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6. Amores e poesia

Capítulo 6 Amores e poesia

“Ama-se várias vezes e ama-se intensamente”. Essa é a visão de Prazeres Barbosa acerca do amor. Das paixões contidas na infância aos relacionamentos duradouros da fase adulta, Prazeres experimentou o gosto do amor e o descontrole de um coração apaixonado. Sentiu na pele a solidão do abandono e o aconchego de braços dispostos a lhe mostrar que amar vale a pena. Teve maturidade para reconhecer os limites de uma relação amorosa desigual e a mente de uma adolescente ao entregar-se a uma paixão jovem, no entanto, correspondida. Na infância, a menina Prazeres e suas irmãs ouviam a mãe dizer que a moça que “passasse” por um homem perderia todo o seu valor. Mas ela não ensinava o real significado de “passar” e as filhas procuravam manter distância dos homens. A ingenuidade e a ignorância, predominantes na época, não permitiam que dona Antonina falasse sobre assuntos íntimos com os filhos. Do seu modo, ela os educou de forma que nenhuma das mulheres saiu de casa grávida e nenhum dos homens foi forçado a casar por haver maculado a “honra” de alguma moça. Em casa, nenhuma das irmãs via a outra sem roupa. Ninguém tomava banho junto. Prazeres menstruou pela primeira vez com quase 18 anos. “Sempre fui muito mignon”, define. Quando aconteceu, ela pensou que estava morrendo e recorreu à mãe. “Calma minha filha, é porque agora você é uma mocinha. Mas não diga a suas irmãs, para elas não ficarem ‘mangando’ de você”, disse dona Antonina na ocasião. Apesar da criação tradicional que recebeu e de não ouvir as pessoas falarem sobre paixões, sexo e assuntos deste tipo, Prazeres conheceu o amor muito cedo. Na época em que estudou no CNEC, em Caruaru, ela se apaixonou por um garoto. Eles chegaram a fazer de conta que namoravam, mas sequer pegavam na mão um do outro. Na Igreja Batista, Prazeres encantou-se com um rapaz. “Pensei que ia morrer. Mas eu não sabia o que era aquilo e nem tinha coragem de dizer a ninguém”, conta. A atriz acredita que essa paixão foi o marco da transformação de menina para moça que ela viveu. Sufocada com aquele sentimento, criou coragem e passou a confidenciar tudo para uma amiga. A moça transferiu para si o que Prazeres lhe contava e terminou casando com o rapaz. “Na

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época eu fiquei tão triste, que decepção! Mas é assim, quem manda eu não me abrir”, pondera. Em seguida, ela se apaixonou por outro garoto com quem convivia na igreja. “Mas ele nunca soube, porque a gente não tinha essa abertura para dizer que gostava ou que estava apaixonada. Nós tínhamos vergonha mesmo”, explica. As marcas das paixões recolhidas e ingênuas da infância começaram a ser esquecidas quando Prazeres conheceu o primeiro amor da sua vida. O encontro aconteceu na casa onde morava, na Praça Coronel Porto. No final dos anos 1960, ao lado das irmãs Socorro e Mercês, a professora Prazeres começava a se aperfeiçoar na arte do Magistério através do Externato Três Irmãs. Apesar de serem muito jovens, elas ensinavam a adultos e pessoas mais idosas. Aos 20 anos, a irmã caçula percebeu que um de seus alunos começou a paquerá-la. Antonio era alguns anos mais velho que a professora, dois ou três apenas. Prazeres aceitou o pedido e logo iniciaram o namoro. A relação era tão “morna” que eles demoraram uns cinco meses para dar o primeiro beijo. A cena foi flagrada por Socorro Barbosa que ia chegando com o namorado. “Quase todo mundo ‘morreu’, porque não era uma coisa normal. E olha que não eram como os beijos de hoje”, diz. Prazeres passava o dia costurando e ouvindo o rádio. Também ia para a escola e revezava os horários de funcionamento do Externato com as irmãs. Nos finais de semana, dedicava seu tempo ao namorado. Independentemente do horário em que o rapaz chegasse, às 22h iria embora. O namoro durou mais de cinco anos. Nesse período, o casal noivou. Em seguida, se casaram. Consciente das próprias limitações, Prazeres costuma dizer que casou aos 25 anos, mas com mente de adolescente e reclama por não ter tido uma vivência de descobertas. “Nós não éramos incentivadas para essas coisas. Não possuíamos televisão. Para assistir, íamos à casa dos vizinhos ou olhávamos pelas frestas das janelas, quando passávamos pelas calçadas. O que marcou a minha adolescência e juventude foi a fase na igreja”, destaca Prazeres Barbosa. Naquela época, casar de véu e grinalda era o sonho de todas as mo-

ças, que precisavam contar com as prendas para o casamento. Prazeres, por exemplo, sabia datilografar, bordar a mão e a máquina, além de costurar para homens e mulheres. Só não teve oportunidade de desenvolver dotes culinários. Em casa, o máximo que aprendeu foi cozinhar pratos simples, como: feijão, arroz e cuscuz. “Até hoje, sou uma cozinheira nota zero, sem nenhuma qualificação. A única coisa que sei fazer é doce”, revela a atriz, cuja preferência é pela comida regional. O enlace matrimonial foi muito simples, mas Prazeres fez questão de casar com todas as pompas possíveis. Para costurar o vestido, ela contou com a ajuda de uma “velha” amiga e conselheira. Em 1971, quando iniciou o Magistério no Colégio Estadual de Caruaru, Prazeres conheceu a jovem Neide Mota. Pouco tempo depois as duas se tornaram amigas. Em 1973, após serem aprovadas no vestibular, continuaram estudando juntas, na mesma turma. Em 1983, Neide foi trabalhar na Escola Elisete Lopes. Prazeres já estava lá. A amizade dos tempos de escola perdurou a vida inteira. Neide Mota guarda boas recordações dos momentos vividos ao lado da amiga. “No Colégio Estadual, Prazeres já chegou atriz. Eu lembro que ela representou uma mãe idosa, numa peça dramática, e foi um sucesso. Ela dramatizou uma poesia para homenagear as mães e apresentou praticamente sozinha. Como aluna, era muito dedicada e participativa. Nós fazíamos parte do mesmo grupo. Vivíamos e vivemos como irmãs, nosso contato é eterno”, conta Neide. As duas amigas também deram os primeiros passos no Magistério juntas. Prestes a concluir o curso, Prazeres e Neide tiveram que cumprir um estágio obrigatório, de 365 horas, na Escola Professor Vicente Monteiro, em Caruaru. “Naquela época não é como hoje, onde o pessoal faz de conta que fez um estágio. Nós éramos acompanhadas o ano inteiro e fizemos calo nos pés porque tínhamos que ir a todos os eventos que houvesse na cidade para complementar essa carga horária. O estágio era com turmas de primário e lá Prazeres aproveitava para fazer teatro, música, coral, enfim, pintava o sete”, diz a professora. O vestido de casamento, usado por Prazeres, foi produzido com

rendas e pequenas partes de godê entrelaçadas à parte fixa da roupa. O modelo foi pensado pela própria noiva que contou com a parceria de dona Nova, mãe de Neide, na confecção. “Era à la Romeu e Julieta, a manga pegando na pele, renda fofa nos ombros, calda e um tule enorme para a entrada na igreja, exatamente como eu sonhei”, lembra Prazeres. Os adereços de flores, capela e o sapato (uma sandália de plataforma grande, bastante usada naqueles tempos) também foram presentes de dona Nova. A cerimônia de casamento de José Antonio de Melo e Maria dos Prazeres Barbosa aconteceu no dia 04 de janeiro de 1975, na Primeira Igreja Batista de Caruaru. O matrimônio foi celebrado pelo pastor Elias Teodoro. Prazeres, que após o casamento aderiu o sobrenome do marido, passou a assinar Maria dos Prazeres Barbosa de Melo. Um detalhe curioso é que no registro de nascimento, o seu nome foi lavrado Maria dos Praseres Barbósa, erro que somente depois foi observado. Todos os seus documentos são assinados desta forma. Artisticamente, no entanto, ela utiliza o nome grafado com a letra ‘z’. Como testemunhas, Prazeres convidou sua irmã Maria da Glória, acompanhada do esposo, Armando Albuquerque, e o casal de amigos Neide Mota e Valdomiro Araújo. A sobrinha, Glorinha, entrou com as alianças. O coral de vozes da igreja (do qual Prazeres fazia parte) cantou neste dia em homenagem a sua integrante. “Eu tinha pouco mais de 30 quilos quando casei, era uma ‘esperança’. Foi tudo lindo, a realização de um sonho”, destaca. Nessa época ela ainda morava com a família na Praça Coronel Porto. Lá, reuniu os familiares e amigos para comemorar o seu casamento. “Não houve festa, pois eu não podia oferecer”, acrescenta. Em seguida, o casal foi morar na casa que pertence à família, na Rua Martin Afonso. O imóvel nunca fora vendido e ficava à disposição do filho mais necessitado. Naquela mesma noite, Prazeres Barbosa voltou para a casa onde passou boa parte da infância. Lá mesmo, aconteceu a sua lua de mel. Um episódio decepcionante. Antonio foi o primeiro namorado de Prazeres. A relação mantida durante os cinco anos de namoro não havia extrapolado nenhum limite. Prazeres casou aos 25 anos, virgem e sem saber o que iria encontrar

na noite de núpcias. “Eu não sabia a que ia e quando me deparei com a situação, quase morri. Foi um verdadeiro trauma na minha vida. Isso fez com que o meu casamento não perdurasse. Eu nunca tinha visto um homem nu, nem em revista, porque não tínhamos curiosidade e nem acesso a isso”, explica. A educação pudica e tradicional que recebeu na infância traçou alguns aspectos da personalidade de Prazeres, que refletiram em suas relações. Ela não costuma se tocar nem para fazer o exame de mamas. Nunca vai ao médico sozinha e treme sob a maca quando precisa ser examinada. “Essa história de que as mulheres se masturbam, eu nunca fiz isso. Nunca me toquei. Na verdade eu não quero me fazer de ingênua nesse campo, eu sou”, confidencia. A experiência constrangedora da noite de núpcias aliada a fatores como a ausência de harmonia no relacionamento e à disparidade de personalidades fizeram com que o casamento não decolasse. Faltava à convivência as características que contribuem para a permanência de um casal. Mesmo assim, continuaram juntos até 1981. Os anos em que dividiram o mesmo teto, porém, foram marcados por várias crises. Prazeres trabalhava o dia inteiro e sempre foi mantenedora da própria casa. Antonio era funcionário de uma loja de móveis no centro de Caruaru. O salário que ganhava servia apenas para alimentar os próprios vícios. Em casa, dizia sempre que o patrão não havia pago a sua remuneração e costumava esconder o dinheiro na meia. Quando ia lavar a roupa suja, Prazeres encontrava. Antonio tornou-se alcoólatra e Prazeres, que não costumava ingerir nenhuma bebida alcoólica, sentia-se incomodada com o comportamento do marido. Desde cedo, ela aprendeu a se virar sozinha em casa. O exemplo deixado pela mãe, ainda na infância, fez com que ela aprendesse a superar o fato dúbio e incomum de ser casada e ao mesmo tempo não poder contar com o marido para garantir o próprio sustento. Dona Antonina criou os filhos praticamente sozinha. Assim que a família foi morar na cidade, o pai, Antonio Inácio, quis se desfazer dos poucos objetos que tinham em casa. Vendeu a mesa em que a mulher e as filhas cortavam tecidos, em se-

guida dona Antonina comprou de volta. Depois, vendeu o rádio onde as mulheres ouviam as novelas, diariamente, enquanto costuravam. O comprador foi o vizinho, dono da mercearia, que devolveu o objeto a dona Antonia e permitiu que ela pagasse o valor em prestações. Na época em que moravam na Rua Martin Afonso, o pai quis vender a única garantia que a família possuía: a própria casa. Seu Antonio chegou com um comprador e o episódio terminou em separação. - Antonina, vendi a casa. - Mas o que?, reagiu a mãe. - Vendi a casa. - Olha Antonio, você fez de tudo e eu não disse nada. Mas eu tenho uma ‘fieira’ de gente, como é que você vai vender a minha casa? - Ele já vendeu, disse o comprador. - Tá “desvendida”, determinou dona Antonina. Essa foi a primeira de uma série de separações. Dona Antonina tinha em mente que o casamento devia durar até que a morte separasse o casal e motivos fúteis não deviam pôr fim a relações matrimoniais. Ela sempre procurava maneiras de amenizar as situações. No dia em que seu Antonio Inácio disse que ia embora de casa, ela sofreu muito com a situação. Bernardo chorou copiosamente e pediu que o pai não os abandonasse. A mulher disse que a mesma porta pela qual ele estava saindo, estaria aberta no dia em que quisesse retornar. Maria das Mercês diz que ela e os irmãos nunca presenciaram brigas entre os pais. “Meu pai era um homem conquistador. Não foi pela vontade de minha mãe (que ele saiu de casa), mas pela vida boêmia que levava. Minha mãe soube suportar. Até a hora de morrer, ela deu lição de vida para nós. Meu pai, apesar de ser boêmio, não era violento. Ele era insensível às situações. Os pais, naquela época, eram mais rígidos. Bastava que olhassem e sabíamos que estavam nos repreendendo. Ele não era grosseiro, mas minha mãe sofria e nós sofríamos juntos”, conta. Na época em que Prazeres e Antonio se casaram, as casas populares das Cohabs I e II, em Caruaru, começaram a ser vendidas. Como queria conquistar o direito da moradia própria, Prazeres passou três dias e três

noites enfrentando uma fila enorme de pessoas. Alguns levavam tamboretes, outros se deitavam no chão, como ocorrem em filas do INSS. Enquanto ela suportava o frio, o marido ficava em casa dormindo. Ela conseguiu a casa, mas de nada adiantou o esforço. Na tentativa de agradar ao marido, cedeu o espaço para os pais dele, que não tinham casa própria. “Eu fiz tudo para viver com ele”, diz Prazeres, que chegou a vender o primeiro carro que conquistou porque o marido se sentia enciumado. O fusquinha cinza azulado, carro super popular à época, foi comprado com muito esforço e antes de ser vendido, fez a sua dona derramar algumas lágrimas. Prazeres aprendeu a dirigir com Elias Teodoro, o pastor da Igreja Batista que realizou o seu casamento. Naquela época, o pouco que ganhava não possibilitava ir a uma auto-escola. A hipótese de aprender a dirigir com familiares ela também dispensava. “Parente não ensina, ele briga com você e lhe critica, principalmente se for marido”, revela. Em 1977, Prazeres estava prestes a concluir o curso de Letras e trabalhava como coordenadora do Colégio Sete de Setembro. Sua graduação havia sido custeada pelo crédito educativo (atual Fies), que oportuniza ao estudante a formação superior financiada pelo Governo Federal. Somente dois anos após a conclusão do curso, o aluno começa a devolver o valor de forma parcelada. Como trabalhava desde cedo, Prazeres passou todo o período de estudos juntando o dinheiro que recebia. No final, percebeu que a reserva dava para adquirir um transporte. Quando comprou o primeiro carro, embora já soubesse dirigir, ela não tinha confiança para sair com ele. Na casa da Praça Coronel Porto, havia um enorme quintal com muitas árvores frutíferas. Algumas pessoas utilizavam o espaço como estacionamento e pagavam uma quantia à família. Só havia, no entanto, um espaço coberto e era lá que Prazeres guardava o fusquinha. Numa certa manhã, ela saiu para trabalhar. Preferiu ir a pé, pois tinha medo de sofrer algum acidente. Prazeres estava na secretaria da escola quando foi surpreendida pela professora Maria Eunice Tabosa. Dide, como era conhecida, foi uma das pessoas que guardavam os seus veículos

na casa da família Barbosa. Entristecida com o que havia terminado de ver, ela contou para a amiga. - Mas Prazeres, eu fiquei tão triste, tu acredita? O telhado da garagem da tua casa caiu, mas graças a Deus que só tinha um carro lá. - Como é Dide? - Caiu agora de manhã e foi a maior “zuada”. - Que cor era o carro que estava lá?, perguntou Prazeres. - Era um fusquinha, respondeu Dide. Prazeres chorou muito e explicou para a amiga que aquele era o seu carro. O fusquinha cinza azulado que ela não costumava dirigir para não bater e que agora estava totalmente comprometido. Rapidamente, chamaram o professor Rubem de Lima Barros, diretor do educandário. Explicaram o que havia acontecido para ele e, em seguida, foi com Dide e Prazeres até o local. Dona Antonina os recebeu desesperada. O pastor Elias também estava lá. O professor Rubem mandou então que Prazeres se acalmasse e se propôs a pagar o conserto e depois descontar parceladamente de seu salário. Assim que recebeu o carro pronto, Prazeres passou a dirigir todos os dias. Para qualquer lugar que fosse, ia sempre acompanhada de seu fusquinha. A alegria durou pouco. Percebendo que o marido sentia-se mal com o fato de o carro ser uma conquista da mulher, ela foi ao centro da cidade e o vendeu. Ao chegar em casa, comentou a decisão que havia tomado. -Pronto, se o problema da gente era o carro, ele não existe mais. - Você vendeu?, indagou Antonio. - Vendi. Eu só quero que a gente viva bem. Nem mesmo o fato de abrir mão de um dos poucos bens de valor que possuía fez com que Prazeres evitasse a frieza da relação conjugal. Restava apenas uma última cartada e ela não hesitou. O nascimento de um filho poderia mudar de vez aquela situação e Prazeres se deixou engravidar. Foi com o marido a um hospital, passaram por uma série de exames para atestar a boa saúde de ambos. Logo depois, ela interrompeu o anticoncepcional. Prazeres queria e sabia que a partir daquele momento corria o risco de engravidar a qualquer momento. Quando a notícia foi confirmada, ela

passou por um dos momentos de maior desespero enfrentados ao longo da vida. “Nós mulheres só acreditamos que estamos grávidas quando estamos com um exame nas mãos. Quando eu recebi o resultado me deu um desespero enorme, não pelo filho, mas pelo medo de o menino nascer. Cheguei em casa chorando e minha mãe dizia que todas as pessoas nasceram de alguém e que ninguém surgiu de um pipoco”, conta Prazeres. À medida que a barriga crescia, ela começou a aceitar a ideia de ser mãe. Dr. João Farias, o médico responsável pelo parto, costumava dizer que sua paciente deveria se chamar Maria das Dores e não Maria dos Prazeres. Numa das consultas de pré-natal, o médico disse que apesar de ser pequena, ela teria chances de conceber a criança através de parto normal. Mas, se isso não fosse possível, a submeteria a uma cesariana. Como insistia em não sentir dores, Prazeres acabou fechando um acordo com o médico. Antes de completar os nove meses, ela iria ao hospital onde ele estaria de plantão. Lá, fingiria estar sentindo fortes dores e seria preparada para o procedimento cirúrgico. Foi exatamente isso que aconteceu. No dia 1º de junho de 1978, às 10h15min, Prazeres, que durante a gravidez chegou a pesar 60 quilos, deu à luz o pequeno Vergílio Barbosa de Melo. A criança nasceu com 3,75 quilos e medindo 45 centímetros. O parto aconteceu no Hospital Jesus Nazareno (Fusam), em Caruaru. “Não tive leite para amamentar, coisa que se houvesse estímulo não teria acontecido, mas ninguém me orientou para isso”, recorda. Todo o período em que passou no hospital, quatro ou cinco dias, Prazeres não deu uma palavra. “Para não pegar gases”, justifica. As enfermeiras pensavam que ela era muda, pois se comunicava através de gestos. Somente no dia em que recebeu alta, ela decidiu falar. Ao perceber que a paciente conversava com o médico, uma das enfermeiras questionou: “ah, ela fala?”. “Por quê?”, disse o médico. “Porque até hoje essa mulher não deu uma palavra aqui”, continuou. “É que Dr. João disse que pegava gases”, resmungou Prazeres, provocando risos. A nova mãe retornou para casa com motivos de sobra para acreditar que as coisas finalmente iriam mudar. Nessa época, Prazeres e Antonio frequentavam a igreja evangélica e apresentaram o filho em um culto

dominical. Nos primeiros meses, a dedicação era total. Prazeres passava os dias cuidando de Vergílio. Quando voltou a trabalhar, contava com o apoio da mãe e da irmã, Maria das Neves, para auxiliar na criação dele. Vergílio foi uma criança diferente das demais e, desde cedo, precisou lidar com a ausência da mãe professora e, anos mais tarde, atriz. “É muito difícil para uma criança ter a dimensão exata do que é ter uma mãe atriz, uma vez que eu nem entendia ao certo o que era ser artista. Contudo, não me custou muito perceber a presença de uma professora em casa! As demandas de sucesso acadêmico eram implacáveis e eu as cumpria à risca. Talvez a minha única percepção de ter tido uma mãe atriz na infância tenha sido a ausência dela, devido às viagens”, lembra. O jovem explica ter a consciência de que a qualquer momento teria que passar uns dias na casa da avó ou tias. “Eu sempre fazia xixi na cama delas”, diz. “Enquanto os meus colegas queriam saber onde estava a bola, eu queria saber quem era, de onde vim e para onde iria. Gostava de sentar à mesa com a minha avó, mãe e tias para tomarmos chá e recusar todos os tipos de biscoitos ofertados pela minha avó. Gostava do mundo dos adultos”, acrescenta. O menino seguiu os passos da mãe. Aos 18 anos, viajou para o Canadá e especializou-se na língua inglesa. Hoje, é professor do idioma universal. Também é um exímio e talentoso pianista. Ele não descarta a possibilidade de haver sido influenciado pela mãe ao abraçar a profissão. “Passei quase toda a minha adolescência tentando achar em mim o que era diferente dela. Até me enganei, achando que éramos o oposto um do outro. Hoje, não só vejo que sou ela de calças, mas também que metade dela sou eu. Nossas atitudes, valores morais, posicionamentos, são mesclados. Temos uma relação de parceria. Nunca fomos muito carinhosos, pois eu sempre fui muito frio e seco nas relações. Trocamos muito e confiamos na opinião um do outro. Somos mais amigos do que parentes. Isso é perfeito!”, acredita. Prazeres diz que gostaria de ter sido mais presente, entretanto, sua ausência era algo extremamente necessário. “Sempre fui mantenedora da casa e precisava trabalhar os três expedientes. As dificuldades vividas fizeram do meu filho o ‘brilhante’ que toda mulher gostaria de ter. Sou realizadíssima

como mãe e ele diz que sou a mãe que ele queria ter. Somos amigos, companheiros e acima de tudo, confidentes e cúmplices”, comenta a mãe. Embora o filho tenha trazido muitas alegrias para o lar do casal Antonio e Prazeres, não foi suficiente para reverter a instabilidade da relação. Aos três anos e meio, o pequeno Vergílio viu o seu pai abandonar a família e o lar. Prazeres fez tudo o que era possível a uma mulher para que o casamento desse certo. Nada disso, porém, foi suficiente. “Eu disse para ele: o que você quer que eu faça para que o casamento da gente não acabe? E ele me disse: não, você não precisa fazer mais nada. Mas não dá mais certo”, recorda Prazeres. O fim do casamento abalou profundamente a jovem mãe solteira. Uma atmosfera sombria de reclusão, tristeza e decepção se instalou em sua mente. Nessas horas, as consequências da perda parecem muito mais psicológicas do que reais e as mudanças de comportamento foram percebidas por seus alunos. Na época, ela ensinava também no turno da noite e acabava se tornando confidente dos estudantes. Um deles, Genilson, notou que algo estava errado. - Dona Prazeres, a senhora tá bem? - Estou, por quê? - É que a senhora não tá dizendo coisa com coisa. - Eu não acredito! - É. - Foi bom você ter me avisado, eu realmente estou passando por uma fase danada. A partir desse episódio, ela percebeu que precisava de ajuda. Acompanhada pela mãe, procurou ajuda médica. A recomendação feita pelo Dr. Luiz Carlos, a dona Antonina, foi decisiva: “ou a senhora junta esse casal ou separe, porque sua filha vai ficar doente”. Em seguida, ela procurou Antonio e ouviu algumas justificativas acerca da separação. “A sua filha é perfeita, mas eu não gosto mais dela. Ela quer ser a mulher mais limpa do mundo e eu não aguento”, disse ele. “Então fique tranquilo que eu vou separar vocês dois”, prometeu a mãe. Atendendo a recomendação do psiquiatra, Prazeres foi levada a um

lugar distante de toda aquela agitação. Junto com a mãe, passou um mês numa casa que pertencia ao irmão, Bernardo Barbosa, na praia de Maragogi, litoral pernambucano. Enquanto tomava a medicação, Prazeres que sempre foi muito habilidosa com trabalhos manuais começou a fazer artesanato com conchas e seixos do mar. Lá, manteve contato com umas freiras que a ensinaram a produzir diversas peças artesanais. Todos os dias andava com dona Antonina pela areia do mar, apanhando as conchas e levando para casa. Passado aquele período de recuperação, elas voltaram a Caruaru. Imediatamente, Prazeres procurou o marido. - Já vai começar o sermão?, perguntou Antonio. - Não, o sermão só tem dez minutos e eu resolvo, disse Prazeres. - Hoje é oito de setembro (de 1981). Eu pedi para você me amar e você não me amou; pedi para me matar e não matou; pedi para me querer e você não me quis... Então, eu estou saindo. A casa é de mamãe, você sabe. Enquanto você se organiza, fique aí. Depois entregue a chave para ela. Os dois se despediram, Prazeres deu as costas e foi embora com o filho. Nesse período eles moravam na casa da Rua Martin Afonso e ela voltou a viver com a mãe, na casa nº 390, da Rua Imperatriz Leopoldina, no bairro Indianópolis. Antonio quis tirar os pais da casa que Prazeres havia conseguido na Cohab II, mas ela não permitiu. “Você deixou de ser meu marido, mas seu pai e sua mãe não deixaram de ser meus sogros. Os dois só saem de lá mortos”, afirmou. Antonio passou alguns meses ocupando a casa da família Barbosa no bairro São Francisco. No dia 31 de dezembro de 1981, três meses após a separação, ele ligou para a esposa dizendo que precisava conversar com ela. Dona Antonina, porém, não permitiu que ela fosse até lá. Prazeres então mandou que ele viesse à sua casa. Quando chegou, foi direto ao assunto. Comunicou que estava desocupando o imóvel e queria o divórcio. A mulher quis dividir os poucos bens que tinha, mas ele não fez questão de nada, pois reconhecia a pouca – ou nenhuma - colaboração. Pouco tempo antes da separação, Prazeres ganhara do irmão Bernardo um terreno na Rua Barreiros, no bairro Caiucá. Quando voltou da

praia, onde passou um mês se recuperando, ela expôs na Casa de Cultura José Condé os artesanatos que havia fabricado. Com os vinte e três cruzeiros que recebeu, deu início às obras de construção de sua nova casa. As pessoas mais próximas zombavam dela, afinal, era um ínfimo dinheiro. Esperta, ela fez o alicerce. Do seu salário de professora, restava o suficiente para pagar dois dias ao pedreiro. Seu Chico, o profissional contratado por ela, trabalhava dois sábados por mês em sua casa. Prazeres ainda auxiliava o pedreiro na construção. Passou dois anos para que as obras fossem concluídas. O marido, que ainda estava com ela nessa época, nunca foi sequer checar como era o terreno. Com muito sacrifício e contando com a ajuda e doações de amigos mais próximos, terminou a casa. Seis meses após a separação, decidiu morar sozinha com o filho. Ainda abalada, ela chorava muito e aquela situação preocupava dona Antonina, que não queria ver a filha ir embora. Com um berço comprado de segunda mão e o filho pequeno, Prazeres foi morar na casa onde viveu até a mudança para o Rio de Janeiro, em 2007. Somente algum tempo depois ela descobriu o real motivo da separação. Antonio tinha outra pessoa e foi morar com ela. “Eu casei com um homem que ninguém apostava nele. Mas casei por amor e acho que ele também. O tempo foi passando e eu dentro da minha pureza, acho que isso não agrada aos homens. Eu não era uma mulher como os homens querem que sejamos. Ele bebia, fumava, gostava de jogos de azar. Enquanto eu vislumbrava o mundo lá na frente, ele não vislumbrava nada”, resume Prazeres. A atriz conta que essa foi a grande disparidade. “Eu fiz tudo que era possível uma mulher fazer para viver, mas ele foi se afastando, se desgostando de mim. Achava que o mundo se desmoronaria se eu viesse a me separar e quase enlouqueci, porque casei por amor. A gente ama várias vezes, eu tenho experiência. Ama-se várias vezes e ama-se intensamente. Eu o amava tanto que quando pensava nele, estremecia o coração. Era um amor incontrolável e eu pedi a Deus que tirasse esse sentimento de mim”, acrescenta. Com a morte dos sogros, Prazeres vendeu a casa da Cohab. Ela acreditava que Vergílio seria médico e o espaço serviria como clínica no futuro. Mas a vida lhe mostrou outros rumos e, com o dinheiro da venda,

adquiriu um piano para o filho, além de construir um quarto na parte superior da casa, para que ele tivesse o seu próprio espaço no lar. Além das crises na vida conjugal, Prazeres lidou com um desgaste em sua relação com a Igreja. Detentora de uma personalidade forte, ela é do tipo que não costuma levar desaforo para casa. Tudo o que não lhe agradava, era dito aos líderes da congregação. A relação com o pastor era de confidentes (tal qual a de um católico que se confessa com um padre, porém com algumas diferenças). Prazeres dividiu com ele o momento ruim que passava no casamento. Num culto dominical, ela chegou à Igreja e recebeu um bilhete de um dos membros, aconselhando-a a ter paciência e afirmando que estaria orando por ela. Aquilo a irritou profundamente. “Ora, eu não falei com o irmão, mas ele sabia do fato. Peguei o bilhetinho, fui lá e mostrei ao pastor. Disse que ele havia me traído e que não voltaria mais para lá”, conta. Recém separada e sem esperanças, ela decidiu declarar guerra aos homens e fazer o que sempre quis: enveredar pelo teatro. O início reservou para Prazeres o preconceito de familiares e amigos. Precisou lidar também com as críticas de seus companheiros de religião, que a acusavam de haver se “extraviado” e se entregue ao demônio. A Igreja não aceitava o fato de ela fazer teatro fora do âmbito religioso e começou a escanteá-la de suas programações. Por outro lado, o contato com o movimento teatral ajudou a projetá-la nacionalmente. No grupo do Sesc, Prazeres teve ainda a felicidade de encontrar um novo amor. José Francisco de Freitas Torres começou a fazer teatro em 1979, na Escola Nossa Senhora de Fátima, em Caruaru e tinha como colega o jovem Severino Florêncio, que no ano seguinte criou o Grupo de Teatro do Sesc. Em 1981, Severino o convidou para integrar a equipe, estreando no ano seguinte o espetáculo Hoje a Banda Não Sai. Magra, com cabelos curtos e aspecto triste, pouco tempo depois Prazeres passou a fazer parte do grupo. Interessada em desbravar na profissão, acompanhava-os em todas as apresentações que faziam. Francisco sempre brincava, dizendo que ela acabaria interpretando o delegado, devido à quantidade de vezes em que assistiu à peça. Assim

como a colega de teatro, ele estava com o seu casamento fracassado (embora continuasse vivendo sob o mesmo teto que a esposa). Os encontros nas oficinas e durante as apresentações permitiram que os dois se envolvessem. No início, Prazeres hesitou. Já repudiada por estar fazendo teatro, temia o que as pessoas iriam comentar a seu respeito se soubessem que ela havia se envolvido com um homem casado. O relacionamento causou forte impacto no seio da família Barbosa, que não aceitava a relação. Prazeres, até então, era o supra-sumo da honestidade e isso a unia ainda mais a dona Antonina, que sempre fora uma mulher de integridade intocável. Os irmãos também ficaram chocados com a notícia. No lar de Francisco, a situação não fora diferente. Afinal, sua esposa estava grávida e não se conformava com a separação. Mais uma vez, o coração falou mais alto e Prazeres decidiu dar uma chance a si própria. O romance foi importante para que ela voltasse a acreditar no amor. “É uma coisa inexplicável. Não houve aquele impulso de querer namorá-la. As coisas começaram a acontecer pela beleza interior que ela jogava para fora, pela simplicidade dela, porque eu sempre fui uma pessoa simples e tímida. Então, começamos a ser amigos sem nenhuma intenção e as coisas foram acontecendo”, comenta Francisco, que é funcionário aposentado pela Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa). Se até então Prazeres ainda podia contar com a amizade de algumas pessoas, após a notícia de que namorava um homem casado todos se afastaram definitivamente dela. A relação também anulou os laços com a família, que desaprovava o seu romance. Nesse período, Francisco era aluno da graduação em História, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru. Socorro Barbosa fazia parte do corpo docente da instituição e isso gerava certo desconforto. A separação provocou um grande trauma na família de Francisco. Ciumenta, desde a entrada dele no grupo do Sesc, a esposa (que não simpatizava com teatro) o acusava de sair de casa para “arranjar outras mulheres”. Grávida da terceira filha, ela soube que o marido havia engatado um novo romance. Prazeres e Francisco passaram a andar juntos e aos poucos a relação foi se tornando de conhecimento público.

“O meu casamento estava totalmente desgastado e eu não estava no teatro e nem no mundo atrás de mulheres. Estava fazendo algo que gostava e as coisas começaram a acontecer. Fomos ficando cada vez mais íntimos e essa amizade foi tão bonita que se transformou num relacionamento de marido e mulher. Começamos a ver o mundo de outra forma. Eu tinha três filhos, uma que estava acabando de nascer. Nós vivíamos uma vida de tormentos. Quando ia para o teatro me sentia inteiro e, nessa verdade, começou a surgir um amor”, revela Francisco. Prazeres também se preocupava com o filho. Vergílio tinha apenas cinco anos quando conheceu Francisco e ela temia o que a criança iria pensar daquilo tudo depois que crescesse. Temendo que outros fizessem intriga com os alunos que participavam do teatro, abriu o jogo com todos eles. “As pessoas vão dizer que eu estou namorando um homem casado e que sou uma puta, pois eu estou mesmo. Mas Francisco não está mais vivendo junto com a mulher dele e se alguém vier fofocar, digam que vocês já sabem”, alertava a professora. Em 26 de fevereiro de 1984, o casal selou a união numa lua de mel na praia de Porto de Galinhas (PE). A partir dali, passaram a ser marido e mulher (sem, no entanto, se casarem oficialmente). Francisco permaneceu morando em casa com a esposa e os filhos por um longo tempo. Com exceção do período em que estão vivendo no Rio de Janeiro, Prazeres e Francisco nunca dividiram o mesmo lar. Em Caruaru, passavam o dia juntos, mas dormiam em casas separadas. “Ele via isso com a maior naturalidade. Eu pagava minhas contas e ele as dele”, explica Prazeres. A atriz sempre quis ter o seu próprio lugar. Em casa, o comando é dela e “na casa dos outros eu não podia fazer isso”, conta. Para que Francisco finalmente se desvinculasse da esposa, ela o ajudou a construir uma casa no bairro das Rendeiras, em Caruaru. O imóvel pertence aos dois, mas sempre serviu de moradia para ele. Atualmente, a residência é ocupada, temporariamente, pela filha caçula de Francisco. “Não vivíamos na mesma casa, mas não éramos separados. Uma vida a dois em todos os sentidos. Essa foi uma fase que passou, agora estamos vivendo uma nova vida”, ressalta Francisco.

O casal atuou junto em todos os espetáculos promovidos pelo Grupo do Sesc. Com exceção de Avatar, em que ele participou da equipe técnica, e dos espetáculos montados no Recife (A Feira e NegroRei), a parceria entre os dois durou até a última peça estrelada pela atriz, Whisk pra Guiomar. Fizeram também alguns filmes juntos. O convívio maior foi, sem dúvidas, nas atividades desenvolvidas pela Companhia Prazeres Barbosa, coordenada por ele e supervisionada por ela. Da convivência de vinte e cinco anos, ele fala com propriedade sobre a personalidade da mulher. “A querida é uma pessoa muito determinada e algumas vezes eu digo para ela ter um pouquinho de calma porque ela é imediatista. Prazeres é muito elétrica e muitas vezes nós erramos por causa dessa vontade de querer que as coisas aconteçam rápido demais. Se ela tiver algo para fazer agora, não deixa para fazer mais tarde. É uma pessoa que não fica parada. Em casa, às vezes eu digo: ‘minha filha, pelo amor de Deus, pare! ’. Quando para um pouco pra ver televisão ou descansar, ela reclama que está roubando o próprio tempo”, confessa. Francisco Torres, que é separado judicialmente, assim como Prazeres, diz que já pensou em casar com a mulher, embora seja adepto do conceito de que casamento é apenas sinônimo de boa convivência. Assume que é ciumento, mas ressalta que a confiança é um dos ingredientes mais importantes para o longo relacionamento. “Quem disser que não tem ciúme está faltando com a verdade”, define. O ator garante ainda que o sucesso de Prazeres nunca o incomodou. A convivência entre ambos, todavia, não foi pacífica o tempo inteiro. Como ocorre com a maioria absoluta dos casais, Prazeres e Francisco enfrentaram várias crises ao longo dos anos de relacionamento. Algumas, entretanto, resultaram em dolorosa separação. Prazeres sempre foi independente e garantiu o sustento da própria casa. Era assim na época em que se casou e permanece durante os anos em que vive com Francisco. No início dos anos 2000, preocupada com o avançar da idade, ela sugeriu que Francisco pagasse o seu plano de saúde, mas ele se recusou. Alguns anos depois, quando decidiu criar o próprio teatro para servir como sede de sua Companhia, ela o convidou para tornar-se parceiro na

concretização de mais um sonho, “mas ele não aceitou e eu fiquei muito decepcionada com isso”, revela. A partir daí, as coisas começaram a mudar. Embora continuassem juntos, as afinidades já não eram mais as mesmas. Prazeres começou a se desgostar e o chamou para conversar. Explicou que as coisas não estavam corretas daquela maneira, mas o esforço pouco adiantou. “Essas coisas muito me machucaram, o fato de as pessoas não me assumirem, não compartilharem do ‘ter’ comigo. Parece que tenho um estigma em relação a isso, talvez porque eu gosto de ser independente, de comandar. E se você está pagando, o comando é seu. A ficha começou a cair, a coisa foi ficando monótona e eu dicidi virar o jogo”, conta. Em 2005, Prazeres foi selecionada para participar da microssérie A Pedra do Reino e passou três meses fora de casa. A distância separou ainda mais os dois. Quando retornou a Caruaru, passou pouco tempo e foi convidada para participar da novela Duas Caras. A mudança para o Rio de Janeiro pôs um ponto final (ou quase) na relação com Francisco. “Você não se sente gente quando o outro não compartilha aquilo que é tão bobo. Mas eu demorei muito para sentir isso, porque quando amo é com muita intensidade. E quando amamos com intensidade, ficamos cegas. Foi quando decidi dar um basta”, comenta. A chegada à Globo mudou radicalmente a vida da atriz, sobretudo no campo emocional. Como as relações acabam ou clamam renovação, faltava-lhe naquele momento um novo amor e a vida tratou de lhe proporcionar. Ela, porém, não fez nenhum sacrifício para que as coisas acontecessem. A grande responsável pelo novo romance foi uma ferramenta moderna, da qual a atriz é fã e utiliza diariamente: a Internet. Aos 58 anos, Prazeres Barbosa viu uma louca paixão ‘virtual’ materializar-se no mundo real, das emoções e do amor. O relacionamento representaria um vendaval, um mar de polêmicas.

REI MORTO, REI POSTO: RÉVEILLON EM COPACABANA

De porte médio, cabelos pretos, lisos, moreno, com um sorriso permanente, mas sutil; o jovem Chrystian de Arruda Silva tinha 26 anos, em outubro de 2007, quando se preparava para passar o carnaval do ano seguinte na cidade de Salvador (BA). A essa altura, já havia providenciado passagens e abadá para desfilar no bloco da cantora Cláudia Leitte. Contente ao ver uma conterrânea estrear numa novela das oito, produzida pela Rede Globo, o rapaz encontrou o perfil da atriz no site de relacionamentos Orkut e em seguida enviou-lhe uma mensagem, parabenizando-a pela atuação em Duas Caras. Atenciosa, Prazeres faz questão de responder a todas as mensagens que recebe e com Chrystian não foi diferente. A resposta continha um agradecimento e a afirmação de que sentia saudades de sua terra. O rapaz teve então a ideia de lhe enviar um vídeo do cantor de forró Flávio José, a fim de que ela pudesse “matar” um pouco a saudade. “Até então, eu não tinha nenhum interesse, estava apenas seguindo o modismo da galera (de estar enviando recados). Então ela respondeu novamente dizendo que eu estava intimado a ficar enviando notícias de sua terra para ela”, conta Chrystian. O rapaz chegou a pedir o endereço de e-mail da atriz e o seu contato no MSN (ferramenta de bate-papo). Prazeres explicou que não costumava utilizar o recurso, mas no dia em que ela estivesse online, os dois conversariam. Outro dia, acabaram acessando o programa no mesmo horário e conversaram rapidamente. Adiante, as conversas começaram a ser constantes e os dois passavam longas horas na frente do computador. “A coisa foi tomando um embalo, começou uma empolgação minha e dela, a ponto de nos acostumarmos a ficar conversando”, revela Chrystian. “Muitas vezes eu chegava tarde em casa, da faculdade, e ela estava me esperando. Já passamos mais de cinco horas teclando pela Internet. Éramos dois adolescentes. O domingo era nosso no Skype (programa que permite aos usuários conversar em tempo real, com recursos de áudio e imagem). Mas ela saía para os lugares que queria, eu também. Nunca fica-

mos um no pé do outro. Combinamos para viver o hoje sem nos preocuparmos com o amanhã”, complementa. Os contatos mantidos pelo celular fizeram com que o rapaz mudasse totalmente os seus planos. Com passagem comprada para Salvador, decidiu cancelar o vôo e agendar um novo, desta vez para o Rio de Janeiro. “Eu até brinquei com ela e disse que deixei de ver a Cláudia Leitte para vêla. Nesse período ficamos nos comunicando e ela precisava resolver os seus problemas pessoais para podermos ficar juntos”, conta Chrystian. Como se aproximava o período natalino, ele começou a pensar no presente que iria mandar para a mais nova “amiga”. A distância fez com que o rapaz tivesse a ideia de criar algo que agradasse e ao mesmo tempo não fosse necessário transportar de um Estado para outro. Mais uma vez, a Internet foi a solução. Chrystian elaborou um arrojado projeto para a construção de um blog em homenagem a Prazeres, o apresentou e afirmou que caso ela autorizasse, ele publicaria. A atriz aprovou de imediato. “Ela disse que estava perfeito e que ficaria fornecendo para mim o material. No dia que eu quisesse acabar, poderia, sem problemas. Mas que estava adorando, porque ninguém havia feito algo do tipo para ela”, destaca. Nessa fase, a Cultura Inglesa de Caruaru promoveu uma homenagem a Prazeres Barbosa em sua sede. Reuniram parte do acervo da atriz em uma exposição aberta para visitação ao público. Chrystian compareceu ao evento. Fotografou tudo para que ela pudesse conferir em seguida. Até então, ele jamais havia assistido a uma peça de Prazeres, e sabia pouco a respeito da carreira profissional dela. No início dos anos 2000, o jovem trabalhava num shopping em Caruaru e costumava vê-la transitar pelo local. Nessa época, a atriz já chamava a atenção do rapaz. As colegas de trabalho o alertavam quando ela chegava ao centro de compras: “olha a baixinha ali, passando”. Imediatamente, ele corria para vê-la. “Eu já olhava para ela há algum tempo, mas não nos conhecíamos”, diz. No período em que se comunicavam pela Internet, Prazeres e Chrystian usavam a webcam para se ver. A oportunidade de se conhecerem

pessoalmente aconteceu em fevereiro de 2008, quando ele trocou o carnaval baiano por dias mais sossegados na Barra da Tijuca (RJ). “Falamo-nos muitas vezes e as nossas conversas eram muito soltas, porque as pessoas se inibem ao conversar com ela e eu nunca tive esse problema. Talvez eu fosse uma companhia, mesmo distante, que fazia bem para ela”, acredita. A nova paixão serviu para aflorar ainda mais um lado pouco conhecido de Prazeres Barbosa: o seu amor pela poesia. Os escritos introspectivos retratam cada momento vivido por ela. A maioria de seus poemas fala de amor, “porque eu sempre fui uma pessoa inteira no amor, sempre vivi meus momentos intensamente”, explica Prazeres. Embora entenda pouco de música, acabou solfejando algumas notas. Compunha também na época em que era professora, mas quase nada ficou registrado. Em 2003, quando montou A Feira, Prazeres compôs a canção Os Prazeres de Caruaru, gravada depois pelo cantor Israel Filho, que alterou a letra, passando a dividir a autoria da canção com a atriz. Mas, ela gosta mesmo de fazer paródias. Uma de suas preferidas foi elaborada com base na letra da música Aconchego. Contudo, a sua inspiração é mesmo para o lado poético. “Tenho poesias que dá para publicar um livro”, revela. De fato, na década de 1990 ela selecionou os seus escritos favoritos para publicá-los. O título chegou inclusive a ser definido. Prazeres comentou em entrevistas que pensava em publicar Essência, o seu primeiro livro de poesias. Por coincidência, publicaram um livro com o mesmo título em Caruaru. O projeto está arquivado e ela pensa em resgatá-lo algum dia. A forma inusitada como iniciou o romance com Chrystian inspirou um poema. O texto fala sobre a influência que a Internet exerce na vida das pessoas e expressa a opinião de sua autora sobre a possibilidade de acontecer algo mais além da tela de um computador. À medida que os dias se passavam, os dois foram se aproximando ainda mais, a ponto de decidirem passar o carnaval carioca juntos. Prazeres ainda não havia comunicado a Francisco que estava apaixonada por outro homem. Percebendo a determinação dela em querer pôr fim à relação “estável” com Francisco Torres, Chrystian agendou o vôo. Em dezembro de

2007, dois meses antes de ele embarcar, Prazeres recebeu uma visita inesperada. Na tentativa de reverter aquela situação, Francisco foi ao Rio de Janeiro. Mas ela estava decidida e abriu o jogo. “Foi uma tragédia e eu não abri mão. Nós chorávamos muito, mas eu disse que estava apaixonada por um rapaz e que havia terminado tudo entre a gente”, diz. Prazeres contava os dias para que chegasse o momento de encontrar Chrystian pela primeira vez. No carnaval do ano seguinte, ele foi ao encontro dela. A viagem representou uma verdadeira maratona. O vôo estava marcado para as cinco e meia da manhã e, para chegar a tempo, o rapaz foi um dia antes para Recife. Chegou às vinte e uma horas e passou a noite inteira no aeroporto esperando o momento do vôo. A ansiedade aumentava a cada minuto. Chrystian chegou ao Rio de Janeiro por volta das dez horas do dia seguinte. No saguão do aeroporto do Galeão, Prazeres Barbosa o esperava, vestida de azul, com uma faixa da mesma cor na cabeça. “Foi um momento ímpar. O sorriso dela, os olhos dela brilhavam, eu nunca tinha visto uma pessoa com aquela reação para mim. Foi recíproco também, porque quando eu a vi percebi que era exatamente do jeito que eu imaginava. Ela estava muito cheirosa. Parecia que nos conhecíamos há séculos, foi uma sintonia incrível, fora do comum”, define. Nessa fase, Prazeres estava morando na Barra da Tijuca, num apartamento cedido pela Globo. Lá, passaram juntos quinze dias. “O carnaval foi maravilhoso, era uma novidade para mim. Tudo era um encanto porque o Rio de Janeiro é um encanto na verdade. E eu estava com ela num cenário perfeito. Não fomos ver as escolas de samba, mas fizemos passeios turísticos. E era novidade para ela também, que estava há pouco tempo lá”, diz Chrystian. Os dias foram regados a passeios, hambúrguer, Milk shake e até banho de chuva. O rapaz só não conseguiu levá-la para tomar banho de praia, pois Prazeres não entra no mar. Na quarta-feira de cinzas, foram a Copacabana ver o encerramento do carnaval, com o encontro dos blocos. De repente, começou a cair uma chuva muito forte e ela quis se esconder. “Eu não vou tomar banho de chuva”, disse. “Vai tomar sim”, determinou

Chrystian. Os dois voltaram para casa ensopados. “Fomos para o Cristo Redentor, tiramos muitas fotos lá. Nós deitávamos no chão para fotografar um ao outro. A gente vê muito isso em novela, né? Aquela diversão, aquele cenário perfeito, passeio na praia, chocolate. Assistimos muito ao DVD de Fábio Junior. Houve momentos só nossos; eu, ela e Fábio Junior. A música Alma Gêmea foi a que mais marcou” relembra Chrystian. Após esse período, ele retornou a Caruaru. Continuaram mantendo contato e um mês depois Chrystian acabou voltando à Cidade Maravilhosa. No final de março de 2008, durante a Semana Santa, Vergílio Barbosa, filho de Prazeres, ligou dizendo que estava indo para o Rio e perguntou se ele gostaria de ir. O rapaz disse que havia ido há um mês e não dava para retornar, por questões financeiras. Vergílio, que estava indo para lá definitivamente, acabou o convencendo a ir junto. O apoio do filho foi fundamental para que Prazeres apostasse num relacionamento com uma pessoa muitos anos mais jovem que ela. Para receber o namorado, preparou um jantar à luz de velas. “Chegamos às duas da madrugada – eu e o filho dela – e estava tudo preparado. Foi fantástico, ela impressionava com coisas simples. O relacionamento da gente foi assim, um chamando a atenção do outro sempre”, afirma Chrystian. Desta vez, ele passaria apenas oito dias no Rio. Nesse período, Prazeres estava no pique de gravações da novela. Geralmente, ia pela manhã ao Projac, algumas vezes à tarde. A atriz chegava ao condomínio sempre maquiada. “E eu brincava com ela dizendo que estava com duas mulheres, a Prazeres e a Shirley”, sorri. Diferente da primeira vez, quando passaram os dias visitando pontos turísticos do Rio, decidiram curtir o cenário da Barra. “Era praia, piscina, e eu não consegui colocá-la no mar, pois ela não gosta e tem medo”, entrega Chrystian. Durante o dia, dedicavam algumas horas à prática de exercícios na academia do condomínio. Atleta de competição e com uma boa base em hidroginástica, adquirida durante os poucos períodos do curso de educação física (interrompido pela metade), Chrystian motivava Prazeres a nadar. Ela chegou a comprar um “macarrão” para as aulas. “Nós ocupamos

muito tempo com isso, exercícios físicos, caminhadas, esteira, bicicleta, piscina e natação”, resume. Em julho de 2008, Prazeres foi a Caruaru. A atriz quis viajar um mês antes, para aproveitar o São João em sua cidade, mas as gravações não lhe permitiram chegar a tempo. A viagem foi motivada, sobretudo, pela decisão que ela havia tomado. Prazeres procurou Francisco e abriu o seu coração. Reafirmou que estava apaixonada por um homem mais jovem que ela e que a relação dos dois não dava mais certo. Disse ainda que estava “jogando tudo para o alto” em nome desse amor e que cada um passasse a viver sua própria vida. A atriz passou menos de um mês em sua cidade. Durante o período, circulou por vários lugares de Caruaru com o novo namorado. Um dos points prediletos era a praça de alimentação do Polo Comercial. Os encontros eram discretos e ela estava sempre rodeada de amigos, especialmente os integrantes de sua Companhia teatral, que embora mantivessem laços de amizade com Francisco, apoiaram-na em sua decisão. Quando voltou ao Rio, ela permaneceu mantendo contato com Chrystian. Os dois estavam cada vez mais íntimos. “Foi uma paixão avassaladora, de ambas as partes. Alguma coisa maior do que você possa imaginar. Você não domina. Por mais que queira disfarçar, não consegue. Fugiu da minha ética”, descreve Prazeres. A relação despertou em ambos alguns sentimentos que resultaram na melhora da auto-estima. “As pessoas gostam de falar, então eu precisava ter uma profissão legal e ser uma pessoa que as outras vissem com bons olhos e não como alguém que queria se promover ao lado dela. Eu tinha essa preocupação e ela me incentivou a cursar Matemática, que era o curso que eu gostaria de fazer. O apoio de Prazeres foi fundamental para que hoje eu pudesse estar onde estou”, confessa Chrystian, que atualmente leciona num colégio particular de Caruaru. Segundo Prazeres, uma nova paixão nessa fase da vida ajudou a despertar o seu lado feminino. “Eu me mantive a vida inteira, decidia tudo dentro de casa, no teatro, na escola. Isso faz com que a gente assuma o lugar do homem. Houve períodos na vida em que eu nem sabia mais se

era mulher. Podia ir para onde quisesse, conversar com quem quisesse e Chrystian despertou em mim esse lado que estava adormecido há muito tempo. Esse foi o ponto-chave dessa paixão enlouquecedora”, define Prazeres, que passou inclusive a adotar um estilo de roupa mais jovem, por sugestão do rapaz. No segundo semestre de 2008, os dois começaram a fazer planos para o réveillon. Assim que o período letivo acabasse, Chrystian viajaria pela terceira vez ao Rio de Janeiro para encontrar sua namorada. Mesmo separados, Prazeres e Francisco continuaram mantendo contato. Ele permaneceu à frente da Companhia e das obras do teatro que ela estava construindo. Prazeres, no entanto, não escondia isso de Chrystian. “O contato existia, às vezes me incomodava, mas não tanto, porque ela me dava segurança. Ela largou tudo para ficar comigo sem pensar nas consequências. Poucas mulheres fariam isso”, reconhece o rapaz. Inconformado, Francisco voltou ao Rio em setembro do mesmo ano. A situação estava cada vez mais difícil. O fato de não aceitar o fim do relacionamento o deixou quase depressivo. Ao mesmo tempo em que insistia em reatar a relação, Prazeres estava cada vez mais decidida daquilo que queria para si. Em 26 de dezembro de 2008, assim que terminaram as reuniões do colégio, Chrystian pegou um avião com destino ao Rio. O rapaz viajou sob forte ansiedade, afinal, iria passar o réveillon ao lado de Prazeres, no perfeito cenário da praia de Copacabana, onde acontece a queima de fogos. Chrystian chegou ao aeroporto no período da tarde. Em seguida, o casal foi ao centro da cidade comprar os utensílios para a virada do ano. Embora fosse dezembro, o Rio de Janeiro já estava em ritmo de carnaval. Chovia bastante na cidade. Prazeres e Chrystian foram a uma loja de adereços e tiraram muitas fotos. “Foi a maior diversão. Nós saíamos de uma loja, entrávamos em outra. Fomos para o Saara (o point do comércio popular no Rio) e compramos roupa branca”, lembra. Às 17h do dia 31 de dezembro, eles pegaram um ônibus rumo a Copacabana. Prazeres já havia mudado para Jacarepaguá, onde mora atualmente. Acostumada com o ritmo das gravações, a atriz estava ansiosa por

não ter nenhuma previsão de trabalho quando a novela chegou ao fim. “Eu conversei e disse que ela estava muito ansiosa, se cobrando demais. E ela me disse que não estava feliz assim, que gostava de trabalhar e que o trabalho era a vida dela”, diz Chrystian. Mesmo assim, Prazeres estava muito empolgada para o réveillon, que era algo novo para ela. Em 2007, a atriz acompanhou a passagem do ano no Rio, acompanhada pelo filho. Ficaram no apartamento da Barra da Tijuca. Desta vez, não importaria o que acontecesse, o casal iria curtir a festa em Copacabana. Nem mesmo o trânsito congestionado foi capaz de afastar a animação. Depois de toda a agonia para sair de casa, indecisões acerca da roupa, do que calçar, por voltas das 20h Prazeres e Chrystian chegaram a Copacabana, que estava lotada. Ao som do grupo de pagode Revelação, o casal passou um de seus melhores momentos naquela noite. “Ficamos encantados. O nosso ápice foi ali”, define o rapaz. A noite foi vivida em clima de romance. Eles levaram uma canga, jogaram na areia e ficaram sentados por um bom tempo. Um helicóptero sobrevoava o local e Prazeres acenava. As poucas vezes em que se desgrudaram foi apenas para comprar o que comer. Beberam muitas garrafas de Smirnoff Ice (a bebida que estava presente em todas as farras do casal, preparada com Vodca, suco de limão e água com gás). Na franquia do Bob’s, comeram hambúrguer e Milk Shake. Churrasco, Ice e muito beijo na boca marcaram aquela noite. Assim que as luzes apagaram, Chrystian se jogou na água. Mais uma vez não conseguiu levar a namorada até o mar. Viram a queima de fogos e ele filmou tudo para registrar aqueles momentos. Para proteger os cabelos e as “lagartinhas” (como chamava carinhosamente as sobrancelhas de Prazeres), o casal levou uma capa de chuva. “Eu tinha muito cuidado nela”, confidencia o professor de Matemática. Exaustos, às cinco da manhã chegaram em casa. Nos dias que se seguiriam, o clima de romance e paixão não perduraria. O Ano Novo trouxe consigo “um desencantamento”, como a atriz define, que pôs um ponto final na relação entre os dois. Chrystian iria

retornar apenas no dia 1º de fevereiro de 2009, mas acabou voltando a Caruaru muito antes do previsto. “Após o réveillon, começou um desconforto entre a gente. Se aconteceu alguma coisa específica eu não sei, mas começou um mal estar. Eu achei que ela mudou e consequentemente eu também mudei. Nós sentamos, conversamos, ela disse que estava descontente e que não era aquilo que queria”, explica. Ele diz que até hoje não entende o motivo da separação, mas acredita que prevaleceu a insistência do ex-marido. “Ela não se conformava ao ver aquela pessoa naquele estado. Prazeres se sentia culpada por ele (Francisco) estar daquele jeito e a única solução que ela tinha era ficar a seu lado. Não tem outra alternativa. Eu tenho certeza de que o motivo foi esse. Ela disse que teve um desencantamento, mas como isso é possível se nós continuamos amigos?”, questiona. Chrystian voltou a Caruaru no dia 6 de janeiro consciente de que o relacionamento com Prazeres havia chegado ao fim. O rapaz esperava que pudesse reatar o namoro. Pensava que adiante os dois conversariam e fariam as pazes. “Nós tínhamos planos, eu pretendia terminar os meus estudos lá, nós iríamos morar juntos. A minha ideia era pegar uma bagagem maior no meu trabalho e depois ir para lá. Isso está acontecendo agora, mas a única diferença é que eu estou sem ela”, analisa. No período em que ficaram juntos, os dois enfrentaram algumas crises, sobretudo pela dificuldade que Prazeres encontrava para se distanciar do ex-marido. Chegaram a dar um tempo, passaram um mês sem se falar, mas nada disso foi capaz de impedir o romance. Quando Chrystian deixou o Rio, cerca de vinte dias depois Francisco foi para lá. Ao saber que Prazeres havia terminado a relação, ele decidiu apostar tudo para salvar o seu casamento. Prometeu esquecer o que havia se passado e rever as coisas que fez de errado ao longo dos anos. Os dois conversaram e, em seguida, retomaram o relacionamento. Algum tempo depois, Chrystian recebeu uma ligação de Prazeres comunicando que estava voltando para Francisco. “Ela disse que iria ficar com ele porque era a pessoa que a entendia. Eu a amo, de verdade mesmo, mas acho que não vamos mais ficar juntos. Ela fez a escolha dela e quando decide algo não

costuma voltar atrás”, revela. Do período em que conviveu com Prazeres Barbosa, ele guarda na memória traços da personalidade marcante que poucas pessoas conhecem. “Prazeres é a pessoa mais simples do mundo. Se tiver um ovo, ela come um ovo, se tiver filé mignon, ela come filé mignon. Pela pessoa que ela é hoje, pela carreira que construiu, poderia até ser uma pessoa esnobe, mas continua simples”, diz. O rapaz teve oportunidade de constatar essa simplicidade no diaa-dia, inclusive fora de casa. “Estávamos no centro do Rio e paramos no McDonald’s, próximo ao Teatro Municipal, para tomarmos um sorvete. Ela gosta muito de sorvete de chocolate, com creme de chocolate e calda de chocolate. Havia um garotinho de uns oito anos, com a mãe, querendo comprar um sorvete e estava em dúvida sobre qual sabor escolher. Nenhuma pessoa faria aquilo, mas ela cedeu o próprio sorvete para ele provar. Eu achei até estranho, jamais faria aquilo”, afirma. As lembranças deste período ainda são recordadas com certa dificuldade pelas pessoas mais próximas do casal. “Como amigos, ficávamos em cima do muro, mas não éramos contra nenhum dos dois. Éramos a favor da felicidade de ambos. Acredito que foi a fase mais difícil da vida deles”, define Benício Júnior. “Eu não gosto de lembrar, porque mexe mesmo. Passávamos horas conversando com os dois ao mesmo tempo; ele no telefone e ela na Internet”, diz Sheila Tavares, com olhar emocionado. Neide Mota temia que a amizade entre elas pudesse ser abalada. “Eu disse para Prazeres que não iria contar ao meu marido. Sinto que ela achava que eu estivesse mais moderna e ele também, mas homem nunca é moderno para essas coisas. Pensei que fosse surgir um preconceito maior, mas quando Francisco contou para ele, percebi que não se importou. Dei graças a Deus, pois a minha preocupação era de que houvesse uma separação entre nós duas”, confessa. Atualmente, Prazeres e Francisco vivem juntos no Rio de Janeiro. Após um longo período de crises, decidiram reatar o casamento de vinte e cinco anos. A atriz afirma, porém, que jamais esquecerá o período vivido com Chrystian. “Foi uma fase que eu vivi intensamente e que não me arre-

pendo. Conhecemos-nos pela Internet e essa paixão foi criando alicerces. Como o meu casamento já estava fragilizado, meu coração estava completamente aberto e eu me deixei abrir e nós vivemos um amor bonito e que eu não vou esquecer nunca”, conclui.

EM BUSCA DO EQUILÍBRIO

Diz a astrologia que a personalidade dos librianos é regida por uma balança que sobe e desce alternada e indiscriminadamente, o que torna muito difícil compreendê-los. São pessoas sentimentais e sonhadoras, que vivem em função do amor. Prazeres Barbosa é assim: muito determinada, mas de coração muito frágil, como um cristal. “É uma dicotomia, ser muito brava, rigorosa e ao mesmo tempo ser tão sensível. Esses pontos são minha libra. Essa balança é eterna em mim”. O peso tão forte de um lado e, do outro a fragilidade, favorecem o equilíbrio – ou, pelo menos, a tentativa de viver de forma equilibrada. “Muitas vezes peso muito para um lado, depois para outro. Mas sempre mantenho esse equilíbrio. Eu sou consciente, por exemplo, quando extrapolo nas minhas exigências. Tenho esse lado; se errei, pode bater. Mas se não errei, sai da frente. Eu não abro mão”. Quando questionada sobre o fato de ser ou não uma pessoa feliz, ela responde um pouco duvidosa, que sim. Sempre foi feliz e saudável. Aos 60 anos, afirma possuir uma saúde de ferro e mostra-se satisfeita por haver conquistado reconhecimento como professora, atriz e como mãe, os três patamares mais importantes de sua vida. Ser mãe não lhe causou problemas, afinal, ela descreve o filho como uma “pérola”. Ao passo em que ser professora é uma tarefa difícil, também é muito gratificante. E ser atriz, para ela, é prazeroso. “Eu tenho uma vida feliz, sim. Quantas pessoas nascem, crescem, envelhecem, morrem e ninguém sabe que existiu? Eu fiz história de vida”, diz, com propriedade. É no palco que Prazeres se sente totalmente feliz, inteira, completa. “Fazendo teatro, tiramos de dentro de nós pessoas que não somos e gostaríamos de ser. Só o teatro nos dá essa possibilidade de soltarmos os nossos deuses e demônios”. A felicidade maior, a seu ver, consiste no fato de não ter do que se arrepender. “Eu fiz tudo aquilo que deveria ter sido feito. E

se eu viver muito tempo, vou fazer muito mais. Estou aberta ao mundo e à vida. Não fechei o meu ciclo. Enquanto meu coração estiver batendo, vou continuar sonhando e realizando. E muito despreocupada do que as pessoas pensam de mim”, afirma. Seus olhos brilham ao citar que as pessoas mais importantes de sua vida são: o filho, Vergílio; a mãe, Antonina e o irmão, Bernardo. “Essas pessoas foram o meu esteio”. O filho, aliás, é para ela o que de mais importante a vida lhe ofertou, embora tenha se submetido a um processo cirúrgico para não mais engravidar. “Vergílio é um ser humano tão completo, como profissional e como filho, que não quis experimentar outras emoções”, justifica. As dificuldades ensinaram-na a nunca gastar tudo o que ganha. Em relação ao estilo de roupas, ela prefere “as mais comportadas”. Prazeres não é fanática por futebol, mas aprendeu a gostar e torcer pelo São Paulo Futebol Clube. “Hoje, eu quero que o São Paulo sempre ganhe, apenas por questão de afinidade. Chrystian me ensinou a gostar do time dele. Mas, na verdade, gosto de ver o Brasil jogar e ganhar. Quando perde, eu fico triste”, revela. Ela não bebe, nem fuma. “Não tenho nenhum vício”, adianta. Também não é supersticiosa. Adora perder tempo navegando na Internet, acompanhar noticiários online e interagir com as pessoas. “Acesso todos os dias”, conta. A atriz encara a arte como uma ferramenta de transformação social e diz que jamais abriria mão de sua carreira artística, embora já tenha desanimado ao longo da jornada. Define o teatro como uma profissão que possibilita a multiplicidade de vidas e afirma querer findar os seus dias no palco. Ao ver-se na telinha, a sensação maior é provocada pela consciência de que lutou para estar ali e que valeu a pena cada degrau conquistado. “Às vezes acho que estou sonhando”. Como atriz, teve o privilégio de somar vitórias e realizar tudo o que almejou. A experiência no teatro, cinema e, agora, na televisão permite-lhe analisar que a mudança na atuação corresponde ao foco de cada área. No entanto, reconhece que a liberdade exacerbada do teatro é castrada na TV e anulada no cinema. Prazeres conta que é uma delícia dedicar-se às três esferas, embora sua veia artística teatral seja muito forte. “Eu sou muito intensa, gesticulo muito, sou teatral e o prazer do teatro é instantâneo e lhe faz muito feliz. Apesar de ser meteórico, é o que dá prazer”. Citando sua referências no meio artístico, o primeiro nome que 139

vem à memória é o da atriz Fernanda Montenegro, com quem seu irmão Bernardo costuma fazer um engraçado trocadilho. “Ele diz assim: ‘lá é Fernanda Montenegro e aqui é Prazeres casaco preto’ (risos). Eu acho que Fernanda Montenegro é espetacular”, comenta a atriz. Sua admiração também é intensa pelo ator Paulo Autran. Outros nomes como Renata Sorrah, Lília Cabral, Letícia Spiller, Susana Vieira, Antonio Fagundes, Stênio Garcia e Ary Fontoura também figuram na lista dos seus artistas prediletos. O fato de ser a única atriz caruaruense a chegar a uma grande emissora nacional e os rumos que sua carreira tomou nos últimos anos, não modificaram sua personalidade. “Sou a mesma pessoa, com os mesmos pensamentos, o mesmo amor, a mesma dedicação. Meu salto não aumentou nenhum centímetro”, admite. “Hoje as pessoas me olham com olhar diferente, pedem para tirar foto e eu fico muito feliz, mas dentro de mim eu digo: ‘estive aqui o tempo todo’. Porque as pessoas precisam que o outro aconteça nacionalmente para valorizar”. A ida definitiva de Prazeres para o Rio de Janeiro foi motivada, sobretudo, pela projeção que a sua carreira artística obteve através das produções cinematográficas. De curta metragem no interior de Pernambuco, a longas de visibilidade nacional, a atriz caruaruense encontrou no cinema o caminho que a conduziu ao lugar onde dez em cada dez atores sonham chegar: a Rede Globo de Televisão.

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