuláveis que podem ser usados para contribuir na prática pedagógica de conteúdos e conceitos matemáticos, por exemplo, o material dourado, que é disponibilizado pela escola, por isso de mais fácil acesso aos professores. O material dourado foi criado por Maria Montessori (1870-1952) no início do século XX para a construção e apropriação do sistema de numeração decimal para pessoas que apresentavam dificuldades de aprendizagem matemática nesta área. O material é muito utilizado para desenvolver o sistema de numeração decimal, operações fundamentais e desenvolvimento de habilidades como autonomia, comparação, percepção, raciocínios lógicos e resolução de problemas. O nome “material dourado”, segundo Daltoé e Strelow (2010, p. 13), “[...] vem do original ‘Material de Contas Douradas’. Em analogia às contas, o material apresenta sulcos em forma de quadrados”. O material dourado se baseia nas regras do sistema de numeração decimal sendo compostos por cubinho, barra, placa e cubo. A estratégia de intervenção relacionada aos alunos que são diagnosticados com discalculia está relacionada a quatro alunos com distúrbio na aprendizagem matemática na sala regular, mas percebe-se que acaba beneficiando a turma toda. É necessário montar grupos para a troca de saberes, pois se encontra muita heterogeneidade na sala de aula; então, os que têm mais facilidade para aprender ajudam os que sentem mais dificuldades. Como afirma Danyluk (1988, p. 58 apud SANTOS; OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2015, p. 72), “Ser alfabetizado em Matemática, então, é entender o que se lê e escrever o que se entende a respeito das primeiras noções de aritmética, geometria e lógica”. 60

Os jogos matemáticos são benéficos ao ensino e aprendizagem da matemática ainda mais para aqueles alunos com discalculia. Por isso, é importante o professor utilizá-los para que o aluno possa sentir vontade de aprender matemática, superar seus desafios e entender o quão importante ela é para a sua vida, além de auxiliar a professora a alcançar os objetivos pedagógicos propostos.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS A matemática como todas as outras disciplinas envolvidas num currículo escolar é muito importante. Se o aluno realmente aprender, essa disciplina contribui para seu crescimento pessoal e compreensão do mundo, porque ele utiliza este conhecimento diariamente, não só na escola, mas também em sua vida social. Todos os profissionais devem estar envolvidos nesse processo, para a melhoria da prática didática e sua execução, pois é na escola que se manifestam os conflitos da sociedade. É importante que o professor goste do que ele faz para conseguir ensinar com amor e responsabilidade, assim irá encontrar vários recursos para o melhor ensino-aprendizagem, pois as dificuldades sempre estarão presentes dentro da sala de aula. O professor deve ter atenção com cada sujeito, observando os processos de ensino e aprendizagem. Não existe uma fórmula pronta para ensinar, mas deve-se buscar sempre melhores caminhos para um aprendizado significativo para os alunos. Com esta pesquisa, podemos concluir a importância do ensino da matemática para os alunos que apresentam maiores dificuldades para o que a disciplina exige. Torna-se melhor trabalhar com eles o mais próximo da vivência do dia a dia, formando um vínculo entre a escola e a realidade, assim será mais fácil internalizar noções e estabelecer relações. O professor deve estimular o aluno, para que ele possa construir o conhecimento matemático, e perceber que todos têm possibilidades de aprimoramento e dependem uns dos outros para constituir uma sociedade melhor.

REFERÊNCIAS BRASIL. Lei 9.396, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 12 mar. 2017.

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Dificuldades de Aprendizagem na Matemática: Inclusão de Alunos com Discalculia

______. Ministério da Educação. Documento subsidiário à política de inclusão. 2005. Secretaria de Educação Especial. Brasília: MEC/SEF, 2005. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/ pdf/docsubsidiariopoliticadeinclusao.pdf>. Acesso em: 6 mar. 2017.

VALLE, Luciana de Luca Dalla. Jogos, recreação e educação. Lapa: Editora Fael, 2011. Recebido em: 29/03/2017 Aprovado em: 25/10/2017

CARNEIRO, Claudinéia Velozo Matias. Jogo, brinquedo e brincadeira na educação infantil. Monografia, Facecap, 2012. CIA, Fabiana; RODRIGUES, Roberta Karoline Gonçalves. Ações do professor da sala de recursos multifuncionais com os professores das salas comuns, profissionais e familiares de crianças pré-escolares incluídas. Monografia, UFSC, 2014. DALTOÉ, Karen; STRELOW, Sueli. Trabalhando com material dourado e blocos lógicos nas séries iniciais. 2010. Disponível em: <http://www.cp.utfpr. edu.br/armando/adm/arquivos/pos/material_dourado.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2017. EMDMB. Escola Municipal Dona Mirazinha Braga. Projeto Político Pedagógico, 2014, p.27. GIROTO, Juliana. O psicopedagogo institucional: novas atitudes para enfrentar as dificuldades de aprendizagem. Projeto de pesquisa. Lapa: FAEL, 2015. OLIVEIRA, Maxwell Ferreira de. Metodologia científica: um manual para a realização de pesquisas em Administração. Monografia, UFG, 2011. PERETTI, Lisiane. Discalculia: transtorno de aprendizagem. Monografia, URI, 2009. SANTOS, Anderson Oramisio; OLIVEIRA, Camila Rezende; OLIVEIRA, Guilherme Saramago de. Fundamentos da alfabetização matemática: algumas implicações na construção de conceitos matemáticos. Educação e Linguagens, v. 4, n. 6, UTFPR, 2015. SILVA, João Alberto da. Os jogos conceituais e procedimentais na educação infantil: como utilizar. Núcleo de Estudos, UFRGS, 2011. SOUZA, A. C. P; NUNES, C. B. A resolução de problemas como metodologia de ensino aprendizagem-avaliação de matemática em sala de aula. Rio Claro: UNESP [s. d.]. Disponível em: <http://sbembrasil.org.br/files/ix_enem/Minicurso/Trabalhos/ MC65873300534T.doc>. Acesso em: 8 mar. 2017. STAREPRAVO, Ana Ruth. Jogando com a matemática: números e operações. Curitiba: Aymará, 2009.

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A Conscientização Ambiental e Seus Obstáculos no Âmbito Social e Jurídico Environmental Awareness and its Obstacles in Social and Legal Scopes PORTELA, Daniella Gonçalves1 MONTESCHIO, Valeria Juliana Tortato2

RESUMO A Constituição brasileira traz, em seu Artigo 225, uma evolução na legislação, principalmente para o Direito Ambiental. Entretanto, as práticas voltadas para a preservação do ambiente e dos bens supraindividuais não foram bem incorporadas nas atitudes e ações do brasileiro. Devido aos hábitos culturais construídos na sociedade e à débil colaboração do governo para implementar medidas corretivas que estimulem um pensamento menos individualista, formou-se um ciclo vicioso, enfraquecendo o elo entre a população e o poder de interferir beneficamente em seu meio de convívio. O ciclo inicia com a falta de interesse em se ter acesso a mais informações a respeito das medidas políticas e ambientais desenvolvidas na região; sem informação, a população não se mobiliza para participar das decisões políticas e não objetiva se tornar cidadãos ativos utilizando os meios que lhes são legalmente garantidos. A falta de informação e a não participação na política deixam o indivíduo mais apático e individualista. Esse cenário poderia se alterar com mudanças de hábito e melhores políticas sociais, trazendo desenvolvimento coletivo e expressivo avanço nos diversos setores (econômico, tecnológico e ambiental). Apesar de as mudanças não interferirem beneficiando diretamente o indivíduo que contribuiu para sua execução, estas trariam benefícios para todos os seres a longo prazo. Deve haver uma atualização geral em todos os setores da sociedade para instigar uma mudança que leve à conscientização ambiental. O método utilizado na produção deste artigo será o qualitativo, utilizado na perspectiva dialética de análise, com base em pesquisas bibliográficas que serão retratadas no texto pela síntese discursiva. Palavras-chave: participação política; consciência ambiental; informação.

ABSTRACT Brazilian Constitution brings, in its Article 225, an evolution in legislation, specially for Environmental Law. However, practices focused on the preservation of the environment and supraindividual assets were not well incorporated in brazilian population attitudes and actions. Due to the cultural habits built up in society and to the weak collaboration of the government to implement corrective measures that stimulate a less individualistic mentality, a there’s been formed a vicious cycle, weakening the link between the population and its power to beneficially interfere in their own daily environment. The cycle begins with the lack of interest in gathering more information about the political and environmental measures developed in the region; without information, the population does not mobilize to participate in political decisions and it does not aim to become active citizens, using the means legally guaranteed. Lack of information and non-participation in political issues make people become apathetic and individualistic. This scenario could improve by changing habits and social policies, 1 2

Engenheira Civil pela UTFPR/ Curitiba. Especialista em Direito Ambiental e Sustentabilidade. Mestranda em Engenharia Química pela Unicamp.

Graduada em Direito e Pedagogia. Especialista na área educacional – supervisão e gestão. Mestre em Educação pela Universidade Tuiuti. Professora de Pós-Graduação na Fael.


A Conscientização Ambiental e Seus Obstáculos no Âmbito Social e Jurídico

providing collective development and significant advances in many areas (economic, technological and environmental). Although these changes do not directly interfere by benefiting the individual who contributed to their execution, they would bring benefits to all beings in the future. There must be a total update in all sectors of society in order to instigate changes that lead to environmental awareness. The method used for producing this article will be qualitative, used in the dialectical perspective of analysis, based on bibliographical researches that will be treated in the text through discursive synthesis. Keywords: political participation; environmental awareness; information.

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1 INTRODUÇÃO Com o desenvolvimento tecnológico e econômico, como advento da globalização mundial, o Brasil vem sofrendo mudanças constantes em seu perfil econômico, o que tem afetado, inclusive, o modo como as pessoas se relacionam e suas interações sociais com o meio (DUARTE, 2003). É fato que a globalização impulsiona o desenvolvimento do país, entretanto há desvantagens em seu processo. Uma das principais é a crise ambiental, que vem se agravando em consequência dos diversos fatores sociais. Começou-se a evidenciar as preocupações com o meio ambiente e a crise ambiental em reuniões promovidas nas Conferências das Nações Unidas. A primeira, considerada o marco mundial para o início das discussões ambientais, ocorreu em 1972, na cidade de Estocolmo, e a segunda ocorreu em 1992, no Rio de Janeiro, e ficou mundialmente conhecida como ECO 92 (CASTRO, 2010). Considerando o vasto cenário de desenvolvimento mundial e as aclamações sociais que o acompanharam ao longo do tempo, há um importante documento para agrupar informações capazes de orientar qualquer indivíduo a respeito dos aspectos legais em países regidos pela democracia. No Brasil, ele é chamado de Carta Magna ou Constituição da República e tem compilações de fácil acesso. A Constituição da República é composta por disposições constitucionais e ementas regentes no sistema democrático brasileiro. Devido às preocupações ambientais mundialmente discutidas, ela incorporou uma seção destinada ao meio ambiente e às participações populares. A crise ambiental é um assunto de interesse social, e o sistema jurídico tem tomado iniciativas, pouco difundidas, para aproximar a população dos assuntos relativos à sociedade e ao meio ambiente. Ainda é escasso o interesse do brasileiro em ler trechos da Constituição da República, ou fazer algum tipo de discussão informativa a respeito dela. Os autores Santin e Corte (2011) mostram diversas formas de participação popular, como: audiências públicas, opinar sobre o plano diretor da cidade, fazer pedidos de informações por via administrativa, projetos de iniciativa popular, plebiscitos e referendos mediante decreto legislativo e ação popular e ação civil por via judicial. Entretanto, deve-se considerar que nem todos os meios disponibilizados para a participação da população são de fácil acesso e, por vezes, eles podem gerar um processo moroso e complicado, resultando na inviabilização de seu uso. A característica cultural dos 64

brasileiros é outro fator preponderante na falta de participação população. Em dados retratados por Boris (1995), no período anterior à 1930 o voto não era obrigatório, estimando-se um percentual de, no máximo, 5,7% de votantes em todo o país. Ainda segundo o autor, a população considerava a política como algo voltado aos mais ricos e um sistema de troca de favores, em que o voto não era secreto e as eleições eram facilmente suscetíveis a fraudes. A situação é crítica por se tratar do interesse da população visando à preservação do meio ambiente com o uso de recursos do Direito Ambiental. Castro (2010) salientou que muitas pessoas não vislumbram uma possibilidade cabível na relação entre economia e sustentabilidade e são embasadas na teoria errônea de que o aumento da produção só é obtido com maior consumo de recursos naturais. Essa cultura desvalorizadora do meio ambiente deve ser mudada, e isso pode começar, por exemplo, nas salas de aula, onde os professores podem persuadir e sensibilizar seus alunos trazendo à tona questões relacionadas ao meio ambiente e ressaltando a importância da participação popular. É assegurado pela Lei de Política Nacional de Educação Ambiental (n. 9.725/99) que a educação ambiental deve ser permanente, por meio de palestras, seminários, rádio, televisão e internet. Este artigo abordará as deficiências da conjuntura atual para se alcançar a conscientização ambiental e um possível cenário, criado a partir de mudanças nos hábitos culturais dos brasileiros e com a participação de todos visando o bem supraindividual. Será possível, por meio dessa elucidação, desenvolver uma sistemática social mais integrada entre política, população, economia e meio ambiente, assistida pela sociedade, o que propiciará a todos o benefício de estarem assegurados em um meio ambiente saudável e funcional.

2 DESENVOLVIMENTO A interpretação da legislação por parte da população, bem como seus princípios de preservação da natureza foram formados no meio social e cultural no qual o país desenvolveu sua conscientização ambiental. Algumas falhas recorrentes no âmbito social e jurídico levaram à imediata necessidade de melhorias dessa formação. O desenvolvimento de uma adequada consciência ambiental e jurídica pode ser alcançado, e os aspectos necessários para atingir esse objetivo serão melhor abordados no texto.

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2.1 Breve histórico da preservação do meio ambiente e da participação popular na legislação A atual Constituição Brasileira foi promulgada em 1988. Antes dela, já houve outras cinco, que foram reformuladas desde a primeira, em 1824, até a atual, de 1988 (CASTRO, 2010). Percebe-se as marcantes mudanças ocorridas na história brasileira devido às reformulações em seu ordenamento de regras. Isso ocorreu devido à necessidade de se acompanhar o crescimento de um sistema democrático que atendesse aos interesses da população e a tornasse mais igualitária. Em sua última atualização, a Constituição trouxe, de forma clara, regras a favor da preservação do meio ambiente e da participação popular em decisões políticas. Essas regras estão previstas em vários capítulos, porém cabe destacar o Art. 204, inciso II, que prevê a “participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”, e o Art. 225, que afirma: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo se ao Poder Público e à coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Anterior ao Art. 225, há a Lei n. 6.938 de 1981, dispondo sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, que dá as incumbências aos órgãos competentes e os instrumentos, ou meios, utilizados para preservação dos bens naturais. Essa Lei trouxe grandes avanços para o Direito Ambiental, que, segundo Castro (2010), é recente, porém já dispõe de uma grande quantidade de normas escritas de caráter legislativo e administrativo e conta com um conjunto de regras de direito internacional. Dentre as várias legislações do Direito Ambiental, há alguma específicas, abordadas por Antunes (2001) em tópicos: a proteção da floresta, presente no Código da Floresta e em leis estaduais, que se adaptaram para as peculiaridades da vegetação local; as áreas de preservação permanente e unidades de conservação, controladas pela Administração Pública e regulamentadas pela Lei n. 9.985/2000; a fiscalização e inspeção dos usos de agrotóxicos e outros produtos químicos, presentes no inciso V, Art. 225, da Constituição Federal; na Lei n. 7.802/89, nas constituições estaduais e em resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA); a proteção dos recursos hídricos, que reúne um montante de normas e regulamentações administrativas, além do Código de Águas,

sendo que, dentro do regime jurídico, esse tópico tem maior nível de complexidade, pois os recursos hídricos podem ser bem jurídico de propriedade do Estado, bem jurídico submetido ao regime de Direito privado ou fonte geradora de recursos econômicos; as atividades da mineração, que têm grandes impactos ambientais, porém são indispensáveis para o avanço tecnológico, cabendo apenas à União legislar sobre ela através do Código de Minas; as terras indígenas, de domínio da União e limitadas a inalienabilidade e a indisponibilidade, e as demais disposições legislativas previstas no Estatuto do Índio; e, por fim, a energia nuclear, ainda sem consolidação jurídica, porém vigente em diversos capítulos da Constituição Federal de 1988 e na legislação nuclear (Lei n. 6.453/77), que prevê crimes nucleares. Ao abordar esses tópicos presentes no Direito Ambiental, Antunes (2001) critica a falta de definições mais precisas do Direito, pouca rigidez na legislação e a falta de fiscalização pelo Poder Público. São muitas leis, decretos e resoluções para dispor sobre o meio ambiente, porém estes não se encontram agrupados em um documento único ou em uma fonte comum de busca. Consequentemente, isso pode gerar certo empecilho para aqueles que trabalham e estudam na defesa ambiental utilizando os meios jurídicos. As fontes de busca por leis e normas são ainda mais obscuras para o cidadão que deseja se informar e nunca teve contato prévio com os fundamentos constitucionais ou outros documentos da área jurídica. Castro (2010) corrobora a ideia anteriormente apresentada ao descrever o direito como um instrumento da sociedade que não deve ser exclusividade apenas dos formados na área jurídica, em se tratando especialmente do direito ambiental, pois os leigos podem não estar preparados para entender o fenômeno ambiental em suas vertentes biológicas, químicas, geográficas, econômicas, entre outras.

2.2 A necessidade da participação popular na política Os diversos ramos do direito estão direta ou indiretamente relacionados com todos os componentes do nosso meio, e essa relação pode ser para fins pessoais ou profissionais do ser humano. Por exemplo, quando trabalhamos, existe um documento legal que regulariza e comprova a situação do trabalhador e, frequentemente, assinamos contratos que deixam claros os termos e condições necessários para adquirir um bem ou oferecer um serviço, ou seja, estamos cerca-

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dos de compromissos legais em nosso cotidiano. Essa constante conexão entre o cidadão e o meio jurídico ocorre para haver padrões de organização na sociedade e propiciar seu desenvolvimento, agregando valores a ela. É de conhecimento geral as barreiras impostas pela linguagem rebuscada usada nas ciências do Direito, e Buschel (2009, p. 150) vê como um desafio a ser tomado pelos educadores aprender a harmonizá-la com a linguagem coloquial popular, para haver uma comunicação eficiente entre a ciência do Direito e a população, pois “a partir do conhecimento dessas informações surgirá o interesse das pessoas em aprofundar-se nas questões da cidadania”. Dentre as várias situações benéficas para o cidadão e toda população, assegura-se a coletividade e o direito à informação jurídica, agregando valor à sociedade, que será provida de conhecimento de seus diretos. É visível a importância de a população demonstrar interesse pela busca de informações nas bases jurídicas; logo, se torna indiscutível a necessidade de abertura e colaboração do governo para o acesso a informações e discussões a respeito de política e legislação em redes nacionais de comunicação e na estrutura educacional brasileira. O amplo acesso à informação é ainda mais efetivo e tem aplicações diretas quando está aliado à promoção da participação dos indivíduos em decisões políticas. Para haver um equilíbrio harmonioso entre os desenvolvimentos tecnológico, econômico, social e ambiental, é necessário o interesse da população em participar e interferir organizadamente no processo legislativo, pois ela tem poder de dar voz a instituições representativas para exigir e pressionar o governo em prol de seus anseios. Ferreira et al. (2009, p. 1) apresentam em seu texto a importância da participação pública e do envolvimento da sociedade na elaboração do Plano Diretor, como uma medida para “reorganizar o espaço da cidade, proteger o meio ambiente e resolver, a longo prazo, problemas de ordem urbana”. O argumento do autor é suportado pelo Art. 2º da Lei n. 10.257/01, referente ao Estatuto do Cidadão: “II – Gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.” O princípio da cooperação está presente no Direito Ambiental sistematizado. Mukai (1998) aborda a estruturação do Direito Ambiental em regimentos legislativos estaduais e municipais embasados pelo princípio da participação, cujas leis e diretrizes 66

devem ser estabelecidas com a participação de entidades ambientalistas, pois, caso não haja essa participação, será inconstitucional ou ilegal a lei ou diretriz estabelecida. Piccoli et al. (2016) destacam a importância de as preocupações locais serem levadas até o setor político-administrativo na busca de transformações sociais. Todas as sugestões encaminhadas pela população são analisadas e apresentadas pela comissão de participação, e é garantida pelo Regimento Interno da Câmara dos Deputados a elaboração de exposições e propostas a partir de pareceres técnicos enviados por entidades científicas e culturais ou civis. Bandeira (1999) mostrou em seu estudo a necessidade da formação de grupos de abrangência sub-regional ou local para discussão de problemas nos quais estão inseridos, como um facilitador para definição de programas governamentais mais adequados à região, pois a falta de participação da comunidade leva a ações públicas malsucedidas. Goulart, Terci e Otero (2015) criticam a democracia sem cidadãos politicamente ativos, pois esta seria composta por indivíduos apáticos e limitados à efetivação de seus próprios interesses. Para os autores, as inovações estão ligadas à democracia pela prática da cidadania e, apesar da baixa incidência nas decisões governamentais, a participação possibilita a abertura para uma maior democratização nos mecanismos de gestão. Segundo o relatório estatístico fornecido pelo Serviço de Informação ao Cidadão (SIC), entre maio de 2015 e março de 2016, foram recebidas 28.071 solicitações de informação sobre os temas: atividade legislativa, constituinte, deputado, institucional, legislação e proposição. Considerando os dados estatísticos fornecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, há 146.275.020 eleitores, sendo assim consideradas as pessoas acima de 16 anos, que têm direito a voto e escolhem seus governantes ao exercer seu direito de participar na democracia. Portanto, a parcela da população que busca, com frequência, saber mais a respeito das decisões tomadas por seus governantes é mínima em relação ao seu total. Os números referentes aos pedidos de acessos a informações relativas ao meio ambiente são ainda menores: no período de fevereiro de 2016 a 2017, o Ministério de Meio Ambiente recebeu apenas 350 pedidos. Analisando os dados informativos, percebe-se que a deficiência da participação popular brasileira está relacionada à falta de interesse em se aprofundar mais no conhecimento das ações regidas pelo governo, ou até mesmo em ter um senso crítico em relação às informações recebidas.

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Bandeira (1999) destaca a importância da participação da sociedade civil na formulação e implementação de políticas públicas, para o fortalecimento da competitividade sistêmica de um país ou de uma região. Logo, a participação precisa ser facilitada com ações convidativas e perspectivas concretas de viabilização, pois estas podem contribuir para a melhor distribuição de riquezas e igualdade de oportunidades, que só serão construídas com embates políticos e pressões sobre os governantes (PERUZZO, 2007; NASCIMENTO, 2012).

2.3 O processo de formação da consciência ambiental É possível perceber como essencial a interação dos cidadãos com as decisões políticas, entretanto, ela deve ser estendida para as relações entre o ser humano e o meio ambiente, visto que a população e o Poder Público compartilham a responsabilidade sobre as práticas de preservação ambiental, cabendo, inclusive, o uso de medidas jurídicas para garantir sua proteção (SANTIN; CORTE, 2011). Para ocorrer uma efetiva preservação do meio ambiente, inicialmente, a população deve tomar consciência da natureza como parte da nossa cultura, valorizar a diversidade biológica, reconhecer a importância dos recursos naturais para a economia e usá-los racionalmente. Posteriormente, deve-se reconhecer os problemas socioambientais, exercer o pensamento sistêmico da relação entre o homem e o meio ambiente, desenvolver a responsabilidade ambiental e agir de maneira colaborativa no uso e proteção dos recursos naturais (SAUVÉ, 2005). Uma das ferramentas disponibilizadas pela legislação que tem papel fundamental na conscientização do cidadão a respeito da preservação do meio ambiente é a Educação Ambiental, que está prevista na Lei n. 9.795/99 e regulamenta a implementação de práticas educativas formais e não formais na construção de “valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências” para orientar o indivíduo sobre a importância da preservação ambiental. Segundo Antunes (2001), o Estado não consegue agir isoladamente no controle ambiental, e partindo dos princípios da prevenção e da democracia, a inserção da Educação Ambiental no processo de formação do indivíduo é um meio eficaz para evitar os danos ao ambiente; assim, com a educação, o ser humano será capaz de buscar informações e julgar as vantagens e desvantagens que certo empreendimento trará para

sua comunidade. Seguindo o mesmo raciocínio, Piccoli et al. (2016) argumentam que uma população organizada, informada e atuante na exigência do cumprimento de seus direitos possui potencial crítico para observar e cumprir seus deveres de não degradar e não desperdiçar o recurso natural. Antunes (2001) faz críticas à Educação Ambiental em relação às falhas presentes na lei e em sua aplicação, entretanto, é inegável a importância da existência dessa legislação, sendo urgente a necessidade de torná-la mais eficiente. Muitos autores enfatizam a importância e os problemas contidos na Lei da Educação Ambiental e da Política Ambiental. Pereira et al. (2010) fazem comentários acerca de tal documento e dos problemas de se aplicar esse ensino nas escolas devido à transversalidade do assunto; por isso, é importante não tratar do tema em uma disciplina específica, mas gradativamente em suas vertentes exatas, biológicas e humanas. Nesse contexto, o educador tem o importante papel de mediador para propor e aplicar, em seu ambiente de ensino, fundamentos centrados no conceito da natureza para o indivíduo contextualizá-la nas práticas sociais, compondo uma realidade mais complexa e multifacetada (JACOBI, 2003). Ao tratarmos de Educação Ambiental, não podemos nos restringir aos meios acadêmicos. A educação deve ser contextualizada e respeitada na cultura de cada sociedade, aprofundando as interações dos humanos entre si e com os outros seres (PEREIRA et al., 2010; PICCOLI et al., 2016). Sendo assim, escolas, museus, parques, municipalidades, organismos comunitários, empresas e meios de comunicação devem exercer seu papel de educador, pois, segundo Sauvé (2005, p. 319), “cabe a cada ator definir seu “nicho” educacional na educação ambiental, em função do contexto particular de sua intervenção, do grupo-alvo a que se dirige e dos recursos de que dispõe”. É importante destacar a importância dos meios de comunicação em cumprir seu papel, visto que esse setor promove a mobilização social e está sempre presente na dinâmica organizacional sociedade, podendo abrir possibilidade para a participação ativa do cidadão comum. A educação e a comunicação estão intimamente ligadas, pois as pessoas que recebem influências por meio desses canais mudam o seu modo de ver, de relacionar-se com a sociedade e até com o próprio sistema de comunicação em massa e, dessa forma, tais redes ajudam a formar os cidadãos de uma região. Portanto, a comunicação democratizada cria caminhos para mudanças culturais junto à busca pela demo-

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cratização nas outras dimensões da cidadania, como a econômica e a política (PERUZZO, 2007). Todos os âmbitos da Educação Ambiental devem cumprir sua função social de formar uma essência individual que pense no ser coletivo (PICCOLI et al., 2016). Segundo Saito (2009), o contexto histórico nos encaminhou à atual situação da Educação Ambiental no Brasil, pois, durante muitos anos, ela foi desvalorizada frente à industrialização e ao avanço econômico. Agora, para ser posta em prática na atualidade, precisa de uma sociedade democrática e justa, sem opressão social, com ações transformadoras e que busque continuamente o conhecimento. A participação da população na gestão sustentável é vital devido à relação intrínseca entre uma sociedade desprovida de conhecimento, a consciência e a crise ambiental. Também é essencial a união da população e do Poder Público, em uma responsabilidade compartilhada de proteção ao meio ambiente, inclusive por intermédio de mecanismos processuais (SATIN; CORTE 2011). Ao viabilizar-se a Educação Ambiental e, após, ser atingida a esfera coletiva, a população terá mais confiança para participar de discussões políticas e instaurar medidas ambientais protetivas, utilizando instrumentos processuais da administração pública. Buschel (2009, p. 150) afirma que o Direito é ferramenta de transformação social e “teremos de usar os instrumentos oferecidos pelo Direito para dirimir com civilidade os conflitos surgidos em nossa sociedade”. Modesto (2005) apresenta alguns desses instrumentos do Direito usados para promover a cidadania e a proteção ambiental, são eles: consulta pública, audiência pública, colegiados públicos, assessoria externa para formulação de projetos ou laudos com especialistas, denúncia pública, reclamação relativa ao funcionamento dos serviços públicos, colaboração executiva de organizações sem lucro, ombudsman encarregado de receber e defender queixas, participação mediante ações judiciais, como a Ação Popular, e fiscalização orgânica. A Ação Popular Ambiental é uma importante ferramenta e foi instaurada como remédio constitucional na Carta Magna de 1946, para proteção dos atos lesivos praticados contra o patrimônio da União, dos Estados e dos Municípios. Apesar de ser uma medida antiga, que pode ser usada judicialmente como prática de cidadania, são poucas as pessoas que sabem a seu respeito. Segundo Santin e Cortes (2011), os principais empecilhos para a falta de uso desse instrumento são a democracia contemplativa, 68

definida como uma sociedade formada por eleitores espectadores dos representantes do seu governo, sem participação efetiva nas tomadas de decisão, e, também, as dificuldades inerentes aos processos de autuação, pois para se instaurar uma Ação Popular nem sempre há a possibilidade do auxílio de um defensor público, sendo necessário o cidadão procurar um advogado particular. Mukai (1998) salientou que há muitos trabalhos na literatura jurídica sobre a forma e os procedimentos para utilização da Ação Popular, entretanto são escassos os trabalhos que apresentam seu uso efetivo. Freitas (2010), coordenador do livro Julgamentos Históricos do Direito Ambiental, resgata decisões judiciais importantes para o Direito Ambiental. Na obra, é observada a falta de inquéritos abertos por via de Ação Popular. Um dos que foram apresentados na obra de Freitas (2010) ocorreu em 1975 e tratava-se da anulação de uma lei municipal de zoneamento que colocava em risco uma praia turística em Itanhaém/ SP. O parecer foi favorável para o autor, que, então, foi considerado pioneiro na Ação Popular. Ele enfrentou a ação em uma época de poucos recursos para proteção do meio ambiente, cujo crescimento econômico era almejado a todo custo, e o sistema político passava pelo período de Ditadura Militar em meio à forte repreensão do governo. Analisando o caso, pode-se perceber o grande esforço que foi exigido do autor e, apesar de não ter agido em busca de benefícios individuais, ele obteve um ganho coletivo ao preservar e melhorar a praia, que até então era uma das mais poluídas do Brasil e, agora, contribui expressivamente para o turismo na região. Cabe, também, destacar a coragem do julgador, que fugiu do conservadorismo da época e trouxe desenvolvimento para o Direito Ambiental. As medidas visando à proteção do meio ambiente precisam ser tomadas não apenas na correção de falhas provenientes dos déficits de participação popular, dos meios educativos e na legislação. Também devem ocorrer mudanças no sistema de avaliação, apuração de fatos e rigidez do julgamento usado nos ramos da ciência jurídica (constitucional, civil, administrativo, processual, penal, tributário e internacional). Padilha (2010) debate a interdisciplinaridade no Direito Ambiental, que deve ser aplicada na relação entre a conduta do ser humano e o meio ambiente, e cabe às ciências do Direito, em suas ramificações, impor limites adequados de uso dos recursos tecnológicos crescentes, ponderando suas consequências no equilíbrio do meio.

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O Direito Ambiental trata de um bem difuso e não opera em benefício de um particular, sua prática pode beneficiar a todos na esfera coletiva. Castro (2010) expõe a proteção ambiental como um investimento e justifica seu argumento apresentando o caso de uma indústria que não age de acordo com as políticas ambientais. Em um primeiro instante, seus custos de produção podem diminuir, porém eles tendem a se tornar mais onerosos. Por exemplo, os custos que diminuem devido à emissão indiscriminada de gases tóxicos, ao despejo de água não tratada em local impróprio e à falta de investimento em segurança do trabalho, posteriormente, aumentam as chances de os trabalhadores apresentarem doenças e sentirem-se desestimulados e das máquinas diminuírem seu tempo de vida útil. Outro caso apresentado pelo autor é a destruição de mata ciliar para agricultura, ocasionando o desgaste do solo e deixando-o infértil, sendo, assim, necessários custos adicionais com fertilizante e irrigação. Para Nascimento (2012, p. 55), “o modelo de produção e consumo em vigor degrada não apenas a natureza, mas, também, e cada vez mais, as condições de vida dos humanos”. É necessário reforçar a ideia de que a temática ambiental vem ganhando espaço na sociedade moderna e se revelando fundamental na economia globalizada. A preservação ambiental pode ser um avanço para o desenvolvimento tecnológico, uma motivação na criação de novos processos e produtos, capazes de suprir a demanda populacional e manter a qualidade do ambiente. Nascimento (2012) argumenta que o limite dos recursos naturais é superado pela adoção de inovações tecnológicas em razão das pressões e mudanças do mercado, surgindo alternativas econômicas social e tecnologicamente mais viáveis. É importante comentar que há uma tendência à restrição do acesso à exportação para países desenvolvidos, devido ao padrão de consumo e produção com políticas ambientais mais rígidas, exigindo adequação das normas técnicas e legislação ambiental nos países em desenvolvimento (QUEIROZ, 2005). Portanto, as preocupações com a crise ambiental e os fatores que a direcionaram devem ser supridos o mais rápido possível para continuarmos a prosperar em todos os setores da sociedade.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS É evidente a existência de fatores históricos prejudiciais para a formação de nossa participação polí-

tica e da consciência ambiental que são marcados por uma política corrompida, voltada para os mais ricos, um sistema administrativo público carente de pessoas treinadas para tornar o serviço efetivo e um sistema judiciário burocrático com processos demorados, que justificam a desmotivação do cidadão em participar da promoção de políticas públicas. Esse sentimento é agravado pela cultura atualmente disseminada, em que as pessoas acreditam na obtenção do bem-estar pelo acúmulo de bens materiais e lucros e são direcionadas a um pensamento totalmente individualista, tornando ínfimo o interesse do cidadão em entender e usar auxílio jurídico em prol dos bens supraindividuais e da preservação ambiental. As amarras históricas e a visão individualista devem ser vencidas para ser possível aproximar a população de um modelo político mais participativo. As informações referentes às determinações proferidas nos meios executivo, legislativo e judiciário não só devem estar disponíveis, mas, também, os mecanismos para a população melhor entender e questionar essas determinações devem ficar claramente expostos em meios de comunicação e inseridos no processo de educação do indivíduo. Essa disseminação das informações pode ser a peça que está faltando para impulsionar um desenvolvimento social, com cidadãos mais crentes em seu sistema político e na democracia igualitária, valorizando sua cultura e buscando inovações tecnológicas. O passo inicial é sanar os problemas relativos à falta de informação da população, pois ao mesmo tempo em que existem ferramentas para incentivar o cidadão a exercer seu direito político de ser um participante ativo nas decisões governamentais e muitas razões para ele se preocupar com a preservação da natureza, ainda são instrumentos pouco eficazes e que não atingiram uma parcela significativa da população. A participação popular e sua busca por informações trará ações visando à preservação ambiental, pois a ignorância é um campo fértil para degradação ambiental, e essas ações irão refletir na qualidade de vida do ser humano, que está claramente ligada às sadias condições do meio ambiente. Devemos buscar não apenas o uso dos métodos de participação e prevenção que nos são concedidos, mas, também, a adaptação dos novos meios para as nossas necessidades atuais. O conhecimento básico jurídico pode ajudar disseminando benefícios individuais e coletivos, atuando, principalmente, no desenvolvimento social. O encadeamento de fatos ocorre a

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partir da aquisição de conhecimento. Gradativamente, haverá necessidade de se buscar mais informações, participar nas decisões da política e da economia local, valorizando o bem-estar de todos, inclusive do meio ambiente, funcionando como um movimento social orquestrado pela população.

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A Conscientização Ambiental e Seus Obstáculos no Âmbito Social e Jurídico

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A Presença do Intérprete de Libras e do Estudante Surdo na Educação Básica: Implicações para Ensinar e Aprender Geografia no Município de Recife The Presence of the Interpreter of Brazilian Sign Language (Libras) and of the Deaf Student in Basic Education: Implications for Teaching and Learning Geography at Recife City SILVA, Helton Roger da1 SCHUBERT, Silvana Elisa de Morais2

RESUMO Este trabalho tem o objetivo de analisar a dinâmica do tradutor e intérprete de Libras (língua brasileira de sinais) na interação com o professor e com alunos surdos na disciplina de Geografia na educação básica da capital pernambucana, para melhor compreender como se dá a interação didático-pedagógica entre surdos, ouvintes, professor e o intérprete em sala de aula, e como está sendo passado o conhecimento geográfico para esses alunos. Vários pontos foram observados nesta pesquisa para melhor responder à problemática quanto às dificuldades que tanto intérprete quanto os alunos surdos têm em Geografia no momento de interpretar e absorver os conteúdos, construindo os conceitos geográficos que requerem conhecimentos específicos. Cabe ressaltar que as observações feitas identificaram a necessidade de o professor interagir ativamente com o profissional de interpretação antecipando planejamentos das aulas e fazendo uso de estratégias como mapas, maquetes, aulas de campo, entre outros recursos, para melhor compreensão dos conteúdos da disciplina pelos estudantes surdos. A oferta de profissionais para esse trabalho é escassa e geralmente o professor não tem conhecimento da língua natural dos surdos para fazer a verificação do conhecimento em Libras desses estudantes que passaram pelo ensino fundamental. Verificamos que alguns contam com a inserção do intérprete educacional, outros não, por isso buscamos compreender quais os meios utilizados pelo profissional na interpretação para facilitar a comunicação com os alunos e o professor. Tal investigação ocorreu em uma escola estadual, localizada no município do Recife. Foram feitas visitas aos intérpretes da instituição, pesquisas documentais, revisões bibliográficas, pesquisas em sites, revistas, jornais e outros meios; destacamos ainda a entrevista semiestruturada e observação em salas de aula. Os resultados da pesquisa e a análise serão apresentados no corpo do texto, efetivando a importância do tema para superação de condições excludentes dos surdos na educação – neste momento, quanto à qualidade e ao acesso à disciplina de Geografia. Palavras-chave: Geografia; Libras (língua brasileira de sinais); tradutor/intérprete; estudantes surdos.

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Aluno do Curso de Pós-Graduação lato sensu em Língua Brasileira de Sinais – Libras da Faculdade Educacional da Lapa. E-mail: eu.geografo@hotmail.com.

Doutoranda em Educação (Políticas Públicas e Gestão); mestre em Educação (Universidade Tuiuti do Paraná – 2012); graduada em Pedagogia pela Universidade do Oeste Paulista (2000). Especialista em Educação Especial pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão (2001), em Educação Infantil pela Universidade Castelo Branco (2004) e em Educação Bilíngue para Surdos: Libras-Língua Portuguesa pela Faculdade Maringá (2008). Com certificação PROLIBRAS.


A Presença do Intérprete de Libras e do Estudante Surdo na Educação Básica: Implicações para Ensinar e Aprender Geografia no Município de Recife

ABSTRACT This work aims to analyze the dynamics of the translator and interpreter of Libras (Brazilian sign language) in the interaction with the teacher and with deaf students in Geography classes in the basic education of Recife, capital of Pernambuco state, to better understand how the didactic-pedagogic interaction occurs among deaf people, listeners, teacher and the interpreter in the classroom, and how geographic knowledge is being worked with these students. Several points were observed in this research to better answer the problems regarding the difficulties that both, interpreter and deaf students, present in Geography when interpreting and absorbing the contents, constructing the geographic concepts that require specific knowledge. It’s important to emphasize that the observations identified the need for the teacher to actively interact with the interpretation professional, anticipating classes preparation documents and using strategies such as maps, models, outside lessons and other resources, to improve deaf students geography contents comprehending. There is a lack of professionals for this work and most of the times the teacher is not aware of the natural language of deaf people to verify the knowledge in ‘Libras’ of those students who have been through elementary school. We verified that some have the insertion of the educational interpreter, when others do not, so we tryed to understand what were the means used by the professional in the interpretation process in order to facilitate the communication with students and the teacher. This research occurred in a state school, located at Recife city. We made visits to the institution’s interpreters, documentary researches, bibliographic reviews, collected data in websites, magazines, newspapers and other media; we also highlighted the semi-structured interview and observation in classrooms. The results and the analysis of the research will be presented in the text, emphasizing the importance of the subject to overcome excludent conditions for deaf people in education - nowadays, regarding the quality and access to Geography discipline. Keywords: Geography; Libras (Brazilian sign language); translator/interpreter; deaf students.

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1 EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL: COMPREENDENDO A CULTURA SURDA Para educar qualquer pessoa, é necessário um canal de comunicação, seja ele qual for. Os povos se educam a partir de sua língua natural, a qual a sociedade tende a dominar no processo de escolarização. A língua de sinais é o meio com que os surdos se comunicam, sendo ela sua língua natural e, portanto, sendo eles alfabetizados ou letrados nela. Segundo Quadros e Karnopp (2004, p. 30), entende-se por língua natural [...] uma realização específica da faculdade de linguagem que se dicotomiza em um sistema abstrato de regras finitas, as quais permitem a produção de um número ilimitado de frases. Além disso, a utilização efetiva desse sistema, com fim social, permite a comunicação entre os seus usuários.

Isso deveria ser comum no ensino dos surdos, da mesma forma que é comum os ouvintes se educarem por línguas orais, mas para conseguir o direito de ser educado em sua língua natural a comunidade surda precisou vencer inúmeras barreiras, das quais as políticas são parte, a fim de se libertar do domínio ouvintista que, segundo Skliar (1998, p. 15), “é um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte”, com exceção daqueles que optavam pela cultura ouvinte e desenvolviam habilidades de falar e ler lábios, com receio de serem referidos como “anormais”. A população surda, por longo período histórico, teve o direito de se comunicar socialmente restrito à língua oral dominante nas sociedades, sendo proibidos de se expressar por meio de sinais. Para Quadros e Karnopp (2004), “os seres humanos podem utilizar uma língua de acordo com a modalidade de percepção e produção desta: modalidade oral-auditiva (português, francês, inglês, etc.) ou modalidade visuoespacial (língua de sinais brasileira, língua de sinais americana, língua de sinais francesa, etc.)”.

a falar, para comprovar a proximidade com a norma, e aqueles que se mostravam capazes de se expressar pela oralidade teriam potencial para viver harmoniosamente em sociedade. Por conta disso, Lane (1992, p. 479) destaca que “Houve um tempo em que o sujeito surdo era tratado como um ser ‘doente’ ou ‘anormal’ e ‘defeituoso’”. Esse falso discurso de que o surdo deveria ser igual aos ouvintes trouxe implicações que seriam discutidas intensamente após o século XV – mais ainda no século XVIII, com a notoriedade que alguns surdos ganharam por se destacarem em atividades até então feitas exclusivamente por pessoas ouvintes. É nesse contexto que as discussões entre os que pregavam a oralidade para o melhor desenvolvimento do sujeito surdo (com o discurso centrado nos anseios clínicos) e os que defendiam o uso dos sinais (com a comunidade surda se desenvolvendo e produzindo cultura através de sua língua natural) tomam maior ênfase sem encontrar sucesso no ensino. A partir da imposição oralista, o uso da língua de sinais começou a ganhar espaço em instituições de ensino pelos diferentes países do mundo. Em 1855, chegou ao Brasil, com o respaldo do imperador Dom Pedro II, o professor surdo Eduard Huet, vindo da França, com vasta experiência em educação de surdos em seu país. Logo em seguida, foi fundada na cidade do Rio de Janeiro o Imperial Instituto de Surdos-mudos, que, com o passar dos anos, viria a se chamar Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES, 2016). Após anos de luta, a questão da inclusão social dos surdos começa a ganhar força nos últimos anos do século XX e início do século XXI. Discutida por governos de todo o mundo, os defensores de uma educação para os surdos voltada para o social tiveram uma grande decepção quando no congresso de Milão, em 1880, ficou decidido que a perspectiva educacional voltada à concepção clínica e, portanto, normalizadora seria o melhor para o ensino, ficando estabelecido que o oralismo ou a perspectiva oralista de cunho clínico deveria ser o meio de instruir e ensinar os surdos:

Ser surdo sinalizador, até aproximadamente o século XV, era ser equivalente aos animais, significando a falta de domínio de uma língua (aceita socialmente). Estes eram considerados incapazes de se comunicar e de produzir cultura para as outras gerações. Havia a crença social de que o sujeito surdo deveria aprender 74

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Em 6 até 11 de setembro de 1880, houve um congresso internacional de educadores surdos em cidade de Milão na Itália. Neste congresso, foi feita uma votação proibindo oficialmente a língua dos sinais na educação de surdos. Este congresso foi organizado, patrocinado


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e conduzido por muitos especialistas ouvintistas, todos defensores do oralismo puro. Do total de 164 delegados, 56 eram oralistas franceses e 66 eram oralistas italianos; assim, havia 74% de oralistas da França e da Itália. Alexander Grahan Bell teve grande influência neste congresso (STROBEL, 2009, p. 33).

2002 (BRASIL, 2002), é a língua brasileira de sinais (Libras).

Um dos argumentos para a proibição dos sinais era que muitos surdos tinham preguiça para falar, o que, após o congresso, seria obrigatório, o que faria com que se desenvolvessem oralmente. Essa tese teve respaldo, pois clinicamente é reconhecido que o surdo não tem nenhum problema no seu aparelho fonador, portanto poderia se comunicar oralmente.

Com a oficialização da Lei 10.436/2002, o poder público precisa melhorar o modo de compreender e agir em relação aos surdos, além de se responsabilizar pelas adaptações às novas exigências, a fim de assegurar os direitos dos sujeitos surdos. As lutas da comunidade surda fizeram com que sua língua natural ganhasse legitimidade perante os setores da sociedade. Ao contrário do que muitos imaginam quando observam pessoas utilizando as mãos para se comunicar, as línguas de sinais não são simplesmente mímicas e gestos soltos utilizados pelos surdos para facilitar a comunicação. Quadros e Karnopp (2004, p. 48) destacam que

Sem dúvidas, essa decisão foi um retrocesso na educação dos surdos, visto que o ensino dos sinais já começava a despontar pelo mundo. Entretanto, sabendo da importância de educar por meio do canal gestual-visual, muitos cientistas não se acuaram e continuaram a desenvolver as línguas de sinais. No início do século XXI, no Brasil a comunidade surda vê e vivencia a língua brasileira de sinais (Libras) oficializada como a segunda língua do país. Esse feito vem para fortalecer a cultura surda e o reconhecimento dos surdos frente à sociedade ouvinte, que, por não compreender o seu modo de comunicação como produto social da humanidade, acabam sendo preconceituosos com os usuários da Libras, efeito gerado pelo desconhecimento e naturalização da dicotomia normal/anormal. Em geral, a sociedade ainda não conhece os sinais usados para se comunicar com os surdos usuários da Libras, nem reconhece um todo cultural dos sujeitos, pois continua a associá-los com a deficiência, em consequência de uma incapacidade ideológica em todo tipo de espaço, seja na escola, no hospital, nos bancos, etc., lugares em que os serviços ofertados não acompanhavam a necessidade dos surdos.

2 LIBRAS – LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS A segunda língua oficial do Brasil, segundo a implementação da Lei 10.4363, de 24 de abril de 3 “Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora,

Há muito tempo, ser surdo tem sido compreendido como sinônimo de dificuldades ou mesmo incapacidade no processo de ensino-aprendizagem e, com isso, a participação da pessoa surda na vida pública tem sido prejudicada, porque, na maioria dos casos, a sua comunicação se dá por meio da língua de sinais.

As línguas de sinais, conforme um considerável número de pesquisas, contém os mesmos princípios subjacentes de construção que línguas orais, no sentido de que tem um léxico, isto é, um conjunto de símbolos convencionais, e uma gramática, isto é, um sistema de regras que regem o uso desses símbolos.

A língua de sinais tem sua própria estrutura gramatical, não sendo mera arbitrariedade e iconicidade. Mesmo que em muitos contextos pareça expressar gestos compreensíveis a todos, ela se apresenta como uma língua gramaticalmente completa e complexa. Portanto, em comparação ao léxico da língua portuguesa, a Libras não deixa de responder aos domínios necessários para ser considerada língua (em todos os aspectos). Por esse motivo, Schubert (2015) destaca que, apesar de tardiamente (se relacionada aos países nórdicos e ao próprio uso da língua no país), houve respaldo e necessidade de a Libras ser oficializada como segunda língua dos brasileiros, sendo uma vitória da comunidade surda, que há tempos buscava o reconhecimento linguístico e cultural. Quadros (1997, p. 47) afirma que as línguas de sinais são línguas que não derivaram das línguas orais, mas fluíram de uma necessidade natural da comunicacom estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.”

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ção entre pessoas que não utilizam o canal auditivo-oral, mas o canal espaço-visual. A Libras obedece a combinação de cinco parâmetros, os quais são destacados por Quadros e Karnopp (2004, p. 49): A Configuração de Mãos (CM), Localização ou Ponto de Articulação (PA), Movimento (M), são esses os pares mínimos, equivalente aos fonemas da língua oral. A orientação e Direcionalidade (Or) e Expressões não-manuais (ENM), posteriormente após estudos são incorporados na gramática na língua de comunicação dos surdos no Brasil.

Em 2005, outra conquista foi o Decreto 5.6264, de 22 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005), que regulamentou a já conhecida lei de Libras de 2002. O decreto trouxe benefícios para a população surda, entre eles vale destacar a inclusão da disciplina de Libras como obrigatória para a formação de professor e fonoaudiólogo, a inserção do intérprete e instrutor de Libras nos diferentes espaços, bem como a difusão da língua de sinais oficializada como a segunda língua do país. A barreira comunicacional, um dos principais problemas no cotidiano dos surdos, começa a ser vencida. O olhar clínico começa a ser superado pela compreensão social, respeitando as relações sociais do ser surdo. Quando relacionado à educação, as políticas públicas devem ser encaradas com seriedade e respeitadas por toda a sociedade. Por uma educação de qualidade, a Constituição Federal (1988) e a LDB (1996) destacam que não é apenas o acesso que se busca, mas a permanência e o sucesso escolar, sem desqualificar a educação em qualquer nível ou etapa, e para qualquer pessoa, com deficiência ou não. Uma instituição para surdos precisa considerar as especificidades dos estudantes desde seu projeto político pedagógico, sociolinguisticamente justificado, o qual precisa ter como eixo fundamental, a constituição da identidade de surdo pela consideração com sua língua e cultura (SÁ, 2010, p. 316). Nesse sentido, os surdos ainda lutam para efetivação da educação bilíngue, que traz consigo a proposta do ensino da lín-

gua de sinais como primeira língua (L1) e a Língua Portuguesa como segunda língua (L2). Isso significa que, desde os primeiros anos, a criança surda deve ser escolarizada em sua língua materna, pois, ao longo de sua vida, conseguirá se emancipar quanto à aprendizagem e seguir os mesmos preceitos da educação dos ouvintes, no que tange ao desenvolvimento para a vida. Em relação à perspectiva bilíngue de educação Quadros (1997, p. 27) afirma que O bilinguismo é uma proposta de ensino usada por escolas que se propõem a tornar acessível à criança duas línguas no contexto escolar. Os estudos têm apontado para essa proposta como sendo a mais adequada para o ensino de crianças surdas, tendo em vista que considera a língua de sinais como língua natural e parte desse pressuposto para o ensino da língua escrita. Torna-se fundamental o contato da criança com a língua de sinais, pois muitas vezes são filhos de pais ouvintes e que não conhecem a língua natural da comunidade surda. Por isso, é imprescindível uma educação de qualidade, respeitando as pluralidades do bilinguismo e seu contexto social, superando o oralismo e a visão clínica, para que na vida adulta o surdo seja autônomo e consciente dos seus direitos e deveres perante a sociedade. A educação deve trabalhar com as diferentes disciplinas no processo de ensino-aprendizagem a fim de desenvolver a autonomia nos sujeitos. Nesse processo, este artigo atribui especial atenção à disciplina de Geografia em sala de aula comum e a relação dessa disciplina com os estudantes surdos, tendo esses a presença do tradutor/intérprete de Libras, facilitando a comunicação com os demais alunos ouvintes e o professor. A ciência geográfica tem como base de estudo as relações entre o ser humano e a natureza e atua como ferramenta na construção de saberes, tornando possível a compreensão do mundo do ponto de vista espacial e visual, facilitando o seu ensino para os alunos surdos. De acordo com Cavalcanti (2002, p. 11),

4 “Art. 1 Este Decreto regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Art. 2º Para fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras.” 76

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O pensar geográfico contribui para a contextualização do próprio aluno como cidadão do mundo, ao contextualizar espacialmente os fenômenos ao conhecer o mundo em que vive, desde a escala local à regional, nacional e mundial. O conhecimento geográfico é, pois, indispensável à formação de indivíduos participantes da vida social à medida que propicia o entendi-


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mento do espaço geográfico e do papel desse espaço nas práticas sociais.

Mesmo tendo na Geografia o uso de mapas, fotos, maquetes, figuras, aula campo, etc. (estratégias de ensino que facilitam o entendimento do aluno surdo), é imprescindível a comunicação do professor da disciplina com o intérprete de Libras, para que ele seja melhor compreendido pelos alunos. Nesse contexto, é importante ter uma escola com estrutura adequada para atender à demanda desses educandos. A língua de sinais ainda está em processo de aceitação por ser oficialmente nova para a sociedade. Seu vocabulário por vezes está sendo organizado por meio de múltiplos sinais e combinados para conceitos acadêmicos (sinais que ainda não se fixaram), dificultando o processo de ensino-aprendizagem dos alunos surdos, principalmente na nuança do ensino de Geografia Física. A fim de melhorar as práticas pedagógicas, é importante o desenvolvimento de materiais com sinais específicos de Geografia de uso nacional comum para aprimorar a compreensão e/ou apropriação do conhecimento que se aplica em sala de aula regular, com alunos ouvintes e surdos com suas diferenças.

sendo coordenado pela Universidade Federal de Santa Catarina, como destaca Lacerda (2010). A participação desse profissional é essencial na integração e valorização de pessoas surdas. Segundo Quadros (1997), o aprendizado não vem apenas de um curso de Libras, mas principalmente do contato diário com os surdos e sua comunidade, conhecendo a cultura que os envolve, as leis que asseguram seus direitos, bem como, direitos e deveres de uma profissão. Devido à sua importância na sociedade atual, com conquistas de direitos dos surdos já citados neste trabalho, a Lei 12.3195, de 1º de setembro de 2010, regulamenta a profissão do tradutor e intérprete de Libras no Brasil. A grande contribuição dessa lei remete principalmente à educação dos surdos, pois a federação, os estados e os municípios estão comprometidos com as necessidades da comunidade surda em repartições públicas, e a figura do intérprete e tradutor de Libras se situa no centro dessas necessidades de comunicação com o público ouvinte. Lacerda (2010, p. 21) destaca que O trabalho de interpretação não pode ser visto, apenas, como um trabalho linguístico. É necessário que se considere a esfera cultural e social na qual o discurso está sendo enunciado, sendo, portanto, fundamental, mais do que conhecer a língua, conhecer o funcionamento da mesma, dos diferentes usos da linguagem nas diferentes esferas de atividade humana. Interpretar envolve conhecimento de mundo, que mobilizado pela cadeia enunciativa, contribui para a compreensão do que foi dito e em como dizer na língua alvo; saber perceber os sentidos (múltiplos) expressos nos discursos.

Segundo o dicionário Aurélio, intérprete é a pessoa que serve de intermediário para fazer compreender indivíduos que falam diferentes idiomas. O profissional intérprete da Libras e qualquer outro intérprete, precisa ter o domínio dos sinais e principalmente da língua falada em seu país – no caso, a Língua Portuguesa –, pois há diversas situações nas quais são necessárias as duas. Schubert (2015) afirma que, principalmente nas salas de aula de ensino inclusivo, o trabalho realizado pelos intérpretes educacionais pode ser entendido como mediação de mediações. A presença desse profissional no Brasil ainda é muito recente e, como destaca Lacerda (2010), devido à falta de formação específica até a década de 80 do século XX, os profissionais da área atuavam de modo informal, sendo as igrejas as principais formadoras de intérpretes e tradutores. No Brasil, só no século XXI que teve início a qualificação de pessoas para trabalhar nessa área, e com número reduzido de cursos. Em 2006, teve início o primeiro curso de graduação de bacharel em tradutor/intérprete de Libras-Português, oferecido por universidades públicas na modalidade a distância (EAD) com vários polos pelo Brasil,

Assim, a atuação do tradutor e intérprete vai além da simples interpretação ou conhecimento de determinado assunto que será traduzido, mas é preciso estar atento à cultura, à época, ao local, aos costumes, pois uma tradução de textos do século passado pode ganhar outro significado na atualidade. O fato de haver escassez deste profissional faz com que muitas traduções e interpretações não alcancem o 5 “Art. 1o Esta Lei regulamenta o exercício da profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais – Libras. Art. 2o O tradutor e intérprete terá competência para realizar interpretação das 2 (duas) línguas de maneira simultânea ou consecutiva e proficiência em tradução e interpretação da Libras e da Língua Portuguesa.”

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objetivo desejado. Esse fenômeno acontece porque a área de atuação se ampliou e muitos profissionais acabam se comprometendo a interpretar e/ou traduzir em áreas que não fazem parte das vivências nem do conhecimento formativo do Intérprete de Língua de Sinais (ILS). Por muitas vezes, esse profissional tem sua atividade questionadas quanto a sua função e atribuições, principalmente em sala de aula, pois grande parte dos atores sociais ainda não o reconhece dentro das escolas e confunde sua atuação com o de auxílio pedagógico direto do professor (apoio de sala para tudo e todos), cobrando-lhe muitas vezes que exerça a função de professor auxiliar, trazendo confusão para os demais alunos e perdas significativas para o aluno surdo. Em relação a isso Schubert (2015, p. 44) comenta: Assim o profissional mesmo sendo amparado legalmente, poderá despertar múltiplos sentidos e significados ao desempenhar seu papel no ambiente educacional, cabe compreender como isto se dá na realidade deste ambiente, como os surdos recebem e a que atribuem a presença e atuação do profissional, por quais vias tem compreendido e significado o intérprete ou os intérpretes que para eles e com eles desenvolvem o trabalho educacional.

O intérprete como mais um elemento em sala de aula é motivo de vários estudos para compreender melhor sua participação no cotidiano educacional, e se torna essencial na construção do conhecimento dos alunos que utilizam o canal gestual-visual. Aqueles que ainda não se apropriaram de sua língua materna vão requerer um trabalho ainda mais árduo do intérprete, trazendo consigo mais significado ao seu trabalho.

Art. 2o Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras. Parágrafo único. Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500 Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz e 3.000 Hz (BRASIL, 2005).

O Decreto deixa claro que o termo vai além de um conceito forjado socialmente, mas apresenta uma construção do surdo e mesmo do deficiente auditivo como sujeito histórico-social. Ser surdo não e só viver sem a audição, é também compartilhar heranças históricas e culturais de uma comunidade que há muito tempo vem lutando para ter seus direitos reconhecidos perante uma sociedade em que a maior parte das pessoas tem a audição como primordial e, portanto, deseja a qualquer custo impor sua cultura como única e normalizante; enquanto os surdos lutam para apresentar a cultura (surda) mesmo que em construção do próprio valor. Para Strobel (2008, p. 23), Para essa comunidade ouvinte, o nascimento de uma criança surda é uma catástrofe porque estão acostumados com o padrão “normalizador” para integrar a vida social e também desconhecem o “mundo dos surdos”. Por outro lado, na maioria das vezes, o povo surdo acolhe o nascimento de cada criança surda como uma dádiva preciosa e não agem como os pais ouvintes que sofrem exageradamente o desapontamento inicial de gerarem seus filhos surdos, isto é evidenciado nas várias gerações de famílias com todos os membros surdos.

Muitos pesquisadores sustentam a ideia que o ser surdo é aquele que já nasceu com perda auditiva, sendo assim nunca ouviu o som e, portanto, não é deficiente, pois nunca perdeu algo que não teve, e essa visão está intrínseca na história e na cultura da comunidade surda. Já o deficiente auditivo é compreendido como aquele que partilha os mesmos costumes do ouvinte, que perdeu a audição devido a determinados problemas, como doença, acidente, etc., ou aquele que não se aceita como surdo, negando a língua de sinais, a cultura e a identidade, assume-se (ele mesmo) como deficiente; o que está previsto no Decreto 5.626/2005:

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Infelizmente, em ambiente educacional, o modelo atualmente adotado pelas escolas não favorece a plena efetivação do conhecimento didático-pedagógico dessa comunidade. Mesmo tendo seus direitos garantidos em forma de lei, o surdo está muito longe de alcançar uma educação de qualidade.

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A estrutura escolar é organizada para alunos ouvintes, e a falsa ilusão de inclusão apenas por meio da inserção do intérprete em sala de aula ainda predomina nos ambientes escolares. Há muitas conquistas já evidenciadas pela comunidade surda, entretanto ainda há muito que garantir, principalmente quanto ao direito a um ensino bilíngue, como destacado no Decreto 5.626/2005 e na Lei 13.005/2014, ou na Lei 13.146/2015, que trata da educação especial. O ensino bilíngue deve ser realidade nas escolas, assim como a Libras na forma de disciplina curricular para que a inclusão se efetive. Ao abordar as questões referentes à geografia e à inclusão de surdos, precisamos ter clareza da importância do intérprete de Libras para a efetivação das relações de ensino-aprendizagem na escola. Ao tratar da disciplina de geografia e do ensino inclusivo para surdos6, é preciso considerar especificidades entre os recursos de acessibilidade para além da presença do intérprete educacional, como abordaremos a seguir.

3 A GEOGRAFIA, O INTÉRPRETE E A INCLUSÃO DO SURDO Para o trabalho com a geografia, é necessário que intérprete e professor estejam em constante interação. O professor precisa ser o principal mediador entre o estudante e o conhecimento, como destaca Schubert e Coelho (2011), Lins, Schubert e Coelho (2013) Schubert (2013) e Schubert et al. (2015), e professor e intérprete devem ser colaboradores ao tratar da educação de surdos recursos e possibilidades de ensino-aprendizagem na educação inclusiva. O professor deve firmar com o tradutor intérprete de língua de sinais (TILS) uma cumplicidade, compreendendo que este é o mediador das mediações que o professor faz em sala de aula, fator destacado por Schubert (2015). Na disciplina de geografia, o professor não pode e nem deve trabalhar de mãos vazias, sendo essa uma disciplina que exige apontamentos quanto a espaços, lugares, territórios, viagens reais ou imaginárias pelo desconhecido – locais que muitos dos estudantes e por vezes o próprio professor nunca viram realmente. Portanto, o professor não pode abrir mão do uso de 6 Para compreender melhor as questões referentes a disciplinas específicas,

o intérprete e a aquisição de conhecimentos pelos surdos, sugerimos a leitura de Schubert e Coelho (2011), Lins, Schubert e Coelho (2013) e Schubert et al. (2015).

mapas, gravuras, apresentação de slides, a fim de esclarecer os conteúdos e favorecer a ação efetiva do intérprete educacional (IE). Para que intérprete e professor construam a cumplicidade, o conteúdo a ser trabalhado deve ser passado com antecipação para o IE, para que ele signifique primeiro para si mesmo o que será trabalhado; que possa tirar suas dúvidas com o professor e, por meio de leituras e pesquisas, buscar sinais novos (ou não), para que o trabalho seja eficaz e haja ensino-aprendizagem e apropriação do conhecimento.

4 COLETA E ANÁLISE DE DADOS A seguir, apresentaremos os resultados da pesquisa com os intérpretes educacionais na instituição e a análise dos dados. Para a coleta de dados, realizamos visita em uma instituição pública, a qual conta com 12 estudantes surdos da educação básica e, para atendê-los como apoio especializado, 5 intérpretes de Libras. A entrevista foi semiestruturada, subsequente a uma observação da instituição em geral e do desenvolvimento das aulas de geografia na busca por responder à problemática do artigo sobre a presença do intérprete de Libras na educação básica e as implicações presentes no ensinar e aprender Geografia para os estudantes surdos. A pesquisa se fez necessária e proveitosa, esclarecendo questionamentos levantados no corrente trabalho. A inclusão real ainda não é efetiva, pois a escola ainda não apresenta estrutura para receber os alunos com necessidades, seja na questão arquitetônica, cultural ou linguística, e esse fator se faz impeditivo de aprendizagem para muitos estudantes com necessidades especiais. Destacamos esse fato porque, conforme destaca Schubert et al. (2015) e Schubert e Coelho (2011), para o surdo, a maior barreira é a linguística, muito difícil de ser superada sem empenho social, mas também há adaptações necessárias ao ambiente, como sinais luminosos, uso de recursos visuais, entre outros. Schubert et al. (2015) destaca também que as instituições ainda contam com um recurso entendido como um dos mais avançados no século XVIII, o intérprete de Libras. Concordamos com Schubert (2015) e Schubert et al. (2015) quando encontramos na instituição o intérprete como a única figura de acessibilidade

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para o surdo. Ao conversar com os trabalhadores presentes na instituição, identificamos que nenhum outro funcionário da escola conhece a Libras, nem mesmo para estabelecer um contato emergencial, o que entendemos como primordial para facilitar o ambiente inclusivo. Esse contato é amenizado por parte dos alunos ouvintes mais próximos aos surdos, que conhecem insuficientemente a língua de sinais e, como destacam, arriscam-se um pouco, mas nem sempre são entendidos e nem sempre entendem o que o colega de sala diz, uma grave denúncia quando entendemos que a escola tem a finalidade de transmitir o conhecimento historicamente elaborado e acumulado pela humanidade em sua máxima expressão. Essa interação insuficiente e deficiente é que vem “auxiliando” a comunicação com os outros atores educacionais no ambiente escolar. Nas salas de aula, não há disponibilidade do uso constante de tecnologias, como apresentações de slides, mapas e figuras, elementos que tendem a favorecer as aulas de Geografia para melhor compreensão dos alunos. Ao contrário, os professores destacam que, quando podem, trazem algum material visual, mas há dificuldades de ordem geral, maiores que o uso de recursos visuais e tecnologias. Então, questionamos: se para o surdo o Decreto 5.626/2005 considera que os usos de recursos visuais são essenciais, em respeito à sua essência, como pode ele estar inserido num lugar onde a finalidade é ensinar, mas não lhe oferecem as condições primárias para sua singularidade? Segundo o Decreto:

tudo em PowerPoint, o intérprete está ali e facilita a acessibilidade para todos”. Esclarecemos, portanto, que, embora o intérprete seja um acesso – e isso é inegável –, o principal responsável pelo ensino-aprendizagem e mesmo pela organização de recursos e estratégia que beneficiem o processo é o professor. Como já afirmado, o intérprete é, segundo Schubert (2015), o mediador das mediações que o professor faz. Ao considerar os intérpretes, esses destacam que a presença de um terceiro elemento em sala de aula ainda causa estranhamento. O próprio professor restringe a interação em sala de aula, não direcionando suas perguntas e comunicação diretamente com seu aluno. É comum entre os intérpretes entrevistados destacar situações em que passam a ser compreendidos como os responsáveis pelos surdos. Esse tipo de situação, segundo os tradutores intérpretes de Libras, não tende a melhorar a qualidade do que está se passando para o estudante surdo, pois o professor precisa ensinar aprendendo, ou seja, deve estabelecer interações diretas com o estudante surdo, compreendendo que nem todo intérprete tem formação pedagógica. Na instituição aberta à pesquisa, há, como já afirmado, cinco intérpretes, que se revezam em todas as disciplinas. Eles destacam o que já foi observado, que não são utilizados nas disciplinas, entre elas a Geografia, qualquer tipo de recursos visuais, o que, segundo os profissionais, dificulta a aprendizagem dos alunos, a qualidade da aula e da própria interpretação, pois se torna cada vez mais abstrata.

Art. 2o Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras (BRASIL, 2005).

Para os intérpretes, apesar das dificuldades encontradas nos recursos e acessibilidade durante as aulas, o trabalho que fazem é realizador e gratificante. Entendem que, por meio desse trabalho de interpretar, proporcionam e produzem ensino, conhecimento e auxiliam na constituição da cidadania e autonomia dos surdos, pois, com seu auxílio, os surdos podem questionar, participar das aulas e reivindicar seus direitos (ainda que muitas vezes esses não sejam atendidos).

Os professores de geografia têm muitas dificuldades para desenvolver seu trabalho, seja por questões estruturais ou de tempo na organização de materiais. Consideramos que o fato de maior dificuldade está no desconhecimento das características gerais e específicas do estudante surdo, pois é comum e identificável nos discursos a compreensão de que o intérprete é o acesso e no restante, tudo é igual. Como dito comumente pelos professores da disciplina: “Não há como fazer

Os intérpretes da instituição destacam que contam com apoio e reconhecimento da gestão escolar, que compreende sua importância no processo inclusivo. Mesmo a escola tendo dificuldades em prover tecnologias e recursos materiais, a gestão busca meios para superá-las, pois tem trabalhado com recursos provindos da comunidade, já que os governamentais são escassos e insuficientes, mas entende que ainda é possível melhorar o ensino, como também a participação

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A Presença do Intérprete de Libras e do Estudante Surdo na Educação Básica: Implicações para Ensinar e Aprender Geografia no Município de Recife

no plano de aula para auxiliar os professores a superar as defasagens de organização, materiais e formação. Por meio de investigação, observação e entrevistas, podemos compreender as dificuldades no processo de ensino-aprendizagem da Geografia, os quais refletem no ensino-aprendizagem de outras disciplinas. Ainda destacamos a questão de que o intérprete não pode ser compreendido como o professor, mediador ou responsável pelos estudantes surdos, pois seu objetivo primeiro e a finalidade de seu trabalho está em facilitar as relações e interações do professor, estudantes e comunidade escolar com o estudante surdo e vice-versa, por meio da língua.

5 CONSIDERAÇÕES SEM INTENÇÃO DE FINALIZAR A partir da pesquisa realizada, compreendemos que há dificuldades quanto aos conhecimentos específicos da área, ou da disciplina de geografia, mas não só isso, pois as condições e instrumentos de trabalho estão precarizados, seja pela falta de recursos financeiros, subsídios, tempo de organização ou de informação, seja pela ausência de formação do todo institucional. Quanto aos recursos, as verbas precisam ser melhor administradas. As verbas governamentais não subsidiam as instituições em suas necessidades – até mesmo para compras de materiais simples as instituições precisam angariar fins por seus próprios meios; essa é a primeira dificuldade em termos gerais. Quanto às dificuldades específicas, há necessidade de formação para os professores e de informações específicas quanto ao tipo de inclusão e de estudantes inclusos que recebem. A interação entre estudante e professor precisa ser ativa e efetiva, este precisa estar seguro para interagir e mediar diretamente com o estudante que recebe. Outra questão a considerar para que o ensino seja profícuo está na relação entre o professor que ministra as aulas e o intérprete, cujas interações precisam esclarecer a ambos a organização do planejamento, entendendo que o professor precisa fazer trocas com o intérprete e antecipar seus planejamentos, o conteúdo que será trabalhado nas aulas, além de lançar mão de estratégias e recursos materiais que favoreçam o processo de ensino-aprendizagem. O intérprete educacional deve favorecer as interações (in)diretas entre professor e estudante, sabendo

que sua atuação não é neutra, nem invisível, portanto deve estar preparado para as instabilidades na sala de aula. Entre as atribuições que lhe cabem estão: 22 estudo da Libras; 22 organização antecipada de conceitos e, com isso, sinais específicos relacionados ao trabalho em sala; 22 busca por sinais já oficializados pela comunidade surda com reconhecimento cultural e acadêmico; 22 conhecimento prévio do conteúdo, que nem sempre é de conhecimento formativo do intérprete. Esclarecemos que não há isentos no processo de ensino-aprendizagem, pois, ao tratar de educação, não há polos neutros, todos são de algum modo responsabilizados em algum nível. Assim, o intérprete educacional deve deixar o professor a par das necessidades dos estudantes surdos, mas sem interferir no processo com suas próprias crenças quanto ao modo de ensinar e aprender. O professor deve se organizar para atender a essência visual dos sujeitos. Para tanto, cabe a formação continuada e que o professor esteja aberto para aprender como se ensina, mesmo quando aparentemente tem domínio da situação, dos métodos, dos meios e fins para ensinar. A inclusão de qualquer tipo de necessidade educacional especial tende a mexer com as estruturas do professor, do estudante e da comunidade escolar em geral. Portanto, a cada inserção por meio da inclusão, abre-se um novo espaço de formação (contínua) e um novo aprendizado para aquele que se dedicava a ensinar como ponto de partida. Compreendemos com Álvaro Vieira Pinto (2000, p. 49) que: “O homem que adquire o saber passa a ver o mundo e a si mesmo deste outro ponto de vista. Se torna um elemento transformador de seu mundo. Esta é a finalidade da educação”. Portanto, nosso intento é que este trabalho de pesquisa venha auxiliar na superação das relações que se estabeleceram e produzir novas relações de ensino que reflitam em aprendizagem e mais ensino-aprendizagem, na medida em que as pessoas tomem consciência de quem são os envolvidos no processo, suas certezas, dúvidas e necessidades no processo formativo, para construir uma educação realmente igualitária, de acesso, permanência e qualidade para todos.

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A Presença do Intérprete de Libras e do Estudante Surdo na Educação Básica: Implicações para Ensinar e Aprender Geografia no Município de Recife

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A Importância da Formação Pedagógica do Educador no Âmbito do Ensino Superior The Importance of Educator’s Pedagogical Formation in Higher Education SIMÕES, Alan de Macedo 1 BOLFE, Juliana Simões2

RESUMO A presente pesquisa pretende analisar a importância da formação pedagógica do educador no âmbito do ensino superior. Dessa maneira, avaliam-se as possíveis vantagens de um docente com formação pedagógica e a consequente influência no processo de ensino-aprendizagem. Utilizou-se como método a pesquisa bibliográfica, pois se adéqua à proposta de analisar um conjunto de dados referentes a trabalhos e experiências realizados em contextos educacionais, em que o preparo pedagógico do docente influenciou na chegada de relevantes resultados na formação dos alunos. Objetiva-se, assim, abordar os elementos constantes no processo de formação pedagógica, demonstrar as possibilidades de aplicação dos saberes pedagógicos no processo de ensino-aprendizagem, elencar os desafios e contribuições da formação pedagógica do docente para o ensino superior e argumentar sobre a compatibilidade de determinadas práticas pedagógicas no âmbito do ensino superior. Acredita-se que grande parte dos problemas existentes em tal nível de ensino relaciona-se com a deficiência no processo de ensino-aprendizagem. Argumenta-se, portanto, que o docente com uma formação pedagógica adequada minimizaria as possíveis dificuldades dos alunos no processo de aquisição de conhecimento, como problemas na interação e linguagem. Palavras-chave: docência do ensino superior; pedagogia; formação pedagógica; práticas pedagógicas.

ABSTRACT This research intends to analyze the importance of the educator pedagogical formation in the scope of higher education. Therefore, possible advantages of a teacher with pedagogical training and the consequent influence in the teaching-learning process are evaluated. Bibliographic research was used as a method, since it fits the proposal to analyze a set of data referring to studies and experiences carried out in educational context, in which the pedagogical preparation of the teacher influenced the arrival of relevant results in the students’ training. The objective is to address the permanent elements of the pedagogical training process, to demonstrate the possibilities of applying pedagogical knowledge in the teaching-learning process, to highlight the challenges and contributions of teacher education for higher education and to argue about the compatibility of certain pedagogical practices in higher education. It is believed that most of the problems at this level of education are related to the deficiency in the teaching-learning process. It is therefore argued that the teacher with an adequate pedagogical training can minimize the possible difficulties of the students in the process of knowledge acquisition, such as interaction and linguistic problems. Keywords: higher education teaching; pedagogy; pedagogical training; pedagogical practices. 1 2

Pós-graduando em Docência no Ensino Superior pela Faculdade Fael. Mestre em Teologia, Graduado em Letras Português e Espanhol, Direito e Teologia.

Professora orientadora. Mestre em Educação pela UTP, Especialista em Marketing e Desenvolvimento Gerencial pela FAFI de Cornélio Procópio e Licenciada em Letras Português/Inglês e respectivas Literaturas pela mesma instituição. Orientadora e avaliadora de TCC de cursos de pós-graduação da Fael.


A Importância da Formação Pedagógica do Educador no Âmbito do Ensino Superior

1 INTRODUÇÃO A formação do docente é determinante em qualquer nível de ensino escolar. No âmbito do ensino superior, pode ser um pouco mais relevante devido ao fato de que o docente influencia na formação de um futuro profissional. Entretanto, além da formação em disciplina específica, o processo de ensino-aprendizagem cobra do docente algumas competências, como didática, interação com os alunos e linguagem adequada. Verifica-se que alguns docentes se concentram em uma especialização em área específica e negligenciam a formação pedagógica, o que acaba influenciando muito na qualidade das aulas que ministram. Geralmente, as práticas pedagógicas utilizadas pelos docentes no ensino superior baseiam-se em experiências contadas por seus colegas ou em suas memórias da época de estudante. Com o avanço da tecnologia de comunicação e informação, essas práticas tornam-se ultrapassadas. No atual contexto brasileiro, houve uma democratização do ensino superior nas últimas décadas, especialmente devido às possibilidades de ingresso nas universidades a partir do financiamento estudantil e das cotas existentes nas instituições públicas. O número de estudantes universitários aumentou vertiginosamente. Na mesma medida, também cresceu o número de professores no ensino superior (PIMENTA, 2000). Desse modo, observam-se alguns problemas, como: a baixa participação dos alunos no processo de ensino-aprendizagem e o engessamento de práticas pedagógicas por parte dos docentes (SANTOS, 2003). Argumenta-se que este último problema influencia de forma determinante o primeiro, porque práticas pedagógicas variáveis podem facilitar a interação dos alunos e, consequentemente, proporcionar maior aprendizado. O atual contexto de sala de aula exige competências diversas do docente. O conhecimento e a vivência na profissão já não são suficientes para os alunos de ensino superior atualmente. É preciso o domínio de práticas pedagógicas e interdisciplinares para se repassar um mínimo de conteúdo para os discentes (PERRENOUD, 2000). Acrescente-se, ainda, que um docente mais flexível e acessível ao aluno pode ter resultados pedagógicos eficientes. Sabe-se, no entanto, que o processo é cíclico: um aluno que teve uma formação deficiente tenderá

a repetir as mesmas práticas pedagógicas quando se tornar professor (IMBERNÓN, 2012). Essas peculiaridades na formação, as condições de trabalho e o horário curto para o repasse de conteúdos influenciam na repetição de práticas pedagógicas inadequadas e, consequentemente, na qualidade das aulas. De acordo com Santos (2016, p. 1): “não bastam os conhecimentos específicos e a experiência profissional para atender à grande demanda do ensino superior na contemporaneidade”. Desse modo, argumenta-se que os condicionantes supracitados não podem se constituir como empecilhos que limitem o docente; ao contrário, devem servir como obstáculos para serem superados na prática pedagógica no ensino superior. Baseando-se nas premissas anteriormente expostas e no advento das Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC’s), pretende-se, neste artigo, responder à seguinte indagação: a atuação do docente, no ensino superior, no processo de ensino-aprendizagem, sem uma formação pedagógica adequada é efetiva na consolidação de futuros profissionais? Objetiva-se, ainda, analisar qual a importância e a influência dessa formação na capacitação dos alunos.

2 A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS Nesta seção, pretende-se analisar os desdobramentos envolvendo a formação dos professores universitários, enfocando-se o contexto educacional brasileiro. Desse modo, avaliam-se o perfil do professor universitário e seus possíveis aspectos condicionantes, como os desafios e avanços que se encontram na trajetória do docente. Na mesma linha, destaca-se como ocorre a formação pedagógica dos docentes.

2.1 O perfil do professor universitário no contexto brasileiro A educação no Brasil, durante alguns anos, encontrava-se fundamentada em um entendimento de que a sala de aula era o único meio para o desenvolvimento dos cidadãos. No âmbito do nível superior, a frequência às aulas dava um status aos alunos que acabava legitimando esse processo. De acordo com Neuenfeldt (2015, p. 2): “as escolas baseavam-se na transmissão de conteúdos formais, através do uso de cartilhas e de práticas docentes mecânicas que repetiam o que diziam os livros”.

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Esse método, no entanto, limitava a interação dos alunos e suas possíveis contribuições no processo de ensino-aprendizagem. Isso ocorria por uma razão específica, que Neuenfeldt (2015, p. 2) destaca: “essa limitação ao envolvimento dos alunos baseava-se na concepção de que os alunos são sujeitos desprovidos de qualquer conhecimento e, portanto, não poderiam interferir no repasse de conteúdos realizado pelo docente”. Dado esse contexto, percebe-se que tudo o que ocorria dentro das instituições era supervalorizado pelos alunos e, consequentemente, desprezava-se as outras formas de aprendizagem existentes na sociedade. De acordo com Louro (1997), o ensino superior significava um espaço privilegiado, fazendo do ambiente educacional um lugar de disciplina para os alunos, os quais se tornariam os atuais docentes. Conforme dito anteriormente, os professores universitários tendiam a reproduzir as mesmas práticas pedagógicas que recebiam nas faculdades. Nesse sentido, é importante enquadrar o docente universitário dentro do contexto educacional atual. Segundo Pereira e os Anjos (2014, p. 2): “o censo da educação superior de 2011 realizado pelo INEP aponta que o número total de professores atuantes no ensino superior no Brasil somava 325.804”. Entretanto, é importante destacar que, nos dados do INEP, há um número diferente para funções docentes e funções docentes em exercício. Pereira e dos Anjos (2014, p. 2) explica: “considerando que um mesmo docente pode contabilizar mais de um vínculo institucional, foram informadas 378.257 funções docentes, sendo 357.418 em exercício”. Desse modo, conclui-se que dos 325.804 docentes registrados havia 357.418 funções docentes anotadas. Desse número de docentes supracitado, de acordo com o INEP (2011), 60% trabalha em Instituições de Ensino Superior (IES) da iniciativa privada. Quanto à formação deles, o INEP (2011, p. 1) relata: “16,5% são doutores, 44,1% são mestres e 39,4% têm formação especializada em alguma disciplina”. Depreende-se que há prevalência de mestres e especialistas e, possivelmente, a formação que tiveram nesse nível educacional influenciará na sua didática no contexto da sala de aula. Outras características notórias no perfil do docente universitário brasileiro dizem respeito à quantidade de horas trabalhadas e à sua faixa etária. Há uma diferença evidente entre os professores de instituições públicas e privadas. Pereira e dos Anjos (2014, 86

p. 2) relata: “nas instituições públicas 81% trabalham em tempo integral, já nas instituições privadas há uma prevalência de professores horistas (43,8%)”. A característica “horista” dos docentes das instituições privadas facilita para que trabalhem em mais de uma universidade ou para a prática de outra atividade profissional. No que concerne à faixa etária e ao gênero dos docentes, Pereira e dos Anjos (2014, p. 2) afirma: “o perfil do professor atuante nas instituições privadas é homem, com 34 anos; por outro lado, nas instituições públicas são homens com 47 anos de idade em média”. Ainda no que diz respeito ao perfil do docente universitário, o INEP (2011, p. 1) destaca que a maioria dos professores das instituições privadas tem grau de mestre e os das públicas são doutores. Esses dados explicam um pouco o percentual acima exposto sobre o nível de formação dos docentes brasileiros. Seguindo na mesma análise, é importante elencar os aspectos condicionantes no trabalho dos docentes universitários.

2.2 Aspectos condicionantes: desafios e avanços No Brasil houve um movimento de descentralização de alguns serviços que estava dentro da concepção de uma reforma do Estado brasileiro. Nesse contexto, de acordo com Correia e Góes (2013, p. 339): “as faculdades particulares, fruto da descentralização estatal sobre a educação, oferecem um ensino mais flexível em distintos aspectos, em prol do aumento da quantidade de alunos”. Essa, talvez, seja uma das razões para que o ensino de algumas instituições fique em suspeição. Algumas instituições privadas mais consolidadas no cenário educacional brasileiro têm um grau de exigência de formação dos docentes um pouco maior, colocando como requisito (em sua maioria) o grau de mestrado (SOARES E CUNHA, 2010). Consequentemente, o valor das mensalidades cobradas dos estudantes é elevado, tanto para manter a estrutura da instituição quanto para pagar os salários dos professores. Por outro lado, nas instituições privadas que estão em processo de consolidação, o grau de exigência da formação dos professores é inferior e, geralmente, eles possuem o grau de especialista. Georgen (2006) argumenta que há um perfil bastante variado entre os alunos das instituições públicas,

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A Importância da Formação Pedagógica do Educador no Âmbito do Ensino Superior

das instituições tradicionais de ensino privado e das novas universidades. Essa diferença acaba se constituindo como um desafio para o docente. É preciso dizer que houve avanços no ingresso dos alunos no ensino superior no contexto educacional brasileiro a partir de avaliações em nível nacional, como o Enem, do acesso a formas de financiamento de mensalidades e do oferecimento de bolsas integrais e parciais em diversas instituições. Esses aspectos podem ser encarados como condicionantes na atividade docente universitária, alguns sendo avanços e outros, desafios. Entretanto, nesse cenário, o professor universitário possui um papel relevante na formação de futuros profissionais. De acordo com Ferreira de Jesus (2009), o docente pode facilitar o aprendizado, abrindo portas e direcionando caminhos, ou dificultar esse acesso. Ele pode tornar o contato com a informação, além de acessível, mais próximo do contexto e da linguagem do aluno. Por isso, faz-se necessária uma formação pedagógica dos docentes.

2.3 Formação pedagógica dos docentes As demandas do ensino superior são diversas, desde as que se referem às condições de trabalho do docente até as problemáticas envolvendo o aluno. Ferreira (2010, p. 89) elenca algumas: “aluno trabalhador e o ensino noturno, o ingresso no ensino superior, a permanência e a exclusão, as representações sobre a profissão, a escolha e as expectativas profissionais”. Todas essas demandas exigem formação e preparo pedagógico específico do docente. De acordo com Silva (2013, p. 2): Refletir sobre os desafios da docência no ensino superior na atualidade se faz necessário para que o professor, no desempenho de sua profissão, possa entendê-los claramente e melhor atuar. E após esta reflexão, possa observar e analisar de forma mais lúcida os conhecimentos de seus alunos, planejando ações fundamentais para que escolhas cada vez mais adequadas de estratégias de ensinagem possam ser realizadas em prol da formação destes alunos.

Essa formação pedagógica não se encontra restrita apenas a um conhecimento acadêmico em pedagogia,

mas a uma capacitação continuada na busca de métodos, estratégias e recursos para potencializar o ensino dos conteúdos propostos. Segundo Silva (2013, p. 10), “o docente deve ter amplo conhecimento na área da pesquisa, entendendo por pesquisa as reflexões críticas, produção de textos, preparação de trabalhos para congressos, redação de capítulos, etc.” Não se deve olvidar da importância dessas competências desenvolvidas pelo docente. Entretanto, há uma necessidade de um preparo específico nas práticas pedagógicas. Nesse sentido, Silva (2013, p. 10) acrescenta: “o docente deve possuir domínio na área pedagógica, sabendo atuar com o processo de ensino-aprendizagem e ter condições de utilizar estes conhecimentos pedagógicos para gerir o currículo do curso ao qual se propõe a ensinar”. Conforme se depreende, as competências descritas acima acabam diferenciando o docente do ensino superior do que atua nos ensinos fundamental e médio. Competências estas que, segundo Ferreira (2010, p. 89), “demandam, também, saberes de natureza pedagógica que são específicos para o ensino superior”. Argumenta-se, portanto, que há uma necessidade de uma formação pedagógica continuada do docente para que ele possa responder às atuais demandas do contexto educacional do ensino superior pátrio. Sabe-se, no entanto, que essa capacitação continuada pode ser reduzida devido às diversas ocupações de um professor universitário, que em muitos casos dá aulas em mais de uma instituição, conforme descrito nos dados acima. Entretanto, poderia desenvolver competências didáticas a partir da experiência com cada sala de aula, de acordo com a característica dos alunos e suas capacidades de interação no processo de ensino-aprendizagem.

3 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO SUPERIOR Nesta seção, analisam-se as possíveis práticas pedagógicas relevantes e aplicáveis no ensino superior. Desse modo, avaliam-se as possibilidades de utilização das Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC’s), bem como a relevância do conhecimento social do docente no contexto da sala de aula. Por fim, dispõe-se sobre o lugar da pesquisa acadêmica no desenvolvimento profissional do professor universitário.

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3.1 A utilização das Tecnologias de

As TIC’s ainda oferecem ao aluno a oportunidade de acessar o conteúdo ministrado pelo educador a qualquer hora e em qualquer ambiente, mesmo à distância. Com a utilização de TIC’s no processo ensino aprendizagem constroem-se novas comunidades de aprendizado e estimulando o aluno a construir conhecimentos.

Comunicação e Informação Em sua formação pedagógica, o docente deve possuir algumas competências específicas, como o bom manejo dos mecanismos que a tecnologia lhe oferece. Sabe-se que cada época possuiu alguns métodos que foram marcantes e revolucionários, mas, com o passar do tempo, eles se tornaram práticas ultrapassadas. Atualmente, as Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC’s) são importantes instrumentos auxiliadores do docente no processo de ensino-aprendizagem. Anteriormente, a tecnologia era vista como atrapalho ou como um meio de desviar a atenção dos alunos. Entretanto, as tecnologias podem ser importantes aliadas no processo de construção de conhecimentos. De acordo com Ramos (2008), as TIC’s possuem uma abrangência grande, como: computadores, controle e automação e comunicação. Desse modo, o docente tem a seu dispor vários instrumentos para a utilização no contexto de sala de aula. Segundo Garcia Carlos. (1987, p. 9): As práticas pedagógicas devem ser contextualizadas visando promover o crescimento intelectual do aluno por meio de experiências significativas e motivadoras de aprendizagem. Tais experiências devem levar em conta aspectos referentes à prática social, à vivência contextualizada dos alunos.

Depreende-se, nesse sentido, que o docente do ensino superior não pode pretender influenciar no processo de ensino-aprendizagem com meios que não retratem o seu contexto histórico. Ele deve estar atento às mudanças tecnológicas e adaptá-las em suas práticas pedagógicas. Entretanto, Casado Jr. (2016, p. 4) problematiza: “com as TIC’s e a evolução natural da sociedade, emerge uma problemática para o educador: como utilizar esses instrumentos facilitadores de produção de conhecimento sem perder o foco no conteúdo da disciplina?” Argumenta-se, portanto, que é preciso utilizar essas tecnologias com conteúdos que se relacionem aos objetivos pedagógicos do educador no processo de ensino-aprendizagem. Desse modo, estabelece-se um meio termo entre produção de conhecimentos e recreação com as TIC’s. Nesse sentido, Casado Jr. (2016, p. 18) acrescenta: 88

Esses mecanismos virtuais potencializam o processo de ensino-aprendizagem. Pontue-se, no entanto, que tais ferramentas não eliminam possíveis deficiências pedagógicas ou metodológicas do docente, pois são apenas recursos de apoio. A pesquisa e o conhecimento do docente têm um papel relevante nesse processo. No contexto do ensino superior, esses mecanismos podem ser importantes aliados pedagógicos e, inclusive, ambientais, uma vez que os portais educacionais e a intranet reduzem o número de impressões em papel utilizadas para avaliações periódicas. Seguindo na mesma análise, avalia-se o conhecimento social e as práticas pedagógicas no âmbito da sala de aula.

3.2 O conhecimento social no âmbito da sala de aula O conhecimento social também pode ser traduzido como a interdisciplinaridade do docente no processo de ensino-aprendizagem, porque é na interação entre professor e aluno que se tem conhecimentos sobre os sujeitos do ensino-aprendizagem e estes se tornam aliados na produção de conteúdo. Nesse sentido, Azevedo e Andrade (2007, p. 259) acrescentam: A interdisciplinaridade tem como proposta promover uma nova forma de trabalhar o conhecimento, na qual haja interação entre sujeitos-sociedade, conhecimentos na relação professor-aluno, professor-professor e aluno-aluno, de maneira que o ambiente escolar seja dinâmico e vivo e os conteúdos e/ou temas geradores sejam problematizados e vislumbrados juntamente com as outras disciplinas.

Ao obter informações sobre os alunos, o professor acaba tendo a possibilidade de aproximar o conteúdo de sua disciplina com a realidade deles. A interdisciplinaridade, vista sob a ótica de um conhecimento social, tende a levar os docentes a terem uma postura

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A Importância da Formação Pedagógica do Educador no Âmbito do Ensino Superior

de maior abertura para o diálogo com os discentes. De acordo com Azevedo e Andrade (2007, p. 259): A interdisciplinaridade é o elo entre os profissionais do ensino, como forma de reciprocidade, de reflexão mútua, em substituição à concepção fragmentária do conhecimento, fazendo com que estes agentes do ensino tenham uma atitude diferenciada perante os obstáculos educacionais.

Argumenta-se, portanto, que, ao transmitir conteúdos com base no diálogo interdisciplinar entre diversas disciplinas e na interação com os alunos, o docente tende a melhorar a assimilação dos alunos e, consequentemente, minimizar os desafios didáticos inerentes ao contexto universitário. Na mesma linha, são oportunas as considerações de Freire (1996), que aduz que a interação entre professor e aluno abre um leque de possibilidades para crescimento social e não apenas acadêmico, uma vez que o diálogo ensina competências, como enxergar o outro, saber ouvir, comunicar-se com o diferente, e constitui-se um processo de troca mútua de conhecimentos em diversas áreas.

finalidade o ensino, a pesquisa e a extensão, sendo organizada para a formação de profissionais que atuarão na sociedade.

A pesquisa acadêmica, portanto, deve ser um processo contínuo do docente no âmbito do ensino superior, uma vez que ele deve estar em contato com as modificações perenes que a sociedade atravessa. O docente que negligencia esse aspecto acaba tendo sua prática pedagógica prejudicada, pois, com o passar do tempo, seus métodos não terão mais capacidade de dialogar com a linguagem de seus alunos. Sobre a importância de uma pesquisa acadêmica continuada, Campos, Santos e Santos (2009, p. 3) acrescentam: “nos dias atuais a globalização, o mercado cada vez mais competitivo e as novas tecnologias estão exigindo do profissional não só o conhecimento teórico, mas uma prática baseada na reprodução e produção de conhecimentos”. O professor universitário tem um papel relevante na produção de saberes no ambiente de sala de aula, portanto, pode estimular o aluno à produção acadêmica. De acordo com Campos, Santos e Santos (2009, p. 3): Na universidade o aluno irá se deparar com diversos campos de atuação na qual deverá ser versátil e criativo. Na universidade o aluno desenvolverá conteúdos teórico-práticos necessários à sua formação profissional e intelectual, cabendo-lhe não só a reter esses conteúdos, mas também produzir conhecimento.

Não se pode negar a importância das TIC’s e da interdisciplinaridade no processo de ensino-aprendizagem no contexto do ensino superior. Entretanto, esses mecanismos auxiliares não podem substituir o papel da pesquisa do docente nesse processo, uma vez que a prática docente nas universidades exige estudo contínuo.

3.3 O posicionamento da pesquisa no conhecimento profissional Com o encurtamento das fronteiras devido à globalização e ao enorme avanço tecnológico, tem-se a possibilidade de adquirir conhecimentos em diversas áreas com rapidez. Desse modo, o cidadão não se relaciona apenas com seus conterrâneos, ele tem possibilidade de ser um “cidadão do mundo”. Nesse contexto, insere-se a pesquisa acadêmica, que acompanha a evolução da sociedade. De acordo com Campos, Santos e Santos (2009, p. 3): A pesquisa científica está tomando o seu espaço nos cursos de educação superior em diversas universidades. Esta tem sido considerada um lugar em que se vivencia a cultura universal e que tem por

Tanto o processo de retenção de conhecimentos quanto o de produção de conteúdo por parte dos alunos têm uma influência do docente, que pode utilizar diversas práticas pedagógicas para que esses processos ocorram de forma efetiva. A didática do docente pode fazer com que o aluno da graduação reconheça o importante papel da pesquisa científica na sua formação profissional. De acordo com Amaral (2010, p. 66), “entende-se então que adquirir conhecimento não é apenas saber sobre um objeto, mas ter a capacidade de utilizá-lo, extraindo, assim, todos os recursos que ele possa oferecer para a sociedade”. Compreende-se, portanto, que a pesquisa acadêmica no ambiente universitário tem dois polos: a) do docente que se encontra em formação continuada; b) do aluno, que deve investir na pesquisa acadêmica para sua formação profissional. Nesses dois lados o estímulo é determinante, especialmente para os alu-

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nos. Amaral (2010, p. 71) acrescenta: “no início de cada semestre letivo, um fato repete-se dentro das salas de aula, o comportamento de repulsa dos discentes à palavra pesquisa, principalmente, quando o termo se apresenta acompanhado da expressão científica”. Entretanto, quando o educador se utiliza das práticas pedagógicas corretas, ele torna-se um importante estimulador da pesquisa acadêmica e, consequentemente, do processo de produção de conhecimentos por parte dos alunos. Segundo Amaral (2010, p. 73): Os discentes apresentam essa barreira diante da atividade de pesquisa porque desconhecem o que é pesquisa científica e quais as contribuições desse trabalho para a sua formação, pois quando compreendem que tal atividade está relacionada ao aumento de conhecimento sobre determinado objeto de estudo, mudam de atitude e reconhecem os aspectos positivos da prática.

cífica, pois isso parece não ser uma contribuição tão efetiva para a formação do aluno. É necessária uma formação pedagógica que coloque o discente em posição de destaque no processo de ensino-aprendizagem, e o professor deve ser visto como um facilitador. Ao estimular os alunos a produzirem conhecimentos a partir das pesquisas acadêmicas continuadas, o educador abre várias possibilidades para que eles avancem na produção de conhecimentos. Outro ponto relevante nesse processo é a interdisciplinaridade, que deve ser vista sob dois aspectos: a) na comunicação entre as disciplinas, abrindo um campo para a produção de conteúdos mais abrangentes; b) na interação entre docente e discente, ou seja, é importante que o professor tenha uma abertura com o aluno para que haja diálogo, pois, ao conhece-lo, acaba encontrando a prática pedagógica mais efetiva para utilizar.

Ao abrir o horizonte das pesquisas para o aluno, o educador favorece, também, a formação dele. Desse modo, profissionais que investirem mais tempo na pesquisa acadêmica tendem a ter melhores colocações no mercado.

No atual contexto de desenvolvimento da tecnologia, especialmente ligada à informação e à comunicação, a formação e as práticas pedagógicas do docente são relevantes para um direcionamento efetivo do aluno no processo de aquisição de conhecimentos em sua formação acadêmica. Esse é um tema bastante relevante, atual e próximo do cotidiano do pesquisador.

Conclui-se, então, que o docente que investe no descobrimento de práticas pedagógicas que se comuniquem com o seu tempo e com o contexto social dos alunos tende a ser mais efetivo em suas abordagens. Acrescente-se, ainda, que existe necessidade de uma pesquisa continuada por parte do docente, tanto para melhorar a qualidade dos conteúdos das aulas quanto para estimular os alunos a também investirem na pesquisa acadêmica para uma melhor formação profissional.

Acrescente-se, ainda, que é muito importante a formação acadêmica para o docente, principalmente pela razão de que tem um papel relevante no desenvolvimento educacional do aluno. Professores com níveis educacionais mais avançados acabam melhorando o conceito das universidades. No contexto da docência do ensino superior esse elemento é mais necessário devido ao fato de que o educador influencia na formação de futuros profissionais.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme se verificou, a formação pedagógica do docente no âmbito do ensino superior é uma necessidade, pois, com a evolução das ciências e das Tecnologias de Informação e Comunicação, o docente deve encontrar-se apto para dialogar com os alunos na linguagem de sua época. Negligenciar esse aspecto pode prejudicar a qualidade das aulas do educador. Entretanto, observa-se que, no contexto de algumas instituições, o que vigora é a reprodução de práticas pedagógicas de antigos professores. Atualmente, existe a necessidade de uma didática que vá além que de um conhecimento apenas sobre a disciplina espe90

No entanto, a formação acadêmica deve vir acompanhada de um bom preparo e práticas pedagógicas. O docente com uma preparação pedagógica sólida desenvolverá mecanismos e estratégias eficientes no processo de ensino-aprendizagem do futuro profissional. Desse modo, no âmbito do ensino superior, o conhecimento pedagógico do professor é tão relevante nesse processo quanto o acadêmico.

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História Ambiental e Educação Ambiental: Reflexões para uma Abordagem Sistêmica de Ambiente Environmental History and Environmental Education: Reflections for a Systemic Environmental Approach MOREIRA, Juliane Roberta Santos1 ANDRADE, Valter Zotto de2

RESUMO No quarto final do século XX, emerge a necessidade de repensar nossa vivência no mundo e como nossos valores construídos a partir do paradigma até então dominante tem contribuído para ela. Assim, são desenvolvidas críticas ao paradigma cartesiano e é proposto um paradigma sistêmico, em um processo que, em linhas gerais, procuramos apresentar. Neste artigo, demonstramos os resultados de uma pesquisa bibliográfica que teve como foco principal levantar as possibilidades de diálogo entre a educação ambiental e a história ambiental, visando ao estabelecimento de abordagens de ensino que valorizassem uma percepção mais integrada da relação entre humanos e não humanos no ambiente. Para tanto, recorremos à discussão sobre o conceito de ambiente e de natureza, na intenção de compreendermos os diferentes sentidos dados a esses temas e apurarmos significados que se conciliam a uma percepção sistêmica. Nesse caminho, abordamos o binarismo natureza/cultura desenhado dentro do pensamento dualista formado na Modernidade e que ainda perpetua na construção do conhecimento em tempos atuais, buscando salientar algumas consequências dessa ideia para o entendimento sobre o ambiente. Palavras-chave: ambiente; conhecimento sistêmico; história ambiental; educação ambiental.

ABSTRACT In the final quarter of the twentieth century, the need to rethink our experience in the world emerges, and how our values built from today’s prevailing paradigm has contributed to it. Therefore, the Cartesian paradigm ir criticized and a systemic paradigm is proposed, in a process that, in general lines, is attempted to be presented. In this article, we demonstrate the results of a bibliographical research whose main focus was to raise the possibilities of dialogue between environmental education and environmental history, aiming to establish teaching approaches that value a more integrated perception of the relationship between human and nonhuman in the environment. In order to accomplish it, we turn to the discussion about the concept of environment and nature, in order to understand the different meanings given to these themes and to find meanings that reconcile with a systemic perception. In this way, we approach the nature/culture binarism drawn within the dualistic thought formed in Modernity and that still perpetuates in the construction of knowledge in current times, seeking to highlight some consequences of this idea for the understanding about the environment. Keywords: environment; systemic knowledge; environmental history; environmental education. 1 Pós-graduanda (lato sensu) em Metodologia do Ensino Superior e EaD, pela Faculdade Educacional da Lapa (Fael). Mestranda em História, pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e Licenciada em História pela mesma instituição. E-mail: julianerobertasm@gmail.com. 2 Doutorando em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Mestre em Comunicação e Linguagens, pela Universidade Tuiuti do Paraná. Professor de Língua Portuguesa e Iniciação Científica nas Faculdades Integradas Santa Cruz de Curitiba e avaliador e orientador de trabalho de conclusão de curso na Faculdade Educacional da Lapa (Fael). Orientador do trabalho. E-mail: valter.andrade@fael.edu.br.


História Ambiental e Educação Ambiental: Reflexões para uma Abordagem Sistêmica de Ambiente

1 INTRODUÇÃO No final do século XX, o debate sobre a temática ambiental se fortaleceu, de modo que um ambientalismo complexo emergido em diferentes setores, como aponta Pádua (2010, p. 82), “representou um dos fenômenos sociológicos mais significativos da história contemporânea”. Desse momento histórico, diante da necessidade de atender à demanda por um conhecimento que abordasse o ambiente em relação com as ações humanas, despontaram campos, como o da história ambiental3 e o da educação ambiental. Esses campos têm experimentado, nas últimas décadas, reflexões sobre as importantes categorias que perpassam suas investigações e norteiam sua prática: ambiente e natureza. Assim como é criticado o binarismo natureza/cultura, delineado por um paradigma cartesiano, que busca um padrão holístico do conhecimento, a fim de ambiente e natureza poderem ser compreendidos de forma integrada, considerando o elemento humano como seu constituinte. Nesse trabalho, intentamos demonstrar a discussão sobre a necessidade de superar o paradigma cartesiano e as abordagens do ambiente a partir de um paradigma sistêmico. Trata-se de um assunto complexo e extenso, de modo que não pretendemos esgotá-lo nesse breve espaço, mas demonstrar como ele tem sido abordado na bibliografia especializada. Assim, apontamos a necessidade de historicizar os conceitos de ambiente e natureza, relevantes para a abordagem de conteúdos que considerem a dimensão ambiental dos processos históricos em sala de aula, na disciplina de História. Nossa proposta é que seja exposto como esses conceitos foram construídos ao longo do tempo, possibilitando aprendizagem efetiva aos alunos e dando base a futuras discussões e práticas.

2 HISTÓRIA AMBIENTAL E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: REPENSANDO DIRETRIZES PARA UMA ABORDAGEM MAIS INTEGRADA Na historiografia, a interação entre seres humanos e natureza passou a ser discutida com mais propriedade na década de 70 do século XX, juntamente com as conferências sobre as crises globais e os movi3 É importante ressaltar que a preocupação com a dimensão ambiental do conhecimento histórico já envolvia estudiosos em períodos anteriores. Pádua (2010) aponta que, desde o início do século XX, já se propunham análises histórico-ambientais e, em certa medida, no século XIX, elas já eram realizadas.

mentos ambientalistas, instituindo o campo de pesquisa da história ambiental. É fato, porém, que o debate já envolvia estudiosos e pessoas comuns há muito mais tempo. Um dos primeiros a definir esse campo e apresentar a ideia de ambiente como algo além de um palco em que a história humana acontecia foi Roderik Nash (1970). O autor defendia, por meio de seu ensaio The state of environmental history4, que toda a paisagem ao nosso redor consistia em fonte para a escrita da história. Sobre a história ambiental, Donald Worster (1991) escreve a síntese: A história ambiental é, em resumo, parte de um esforço revisionista para tornar a disciplina da história muito mais inclusiva nas suas narrativas do que ela tem tradicionalmente sido. Acima de tudo, a história ambiental rejeita a premissa convencional de que a experiência humana se desenvolveu sem restrições naturais, de que os humanos são uma espécie distinta e “supernatural”, de que as consequências ecológicas dos seus feitos podem ser ignoradas. (WORSTER, 1991, p. 199).

A história ambiental, no entanto, tem dirigido seus esforços nas últimas décadas para ampliar o entendimento sobre o que é o ambiente, produzindo conhecimentos sobre diferentes interações entre o humano e o não humano, seja em temáticas de desastres ambientais, utilização de elementos naturais como recursos, agricultura e tecnologia, seja nas relações e percepções estabelecidas com um dado espaço. A reflexão sobre o ambiente não engloba mais apenas a paisagem que nos rodeia, posto que, em uma perspectiva sistêmica, nós o integramos, somos parte dele, junto aos demais elementos. Como aponta Pádua (2014, p. 464), é importante ressaltar que “não existe história que não seja ambiental”. Para esse autor, algumas vertentes da historiografia ignoram a influência ambiental do conhecimento histórico, pois “quando você estuda a vida de qualquer sociedade, num lugar e num momento, essa dimensão ambiental é constitutiva da história”. Ainda de acordo com Pádua (2014, p. 463), o “selo da história ambiental” foi e é importante para que ideias inovadoras tenham espaço dentro da institucionalidade acadêmica. 4

Em português, A situação da história ambiental.

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A educação ambiental surge nesse mesmo momento histórico. Em 1977, cinco anos após a Declaração de Estocolmo5 ser divulgada, foi realizado o Primeiro Congresso Mundial de Educação Ambiental, em Tbilisi, na União Soviética, e, em 1987, o segundo, em Moscou. Desde esse período até agora, os debates avançaram, delineando uma estrutura teórico-prática da educação ambiental, a fim de superar o reducionismo limitado “das visões [...] meramente ‘verdes’” (MEDINA, 2002, p. 9). Medina (2002, p. 9) aponta que, por meio de investigações realizadas na América Latina, sobre a questão ambiental para a sociedade em geral, perduram dois entendimentos: “o ambiental, visto somente como problema, acompanhado de uma percepção de controle, fiscalização ou proibição” e a visão bucólica, de belezas naturais, de “paisagens, cenários”, entendidos pelas pessoas como aquilo que está distante, fora do cotidiano da maioria. Desse modo, a educação ambiental tem como pressuposto demonstrar que o ambiente não está fora, distante, que possui relevância na vida social. Segundo Phillippi Junior e Pelicioni (2002), a educação ambiental consiste em um projeto político com intenção de possibilitar aquisições de habilidades e competências para a formação cidadã em prol de uma sociedade sustentável. Para Loureiro da Silva (2007, p. 116), a educação ambiental trata de uma “educação ressignificada, banhada nas preocupações com a conservação da vida, uma educação para a compreensão da vida em sua gama de complexidade”. De acordo com essa autora, para a educação ambiental acontecer, é preciso efetivar uma revisão de conceitos e posicionamentos frente aos problemas fundamentalmente humanos, tomar a consciência de que, como parte desses, somos responsáveis pelas soluções, “num movimento solidário em relação às possibilidades de futuro” (LOUREIRO DA SILVA, 2007, p. 116). Assim, na educação ambiental, trabalha-se com a intenção de formar, nos educandos, valores importantes sobre o ambiente, pois podem transformar o modo como os seres humanos se inter-relacionam 5 Essa declaração resultou da Primeira Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente Humano e Desenvolvimento, ocorrida em 1972, em Estocolmo, Suécia. Aponta princípios para uma relação ecológica mais racional. De acordo com Cascino (2003, p. 37), “Além de incorporar as questões ambientais na agenda internacional, [...] representou o início de um diálogo entre países industrializados e países em desenvolvimento, a respeito da vinculação que existe entre o crescimento econômico, a poluição dos bens globais [...] e o bem-estar dos povos de todo o mundo”. 94

com os demais elementos. Tuan Yi-Fu (1980, p. 1) aponta que: Sem a autocompreensão não podemos esperar por soluções duradouras para os problemas ambientais que, fundamentalmente, são problemas humanos. E os problemas humanos, quer sejam econômicos, políticos ou sociais, dependem do centro psicológico da motivação, dos valores e atitudes que dirigem as energias para os objetivos.

Para promover esse processo de mudança, é preciso que os humanos compreendam sua dimensão ambiental, de modo que os binarismos cultura/natureza, corpo/matéria, afirmados por um paradigma dualista, sejam superados e, conscientes de sua integração aos demais elementos ambientais, possam demonstrar atitudes sustentáveis. No ensino básico, no entanto, a educação ambiental aparece como tema transversal em meio aos conteúdos programados para cada disciplina. Apesar de garantida por lei6, não há uma regulamentação que direcione seu trabalho em sala de aula. Carvalho (2012) salienta que a educação ambiental deveria estar nos cursos de formação inicial de professores, como previsto na Política Nacional de Educação Ambiental, de 1999, o que, entretanto, ainda não é uma realidade. Desse modo, é preciso atenção do docente para promover essa discussão em seu trabalho com os alunos e alunas. A educação ambiental, contudo, é inerentemente interdisciplinar, possibilitando o desenvolvimento de projetos entre disciplinas distintas, o que promove um entendimento mais integrado, pois demonstra como uma dada questão está relacionada com diferentes campos do conhecimento, que compõem um todo, de modo a explicitar que a fragmentação do saber não é natural. É importante que o educador conheça o contexto no qual seus alunos se inserem, para abordar conteúdos para contemplar suas experiências, trabalhando a partir do que é conhecido por esses. Por exemplo, ilustrar dado conteúdo com a atividade de criação de gado pode ter menor impacto em uma localidade na qual a economia é pautada na pesca. 6 A educação ambiental está prevista de modo formal e não formal nos cursos de educação básica, em todo o território nacional, de acordo com a Lei n. 9.795, de 27 de abril de 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ L9795.htm>. Acesso em: 14 dez. 2017.

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História Ambiental e Educação Ambiental: Reflexões para uma Abordagem Sistêmica de Ambiente

Philippi Junior e Pelicioni (2002, p. 3) ressaltam o envolvimento dos educandos para uma aprendizagem efetiva, considerando que a educação “é uma adesão voluntária”, pela qual uma pessoa incorpora aquilo que, de algum modo, atenda às suas necessidades. Assim, o educador deve criar condições que motivem seus alunos e alunas. Compreendemos que, diante de um currículo rígido a ser seguido e de uma grande quantidade de temas a serem abordados em um ano letivo, haja dificuldades para se colocar em ação um projeto de educação ambiental, ainda mais se requerer saídas de campo. Ao sugerir conteúdos em que o viés ambiental pode ser abordado nas aulas de História, Dobrovolski (2006) aponta temas como a Revolução Neolítica, Industrial e Verde e propõe atividades em que possa ser aplicada a educação ambiental, como gincanas, atividades de campo, identificação de problemas da comunidade, círculos de leitura e vídeos, entre outros. Pádua (2014), porém, enfatiza que a dimensão ambiental pode ser explorada em qualquer tema histórico, visto que os processos são sempre situados em dada temporalidade e espaço. Para esse autor, a consciência ambiental é parte fundamental da cidadania, e o “conhecimento histórico é importante na educação e na formação de uma consciência de cidadania” (PÁDUA, 2014, p. 473). Junto à história ambiental, as questões trabalhadas em educação ambiental podem ganhar maior concretude. Pádua (2014, p. 474) aponta que: A melhor maneira das pessoas entenderem o que seja ecologia, o que seja transformação das paisagens, é estudando o que aconteceu com o rio da sua aldeia, estudando o que aconteceu com seu bairro, o que aconteceu com a sua cidade ou com o seu espaço rural. Ali todas essas questões de cadeias alimentares, de fluxos de energia, de ecossistemas aparecem na concretude da vida vivida em lugares específicos.

Esse entendimento da transformação que determinados espaços experimentaram ao longo do tempo contribui para a construção de valores em relação ao ambiente, e, em projetos de educação ambiental, a proximidade com os locais abordados promove maior assimilação por parte dos alunos. Segundo Philippi Junior e Pelicioni (2002, p. 5), A realização de trilhas, hortas, palestras, plantio de árvores, con-

fecção de cartilhas, jogos e vídeos, enquanto praticada isoladamente como atividade educativa, é importante; porém, deixa de atingir os objetivos maiores da educação ambiental se dissociada de um processo que exige planejamento contínuo de construção de conhecimentos, de formação de atitudes e de desenvolvimento de habilidades que resultem em práticas sociais positivas e transformadoras.

Diante da necessidade de formar valores para atitudes sustentáveis e permitir a compreensão de que fazemos parte de um sistema, constituímos o ambiente, é preciso considerar a transformação do sentido atribuído a esse conceito ao longo do tempo. Assim, propomos que, para atingir esse objetivo, é preciso discutir como os conceitos de ambiente e natureza foram pensados dentro de um paradigma mecanicista, que até hoje possui influência no pensamento científico e no modo de ver o mundo, para confrontá-lo ao entendimento via paradigma sistêmico, que propõe a superação dos velhos modos de pensar.

3 HISTORICIZANDO CONCEITOS Os conceitos são importantes para estruturar uma reflexão científica, visto que constituem um pensamento sistematizado que oferece inteligibilidade ao conhecimento histórico (RÜSEN, 2001 apud PROTO, 2011, p. 77) e aos demais conhecimentos científicos. Eles não são inalteráveis na passagem do tempo, ao contrário, suas significações são pensadas e podem ser reformuladas dentro de um debate teórico em determinado contexto histórico. O conceito de ambiente, fundamental para o debate na educação e história ambiental, segundo Morales-Jasso (2016), é um termo impreciso e difuso, o que amplia sua utilização por diferentes disciplinas. No entanto, isso pode suscitar desencontros nos diálogos acadêmicos, resultando em “um impedimento para o desenvolvimento das investigações que se centram no emergente tema do ambiental” (MORALES-JASSO, 2016, p. 581, tradução nossa). Para Morales-Jasso (2016), os diferentes sentidos empregados no uso de “ambiente” geram entendimentos distintos entre estudiosos com matrizes disciplinares diferenciadas entre si. Considerando que as ciências ambientais necessitam de revisão dos conceitos que fundamentam suas teorias (MORALES-

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-JASSO, 2016), o autor discute três significados de “ambiente”, intencionando uma definição que supere as ambiguidades do termo e seja adotada nos campos de conhecimento que as compõem. Assim, apoiou-se na epistemologia sistêmica, para a qual a observação que fazemos do mundo e a forma como distinguimos os elementos da realidade perpassam pela linguagem e pelo aparato conceitual que usamos (MORALES-JASSO, 2016). Ao discutir o conceito de ambiente, Morales-Jasso (2016) ressalta a necessidade de elucidar alguns significantes que podem ser confundidos com ele, sendo: ecossistema, paisagem, habitat e território e natureza. De acordo com Pillar (2002), ecossistema consiste em um sistema pelo qual organismos vivos e o meio trocam energia e matéria, “contém componentes bióticos (plantas, animais, micro-organismos) e abióticos (água, solo, etc.) que interagem para formar uma estrutura com uma função” (PILLAR, 2002, p. 1). Para Morales-Jasso (2016), o conceito de ecossistema permite, em termos linguísticos, a separação de natureza antrópica e não antrópica, pois “falar de ecossistema implica falar de um sentido mais restrito do natural” (MORALES-JASSO, 2016, p. 585, tradução nossa). Paisagem, para Maximiano (2004, p. 84), “está presente na memória do ser humano antes mesmo da elaboração do conceito. A ideia embrionária já existia, baseada na observação do meio”. Essa observação requer a presença daquele que observa, de modo que a paisagem “é uma forma de experimentar o espaço que não pretende ser neutra, mas sabe-se que é um produto das relações sociais e seu relacionar-se com a realidade material” (MORALES-JASSO, 2016, p. 585, tradução nossa). Desse modo, compreendemos que a paisagem requer uma interação dinâmica entre o observador e o que está sendo observado, ao que contribui para diluir a dualidade sociedade-natureza (MORALES-JASSO, 2016). A categoria habitat difere-se de ambiente, referindo-se a um lugar onde vive uma comunidade biótica. Os seres humanos também vivem em um habitat, o qual, revestido por uma dimensão política, é compreendido como território. De acordo com Morales-Jasso (2016, p. 587), território é: Uma categoria geográfica cujo significado expressa o espaço físico em que uma população seja humana ou animal exerce controle ou domínio, porque o território é o lugar onde se produzem condições 96

materiais e sociais de existência mediante confrontações; por isto é também uma categoria política em que se envolve o poder e, portanto, a resistência. Nesta dimensão geográfico-política, um território é um espaço que se constrói socialmente, o qual é produto das relações de poder (tradução nossa).

A abordagem que escolhemos para discutir o ambiente não configura uma escolha neutra, mas, sim, embebida no contexto histórico, nas questões políticas, sociais e ambientais que vivenciamos. Esclarecidas as categorias expostas acima, que são muitas vezes utilizadas como sinônimo de ambiente, apesar de não darem conta dele, falta-nos ainda discorrer sobre um termo que gera tensões: natureza. Para Morales-Jasso (2016, p. 583), a natureza é a categoria mais problemática em relação ao ambiente, pois, na tradição ocidental, uma das representações enraizadas na sociedade contemporânea é a concepção antropocêntrica, para a qual o mundo se divide em dois domínios: cultural e natural. De acordo com Guimarães (2003, p. 338), essa dicotomia foi construída ao longo da história, constituindo “um dos problemas impostos mais fortemente à época Moderna, e de certa forma responsável pelas inúmeras ações de dominação dos seres humanos sobre os não humanos”. Segundo Morales-Jasso (2016, p. 583, tradução nossa) esta dicotomia tem funcionado para “fundamentar o individualismo da lógica capitalista e a ideia de que a economia pode funcionar de forma independente e isolada do funcionamento da biosfera”. Segundo Guimarães (2003, p. 338), os “binarismos modernos”, como natureza/cultura, passaram a ser vistos em uma perspectiva pós-moderna, como “instituidores e reguladores das nossas formas de pensar e agir [...] instituem uma diferença de poder entre uma categoria e a outra, construídas em oposição”. Nesse caso, como os poderes simbólicos de cultura e natureza se definiram pela contraposição de ambos, a partir da modernidade, o poder da cultura foi sobreposto à natureza. Baumer ([s.d.], p. 66) expõe que, no início do século XVII, a pergunta “Que é a natureza?” foi enfaticamente instigada por Francis Bacon, suscitando o interesse de intelectuais, amadores, clérigos, senhoras e gentleman, entre outros. Segundo esse autor, desse debate surgiu um “quadro de natureza, novo e sur-

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preendente”, originada da junção de filosofia e ciência, que envolveu cientistas físicos de “Copérnico a Galileu, e filósofos que iam de Descartes a Espinosa, mas incluindo também neoplatônicos como Giordano Bruno” (BAUMER, [s.d.], p. 66). A teoria corpuscular-cinética da natureza paulatinamente substituiu a teoria greco-cristã, dominante durante o período da Idade Média até o século XVII (BAUMER, [s.d.]), de modo que, com base na teoria mecanicista, como denominada posteriormente, a natureza perdeu seu caráter de organismo e passou a ser vista como um mecanismo: “uma máquina ou um relógio” (BAUMER, [s.d.], p. 67). Esse mecanismo (a natureza) foi metaforicamente comparado a um livro, o qual, para se ter acesso, de acordo com Galileu em O ensaiador, era preciso compreender sua linguagem e suas letras: “Está escrito na linguagem da matemática e os seus caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem as quais é humanamente impossível compreender uma só palavra” (GALILEU, 1623 apud BAUMER, [s.d.], p. 68). Assim, o grande livro da natureza poderia ser lido de forma objetiva, por meio da linguagem matemática, eliminando a subjetividade a fim de restringir as possibilidades de interpretações distintas. Por isso, Galileu e Descartes foram acusados de abstração, ou seja, “de selecionar e isolar, para estudo, apenas os elementos da natureza que podiam ser quantificados e medidos” (BAUMER, [s.d.], p. 69). Essa abstração incorreria em uma deturpação da natureza, que foi negada por ambos os acusados. 7

Na doutrina das qualidades primárias e secundárias, Galileu expôs que as primeiras pertenciam aos corpos materiais, sendo número, magnitude, posição e movimento; as segundas, por sua vez, seriam subjetivas, “efeitos de falsas aparências dos sentidos e falsamente projetadas na natureza pelo espírito humano”, categoria na qual se incluíam a luz, cor, cheiro e som (BAUMER, [s.d.], p. 69). Segundo Baumer ([s.d.], p. 69), Galileu esteve próximo da elaboração da “teoria das duas substâncias ou dualismo, do século XVII”, porém, sua formulação completa foi realizada por Descartes, a qual dividia o mundo no domínio do pensamento (res cogitans) e 7

De acordo com Baumer ([s.d.], p. 68), na obra Diálogos sobre os dois sistemas principais do mundo, de 1632, Galileu aponta que houve críticas, como a de “Simplício”, um defensor do sistema proposto por Aristóteles, que acusou aqueles que se opõem a este de “forçarem a geometria da natureza”, sendo que as “subtilezas matemáticas” seriam verdadeiras em abstrato, mas não se confirmariam na matéria física sensível.

da matéria (res extensa). O espírito, como causa final, foi retirado da natureza, junto a “todas as qualidades que, até então, haviam mantido a natureza ligada ao homem: a fragrância das flores, as canções dos pássaros, a cor em tudo, incluindo a própria luz”. A natureza figurava, a partir dessa percepção cartesiana, como um mecanismo composto de “matéria morta” (BAUMER, [s.d.], p. 69). Guimarães (2003) observa que a partir de Descartes toma forma definida uma Ética Antropocêntrica fundada na razão. Os pressupostos cartesianos não serviram apenas para investigações científicas que poderiam ser desenvolvidas desconsiderando a teologia e a metafísica, mas contribuíram para a construção de uma percepção sobre o mundo. O dualismo cartesiano definiu os binarismos natureza/cultura e corpo/alma. “A natureza passou a ser vista como pano de fundo para as ações humanas, e ao Homem, agora no centro do universo, foi atribuída a possibilidade de dominá-la” (GUIMARÃES, 2003, p. 340). Capra (1986, p. 42) aponta que, “a partir de Bacon, o objetivo da ciência passou a ser aquele conhecimento que pode ser usado para dominar e controlar a natureza”. Essa epistemologia dualista marcou a modernidade e foi reforçada na produção do conhecimento em épocas posteriores (CLARO; PEREIRA, 2015), pois atuou na delimitação dos modos como os humanos se relacionaram com o ambiente. Guimarães (2003, p. 340) ressalta que dentro do quadro moderno a educação foi pensada para operar a diferenciação entre “os homens e as mulheres do mundo da natureza, civilizá-los, aprimorá-los e torná-los identificáveis apenas ao mundo da cultura” e que, na contemporaneidade, foi criada a necessidade de outra educação, uma educação ambiental que contemplasse outras temáticas e abordagens. Para Morales-Jasso (2016), em uma epistemologia dualista, o natural figura como aquilo que não é antrópico, já em uma epistemologia sistêmica o social surge do natural. Na primeira, o natural é o significante contrário de cultural; na segunda, o natural consiste no sistema que possibilita a existência do cultural. Assim, após fazer a exposição dos significados dos termos comumente utilizados para designar o ambiente, faz-se necessário a explanação sobre o que seria, portanto, uma definição mais integradora de ambiente.

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Morales-Jasso (2016) faz a comparação de três distintas concepções e das epistemologias que lhes dão suporte. Para esse autor, uma primeira definição, mais generalizada, trata-se daquela que compartilha sentidos com os termos cenário, meio, derredor, local, habitat, etc., e pode se referir ao espaço que nos rodeia, “com suas circunstâncias físicas, químicas, biológicas, antropossociais8, o que inclui as culturas e, portanto, as economias e políticas” (MORALES-JASSO, 2016, p. 588, tradução nossa). No entanto, nessa concepção, exprime-se a dicotomia moderna entre o interno e o externo, pois, ao mesmo tempo em que congrega as características sociais, física, química e biológica, ressalta que estas compõem o entorno do sujeito, aplicando a separação entre sujeito e objeto. Um segundo sentido para ambiente, apontado por Morales-Jasso (2016, p. 589, tradução nossa), é “a natureza modificada pela ação humana através do tempo”. O autor expõe que essa definição se relaciona à separação aristotélica entre os objetos naturais e aqueles que são criados pelos humanos. Por essa perspectiva, o ambiente se diferenciaria da natureza, pois é compreendido como uma “segunda natureza” criada sobre a “natureza original”, por meio da intervenção do agente humano, de modo a contrapor a natureza ao ambiente (MORALES-JASSO, 2016, p. 589). O autor ainda aponta que essa significação pode ser uma transição do ambiente (como aquilo que nos cerca) para o entendimento de ambiente como um sistema complexo; contudo, ressalta que, ao invés de utilizar o termo ambiente para sistemas de coprodução entre natureza não antrópica e antropossociedade, podem ser compostos nomes mais adequados, como “silvossistema” ou “hidrossistema”. O terceiro significado de ambiente, apontado por Morales-Jasso (2016), dialoga com a epistemologia sistêmica, com a intenção de romper com a percepção dualista da racionalidade moderna. Nessa conceituação, o ambiente, enquanto uma categoria complexa, abarca o humano e o não humano em relação, constituintes de um mesmo sistema aberto que aproxima questões sociais e naturais, de modo que “o homem e a natureza são indissociáveis” (MORALES-JASSO apud GALOCHET, 2016, p. 590, tradução nossa). Morales-Jasso (2016, p. 590) explica que, se tomarmos um conjunto de humanos como sujeito e 8 Antropossocial/antropossociedade são termos propostos para referir-se a sociedade humana, sem que esta seja evidenciada como única, já que há outras sociedades não humanas, como enxames e manadas, assim como sociedades artificiais, como as computacionais (MORALES-JASSO, 2016).

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o resto do mundo como o que o circunda, pela auto-organização do interior e a dissipação de entropia pela troca de massa, energia e informação entre sujeito e entorno, o sujeito seria um sistema aberto, um “auto-eco-organizador” de trocas e inter-relações para dentro e fora. Assim, o ambiente “não seria continente, mas ao integrar conteúdo e continente, enlaçaria o interno e o externo, a res cogitans e a res extensa” (MORALES-JASSO, 2016, p. 590, tradução nossa).

3.1 Por uma percepção sistêmica No final do século passado, suscitaram questionamentos sobre o impacto do pensamento dualista cartesiano na produção do conhecimento e na percepção de nosso mundo. Em O ponto de mutação, Fritjof Capra aponta que o paradigma mecanicista já não dá conta de explicar nossa vivência e que a insistência em aplicar uma visão de mundo obsoleta origina um estado de crise da percepção individual, social e ambiental em caráter global. Capra (1986) expõe que o paradigma cartesiano teve predominância em nossa cultura por centenas de anos, dando forma à nossa sociedade ocidental e influenciando outras culturas pelo mundo. Esse autor sintetiza os valores de tal paradigma ao apontar neste a inclusão da Crença que o método científico é a única abordagem válida do conhecimento; a concepção do universo como um sistema mecânico composto de unidades materiais elementares; a concepção da vida em sociedade como uma luta competitiva pela existência; e a crença do progresso material ilimitado, a ser alcançado através do crescimento econômico tecnológico (CAPRA, 1986, p. 20).

No pensamento cartesiano, o caráter libertador e o esclarecimento da razão foram obscurecidos frente à preponderância do seu potencial dominador, pois, separado da realidade concreta, opera de modo abstrato, dando margem à imposição de “uma dinâmica cega e irracional no que diz respeito à condição humana” (MEDEIROS, 2012, p. 16). Para Capra (1986), a visão de mundo delineada a partir desse paradigma é limitada e mostra-se necessário revisá-la. Kuhn (apud MEDEIROS, 2012, p. 16) ressalta a emergência de um paradigma com novos pressupostos para apoiar a comunidade científica, que abarque “a riqueza da ciência e do espírito”.

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Um caminho que tem sido apontado visando à superação do pensamento cartesiano é a concepção integrada da vida, ou seja, de que inter-relações são estabelecidas dentro de um sistema, em que as partes compreendem um todo. A Teoria Geral dos Sistemas foi formulada pelo biólogo Ludwig von Bertalanffy, na metade final do século XX. Segundo Medeiros (2012, p. 16-17), Bertalanffy compreendeu o sistema como: Um conjunto de elementos interdependentes que interagem com objetivos comuns formando um todo, no qual cada um dos elementos componentes comportase [...] como um sistema cujo resultado é maior do que o resultado que as unidades poderiam ter se funcionassem independentemente. Qualquer conjunto de partes unidas entre si pode ser considerado um sistema, desde que as relações entre as partes e o comportamento do todo sejam o foco de atenção. Sistema é um conjunto de partes coordenadas, formando um todo complexo ou unitário.

O sistema pode ser aberto ou fechado. O aberto interage com o ambiente no qual está integrado, gerando uma realimentação, que pode ser positiva ou negativa, pela qual o sistema se autorregula e produz propriedades novas que podem oferecer benefícios ou malefícios ao todo, independentemente das partes. Já o sistema fechado não realiza interação com o ambiente e sua alimentação é feita por si mesmo (MEDEIROS, 2012). Os organismos em que são produzidas novas propriedades benéficas sobrevivem. Aqueles em que são produzidas qualidades maléficas ao todo, na ausência de uma ação que as contrabalanceie, tendem a desaparecer. “Um sistema realimentado se organiza e autogerencia [...] o todo assume as tarefas da parte que falhou” (BERTALANFFY, 1975 apud MEDEIROS, 2012, p. 17). Capra (1986, p. 33) aponta que “organismos vivos, sociedades e ecossistemas são sistemas”. Assim, nós, seres humanos, constituímos um sistema que se inter-relaciona mediante a troca de elementos com o ambiente do qual somos parte. Compreender essa integração pode provocar mudanças significativas no entendimento que as pessoas têm em relação ao mundo, aos ecossistemas, biomas, paisagens, etc., de modo que valores sejam formados para a prática sustentável.

Compreendemos que essa discussão é complexa, porém seus elementos devem ser trabalhados em sala de aula, durante o debate dos conteúdos programados. Vale repensá-los mediante o modo de pensar sistêmico, que propicia uma visão integrada do conhecimento, enfatizando a interação que ocorre no mundo biofísico-cultural.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A história ambiental atenta para investigações de processos históricos, considerando a interação entre seres humanos e não humanos, constituintes do ambiente, no tempo e espaço. Assim, reflete sobre valores, usos e percepções dos agentes humanos sobre os locais em que desenvolveram suas ações e vivências. Investigações nesse campo, como em todas as áreas do saber histórico, realizam a historicização de categorias e conceitos para compreender os significados destes em contextos diferentes. Desse modo, a historiografia, em especial a história ambiental, contribui para projetos em educação ambiental. Discutir percepções, valores, políticas e atitudes ao longo do tempo expõe um panorama menos nebuloso sobre as questões ambientais, auxilia na compreensão dos processos de degradação e, assim, oferece clareza para a proposição de medidas atenuantes e soluções a longo prazo. Consideramos, no entanto, que uma medida efetiva para a promoção da transformação de atitudes perpassa um processo de mudança de valores sobre o espaço em que vivemos. Visando à prática transformadora, é necessário demonstrar que os seres humanos, sujeitos sociais, são também sujeitos biológicos, parte do ambiente, um sistema em constante inter-relação com os demais. Isso implica não apenas mudança de práticas em sala de aula, mas toda alteração de diretrizes de pensamento. Incluir o ser humano como integrante do ambiente e não apenas como um ponto de referência para o ambiente ao redor, enquanto sujeito natural e cultural, requer uma compreensão alternativa ao paradigma dominante desde o século XVII; para isso, acreditamos que uma abordagem mais integrada via paradigma sistêmico pode revolucionar nosso modo de compreender o mundo, construindo valores e praticando ações conscientemente sustentáveis. Assim, o discurso preservacionista, que enfatiza a consequente escassez de recursos devido ao consumo desenfreado e à poluição,

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renova-se, não porque este seja infundado, mas a conservação passa, então, a ser compreendida como a manutenção do equilíbrio entre as partes de um sistema. O trabalho em sala de aula sobre o ambiente pode ser expandido e aprofundado, propiciando aos discentes uma percepção mais integrada entre a sociedade humana, os espaços que ocupamos e transformamos, nossa relação com outros animais, sistemas vegetais, águas, formações rochosas, enfim, entre os elementos que compõe esse grande sistema. Reconhecemos, no entanto, que essa não é uma tarefa simples, porque requer análises constantes e acompanhamento das discussões que se estabelecem sobre as teorias do conhecimento no campo de estudo específico do professor/professora.

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do Brasil: conceitos e práticas em educação ambiental na escola. Brasília: UNESCO, 2007. MAXIMIANO, L. A. Considerações sobre o conceito de paisagem. Revista Ra’e Ga – O Espaço Geográfico em Análise, Curitiba, Editora UFPR, n. 8, p. 83-91, 2004. MEDEIROS, P. C. Teorias do pensamento contemporâneo. Curitiba: Editora Fael, 2012. MEDINA, N. M. Os desafios da formação de formadores para a educação ambiental. In: PHILIPPI JUNIOR, A.; PELICIONI, M. C. F. Educação ambiental: desenvolvimento de cursos e projetos. 2. ed. São Paulo: Signus Editora, 2002. p. 9-27. MORALES-JASSO, G. La categoria “ambiente”, una reflexion epistemologica sobre su estandarizácion en las ciencias ambientales. Nova scientia, v. 8, n. 17, 2016. p. 579-613. NASH, R. The state of environmental history. In: BASS, H. J. The state of american history. Chicago: Quadrangle Press, 1970. PÁDUA, J. A. As bases teóricas da história ambiental. Estudos avançados, v. 24, n. 68, 2010. p. 81-101. ______. In: LAVERDI, R.; CARVALHO, A. I. de. A dimensão ambiental do conhecimento histórico: entrevista com José Augusto Pádua. Revista de história regional, v. 19, 2014. p. 457-484. PHILIPPI JUNIOR, A.; PELICIONI, M. C. F. Alguns pressupostos da educação ambiental. Educação ambiental: desenvolvimento de cursos e projetos. 2. ed. São Paulo: Signus, 2002. p. 3-5. PILLAR, V. de P. Ecossistemas, comunidades e populações: conceitos básicos. [s. l.]: Departamento de Ecologia da UFRGS, 2002. Disponível em: <http://studylibpt. com/doc/1375119/ecossistemas--comunidades-e-popula%C3%A7%C3%B5es--conceitos-b%C3%A1sicos>. Acesso em: 14 dez. 2017. PROTO, L. V. P. História dos conceitos: fundamento teórico-metodológico para construção da historiografia. Espaço acadêmico, 2011. p. 74-81. WORSTER, D. Para fazer história ambiental. Estudos históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, 1991. p. 198-215. YI-FU, T. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: Difel, 1980. Recebido em: 29/03/2017 Aprovado em: 25/10/2017

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Ensino Fundamental: a Influência do Coordenador Pedagógico nos Hábitos de Leitura dos Clássicos Elementary Teaching: The Influence of the Pedagogical Coordinator on Reading Habits of Classic Literature MAIA, Cleia Virleis1 DIAS, Gilmar2

RESUMO O presente artigo tem como objetivo aprimorar a aplicação das práticas de leitura clássica no 6º ano do ensino fundamental, com o intuito de contribuir na educação e no desenvolvimento da escrita, na fala e no senso crítico dos alunos. A coordenação pedagógica, em conjunto com a professora regente, apresentou a leitura em sala de aula de maneira diversificada e suficiente para as práticas de desenvolvimento de texto literário visando ao trabalho em grupo. A coordenadora ofertou aos alunos numerosa diversidade de obras literárias, para que eles escolhessem os livros com os quais já existe uma afinidade interpretativa para que selecionassem seu próprio texto, considerando as suas experiências prévias de leitura. De acordo com os debates feitos em sala de aula, encontrou-se uma boa intervenção baseada na proposta e nos interesses dos alunos em conhecer melhor as obras e autores antes da escolha dos clássicos para execução dos trabalhos em grupos ou individuais. Houve a revisão bibliográfica e a pesquisa de campo para os questionamentos acerca do tema proposto. Palavras-chave: incentivo à leitura dos clássicos; projeto de leitura; ensino fundamental.

ABSTRACT This article aims to improve the application of classical reading practices in the 6th stage of elementary school, wby contributing with education and development of writing, speaking and critical sense of the students. The pedagogical coordination, along with the teacher regent, presented the reading practice inside the classroom in diversified and sufficient ways for developing literary text aiming the cooperative working. The coordinator offered the students a large diversity of literary books, so they were able to choose the ones in which they already had an interpretive affinity, providing them with capacity to select their own text, considering their previous reading experiences. According to the classroom discussions, a good intervention was found based on the proposal and the students’ interests in knowing more about the books and authors before choosing the classics in order to perform individual or group works. There was a bibliographical review and the field research for the questions about the proposed theme. Keywords: encouragement classics reading; reading project; elementary school.

1 Aluna do curso de pós-graduação em coordenação pedagógica, licenciada pela Faculdade de filosofia, Ciências e Letras de São Bernardo do Campo e professora do curso de Inglês e Produção Textual no Colégio Estadual Camilo de Jesus Lima. E-mail: virleismaia@outlook.com. 2 Professor orientador, matemático, tecnólogo em Processos Gerenciais, pedagogo pela UFPR, mestre em Educação, especialista em Educação a Distância, especialista em Administração Financeira e Informatização e professor do curso de Pedagogia e da Pós-Graduação da FAEL. E-mail: gilmar.dias@fael.edu.br


1 INTRODUÇÃO Por meio da leitura, o indivíduo contribui de modo significativo para sua formação, desenvolvendo a criatividade, o que repercute positivamente no seu rendimento escolar. Para que essa evolução aconteça, é necessária a intervenção da coordenadora pedagógica para aumentar o nível de interesse dos alunos do 6º ano do ensino fundamental pela leitura dos clássicos. Com a utilização da pesquisa do tipo estudo de caso, foi possível oferecer aos alunos novas técnicas de inserção de leitura em sala de aula. Com a aplicação de um questionário sobre hábitos de leitura em casa e na escola, 40 alunos do 6º ano do ensino fundamental foram analisados e testados nos dois primeiros meses deste ano. Sendo assim, naturalmente, é essencial que a leitura aplicada em sala de aula ocorra em um ambiente agradável e adequado, propiciando respeito ao nível sociocultural do aluno. Essa pesquisa se mostrou relevante porque a leitura é parte fundamental do saber. É por meio da leitura de textos que o aluno aprende a se posicionar, interpretar e a questionar o mundo a sua volta. Seguindo esse contexto, a coordenadora pedagógica e a professora regente encontraram a melhor adequação aos hábitos de leitura, de modo que agradasse a todos os alunos e melhorasse o rendimento geral deles. O objetivo dessa pesquisa é desenvolver o gosto natural dos alunos pesquisados por leitura de clássicos, sem impor a leitura como obrigação, e sim adotar um novo método de ensino com postura criativa, aproveitando o ensinamento que eles trazem de casa. A pesquisa se mostrou relevante pelo fato de considerar fundamental ao professor a diversidade cultural dos alunos como ponto de partida para o trabalho educativo, no sentido de valorizar o conhecimento por ele trazido e a capacidade de aprendizagem também em grupos.

2 INSERÇÃO DE NOVOS HÁBITOS DE LEITURA A prática de leitura contribui para a evolução intelectual do ser humano, portanto é essencial no cotidiano dos alunos. Em casa e na escola, quando aperfeiçoada, essa prática deve ser levada para toda a vida. De acordo com esse pensamento, Silva (2005, p. 14) afirma que “Um trabalho produzido em conjunto 102

poderá facilitar as tarefas de leitura na escola ou fora dela. Para acertar o passo da leitura as pessoas precisam aprender a ensinar a ler”. Sendo assim, o educador deve propor aos alunos leitura em ambiente adequado e propício, sem obrigar a prática e estimulando a criatividade e o interesse. De acordo com os PCNs, “formar um leitor competente supõe formar alguém que compreende o que lê, que possa aprender a ler também o que não está escrito” (BRASIL,1997, p. 54). Essa prática desenvolve a habilidade de raciocínio. Para reforçar essa ideia, nas concepções de Freire (1989, p. 18), “É praticando que se aprende. Um texto às vezes é difícil, insiste em compreendê-lo”. Dessa maneira, o autor argumenta que é lendo que se aprende a ler, é escrevendo que se aprende a escrever, pois um leitor não pode interpretar um texto se não decifrar seus códigos e se não ler com muita atenção e curiosidade para as novas descobertas que um clássico sempre tem a oferecer. Segundo Calvino (1993, p. 93), “Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. Da mesma forma, “A leitura de um clássico deve oferecer-nos alguma surpresa em relação à imagem que dele tínhamos” (CALVINO, 1993, p. 93). Para leitores que não têm o hábito de ler desde cedo, a leitura de um clássico pode ser difícil de interpretar, porém, como afirma Machado (2002, p. 21), “O prazer de decifração, de exploração naquilo que é tão novo que parece difícil, e por isso mesmo, oferece e atrai com intensidade”. Na leitura ou releitura, um livro clássico sempre oferece novas descobertas. Tanto para Machado (2002) quanto para Calvino (1993), a literatura clássica original deve ser oferecida para que o leitor tenha prazer nessas novas descobertas e aprenda a decifrar os códigos. O coordenador pedagógico vai integrar a participação da comunidade escolar, além de gerar mudanças necessárias, fazendo com que todos olhem para o mesmo lado, lutem pelos mesmos ideais, evoluam no processo de educação. A Lei 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, conclui: “Art. 2°. A educação, deve ser da família e do estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996).

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Ensino Fundamental: a Influência do Coordenador Pedagógico nos Hábitos de Leitura dos Clássicos

Pensar na escola como espaço de educação e gestão é pensar na formação humana, no exercício da cidadania e na democracia.

3 APRENDENDO A GOSTAR DE LEITURA CLÁSSICA Com uma linguagem rebuscada, os livros clássicos não parecem atraentes aos alunos do ensino fundamental, porém eles têm um valor incalculável, não só relacionado ao vestibular, mas para a formação de pessoas, cidadãos e para reflexões que podem ser feitas e, assim, passar a compreender essa formação. Por essa razão, Kleiman (2002, p. 7) afirma que “Ler não é o equivalente a decodificar, a aprendizagem que se dará nessa interação consiste na leitura com compreensão”. Isso consiste na interação, isto é, na prática comunicativa entre pequenos grupos, em que o aluno que não compreendeu o contexto passa a entendê-lo. Ainda para Kleiman (2002, p. 7), “O ensino da leitura é fundamental para dar solução a problemas relacionados ao pouco aproveitamento escolar”. Com o intuito de combater o baixo aproveitamento escolar, para reforçar a importância da leitura para os alunos, quanto à especificidade de textos literários, reforçam os PCNs: “O texto literário transgride para constituir outra mediação de sentidos entre o sujeito e o mundo, entre a imagem e o objeto, mediação que autoriza a ficção e a interpretação do mundo atual e dos mundos possíveis” (BRASIL, 1997, p. 26). Espera-se, assim, que o aluno amplie seu domínio comunicativo, sobretudo nas instâncias públicas do uso da linguagem. Os PCNs reforçam que “Formar um leitor competente supõe formar alguém que compreende o que lê, que possa aprender a ler também o que não está escrito” (BRASIL, 1997, p. 54). Um leitor competente é alguém que por iniciativa própria é capaz de selecionar, entre os textos que circulam, aqueles que podem atender à sua necessidade. Na concepção de Freire (1989, p. 33), “Um texto para ser lido é um texto para ser estudado. Um texto para ser estudado é um texto para ser interpretado. Não podemos interpretar um texto se o lemos sem atenção, sem curiosidade”. O aprendizado da leitura clássica e da interpretação dos textos, visto como prática inquestionável na sua importância, procura ser garantido pela escola por meio de treinos preparatórios. O local institucional, reconhecido socialmente, em que se aprende a ler e a

escrever é a escola, não deixando de acrescentar e dar a devida importância ao que se aprende em casa, no âmbito de reforçar e enriquecer a prática e o direcionamento da escolha das obras literárias, assim como dar os primeiros rumos ao leitor crítico, que tem garantido pela LDB “Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber” (BRASIL, 1996). Garantindo ao aluno também um ensino de qualidade, a LDB incumbe os docentes de “Elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino” (BRASIL, 1996). Dessa forma, o aluno leitor iniciante nessa prática tem assegurado seu direito de que terá formação de qualidade indispensável para o exercício de sua cidadania, oferecendo-lhe as melhores condições para evoluir no trabalho e na continuação de seus estudos. Nesse sentido, fica claro que a função da escola é ensinar, no sentido de encontrar meios de amparar cada aluno, descobrindo seus anseios e dificuldades, participando mais dos seus sonhos e descobrindo meios de orientá-lo e incentivá-lo a gostar das práticas escolares. Nessa concepção, as metodologias de ensino devem ser diversificadas e adaptadas aos educandos, de maneira que os levem à superação das dificuldades, tornando-os mais participativos e responsáveis no processo de construção do conhecimento.

4 METODOLOGIA UTILIZADA NA PESQUISA O presente artigo investiga uma sala do 6º ano do ensino fundamental no Colégio Carlos Santanna, em que o coordenador pedagógico deve influenciar no interesse dos alunos pela leitura dos clássicos. Essa pesquisa é do tipo estudo de caso, com enfoque qualitativo. Conforme Gil (2002, p. 54), “O estudo de caso explora situações da vida real cujos limites não estão claramente definidos”. A técnica escolhida para recolher os dados da pesquisa foi um questionário construído pela própria pesquisadora. Essa ferramenta contém questões que possibilitam o conhecimento sobre os objetivos traçados para este estudo de caso. Também foram feitas entrevistas e observação in loco com análise qualitativa dos dados coletados. O estudo de caso tem como objetivo realizar uma investigação aprofundada, observando os detalhes que

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compõem o fenômeno a ser estudado. Nessa pesquisa, o estudo de caso está relacionado a um grupo de 40 alunos com idades entre 11 e 13 anos, que precisam de motivação para gostar de ler clássicos da literatura. Realizou-se também uma entrevista com a professora da classe que atende os alunos e com a coordenadora pedagógica. O objetivo da entrevista foi deixá-las falar livremente. Do mesmo modo, foi entregue a elas um questionário com cinco perguntas relacionadas ao processo de planejamento das aulas. Sobre a técnica de observação in loco, Gil (2002, p. 152) afirma que: “[...] caberia considerar o tempo que a criança dispõe para estudar, os estímulos recebidos no meio familiar, a maneira como é tratada na escola, o interesse que lhe desperta a matéria lecionada”. É de fundamental importância conhecer um pouco dos alunos para saber como adequar o projeto de leitura às suas necessidades. Quanto ao questionário, o autor afirma que “A elaboração de um questionário consiste basicamente em traduzir os objetivos específicos da pesquisa”, além disso “Não existem normas rígidas a respeito da elaboração do questionário” (GIL, 2002, p. 116). Sendo assim, o questionário feito pela pesquisadora visa conseguir as informações necessárias para atribuir um projeto de leitura adequado às necessidades dos alunos.

5 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS A pesquisa foi realizada em uma Escola Estadual de Ensino Fundamental (EEEF), em Vitória da Conquista, Sudoeste da Bahia. A escola oferece o ensino fundamental completo e tem mais de 650 alunos, distribuídos em 20 classes, nos turnos matutino e vespertino. Os profissionais responsáveis são diretora, vice-diretora, coordenadora pedagógica para os anos iniciais (1º ao 5º ano), coordenadora pedagógica para os anos finais (6º ao 9º ano), professores titulares (1º ao 5º ano) e professores de áreas especificas (6º ao 9º ano). Também atua na Escola uma psicopedagoga, que trabalha com alunos com necessidades educativas especiais e uma professora do suporte pedagógico. Foi feita uma visita com intuito de conhecer a escola em dezembro de 2016, para começar a aplicar o trabalho. Após uma conversa com a professora do 6º ano e com a coordenadora pedagógica, constatou-se que tal turma era ideal para desenvolver o trabalho. A escola sentiu a necessidade de ser proposto o Projeto de Leitura, durante quatro horas/aula sema104

nais, sendo duas horas/aula às segundas-feiras e duas horas/aula às quartas-feiras. A coordenadora pedagógica sugeriu que o projeto de leitura acontecesse no ambiente de sala de aula para trabalhar em grupos e posteriormente os alunos usariam a biblioteca para as leituras e trabalhos sugeridos. Pensando num projeto de leitura que transforme os alunos, de acordo com Projeto Político Pedagógico, é preciso “Abrir os Horizontes dos educandos para uma visão integradora da história e do universo; capacitar pessoas a buscar sempre, em sua vida, mecanismos que efetivem a história enquanto ação humana; que colabore na ação social solidária e de comunhão com os outros seres vivos” (EEEF, 2013, p. 16). Dessa maneira, como a escola busca o crescimento de seus alunos e capacita-os para lidar com o mundo, cabe a ela a aplicação do projeto de leitura. Para a referida pesquisa, usaram-se três instrumentos diferentes: a entrevista e o questionário para a professora e a observação in loco do projeto de leitura. A entrevista realizou-se com a professora usando somente o diálogo, por meio de uma conversa informal. O questionário foi elaborado na perspectiva de investigar o interesse dos alunos pela leitura e os hábitos trazidos de casa. Também se fez uma observação in loco, observando a professora e os alunos do projeto de leitura, em quatro visitas mensais, totalizando o período de oito horas, no turno vespertino. A classe pesquisada é muito heterogênea no conhecimento e no comportamento: enquanto há alunos que sabem muito, há alunos que não têm interesse em aprender, enquanto há alunos quietos, há outros barulhentos demais. A primeira observação da classe foi realizada num dia de aula regular: os alunos entram direto para a sala de aula após o sinal outros ficam conversando do lado de fora e entram após a professora. Os alunos conversam o tempo todo, aguardam a professora dar as primeiras orientações de silêncio e logo começam a preencher o cabeçalho. Com muita dificuldade e aos gritos, a professora fez a chamada do dia. Ao começar a aula, a professora distribuiu a orientação da página do livro didático para fazer a primeira leitura sobre os pássaros e a natureza; muitos alunos ficaram atentos e acompanharam a leitura no livro, apenas três se dispersaram desatentos, conversando e olhando para o seu redor como se estivessem procurando com quem falar.

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Após terminar a leitura, a professora fez alguns comentários sobre o texto, explicou, pediu questionamentos. Os alunos falaram e participaram muito da aula, porém, quando a professora pediu que todos fizessem a leitura de alguns trechos do texto, alguns ficaram apreensivos e preocupados. Assim que os alunos começaram a leitura, a professora precisou intervir e chamar a atenção dos alunos falantes para que não atrapalhassem a escuta e a compreensão da leitura.

ção no aprendizado. Com dificuldade para manter a ordem, a professora voltou a conversar com os alunos e a pedir que prestassem atenção ao conteúdo.

Preocupados, alguns alunos não queriam ler, outros leram mal, gaguejaram e se incomodaram. Algumas crianças responderam que não queriam ler quando chegou a vez delas, outras que estavam envergonhadas, sem conseguir localizar partes do texto já lido, e, por fim, uma criança disse não gostar de ler, acompanhada em seguida de vários “eu também não”. Após conversa, a professora decidiu seguir as orientações de Machado (2002, p. 15), que afirma que

Com orientação da professora, alguns alunos fizeram os comentários textuais, outros aguardaram ajuda porque parecia muito difícil comentar a leitura. Após fazerem os exercícios propostos de gramática e a produção dos textos, a professora leu alguns textos comentados até o término da aula, prática que prendeu a atenção dos alunos, que se interessaram mais por suas próprias histórias do que pela do texto original.

Ninguém tem que ser obrigado a ler nada. Ler é um direito de cada cidadão, não é um dever. É alimento do espírito. Igualzinho a comida. Todo mundo precisa, todo mundo deve ter sua disposição de boa qualidade, variada, em quantidades que saciem a fome. Mas é um absurdo impingir um prato cheio pela goela abaixo de qualquer pessoa mesmo que se ache que o que enche aquele prato é a iguaria mais deliciosa do mundo.

Diante disso, a professora orientou-os e explicou que só leria o parágrafo do texto quem quisesse, sem imposição, sem constrangimento, e explicou que não há motivos para sentirem vergonha, porque ler é só um prazer pessoal e um aprendizado importante. Segundo Elias (2000 apud GIROTO, 2015): “Uma das situações que gera angústia nos profissionais da Educação é o alto número de alunos que ainda não desenvolveram as habilidades de leitura e de escrita de modo satisfatório, mesmo após frequentarem três ou mais anos do Ensino Fundamental”. Ao terminarem a leitura dos textos, alguns alunos foram orientados a escrever sobre o texto enfatizando os aspectos negativos e positivos e explicando o que mudariam no texto e por quê. Foi um pouco complicado, pois alguns alunos não tiveram interesse em escrever, queriam sair para ir ao banheiro e tomar água e a conversa foi intensa, gerando conflitos e discussões, necessitando de intervenção da professora, que pediu silêncio e colabora-

De acordo com Weisz (2000, p. 67), “O desafio do professor é armar boas situações de aprendizagem para os alunos: atividades que representem possibilidades difíceis, mas coloquem dificuldades possíveis”. Seguindo essa ideia, a proposta não deve ser fácil demais, mas deve ser cabível de solução.

Com o término da aula, a pesquisadora e a professora foram à sala dos professores, onde a última fez algumas anotações, corrigiu os textos, comentou as dificuldades dos alunos. Em seguida, foi feita a entrevista. Nesse tempo, houve o intervalo de aulas, aproveitado para uma conversa descontraída, em que a professora expressou-se livremente em uma conversa informal. Na conversa, foi possível perceber que ao começar o trabalho na escola a professora ficou, a princípio, desapontada, porque percebeu logo nas primeiras aulas o desinteresse dos alunos pelas aulas de leitura e produção de textos. Chegou a sentar-se com a coordenadora da escola para pedir ajuda e comentou que, quando lia, poucas crianças tentavam escutar e outras só conversaram e se mostravam dispersas e perdidas. Na opinião da coordenadora, ela deveria pedir que os alunos s lessem os textos, porém eles se mostraram desinteressados. Depois, a professora passou a pedir as leituras como lição de casa, o que piorou, porque ao chegar à aula ninguém havia lido o texto. Assim, ambas as profissionais decidiram que os textos fossem lidos em sala, comentados e finalmente lidos por eles, que depois fariam as tarefas relacionadas ao texto. Então, começou a trabalhar dessa maneira, mas ainda encontra dificuldades com a participação de todos os alunos. A professora destacou a importância da ajuda e do auxílio oferecido pela coordenadora pedagógica, que procurou satisfazer todas as suas necessidades e ajudar em relação a um trabalho para propor projetos de leitura, e adiantou que já houve grandes progressos com esse trabalho, até porque os livros sugeridos para

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as provas são muitas vezes rejeitados pelos alunos, que só leem por obrigação, pela nota, ou simplesmente porque alguns familiares os obrigam a fazer as tarefas, quadro este que as profissionais tentam reverter porque querem que eles leiam com prazer e não por obrigação. Ainda ressaltou as notas baixas nas provas dos livros, pelas quais pode perceber que muitos alunos não leem nem mesmo por obrigação. De acordo com o Projeto Político Pedagógico da escola estudada, “O profissional da educação deverá estar sempre estudando e aprendendo; deverá zelar pela aprendizagem dos alunos; transformar sua relação com o saber e o modo de ensinar” (EEEF, 2013, p. 56). Assim, foi possível perceber o esforço da professora, sua preocupação em ensinar, em aprender, em procurar ajuda para melhorar os métodos de ensino para trazer retorno e maior interesse dos seus alunos pelas aulas de leitura. Considerando o fato de que o professor deve encontrar outros métodos de ensinar e aprimorar seus conhecimentos, a professora ficou bem interessada em desenvolver outro projeto de leitura para atrair o interesse dos alunos pela leitura dos clássicos. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases 9394/96, “o ensino será ministrado nos seguintes princípios: liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber” (BRASIL, 1996). A lei assegura aos alunos a liberdade de acesso, direito aos estudos e o respeito aos profissionais da educação, assim os professores têm autonomia e sentem-se motivados para melhorar o ensino e buscar novos métodos para motivar seus alunos. Na visita seguinte à escola, houve a entrevista com a coordenadora pedagógica da escola. Na ocasião, estava havendo uma comemoração na escola, os alunos estavam reunidos no pátio, onde comemoravam, dançavam e brincavam – era uma proposta de incentivo aos Jogos Olímpicos da escola. Ao começar a entrevista, perguntei à coordenadora por que tocava um funk, se não achavam mais interessante colocar uma música popular brasileira para influenciar na cultura musical das crianças, mas a coordenadora disse que os alunos gostavam daquelas músicas, que era só o que queriam ouvir. Tivemos uma conversa descontraída, em que ela falou livremente e decidimos juntas como seria o novo projeto de leitura para que influenciasse no interesse dos alunos pela leitura dos clássicos. Após meia hora de conversa, chegou a professora de língua portuguesa, que veio se juntar a nós. 106

A princípio, cogitou-se a possibilidade de apenas os alunos desinteressados em leitura participarem do projeto, mas logo mudaram de ideia. A proposta foi que os alunos tivessem vários livros apresentados, com uma grande variedade de autores, para que fizessem a primeira leitura a ser comentada e trabalhada em grupos, todos os alunos participariam, e deveriam ler, escrever sobre a obra e depois apresentar trabalhos, que poderiam apenas ser comentários sobre as obras ou até apresentação em forma de teatro. A ideia do teatro foi da pesquisadora, bem aceita pela coordenadora e pela professora, pois seria algo realmente novo para os alunos. As profissionais pediram um prazo de 30 dias para que voltasse à escola para fazer a observação in loco e a apresentação dos questionários de leitura aos alunos. Em um mês, a professora já pôde perceber algum retorno nos alunos, mas comentou a vergonha deles na hora de apresentar os trabalhos na frente dos outros colegas, porém insistindo que se habituassem a conviver com situações de dificuldade e desafios. Com o resultado dos questionários, houve um aprimoramento no projeto. Os alunos estudados gostam de ler, porém não se sentem motivados. Apenas três alunos disseram não gostar de ler. A leitura dos clássicos é difícil, mas os alunos preferem trabalhos individuais e cerca de metade dos alunos responderam que a família não incentiva a leitura e não lia para eles quando eram menores – inclusive só leem os livros que a escola pede. Após a apresentação do resultado do questionário aplicado aos alunos, houve um momento de reflexão. A professora e a coordenadora gostaram do resultado, comentaram sobre os trabalhos, afirmaram que muitos alunos se divertiram muito com as apresentações e que o projeto seria bom, porém havia um problema: os alunos não sabiam e não queriam escolher as obras porque não sabiam o que cada livro traria de informação, se seria interessante ou não, como poderiam escolher um livro sem conhecê-lo. Nos primeiros trabalhos, alguns grupos reclamaram dos conteúdos que tiveram de ler e apresentar, porque não entenderam ou porque a leitura era chata. Como os PCNs sugerem que cabe à escola ensinar os alunos por meio de debates, apresentações teatrais e entrevistas, a escola pesquisada aderiu a proposta com o intuito de trabalhar a interação entre os alunos, para que eles não se sintam envergonhados em fazer apresentações diante de outros alunos, assim trabalhando também a comunicação e a expressão corporal.

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Com a elaboração dos livros clássicos, a coordenadora decidiu que os livros ofertados seriam escolhidos pelos alunos, que, em grupos, decidiriam qual obra trabalhar. No primeiro trabalho, como houve alguns casos de alunos que não gostaram dos livros, a professora decidiu que os alunos iriam ler alguns trechos dos livros em sala de aula, contudo vários alunos se recusaram a ler e outros afirmaram não compreender bem a maioria das palavras. Dessa maneira, a professora leu alguns trechos e pediu aos alunos que comentassem as obras. Não houve grandes mudanças quanto ao interesse deles pelas obras. Então, segundo os PCNs, deve-se seguir a proposta de “Socialização das experiências de leitura; rastreamento das obras de escritores preferidos; formação de critérios para selecionar leituras e desenvolvimento de padrões de gosto pessoal” (BRASIL, 1997, p. 76). Todos os critérios e orientações estavam sendo seguidos pela professora e pela coordenadora, que deixaram os próprios alunos escolherem suas obras preferidas, mas ainda faltava algo para uma completa aceitação e adequação ao novo projeto de leitura. A professora comentou a importância da aplicação do questionário aos alunos, fez a sondagem no início das aulas do projeto, tanto para conhecer melhor o que seus alunos gostavam como para ajudá-los a ter mais interesse nas leituras clássicas, já que o problema não era o gosto pela leitura, pois gostavam, só não se sentiam motivados. e então, era preciso apenas saber trabalhar com eles individualmente e em grupos para desenvolver suas habilidades de leitura e ampliar suas conquistas por meio desse hábito. Segundo o Projeto Político Pedagógico da escola, Os impactos da nova conjuntura sobre a vida humana como um todo, ajudam a compreender que a educação é também uma totalidade concreta, uma síntese de opostos, e o grande desafio da hora presente é exatamente a questão de como equacionar de forma adequada seus momentos construtivos. (EEEF, 2013, p. 36).

Embora obtendo êxito com o projeto de leitura dos clássicos, a coordenadora e a professora não alcançaram ainda a total adequação de seus momentos construtivos. Diante disso, Calvino (1993, p. 11) assegura que “A leitura de um clássico deve oferecer-nos alguma surpresa em relação à imagem que dele tínhamos”. Um projeto de leitura comprometido com a formação de leitores apresenta uma cuidadosa seleção que rompa com seu universo de expectativas.

6 PROPOSTAS DE ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO PARA INCENTIVAR O GOSTO PELA LEITURA DOS CLÁSSICOS A educação deve visar e integrar o universo de cada ser para que possa colher a diversidade cultural. O desafio é ver a educação como transformadora na vida do ser humano. Só a educação pode mudar o mundo, e o conhecimento não acontece sozinho, mas socialmente, gerando mudanças internas e externas no cidadão e nas suas relações. A estratégia de intervenção que pretende influenciar os alunos do 6º ano ao gosto pela leitura dos clássicos foi estudada, e a resposta estava justamente neles. A interação dos alunos trabalhando em grupo trouxe debates e discussões críticas ao projeto e seus resultados. Na busca por uma solução, a professora e a coordenadora pedagógica resolveram aproveitar uma aula para agrupar os alunos para que todos comentassem do que mais gostavam no projeto de leitura. Na última visita da pesquisadora em aula, foi aplicado outro pequeno questionário aos alunos após a primeira experiência com a aplicação do projeto e o seu modo de apresentação pelos alunos. A familiaridade que o leitor tem com o assunto do livro pode ser um atrativo contra obstáculos à leitura, como textos escritos há muito tempo, que podem conter palavras desconhecidas. Considerando que tanto o ensinamento dos PCNs como do PPP da escola enfatizam que o professor deve estar em constante aprendizagem, o professor deve demonstrar paixão pela leitura. Como conclui Calvino, os clássicos exercem uma influência particular, se impõem, são inesquecíveis. Também aprendemos com o autor que “Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer o que tinha para dizer. Que a leitura de um clássico deve oferecer-nos alguma surpresa em relação à imagem que dele tínhamos” (CALVINO, 1993, p. 9). O que diz que sempre há novas descobertas ao ler um clássico, e é isso que se quer ensinar aos alunos, que em cada leitura perceberão que o livro ainda tem novidades a contar. É normal que os jovens tenham dificuldades na leitura de um clássico, pois na juventude são mais relapsos, impacientes e não têm experiência em ler. A proposta de implementar um projeto de leitura que agradasse aos alunos foi estabelecida por eles. Eles não querem ler para saber se gostam, primeiro querem conhecer o livro e depois escolher lê-lo. Assim ficou

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decidido. A professora regente comenta todas as obras, explica seu conteúdo e conta suas histórias como quando eram menores, em suas casas. Houve grande interesse e curiosidade dos alunos em ler e conhecer a história com suas próprias interpretações após poderem escolher aquele livro cujo conteúdo realmente lhes agrada.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Autores associados/Cortez, 1989.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura. 9. ed. Campinas. São Paulo: Pontes, 2002.

A educação constrói saberes. O cidadão diariamente se encontra diante de questões sociais que exigem reflexão e postura crítica. A motivação pela leitura está ligada a uma combinação de fatores, que vão desde características individuais a processos econômicos, sociais, influências do meio em que vivem, até especificamente na sala de aula, que é a maior relevância na motivação pelo gosto da leitura. É importante que os professores conheçam o perfil de seus alunos para que possam promover uma estratégia de ensino com êxito. Para que os alunos se interessem por leitura, precisam ter o conteúdo ligado aos seus interesses, e o professor precisa criar estratégias de compreensão para que seus alunos se tornem autônomos e se sintam motivados pela leitura.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. GIROTO, Juliana. O psicopedagogo institucional: novas atitudes para enfrentar as dificuldades de aprendizagem. Projeto de pesquisa. FAEL, 2015.

MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. SILVA, Ezequiel Theodoro da. A produção da leitura na escola: pesquisas e propostas. São Paulo: Ática, 2005. WEISZ. Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática, 2000. Recebido em: 29/03/2017 Aprovado em: 25/10/2017

Com essa pesquisa, pode-se concluir que o professor precisa reavaliar seu papel como educador e conhecer o potencial de seu aluno, engajar-se na proposta de que o aluno precisa tornar-se um leitor de fato, ter contato com várias fontes de leitura para descobrir suas preferências. É lendo que se aprende a ler. Cada vez mais, essa habilidade é a base da aquisição de conhecimento do intelecto humano.

REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 9.396, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 20 dez. 2016. ______. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. 1997. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2017. CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. EEEF – Colégio Carlos Santanna. Projeto político-pedagógico – PPP. Vitória da Conquista, BA, 2013. 108

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