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Opinião, Miguel Vassalo
Opinião
Miguel Vassalo
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COUNTRY MANAGER AUTOROLA
Viajar por um tubo
Imagine o leitor que vive em Lisboa e tem uma reunião em Madrid às onze da manhã. Toma o seu pequeno-almoço à hora habitual, digamos às sete. Passa tranquilamente em revista as principais manchetes do dia e enquanto toma o seu primeiro café, verifica o correio eletrónico para saber se algo requer a sua atenção imediata. Às oito e meia da manhã está na estação e em apenas 39 minutos de viagem chega a Madrid fresquíssimo, ainda muito a tempo para rever as notas que preparou e chegar ao local da reunião sem sobressaltos.
Sim leu bem. Cerca de 500 km confortavelmente percorridos em apenas 39 minutos.
Hoje, tal ainda não é possível, mas nos últimos anos esta ideia tem capturado a imaginação de muitos engenheiros e investidores em todo o mundo, apostados em materializar este conceito, o qual, a ser conseguido, vai diretamente para o panteão das mais grandiosas proezas da engenharia.
O sistema público de transporte terrestre futurístico aludido nesta história introdutória é o hyperloop e o seu funcionamento, por assim dizer, está assente na resolução de um simples desafio clássico: remover tanto quanto possível dois dos elementos que se opõem à progressão dos veículos “normais”: o atrito e a resistência do ar.
A sua formalização teórica é feita em 2013, quando Elon Musk (quem mais podia ser!...) publicou um documento técnico onde teorizava que cápsulas de alumínio aerodinâmicas, transportando passageiros ou mercadoria, podiam ser impulsionadas através de um tubo de aço, quase sem ar, a velocidades próximas de Mach 1 (aproximadamente 1.200 km/h). Estes tubos, suspensos sobre pilares ou enterrados sob o solo, poderiam ser construídos entre cidades.
Chamou-lhe o "quinto modo de transporte" (depois do avião, automóvel, comboio e barco) e argumentou que poderia ajudar a mudar a forma como vivemos, viajamos, trabalhamos e fazemos negócio. No entanto, Musk abster-se-ia de reinventar mais uma indústria. Empreendimentos de monta como a SpaceX e a Tesla ocupavam-no a tempo inteiro, pelo que encorajou outros interessados a prosseguir a partir daí (talvez sem surpresa, parece ter mudado de ideias e recentemente entrou também na corrida).
No fundo, esta tecnologia inovadora está assente na aceleração de cápsulas autónomas, do tamanho de pequenos autocarros, através de tubos mantidos em ambiente de quase vácuo, utilizando tecnologia de propulsão e levitação magnética. Elimina-se assim, em grande medida, o atrito e a resistência do ar e permite que passageiros e mercadoria percorram longas distâncias a velocidades estonteantes.
E não promete ser apenas mais rápido do que viajar de avião, defendem os visionários defensores deste sistema de transporte teórico. Será mais barato e melhor para o ambiente do que os meios de transporte convencionais, pois propõe-se ser totalmente alimentado por energia solar.
Mais fácil de imaginar conceptualmente do que implementar na prática, este tipo de visão inovadora encerra sempre consigo enormes desafios.
Ainda que, do ponto de vista tecnológico, à luz do estado da arte da engenharia atual, não pareçam existir grandes questões sobre a sua exequibilidade, os custos da sua construção são avultados, levantando-se dúvidas a respeito dos custos de operação e manutenção. Por outro lado, exige ainda muita vontade política, clarificação legal e, naturalmente, adesão do público.
Afinal, importa saber se o hyperloop poderá ser efetivamente competitivo em relação aos outros meios de transporte existentes, do ponto de vista do investimento, operacional e de segurança.
Contudo, as dificuldades parecem não fazer esmorecer o florescimento de uma nova indústria. Uma das empresas, a Virgin Hyperloop One do conhecido empreendedor multimilionário Sir Richard Branson, realizou com sucesso, em 2020, o primeiro teste com passageiros de carne e osso. Percorreu em 15 segundos parte de uma pista de testes com 500 metros no deserto do Nevada, atingindo uma velocidade máxima de 173 km/h.
A empresa diz estar atualmente a desenvolver projetos nos Estados Unidos, Canadá, Finlândia, Suécia, Países Baixos, Índia e Emirados Árabes Unidos e, em fevereiro deste ano, a comunicação social nacional anunciou que esta estava também interessada em trazer para Portugal a tecnologia. E que, inclusivamente, já mantinha contactos com o governo.
Em 2013, Elon Musk teorizou que cápsulas de alumínio aerodinâmicas, transportando passageiros ou mercadoria, podiam ser impulsionadas através de um tubo de aço a velocidades próximas de Mach 1 (aproximadamente 1.200 km/h)
É certo que também foram anunciadas muitas datas para o lançamento de projetos totalmente funcionais e que estes prazos ficaram sucessivamente por cumprir.
Apesar de tudo, existe uma grande diferença em demonstrar que a tecnologia funciona e poder ser escalada de forma viável. Talvez possamos assistir a ciclos de inovação incremental, começando por distâncias mais curtas, ligando, por exemplo, aeroportos a cidades e projetos de transporte exclusivo de mercadorias, entre portos e centros de distribuição.
Não sabemos se mais uma ideia fora da caixa de Elon Musk verá a luz do dia, no entanto, sabemos que não seria a primeira.