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3. Prazeres nas trilhas do Magistério

Capítulo 3

Prazeres nas trilhas do Magistério

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APraça Coronel Porto, localizada no bairro São Francisco, próximo ao centro de Caruaru, é hoje uma área comercial. Isso, porém, não impede que várias famílias continuem residindo no lugar. É lá onde está situada uma das casas onde a família Barbosa viveu durante muitos anos. Embora fosse um prédio desgastado já na década de 1970, o imóvel era o maior e mais espaçoso onde Prazeres e seus familiares tinham vivido até então. A sala, bastante ampla, passaria a ser usada em prol de um sonho pessoal de três das seis filhas de dona Antonina. Alunas do Colégio Estadual de Caruaru, as irmãs Socorro, Mercês e Prazeres eram admiradas pelos professores por sua dedicação e disciplina. Prestes a concluir o Magistério, Socorro Barbosa queria oportunidade para ensinar, mas não encontrava. Não havia escolas suficientes. No colégio, ela conheceu a professora Maria do Carmo Queiroz, que lecionava as disciplinas de Língua Portuguesa e Francesa, incluindo suas literaturas. O amor e a vocação para o ensino levaram dona Maria do Carmo a manter durante muitos anos o Externato São Tarcísio, onde lecionava o curso primário para crianças pobres de Caruaru. Criado em 1956, o educandário funcionava na antiga Rua São Miguel (atual Silvino Macedo), nº 114, e era mantido através de verba pública; por esse motivo, as aulas eram gratuitas. A professora aproveitava para oferecer cursinhos de preparação para o Exame de Admissão ao Ginásio e também para o vestibular. Socorro ensinou durante 10 anos no Externato São Tarcísio como professora auxiliar. Em meados da década de 1960, Maria do Carmo, que também era professora estadual, lecionava na Escola Barão do Rio Branco, na Avenida Rui Barbosa, em Caruaru. Nessa época, ela conseguiu junto à Secretaria Estadual de Educação uma cadeira noturna para ministrar aulas de preparação para o curso de admissão. Um fato raro na cidade até então. Em março de 1967, no entanto, ela se aposentou. Temendo que os alunos ficassem sem aulas durante o curso daquele ano letivo e, vendo a dedicação da jovem Socorro Barbosa, Maria do Carmo a indicou a então diretora da escola, Nair Souza, como substituta. Como o vínculo com o Estado havia findado, Socorro ficou recebendo um salário pago pelos próprios alunos. Assim que o ano foi concluído, a au-

torização para funcionamento da cadeira no turno da noite foi cancelada. Maria do Carmo, no entanto, incentivou-a a criar a sua própria escola em casa. Prazeres, ainda adolescente, continuava alimentando os sonhos de tornar-se professora e atriz e assim que concluiu o ensino básico, enveredou pelo Magistério. Mercês optou pelo Curso Científico, alegando que “Teria um futuro melhor que o das irmãs”, o que não a impediu de ensinar ao lado delas. Em 1968, Socorro Barbosa criou o Externato Três Irmãs, o primeiro lugar onde Prazeres ensinou. “Socorro se apegou a mim como se fosse minha filha. Eu passava finais de semana na casa delas. As mais próximas sempre foram Socorro, Prazeres e Mercês. Quando elas falavam alguma palavra errada, eu as corrigia. Íamos para o dicionário e eu sempre ganhava. Ríamos muito. Socorro Barbosa é cultura viva, a maior cultura, mas ela é modesta. Prazeres é inteligente e ousada, uma professora-artista de visão larga”, define Maria do Carmo, lúcida, aos 92 anos, sendo 65 deles dedicados ao ensino. A sala da casa, na Praça Coronel Porto, foi transformada numa sala de aula, com cadeiras de espaço duplo. As irmãs colocaram cortinas e improvisaram tudo. Estudavam no turno da manhã e ensinavam à tarde e à noite. Cada uma trabalhava num horário. Socorro, a mais velha das três, era a mentora de tudo. “Era um dos externatos mais conceituados da cidade. Todas as crianças com dificuldade que passaram pelo Externato Três Irmãs saíram gênios. A inteligência de Socorro levou o projeto adiante. Era um referencial”, afirma Maria da Paz. Embora a casa fosse alugada, a proprietária permitiu que derrubassem algumas paredes, de forma que a residência acabou ficando restrita aos fundos do imóvel. Socorro adquiriu cadeiras que vieram do cursinho prévestibular ministrado pelo professor Mafra. Aos 18 anos, Prazeres deu os primeiros passos no Magistério. Com medo da fiscalização, colocaram uma placa na porta de casa. “Ficávamos revezando os horários. Socorro era a mola-mestre. Eu quebrava o galho, mas com competência. Nós ficávamos muito envaidecidas porque todos os alunos eram aprovados”, explica Mercês. Lá, elas recebiam pessoas de todas as idades, principalmente aquelas que se qualificavam para a prova de Admissão ao Ginásio. As crianças

ficavam com Prazeres. Para estudar no Externato, os alunos pagavam uma pequena quantia mensal. “Foi uma época muito boa”, afirma Prazeres, ao lembrar aqueles momentos. No final de 1973, ela prestou vestibular. O curso escolhido foi Letras, não somente pelo fato de a licenciatura conferir-lhe o direito de ensinar, mas, sobretudo por admirar quem falava e escrevia corretamente o Português. A preparação para a prova aconteceu exatamente com dona Maria do Carmo, no Externato São Tarcísio. “Foi uma pessoa muito importante na vida da gente. Com ela e com o professor Mafra fiz preparação para o vestibular. Maria do Carmo é vocacionada no seu íntimo”, afirma a artista. Socorro Barbosa concluiu o Magistério e cursou graduação em Geografia. Mercês prestou vestibular para Medicina, mas não foi aprovada e acabou cursando Letras pela Fafica. O Externato Três Irmãs funcionou durante muitos anos. No final de 1969 Mercês casou, foi morar em São Paulo e abandonou o projeto. “Para ser professor é preciso ter dom e eu não tive”, justifica. Prazeres, já no primeiro ano de faculdade, começou a se aventurar no mundo do ensino. Sozinha, Socorro também foi em busca de outras oportunidades. Era o fim do projeto e o início de uma nova história para Prazeres. Inicialmente, ela passou por várias escolas espalhadas pelo interior de Pernambuco. A convite do Dr. Clóvis Pacas, um advogado caruaruense, Prazeres ensinou um breve período na cidade de Cupira, numa escola municipal. Na tentativa de firmar-se como professora, passou ainda por municípios como Toritama, São Caetano, Brejo da Madre de Deus e Riacho das Almas. Em meados da década de 1970, quando ainda estava na faculdade, Prazeres Barbosa conseguiu uma vaga para ensinar na recém-fundada Escola 31 de Março, localizada na cidade de Santa Cruz do Capibaribe. Nessa época, a escola começava a dar os primeiros passos e Prazeres, ao lado de sua irmã Socorro Barbosa, praticamente ajudou a fundá-la. “Foi o meu grande berço, de início, saindo de casa”, ressalta. Como precisavam se deslocar diariamente até a cidade, as irmãs ficavam hospedadas na residência do Padre Zuzinha, que as acolhia e apoiava em todos os sentidos, sem cobrar nenhum centavo em troca. “Era um padre de tirar a calça e ficar

só com a batina para dar a quem não tem. Morreu assim”. Ao longo de sua trajetória como professora, Prazeres lecionou as disciplinas de Língua Portuguesa e Educação Artística. No início da profissão, entretanto, encarou outros desafios. Em 1974, na turma de quintasérie da Escola 31 de Março, ela ensinava duas matérias que tinham relação direta com o regime militar: Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira (OSPB). Um dos seus alunos, à época, tornar-se-ia colega de profissão e parceiro teatral no futuro. O jovem Edson Tavares Costa jamais imaginou que anos depois reencontraria a professora engajada no movimento teatral, pelo qual sempre foi apaixonado. “Na época, eu tinha 11 anos e ela ensinava também a disciplina de Higiene e Enfermagem no Lar. Eram disciplinas com um forte caráter de ‘domesticação intelectual’, que não tinham a ver com a professora e sim com o sistema e as ideias da época. Hoje, por exemplo, eu nem sei se ela concordaria com as coisas que trabalhou conosco”, diz Edson, doutorando em Teoria da Literatura. No início dos anos 1990, Edson e Prazeres se reencontraram como colegas de profissão na Escola Elisete Lopes, em Caruaru. Antes disso, já haviam travado contato em outras ocasiões por conta do teatro. “Eu promovi algumas peças dela em Santa Cruz do Capibaribe. Em Caruaru, levava meus alunos para assistirem aos seus espetáculos e realizávamos debates”, lembra Edson. Com a morte do Padre Zuzinha, a Escola 31 de Março passou por uma série de modificações. Sua administração foi transferida para o Estado e, em homenagem ao religioso, passou a chamar-se Escola Padre Zuzinha. Prazeres viu nesse processo de mudança a chance ideal para ser contratada como professora estadual, afinal, ela tinha uma parcela de contribuição no desenvolvimento da escola. O resultado foi decepcionante. Sem demonstrar nenhuma gratidão para com os professores que iniciaram os trabalhos na instituição de ensino, a administração local decidiu que iria ceder as vagas aos profissionais da cidade. Todos os outros foram demitidos, inclusive Prazeres. A lembrança ainda hoje a entristece. Após todas as tentativas frustradas de manter-se como professora em es-

colas públicas, ela conseguiu trabalho numa escola particular em sua terra natal. A função, porém, era um pouco diferente da que estava acostumada a exercer. Em março de 1977, foi contratada como coordenadora do Colégio Sete de Setembro, em Caruaru, a convite do professor Rubem de Lima Barros, diretor do educandário. Ao lado de Elisa Lemos, outra funcionária do colégio, passaria ali pouco tempo coordenando as atividades pedagógicas. Nesse período, sua marca de professora temida pelos alunos já começava a desabrochar. Os estudantes a entendiam pelo olhar. Exatamente como fora criada, Prazeres educava os alunos das escolas por onde passou: bastava um olhar e eles a compreendiam bem. Sua passagem pelo Colégio Sete de Setembro foi muito breve. Em fevereiro de 1979, aos 29 anos, Prazeres Barbosa finalmente conseguiu realizar o sonho de ser contratada como professora estadual. Na Escola Elisete Lopes, localizada no bairro Caiucá, em Caruaru, ela se firmaria na profissão abraçada ainda na adolescência. Conquistar a vaga, porém, não foi nada fácil. Como não era concursada, Prazeres precisou recorrer à boa e velha “mão amiga” de um representante político. No final dos anos 1970, a Escola Elisete Lopes de Lima Pires era um educandário municipal pouco conhecido na cidade de Caruaru. À frente da escola, estava a diretora Diva Galvão Cavalcanti, responsável direta pela admissão de Prazeres. A escola dispunha da vaga, a diretora – que já conhecia seu trabalho, afinal Socorro Barbosa ensinava lá, nesse período – queria lhe dar o emprego, mas pesava a ausência de apoio político. Diva então mandou que ela procurasse o deputado José Antonio Liberato, popularmente conhecido como o “deputado da educação”. Poucos dias depois, Prazeres assumiria a vaga, conquistando definitivamente o tão almejado cargo de professora do Estado de Pernambuco. A sua vinda para a Escola Elisete Lopes fez com que o educandário tomasse outro impulso. O fato de ter sido uma arte-educadora possibilitou o desenvolvimento de atividades que envolviam toda a comunidade escolar, movimentando o espaço nos finais de semana. Professora de doação integral ao trabalho, trouxe para a escola pú-

blica, atitudes e atividades que não eram adotados por nenhum de seus colegas de profissão. Isso gerou vários conflitos ao longo dos anos. A fama de professora brava não a impediu de ser admirada e respeitada pelos alunos. Ao passo em que contribuía para o desenvolvimento da escola como um todo, sem saber, Prazeres abriria as portas para a sua entrada no mundo do teatro. A primeira medida tomada por ela foi tornar obrigatório o uso da farda entre os seus alunos. Camisa branca e calça azul. Como não podia exigir e nem todas as famílias tinham condição de adquirir a roupa, Prazeres improvisava. Pedia a amigos, a pais com melhor condição financeira e dava sempre um jeito de fazer com que sua turma estivesse vestida de forma padronizada. Conclusão: a turma da professora Prazeres era diferenciada e por esse motivo sempre representava a escola em eventos externos. As diferenças não paravam por aí. Além de exigir que todos os seus alunos viessem fardados, Prazeres não permitia que nenhum deles recreasse com os demais na quadra esportiva. Enquanto todos os professores se reuniam numa sala reservada no horário do intervalo, ela permanecia em sala de aula, compartilhando daqueles momentos de recreação. “Como eu era muito pequena, e alguns eram até maiores que eu, as pessoas confundiam quem era a professora e quem eram os alunos. Eu brincava de bola, pulava corda, quebra-cabeça, jogo de botão. Afastávamos tudo e ali era o nosso circo”, lembra, com aspecto nostálgico. O domínio da professora Prazeres em sala de aula ainda hoje é lembrado por quem a acompanhou nesse período. Evasão era algo raro nas turmas onde ensinou, graças à forma como desempenhava seu trabalho. Se a criança faltasse hoje, no dia seguinte ela enviava um bilhete para a mãe questionando a ausência. Afora o diário de classe, Prazeres atualizava, diariamente, um caderno onde registrava o desempenho de cada aluno, individualmente, o ano inteiro. Se determinada criança não trouxesse o dever de casa respondido, era motivo para registro nesse diário. Uma boa ação também era escrita com a mesma ênfase. Todo esse cuidado para com os alunos era refletido no dia-a-dia escolar. A turma de Prazeres andava sempre em fila, estava fardada e ti-

nha os cabelos cortados. Higiene foi um dos fatores priorizados por ela na transmissão do conhecimento. Como a maioria dos alunos era de famílias pobres, ela mesma cortava os cabelos deles. A cada quinze dias, Prazeres reunia um grupo de mães para cuidar do visual de seus meninos, como costuma citar. Cortavam unhas, cabelos e limpavam ouvidos. Antes de merendar, todos lavavam as mãos. O sabão era comprado pela própria Prazeres. Em fila, eles iam e vinham e o último trazia o sabão de volta. Prazeres sempre foi uma professora assídua, passava horas além do expediente normal na escola. Ciumenta e bastante cautelosa com o processo educativo de seus alunos, nas poucas vezes em que precisou faltar, por motivos que a lei lhe assegurava, tratava logo de comunicar aos alunos com antecedência. -Amanhã, a tia não vem, então vocês não venham, para não irem pra outra sala. Não venham! No dia seguinte, nenhum deles estava na escola. Mesmo sabendo que aquilo não era correto, ela o fazia tranquilamente. Acreditava que se a criança ficasse dispersa, todo o seu esforço para educá-la fracassaria. Já consagrada atriz, em época de turnês ou quando iria participar de festivais realizados em todo o País, Prazeres conciliava bem as duas funções. Nunca permitiu que seu trabalho teatral comprometesse o bom andamento das atividades na escola. Quando precisava se ausentar por um período mais longo, ela mesma providenciava uma substituta. Não queria que qualquer professora ocupasse a sua vaga, então recorria à direção para pedir que a deixassem sugerir. Todo o roteiro de aulas ficava pronto. Mensalmente, ela precisava cumprir uma carga horária de 200 horas/aula. Sua base era o primário, onde o professor é polivalente e precisa dominar todas as disciplinas. Mas Prazeres ensinava também a turmas do Ensino Fundamental, para complementar a jornada de aulas. Nestas turmas, trabalhava Língua Portuguesa e Educação Artística. As aulas do primário aconteciam no turno da manhã. Prazeres sempre ensinava a turmas de terceira e quarta-séries. Desde cedo, a professora Prazeres Barbosa aprendeu a transformar a sala de aula num palco. Fazia isso com a maior naturalidade. Ao mesmo

tempo, era extremamente exigente em relação à questão da obediência, do respeito e de manter as coisas em ordem. Quando entrava na sala de aula, era recebida pelos alunos com uma música de boas-vindas composta e ensinada por ela.

“Bom dia professora, é de manhã, tudo bem? A tarde vai até o pôr-do-sol (pôr-do-sol). Boa noite não lhe dou, pois dormindo já estou Esperando um outro dia amanhecer, pra ver você! Tra, lá, lá, lá, lá... Esperando um outro dia amanhecer.”

O clima de paz era prioridade para ela. Além de propagar valores morais, sua veia religiosa era aflorada também entre os alunos. Quando terminavam de cantar, ela os ensinava a orar. Diferente de educadores católicos, que ensinam a rezar a oração do “Pai Nosso”, Prazeres incentivava-os a expressarem aquilo que sentiam. Agradeciam pela vida, pela família, pela professora, pela escola. “Eu ensinava o menino a ter intimidade com Deus e isso marcou todos os alunos que passaram por mim. Se você não o ensina a ter essa intimidade e respeito por Deus, ele não terá por você”, afirma. A relação de Prazeres com os alunos pode ser comparada com o convívio entre mãe e filho. Uma relação de amor, proteção, educação, respeito e disciplina. Os outros professores, impressionados com a forma como ela trabalhava, perguntavam, ironicamente, se achava aquilo suficiente para mudar o mundo. Nada disso, entretanto, a fazia desanimar. Prazeres tinha em mente que todos os valores e boas maneiras que ensinava seriam adquiridos por aquele grupo seleto de crianças. Adiante, eles repassariam o que aprenderam e a corrente seria multiplicada naturalmente. Em época de matrícula, a direção enfrentava situações distintas em relação à professora Prazeres Barbosa. As mães mais corujas queriam que os seus filhos ficassem na turma de “dona Prazeres”. As crianças que não a conheciam, hesitavam. Afinal, dona Prazeres tinha fama de brava. Ela costuma dizer que foi professora durante 25 anos por vocação e que trabalhou com amor e dedicação para formar cidadãos, mas sempre exigiu ordem e

respeito entre eles. Nas horas de brincadeira, tornava-se uma criança, porém, quando o assunto era disciplina e cumprimento de deveres, era uma mãe rigorosa. Nenhum de seus alunos ia para a escola sem tomar banho. Para isso, ela fazia reunião com os pais no início do ano. Explicava como era o seu sistema de trabalho e pedia a parceria da família. “Eu sou professora, mas não sou vaso sanitário. Eu educo aqui e vocês educam em casa. Posso contar com vocês?”, costumava dizer. Chegava a comprar escovas de dente para os alunos mais carentes. Em época de inverno, os pequenos chegavam tremendo à escola, mas todos vinham limpos. Quando questionados sobre o porquê de estarem com tanto frio, os meninos tinham a resposta na ponta da língua: “senão dona Prazeres briga comigo”. A fiscalização era ferrenha. Ela mandava que todos colocassem as mãos sobre as bancas, para observá-las. Quando alguma criança estava com as unhas grandes ou sujas, pegava a tesoura imediatamente e cortava. Em seguida, mandava que fosse lavar as mãos. “Eu formei o menino para ser gente em todos os aspectos”, afirma Prazeres. Todo esse cuidado e desenvoltura faziam com que ela fosse disputada pelas mães. Diva Galvão, diretora da escola, interferia dizendo que não era possível ter em sala de aula uma quantidade de estudantes maior que a prevista. O castigo ideal para o aluno problemático era estudar com dona Prazeres. A criança vinha praticamente forçada. A ideia que tinham da professora brava e rígida acabava, porém, em questão de dias. Prazeres fazia um acordo com o aluno indisciplinado. Propunha que ele estudasse com ela durante uma semana e, no final, ele ficaria livre para decidir se continuaria ou não. Procurava entender a criança, colocava-se na posição dela. Fazia questão de abraçar, apertar a mão para confirmar o acordo e bater ombro no ombro. Esse aluno iria sentar próximo à professora e seria um colaborador em sala de aula. Acabada a semana, a diretora mandava chamar a criança rebelde. “E aí, vai voltar para sua professora ou quer ficar com dona Prazeres?”. Ela não se lembra de nenhuma criança haver optado pela primeira hipótese. Com isso, a turma ia crescendo a cada dia e Prazeres administrava tudo. Antes

de sair da escola, os alunos tinham ainda outra missão importante: deixar a sala limpa para o dia seguinte. Todos tiravam o lixo que havia debaixo das carteiras escolares; enquanto um varria o espaço, outro estava com a pá em mãos. Faziam isso cantando. Ao passo em que as outras professoras gritavam para controlar os seus alunos, a turma de Prazeres deixava a sala de aula em fila indiana. O mesmo acontecia na entrada. Sentada, na sala dos professores, ela observava a cada um. Bastava um olhar e o aluno que estivesse fora da fila se integrava aos demais. Em períodos de avaliação, a professora costumava ser ainda mais rígida. Ela não dava oportunidade para que o aluno “colasse” de forma nenhuma. Procurava sempre fazer com que a criança refletisse acerca de tudo, inclusive sobre os efeitos negativos de escrever numa prova aquilo que o outro colega sabia. Mas o seu critério de avaliação também era diferenciado. O aluno era analisado diariamente, através do diário pessoal que ela mantinha. Se alguém se dava mal num exame, teria oportunidade para recuperar aquela nota. Prazeres sempre gostou de trabalhar em grupos. A turma de 40 alunos era dividida em equipes de quatro, para facilitar a aprendizagem. O aluno que sabia mais iria ensinar a três que estivessem com dificuldades. Em aulas de revisão, Prazeres dividia a turma em dois grandes grupos e fazia uma verdadeira competição para ver quem havia assimilado melhor o conteúdo trabalhado. “Os meus alunos não aprendiam apenas comigo, eles aprendiam também com os colegas. Ensinar não é difícil, o difícil é quando você não tem objetivo ao ensinar. Eu não ensinei por ensinar, eu formei cidadãos”, analisa. Um acontecimento marcante, na época da Escola Elisete Lopes, levou Prazeres a receber uma homenagem do antigo Departamento Regional de Educação (DERE). Numa de suas turmas de terceira série, ela se deparou com um aluno que tinha dificuldade para falar. O menino se chamava Junior e todos os colegas diziam que ele tinha a língua presa. Prazeres perguntou para Junior se aquilo era verdade e ele balançou a cabeça afirmando que sim. Em seguida, tentou dizer que a avó tinha dito que a sua língua era presa. A professora não entendeu nada e pediu que ele escrevesse.

“Muito bem, estire a língua”, ordenou. Como todos os colegas observavam atentamente, Prazeres mandou que eles colocassem a língua para fora ao mesmo tempo. Ao constatar que não havia diferença entre a língua do menino e a dos demais alunos, ela iniciou um trabalho - com a ajuda da turma - para fazer com que Junior aprendesse a falar corretamente. Todos os dias escrevia cinco palavras com as letras ‘l’ e ‘r’, para que ele soletrasse. Os colegas de classe ajudavam. Prazeres continuava insistindo, mostrando para o menino que a língua dele era igual à dos demais. Em casa, Junior praticava os exercícios. No dia seguinte, ficava à porta da escola, esperando a professora chegar. Quando a via, corria ao seu encontro para soletrar as palavras que ela havia passado. Dois meses depois, o menino falava corretamente. “Fui homenageada por isso. Ele passou por todas as professoras e ninguém o fez falar. Eu nunca mandei um aluno para a direção. Sempre resolvia tudo sozinha. Era brava, mas era amada, porque era muito verdadeira. Eu via meu aluno como um filho e queria o melhor para ele”, conta. Na década de 1980, um projeto do Governo de Pernambuco chamado ProdiArte mudou radicalmente o dia-a-dia de algumas escolas públicas. A proposta era ampliar a jornada de educação nos finais de semana através de atividades artísticas e culturais, para que os alunos tivessem acesso às ações que costumam ser desenvolvidas em escolas privadas. Os professores capacitados para esse fim passaram a trabalhar com aulas assistemáticas. A Escola Elisete Lopes foi uma das privilegiadas com o projeto. Lá, as atividades funcionaram tão bem que foram mantidas durante muitos anos, quando outras escolas sequer conseguiram executá-las. O ProdiArte tinha como meta fazer com que o aluno permanecesse na escola, nos finais de semana, de uma forma diferente. Era necessário desenvolver as várias expressões artísticas e Diva Galvão não teve dúvidas na hora de escolher qual professor poderia tomar a frente dos trabalhos. Embora outros colegas auxiliassem as atividades, Prazeres Barbosa foi, segundo todas as diretoras que passaram pela instituição, a pessoa que fazia com que tudo acontecesse. A parte social da escola era, sem dúvidas, movimentada através do esforço da professora-artista.

Ao lado do esposo Orlando Bezerra Cavalcanti (falecido), a diretora Diva Galvão fazia da escola a sua própria casa. Assim como Prazeres, ela vivia em prol do trabalho e sempre foi uma amante das artes. Trabalhou durante 18 anos na Escola Elisete Lopes, fundada por ela mesma. Diva fez questão de apoiar Prazeres em tudo o que ela desenvolvia na comunidade escolar. Nos finais de semana, eles revolucionavam o espaço. “Prazeres era muito dinâmica, tinha uma facilidade imensa de manter a disciplina em sala de aula. Ela sempre foi uma professora exemplar. Tudo o que queria, conseguia. Não através da imposição, mas através da liderança, exercida não apenas entre os alunos, mas também entre os professores”, define Diva, que hoje vive na cidade de Maceió (AL). Através do ProdiArte, Prazeres criou clube de mães, ministrava aulas de jardinagem, artesanato (em couro, seixos, mariscos e cordas), teatro, música, dança, artes plásticas e diversas outras formas. A escola mantinha ainda uma horta, onde eram cultivados frutas, legumes e verduras com a ajuda dos alunos. Os trabalhos não ficavam restritos apenas aos estudantes, pelo contrário, a comunidade era convidada a participar de tudo. Todas essas atividades eram promovidas num grande salão que havia na instituição. Quando precisavam pintar o prédio, por exemplo, recorriam aos pais com tal habilidade. O mesmo ocorria quando necessitavam consertar algumas cadeiras. Os alunos, além de participar das atividades artísticas, faziam a limpeza da escola. “Eu e Diva ficávamos como duas carrapetas. Nós éramos o todo da escola e eu sinto muito prazer nisso”, acrescenta Prazeres, que chegou a criar um hino e uma bandeira para a Escola Elisete Lopes, usados principalmente nos desfiles cívicos de Sete de Setembro. Essas criações se perderam com o tempo. Em 1982, Diva Galvão deixou a direção da Elisete Lopes e foi trabalhar no Dere Norte Recife. A sua substituta – que não terá o nome citado por questões éticas – enciumada com as atividades desenvolvidas por Prazeres e intrigada com a forma como ela costumava trabalhar numa escola pública, decidiu acabar com tudo o que vinha sendo feito até então. Antes de tornar-se diretora, essa professora trabalhava como supervisora pedagógica. As implicâncias começaram nesse período.

Certa vez, Prazeres estava em sala de aula, escrevendo algo no quadro, quando ela abriu a porta, fez sinal de silêncio para os alunos e sentou-se numa das últimas cadeiras. As crianças ficaram todas inquietas e começaram a sorrir, afinal, não estavam acostumadas com aquele tipo de comportamento. A turma da professora Prazeres era muito silenciosa, além disso, todos os seus alunos eram educados para que, qualquer pessoa que adentrasse à sala, fosse recebida de pé e com a saudação generosa de um bom dia. Ao perceber a inquietação, Prazeres virou-se em direção aos alunos e perguntou o que estava acontecendo. Os meninos apontaram imediatamente para a supervisora. - Ah, bom dia! Sabe por que eles estão nessa algazarra toda? É porque eu ensinei que nós não devemos entrar na casa alheia sem pedir licença. Daí, você entrou e não me pediu licença – porque aqui é a minha casa - e sentou. E eles acharam estranho. Quem é que está certa, a professora ou a supervisora? Eu quero dizer para vocês que quem está errada é ela. E ela veio aqui hoje, porque não sabe dessa matéria e veio aprender comigo para depois ensinar. Não é supervisora?, perguntou uma Prazeres irônica. - É, respondeu, sem graça, a supervisora. - Eu quero agradecer a sua presença, mas a aula já terminou. Assim que o turno acabou, a tal supervisora mandou chamar Prazeres até a direção. Indignada, disse que a professora a havia desmoralizado perante os alunos. Prazeres reagiu criticando a forma - pouco ideal para uma educadora – como ela adentrou a sua sala e ameaçou colocá-la para fora do lugar caso a cena fosse repetida. A partir daí, a relação entre as duas só viria a piorar. Quando assumiu a direção da escola, a antiga supervisora encontrou os meios para se vingar da professora que a havia desafiado tempos antes. Inicialmente, ela pôs um ponto final em todas as atividades artísticas desenvolvidas. Acabou com absolutamente tudo. Em seguida, passou a questionar o fato de Prazeres exigir que seus alunos usassem fardamento, argumentando que ela agia contra a lei. Mais uma vez a professora não abriu mão, afinal, embora soubesse que a farda não era obrigatória, ela mesma havia conseguido as roupas para os alunos mais necessitados.

Numa reunião com todos os professores da escola, a gestora foi adiante em sua vingança. - A partir de amanhã você vai “soltar” os meninos para o recreio. - Repete, não ouvi, devolveu Prazeres. - Você, a partir de amanhã, vai “soltar” os meninos na hora do re-

creio.

- Vou não! Eu vou recrear com os meus meninos na sala de aula, como sempre fiz. Quando você chegou, eu já estava aqui há muito tempo e faço o certo. - “Apois” você vai, determinou a diretora. - “Apois” eu não vou! É minha palavra contra a sua. No dia seguinte, no horário de recreação, permaneceu em sala de aula com os seus alunos. A diretora mandou que alguém fosse observar. Quando ficou sabendo que Prazeres insistia em não obedecê-la, recorreu à direção regional de educação, comandada à época pela professora Leila Gorayeb. A diretora aproveitou a oportunidade e disse tudo o que queria a respeito de Prazeres Barbosa. Esperando uma punição severa para a funcionária desobediente, ela deixou o departamento com motivos de sobra para que não houvesse tomado aquela decisão. “Volte para a sua escola e peça a Deus para ter mais duas ou três professoras como Prazeres. Eu conheço o trabalho dela”, disse Leila na ocasião. O tempo passou e essa mesma diretora, que tanto perseguiu os trabalhos artísticos dentro da escola, antes de receber o direito de aposentadoria, passou os últimos anos ensinando justamente a disciplina à qual não atribuía nenhum valor: Educação Artística. “Eu costumo dizer que existem pessoas que precisam se mascarar para aparecer. Prazeres não precisou nada disso. Ela se fazia respeitar pela diferença do seu trabalho. Houve conflitos, mas nada que permitisse que ela não brilhasse. Prazeres tinha um brilho próprio e eu digo que ela brilha tanto que às vezes ofusca o brilho da luz que está ao redor dela”, opina Leila Gorayeb, ao falar sobre Prazeres. Em 1987, Doralice Feliciano, que era secretária da escola na época de Diva Galvão, assumiu a direção da Elisete Lopes. A mudança permitiu

que Prazeres retomasse os trabalhos que tanto gostava de desenvolver com os alunos. Prazeres e Doralice se conheceram no início dos anos 1970, na Primeira Igreja Batista de Caruaru. Nessa época, Prazeres liderava o grupo de jovens da igreja. As duas se tornaram amigas, mas a relação tornou-se ainda mais sólida quando passaram a trabalhar juntas. Dos quatro anos em que passou à frente do educandário, Doralice guarda boas lembranças de Prazeres, a começar pelo apelido carinhoso que colocou nela. “Prazeres é uma líder nata, ela liderava a turma de uma maneira que chamava a atenção de todos. Os alunos a adoravam; por onde ela andava, tinha um grupo de meninos atrás dela. Todos os dias ela recebia flores. Pegava uma flor, colocava na orelha e ficava o tempo todo andando com ela. Por isso eu a chamava de frorzinha”, relembra a amiga. O lado frágil e sensível da educadora também marcou Doralice. “Ela era uma professora tão estimada que quando um aluno fazia qualquer coisa que não a agradava, ela vinha me contar e começava a chorar. Isso me chamava muito a atenção. Ela era autoritária, dominava a criançada toda de uma maneira que aquilo se transformava em amor. Era impressionante a maneira de Prazeres trabalhar como professora. Era uma profissional diferenciada, essa é a palavra correta”, descreve. Com a saída de Doralice, a direção da Escola Elisete Lopes foi assumida pela professora Maria Helena Vila Nova, que também viria a ser uma grande amiga e parceira de Prazeres. Como já estava prestes a se aposentar nesse período, ela já não desenvolvia os trabalhos artísticos com tanta ênfase na escola. Maria Helena foi a sua última diretora. “Prazeres era muito organizada e não tinha essa distinção de porque estava numa escola pública ter que fazer as coisas de qualquer jeito. Nós conversávamos muito, eu ia sempre a casa dela. Lá, ela fazia uma tapioca com queijo que era uma delícia”, recorda Maria Helena, que, coincidentemente, faz aniversário no mesmo dia que Prazeres. Prazeres Barbosa aposentou-se como professora no dia 13 de maio de 1992. Toda a escola chorou a sua saída. Organizaram uma festa de despedida. “Saí de lá deixando saudades, mas não que eu tenha sido boazinha; era brava, rigorosa até o extremo, pois estava formando gente. Hoje, quan-

do encontro meus ex-alunos, eles dizem que queriam uma professora igual a mim para ensinar aos seus filhos e netos”, conta. Apesar de estar deixando a escola, a professora levaria consigo uma parte dela. No início dos anos 1980, quando dava os primeiros passos na Elisete Lopes, Prazeres criou um grupo de teatro amador chamado Os Sutis. O nome é uma referência às coisas que são feitas com qualidade, porém, na simplicidade. “Éramos Os Sutis, mas quando fôssemos nos apresentar, mostraríamos a que viemos. Então, o nome veio dessa sutileza, da garimpagem que nós fizemos na escola, descobrindo muita gente boa que estava escondida”, explica Prazeres. O grupo de teatro foi a maneira ideal encontrada por ela para desenvolver a arte na escola. Prazeres sempre acreditou na educação aliada à arte. Não vê uma coisa dissociada da outra, pois acredita que a arte é capaz de absorver o indivíduo da forma como ele é. Além de descobrir novos talentos, o grupo serviu para dar uma boa guinada nos eventos que eram promovidos na comunidade escolar. “Isso foi o grande marco de Prazeres. Ela não entrava na sala apenas para dar aula, ela tinha uma meta. O teatro está no sangue de Prazeres, é a vida dela. E ela usou isso para mostrar aos meninos a importância do teatro”, afirma a professora Carminha Anunciação, que trabalhou durante 14 anos na Escola Elisete Lopes. Os Sutis era formado pelos próprios alunos. Prazeres começou a montar pequenas peças e a iniciativa foi dando certo. Nessa fase, a escola tinha como vice-diretora a professora Erenice Costa Lisboa, que escrevia espetáculos teatrais, mas até então ninguém havia mostrado interesse por seus textos. Prazeres ficou encantada com aquilo e decidiu montá-los. Encenou quase todos, como A Bruxa do Cabelo Azul (que foi um grande sucesso, chegando a participar de um festival competitivo no bairro do Derby, na cidade do Recife) e O Espantalho, ambos escritos por Erenice Lisboa. A parceria entre as duas foi perfeita. “Erenice tinha o dom de escrever. Foi uma mão forte. Ela costurava as roupas para encenarmos os espetáculos”, lembra Prazeres. Erenice Lisboa vive atualmente na cidade litorânea de Búzios, no Rio de Janeiro. Acometida pelo mal de Alzheimer,

sua memória já não lhe permite recuperar determinadas lembranças. Em 1981, quando se aproximava o Dia das Crianças, Prazeres se preparava para montar o espetáculo A Caixa Mágica, que seria encenado na Escola Elisete Lopes. Os ensaios já estavam bem encaminhados, quando um dos alunos – que iria interpretar o rei – desistiu. Às pressas, correram em busca de um substituto. A menina que faria o papel da rainha estudava na sexta série e decidiu convidar um colega de turma para ocupar a vaga deixada pelo outro integrante. O jovem Ednilson Leite não gostava de teatro até então. Quando soube que a direção do espetáculo era feita pela professora Prazeres Barbosa, ficou ainda mais cismado, afinal, todos os alunos a temiam por sua rigidez. Mesmo assim, decidiu encarar o desafio. “Prazeres marcou para nos encontrarmos num dia de sábado, eu fiz uma leitura, ela gostou e me mandou decorar o texto para o próximo ensaio. Nós fizemos a peça e foi um grande sucesso”, diz Ednilson, que chegou ainda a participar de outro espetáculo montado por ela, O Casaco do Pirata Enferrujado. Prazeres e Ednilson passariam a manter uma boa relação a partir daí. “Quando acabou o teatro na escola, ela já estava no Sesc e me indicou a Severino Florêncio para eu entrar no elenco do espetáculo Solte o Boi na Rua. Eu era muito verde naquele tempo, mas ela disse para eu não me preocupar. Eu comecei a ensaiar, a conhecer a turma e essa foi a primeira vez que contracenei com Prazeres, minha professora. Juntos, fizemos os espetáculos A Promessa, Avatar (ele participou na técnica) e Nó de 4 Pernas”, relembra. Quando se aposentou, Prazeres trouxe consigo o grupo de teatro que havia mantido durante anos na escola. No dia 2 de outubro de 1992, dia do aniversário da atriz, em uma festa surpresa organizada num salão localizado no bairro Cohab II, em Caruaru, o grupo Os Sutis passou a se chamar Companhia de Produções Artísticas Prazeres Barbosa, um dos maiores grupos teatrais existentes na cidade. Nesse mesmo ano em que montou o espetáculo A Caixa Mágica na escola, Prazeres foi surpreendida com a criação de um festival estudantil em Caruaru. Promovido pelo Teatro Experimental de Arte (Tea), uma

das escolas de teatro pioneiras na cidade, o Festival de Teatro Estudantil e Amador do Agreste (Feteag) promoveu sua primeira edição em 1981. Na época, o público que frequentava o teatro caruaruense era composto em sua maioria por adultos. Percebendo a pouca participação da juventude no movimento teatral, Fábio Pascoal – filho do casal Arary Marrocos e Argemiro Pascoal, criadores e mantenedores do Tea – ao lado do ator Chico Neto, idealizaram o Feteag para envolver os estudantes e trazê-los para o teatro. “Nossa intenção era descobrir valores e aumentar plateia”, explica Argemiro. Prazeres viu no Feteag a oportunidade ideal de levar para fora da escola o trabalho que desenvolvia com o grupo Os Sutis. Rapidamente, inscreveu-o para a competição. O espetáculo encenado pelo grupo foi Pluft, o Fantasminha, de Maria Clara Machado. O resultado do primeiro Feteag surpreendeu a iniciante diretora. Prazeres Barbosa recebeu prêmio de melhor direção e a garota que protagonizou a peça foi contemplada com o prêmio de melhor atriz. Começava aí uma nova história na vida da arte-educadora. Foi no Feteag que a professora Prazeres teve a oportunidade de mostrar seu talento para as pessoas do movimento teatral pela primeira vez. Severino Florêncio, que há pouco tempo havia formado o Grupo de Teatro do Sesc Caruaru, assistia a tudo. No final, ele foi cumprimentá-la e a convidou para participar de seu grupo. A decisão, embora ela sequer imaginasse, iria transformar para sempre a sua vida.

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