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5. A atriz mais premiada do teatro pernambucano
Em 1991, após cinco anos sem promover o Festival de Teatro Estudantil e Amador do Agreste (Feteag), o Teatro Experimental de Arte preparava a 6ª edição do evento. Francisco Torres, que fazia parte do Grupo do Sesc e era um dos monitores do festival, foi convidado por Prazeres Barbosa para montar um espetáculo na Escola Elisete Lopes. Cada monitor ficava responsável por desenvolver atividades teatrais com alunos de escolas públicas, a fim de montar espetáculos que seriam inscritos para disputar os prêmios no festival. Já estavam namorando há alguns anos e Francisco aceitou o convite para dirigir o projeto no colégio onde Prazeres trabalhava. A essa altura, a Escola Elisete Lopes já havia se tornado conhecida em toda a cidade, através dos trabalhos artísticos e sociais desenvolvidos pela professora Prazeres Barbosa com o apoio inicial de Diva Galvão e, em seguida, das outras gestoras que passaram pelo educandário. O texto escolhido por Francisco foi O Rapto do Juju, de Erenice Lisboa. Embora o nome fosse bastante sugestivo para uma peça infantil, o texto escrito em 1983 era voltado para o público adulto. Muitos alunos quiseram integrar o elenco e foi preciso fazer um teste para selecionar apenas dezoito. O interesse era gerado pela constante montagem de espetáculos, através do grupo Os Sutis, criado e mantido por Prazeres, e também pelo êxito que a escola havia alcançado nas versões anteriores do festival. Os ensaios aconteciam nas tardes de sábado e nas noites de quarta-feira. A peça contava ainda com a participação do radialista caruaruense Ivan Bulhões, um dos ícones da radiodifusão caruaruense. Em 1992, Francisco voltou à escola, como monitor, a fim de preparar um novo espetáculo para a sétima versão do Feteag. Desta vez, o texto escolhido foi a fábula Ninar, Adormecer e Sonhar, de Romildo Moreira; a história de uma garota e sua boneca que transmitem uma mensagem muito forte de personalidade para adultos e crianças. A peça acabou conquistando o público e o júri, recebendo sete indicações e conquistando o prêmio de melhor música, composta por Jadilson Lourenço e interpretada pela professora Prazeres Barbosa. Após o Feteag, os adolescentes, entre 15 e 18 anos, continuaram
o trabalho com estudos em grupo e frequentando pequenas oficinas ministradas pelo próprio Francisco. A partir daí, perceberam que podiam dar continuidade à proposta inicial de consolidar um grupo de teatro que pudesse desenvolver trabalhos independentes. Nesse mesmo ano, Prazeres se preparava para conquistar o direito de aposentadoria pelos 25 anos de trabalho em sala de aula e a equipe decidiu prestar à professora uma homenagem inédita na Cidade. No dia dois de outubro de 1992, quando completou 43 anos, Prazeres Barbosa ganhou uma festa surpresa, organizada por Francisco e pelos alunos da Elisete Lopes, num salão de festas localizado no bairro Cohab II, em Caruaru. Durante as comemorações, a atriz recebeu a notícia de que o grupo Os Sutis, montado por ela no início dos anos 1980 passaria a chamar-se Companhia de Produções Artísticas Prazeres Barbosa. Cogitou-se a possibilidade de ser registrado como Grupo de Arte Cênica, mas a contribuição dada pela arte-educadora ao desenvolvimento artístico da escola e o fato de ser, já nessa época, apontada pela crítica como uma das maiores atrizes do Estado, fizeram com que Prazeres Barbosa fosse o nome apontado pelos alunos. A opinião de Marlene Leandro, que fazia cobertura dos eventos culturais da cidade para o Jornal Vanguarda também foi decisiva. A jornalista sugeriu que a equipe não adotasse o nome de “grupo” e sim de Companhia, para se diferenciar dos demais. Além disso, eles iriam desenvolver outras modalidades artísticas. A Companhia surgiu num momento muito oportuno para Prazeres, que afastada no Grupo do Sesc, estava sem perspectivas quanto à montagem de novos espetáculos. Também foi o instrumento ideal para que ela continuasse a desenvolver trabalhos artísticos com a juventude, algo por que sempre prezou. Já independente da Escola Elisete Lopes, montaram o espetáculo Transe, de Ronald Rade, com direção de Francisco Torres. A peça participou do VIII Feteag (1993), recebendo prêmios de melhor iluminação e maquiagem, e do III Festival de Tuparetama, Sertão do Pajeú (PE), onde foi contemplada com os prêmios de maquiagem e coreografia. A partir daí, Prazeres sentiu-se segura para retornar aos palcos. No mesmo ano, investiu em seu primeiro monólogo, o espetáculo com o
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qual recebeu mais prêmios ao longo da carreira. Para dirigi-la em sua primeira peça fora do Sesc, a atriz convidou o conceituado teatrólogo pernambucano Didha Pereira. Prazeres e Didha se conheceram em agosto de 1985, no Museu da Cidade do Recife, durante o Festival de Teatro de Bolso, criado pelo jornalista Enéas Alvarez. O Grupo do Sesc estava em cartaz com O Recado do Verde, de Erenice Lisboa. “Fiquei impressionado com o talento dessa maravilhosa atriz”, revela Didha. Alguns anos depois, ele ministrou uma oficina de interpretação no Teatro Experimental de Arte, sob a coordenação pedagógica de Arary Marrocos e Argemiro Pascoal. Prazeres participou da oficina e a relação entre os dois foi se estreitando ainda mais. Em 1993, Didha assumiu a direção de Fiel Espelho Meu, texto da paraibana Lourdes Ramalho, e revolucionou a forma de Prazeres Barbosa atuar. A montagem em si foi um grande desafio, afinal, Didha quis desconstruir todo um arquétipo corporal e facial de uma atriz acostumada a representar. Ao ordenar que Prazeres esquecesse tudo o que havia feito e recomeçasse, parecia estar afirmando que aquilo que aconteceu antes estava errado. Não era essa a intenção. Ele queria uma nova Prazeres em cena, sem conceitos definidos de certo e errado. Queria um registro diferenciado na expressão vocal, uma partitura corporal que negasse a sua idade. Um frescor que a vida já lhe negava. A produção era relativamente alta para os modelos da época e, sobretudo para uma cidade do interior. Uma proposta arrojada que surpreendeu e chegou a chocar alguns que foram obrigados a adotar outros parâmetros para análise e fruição, conforme descreve o diretor. Para ele, foi difícil obrigar uma atriz, considerada 1ª dama do teatro caruaruense, a esquecer todo o seu método, construído a duras penas, às vezes até empiricamente, e, ainda por cima, exigir cenas de sensualidade e strip-tease, que se não se completavam literalmente, mas na mentes dos espectadores. Acima de tudo, Prazeres tinha vergonha do próprio corpo e do modelo que lhe estava sendo proposto como referência para concepção da personagem. Fiel Espelho Meu estreou no dia 30 de abril de 1993, às 21h, no Teatro João Lyra Filho. A peça narra a história de uma mulher que passa
a vida sendo reprimida pela tia e pelo marido. Após a morte dos dois, ela se depara com uma liberdade pela qual não lutou para conquistar. O texto retrata uma vida que é espelho de milhares de vidas. Infância, juventude e maturidade vêm à tona numa avalanche de impressões, recordações, decepções, traumas e alegrias, fazendo com que a protagonista, em plena consciência, trace a fronteira da insanidade. No cenário, de fundo vermelho, uma Prazeres sensual dividia a cena com um espelho, o retrato da tia e do marido. O espetáculo durava cerca de uma hora. “Quando as pessoas me viam, não acreditavam que era eu. Nunca me viram tão solta, e olha que eu nem era. Hoje eu faria muito melhor”, comenta Prazeres. “Foi uma experiência muito interessante, pois se constituiu num grande desafio. Tive que desnudar uma atriz, para mostrar não apenas seu corpo, mas a sua alma e o seu espírito”, acrescenta Didha Pereira. Verônica havia passado por diversas fases na vida e, no fim, dava sua guinada. Precisava soltar todos os anjos e demônios que havia dentro dela e Prazeres, após anos de carreira, continuava presa às amarras da criação tradicional que recebera. “Didha começou a espremer de mim o caldo que ninguém havia espremido. Ele me fez ver o mundo de uma forma diferente. Eu era tão tímida que quando ele disse que eu iria ficar de espartilho foi uma grande confusão. Havia música, sensualidade e eu nem sabia o que fazer”, lembra. Apostando tudo na concepção da personagem, Didha sugeriu que Prazeres visitasse um prostíbulo para ver como as mulheres se comportavam. Francisco se comprometeu a acompanhá-la. A vergonha e o medo não a deixaram ir. Acreditava que ao ver cenas de exploração sexual, se sentiria envergonhada. Por enxergar a mulher como um ser que merece ser amado, classifica as que se submetem a esse tipo de comportamento como sem visão do que significa ser mulher, além de envergonharem o gênero. O diretor acredita que a decisão refletiu no desempenho do espetáculo. “Ela poderia ter tido uma interpretação bem mais verdadeira se tivesse adotado alguns laboratórios sugeridos por mim. Verônica, até o marido morrer, era a própria Prazeres, com toda a carga de informações que a vida dera para ambas e todas as submissões e humilhações que a opressão social
e a instituição casamento legaram para elas. A prostituta, a mulher sem amarras e sem fronteiras ficou presa e só veio surgir quando já nos aproximávamos do final da temporada. Às vezes, ela não alcançava essa mulher que idealizamos e o arremedo deixava-a engraçada.” Nada disso, porém, ofuscou o brilho do espetáculo. Fiel Espelho Meu participou de muitos festivais e foi visto em diversos Estados brasileiros. Num momento do espetáculo, ela colocava a mão sobre a genitália, como se estivesse se masturbando. Algumas pessoas ficavam chocadas com a cena. Esse foi o primeiro espetáculo que Maria das Mercês assistiu com sua irmã em cena. “Foi aí que eu vi que ela tinha talento”. Mesmo havendo montado outras peças após esta, Prazeres continuava disputando prêmios de melhor atriz com a performance de sua Verônica. Em julho de 1993, participaram do III Festival de Inverno de Garanhuns e do IV Festival de Teatro Amador de Arcoverde, o mesmo que lhe rendeu o primeiro prêmio de atriz revelação, em 1984, por sua atuação em A Pena e a Lei. Mais uma vez, Prazeres arrematou o prêmio de melhor atriz. No mês seguinte, Fiel Espelho Meu disputou o II Festival Nacional de Teatro do Cabo de Santo Agostinho (PE), onde Prazeres perdeu o prêmio de melhor atriz para Maria Alves. “Acredito que Prazeres Barbosa foi extremamente injustiçada. Não que Maria Alves não merecesse ser premiada, mas porque a performance interpretativa e dramática de Prazeres era sem dúvida superior. Maria é uma excelente atriz, mas naquele festival, Prazeres estava superior a ela. Estava magnânima”, afirma Didha Pereira. A experiência não desanimou. Em dezembro do mesmo ano, Prazeres ganhou mais um prêmio de melhor atriz no XIV Festival de Teatro de Bolso, no Recife, por sua atuação em Fiel, premiação repetida na III Mostra de Teatro Amador de Tuparetama (PE), promovida no mesmo mês. Em janeiro de 1994, mais um prêmio de melhor atriz, conquistado no I Festival Nacional de Teatro e Dança, realizado em João Pessoa (PB). Dois meses depois, conquistou o quinto prêmio de melhor atriz, por Fiel Espelho Meu, na III Mostra de Teatro Amador de Serra Talhada (PE). Entre um festival e outro, Prazeres cumpria temporadas em Caruaru
e cidades da região. A boa aceitação da peça levou a Companhia de Produções Artísticas Prazeres Barbosa a inscrever Fiel Espelho Meu no IV Concurso Nacional de Monólogos, em Teresina (PI). A participação rendeu prêmio de melhor direção, melhor espetáculo escolhido pelo júri e, mais uma vez, melhor atriz (Prazeres Barbosa). Em 29 de março de 1997, prestes a completar 15 anos de carreira, Prazeres foi convidada de honra da Semana Nacional de Artes, de Porto Velho (RO). A atriz recebeu tratamento de estrela, concedeu entrevista coletiva à imprensa local, foi homenageada por colegas e fez pronunciamento sobre sua trajetória artística. Na ocasião, mais de três mil pessoas assistiram a apresentação de Fiel Espelho Meu. O espetáculo representou Pernambuco no Festival Nacional de Teatro, em Salvador (BA), promovido pela Confederação Nacional de Teatro Amador (Confenata), em setembro de 1998. Participou ainda do Janeiro de Grandes Espetáculos, no Recife, em 1999, onde Prazeres recebeu prêmio de Participação Especial, por ser hors-concours neste evento. Terminou seu ciclo de competições no X Festival Nacional de Monólogos, na cidade de Franca (SP), recebendo prêmio de melhor texto e eleito terceiro melhor espetáculo apresentado. O sucesso alcançado com Fiel Espelho Meu e a extensa lista de prêmios recebidos ao longo da carreira transformaram Prazeres Barbosa na atriz mais laureada do cenário teatral pernambucano. “Ela é considerada hoje a atriz mais premiada de Pernambuco, não tenho a menor dúvida disso. E merecidamente Prazeres é hoje uma das atrizes mais completas do teatro brasileiro. Canta, dança e interpreta como poucas. Está vivendo o apogeu da sua competência, muito embora careça, ainda, de uma grande oportunidade na tela para revelar todo o seu potencial, conhecido até hoje apenas por alguns adeptos do teatro pernambucano que a viram brilhar nos palcos”, constata Didha, que já ocupou a presidência da Feteape. José Manoel, diretor de Cultura do Sesc Pernambuco, afirma que Prazeres é a atriz de carreira mais regular em Caruaru. “Isto eu garanto. Ela é uma das atrizes mais regulares em termos de qualidade de suas interpretações, em Pernambuco”. Em relação ao fato de ser Prazeres a atriz
mais premiada do Estado, ele completa: “Bom, pela quantidade de troféus que eu vi em sua casa, deve ser sim”. A ideia é reforçada pela presidente do Sindicato dos Artistas, Ivonete Melo. “Dizem que sim, pois ela sempre vai a todos ou quase todos os festivais de teatro”. Durante a primeira temporada de Fiel Espelho Meu, Prazeres Barbosa ministrou várias oficinas de interpretação por cidades do Nordeste. Desde que começou a fazer sucesso no Grupo do Sesc, principalmente após receber seu primeiro prêmio nacional, a atriz passou a ser requisitada por grupos de teatro para repassar sua experiência. Estudiosa, foi incentivada desde cedo por Severino Florêncio a mergulhar fundo em leituras que tivessem a ver com a profissão. A contribuição dada pelo diretor José Manoel Sobrinho, na época de Avatar, também foi importantíssima para sua formação. Foi ele quem apresentou para ela a obra do ator e escritor russo Constantin Stanislavski, cujas ideias são consideradas alicerces do teatro contemporâneo. Prazeres devorou todos os livros dele e as leituras tornaram-se fundamentais para o seu aperfeiçoamento como diretora de elenco dos espetáculos montados por sua Companhia. Desde a época em que fazia teatro na escola, Prazeres sempre se interessou pela formação de atores. Fez isso no grupo do Sesc, auxiliando Severino e permaneceu assim ao longo dos anos. O período de Fiel Espelho Meu tornou-se ainda mais marcante para Prazeres Barbosa após a conquista de um prêmio considerado por ela, o maior recebido em toda sua vida. Em 25 de março de 1994, dois dias antes da comemoração do Dia Mundial do Teatro, algumas entidades se uniram em praça pública, junto à Agência Central dos Correios, no Recife, para homenagear personalidades ligadas à arte. Ao lado de figuras importantes da cultura pernambucana, a exemplo de Ariano Suassuna e João Cabral de Mello Neto, Prazeres representou as atrizes pernambucanas, recebendo a medalha Mecenas das Artes Cênicas. A notícia deixou a atriz maravilhada. Ao mesmo tempo, triste, pois na data de entrega das homenagens estava marcada uma apresentação do espetáculo no Sertão pernambucano. Fiel Espelho Meu participou da III
Mostra de Teatro Amador de Serra Talhada e Prazeres recebeu mais um prêmio de melhor atriz. A medalha, produzida através de uma iniciativa dos Correios, Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) e Federação de Teatro de Pernambuco (Feteape), foi recebida pela atriz Carmelita Pereira, esposa do diretor Didha Pereira, que representou a atriz caruaruense na ocasião. Ela descreve aquele momento como algo bonito e emocionante. “Como Prazeres foi a primeira mulher a receber esse prêmio, eu me sentia premiada por osmose, e não apenas eu, mas todas as mulheres das artes cênicas que sempre ocuparam uma posição de destaque nessa área. Estávamos naquele momento quebrando alguns tabus. Atriz do interior premiada e por unanimidade, foi muito importante para mim ser a representante de uma atriz tão talentosa e de uma amiga tão fiel e generosa”, diz Carmelita. Ainda em 1994, Prazeres iniciou a montagem de um novo espetáculo. Satisfeita com o resultado de seu primeiro monólogo, decidiu investir no mesmo formato. O texto escolhido foi bastante inovador. Valsa nº 6, drama psicológico escrito pelo jornalista e dramaturgo pernambucano Nelson Rodrigues, estreou no dia 1º de abril de 1995, no Teatro João Lyra Filho, que estava lotado para assistir a mais uma estreia da diva do teatro caruaruense. Para dirigi-la, convidou o diretor Romualdo Freitas, que conheceu Prazeres em cena, no ano de 1986, no espetáculo O Recado do Verde. Autêntico e exigente, Romualdo sempre leva para os seus espetáculos traços de sua cultura. Não gosta que o ator decore o texto de uma só vez e dispensa as rubricas, que são as orientações dadas pelo autor para a montagem. Uma delas foi o pano de fundo vermelho, sugerido no texto para compor o cenário, “para desvincular este trabalho de Prazeres do último, Fiel Espelho Meu”. É daqueles que esperam que as ações dentro da cena surjam naturalmente. Ao montar Valsa nº 6, o seu principal desafio foi transformar temas como a morte e a pornografia, recorrentes nos textos de Nelson Rodrigues, em poesia e lirismo. Valsa nº 6 foi o sexto texto escrito por Nelson. Monólogo interpretado por sua irmã Dulce, em 1951, retrata os conflitos de memória de uma adolescente de 15 anos, assassinada pelo médico da família, e, por não
aceitar sua morte, divaga entre o real e o imaginário, realçando a loucura própria das dúvidas da adolescência, em transições. Ora apresentando-se como criança, ora como mulher num rompante altamente poético e teatral. Na peça, Prazeres interpretava Sônia, a protagonista de apenas 15 anos. Detalhe: a atriz tinha 45. A música Opus64 nº 1 de Chopin, melancólica e bela ao mesmo tempo, pontuava o trabalho ao longo de 70 minutos de duração da peça. Romualdo lançou mão do realismo fantástico para tentar elucidar o dualismo de Sônia, que se apresentava a si mesma como o Dr. Junqueira, os seus pais ou suas “alucinações”, nas quais habitava Paulo, o homem amado. Embora a peça fosse um monólogo, o casal de atores Meury Kellme e Inácio Falcão dividia algumas cenas com Prazeres, sem qualquer fala, trazendo em flashback as memórias de Sônia e Paulo ao plano físico e funcionando ainda como contra-regras na colocação e retirada de adereços. O cenário foi construído na cidade sertaneja de Arcoverde (PE), onde Romualdo vive atualmente. Precisavam criar um piano de cauda desmontável, com 1,10m e ao mesmo tempo forte o suficiente para suportar o peso de três atores. O teclado, embora não fosse original, precisava ter a função de movimentação para iludir a plateia. O figurino, caprichado e detalhista, foi encomendado por eles. As funções técnicas eram desempenhadas por pessoas da Companhia, a fim de baratear custos. Para montar Valsa nº 6, a equipe recorreu à iniciativa privada. Esperavam contar com a Lei de Incentivo à Cultura que naquela época acabou não sendo regulamentada. O patrocínio serviu para custear o material de divulgação e o figurino. Os demais custos foram bancados pela Companhia de Produções Artísticas Prazeres Barbosa, apostando na bilheteria. Nessa época, Romualdo morava em Tuparetama, Sertão pernambucano, e precisava ir a Caruaru todas as semanas. A Companhia bancava transporte, hospedagem e alimentação. Além do cachê.
CARREIRA DE PRODUTORA
Foi nessa fase que Prazeres se viu obrigada a assumir o papel de atriz produtora. Corria em busca de patrocinadores e, quando não conseguia, bancava as despesas do próprio bolso. “Acredito que o meu pagamento foi feito com verba da própria Prazeres. Hoje louvamos a oportunidade de montar espetáculos com o incentivo das leis, mas naquela época eu tive que renegociar a proposta que apresentei inicialmente para executar o trabalho, por entender que seria uma produção com essa característica”, revela Romualdo. Ao dar vida a uma garota de apenas 15 anos, Prazeres foi inclusive preparada fisicamente pelo diretor. “Eu morava na Rua Barreiros (no bairro Caiucá, em Caruaru) e Romualdo não me deixava ir de carro ao Teatro João Lyra. Ele saía do hotel, ia até a minha casa e nós íamos a pé para que eu ganhasse resistência. Meus pés ficavam pretos de tanta estripulia, correria e sobe-desce. As pessoas esqueciam até que eu tinha prega na cara. Foi algo que me fez muito bem, um presente que Romualdo me deu”, descreve Prazeres. Quando vinha de Tuparetama, o diretor saía às cinco horas da manhã e chegava exatamente às oito no teatro. Os dois mantinham um acordo. Ao chegar, ele não veria o carro (pois ela teria ido a pé) e o espaço cênico deveria estar todo limpo. Todas as vezes em que chegou, ela estava lá no horário combinado. Em sequências de exercícios exigidas pelo diretor, Prazeres chegou a vomitar no palco, durante os ensaios. “Eu saía para respirar um ar limpo e mandava que ela limpasse. Depois voltava para ministrar o trabalho. Ela parava, tomava um remédio, limpava o palco e nós continuávamos. Gosto de buscar personagens no suor do ator”, afirma Romualdo. O diretor também trabalhou a falta de ousadia da atriz, a sua capacidade de atuação e mostrou para ela que a agressão dos textos de Nelson Rodrigues poderia ser mostrada de forma bonita. Na cena em que a personagem era desvirginada pelo médico, Prazeres usava na parte baixa da roupa um bolso com pétalas vermelhas. Em seguida, derramava sobre o corpo, como se fosse o sangue. A plateia delirava. “Eu aceitei o convite com muito
medo, mas fiquei feliz porque tive a oportunidade de dirigir uma grande atriz e um grande texto”, define Romualdo Freitas. Após o primeiro mês em cartaz, a Valsa foi convidada pela Secretaria de Cultura do Cabo de Santo Agostinho (PE), onde fez quatro apresentações. Em maio de 1995, foi vista pelo público da cidade de Santa Cruz do Capibaribe. No final deste mês, o espetáculo fez a abertura do II Concurso Nacional de Monólogos, em Teresina (PI), recebendo praticamente todos os prêmios que o evento entregou: melhor direção, melhor texto, melhor espetáculo pelo júri oficial e melhor atriz. A repercussão dada pela mídia local à peça e o fato de Prazeres haver conquistado o prêmio mais cobiçado nas duas versões do festival, fizeram com que a atriz fosse convidada a integrar o júri oficial do concurso no ano seguinte. Sem patrocínio, ela continuou sua peregrinação pelos festivais de teatro brasileiros. Em outubro de 1995, foi ao I Festival Nacional de Teatro de Feira de Santana (BA). A apresentação lhe rendeu indicação ao prêmio de melhor atriz. Em 1º de novembro do mesmo ano, recebeu homenagem concedida pelo S. L. Turismo e Rede de Hotéis Centenário, através de iniciativa do empresário Aluísio Lima. Na ocasião, uma placa foi descerrada em reconhecimento à importância da atriz para a cultura pernambucana. As honrarias não pararam por aí. O ceramista Luiz Antônio presenteou-a com um busto de barro e a artista plástica Romasi entregou a ela uma tela em óleo inspirada em Verônica, de Fiel Espelho Meu. A Companhia Prazeres Barbosa, que já contava com cerca de 30 integrantes, apresentou um ato do espetáculo Casamento Suspeitoso, de Ariano Suassuna. No início de 1996, Prazeres retomou as apresentações de sua Valsa. Dentro da programação do evento Todos Verão Teatro, promovido pela Feteape, a atriz apresentou o monólogo nos dias 20 e 21 de janeiro, no Teatro Barreto Júnior, no Recife. Valsa nº 6 foi a única peça promovida no Estado de Pernambuco selecionada para participar do III Festival Nacional de Arte, realizado entre os dias 26 de janeiro e três de fevereiro de 1996, em João Pessoa (PB). A última viagem feita por Prazeres com o espetáculo foi à cidade de
Erechim (RS). Após duas eliminatórias bastante disputadas, Valsa nº 6 foi um dos poucos espetáculos aprovados para representar a região Nordeste no Festival Brasileiro de Teatro Amador, um dos mais respeitados do País, que ocorreu em setembro de 1996. A apresentação lhe valeu mais uma indicação ao prêmio de melhor atriz. O pouco tempo em que a peça ficou em cartaz e a pequena quantidade de festivais que disputou podem ser explicados principalmente pela dificuldade em transportar o cenário, que contava com um pesado piano cenográfico. Romualdo também destacou a dificuldade acerca da questão dos direitos autorais no Brasil, à época. De forma inesperada, em 1996 Prazeres foi convidada por Didha Pereira para participar de um espetáculo patrocinado pela Chesf, que cumpriu temporada no Rio de Janeiro. Na época de preparação, uma das atrizes acabou discutindo com o elenco e desistiu de atuar. Às pressas, Didha ligou para Prazeres e a convidou para substituí-la. Ela aceitou imediatamente. Prazeres decorou o texto e todas as semanas ia para o Recife, onde participava dos ensaios. A Feira: Um Riso Trágico da Vida, escrito por Lourdes Ramalho, mesma autora do monólogo Fiel Espelho Meu, cumpriu temporada entre os dias seis e 27 de abril de 1996, no Teatro Dulcina. Também se apresentou no Teatro Glauce Rocha, centro do Rio. O elenco ficou hospedado na Casa Paschoal Carlos Magno, em Santa Tereza. Por se tratar de uma “feira”, na peça Prazeres tinha vários personagens. No ano seguinte, a atriz se aventurou em uma produção teatral nos palcos da capital pernambucana, a convite de Didha. Promovido pela Crysalis Assessoria e pela Companhia Artistas Independentes, NegroRei contava uma história ambientada em pleno século XVIII, no Brasil dominado por portugueses, especificamente na cidade de Olinda (nominada na peça de Olindá de Quilombá). É o período pós expulsão dos holandeses, quando a coroa portuguesa quer garantir seu poderio. NegroRei conta a história de um líder negro, protegido por orixás africanos, que luta para libertar sua raça do jugo português e foi escrito pelo próprio Didha, em parceria com o ator pernambucano José Ramos. É uma livre adaptação dos textos Chico Rei de Walmir Ayala e Ritual Rito
Atual, de Fernando Limoeiro. A peça foi patrocinada pelo Ministério da Cultura, Caixa Econômica Federal e Funarte, sob a direção de arte de Petrucio Nazareno e direção artística de Carlos Carvalho. Em NegroRei, que falava ainda sobre a libertação do Quilombo dos Palmares e trabalhava com entidades, Prazeres personificou a cidade de Olindá de Quilombá, na figura de uma rainha carregada por homens negros e fortes. O espetáculo estreou em 1997, no Recife. Participou em novembro do mesmo ano do I Festival Recife do Teatro Nacional (não competitivo) e, em 1998, do Janeiro de Grandes Espetáculos. Após a experiência dos dois últimos espetáculos montados longe de Caruaru, Prazeres passou seis anos sem estrear nenhuma peça. Nesse longo tempo, dedicou-se exclusivamente a sua Companhia e a trabalhos no cinema – parte que será explorada no sétimo capítulo deste livro.
UM NOVO CAPÍTULO NA HISTÓRIA DE PRAZERES
ACompanhia de Produções Artísticas Prazeres Barbosa começou com cerca de 15 pessoas. Quando se tornaram independentes da escola e foram “adotados” pela professora Prazeres, os alunos passaram a ensaiar na Casa de Cultura José Condé, localizada no centro da famosa Feira de Caruaru. Com base na experiência adquirida no grupo do Sesc, Francisco Torres criou um estatuto, legalizou e montou uma diretoria. Prazeres sempre esteve à frente dos trabalhos da Companhia, especialmente na produção executiva e direção de elenco dos espetáculos. Mas, na verdade, Francisco foi o líder do grupo e, por esse motivo, era sempre reeleito presidente. “Eu não tenho nada a ver com a Companhia. Francisco apenas usou meu nome e cuida do projeto, mas sob os meus olhares. Disso vem a minha exigência com a qualidade do trabalho e o comportamento dos atores. Se tem o meu nome, tem que ser bom, qualidade total, como o selo do Inmetro”, diz a atriz. A cobrança por disciplina e qualidade, aliada à exigência muitas vezes incompreendida de Prazeres, tornaram a Companhia de Produções Artísticas Prazeres Barbosa um dos grupos mais respeitados do Estado de
Pernambuco. Outra característica importante era a pontualidade. Se o espetáculo estava marcado para as 21h, começaria exatamente nesse horário. “A sociedade caruaruense sabe que se o espetáculo for de Prazeres, ou chegue na hora certa ou não vá”, acrescenta a atriz. Após a montagem de Transe, estreou, em 1994, O Recado do Verde, de Erenice Lisboa. No ano seguinte, o grupo investiu em Casamento Suspeitoso, de Ariano Suassuna. Nessa época, a equipe já tinha cerca de 30 integrantes, entre eles Benício Júnior e Sheila Tavares. O casal atuou em quase todas as peças produzidas pela Companhia e mantém até hoje fortes laços de amizade com Prazeres e Francisco. Do período em que trabalharam juntos, eles guardam boas recordações. “Houve um caso inusitado e que marcou a carreira dela como atriz. Foi um momento muito cômico e também muito dramático. Estávamos na temporada de Casamento Suspeitoso e fomos apresentar o espetáculo no auditório da Fafica, que estava lotado. Nós estávamos todos prontos para começar o espetáculo e o ator que interpretava o Frei Roque não pôde ir”, lembra Benício. Para impedir que a ausência do rapaz atrapalhasse a apresentação, Prazeres vestiu o figurino e decidiu que ela mesma iria interpretar o personagem. A atriz conhecia bem o papel, afinal era ela a responsável pela direção do elenco. “O Frei era engraçadíssimo, tinha um barrigão e nós fizemos o espetáculo. Quando a apresentação terminou e anunciaram que Prazeres estava em cena, todos ficaram impressionados. Foi algo fantástico”, completa Benício. Numa das cenas, ela precisava cair. Era uma marcação que Francisco Torres havia feito com o outro ator. Prazeres então subiu num baú velho, sem que isso estivesse marcado, e deu um grito lá de cima. “Todo o elenco e a plateia começaram a rir. Ninguém esperava. Quando terminou, ela chorou muito e disse que nunca mais faria aquilo, porque viu o tamanho da responsabilidade e da loucura que havia feito. Realmente foi uma loucura. Mas depois, coisas que ela havia feito, Francisco integrou ao espetáculo”, comenta Sheila Tavares. Francisco e Prazeres procuraram manter em sua Companhia uma
rotatividade de espetáculos. A cada ano, estreavam um novo texto. Em seguida, vieram A Incrível Viagem (1996), Auto Nordestino de Natal e Noite de Canto e Luz (1997), além de Passos da Paixão (1998). Este último permitiu a Prazeres mudar algumas impressões que outros atores da cidade tinham a respeito dela. “Ela convidou pessoas de vários grupos para participar do grandioso espetáculo que foi feito na Avenida Agamenon Magalhães. Então, Prazeres envolveu muita gente e foi muito legal porque as pessoas puderam ver realmente quem ela é”, acredita Sheila Tavares. No primeiro semestre de 1998, a Companhia abriu mais um leque para outro seguimento cultural: a dança. Apostando em ritmos regionais e contemporâneos, a Companhia de Danças Prazeres Barbosa passou a ser cotada todos os anos para se apresentar no São João de Caruaru. Os trabalhos de coreografia foram desenvolvidos por Janduy Mota, Edney Monteiro, Sheila Tavares e Benício Júnior, com direção geral de Prazeres Barbosa. Ainda em 1998, o grupo montou O Filho Pródigo e A Mulher Pecadora, textos bíblicos adaptados por Prazeres. No início de 1999, a Companhia surgiu com Revista Musical, uma coletânea de dança, teatro, música e performance. O espetáculo englobava os principais segmentos trabalhados pelo grupo e foi um sucesso. Em setembro deste mesmo ano, montaram Juízo Final, um dos espetáculos de maior destaque do grupo. A peça participou, em novembro de 1999, do XI Feteag. A apresentação rendeu um espetáculo à parte. Embora fosse um festival estudantil, nessa época o Feteag dava oportunidade a grupos amadores para competirem com os espetáculos montados pelas escolas. Além da Companhia Prazeres Barbosa, várias equipes amadoras participaram desta edição do evento. Juízo Final foi inscrito com base em todos os critérios e o espetáculo foi visto e aprovado pela direção do evento previamente. Montaram uma super estrutura no Sesc Caruaru (onde acontecia o festival) e se apresentaram na data determinada. O elenco ouviu de várias pessoas que a Companhia levaria todos os prêmios da competição pela qualidade do espetáculo. No dia da entrega dos troféus, todos os integrantes compareceram. À medida que os vencedores foram sendo anunciados, Prazeres ficou con-
fusa e preocupada, pois Juízo Final sequer foi indicado a alguma das categorias. Ela chegou a falar para Francisco que os comentários a respeito do espetáculo, então, não eram verdadeiros. Quando os prêmios foram entregues, a comissão julgadora convidou Francisco Torres para entregar um Prêmio de Participação Especial. Justificaram que a montagem possuía um nível mais profissional e, por esse motivo, não entrou na concorrência. Assim que a “festa” terminou, Prazeres se levantou e pediu que a comissão julgadora (composta, entre outros, pela presidente do Sindicato dos Artistas de Pernambuco, Ivonete Melo, e pelo escritor Luiz Marinho, autor da peça A Promessa), permanecesse sentada. Sentindo-se injustiçada com a posição do júri, fez um desabafo grosseiro e ao mesmo tempo sensato diante dos que ali estavam, chamando os jurados de incompetentes e dizendo que aquelas pessoas não estavam retirando nada dela, mas anulando o sonho dos meninos de sua Companhia. Concluiu afirmando que embora não estivessem levando os prêmios, sabia que aqueles que foram agraciados não eram merecedores. “Vocês estão despejando o seu veneno em mim e não nos meus meninos, mas estão fazendo mal a eles e não a mim. Eu não admito isso”, disse, na ocasião. Ninguém se defendeu das acusações. Dez anos após o episódio, Arary Marrocos e Argemiro Pascoal, diretores do Feteag afirmam que a concorrência seria desleal. “O júri pode alterar qualquer coisa durante o processo e decidiu que um estudante de escola pública ou particular, que geralmente é iniciante, não poderia competir com um grupo semi-profissional, porque o grupo dela sempre foi nota dez em profissionalização. Nós achamos que não iria ferir e nem desonrar ninguém. Então, não foi pela qualidade do trabalho, mas pela característica dele. Porém, quando terminou a premiação ela subiu ao palco e foi terrível”, lembra Arary. Ivonete também nunca esqueceu a cena. “Era meu primeiro ano na comissão julgadora em Caruaru e tal foi minha surpresa, ao me deparar com tamanha disparidade no Festival Estudantil, onde a maioria dos grupos estava se apresentando pela primeira vez e de idades a partir dos seis anos. Tudo bem que o Festival já admitia esse descompasso, porém a comissão como
soberana, resolveu entregar um Prêmio Especial para o grupo de Prazeres, em consideração a ela e ao trabalho que foi apresentado”, conta. Ivonete Melo destaca que pessoas profissionais e semi-profissionais estavam concorrendo com crianças, o que justificou a não inserção da Companhia na relação de competidores. “Fomos encurralados no canto do palco, após a premiação, para justificar o prêmio que acharam menor. Mas, no entanto, foi um reconhecimento aos serviços prestados a Caruaru por Prazeres. Não concordamos com um grupo profissional concorrer com grupos de crianças e de adolescentes que estariam participando pela primeira vez de um Festival Estudantil”, explica. Questionada acerca da possibilidade de a Companhia Prazeres Barbosa ter conquistado quase todos os prêmios daquela disputa, Ivonete Melo confirmou a hipótese. “É verdade. Por isso entregamos o prêmio. Primeiro porque preencheu todos os requisitos e, segundo, em respeito a Prazeres. A menção honrosa é um prêmio digno, porém seria irresponsável, por parte da Comissão, a concorrência com crianças e adolescentes, já que o grupo de Prazeres estava na carreira artística há mais tempo”. Arary Marrocos recorda que houve apresentação de alguns números do grupo de dança do Tea, no intervalo de cada bloco de premiação. Ela estava numa sala, arrumando as roupas para colocar no carro, quando alguém chegou e disse para ir embora. “Não tem necessidade de uma coisa dessas. Eu sei que ela tem talento, é uma boa atriz, mas nesses momentos ela perde as estribeiras”, relata. “O júri é autônomo e poderia decidir o que quisesse”, acrescenta Argemiro. Essa, aliás, não foi a primeira vez em que Prazeres bateu de frente com o Tea. Em 1991, quando preparavam a sexta edição do Feteag, em uma das assembleias da Associação dos Artistas de Caruaru, Arary e Argemiro pediram sugestões aos artistas para a confecção dos troféus. Prazeres Barbosa desenhou num papel a sua ideia. Um mandacaru representando a região Nordeste, com as máscaras da tragédia e da comédia. Em seguida, repetiu num quadro de giz para que todos pudessem ver. A sugestão agradou, mas o orçamento feito na época impediu a direção do evento de confeccionar o troféu.
Durante a premiação do VII Feteag, no ano seguinte, Prazeres ficou surpresa com o que viu. O troféu fora produzido justamente da forma como ela havia sugerido um ano antes. Em artigo publicado nos jornais Vanguarda e do Commercio, em setembro de 1992, ela conta que chegou a agradecer a Argemiro Pascoal por ter acatado sua sugestão. Ao entregar os troféus, a direção do evento citou que a autoria do mesmo era da artesã Marliete Rodrigues, deixando Prazeres irada. “Eu levantei e fiz questão de dizer que havia criado o troféu, embora Marliete houvesse confeccionado. Mas nos escritos do festival eles negaram e mandaram inclusive cortar essa parte da gravação, já que o evento estava sendo filmado”, conta Prazeres. Questionados sobre a veracidade da autoria, Arary e Argemiro explicaram que a sugestão partiu de outra pessoa. “Aquilo foi sério. O presidente da Fundação de Cultura de Caruaru naquela época era Altair Porto e nós estávamos na fase de organização do festival. Ele veio até aqui (ao Tea) e nos disse que tinha visto na casa de Marliete um lindo troféu em formato de mandacaru. Explicou que era muito bonito, mas muito delicado, e veio nos propor para fazermos naquele formato. Como o patrocínio era da própria Fundação, eu disse para ele que ficasse à vontade’, diz Arary. No final do evento, um dos jurados (professor de teatro do Recife) ficou encarregado de preparar o roteiro de encerramento e trouxe o material que seria lido à noite para que a equipe do Tea digitasse. “Ele havia colocado que o troféu era uma idealização de Prazeres Barbosa e eu achei estranho porque Altair viu o troféu na casa de Marliete e trouxe para nós. Prazeres não era artista plástica, nunca trabalhou com barro e eu disse então para não colocar porque não foi ela quem criou. Então, na entrega dos troféus, ninguém fez menção a isso. E ela se revoltou, subiu ao palco, agrediu a gente”, complementa Arary. A atriz conta que nesse mesmo ano, assim que terminou a premiação, Altair Porto os convidou para ir até o hall de entrada do Teatro João Lyra Filho, onde seria descerrada uma placa em homenagem ao Tea. “Quando terminou, ela (Prazeres) se manifestou. Balançava o dedo na minha cara, me chamando de ladrona (sic). As pessoas ficaram perplexas”, lembra Arary. Sobre a reunião em que pediram sugestões para a criação
do troféu, ela diz não lembrar. “Eu só estou lembrada que Altair trouxe de Marliete esse troféu. Infelizmente ele está morto”. Sobre o agradecimento feito por Prazeres no dia do evento, Argemiro foi enfático. “Ela pode até ter dado a sugestão, mas não foi ela quem fez o troféu.”
FOGUEIRA DAS VAIDADES
Omovimento teatral em Caruaru já era muito forte na década de 1960 (embora as atividades ainda fossem mais amadoras). Nos anos 1980, uma professora começa a fazer teatro com seus alunos na escola e poucos anos depois se torna uma das principais referências nas artes cênicas do Estado de Pernambuco. A cada espetáculo, Prazeres Barbosa surge em cena apresentando uma desenvoltura melhor. Logo começa a se destacar nos grandes festivais de teatro brasileiros e conquista o público, a crítica e a imprensa. Sempre muito exigente, daquelas que não admitem erros, não entra em cena sem antes conferir se está tudo nos conformes. Disciplinada como poucos e de uma determinação invejável, quase sempre soube aproveitar as oportunidades que a vida lhe ofereceu. Buscou reciclar seus conhecimentos através de oficinas teatrais, diversas literaturas e do contato com grandes diretores. Com pouco tempo de carreira, ganhou uma companhia teatral em sua homenagem. A repercussão alcançada pela professora que começou a fazer teatro na maturidade fez muitos artistas de Caruaru se sentirem incomodados com o seu sucesso. “O meio teatral é a fogueira das vaidades. As pessoas estranhavam o fato de uma pessoa tão recente no movimento teatral querer ser profissional, enquanto muitos estavam há anos desenvolvendo atividades, porém, em sua grande maioria, no amadorismo. Prazeres buscava a seriedade na nova profissão que estava abraçando. Isso causou certas rixas. Muitos sequer haviam visto o seu trabalho, mas diziam não gostar dela”, revela o teatrólogo Romualdo Freitas. A atriz sentiu isso na pele em 2005, antes de viajar a Taperoá, na Paraíba, onde ocorreram as gravações da microssérie A Pedra do Reino. Além
de Prazeres, três outros atores foram aprovados na seleção feita em Caruaru. Uma emissora de televisão local os convidou para conceder uma entrevista. Combinaram que as gravações seriam feitas na residência de Prazeres, pela conotação artística do espaço. Os outros atores, porém, não concordaram. Prazeres ficou em casa, no horário marcado, esperando que todos chegassem. Quando percebeu que as horas haviam passado, ligou para alguém da produção e lhe informaram que os atores não quiseram gravar a entrevista em sua casa. Optaram por fazer na Feira de Caruaru. “E por que eu não estou na feira com eles?”, perguntou, naquela ocasião. A entrevista acabou sendo feita em dois momentos: com os três atores, na Feira, e com Prazeres, em sua residência. Em seguida, os três foram à Prefeitura Municipal solicitar apoio para viajarem até o Rio de Janeiro, na época de estreia da série. Mais uma vez, fizeram questão de excluí-la. “Eles souberam antes de mim que eu havia sido convidada pela produção para estar lá e que a minha passagem seria paga pela direção da minissérie”, confidencia. Na noite de estreia, eles foram cumprimentá-la. Prazeres então lhes perguntou o que havia feito de errado. Eles, porém, não quiseram responder. Disseram apenas que não fizeram nada por maldade, mas optaram por gravar a entrevista em outro lugar porque as atenções estavam muito voltadas para ela. Sobre a decisão de não incluí-la na relação ao procurar apoio para viajar, a turma explicou que agiu daquela forma porque já sabia que ela viajaria. “Nunca tive nada contra eles, pessoas excelentes, inclusive fiquei responsável pela menina, porque ela era menor de idade. Dormíamos no mesmo quarto”, diz Prazeres. “Eles eram tão atores quanto eu. Nós éramos amigos nas gravações. À noite, na praça, ficávamos conversando”, afirma, dizendo não compreender os motivos que os levaram a proceder daquela forma. Prazeres, entretanto, lidou com esse tipo de comportamento desde o início de sua carreira. Em 1999, a atriz Maria Chiesa (que era presidente do Conselho de Artes Cênicas de São Paulo), a convidou para montar o espetáculo A Feira, com atores paulistanos. A peça seria incluída nas comemorações dos 500 anos de colonização do Brasil. Além disso, seria uma forma de homenagear a autora Lourdes Ramalho. Chiesa havia conhecido
Prazeres no X Festival Nacional de Monólogos, em São José do Rio Preto e ficara encantada com o seu trabalho. Viu nela a pessoa ideal para orientar o elenco, principalmente por ser nordestina. Quando recebeu o convite, Prazeres Barbosa ficou um tanto receosa. Embora tenha aproveitado bem as oportunidades que foram surgindo, perdeu muitas outras por medo de apostar. No dia em que terminou o festival, ela perguntou se Maria Chiesa estava realmente falando sério e se o convite era de coração. Confiante, acabou indo para São Paulo. Chegou a fazer uma festa para se despedir dos amigos em Caruaru, acreditando que sua ida poderia abrir as portas que sempre almejou ao longo da carreira. Prazeres viajou por conta própria e, mesmo recebendo convite para ficar hospedada na casa de Chiesa, preferiu se instalar na residência do irmão, Fernando Barbosa. No dia combinado, foi visitá-la. Maria Chiesa a recebeu de forma gentil e acolhedora. No entanto, como sempre foi muito requisitada para ministrar oficinas, estava se preparando para viajar mais uma vez. Tratou de deixar uma pessoa para desenvolver os trabalhos junto a Prazeres, que logo se entrosou com o elenco e acabaram criando uma boa sintonia. A outra atriz – cujo nome ela não recorda – começou a sentir-se enciumada. Prazeres foi para lá justamente no intuito de facilitar a compreensão da linguagem e do sotaque nordestino. Quando aquela senhora explicava algo, sem conhecimento, Prazeres fazia acréscimos ou explicava o real significado da expressão. “Percebi que ela sentiu como se eu estivesse entendendo mais o texto que ela. Mulher é muito difícil de lidar, principalmente atrizes mais velhas, que acham saber de tudo”, argumenta. As diferenças foram aumentando a ponto de ela pedir a Prazeres que não mais interferisse em suas colocações. “Eu estou aqui para fazer o trabalho e sei o que estou dizendo. Vim a convite de Maria Chiesa porque tenho conhecimento, mas se isso lhe torna menor, você me desculpe”, rebateu. O clima ficou pesado até que, duas semanas depois, Maria Chiesa retornou. A velha atriz tratou de criar uma verdadeira confusão. Os integrantes do elenco, entretanto, apoiaram Prazeres, explicando o que realmente havia acontecido. Mas a situação tornou-se complicada e ela decidiu voltar para Caruaru.
Agradeceu pela oportunidade, comentou que havia deixado a casa e a família para estar ali, mas estava retornando. Maria Chiesa ficou triste, afinal, não queria que aquilo acontecesse. “Não deu certo por causa daquela velha história: as pessoas sentem ciúme (respira fundo e sorri). Muitas não admitem que sou atriz, porque comecei a fazer teatro aos 32 anos e foi uma explosão. Aquelas pessoas que não me aceitaram desde o início, continuam sem aceitar. Engolem-me, como quem engole sapo. Mas, sou o que sou. Continuo incomodando, mas continuo fazendo. E as pessoas que se incomodam não estão fazendo nada”. Júlio Filho, sobrinho da artista, atribui o sucesso alcançado por Prazeres à obstinação que acompanhou sua carreira. “Tia Prazeres sempre foi diferente das outras pessoas. Quem queria fazer teatro não gostava de estudar, falava errado. De repente, surge uma professora, estudiosa e que tinha tudo para dar certo: conhecimento e capacidade para assimilar a arte de forma diferente. Enquanto os artistas queriam ‘agredir’ a sociedade, ela conseguiu inserir no teatro caruaruense algo que não existia: organização”, analisa. Para Júlio, Prazeres Barbosa sempre teve conceitos diferenciados em relação à arte. “A sociedade via nela muita seriedade e, mesmo existindo preconceitos, os pais incentivavam os filhos a participarem do grupo de teatro dela. Sempre foi uma pessoa séria, organizada e uma dona de casa com alma de artista. Hoje Prazeres está aposentada, não precisa mais provar nada a sua cidade. Ela precisava ir para outro local, embora ainda esteja mal aproveitada”, opina.
O RETORNO AOS PALCOS
Após a montagem de Juízo Final, a Companhia Prazeres Barbosa passou alguns anos sem estrear nenhum novo espetáculo. Esporadicamente, cumpriam temporada com alguma das peças já montadas ou participavam de eventos e festivais. Todos os espetáculos produzidos tinham a direção cênica de Francisco Torres e direção de elenco de Prazeres, sempre ligada à questão da formação do ator. Somente em 2003, apostaram numa nova montagem. O texto escolhido foi A Feira, o mesmo produzido em 1996, por Didha Pereira, para cumprir temporada no Rio de Janeiro. Após seis anos sem atuar em nenhum espetáculo, Prazeres iria protagonizar a peça na figura da velha Filó. O espetáculo apresentava ainda duas particularidades: pela primeira vez, os integrantes da Companhia Prazeres Barbosa tiveram a oportunidade de contracenar com a atriz, e Francisco Torres de dirigi-la em cena. Prazeres buscou na mãe a inspiração para compor sua personagem. “Filó era uma velha do sítio e eu fiz em homenagem à minha mãe. Ela teve paralisia infantil e andava com as pernas trôpegas. Então, eu encarnei minha mãe”, explica. A estreia do espetáculo ocorreu em sete de março de 2003, às 21h, no Teatro João Lyra Filho. A produção marcava os dez anos de atividades da Companhia de Produções Artísticas Prazeres Barbosa. O texto fazia a plateia rir e chorar ao mesmo tempo. Num cenário semelhante ao de uma feira, a autora mostrava a realidade brasileira misturada às crenças populares, de forma polêmica e questionadora. O espetáculo trazia ainda bonecos em homenagem ao Mestre Vitalino. Era a primeira vez que dona Antonina ia ao teatro para ver a filha no palco, numa peça que narra a trajetória de uma família que vem à cidade grande fazer compras e ir ao dentista, mas acabam se deparando com a crueldade do lado humano. Lá, são enganados, roubados e discriminados por aqueles que “sobrevivem” a custa da desgraça dos outros. “Um trabalho muito lindo, de uma construção muito verdadeira”, opina Prazeres. Para Francisco Torres, a experiência de dirigir a própria esposa no palco foi boa e ao mesmo tempo difícil. “O bom mesmo é dirigir quem
você não conhece, porque acaba tendo uma desenvoltura maior. Mas Prazeres é e sempre foi uma pessoa muito disciplinada. Ela estuda para um texto de monólogo ou uma palavra, se dedica, se enclausura, vai para o seu silêncio absoluto e estuda aquela frase”, ressalta. A peça participou do III Circuito Pernambucano de Artes Cênicas, se apresentando em 19 cidades de Pernambuco, entre os meses de agosto e novembro de 2003. No mesmo ano, através do Projeto Alvará de Expressão, desenvolvido pela Secretaria de Políticas Sociais de Pernambuco, a Companhia apresentou a peça para detentos dos presídios pernambucanos. Em 10 de janeiro de 2004, participou do X Janeiro de Grandes Espetáculos, no Teatro do Parque, em Recife. Prazeres recebeu mais um prêmio de melhor atriz. Em 2005, após mais de 20 anos de carreira, passou pela cabeça de Prazeres que o próximo espetáculo a ser montado por ela seria o último de sua vida. Acreditando estar numa fase de fechamento de ciclo, a atriz queria montar uma grande produção, diferente de tudo que já havia feito. Os desafios começaram com a escolha do texto. Guiomar Sem Rir, Sem Chorar, escrito por Lourdes Ramalho propõe uma reflexão sobre a realidade do País, os limites da democracia e a liberdade de expressão. O espetáculo é mais um monólogo e certa de que estaria concluindo sua trajetória nos palcos caruaruenses, Prazeres quis terminar exatamente da forma como começou: sendo dirigida por Severino Florêncio. Os longos 13 anos em que passou afastada da convivência com o velho amigo foram retomados nessa época. Prazeres e Severino nunca deixaram de se falar, mas não mantinham mais a mesma amizade do início. A oportunidade de voltar a trabalhar com o seu primeiro diretor foi descrita pela atriz à imprensa da época como “um feliz reencontro”. De acordo com Prazeres, os dois nunca se tornaram inimigos, mesmo porque as desavenças que aconteceram não o envolviam diretamente. “Havia um problema no conjunto todo que não era legal. Houve momentos em que eu pensava que iria ser agredida em cena e se aquilo me acontecesse eu revidaria. Chegou o limite e eu soube a hora certa de me ausentar”, diz Prazeres, ao comentar sua saída do grupo do Sesc.
Outro incentivador do reencontro era o teatrólogo Romualdo Freitas. “Durante algum tempo eles andaram afastados. Eu os encontrava e dizia que aquilo não deveria acontecer, porque eram os dois lados do rio e precisavam de uma ponte que os ligasse”. A união foi decisiva para o sucesso do novo espetáculo. Guiomar, principal personagem da peça, é uma ex-professora de escola pública que se torna prostituta e acaba sendo chamada para prestar esclarecimentos sobre suas pesadas críticas à conduta dos poderosos. Submetida a uma espécie de CPI a portas fechadas, ela precisa se valer da astúcia, da inteligência e da sedução para virar o jogo e escapar de uma possível queima de arquivo. O texto denso e instigante busca impactar os espectadores e provocar uma reflexão sobre temas atuais como corrupção na política, na polícia e na justiça e se vale da linguagem da fresta, possibilitando leituras e enfoques diversificados. De tanto cobrar explicações pelos crimes de que é acusada Guiomar, o juiz acaba se entendendo com a prostituta, que o convence a cada resposta rica em argumentos. A inquisição acaba em “pizza”, como a autora considera que termina tudo no Brasil. A partir desta sugestão, Severino decidiu mudar o título do espetáculo, que não o agradava. Se todo o descaso na política brasileira terminava em pizza, no caso de Guiomar iria terminar em uísque, passando a chamar Whisk pra Guiomar. A adaptação para o teatro foi feita pela historiadora e cientista política Ana Maria Barros, que trouxe para a peça uma visão contextualizada da realidade brasileira. Apesar de ser um monólogo, mais uma vez Prazeres não aparecia sozinha em cena. Severino Florêncio personificou a figura do juiz, abrindo a possibilidade de Francisco Torres atuar a seu lado. A peça contava ainda com o apoio de dois jovens atores, que faziam luz e som no próprio palco. Whisk pra Guiomar estreou no Teatro João Lyra Filho, no dia cinco de agosto de 2005. A imprensa destacou que Prazeres Barbosa se superara para interpretar a personagem. Um fato curioso em relação à montagem são as semelhanças entre Prazeres e Guiomar, ambas professoras de escola pública e críticas quando o assunto é a corrupção política. Esse, aliás, é um
tema pelo qual a atriz demonstrou pouca importância ao longo da vida. Na trilha sonora do espetáculo, destaque para a música Pagu (Rita Lee e Zélia Duncan), cantada por Prazeres.
Mexo, remexo na inquisição Só quem já morreu na fogueira sabe o que é ser carvão Eu sou pau pra toda obra, Deus dá asas à minha cobra Minha força não é bruta, não sou freira nem sou puta Porque nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é bunda Meu peito não é de silicone, sou mais macho que muito homem Sou rainha do meu tanque, sou pagu indignada no palanque Fama de porra-louca, tudo bem, minha mãe é Maria ninguém Não sou atriz, modelo, dançarina Meu buraco é mais em cima
Apesar de seu total desinteresse pela política, Prazeres diz que nunca votou em branco e que sempre escolhe o “menos ruim” na hora de votar. “O meio político é muito duvidoso. Por melhor intenção que as pessoas tenham, quando chegam lá parece que passam por uma lavagem cerebral. Não estou generalizando, mas ao mesmo tempo faço quase isso. Não me considero de direita, nem de esquerda. Sou da linha da verdade. Sempre voto no que me convenceu mais. Um político que fosse completamente avesso à cultura jamais teria meu voto, como também nunca votaria em um irmão meu”, revela. O fato de ter sido uma adolescente e depois uma adulta infensa à política (possivelmente pela posição da mãe, que sempre dizia não querer os filhos na política, temendo escândalos), não impediu que Prazeres recebesse o reconhecimento desta classe. O sucesso alcançado ao longo dos anos serviu como justificativa para a apresentação de votos de aplauso e homenagens feitas por políticos das mais diversas siglas partidárias. “Eu fico muito feliz porque todos faziam isso. Quando é preciso, eu critico, mas também elogio e todos me respeitam por isso”, acredita. A atriz possui em seu acervo algumas homenagens recebidas pe-
los políticos pernambucanos, entre elas a Medalha Álvaro Lins, comenda outorgada pela Câmara de Vereadores de Caruaru em seis de dezembro de 1996; o título de Cidadã Limoeirense, concedido pela Câmara de Vereadores de Limoeiro (PE), em março de 2003 e o Colar do Sesquicentenário, entregue a 150 personalidades que contribuíram para o progresso da cidade de Caruaru, em seus 150 anos de história. A homenagem foi recebida em 18 de maio de 2007. Nesse mesmo ano, foi reconhecida pela Assembléia Legislativa de Pernambuco, “pela relevante atuação na arte cinematográfica, contribuindo para distinguir o cinema pernambucano internacionalmente”. Durante a cerimônia, ocorrida em três de setembro de 2007, no Recife, Prazeres foi escolhida para discursar em nome de todos os artistas e quebrou a formalidade ao encerrar seu discurso cantando os versos de sua música favorita: Se avexe não, que amanhã pode acontecer tudo, inclusive nada. Ao final da canja, a reação. “A Câmara veio abaixo”, lembra. Por todos esses motivos, a preparação da personagem exigiu um esforço ainda maior de seu diretor. Prazeres disse para Severino que estava se desnudando de tudo o que sabia e das coisas passadas e que ele fizesse dela o que quisesse. “Ela me convidou e eu terminei fazendo Whisk pra Guiomar e gostei muito de ter feito. Eu tentei desconstruir alguns vícios de interpretação, comportamento, postura, ritmo e tom da voz que ela tinha. Queria fazer um espetáculo diferente, mais conceitual e construtivista”, descreve Severino. A peça cumpriu temporada no Teatro João Lyra Filho e foi vista ainda no XVII Feteag e IV Festepe, em outubro de 2005; participou do VII Festival Recife do Teatro Nacional, em novembro de 2005 e da IV Conferência Pernambucana de Artes Cênicas, em dezembro do mesmo ano, na cidade de Garanhuns (PE). A peça, que detonava a política brasileira, foi convidada, em 2006, para se apresentar no XII Janeiro de Grandes Espetáculos, no Teatro de Santa Izabel, em Recife, onde Prazeres foi indicada ao prêmio de melhor atriz. Uma das últimas apresentações (e, certamente, das mais marcantes), aconteceu em agosto de 2006, na VIII Mostra de Teatro de Serra Talhada.
A peça foi apresentada no dia quatro e por motivos de saúde, Prazeres teve que voltar a Caruaru no mesmo dia, deixando o jornalista Leydson Ferraz como representante de sua Companhia no dia da premiação. Como ocorrera em 1999 com Juízo Final, no Feteag, a comissão julgadora excluiu Whisk pra Guiomar da competição, alegando que o espetáculo era de elevado nível profissional diante dos demais concorrentes. A Prazeres restou um prêmio especial de Menção Honrosa e a indignação. A insatisfação mais uma vez era justificável, afinal, há uma grande diferença entre ser convidado para concorrer e fazer participação especial. Whisk foi visto ainda no VI Circuito Pernambucano de Artes Cênicas, em agosto e setembro de 2006, nas cidades de Brejo da Madre de Deus e Angelim. Participou do projeto Rosa dos Ventos, promovido pelo Sesc Pernambuco nos municípios de Petrolina, Arcoverde, Belo Jardim, Recife e Garanhuns, em maio daquele ano. O reconhecimento veio com o resultado do I Festival Nacional de Teatro da cidade de Natal (RN), em outubro de 2006, quando Prazeres recebeu mais um prêmio nacional de melhor atriz. Depois, participaram ainda do XVII Festival de Inverno de Garanhuns, em 27 de julho de 2007. Severino Florêncio diz que o tempo em que ficou em cartaz não foi suficiente para fazer uma temporada maior e dinamizar o processo de viagens. Não conseguiram ir inclusive à cidade de Campina Grande (PB), terra natal da autora. “Infelizmente, eu pensava que fosse demorar mais tempo, porque era um espetáculo que eu gostava, as plateias gostavam e Prazeres gostava muito. Por outro lado, ela foi recebendo convites, surgiram as oportunidades e ela foi se lançando. É o que ela quer, o que gosta de fazer. Prazeres me dizia sempre que achava que o teatro estava fechando um ciclo aqui e eu não acreditava”, afirma Severino. O projeto de encenar Whisk pra Guiomar durante um longo período foi interrompido para que Prazeres realizasse o maior sonho de sua vida: trabalhar em produção televisivas na Rede Globo. De forma quase profética, as coisas aconteceram exatamente como ela havia previsto. “Com essa peça, fecho um ciclo da minha vida como mulher e atriz. Minha expectativa é que as pessoas tenham tanto prazer em vê-la como
eu e a equipe tivemos em montá-la”, descreveu em entrevista ao Jornal Vanguarda de Caruaru, em seis de agosto de 2005. Nesse período, a atriz foi aprovada nos testes para a microssérie A Pedra do Reino, em seguida, assinou contrato com a emissora para participar de sua primeira novela. A mudança para o Rio de Janeiro representou uma fase de reviravoltas no amor e na vida profissional de Prazeres.