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PCdoB: Um século e milhares de lutas
1922, O ANO MÁGICO
m 1922, os brasileiros eram 32 milhões. Um décimo deles vindo do Velho Mundo. Três quartos moravam na roça. O Rio de Janeiro era a Capital Federal e a maior cidade: 1,2 milhão de moradores. Nos 100 anos do 7 de setembro, sedia uma exposição com stands de 50 países e ocorre a primeira transmissão de rádio no país. Assiste a sufragista Bertha Lutz fundar a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF). Envia a Paris o conjunto de samba Oito Batutas, de Pixinguinha e Donga. Perde seu genial cronista Lima Barreto, 41 anos, defensor da Rússia socialista. São Paulo, com 600 mil habitantes e forte sotaque italiano, já é a cidade que cresce mais rápido e tem mais indústrias. No Cariri, o padre Cícero recebe a devoção de seus fiéis; no Pajeú, Lampião oferece à tia Jacosa a música Mulher rendeira. O Brasil aplaude dois portugueses que cruzaram pela primeira vez o Atlântico Sul de avião. O presidente eleito, em março, é o carrancudo Artur Bernardes, do Partido Republicano Mineiro (PRM). Guarde o ano: 1922, o ano mágico das rupturas que fecundaram o Brasil. Em fevereiro, a Semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo, escandaliza e fascina, mas põe nossa arte em compasso com o século 20. A ideia da Semana é do pintor Di Cavalcanti: “para assustar essa burguesia que cochila na glória de seus lucros”. “A nossa estética é guerreira: Queremos luz, ar, aeroplanos, reivindicações obreiras, idealismos, motores, chaminés de fábricas, sangue, velocidade, sonho, na nossa Arte”, provoca o poeta Menotti del Picchia. Em 5 de julho, outra ruptura crucial: a Revolta do Forte de Copacabana e o embate dos 18 revolucionários, cada um com um retalho da Bandeira Nacional, contra três mil soldados legalistas. Metralhados na Avenida Atlântica, só Siqueira Campos e Eduardo Gomes sobreviveram. O tenentismo passa à ação revolucionária. O governo responde com quatro anos de Estado de Sítio. Começava o crepúsculo da República Velha. O terceiro marco histórico desse ano mágico é o Congresso de Fundação do Partido Comunista do Brasil [até a cisão de 1962, o Partido usaria a sigla PCB; depois, o então denominado Partido Comunista Brasileiro fica com a sigla; a corrente que reorganiza o Partido Comunista do Brasil usará PCdoB]. Nove delegados participam do Congresso, de 25 a 27 de março, numa união operária no Rio de Janeiro e, no último dia, por questões de segurança, na casa de duas tias idosas de Astrojildo Pereira em Niterói.
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EO Congresso vota as 21 condições para ingresso na Internacional Comunista, que constam de seus Estatutos, e elege a Direção. Encerra-se com um viva à “união dos operários sul-americanos integrados na Internacional” e com o hino A Internacional, cantado baixinho para não alertar a repressão. Os fundadores são “na quase totalidade elementos originários do anarquismo”, relatará Astrojildo. Representam 73 comunistas, que militam no Rio, São Paulo, Niterói, Cruzeiro, Recife e Porto Alegre, mais Santos e Juiz de Fora, que não conseguem enviar delegados ao Congresso. São duros os primeiros tempos. Aos dois meses de idade, o Partido é proscrito durante o Estado de Sítio, que tem como alvo a rebeldia tenentista. O punhado de pioneiros comunistas mal chega a 250 no fim de 1922 – embora com adesões do quilate do ex-líder anarquista Octávio Brandão. Em 1927 são 700 militantes. Apenas com o correr do tempo, vem à luz a dimensão histórica do 25 de março de 1922. Dois fatores foram decisivos na fundação do Partido Comunista. O fator externo foi a Revolução Russa, sob a direção do Partido Comunista (na época chamado Bolchevique e muitas vezes traduzido aqui como Maximalista) de Vladimir Lênin. Com ela, inicia-se a primeira experiência socialista da humanidade: a União Soviética. A vitória de 1917 tem enorme repercussão mundial. Sinaliza um caminho novo para a classe trabalhadora. Logo, em 1919, leva à criação da III Internacional (a Internacional Comunista, Comintern ou IC) e de dezenas de partidos comunistas, inclusive na América Latina. O da Argentina nasce em 1918 e o do Uruguai em 1920. Porém, o fator decisivo é o interno. Conforme o historiador marxista Nelson Werneck Sodré, o Partido “nasceu e cresceu como consequência necessária do processo de formação da classe operária brasileira e do desenvolvimento de suas lutas e organização. Sua fundação respondeu a uma exigência do movimento operário”. O 25 de março de 1922 é o desaguadouro de toda uma fase heroica do movimento operário brasileiro. Antes, o modo de produção escravocrata entravava o desenvolvimento do capitalismo e, portanto, da classe trabalhadora assalariada. Embora a primeira greve date de 1858, só no fim do século 19 – depois da vitória final da Campanha Abolicionista, em 13 de maio de 1888 –, a nova classe e seu movimento ganhariam destaque na cena social.
As primeiras lutas do proletariado brasileiro levam à fundação da primeira central sindical, a Confederação Operária Brasileira (COB), que reúne três congressos, em 1906, 1913 e 1920. Produz uma vigorosa imprensa operária, com centenas de títulos, muitas vezes em italiano, e em outras línguas, para atingir os numerosos trabalhadores imigrantes. Introduz o 1º de Maio no calendário nacional. Faz greves memoráveis – como a grande greve geral de julho de 1917, iniciada pelas tecelãs do Cotonifício Crespi, que paralisou São Paulo, ergueu barricadas e só se encerrou depois de arrancar dos patrões reivindicações como o aumento salarial de 20%, o fim do trabalho de menores de 14 anos e a redução da jornada de trabalho.
Mas, após atingir seu auge em 1917-1919, a onda de lutas reflui. E o patronato logo trata de voltar atrás em muitas das conquistas. “Comigo é na borracha”, dizia o presidente Washington Luís ao se referir à questão social e às mobilizações do povo. A crise do movimento operário e sindical leva ao questionamento do anarcossindicalismo, chegando ao Brasil com as levas de imigrantes europeus. Combativo, radical, denuncia com vigor o capitalismo e o sindicalismo amarelo (que mais tarde ficará conhecido como peleguismo). No entanto, os anarcossindicalistas rejeitam categoricamente a luta política e, portanto, a organização dos operários em partidos independentes, visando à conquista do poder – fazendo os trabalhadores se atrasarem nessa esfera tão importante para a revolução. Tentativas de criar partidos socialistas, em 1892, 1895, 1899 e 1902, têm vida curta. Em 1919, um primeiro ensaio de Partido Comunista do Brasil, semianarquista, também sucumbe um ano depois. Quando o movimento entra em descenso, parte da liderança resolve seguir outra via – aquela apontada pela Rússia Soviética de Lênin. Essa corrente rompe com o anarquismo, responsabilizando-o por “20 anos de organização, desorganização, reorganização e desmantelamento”, nas palavras de Astrojildo Pereira. Nascem daí os primeiros grupos comunistas, em Santana do Livramento (RS), Porto Alegre, Rio e Recife, que logo decidem fundar o Partido Comunista do Brasil. *** O Partido Comunista do Brasil liga-se às lutas da classe trabalhadora desde os seus primeiros dias. Prega a regulamentação dos direitos sociais e a criação de uma central sindical unitária – meta que se realiza em 1929 com a fundação da Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB). O comunista Minervino de Oliveira assume a direção da Central. Um robusto combate de ideias marca a década de 1920. Os comunistas se afirmam, apontando os equívocos dos anarquistas. Chamam a classe operária e o povo à luta política revolucionária: com base na análise feita por Octávio Brandão no livro Agrarismo e industrialismo, o Partido aposta numa “terceira revolta” tenentista, após as de 5 de julho de 1922 e de 1924, bem como na participação dos comunistas nela. Nesta fase, a jovem sigla faz três congressos, em 1922, 1925 e 1928-1929. Astrojildo Pereira é o seu secretário-geral – principal posto de direção. Em 1924, os tenentes voltam à luta e chegam a tomar São Paulo por 15 dias, em meio a saques e ao pesado bombardeio governista. Segue-se outro levante, no Rio Grande do Sul, onde se forma a Divisão Rio Grande. Os dois destacamentos rebeldes se reúnem em Foz do Iguaçu (PR) e formam a Coluna Miguel Costa-Prestes, ou Coluna Invicta, que cruza o país até 1927. Seu líder, o jovem capitão do exército Luiz Carlos Prestes, ainda distante do comunismo, converte-se no legendário Cavaleiro da Esperança. O PCB procura apoiar o Levante. Em 1924, o ferroviário comunista José Duarte, 18 anos de idade, luta em São Paulo na “Coluna da Morte” do tenente João Cabanas. Em 1925, o dirigente comunista Cristiano Cordeiro vai ao Piauí relatar à Coluna Prestes os preparativos de uma revolta em Pernambuco: é o levante operário-tenentista de Cleto Campelo, desbaratado pelas tropas governistas, antes de ter a chance de se unir à Coluna.
Em 1927, o próprio Astrojildo Pereira procura Prestes. Para isso viaja até Puerto Suárez, na fronteira da Bolívia com o Brasil, onde o Cavaleiro da Esperança estava exilado, e lhe apresenta a teoria marxista, presenteando-o com alguns livros. Também o entrevista para o jornal A Esquerda, de Pedro Mota Lima. Conforme escreve, o secretário-geral do PCB “guardava a esperança de que Prestes, ao tomar conhecimento direto das ideias marxistas, não demoraria em compreender que elas exprimiam a verdade”. A comunicação de massa, na época chamada “agitação e propaganda”, é outra prioridade desde o início. Em 1923, o PCB consegue uma coluna, a cargo de Astrojildo, em um diário da capital de grande circulação, O Paiz.
Em 1925, o Partido Comunista do Brasil lança seu próprio jornal, o semanário A Classe Operária. A história deste periódico é uma epopeia à parte: ora legal, ora no exílio, ou na total clandestinidade, com gráficas destruídas e responsáveis assassinados, retorna sempre, para o desespero da reação. Em 1927, o Partido obtém alguns meses de legalidade. Nesse reduzido intervalo, A Nação converte-se no primeiro diário comunista do país – cedido aos comunistas por Leônidas Resende, professor de tendência positivista, mas que simpatizava com o marxismo. A maior marca desta fase é o Bloco Operário. Criado em 1927, ainda sem o termo “Camponês” no nome, ele cumpre uma tripla função: é uma frente, social e política, atraindo forças de fora do proletariado e do Partido. Também serve de cobertura legal ao clandestino PCB. E refuta, na prática, o preconceito anarquista contra a luta política, conforme diz uma Carta Aberta do BOC: “É preciso sanear a política e para isso é preciso intervir nela e não afastar-se dela”.
Na legenda do BOC e com um programa amplo – defende, por exemplo, o voto feminino –, o Partido conquista, em 1928, seus primeiros parlamentares: o farmacêutico Octávio Brandão e o operário marmorista Minervino de Oliveira. Ambos se elegem intendentes (vereadores), num total de 24 cadeiras do Conselho Municipal da Capital Federal, o Rio de Janeiro. Em um comício da campanha, a polícia mata a tiros Raimundo de Morais, operário do Arsenal da Marinha. Na disputada eleição presidencial de 1930, o BOC convida Prestes a candidatar-se. Ele se recusa e o Bloco lança Minervino de Oliveira, por julgar que a disputa Getúlio Vargas versus Júlio Prestes é oligárquica e interimperialista. A campanha de Minervino, atingida por fe-
roz repressão patronal e governamental, tem poucos votos. Mas, na formação histórica do Brasil, ele é o primeiro candidato presidencial comunista, o primeiro operário e o primeiro negro. O Partido pede ingresso na III Internacional, já na sua fundação; no mesmo ano, envia a Moscou o tipógrafo e jornalista Antônio Canellas; mas só é admitido em 1924. Quatro anos depois, no 6º Congresso da IC, Astrojildo é eleito para a Comissão de Controle da sua Comissão Executiva. Nessa fase, a Internacional começa a influir mais fortemente sobre a vida do Partido.
A Juventude Comunista do Brasil é fundada em 1927. Seu órgão é o jornal O Jovem Proletário. Em 1929, com 200 membros, torna-se Federação da Juventude Comunista do Brasil (FJCB) até 1936. Em 1947, foi criada a União da Juventude Comunista (UJC) logo fechada pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. Reorganizada em 1950, viveria até 1958.
O PCB tem, em 1928, a sua primeira cisão. Joaquim Barbosa (um dos fundadores de 1922), Rodolfo Coutinho e 48 militantes deixam o Partido. Em 1931, parte deles funda a Liga Comunista, tendo à frente o crítico de arte Mário Pedrosa, outro ex-filiado ao PCB, mais tarde fundador da IV Internacional trotskista. Desde então, muitas outras organizações intitularam-se comunistas. *** A Revolução de 1930 sepulta a República Velha e abre um ciclo novo na formação histórica do Brasil. Ela cria melhores condições para uma rápida industrialização e urbanização, usando o Estado como alavanca nacional-desenvolvimentista, embora mantendo o latifúndio e a dependência externa.
Seu líder, o ex-governador rio-grandense Getúlio Vargas, projeta uma imagem modernizante, apesar de ambígua. E trata de se aproximar dos trabalhadores, estabelecendo direitos sociais pelos quais o movimento operário já vinha lutando desde muito antes. Por esse conteúdo modernizador, a Revolução de 1930 ganha o apoio de muitos tenentes e do povo das cidades. O PCB, porém, denuncia que ela visa unicamente a “evitar a revolução das massas”. Prestes, exilado na Argentina e então convertido ao marxismo, recusa a oferta de Getúlio de ser o líder militar do levante. Enxerga-o, tal qual o PCB, como “uma simples luta entre as oligarquias dominantes” e produto da luta entre os imperialistas ingleses e estadunidenses. Em 1931, parte para a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), onde trabalha como engenheiro, e, três anos depois, filia-se formalmente ao Partido Comunista do Brasil. O regime de 1930, por sua vez, é ferozmente anticomunista. Mantém o PCB na ilegalidade, esmera-se nas prisões e deportações, reprime o movimento operário. Com ajuda do Departamento de Polícia de Nova Iorque, projeta “um serviço especial de repressão ao comunismo”, consolidado após a Insurreição de 1935. A linha de frente única concentra o ataque no fascismo, que assola a Europa com a vitória de Adolf Hitler na Alemanha (1933). A versão brasileira do nazi-fascismo é a Ação Integralista Brasileira (AIB), criada por Plínio Salgado em 1932. Começa uma feroz disputa entre comunistas e “galinhas verdes” – como os críticos apelidaram os in-
tegralistas, devido à cor da camisa de seu uniforme e a uma suposta covardia de seus membros.
Nessa luta, o PCB aplica uma linha de ampla frente antifascista, como na “Batalha da Praça da Sé” (7 de outubro de 1934), na qual comunistas, socialistas, trotskistas, anarquistas, tenentistas e até liberais se unem para desafiar uma demonstração de força dos “galinhas verdes” em São Paulo. A “Batalha” deixa cinco mortos, mas os integralistas levam a pior e fogem, apesar de sua milícia paramilitar. O Partido reforça a sua atuação entre os trabalhadores e dirige inúmeras greves. Vem da luta sindical seu primeiro deputado federal, o estivador Álvaro Ventura. Ele se elege suplente, em 1933, pela bancada classista de Santa Catarina, e assume como efetivo logo após a promulgação da Constituição de 1934. A figura do deputado classista é uma inovação da Revolução de 1930, sendo eleitos pelas entidades profissionais dos trabalhadores e patronais. Em setembro de 1934, a notícia da filiação de Prestes dá enorme prestígio ao PCB. O comandante da “Coluna Invicta” filia-se em Moscou, através da IC, e prepara sua volta ao Brasil, a fim de dirigir um movimento revolucionário contra o governo Vargas. O Partido incorpora a questão nacional como elemento-chave de sua linha. Impulsiona o movimento antiguerreiro face ao surto belicista que levará à Segunda Guerra Mundial. Engaja-se na organização das mulheres que, em 1932, obtêm o direito de voto. A Federação da Juventude Comunista ganha raízes de massas. O passo decisivo nesse avanço é a Aliança Nacional Libertadora (ANL), criada em janeiro de 1935. O seu manifesto afirma: “Para a ANL, precisam vir todas as pessoas, organizações e mesmo partidos sob a única condição de que queiram lutar contra a implantação do fascismo no Brasil, contra o imperialismo e o feudalismo, pelos direitos democráticos”.
Pão, terra e liberdade é o lema da ANL. Seu programa defende o cancelamento das dívidas com os países imperialistas, a entrega dos latifúndios aos camponeses, amplas liberdades públicas, governo popular, jornada de trabalho de oito horas, salário-mínimo, devolução das terras arrebatadas aos índios. É antifascista, anti-imperialista e antilatifundiário.
O presidente da ANL é o capitão-tenente da marinha Herculino Cascardo, expoente tenentista não pertencente às fileiras comunistas. O presidente de honra é Prestes, conforme proposta aclamada no lançamento público da Aliança, em 30 de março, por iniciativa de Carlos Lacerda, na época militante da Federação da Juventude Comunista do Brasil (porém, mais tarde, destacado porta-estandarte do anticomunismo no Brasil). A ANL tem crescimento vertiginoso. Em junho, segundo sua direção, já reúne 400 mil filiados. O historiador estadunidense Robert Levine estima este número entre 70 mil e 100 mil.
Os aliancistas, como são chamados, organizam-se em células – núcleos de base que chegam a 1.600, espalhados por cidades, bairros, sindicatos, bem como quartéis de Norte a Sul do País. O Partido Comunista do Brasil passa de cinco mil membros, no final de 1934, para oito a dez mil, em julho de 1935.
A ANL conta com o apoio dos jornais A Manhã, A Pátria e A Nação, no Rio, e Plateia, em São Paulo. Cria entidades como o Clube da Cultura Moderna, a Liga de Defesa da Cultura Popular e a União Feminina do Brasil (UFB). Tem o apoio do prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto, e do líder histórico tenentista, Miguel Costa, em São Paulo.
Diante do êxito, o Partido superestima sua força. Em julho, uma carta de Prestes exige “todo Poder à ANL”. Surge a palavra de ordem Por um Governo Popular Nacional Revolucionário com Prestes à frente, embora muitos dirigentes aliancistas não a tenham endossado. Prestes volta ao País em abril, clandestino. Junto com ele vem Olga Benário, 26 anos, quadro da Internacional Comunista, que se torna sua esposa. A IC envia outros quadros, como Rodolfo Ghioldi (argentino), Jules Léon Vallée (belga), Victor Alan Barron (estadunidense). O mais destacado é Harry Berger, “nome frio” de Artur Ewert, veterano dirigente proletário alemão, que aponta os excessos radicalizantes do movimento.
O governo Vargas nota esses pontos débeis e contra-ataca. A 11 de julho, usando a então aprovada Lei de Segurança Nacional (apelidada Lei Monstro), fecha a ANL e invade suas sedes. O comando da repressão cabe ao tenebroso chefe de polícia do Rio de Janeiro, Filinto Müller. Em resposta, o Partido passa a preparar a insurreição armada.
O levante termina se precipitando e fica fora de controle. No Rio Grande do Norte, o 21º Batalhão de Caçadores se insurge, em 23 de novembro, tomando Natal por quatro dias e instaurando um governo provisório revolucionário. No dia 24, rebelam-se unidades do Recife e, em 27, o 3º Regimento de Infantaria e a Escola de Aviação Militar, na capital. A maioria dos comunistas, surpreendida, reduz-se a assistir.
Nessas condições, a rebelião é logo esmagada. No texto Cinquenta anos de luta (1972), o Partido avalia: “A tática política da ANL, particularmente após seu fechamento, e sua concepção militar estavam impregnadas de revolucionarismo pequeno-burguês, o que levou à precipitação da luta armada. No entanto, a insurreição de 1935 constitui fato memorável da luta do povo brasileiro por sua emancipação. Pela primeira vez no país foi tentada, através da luta armada, a instauração de um poder popular”. A reação jamais perdoa os comunistas pela ousadia de 1935. Durante décadas, até 1990, a cada 27 de novembro, a “Intentona” é exorcizada, no pesado jargão do anticomunismo, em cerimônias com a presença do presidente da República e ordens do dia lidas em todas as unidades do Exército. Após o golpe jurídico-parlamentar de 2016, tais cerimônias voltaram a se realizar.
*** Nas primeiras semanas após a Insurreição de 1935, a polícia prende mais de 15 mil comunistas e aliancistas. A perseguição é sancionada pelo Estado de Guerra, comandada pela “Comissão de Repressão ao Comunismo” e por Filinto Müller, ex-membro da Coluna Prestes, que o expulsou por covardia, deserção e corrupção (três décadas depois, sob a ditadura militar, será o líder do governo no Senado). Entre as torturas, usa-se alicates, apelidados anjinhos, para apertar testículos e bicos de seios, e maçaricos nas solas dos pés.
Os presos ficam na Ilha Grande, em Fernando de Noronha, na Casa de Correção do Rio, em presídios como o Maria Zélia, de São Paulo, e até em navios. Graciliano Ramos fornece um vivo testemunho no livro Memórias do cárcere. Harry Berger e sua esposa Elise são brutalmente torturados. Ele apresenta problemas psicológicos, após 18 meses preso num vão de escada, sem luz, ar, cama, cadeira ou banho. Alan Barron morre sob tortura na prisão. Seu corpo foi jogado do segundo andar da sede da Polícia Central para aparentar suicídio. Prestes passa 550 dias incomunicável, proibido de escrever ou ler, antes de ser condenado a 30 anos de prisão. Ele e Olga Benário são presos em março de 1936, quando a polícia localiza a casinha onde moravam, na Rua Honório, Méier. Em setembro, Olga, grávida de sete meses, e Elise Ewert, mulher de Harry Berger, são entregues à Alemanha nazista, com o aval hediondo do Supremo Tribunal Federal (STF). As duas, sendo judias, vão para campos de concentração. Ali nasce, em novembro, a filha de Olga e Prestes, Anita Leocádia. Em 1942, Olga e Elise são executadas na câmara de gás. O regime autoritário consolida-se em 1937, com o golpe do Estado Novo e a outorga da Constituição Polaca (por se inspirar na Carta do ditador polonês Jozef Pilsudski): o governo fecha o Congresso, dissolve os partidos e intervém nos estados.
O pretexto do golpe é o Plano Cohen – suposta conspiração comunista, na verdade forjada pelo capitão integralista Mourão Filho (que em 1964, já general, iniciará o golpe militar). Em 1939, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), novo nome do Departamento Nacional de Propaganda (DNP), exerce a censura. A polícia política mantém plena atividade, articulando as Delegacias Estaduais de Ordem Política e Social (DEOPS) com o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), agora de abrangência nacional, com Filinto Müller no comando.
A ameaça fascista é mundial. Na Espanha, a República enfrenta o golpe do general Franco (1936), apoiado por tropas de Hitler e Benito Mussolini. O PCB envia voluntários para as Brigadas Internacionais republicanas, entre eles Apolônio de Carvalho, Dinarco Reis, Davi Capistrano da Costa e Roberto Morena, que lutam ao lado de voluntários de 64 outros países. No Brasil, os comunistas são caçados como feras. O romance Os Subterrâneos da Liberdade (1954), de Jorge Amado, retrata essa fase. Em 1937, o Partido também sofre uma cisão, de inclinação trotskista, com centro em São Paulo.
O PCB resiste. Mantém, com dificuldades, o laço com a classe trabalhadora, as massas populares, os intelectuais. Cria toda uma rede de imprensa clandestina, que vai d’A Classe Operária aos jornais manuscritos dos presos políticos. A história dessa rede é uma saga de heroísmo. Na Bahia, o Partido apoia a criação da revista Seiva (1938), legal, que se projeta no País por sua linha antifascista. Envolve-se na campanha pela siderurgia nacional, que leva à criação da CSN (1941). Em um quadro geral de recuo, contribui decisivamente para uma vitória memorável, a fundação da União Nacional dos Es-
tudantes (UNE), às vésperas da decretação do Estado Novo, em 11 de agosto de 1937. Em 1939-1940, quase todos os dirigentes nacionais e estaduais do PCB estão presos. Filinto Müller chega a anunciar o fim do Partido. Mas se equivoca; é ele quem logo deixará de ser chefe de polícia, após buscar, sem sucesso, aval para reprimir uma passeata da UNE. Em 1941, o Partido forma no Rio a Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP) e, em 28 de agosto de 1943, reúne, num sítio em Engenheiro Passos (RJ), na mais rigorosa clandestinidade, a histórica Conferência da Mantiqueira. Não é uma reunião grande: ao todo participam 46 delegados, do Distrito Federal, Rio de Janeiro, Paraná, Bahia, Minas Gerais, Pará e Rio Grande do Sul. Um levantamento indica que em todo o país havia, então, 1.800 comunistas fora da cadeia.
Mas a Conferência ocorre em um momento delicado. Após flertar com o Eixo, o governo Vargas, sob pressão de enormes protestos do povo diante do afundamento dos navios brasileiros por submarinos alemães, havia 12 meses declarara guerra à Alemanha. E, havia três semanas, decidira enviar tropas para combater ao lado dos Aliados. No terreno da guerra, desde a vitória estratégica do Exército Vermelho, na Batalha de Stalingrado, em fevereiro de 1943, o nazi-fascismo passaria à defensiva. A conjuntura mundial influi na cena brasileira.
A Conferência da Mantiqueira rejeita a proposta, apresentada por dirigentes históricos como Fernando Lacerda, de dissolver o Partido Comunista, em nome da unidade no esforço de guerra. Mas refuta igualmente a linha do “Comitê de Ação”, que pretende manter a oposição a Getúlio como se o Brasil não tivesse entrado na Guerra. A postura que triunfa na Mantiqueira é concentrar tudo na derrota do nazi-fascismo e seus aliados internos, os “quinta colunas”. Para isso, o Partido defende a “União Nacional em torno do governo Vargas”. A Conferência da Mantiqueira também reorganiza o Partido. Elege um Comitê Central incorporando a nova geração de quadros forjada na luta contra o Estado Novo, como Maurício Grabois, Amarílio Vasconcelos, Diógenes Arruda Câmara, João Amazonas, Pedro Pomar, Mário Alves e Júlio Sérgio de Oliveira. Prestes, mesmo preso, é eleito secretário-geral. Carlos Marighella, também encarcerado, passa a compor o órgão dirigente. A prática dá razão aos comunistas. Desmentindo os céticos, o governo envia a Força Expedicionária Brasileira (FEB) para combater na Campanha da Itália. Dentro do País, o esquema ditatorial estado-novista se decompõe. O povo adere em massa às bandeiras do Partido, que entra numa fase de crescimento sem precedentes. *** A entrada do Exército Vermelho, em Berlim, e a rendição da Alemanha nazista criam uma situação nova no mundo. E o nazi-fascismo é derrotado em toda a linha.
No Brasil, sempre sob pressão, o governo Vargas toma medidas democratizantes. E as lutas de massas ganham as ruas. Em 18 de abril de 1945, a Anistia liberta Prestes e os demais presos políticos. Entre a Anistia e a cassação dos parlamentares comunistas, em janeiro de 1948, são 870 dias contados – mas é uma fase especialmente fecunda.
O Partido Comunista conquista a legalidade na prática e abre sedes por todo o País. Na ofensiva, ele imediatamente convoca enormes comícios, como o do estádio do Vasco da Gama, no Rio, com 100 mil pessoas, e o do Pacaembu, em São Paulo, com 130 mil participantes. Os objetivos são a plena democratização e a convocação de uma Assembleia Constituinte.
O Partido defende uma Constituinte com Getúlio na Presidência. No discurso do Pacaembu, Prestes argumenta: “O governo vem há muito cedendo no sentido da democracia e marcha por isso em sentido inverso daquele por que levava o país nos anos anteriores à grande guerra”. Portanto, “se naquela época soubemos empunhar armas em defesa da democracia, agora também a defenderemos apoiando o governo”. Já no mês da Anistia, 300 líderes sindicais, por iniciativa comunista, criam o Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), e João Amazonas é seu principal dirigente.
No 7 de Setembro, num estádio do Vasco, lotado pelo MUT, Getúlio dirige-se a Amazonas: “Apertando a sua mão, quero apertar a mão de todos os trabalhadores presentes”. Algum tempo depois, nasce a Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB). Comitês nos bairros organizam o povo para a luta contra a carestia, o analfabetismo e pela democratização, promovendo campeonatos de futebol, festas, piqueniques. O PCB passa a lutar para assumir a feição “de um partido de novo tipo, de um grande partido bem ligado às massas”, diz Prestes. Os comunistas se estruturam em células de base: 500 delas, no Rio, e 361, em São Paulo.
Algumas células chegam a ter dois mil militantes, como as da Central do Brasil, Arsenal da Marinha e servidores da Prefeitura do Rio. A dos estivadores de Santos tem 600 e a da fábrica Nitro Química, na Zona Leste de São Paulo, passa de mil. Em 29 de outubro de 1945, um golpe da direita derruba Getúlio, mas a maré democratizante continua. O PCB obtém seu registro legal. As pessoas fazem fila para se filiar. E o Partido chega a 50 mil membros, no início de 1945, passando a 100 mil, no fim do ano. E beira os 200 mil em 1946.
Na eleição presidencial de 2 de dezembro de 1945, o PCB não candidata Prestes, buscando um nome mais amplo. E, a apenas 20 dias da votação, lança Yeddo Fiúza. O ex-prefeito de Petrópolis, engenheiro sem partido e praticamente desconhecido, consegue 9,7%, ficando em terceiro lugar, no pleito vencido pelo general Eurico Gaspar Dutra, apoiado por Vargas. No segundo lugar, ficaria o brigadeiro Eduardo Gomes, lançado pela União Democrática Nacional (UDN). Para a Constituinte, o Partido elege um senador (Prestes) e 14 deputados. Dorival Caymmi compôs o hino da campanha de Prestes. “Vamos votar em Prestes/ Votar no Partido Comunista/ Para todos terem terra/ E o pão de cada dia/ Para o povo, liberdade/ Para o
Brasil, democracia. Ordem e tranquilidade/ Progresso e democracia/ Para o povo igualdade/ o Partido é o nosso guia”, diz a letra. A bancada comunista é bem distinta das outras: tem seis operários; o único negro da Constituinte; 12 ex-presos políticos; e todos os seus 15 integrantes estreiam na política institucional. Seu sucesso eleitoral deve muito à liderança de Prestes. É uma bancada aguerrida, sobretudo na defesa dos direitos sociais. Imprime um estilo novo no Parlamento, com apoio na mobilização do povo. Mas o clima mundial já é outro, da chamada Guerra Fria. No Brasil, o governo Dutra é de um implacável anticomunismo. E a direita que domina a Constituinte trata de isolar a bancada comunista.
A polícia varre a bala o ato do primeiro aniversário da legalidade, no Largo da Carioca, no Rio, matando os operários Altair Figueira e Joaquim Coelho e deixando centenas de feridos e 50 presos. A ordem parte do próprio Dutra, que não tolera o crescimento do comunismo. E o Partido Comunista insiste em crescer...
A comunicação dá um salto durante a legalidade. O primeiro diário legal, O Momento, nasce na Bahia ainda em 1944. O carro-chefe da rede é a Tribuna Popular, com tiragens significativas para a época. A campanha de massas, em 1945, pela Assembleia Nacional Constituinte, representou o primeiro grande movimento do Partido na legalidade, a qual ganhou impulso com o “Pleno da Vitória”, reunião do Comitê Central realizada em agosto daquele ano. Nele, Maurício Grabois apresentou o plano de comunicação de massa, que deveria partir da experiência do Tribuna Popular, em circulação desde 22 de maio de 1945.
No final daquele ano, Pedro Pomar assumiu a direção desse jornal e o Partido começou um processo de espalhar publicações por todo o País. Em 10 de agosto de 1946, foi lançada a Campanha pró-Imprensa Popular, a fim de levantar recursos visando a equipar toda a imprensa partidária. A Classe Operária foi relançada e até uma agência de notícias própria, a Interpress, foi criada. Em 1947 surgiu uma revista teórica, Problemas. Os comunistas colaboram para a criação de inúmeras publicações: Fundamentos, Momento Feminino, Terra Livre, Emancipação, Divulgação Marxista, Revista do Povo, Horizonte, Para Todos. A revista Literatura, dirigida por Astrojildo, por exemplo, tem no seu conselho Álvaro Moreira, Aníbal Machado, Artur Ramos, Graciliano Ramos, Orígenes Lessa e Manuel Bandeira. Nesta fase, o PCB logra um forte vínculo com a intelectualidade. Artistas e pensadores de renome entram para suas fileiras, candidatam-se sob sua legenda (entre eles, o pintor Cândido Portinari), escrevem na imprensa do Partido. Na eleição de janeiro de 1947, novo avanço. O Partido elege Pedro Pomar e Diógenes Arruda Câmara (na legenda do PSP-SP), na votação complementar para deputado federal. Elege 46 deputados estaduais, em 15 estados, e 18 vereadores do Distrito Federal (Rio de Janeiro). No final de 1947 e início de 1948, elege os prefeitos de Santo André (SP) e Jaboatão (PE), além de muitos vereadores, sobretudo nas grandes cidades: 34% dos vereadores paulistanos são comunistas e 36% cariocas. É demais para a reação. Em 7 de maio, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decide, por três votos a dois, cassar o registro do PCB, alegando que até o nome do Partido, “do Brasil” e não “brasileiro”, indicaria uma organização estrangeira. A polícia invade as sedes do PCB. E muitas casas de militantes. Mas faltava consumar a obra. Dar o golpe de misericórdia. Cassar os mandatos de Prestes e de todos os demais eleitos pelo Partido. O PCB lança campanha de massas em defesa dos mandatos. Acusa com vigor o golpe que se preparava. E, quando parte afinal para o desmascaramento de Dutra, lança diretivas irrealistas, como exigir sua renúncia.
Em 10 de janeiro de 1948, a Câmara vota a cassação, por 169 votos a 74. Encerram-se, assim, os 870 dias de legalidade. Centenas de sindicatos sofrem intervenção. A reação recrudesce o assassínio de militantes.
Apenas em 2013 a injustiça será reconhecida, com 65 anos de atraso. Tanto a Câmara dos Deputados como o Senado anulam simbolicamente as cassações. E muitas assembleias estaduais e câmaras municipais também o fazem. *** Embora formalmente constitucional, o governo Dutra é de forte ferocidade repressiva. A lista dos comunistas assassinados nos cinco anos após a ilegalização é longa. Entre outros, William Dias Gomes, José dos Santos (Lambari), Pedro Godoy, Afonso Marma e Miguel Rossi (Massacre de Tupã), Cirilo Marques, Serafim Santos, Angelina Gonçalves, Euclides Pinto, Honório Couto e Osvaldino Corrêa (Massacre de Rio Grande), Jaime Caiado, Zélia Magalhães, Lima Câmara Antônio Firmino de Lima, Nelson Rodrigues de Vasconcelos, Anísio Dario, Vicente Malvoni, Deoclécio Santana, Ortís, José Baiano, Adolfo Lopes Sanches, Bernardino Alves de Oliveira, Francisco Bernardo, Aladin Rosales, Lafaiete Fonseca, Aristides Leite, Ari Kulman e Abdias Rocha (Chacina de Livramento).
O Partido reflui, mas resiste. Dirige as lutas dos trabalhadores, que ganham impulso com o fim do governo Dutra. Está à frente da greve geral de 1953, em São Paulo, que começa com uma passeata de oito mil têxteis, paralisa 300 mil trabalhadores, dura um mês e triunfa. Em 1951, 264 mil trabalhadores participaram de greves. Em 1952, esse número subiu para 411 mil e, em 1953, chegaria a 800 mil. Em 1954, lidera a fundação do Pacto de Unidade Intersindical (PUI) e da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB), precursora da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). Grande parte da energia do PCB, nessa fase, vai para a luta pela paz. Esta se impõe como grande bandeira do movimento comunista em todo o mundo, em tempos de Guerra Fria e Guerra da Coreia (3,5 milhões de mortos). A ameaça de conflito nuclear é palpável. O Partido coleta quatro milhões de assinaturas, por todo o país, em apoio ao Apelo de Estocolmo, que exige “a interdição absoluta da arma atômica”. A militante Elisa Branco é condenada a quatro anos e três meses de cárcere por abrir uma faixa – Os soldados, nossos filhos, não irão para a Coreia –, durante o desfile do 7 de setembro
de 1950 em São Paulo. Uma campanha nacional e internacional de solidariedade liberta Elisa um ano depois. O Partido também critica os erros de direita cometidos no período da legalidade. O Manifesto de Janeiro (de 1948) já julga aquela atuação reformista, “nos limites de um quadro estritamente legal e de pequenas manobras”. O Manifesto de Agosto (de 1950) radicaliza a virada e prega uma frente democrática de salvação nacional, cujo objetivo era derrubar o governo: “Não devemos recear as formas de lutas mais altas e vigorosas, inclusive choques violentos comas forças da reação”. Porém, dessa vez, a vara pende para o esquerdismo: o PCB situa no campo do imperialismo a burguesia em bloco e até os trabalhistas e socialistas. Afasta-se da intelectualidade. Prega o voto em branco, na eleição de 1950, que elege Getúlio, pelo PTB. “Sem levar em conta a situação real, adota atitude rígida de combate sistemático a Vargas, que obteve expressiva votação popular e representa, em certo grau, setores progressistas da nação”, conforme analisará, em 1972, o documento Cinquenta anos de luta. Mesmo nessa fase, o Partido faz alianças. A mais notável é a Campanha O Petróleo é nosso! que, de 1948 até a vitória em 1953, reúne movimento estudantil, militares nacionalistas, sindicatos, intelectuais, alguns jornais e, por fim, parlamentares. Triunfa a 3 de outubro de 1953, com a aprovação da Lei nº 2.004. Getúlio cria o monopólio estatal do petróleo e a Petrobras, consagrando a vitória d’O Petróleo é nosso. No 1º de Maio de 1954, aumenta em 100% o salário-mínimo, congelado em todo o governo Dutra. Por isso, atrai a fúria da reação. A UDN, de Carlos Lacerda, agita o tema da corrupção e açula o golpe.
Mesmo assim, o PCB faz inflexível oposição ao que considera “um governo de traição nacional, um governo de guerra, de fome e reação policial”. Acossado pela direita, o governo se encontra em crise. Getúlio é levado ao suicídio (24 de agosto de 1954), acusando grupos financeiros internacionais na célebre Carta-Testamento. Em poucas horas, multidões tomam as ruas das grandes cidades, atacam sedes de partidos, jornais e rádios antigetulistas, consulados dos EUA e outros símbolos do imperialismo. Devido à atitude do PCB, em Porto Alegre, o jornal comunista Tribuna Gaúcha é hostilizado. O Partido é forçado a recolher nas bancas as publicações contra Getúlio e corrigir sua posição.
Após a morte de Vargas, em 7 de novembro de 1954, realizou-se o 4º Congresso do PCB (25 anos após o 3º), no qual aprova-se o primeiro Programa do Partido. Esse fato representou um passo à frente nas suas formulações táticas e programáticas. No Congresso, foram combatidos os desvios de direita e de esquerda que caracterizaram a política comunista desde 1930. O debate preparatório do 4º Congresso distribui quatro milhões de exemplares do Projeto de Programa. O Informe de Grabois sobre o tema, porém, ainda achava pouco. O Programa prega “a luta irreconciliável e revolucionária de todos os patriotas” para “arrancar o Brasil da dominação norte-americana” e “a mais ampla frente-única anti-imperialista e antifeudal”. Operários e camponeses são a “força principal e indestrutível”, mas “a burguesia nacional não é inimiga; por determinado período pôde apoiar o movimento revolucionário”. É um visível avanço, após longa fase de oscilações à direita e à esquerda. O 4º Congresso leva ao Comitê Central sete mulheres (Arcelina Mochel, Lurdes Benaim e Zuleika Alambert, efetivas, mais quatro suplentes, num Comitê Central, CC, de 46). A presença feminina inédita é fruto do trabalho do Partido entre as mulheres, que se refletiu também na construção de uma organização de massas, a Federação de Mulheres do Brasil (1949), e na revista política feminina Momento Feminino (1947). E prenuncia a 4ª Conferência do Partido (1956), dedicada à luta da mulher.
Na eleição presidencial de 1955, o PCB apoia Juscelino Kubitschek, do Partido Social Democrático (PSD), com João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), na vice. E o apoio se revela decisivo, pois JK vence o rival udenista Juarez Távora por apenas 466 mil votos. Mas a postura do PCB, face ao governo Juscelino, é de independência. Um destaque dessa época é a maior atuação do Partido nas lutas dos trabalhadores rurais. Dois episódios chegam a ganhar os contornos de rebeliões armadas: O de Porecatu, no norte do Paraná, grilado pelo governador Moisés Lupion, no final da década de 1940 e início da década de 1950; e o de Trombas e Formoso, em Goiás, nos anos 1950, onde os posseiros criam piquetes para defender um território livre de grileiros e jagunços. O líder de Trombas e Formoso, José Porfírio, obtém um acordo, validando a conquista, e elege-se deputado estadual; em 1973, desaparecerá nas garras dos órgãos repressivos ditatoriais.
*** Em 1956, ocorreu o 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), no qual Nikita Kruschev apresentou o Relatório secreto, denunciando o “culto à personalidade” e os erros atribuídos a Stálin. O Relatório disseminava uma visão negativa e unilateral do complexo processo de construção do socialismo na URSS. Os erros foram demasiadamente ressaltados, rebaixando as grandes realizações daquele período. A via pacífica passou a ser defendida como principal caminho para o socialismo, supondo a possibilidade de coexistência e a competição pacíficas com o imperialismo por um largo período histórico. Os PCs da China, Albânia e de outros países julgam essa via reformista e revisionista. O 20º Congresso divide o movimento comunista internacional, e inicia a crise que, quatro décadas depois, derrotará a experiência soviética. Em contraste, o mundo vive uma onda revolucionária. Os povos do Vietnã, Laos e Camboja desafiam a agressão militar dos EUA. África e Ásia se descolonizam. A Revolução Cubana (1959), que logo segue a via socialista, alastra a chama revolucionária na América Latina.
O Informe de Kruschev, no 20º Congresso, deixa o Comitê Central do PCB “perplexo e desarvorado”, nas palavras de Cinquenta anos de luta.
O Brasil vive o governo Juscelino, uma fase de desenvolvimentis-
mo, através da consigna Cinquenta anos em cinco e certa democratização. O governo revoga os mandados de prisão contra os dirigentes do PCB, que saem da clandestinidade. O 5º Congresso do Partido acontece à luz do dia (1960), na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Centro do Rio. Na eleição presidencial de 1960, o PCB apoia o marechal Teixeira Lott, tendo João Goulart na vice-presidência, numa coligação PTB-PSD. Contudo, vence Jânio Quadros, apoiado pela UDN. Com a crise da renúncia de Jânio Quadros, ocorrida sete meses após a posse, o veto do Exército à posse do vice João Goulart (que se acha na China) tem como resposta a vigorosa Campanha da Legalidade, a qual garante a investidura de Jango no cargo, com a solução de compromisso parlamentarista, quando o País começa a marchar para o Golpe de 1964. Mas a linha Kruschev reforça, dentro do PCB, uma visão reformista: um nacional-desenvolvimentismo gradualista, pacífico e sem rupturas.
Ainda em 1956, um grupo liderado por Agildo Barata, com influência na imprensa e na Juventude do Partido, radicaliza à direita e chega a teses liquidacionistas. A direção reage e afasta Agildo. Derrotados os liquidacionistas, a nova maioria ligada às teses kruschevistas volta-se contra a corrente considerada “dogmática e sectária”. No Pleno de agosto de 1957 do Comitê Central, Maurício Grabois, João Amazonas, Diógenes Arruda Câmara e Sérgio Holmos são destituídos de suas funções na Comissão Executiva. A Declaração de Março de 1958 consolidou a guinada reformista da maioria da direção do Partido, pois afirmava o processo de democratização como “uma tendência permanente” e que poderia “superar quaisquer retrocessos e seguir incoercivelmente adiante”. A Declaração considerava a burguesia como “uma força revolucionária” e julgava existir a “possibilidade real de conduzir, por formas e meios pacíficos, a revolução anti-imperialista e antifeudal” no Brasil. Uma ala revolucionária, marxista-leninista, desde o início, contesta essa guinada e o que julga “uma linha oportunista de direita”. Definem-se, agora com nitidez, Duas concepções, duas orientações políticas, como diz o título de um artigo de Grabois. Reformistas e revolucionários se enfrentam no polêmico 5º Congresso do PCB (1960). A maioria dos artigos do debate critica as teses apresentadas pelo Comitê Central. O Congresso, porém, endossa a guinada reformista-revisionista. Amazonas, Grabois e Arruda, entre outros, são excluídos do Comitê Central. Pomar e Danielli permanecem no CC, mas mantêm sua crítica ao reformismo.
Um ano depois, em agosto de 1961, o jornal Novos Rumos publica um novo Programa e um novo Estatuto que a direção eleita no 5º Congresso entregou à Justiça Eleitoral. Nele, o nome da legenda mudaria para Partido Comunista Brasileiro, e sumiria a menção ao marxismo, ao leninismo e ao internacionalismo proletário. A ala revolucionária contesta na Carta dos Cem. Em defesa do Partido, essa “séria concessão às forças reacionárias”, argumentando que “procura-se registrar um novo partido, com programa e estatutos que nada têm a ver com o verdadeiro Partido Comunista”. E exige que se anule a mudança ou se convoque novo Congresso. A resposta é a expulsão dos contestadores. O grupo que refuta a liquidação do Partido é pequeno: pouco mais que os cem que assinam a Carta. Mas são militantes com longa experiência de luta e amadurecidos pelos seis anos de luta interna. A 18 de fevereiro de 1962, na Rua do Manifesto, Ipiranga, São Paulo, eles reúnem a Conferência Nacional Extraordinária, que reorganiza o Partido Comunista do Brasil. Votam seu Estatuto e um Manifesto-programa revolucionários. O conflito apontado por Grabois tem sua sequência lógica: duas concepções, duas linhas... e duas organizações. Hoje, mais de meio século depois, pode-se avaliar melhor o sentido histórico da reunião na Rua Manifesto. E o seu êxito.
*** Ao saber da Reorganização, Prestes prevê que aquele Partido “não vai durar três semanas”. A força do PC Brasileiro, que seria chamado de Partidão, o prestígio do próprio Prestes e o apoio da URSS pareciam confirmar o vaticínio. Mas ele se engana. De fato, o PCdoB vive agruras. Para Cinquenta anos de luta, “os primeiros anos de reorganização são duros e difíceis. Os efetivos do Partido são reduzidos. Os marxista-leninistas lutam contra a corrente. O reformismo, sob o governo de Goulart, está em pleno auge”. No entanto, “18 de fevereiro de1962 é uma data que na história do Partido Comunista do Brasil dialoga em grandeza com a data de sua fundação”, avalia o texto PCdoB: 90 anos em defesa do Brasil, da democracia e do socialismo.
O Manifesto-Programa de 1962 fixa como tarefa do povo a luta “por um governo revolucionário, inimigo irreconciliável do imperialismo e do latifúndio, promotor de liberdades, cultura e bem-estar para as massas”. Os alvos são “o imperialismo, o latifúndio e os grupos monopolistas da burguesia”. A frente compõe-se “dos operários camponeses, da intelectualidade, da pequena burguesia urbana, dos pequenos e médios industriais e comerciantes”. E “só a luta revolucionária dará ao povo um novo poder”. A reorganização mantém o nome Partido Comunista do Brasil. A sigla, porém, é um problema, pois o PC concorrente usa a tradicional “PCB”. Até muito depois de 1962 emprega-se apenas “PC do Brasil”, em oposição ao “PC Brasileiro”. A sigla “PCdoB”, ideia de um amigo, o jovem historiador Moniz Bandeira, no início, fica restrita à informalidade. Só aos poucos irá se impondo. O Partido se dedica à denúncia do oportunismo e à “conquista da vanguarda para as posições revolucionárias” (Cinquenta anos). Mas o auge da luta político-social cobra atitudes. Ao analisar essa fase, em O golpe de 1964 e seus ensinamentos, a direção aponta “alguns exageros no combate ao que havia de errôneo na política do senhor João Goulart”. Em 2012, o texto Noventa anos é mais incisivo: “Nesse justo combate, erros esquerdistas foram cometidos, como eleger Jango e suas reformas como alvos privilegiados das críticas partidárias”. No Plebiscito de 1963, por exemplo, o PCdoB recomenda voto nulo.
Boa parte do esforço do Partido se concentra então no jornal A Classe Operária, o histórico órgão comunista que fora proibido em 1953. Daí até o golpe, A Classe é quinzenal. Sua tiragem chega a duas dezenas de milhares. Circula legalmente: omite o usual subtítulo Órgão central do Partido Comunista do Brasil, mas fala abertamente em nome do Partido.
A causa da cisão de 1962 é, principalmente, interna – a divergência sobre os rumos da revolução brasileira – e não internacional – a grande polêmica entre “linha soviética” e “linha chinesa”. O Manifesto-Programa afirma até que “a União Soviética marcha para o comunismo”. Só mais tarde, as divergências internacionais irão incidir com mais força nos rumos da esquerda marxista brasileira. Em seguida à reorganização, Cuba é uma importante referência. A Segunda Declaração de Havana, lida no mesmo mês da reorganização, com vigoroso conteúdo anti-imperialista e revolucionário, tem forte impacto. É o PCdoB que publica no Brasil os livros e escritos cubanos. Em abril de 1962, Amazonas e Grabois são convidados para a festa do 1º de Maio, em Havana, e se reúnem com Fidel Castro. Ali, tomam contato com os PCs da China, Albânia e Coreia, já em rebelião aberta contra a linha kruschevista. Em 1963, Amazonas e Lincoln Oest reúnem-se com Mao Tsé-tung, em Pequim, enquanto Pedro Pomar e Consueto Callado visitam a Albânia de Enver Hodja. É quando passam a ter maior clareza da grande cisão no movimento comunista internacional, uma “luta de significação histórica entre o marxismo-leninismo e o revisionismo contemporâneo”. Em julho de 1963, Kruschev, num ataque à China, acusa Amazonas e Grabois de liderarem um grupo antiPartido. Em agosto, o PCdoB lança Resposta a Kruschev: “Revisionistas são solidários com revisionistas e não com os revolucionários. Revolucionários são solidários com revolucionários e não com os revisionistas”. Consuma-se aí a ruptura do PC do Brasil com a direção soviética. Enquanto isso, a crise se precipita. Em 1º de abril de 1964, as Forças Armadas, a serviço das reacionárias classes dominantes internas, com apoio dos Estados Unidos, derrubam o governo democrático, patriótico e reformista de Goulart. O golpe militar sufoca a democracia e com ela a ebulição social e política. O trágico desfecho de 1964 submete à dura prova dos fatos quem tem razão na polêmica entre reformistas e revolucionários.
O golpe criou uma situação nova no país. Com o Ato Institucional nº 1 (AI-1), há uma onda de prisões, cassações de direitos políticos, delações e punições, por meio dos famigerados Inquéritos Policial-Militares (IPMs). As intervenções em sindicatos sobem a meio milhar. A UNE e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) são proibidas. Começam os casos de torturas e assassinatos, enfim o terrorismo de Estado, dentro dos preceitos reacionários da Doutrina de Segurança Nacional, de inspiração estadunidense, e da Guerra Revolucionária, nascida pela orientação francesa de repressão na Indochina e na Argélia. O PCdoB está entre as primeiras forças de esquerda a posicionar-se para o combate à ditadura. O texto a define como “uma ditadura militar a serviço das forças reacionárias internas e do imperialismo norte-americano”. Alerta que ele “não revela a intenção de entregar o governo nem agora nem depois”. Evidencia o fracasso da linha reformista do PC Brasileiro, pois, com o Golpe, “seus planos e suas teses foram reduzidos a nada”. E esboça uma nova linha tática, de firme oposição à ditadura e frente ampla, destacando a bandeira da liberdade e o emprego de todas as formas de luta. A tática ganha contornos mais nítidos em junho de 1966, na 6ª Conferência do Partido, que aprova o documento União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista. A Conferência defende a derrubada da ditadura e um governo de todas as forças democráticas e patrióticas, que convoque uma Constituinte. Ao mesmo tempo, a União dos brasileiros prioriza o trabalho no campo e indica a perspectiva de guerra popular. A ideia é fazer a revolução com bandeiras amplas. Nichos “esquerdistas” no partido questionam essa linha em nome da luta armada, levando a duas cisões localizadas. Mas a vida mostrará que essa visão é injusta: No mesmo ano da Conferência, o PCdoB inicia, no sul do Pará e em áreas adjacentes, os deslocamentos de quadros e o paciente trabalho de massas que, seis anos mais tarde, levarão à Guerrilha do Araguaia. Enquanto isso, a ditadura militar inicia a marcha para o isolamento, com mais medidas arbitrárias como o fechamento dos partidos pré-golpe, com o AI-2 (1965), o fim da eleição para presidente, governador, prefeito das capitais e municípios “de segurança nacional”. O general sucessor de Castelo, Costa e Silva, sobe apoiado pela extrema-direita golpista, a chamada “linha dura”. Mesmo assim, o movimento de massas começa a reanimar-se. E critica com força as ilusões que abriram caminho para o golpe. O alvo principal da crítica é a direção do PC Brasileiro, cujo apelido, Partidão, ganha sentido zombeteiro. Esse partido entra em crise e se divide de alto a baixo.
Organizações inteiras trocam o PCB pelo PCdoB. Isto ocorre no Comitê dos Marítimos e no Ceará. O 6º Congresso do PCB (fim de 1967), precedido de expurgo, evidencia a defensiva da direção. Sucedem-se as dissidências em São Paulo, Guanabara, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas, Brasília. A maioria do Comitê da Guanabara ingressa no PCdoB. Outras cisões dão lugar à Ação Libertadora Nacional (ALN), liderada por Carlos Marighella, e ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), tendo à frente Mário Alves e Jacob Gorender, todos ex-integrantes do Comitê Central. Em 1968, a reanimação cede lugar a um franco ascenso das lutas. O Brasil marca presença, com força, na maré contestatória juvenil que varre o planeta, e tem o seu paradigma no Maio francês. A nova situação se evidencia em 28 de março, com o assassinato do jovem Edson Luís, durante uma manifestação estudantil, no centro do Rio. Mais de 50 mil pessoas acompanham o corpo, enquanto chove papel picado das janelas dos prédios. Logo os protestos se alastram pelo País. A Classe Operária analisa que o País “vive nova fase da luta popular”, com “a elevação no nível das ações de massas contra a ditadura militar”.
A maré montante dos protestos tem sequência com o retorno das greves operárias. Em 21 de junho, na Sexta-feira Sangrenta, a ditadura responde com rara brutalidade policial: 23 pessoas mortas (só quatro mortes admitidas), após um dia de combates de rua, no Rio. Segue-se a Passeata dos 100 Mil, ponto alto da mobilização, que o governo não ousa reprimir. O ascenso facilita a expansão do PCdoB. O Partido adquire envergadura nacional e influência de massas, sensível em estados como Guanabara, Ceará e Bahia. No movimento estudantil, alia-se à ação Popular (AP), com o intuito de rechaçar qualquer tendência ao “diálogo” ou conciliação com a ditadura. Essa linha tem maioria na única votação feita no 30º Congresso da UNE, num sítio em Ibiúna (SP). Em seguida, a polícia cerca o local e prende os mais de mil delegados ao Congresso. Segue-se nova onda nacional de protestos.
Está claro que o ascenso não refluirá por si. A ditadura precisa sufocá-lo. É o que ocorre em 13 de dezembro, com o Ato Institucional nº 5, o “golpe dentro do golpe”. O pretexto é um discurso do jovem deputado federal Márcio Moreira Alves, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB-GB), em protesto contra a invasão policial da Universidade de Brasília (UnB). Os generais exigem uma punição exemplar; a Câmara rebela-se, nega a punição. Horas depois, vem o castigo. É o ministro Gama e Silva que anuncia o AI-5. O general presidente de turno passa a ter poderes absolutos, inclusive para mudar a Constituição. O Congresso Nacional é fechado. Abre-se nova temporada de cassações. O Brasil entra, por dez anos, no mais completo arbítrio ditatorial.
*** Iniciada em 12 de abril de 1972, a Guerrilha do Araguaia é um episódio marcante de resistência à ditadura. Esmagada numa campanha de extermínio, na qual o Exército e a Aeronáutica não fazem prisioneiros, é o maior movimento de tropas desde a Campanha da FEB na Itália. E assinala o início do crepúsculo do regime ditatorial.
A região do Sul do Pará, banhada pelo Rio Araguaia, ainda é, então, coberta pela densa mata amazônica. Habitada por posseiros, que vivem na pobreza e no abandono, entra numa fase de grilagem e conflitos com a abertura das rodovias Belém-Brasília e Transamazônica. Muitas centenas de famílias são expulsas de suas terras. O PCdoB pesquisa outras áreas, mas é naquele pedaço da Amazônia que se concentra a preparação da luta armada. O primeiro comunista a instalar-se é Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão, mineiro de Passa Quatro, 28 anos e quase dois metros. Engenheiro de minas, ex-campeão de boxe e com curso de guerrilha na China, ele desembarca do ônibus na Belém-Brasília em 1966.
Passo a passo, o Partido desloca mais gente para a área. Alguns são quadros experientes: João Amazonas, Maurício Grabois, Ângelo Arroyo e Elza Monnerat. A maioria, jovens na casa dos 20 anos. Há também mulheres – algumas ficarão célebres na fase dos combates.
O fluxo aumenta após o AI-5 (1968), com a onda de perseguições nas cidades.
Os “paulistas” – como ficam conhecidos – não fazem trabalho político aberto. Não querem que a repressão os detecte. Mas constroem laços de amizade, confiança e solidariedade com a sofrida população local, tornam-se respeitados e queridos. Paralelamente, estudam a área a fundo e adestram-se na arte da guerrilha. Seguem a linha do documento Guerra Popular – Caminho da luta armada no Brasil, influenciado pelo exemplo chinês. No raiar de 1972, eles são já 69, divididos em três destacamentos – A, B e C – e uma Comissão Militar, com Grabois no comando. Faltavam chegar 13 companheiros e o armamento é precário, mas já há condições básicas para resistir em caso de ataque. O ataque vem a 12 de abril. Batizado Operação Papagaio, envolve cinco mil homens do 2º Exército, Aeronáutica e Polícia Militar (PM), “uma luta de Davi contra Golias”, como dirá Amazonas. Mas o PCdoB decide resistir.
Os “paulistas” recuam para a mata. Anunciam em comunicado a criação das Forças Guerrilheiras do Araguaia. Lançam também a União pela Liberdade e os Direitos do Povo (ULDP), com um programa antiditatorial de 27 pontos, e em defesa das reivindicações dos moradores.
A primeira investida militar não tem êxito. E nem a segunda, em setembro, com oito a dez mil homens. Porém, a censura logra impor silêncio sobre os combates. A Guerrilha só aparece na imprensa em duas solitárias reportagens d’O Estado de S. Paulo em setembro. Segue-se um ano de trégua. A Guerrilha obtém seis fuzis no ataque a um posto da PM, na Transamazônica. Publica manifestos e um Romance da libertação, em versos. Forma 13 núcleos da ULDP. Recruta combatentes locais, compensando as 19 baixas sofridas. Tem apoio de mais de 90% da população; Osvaldão e Dina tornam-se mitos. A ditadura tampouco descansa. Transforma o PCdoB em seu alvo prioritário. No fim de 1972 e início de 1973, na tortura, trucida Carlos Danielli, Lincoln Oest, Luís Guilhardini e Lincoln Bicalho Roque, todos do Comitê Central. Dos 21 anos de ditadura militar, 1972 e 1973 são os anos com maior número de assassinatos.
Danielli, preso em São Paulo, é interrogado e torturado pelo próprio coronel Carlos Brilhante Ustra. O sinistro comandante do DOI-Codi do 2º Exército quer saber sobre as ligações do PCdoB com a área da Guerrilha. “É disto que querem saber? Pois é comigo mesmo. mas não vou falar”, responde o dirigente comunista. Morre em 30 de dezembro de 1972, ao fim de três dias de tortura ininterrupta. Na área da Guerrilha, o Exército usa a trégua numa ação de inteligência preparando o bote, a Operação Sucuri. O general Milton Tavares, do Centro de Informações do Exército (CIE), envia 32 oficiais à área conflitada, em trajes civis, com documentos e nomes falsos, cabelos longos, barba por fazer. Cria empresas de fachada. Rasga estradas e pistas de pouso. De abril a outubro, reúne minuciosa informação sobre a Guerrilha. Um agente da Operação Sucuri ganhará fama sinistra na fase seguinte. É o capitão Rodrigues de Moura, alcunhado de Major Curió, com a identidade falsa de Antônio Luchini, técnico do Incra.
A 7 de outubro de 1973, começava a terceira campanha de extermínio, a Operação Marajoara. Para surpresa da Guerrilha, inicia-se na época das chuvas. Engaja de cinco a seis mil homens, mais tropas de elite, treinadas em guerra na selva. Sob comando do CIE, usa pequenas colunas, à paisana e bem armadas, que entram na floresta com auxílio de mateiros e apoio de helicópteros. A Operação Marajoara completa-se com o emprego do terrorismo em massa. Numa população de 20 mil habitantes, perto de mil são presos. Muitos vão para o Buraco do Vietnã, vala profunda aberta no chão, fechada com uma grade de ferro. A repressão não poupa sequer os índios Suruí, nem o padre local, Roberto de Vallicourt. Quanto aos rebeldes, o Exército não faz mais prisioneiros. Todos os que captura abate a sangue frio. Em 2009, o Major Curió confessaria terem ocorrido 41 execuções. A Guerrilha vive seu pior revés no Natal de 1973: uma tocaia abate a maioria da Comissão Militar, inclusive seu comandante, Maurício Grabois, 61 anos de idade, 42 de Partido Comunista. É um golpe fatal. Segue-se longa caçada humana, levando sempre a assassinatos. A última guerrilheira do Araguaia, Valkíria Costa, do Destacamento B, cai prisioneira em 24 de outubro de 1974. No dia seguinte, a Valk, violeira, mineira, 27 anos e nome de guerreira, leva três tiros a sangue frio. Vários guerrilheiros têm a cabeça cortada. A de Osvaldão é cortada e exibida para provar que não era imortal. Repete-se uma macabra tradição que já vitimara Zumbi, Tiradentes e muitos outros.
O Exército conclui a obra com a Operação Limpeza (1975): exuma e incinera os corpos dos rebeldes, destrói documentos, apaga o rastro dos crimes. Tenta manter secreta aquela guerra vil. Não consegue. Assim que cai a censura prévia, as redações se lançam à pauta proibida. O Araguaia produz capas de jornais e revistas, livros, teses acadêmicas, romances, poemas, peças de teatro, filmes. A Fundação Maurício Grabois produz dois documentários em longa-metragem: Camponeses do Araguaia – a Guerrilha vista por dentro e Osvaldão. Nenhum outro episódio da resistência à ditadura desperta tão forte atenção. A avaliação da Guerrilha gera polêmica no PCdoB. Arroyo, que logra escapar do cerco, atribui a derrota a erros militares; Pomar critica um desvio blanquista ou foquista. A Chacina da Lapa (1976), quando outra parte do Comitê Central é assassinada, trunca o debate. E as Forças Armadas ainda silenciam.
Mas, findas a censura e a ditadura, os fatos vão emergindo e mostram forte apoio popular à Guerrilha. Vários pesquisadores, entre eles o historiador Romualdo Pessoa Campos Filho, demonstram o apoio dos camponeses à Guerrilha. Paulo Fonteles, advogado dos posseiros, ele próprio assassinado (1987), deixa um vivo testemunho na Tribuna da Luta Operária. No início. vê naquilo “um foco”, mas muda de opinião: “Tenho absoluta certeza de que a Guerrilha do Araguaia teve apoio da massa camponesa. E há indicadores seríssimos de que a Guerrilha teve apoio e participação das amplas massas. Essa descoberta iniciou-se na medida em que ia aprofundando meus contatos com a luta dos posseiros, ia penetrando no mundo secreto e perigoso da Guerrilha”. Fonteles integra a Caravana do Araguaia, que os familiares dos guerrilheiros realizam, em 1980. Ano após ano, sem descanso, os familiares logram, por fim, a identificação dos restos de dois dos rebeldes, Maria Lúcia Petit (1996) e Bergson Gurjão (2009). Mas ainda há muito por revelar daquele pedaço de História enterrado na selva amazônica.
A Anistia de 1979, mesmo restrita e “recíproca” (a polêmica que isso gera chega até hoje), cria uma situação nova. Os presos, banidos, exilados e perseguidos retornam em massa e reforçam a oposição. O ascenso das lutas populares continua, assim como a denúncia dos crimes da ditadura militar.
A ditadura cai ainda mais na defensiva. Passa a viver de expedientes para protelar seu fim. Com a reforma partidária de 1980, extingue o bipartidarismo forçado de 1965, que já não lhe convém, porém se isola sempre mais, enquanto na economia a crise da dívida externa agrava os padecimentos do povo. É um novo capítulo também para o PCdoB. Os presos da Chacina da Lapa são libertos. João Amazonas, Renato Rabelo, Diógenes Arruda Câmara e Dynéas Aguiar voltam do exílio. Outros dirigentes saem da clandestinidade. O Partido Comunista continua ilegal, mas seus quadros e militantes já falam, escrevem e atuam às claras. O Partido aproveita ao máximo essa semilegalidade. O retorno de Amazonas ao Brasil (novembro) é um ato público aberto do PCdoB, com mil pessoas. A circunstância trágica da morte de Arruda, vítima de parada cardíaca durante a recepção, enfatiza ainda mais essa marca.
Outro teste de forças ocorre no 63º aniversário da Revolução de Outubro: 1.800 militantes lotam um cinema paulistano para ouvir Amazonas – numa prova viva do enfraquecimento da ditadura militar. Um mês após a Anistia, começa a circular a Tribuna da Luta Operária, jornal legal nacional e de massas. Em 1982, uma campanha de finanças torna a Tribuna semanal, com 60 mil exemplares de tiragem. O jornal funciona como expressão legal do PCdoB. Suas sucursais (29 em 1982, 50 ao fim da ditadura) são sedes oficiosas do Partido. Os comunistas ficam conhecidos como “tribuneiros”. Em 1981, estreia a revista teórica Princípios, que atingirá uma marca inédita na história editorial marxista: 40 anos de circulação ininterrupta.
Desde maio de 1980, atua na Bela Vista, São Paulo, o Centro de Cultura Operária (CCO), tendo à frente o veterano comunista José Duarte. A seguir, CCOs começam a surgir em outros estados. Ainda no início dos anos 1980, surge a Escola Nacional de Formação. Com ela, retorna o trabalho de capacitação teórica e política sistemática dos quadros. Dynéas Aguiar, veterano dirigente, é o responsável por esse trabalho estratégico. Institucionalmente, o Partido atua através do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Dentro da principal sigla oposicionista, que tem feição de frente ampla e democrática, os comu-
nistas reforçam a ala esquerda, dos “autênticos” e estimulam sua articulação em um Bloco Popular do PMDB. Aí milita o deputado comunista Aurélio Peres.
O PCdoB usa a semilegalidade para deitar raízes nos movimentos sociais. Obtém influência de massas inédita desde 1962. Esta é notável na juventude. No início dos anos 1980, a tendência Viração, onde atua o Partido, é a mais forte nas universidades. E o Partido, em alianças amplas, lidera tanto a UNE (universitários) como a UBES (secundaristas). Nas décadas seguintes, essa proeminência se consolida. A força na juventude torna-se uma marca do PCdoB. Para reforçar o front juvenil, o Partido cria, em 1980, a Juventude Democrática e Progressista (JUDEPRO). A experiência, localizada em São Paulo, tem vida curta, mas pavimenta o caminho para a União da Juventude Socialista (UJS), de 1984. O Partido da Guerrilha do Araguaia dá forte atenção à luta camponesa, que se radicaliza. Os conflitos de terra deixam 55 mortos em 1982, 83 em 1983 e 122 em 1984 (dados da Comissão Pastoral da Terra, CPT). E, entre eles, há comunistas. O PCdoB expande para todo o país o Movimento Contra a Carestia. Em Salvador, em agosto de 1981, uma explosão de revolta popular contra o aumento dos ônibus leva à prisão cerca de cem comunistas, entre eles Haroldo Lima.
O Partido também se sobressai na luta por moradia – inclusive suas formas mais incisivas, como as ocupações de terrenos e casas. Em janeiro de 1982, este movimento converge para fundar a Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM). No sindicalismo urbano, o cenário é complexo: o então fundado Partido dos Trabalhadores (PT), que recusa alianças, tem força. Apenas passo a passo, o Partido Comunista vai reconquistando posições à frente dos sindicatos.
O PCdoB se engaja, em 1981, na Conferência da Classe Trabalhadora (CONCLAT), iniciativa unitária que cria a Comissão Pró-Central Única dos Trabalhadores. Quando essa frente se divide, o Partido ajuda a fundar a Central Geral dos Trabalhadores (CGT) em 1983. Seu fio condutor é a defesa de um sindicalismo combativo e unido, como prega a resolução de 1981 do CC. Inviabilizada a meta de uma central realmente única, os comunistas se posicionam na dispersão existente, visando a acumular forças para criar uma central sindical classista.
As eleições de 1982 são um ponto de virada no enfrentamento entre a ditadura militar e a oposição. Pela primeira vez, após longa noite de terror de Estado, também os governadores dos estados serão eleitos pelo voto. Abertas as urnas, a oposição elege 244 dos 479 deputados federais e 11 governos estaduais, inclusive os mais importantes – São Paulo (com Franco Montoro), Minas Gerais (Tancredo Neves) e Rio de Janeiro (Leonel Brizola). Fica claro que a ditadura estava com os dias contados.
O PCdoB apoia os candidatos a governador do PMDB. Uma tradição que irá até a virada do século o impede de disputar cargos executivos, a pretexto de “não administrar a crise do capitalismo”. Tática eleitoral que mais adiante será avaliada criticamente. A partir de 2007, muda essa conduta eleitoral e lança candidaturas ao Senado Federal, prefeituras e mesmo governos de estados. Mas o Partido é ousado nas candidaturas parlamentares. E obtém, no lugar de um, quatro deputados federais: Aurélio Peres (reeleito em São Paulo), Haroldo Lima (BA), Aldo Arantes (GO) e José Luis Guedes (MG). Elege também deputados estaduais em São Paulo, Bahia, Pernambuco, Maranhão, Amazonas e Alagoas, além de vereadores (cuja eleição ocorre também em 1982). Os eleitos concorreram pela sigla do PMDB, mas não ocultam suas convicções comunistas. São, não formalmente, mas na prática, parlamentares do PCdoB – em mais um paradoxo criado pela decomposição da ditadura militar. No início de 1983, reúne-se o 6º Congresso do PC do Brasil, ainda clandestino, com poucos delegados – o sexto e último na clandestinidade. Ele faz o balanço da Guerrilha do Araguaia, que merece uma tese especial. O que concentra o debate é a tática.
O 6º Congresso valoriza as definições nodais da tática da luta contra a ditadura – 6ª Conferência (1966), a Mensagem aos brasileiros, com suas três bandeiras (1975), e 7ª Conferência (1978-1979). Frisa, porém, que a nova situação no País exige uma nova tática. “A derrubada do regime militar e a conquista da mais completa liberdade” é seu centro. O Partido prega um governo democrático provisório, no qual “o proletariado revolucionário tem o dever de tomar parte”, “capaz de assegurar a liberdade e convocar uma Constituinte soberana”. O caminho é “a ação decidida e unitária das grandes massas num processo de radicalização (não artificial) da luta”. É, como diz o texto 90 Anos, a tática da “ofensiva final contra a ditadura”. Dias após o 6º Congresso, tomam posse os governadores eleitos em 1982, inclusive os da oposição. Em abril, uma rebelião de desempregados sacode São Paulo e centenas de saques de comida atingem também o Rio. O Serviço Nacional de Informações (SNI), famigerado órgão de vigilância criado em 1964, implica 20 militantes do PCdoB no episódio, mas, no 1º de Maio, as bandeiras do Partido retornam pela primeira vez às ruas. Em julho, ocorre a primeira greve geral em 20 anos. Em setembro, o Congresso Nacional, com as galerias lotadas, pela primeira vez desde 1964, rejeita um decreto do ditador, o 2.024, de arrocho dos salários. O País está pronto para o último capítulo da ditadura militar. *** Após o fim de 1983, por cinco meses, a campanha das Diretas Já! catalisa a ação antiditatorial, pelo direito de votar para presidente. A bandeira une a oposição e tem apoios cruciais: os governadores oposicionistas e o presidente do PMDB, Ulysses Guimarães, que passa a ser chamado senhor Diretas.
O PCdoB, pela primeira vez, participa às claras, em nome da sua Comissão pela Legalidade. Fala ao público dos maiores comícios que o país já viu. Suas bandeiras inundam as ruas. Uma nota do Partido diz: “A luta pela eleição direta aparece como a forma concreta, prática, imediata de pôr fim ao governo dos militares”.
O Partido procura ampliar ao máximo o movimento, inclusive com setores liberais e dissidentes da ditadura. Apoia-se na ideia de que amplitude e radicalidade não se excluem e, muitas vezes, se complementam. O objetivo da campanha é aprovar, na Câmara dos Deputados, por maioria de dois terços, a Emenda Constitucional Dante de Oliveira, que restaura a eleição direta do presidente da República, já na sucessão do general Figueiredo. Em cinco meses, a campanha das Diretas Já! leva às ruas 6,3 milhões de brasileiros em todos os estados. É uma clássica campanha popular de massas, nos moldes, pelo menos desde a campanha Abolicionista, porém com dimensões excepcionais. A oito dias da votação, Figueiredo decreta o Estado de Emergência no Distrito Federal. E o executor da medida, general Newton Cruz, admirador de Mussolini, sumariamente, proíbe caravanas e passeatas na capital. A Emenda vai a voto em 25 de abril: tem o apoio de 298, dos 479 deputados, inclusive de 55 do partido governista, o Partido Democrático e Social (PDS), mas faltavam 22 para atingir os dois terços. A derrota de 25 de abril cria perplexidade e não pouca confusão. O PT, e alguns peemedebistas do “Grupo Só Diretas”, propõem a continuidade da campanha e o boicote ao Colégio Eleitoral.
“Naquele contexto” – relata a nota PCdoB: a ditadura foi um regime contrário ao povo e à nação, de março de 2014 –, “João Amazonas se empenhou na busca do caminho para resolver o impasse. Para ele, a oposição antiditatorial, com a força acumulada no processo, poderia crescer ainda mais e derrotar a ditadura no seu próprio terreno, o Colégio Eleitoral. Para tanto, seria necessário que a oposição apresentasse um candidato comprometido com a ideia de ir ao Colégio Eleitoral para destruí-lo e, depois de eleito, convocar uma Constituinte livremente eleita”. O fundamental – argumentava Amazonas – “não era a forma pela qual o regime de força seria extinto, mas sim a sua extinção”. Amazonas vai pessoalmente a Minas falar com o então governador Tancredo, no Palácio da Liberdade. Defende que a chance de derrotar a ditadura no Colégio não pode ser perdida. Propõe nova safra de grandes comícios e garante que o PCdoB iria às ruas defender esta opção. A proposta do comunista, e de outros oposicionistas (Ulysses Guimarães, Leonel Brizola e Miguel Arraes), convence Tancredo, que renuncia ao governo de Minas, em agosto, e entra em campanha, com grandes comícios nos moldes das Diretas. A essa altura, o governismo está acuado, dividido, desalentado. Pipocam aspirantes a candidato oficial, em feroz disputa; vencida, afinal, por Paulo Maluf. O senador José Sarney, presidente do PDS, chefia então uma dissidência (Frente Liberal) e entra como vice na chapa de Tancredo. O PCdoB, em nome da Comissão pela Legalidade, lança então o documento Por que os comunistas apoiam Tancredo: “Não se pode rejeitar de modo absoluto, na presente situação, a disputa no Colégio Eleitoral imposto pelo governo, se isto se fizer indispensável para obter vitória e concorrer para a sua extinção. Não é o método o que está em jogo, mas o conteúdo, o fim do regime militar”, enfatiza o texto de setembro. É uma hora de aguda polêmica, sobretudo com a maioria do PT, que insiste no “Só Diretas”. Mas este reflui e no dia da eleição, 15 de janeiro de 1985, apenas nove deputados se ausentam. Por 450 votos a 180, o Colégio Eleitoral elege Tancredo, que adoece e morre sem tomar posse, sendo substituído por Sarney. Desta forma, por vias travessas, termina a longa noite de 21 anos da ditadura militar. Para o PCdoB, é uma vitória especial: ninguém pagou tão caro, em vidas de militantes e de dirigentes, por enfrentar a tirania dos generais. **** Antes mesmo do fim da ditadura, o PCdoB entra em campanha por sua legalidade. O reconhecimento dos partidos antes clandestinos é um compromisso de Tancredo, honrado por Sarney. Mais do que isso, é uma exigência democrática da sociedade. O Partido inaugura sedes pelo país afora, retoma a publicação legal d’A Classe Operária. Em 23 maio de 1985, Amazonas requer o seu registro junto ao TSE. No mesmo dia, tem audiência com o presidente Sarney. Em agosto, Haroldo Lima faz histórico discurso na Câmara dos Deputados, falando, pela primeira vez, em nome do Partido Comunista do Brasil, banido quatro décadas antes. Desta vez, não é uma legalidade efêmera, como em 1927 e 1945, já durando 36 anos, embora, com a ruptura democrática de 2016, tanto a representação parlamentar do Partido quanto a democracia brasileira continuaram sob ameaça.
O Partido faz intensa filiação, até por exigência da lei: até 1988 supera 60 mil filiados e obtém o registro definitivo. Aos poucos, troca os métodos da ilegalidade, e até da clandestinidade, por outros mais amplos. Ainda reluta em disputar cargos executivos, ou ocupar o primeiro escalão de governos, mas tem notável atuação parlamentar. A dura luta do passado contra a ditadura, o pesado tributo de sangue que cobrou, agora, rendem aos comunistas uma aura de prestígio e de respeito. A “remoção do entulho autoritário” avança com os percalços próprios de uma transição negociada. O PCdoB, e João Amazonas pessoalmente, concentram esforços na defesa da Assembleia Constituinte, “livre e soberana”, não só porque os comunistas foram os primeiros e os mais empenhados a defendê-la, mas, principalmente, porque é ela que pode aprofundar as mudanças de sentido progressista. Em 15 de novembro de 1986, o Partido elege para a Constituinte Aldo Arantes (GO), Eduardo Bomfim (AL), Edmilson Valentim (RJ), Haroldo Lima (BA), Lídice da Mata (BA); e ainda Célio de Castro (MG), que não assume a sigla, mas mantém uma relação política com a bancada. Esta é ativa e aguerrida na defesa da soberania nacional, da ampliação democrática, dos direitos sociais, dos trabalhadores, das mulheres, dos negros. O PCdoB tem nota 9,96 no levantamento Quem foi quem na Constituinte, do DIAP, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.
A bancada comunista se beneficia da mobilização de massas que prossegue. Combina iniciativas próprias e alianças, através da ação
dentro da Constituinte e com a pressão dos movimentos sociais. A conquista do voto aos 16 anos, por exemplo, é uma proeza da UJS. Ao redor do Partido, surge uma rede de organizações de massas, mais amplas que ele. Além da UJS, em 1988 formam-se a União Brasileira de Mulheres (UBM), a União de Negros pela Igualdade (UNEGRO), o Centro de Estudos Sindicais (CES) e, com outras forças, a Corrente Sindical Classista (CSC), distinguindo-se da cúpula da CGT. Os comunistas e sua rede de organizações atuam com espírito unitário, no reforço de sindicatos e entidades de massas, em todas as esferas.
O Partido conserva a atenção especial para o trabalho no campo. Paga um preço elevado por isso, com o assassinato de militantes da têmpera de Nonatinho (MA), João Canuto e Paulo Fonteles (PA). Em um primeiro momento, o governo Sarney joga certo papel positivo e granjeia apoio popular, sobretudo com o Plano Cruzado, que congela os preços, atendendo ao clamor do Movimento Contra a Carestia. Mas, logo, a tendência se inverte, quando o governo se desloca mais e mais para a direita e o PCdoB passa do apoio crítico para a “firme oposição”. O movimento de massas continua em alta. As greves, monitoradas pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), dão um salto com o fim da ditadura, de 1,3 milhão de grevistas, em 1984, para 6,2 milhões, em 1985, e continuam num crescendo até 1989. A luta pela terra se radicaliza, as ocupações se multiplicam, o latifúndio se arma e leva o assassinato de camponeses ao paroxismo: 163 mortos, em 1985; 148, em 1986; 215, em 1987. Em maio de 1988, o Partido reúne seu primeiro Congresso na legalidade. Delegações de todos os estados acorrem a São Paulo (a mais numerosa é a da Bahia), assim como, pela primeira vez, os PCs de outros países. O Brasil numa encruzilhada histórica é o título do Informe de Amazonas ao 7º Congresso: “Ou (o país) rompe radicalmente com o atual estado de coisa e assegura um desenvolvimento econômico independente, abre clareiras para o progresso efetivo, para a democratização e modernização da vida nacional; ou afundamos no pântano da decadência e da submissão à oligarquia financeira imperialista”. O Informe aponta um quadro de “crise econômica e financeira”, “social e moral”, “política e institucional”. Reafirma que “a tática do Partido é de firme oposição ao governo de José Sarney”. Diz ainda que, na primeira eleição presidencial pós-ditadura, marcada para o ano seguinte, “nossa tática objetiva influir no surgimento de um concorrente democrático e progressista, capaz de reunir o apoio da esquerda e também do centro. E que facilite a formação de um amplo e combativo movimento democrático, nacional e popular”. Na área sindical, o texto faz críticas às duas centrais que dividem o movimento, Central Única dos Trabalhadores (CUT) e CGT. Nesta fase, o papel de frente ampla que o PMDB jogava antes começava a se esgarçar – um dos sintomas disso é a cisão que levou à fundação do Partido da Social Democracia Brasileia (PSDB) em junho de 1988. Enquanto isso, na classe trabalhadora, os dois partidos com raízes mais fortes – PT e PCdoB – concorrem acirradamente. O PT recusa coligações em qualquer hipótese nas três primeiras eleições da qual participa: de 1982, 1985 e 1986.
Essa regra é rompida, pela primeira vez, em 1988, no caso específico da eleição para prefeito de São Paulo: a então petista Luiza Erundina concorre por uma coligação PT-PCdoB-PCB. E, para surpresa geral, Erundina se elege, mesmo concorrendo com nomes importantes da política paulistana – Paulo Maluf, Jânio Quadros e José Serra. Estava criado o precedente que, no período seguinte, levaria à criação da Frente Brasil Popular (FBP). *** A eleição presidencial de 1989 é a primeira, em 29 anos, com voto dos analfabetos e de jovens de 16 a 18 anos, com 22 candidatos, atraindo imensa participação. As greves chegam a um auge, com 16,6 milhões de grevistas no ano. O PCdoB ajuda a construir a FBP: coliga-se com o PT e o Partido Socialista Brasileiro (PSB), lançando Luiz Inácio Lula da Silva para presidente. Os comunistas têm papel ativo na elaboração da plataforma de governo da Frente, o Programa de 13 pontos. A campanha empolga o povo, em gigantescos comícios no estilo das Diretas Já!. Lula chega ao segundo turno e aos 31 milhões de votos (47% dos votos válidos). Afirma-se como líder operário e popular. A apertada eleição de Fernando Collor de Mello representa uma guinada à direita. Seu governo, pior que o confisco da caderneta de poupança ou a rede corruptora do “esquema PC”, impõe ao país o Consenso de Washington, neoliberal, fixado em 1989 pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pelo Banco Mundial e pelo Departamento do Tesouro dos EUA. Seu plano de privatizações inaugura a era do neoliberalismo no Brasil.
A cena internacional favorece a direita. No mesmo mês da eleição presidencial de 1989, cai o Muro de Berlim e o campo socialista se desagrega no Leste Europeu. Em 8 de dezembro de 1991, após longa e dolorosa agonia, advém a derrota final da experiência socialista soviética: a própria URSS é dissolvida, com liderança do anticomunista Boris Iéltsin.
O PCdoB se debruça sobre a crise do Leste. Para isto, em caráter extraordinário, convoca o seu 8º Congresso (Brasília, fevereiro de 1992). Durante meses, a militância constrói, em intenso debate, a atitude do Partido.
Mesmo sendo ácido crítico da via revisionista soviética – da Resposta a Kruschev de 1963 à denúncia de Gorbachev –, o PCdoB vê no fim da URSS um evento adverso, e de alcance histórico. Abre-se uma era de restauração capitalista e defensiva estratégica da luta dos trabalhadores. O anticomunismo canta vitória no mundo.
O PCdoB rejeita a rendição de outros partidos de extração comunista (entre eles o PC Brasileiro) que reagem à crise trocando de nome, de cor, de bandeira e de princípios. Longe disso, o lema do 8º Congresso é O socialismo vive!
Porém, o PCdoB tira lições do balanço crítico e autocrítico do colapso soviético. Assinala a crise do socialismo e da própria teoria marxista e chama à luta para superá-la. Corrige erros na linha in-
ternacional dos anos 1970 e 1980. Reaproxima-se das experiências socialistas, como a chinesa e a cubana, e dos PCs do antigo campo soviético que ousam resistir à maré anticomunista. O 8º Congresso analisa também o papel de Stálin. Enquanto rechaça a histeria antisstalinista da reação, aponta que o sucessor de Lênin teve “méritos incontestáveis”, mas também “falhas”, “deficiências” e “erros”. “Não somos stalinistas. Tampouco somos antisstalinistas. Avaliamos a figura de Stálin no plano histórico”, diz o Informe de João Amazonas.
O Congresso de 1992 define para o País uma estratégia de revolução “socialista desde já”. No plano tático, é o primeiro a erguer a bandeira do Fora, Collor!: “O PCdoB, em oposição decidida a Collor, apoia o movimento democrático e popular que reclama sua retirada do Planalto. Ou o Brasil, ou Collor’”, sublinha o Informe. O qualificativo “decidida” da oposição dos comunistas deriva do conteúdo neoliberal do governo Collor, bem como de seu isolamento. Equipada com a linha do 8º Congresso, a militância do PCdoB parte para a mobilização de massas. A juventude, em especial – UJS, UNE, UBES –, ganha formidável protagonismo. É ela que, em poucos meses, acende o rastilho e leva às ruas o ator político-social decisivo, a legião de “cara-pintadas”, que garante o impeachment do presidente, em 29 de setembro de 1992. O Partido não hostiliza, em princípio, o governo do vice-presidente Itamar Franco, que assume devido ao impeachment. Encara-o como arena de um cabo de guerra entre forças díspares, progressistas e conservadoras. Mas estas últimas levam a melhor. A despeito das intenções pessoais de Itamar, seu governo retoma as privatizações e, ao final, serve apenas de melancólico prelúdio à retomada da ofensiva neoliberal, assumida e orquestrada pelo seu ministro da Fazenda e sucessor Fernando Henrique Cardoso (FHC). Quando o governo Itamar já capitula face à direita, põe em pauta a revisão da Constituição de 1988. A reação se prepara para fazer dela o enterro da Carta Magna. Quer o fim da aposentadoria por tempo de serviço, da estabilidade do funcionalismo público, da gratuidade do ensino, dos direitos indígenas... Os mais açodados propõem ainda a supressão do 13º salário e do direito de férias. O PCdoB e outros setores avançados lançam-se à resistência, sob a consigna Essa revisão é golpe. E logram êxito: quem termina sepultada não é a Constituição Cidadã, mas a tentativa de desfigurá-la. *** Os oito anos da gestão Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) são a apoteose do neoliberalismo. Sociólogo, com arroubos de esquerda na juventude, FHC é um vira-casaca que apoia seu afã privatizante na aliança direitista do PSDB e do Partido da Frente Liberal (PFL), na qual o PSDB é a nova direita e o PFL o direitismo tradicional, a partir das efêmeras ilusões trazidas pelo Plano Real. Para o Partido, são anos de dura resistência à ofensiva neoliberal e gradual, com tática de acúmulo de forças para passar à contraofensiva. O PCdoB atua em frente de centro-esquerda com PT, PDT e PSB. E busca neutralizar forças de centro, como o PMDB. O alvo é a direita no governo com sua plataforma de privatizações, desmonte do Estado nacional, desemprego em massa, ataque aos direitos dos trabalhadores e à própria democracia, como a manobra que permite a reeleição de FHC. A resistência apoia-se nas entidades de massas, que logram criar a Coordenação de Movimentos Sociais (CMS), somando CUT, UNE, UBES, CONTAG, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), entre outros. Entidades e partidos progressistas formam o Fórum Nacional de Lutas (FNL). Essa rede alcança protagonismo internacional, em janeiro de 2001, ao lançar o Fórum Social Mundial (FSM), que reúne, em Porto Alegre, toda a constelação dos contestadores do “pensamento único” neoliberal. Cada privatização de FHC desperta protestos e denúncias. Os comunistas enfatizam, para além das numerosas falcatruas do processo, a essência antinacional da agenda desestatizante. O Partido se empenha em dotar a resistência de base programática sólida, unitária e aguerrida. Com a participação pessoal de João Amazonas, esse esforço resulta, em fins de 1999, no Manifesto em defesa do Brasil, da democracia e do trabalho. Entre os signatários, estão Amazonas, Lula, Miguel Arraes, Leonel Brizola, José Dirceu, Itamar Franco, Oscar Niemeyer, Olívio Dutra, Aziz Ab’Saber, Celso Antônio Bandeira de Melo, Eros Grau, Ariano Suassuna, Barbosa Lima Sobrinho, Celso Furtado, Lucélia Santos, Mário Lago e Sérgio Mamberti, dom Mauro Morelli e dom Thomas Balduíno, Luís Fernando Veríssimo e Sócrates. “Os que assinam este Manifesto propõem a criação de um movimento cívico em Defesa do Brasil, da Democracia e do Trabalho para a construção de um governo de feição democrática e popular; capaz de assegurar um rumo progressista ao país e recuperar a confiança do povo em seu destino”, diz o texto. A essa altura, o governo FHC já havia passado à defensiva. Pagaria o preço da crise do Plano Real (janeiro de 1999), do desemprego inédito, da submissão ao FMI e dos escândalos da privatização, batizada “privataria”. A luta ganha ímpeto e adesão. Seu ponto alto é a Marcha dos 100 mil a Brasília, em agosto de 1999. O enorme protesto leva à Câmara dos Deputados um abaixo-assinado com 1,3 milhão de apoios, pelo enquadramento de FHC em crime de responsabilidade e por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Privatização do Sistema Telebrás. Um elo decisivo da resistência ao neoliberalismo é a denúncia da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). O PCdoB e seus aliados combatem em toda a linha esse projeto da Casa Branca que visava a recolonizar a América Latina. Em 1998, a vitória de Hugo Chávez, na Venezuela, torna-se um prenúncio da virada democrático-popular latino-americana para o século 21, começando a exorcizar esse fantasma, sepultado em 2005. A 8ª Conferência, cumprindo mandato do 8º Congresso, em 1995, vota o primeiro Programa do PC do Brasil com caráter socialista. Indica, contudo, que a construção socialista “engloba várias fases e etapas intermediárias”, a começar pela “transição preliminar do capitalismo ao socialismo”.
O Programa de 1995 afirma que “o modelo único de socialismo é anticientífico”. Valoriza “as peculiaridades do país”, que darão “feição
própria” ao novo regime. Também, pela primeira vez, dedica todo um capítulo ao exame dos “caminhos para o socialismo”.
Outro ponto de inflexão do pensamento estratégico dos comunistas é Brasil: 500 anos de luta na construção de um povo, uma cultura e uma nação novos, por motivo do 5º centenário do início da formação brasileira. Com este texto do Comitê Central, o Partido passa a valorizar, com maior ênfase, certas conquistas notáveis da jovem civilização brasileira. Estavam lançadas as bases da visão que frutificará no Programa de 2009. *** A eleição de Lula, em 2002, abre um novo ciclo histórico na vida do Brasil e do Partido Comunista. Forças do “andar de baixo” da pirâmide social chegam, pela primeira vez, ao governo central. O PCdoB, 18 anos após a legalização, é chamado a ser um Partido no governo. Lula convida comunistas para o Ministério do Esporte e, um ano depois, para o Ministério das Relações Institucionais, ocupados por Agnelo Queiróz (Esporte), Aldo Rebelo (Ciência, Tecnologia e Inovação, Relações Institucionais, Esporte e Defesa) e Orlando Silva (Esporte). É uma situação “inédita na história do país”, avalia o texto PCdoB: 90 anos em defesa do Brasil, segundo o qual: “O Partido viu-se obrigado a refletir e estabelecer diretrizes sobre sua presença num governo central de coalizão no qual os comunistas são força minoritária. Surgiam assim novos desafios teóricos e políticos”. A tarefa coube à 9ª Conferência Nacional, cinco meses após a posse de Lula. Ela aponta ocorrer não uma “simples alternância de governo”, mas “um novo ciclo histórico e político no Brasil”. O PCdoB decide participar do governo e lutar pelo seu êxito. “O fracasso do governo Lula seria também o fracasso das forças de esquerda e renovadoras e a via para a volta das forças conservadoras”, afirma. “Atuar pelo êxito do governo Lula na condução das mudanças” torna-se o centro da tática. O governo é heterogêneo e enfrenta a “herança maldita” de FHC. Isto impõe unidade e luta, mas “a relação predominante é de unidade”.
Contudo, em 2005, a gestão Lula enfrenta uma dura prova – a crise política do chamado Mensalão. Com base numa delação do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), inventor do neologismo “mensalão”, as classes dominantes tentam desestabilizar o governo, derrubar Lula ou pelo menos “sangrá-lo”, de modo a abatê-lo facilmente na eleição de 2006. Já, então, as classes dominantes agem através de um consórcio na qual a mídia dominante joga papel decidido e decisivo. É durante a crise que as esquerdas criam a sarcástica sigla-denúncia do Partido da Imprensa Golpista (PIG). O PCdoB se agiganta no combate à manobra golpista. Um evento crucial é a passeata do Fica, Lula!, com 20 mil pessoas, em Goiânia, em 1º de julho de 2005, durante o 49º Congresso da UNE. A 16 de agosto, outro grande ato, em frente à Praça dos Três Poderes, aprova a Carta de Brasília: “Somos contra qualquer tentativa de desestabilização do governo legitimamente eleito, patrocinada pelos setores conservadores e antidemocráticos”. Em setembro, há eleição para presidente na Câmara dos Deputados, epicentro da crise. Aldo Rebelo (PCdoB-SP) elege-se e, com essa vitória, a crise reflui. Lula, longe de “sangrar”, afirma-se como líder popular de imenso prestígio e derrota de novo os tucanos em 2006. Nessa eleição, o PCdoB sobe para 13 deputados federais e elege seu primeiro senador desde Prestes, Inácio Arruda (CE). Em outubro de 2005, o 11º Congresso aprova o novo Estatuto do Partido, incorporando a experiência de duas décadas de legalidade. O Estatuto reafirma os princípios leninistas de organização – partido do proletariado, de vanguarda, internacionalista, regido pelo centralismo democrático. Combina permanência e renovação. Define o PCdoB como partido de princípios e de feição moderna, “de compromisso militante e ação transformadora contemporânea”. Introduz o voto secreto na eleição das direções e regula a relação entre filiados, militantes e quadros. É desencadeado em 2003 o relançamento da Escola Nacional de Formação. A Escola, avessa ao dogmatismo, forma professores/as, elabora um currículo assentado no marxismo-leninismo e no estudo da realidade brasileira. Oferece cursos regulares que a partir de então serão frequentados por milhares de militantes. É um trabalho coletivo liderado pela pedagoga, membro do Comitê Central, Nereide Saviani. Em 2014, a escola homenageia o histórico dirigente e ideólogo do PCdoB e passa se denominar Escola Nacional João Amazonas. Em 2005, como resolução do 11º Congresso, foi instituída a Secretaria Nacional da Mulher (SNM). O Congresso aprovou indicativo de uma conferência sobre o tema, realizada em 2007 e intitulada Conferência Nacional sobre a Questão da Mulher, que aprovou a forma permanente do debate sobre a temática emancipacionista. A 2ª Conferência sobre a Emancipação da Mulher acontece em 2012, quando é aprofundada a elaboração sobre o tema no Partido. No âmbito da SNM, realizou-se uma pesquisa quantitativa e qualitativa sobre o perfil das mulheres do PCdoB, sua condição social e de militância. Ambas as conferências, por serem orientadoras da política partidária, indicaram que todos os militantes participassem, sendo homens ou mulheres.
Em 2008, o trabalho teórico, ideológico e histórico ganha um salto de qualidade. Surge a Fundação Maurício Grabois como sucedânea do Instituto Maurício Grabois, da qual Adalberto Monteiro, então secretário nacional de Formação e Propaganda, será o presidente por quase 10 anos. Neste período, a Fundação caminha na direção de se tornar “um espaço de encontro e confluência do pensamento marxista e progressista do país”. O historiador Augusto Buonicore, falecido em 2020, coordenou, no âmbito da Grabois, a criação do Centro de Documentação e Memória (CDM) do movimento comunista e operário do país e da história do Partido. Hoje, a Fundação é presidida por Renato Rabelo, ex-presidente do PCdoB. Em 14 de maio de 2010, surge o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, criado com apoio de lideranças do PCdoB e presidido pelo jornalista Altamiro Borges, membro do Comitê de Central.
Em 2011, o Comitê Central realiza o 1º Encontro Nacional de Combate ao Racismo, com o intuito de reforçar a ação partidária na luta
contra o racismo e as desigualdades sociais. Foram aprovadas estratégias de estímulo à militância dos comunistas negros e negras, propostas de políticas públicas para o governo federal e indicações de estruturação dessa frente partidária. Em 2017, o II Encontro se realiza e aborda o quadro de recessão e de perdas de direitos. Em 2013, o PCdoB realiza a 1ª Conferência Nacional de Meio Ambiente, liderada por Aldo Arantes, então diretor de meio ambiente da Fundação Maurício Grabois, na qual trata da falsa dicotomia entre proteção ambiental e desenvolvimento econômico, tecnológico e social. A resolução leva em conta a situação climática e ambiental do planeta com a perspectiva de um projeto nacional de desenvolvimento.
No mesmo ano, realiza o 1º Encontro Nacional de Gestão e Produção Cultural para fomentar o debate em torno de uma política para a área cultural e nortear as atividades das gestões comunistas nessa área. O 2º Encontro aconteceu em fevereiro de 2019, a fim de discutir o papel da cultura diante do recrudescimento do autoritarismo no Brasil e o desmanche das políticas públicas na área; encontrar saídas e fortalecer a frente cultural.
Com a proximidade do centenário da Revolução de Outubro e a ideia de Vladimir Ilitch Lênin de organizar Clubes de amigos de Hegel, surgiu, em 2015, a partir da Fundação Maurício Grabois, a Sociedade Amigos de Lênin (SAL), coordenada por Aloisio Sérgio Barroso, uma organização de estudo e difusão das ideias de Lênin que tem em sua coordenação os principais especialistas da obra do líder da Revolução Russa. A SAL foi instituída para aprofundar a inteligência revolucionária da época atual e a atualidade da força das ideias de Lênin.
Em outubro de 2015, os comunistas participam do Congresso de fundação da União Nacional LGBT. A entidade foi construída em meio à luta renhida contra concepções e condutas reacionárias de cunho homofóbico e se apresenta como um instrumento de luta por uma construção uma sociedade solidária, sem preconceitos e discriminações, e de luta vigorosa contra a lgbtfobia e pelos direitos da população LGBTQIA+. *** A virada à esquerda é fenômeno continental. Por toda a América Latina, governos democrático-populares e de centro-esquerda elegem-se e reelegem-se, marcando o início do século 21. A correlação de forças mais favorável leva o PCdoB a lançar em 2007 a consigna Audácia! Esta se aplica a todas as frentes de trabalho, mas especialmente à eleitoral. O Partido corrige a visão de não ter candidatos majoritários, que o confinava a um papel coadjuvante. Em 2008, lança candidatos a prefeito em dezenas de municípios, inclusive em sete capitais. Nas eleições, em 2010, a linha de Audácia! eleva em 41% a votação do Partido para a Câmara dos Deputados: são 2.791.694 sufrágios e a bancada sobe de 13 para 15 cadeiras. Para senador são 12. 561.716 votos, com 7,37% do total, graças ao desempenho de São Paulo, onde o sambista Netinho de Paula (que mais tarde sai do PCdoB) tem 7.770.882 votos. Os comunistas no Senado passam a ser dois, agora com a eleição de Vanessa Grazziotin (AM). Na luta sindical, a audácia leva, em 14 de dezembro de 2007, à Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). Plural e classista, ela não é “do PCdoB”, mas seu primeiro presidente, Wagner Gomes (Metroviários de São Paulo) [falecido neste ano de 2021], é do Partido, e também o segundo, Adilson Araújo (Bancários da Bahia). Conforme o Ministério do Trabalho, a CTB, em 2008, reúne 5,02% dos trabalhadores sindicalizados do país. Em 2012, já são 9,20% e, em 2015, sobem para 10,26%. Em agosto de 2021, ocorre a união entre a CGTB e a CTB, resultando numa CTB mais forte e mais representativa.
Em 2008, entre 21 a 23 de novembro, o PCdoB foi anfitrião do 10º Encontro dos Partidos Comunistas e Operários, que reuniu na cidade São Paulo 65 legendas revolucionárias de 55 países. Este fato simboliza seu acúmulo histórico numa questão que o distingue de outras legendas. Como diz seu Programa, “Seu compromisso com a solidariedade entre as nações, com a política de paz e de cooperação entre os Estados” e sua oposição resoluta à agressão imperialista e sua conduta de defesa “da amizade entre os trabalhadores e povos do mundo”.
O 12º Congresso (novembro de 2009) aprova o novo Programa Socialista, fruto de anos de estudos e debates. Este fixa o socialismo renovado e com feição brasileira como rumo, traçando um caminho concreto para o socialismo, no Brasil, hoje: a luta por um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, de conteúdo anti-imperialista, antilatifundiário e antioligarquia financeira. A parte do caminho dá ao Programa um sentido revolucionário e, ao mesmo tempo, atual, tangível e acessível. O Programa de 2009 não vê o socialismo como alheio ao processo histórico, mas como um imperativo da formação histórica do Brasil. Ele distingue no passado dois “avanços civilizacionais”: a formação do povo, da nação e do Estado; e o Estado “nacional-desenvolvimentista”, os direitos trabalhistas, o progresso educacional e cultural. O socialismo será o terceiro avanço civilizacional capaz de realizar as potencialidades da Nação. *** O PCdoB apoia a eleição e a reeleição de Dilma Rousseff, em 2010 e 2014, vencendo os tucanos José Serra e Aécio Neves, respectivamente. O Partido vê na terceira e quarta “vitória do povo” um “grande evento histórico”, como afirma Renato Rabelo, então presidente. Pela primeira vez, o eleitorado brasileiro elege uma presidenta mulher, e vinda da resistência à ditadura, provada na dura escola do cárcere e das torturas, compromissada com uma agenda de transformação progressista. O Partido participa do governo, assume ministérios, destaca-se no Parlamento e nos movimentos sociais, que combinam apoio e pressão, sem renunciar à sua independência. Os comunistas defendem uma aliança ampla, que inclua o Centro e, ao mesmo tempo, um bloco de esquerda que dê coerência ao projeto. As comemorações dos 90 anos do Partido têm uma programação nacional que se ramifica pelo país. No espaço principal da Câmara dos Deputados, realiza-se uma exposição iconográfica da trajetória histórica do Partido. A cidade do Rio de Janeiro, em 24 de março de 2012, é palco do ato nacional político-cultural. Martinho da Vila, sambista filiado ao Partido, é atração principal da parte artística. No
dia 26 de março, o Congresso Nacional realizou uma sessão solene em homenagem à data de fundação do Partido. E nos dias 20 e 21 de abril a Fundção Maurício Grabois realizou o Seminário “PCdoB 90 anos: história, legado, lições e alternativa socialista”, em São Paulo. Uma síntese inovadora da história da legenda é divulgada pelo Comitê Central: PCdoB: 90 anos em defesa do Brasil, da democracia e do socialismo. Documento aprovado pelo Comitê Central, sem empanar a dimensão da reorganização de 1962, valoriza o percurso inteiro da legenda e, de igual modo, as gerações que a construíram. Pela primeira vez, rende tributo a lutadores como Astrojildo Pereira, líder da primeira geração, bem como Luiz Carlos Prestes, líder da segunda geração, e enaltece o legado de João Amazonas, construtor e ideólogo do Partido. Registra ainda o papel elevado de Renato Rabelo, na contemporaneidade. Uma história da legenda, entrelaçada com a história do país, sistematiza o legado, aponta perspectivas e contém ainda os ensinamentos dessa trajetória. A eleição municipal de 2012 assinala novo avanço, que tem como símbolo a vitória em São Paulo. A direita candidata, na maior cidade do país, José Serra – ex-governador, ex-prefeito, ex-ministro, duas vezes candidato presidencial. Mas ele sofre uma humilhante derrota para um estreante em eleições, Fernando Haddad (PT), indicado por Lula.
Os comunistas ajudam nesta vitória decisiva, indicando a vice de Haddad, Nádia Campeão, presidenta do PCdoB-São Paulo. O Partido também vence pela quarta vez consecutiva em Olinda (PE), 63ª maior cidade do país, e elege os prefeitos de outras metrópoles: Contagem (MG), 31ª maior; Belford Roxo (RJ), 45ª maior e; Jundiaí (SP), 58ª maior. No total, o número de prefeitos eleitos pelo Partido sobe de 41, em 2008, para 56, em 2012; o de vereadores dá um salto de 612 para 976, distribuídos por 727 municípios de todo o país.
As classes dominantes, com o capital financeiro à frente, não aceitam a sucessão de derrotas, sobretudo as presidenciais. Alijadas do governo central, criam um consórcio oposicionista, onde se destaca a mídia tradicional, que assume de vez a face de “partido” conservador, apontada por Antonio Gramsci. Seguem-na as siglas de oposição convencionais (PSDB, DEM e Partido Popular Socialista-PPS) e áreas do aparato jurídico-estatal, do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal.
O alarde sobre o julgamento do chamado Mensalão, no STF (2014), e os lances da golpista Operação Lava Jato visam a fustigar – e, se possível derrubar – o governo e a desmoralizar Dilma e Lula. O consórcio oposicionista tenta ainda, teimosamente, disputar as ruas, tradicional território dos movimentos sociais e da esquerda. Durante anos, as tentativas fracassam, mas, agora, ganham fôlego, após a onda de manifestações de junho de 2013. O gatilho dos Protestos de Junho é uma campanha do Movimento do Passe Livre (MPL) contra o aumento da passagem de ônibus em São Paulo. Mas as manifestações, que logo se alastram através das redes sociais, assumem, não raro, um sentido dúbio. Por um lado, elas exigem, com razão, serviços públicos face à crescente crise urbana. Por outro, abrigam posturas de direita, como a rejeição em bloco de todos os partidos políticos e até da própria política. Os índices de aprovação do governo Dilma recuam sensivelmente. O 13º Congresso realizou-se novembro de 2013, sob o impacto de dois acontecimentos que marcam o início da viragem na correlação de forças, a qual passa a pender para o lado do campo conservador neoliberal: as manifestações de junho e a expedição dos mandados de prisão, por parte do STF, contra os condenados do chamando “mensalão”.
A Resolução aprovada pelo 13º Congresso salienta que tais fatos fizeram soar um sinal de alerta quanto aos riscos que o ciclo político, aberto em 2003, passaria a enfrentar. A Resolução também sublinha que, a par das realizações e conquistas dos dez anos dos governos Lula e Dilma, a democratização do Estado não fora alcançada e que o país seguia “desigual e injusto”. O Congresso conclama a base do governo Dilma e as forças políticas que o sustentam a lutarem pelas reformas estruturais democráticas: mais desenvolvimento, democracia e progresso social.
A eleição de 2014 reflete a crescente polarização, acirrada pela estagnação econômica. Dilma reelege-se, num segundo turno politizado e tensionado, graças ao Nordeste e ao Norte, a Minas, ao Rio e ao andar de baixo da pirâmide social. É uma vitória épica, mas apertada: 3.459.963 votos (3,3% dos votos válidos) de vantagem sobre Aécio. O novo Congresso espelha o surto direitista: o PCdoB recua de 15 para dez deputados federais e de dois para um senador. Em compensação, sobe de 18 para 25 deputados estaduais, elegendo, pela primeira vez, um governador: Flávio Dino, 47 anos, vence o governo do Maranhão no primeiro turno (63,5% dos votos), dando fim a meio século de domínio da oligarquia Sarney. O consórcio midiático-oposicionista não se conforma com a reeleição de Dilma e tenta forçar um “terceiro turno” que impugnasse o resultado. Conquista uma trincheira importante, ao eleger Eduardo Cunha (PMDB-RJ) presidente da Câmara, em fevereiro de 2015, e, em 15 de março, consegue levar às ruas uma boa parte da classe média: a “Revolta dos Coxinhas” é a primeira grande mobilização de massas que a direita comanda no país, desde a Marcha da Família que preparou o Golpe de 1964. O quadro se agrava com a crise econômica: o país vive pesada recessão e o desemprego volta a crescer. O pacote fiscal restritivo, que inicia o segundo mandato de Dilma, notadamente um erro, é mal recebido por parte do eleitorado da presidenta, que vê nele uma ameaça às conquistas sociais da fase anterior. O governo perde a iniciativa e parte de sua base de apoio na Câmara. Assim, ao lado da crise econômica, instaura-se a crise política.
O PCdoB considera o momento “instável, perigoso e indefinido”, segundo o documento da 10ª Conferência (maio de 2015). Avalia que a situação “pende para o lado das forças conservadoras” e que não só o governo Dilma, mas todo o ciclo progressista, iniciado em 2002, estavam em perigo. O Partido ergue-se em defesa da democracia e do mandato de Dilma, tachando o movimento de “fraudulento e golpista”, um plano de derrubá-la, via impeachment. Mesmo dizendo-se “crítico” do ajuste fiscal, responde “sim” ao voto de confiança que Dilma solicitou. E vai à luta.
O PCdoB defende como “tarefa maior” construir, “agora e já, uma frente ampla com todas as forças possíveis do campo democrático e patriótico”. Prega, também, “um bloco de esquerda e progressista, político e social, que reúna partidos, organizações, entidades, lideranças”. Ambas as esferas visam a “defender a democracia e impulsionar a contraofensiva”. Para a 10ª Conferência, “é hora de mobilizar o povo, travar a batalha das ruas”. *** A 10ª Conferência é palco de um acontecimento de grande relevância: a sucessão na presidência do PCdoB. Renato Rabelo, treze anos depois daquele histórico dezembro de 2001 – quando recebeu das mãos do lendário João Amazonas, um dos mais destacados dirigentes da legenda comunista, a missão de sucedê-lo na presidência do Partido –, despedia-se do posto de presidente com a convicção do “dever cumprido no mais alto posto de direção do PCdoB”. A presidência de Renato Rabelo aporta ao PCdoB, entre outras, duas destacadas elaborações políticas. Primeira: os fundamentos e diretrizes à participação dos comunistas em governos de coalizão no capitalismo, nos quais o Partido é força minoritária. Formulação que responde ao fato de o PCdoB ter sido força importante para a vitória de Lula, em 2002, e, por esse motivo, ter sido convidado pelo ex-presidente a integrar o ministério de seu governo, fato inédito na longa história do PCdoB. Segunda: um novo giro de avanço na elaboração do pensamento programático e estratégico do Partido, com a aprovação, em 2009, do Programa Socialista para o Brasil, cujo cerne é a luta contemporânea por um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, como caminho brasileiro para o socialismo. Na presidência de Renato Rabelo, desde a redemocratização, em 1985, o Partido alcança sua representação máxima no Congresso Nacional, em 2010, quando elege 15 deputados/as federais. Pela primeira vez, o Partido passa a ter duas cadeiras no Senado Federal. Vanessa Grazziotin conquista o mandato pelo Amazonas e se junta a Inácio Arruda (PCdoB-CE) que fora eleito em 2006. A presidência de Renato também lega uma política de quadros e uma nova e inovadora síntese da trajetória histórica do PCdoB. A partir de abril de 2016, Renato Rabelo assume a presidência da Fundação Maurício Grabois.
Depois de criteriosa ausculta junto ao coletivo de quadros e militantes, Renato Rabelo propõe o nome de Luciana Santos, então deputada federal, hoje vice-governadora de Pernambuco, para assumir a presidência do Partido. E, em clima de unidade, a 10ª Conferência o aprova.
Em seu pronunciamento, na referida Conferência, Luciana afirmou estar convicta de que a partir “do legado da presidência de Renato Rabelo, contando com apoio que teria da militância e dos nossos quadros”, o PCdoB, sob sua presidência, caminharia para novos avanços e conquistas. *** Tal como na fase crucial da crise do chamado mensalão, em 2005, o Partido Comunista se agiganta nessa hora crítica. Sua bancada, em
Brasília, multiplica as iniciativas. Sua militância esclarece o povo e convoca-o ao embate.
Assim, enquanto a “Revolta dos Coxinhas” vai perdendo o elã de março, a proposta do PCdoB conquista tentos. Ao fim de 2015, a contabilidade das ruas já favorece o lado progressista. Um passo-chave na união da esquerda ocorre em Belo Horizonte, em 5 de setembro de 2015: uma assembleia de dois mil líderes político-sociais de todo o país lança a nova Frente Brasil Popular. Em 2 de dezembro de 2015, Eduardo Cunha, acuado por denúncias de propinas e lavagem de dinheiro, acata um pedido de impeachment, urdido pelo consórcio golpista, contra a presidenta a Dilma. Era a deflagração oficial do golpe. O PCdoB retruca no Manifesto do Brasil sem golpe. Aponta a polarização do país em dois campos, “os democratas e os golpistas”. Frisa que “não há meio termo”. E chama “cada cidadã e cada cidadão” a erguerem “a bandeira democrática do Brasil sem golpe”. Em 31 de março de 2016, movimentos sociais e progressistas protestaram pelo país, em defesa do mandato da presidenta Dilma Rousseff. Houve também o registro de atos pelo mundo. No Rio de Janeiro, o cantor e compositor Chico Buarque de Holanda lembrou da ditadura militar. “Estou vendo pessoas aqui que viveram como eu aquele 31 de março de 1964. E não podemos deixar que isso se repita”, disse. Duas semanas antes, em 13 de março, os golpistas também haviam se manifestado em todo o país. Em 4 de março, no centro de São Paulo, uma plenária condenou os abusos do então juiz Sérgio Moro na condução da operação da golpista Lava Jato que, no mesmo dia, havia determinado a condução coercitiva do ex-presidente Lula para prestar depoimento à Polícia Federal.
O processo golpista estava em pleno andamento. Em 11 de abril, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados destinada a dar uma posição sobre o impeachment, aprovou por 38 votos favoráveis e 27 contrários o parecer do deputado Jovair Arantes (PTB-GO) pela continuidade do caso. Em de 17 de abril, o plenário principal da Câmara acatou, por 367 votos favoráveis e 137 contrários, o prosseguimento do processo de impeachment, que é encaminhado ao Senado. E, em 6 de maio, a Comissão Especial do Senado aprovava, por 15 a cinco, parecer do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) favorável à abertura do processo de impeachment pela Casa, fase chamada de “admissibilidade da denúncia”. Em 12 de maio, depois de uma sessão de mais de 20 horas, o plenário principal do Senado aprovou, por 55 a 22, a abertura do processo de impeachment, enquanto a presidenta Dilma Rousseff foi afastada da função por até 180 dias. O vice-presidente, Michel Temer, assumiu seu lugar. Em 4 de agosto, a Comissão Especial do Senado decidiu, ao aprovar relatório do senador Anastasia, por 14 votos a cinco, que Dilma Rousseff deveria ser levada a julgamento. Em 10 de agosto, o plenário principal do Senado decidiu – por 59 votos a 21 – como procedente a denúncia contra Dilma Rousseff, mesmo com argumentos inconsistentes. Em 29 de agosto, a presidente foi ao Senado e desmontou os argumentos dos golpistas. E, em 30 de agosto, o golpe é consumado.
A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), a exemplo do desempenho da bancada comunista na Câmara dos Deputados onde se agigantou o papel da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) como Líder da Minoria, destacou-se no rechaço ao impeachment fraudulento. Vanessa denunciou o julgamento como um “erro crasso”, que cobrará um preço alto e amargo. O uso do “conjunto da obra”, como desculpa, traduzia um momento triste para a democracia e para o povo. A tirania sempre encontra um pretexto, disse a senadora.
*** Ainda em 2016, em outubro, ocorreram as eleições municipais. O PCdoB divulgou um manual do candidato, constatando que, no país, havia um ambiente de grande instabilidade política. Os problemas econômicos do Brasil levaram dificuldades sociais à vida do povo e um pessimismo a vastas parcelas da sociedade, que acentuava a crise de representação política e alcançava todo o sistema partidário. As forças de esquerda, particularmente, estavam diante de um grande desafio. O espaço eleitoral de campanha e de TV reduziu-se, ampliaram-se o tempo e as condições da pré-campanha, dentre outras medidas restritivas. O grande sentido das eleições era fazer de 2016 um momento de rechaço ao golpe e de afirmação dos comunistas, segundo o manual. O objetivo era ampliar a base social eleitoral, mediante o maior número de vereadores, preparando as condições para, em 2018, recuperar posições nas eleições federais e, ao mesmo tempo, fortalecer a identidade e ampliar o lugar político do PCdoB para a luta em defesa do projeto de desenvolvimento para o país. Com a autoridade e o prestígio conquistados na luta democrática contra o golpismo, diz o texto, o PCdoB queria mostrar sua cara e suas bandeiras. Em um seminário realizado entre 8 e 10 de julho em São Paulo, o PCdoB debateu o golpe, analisando causas, objetivos e a resistência. Era o IV Seminário Nacional dos Estudos Avançados, da Escola nacional João Amazonas. Foi uma prévia da campanha, que seria a primeira grande batalha política após o golpe. O país havia ingressado em um novo ciclo político, marcado por uma ordem conservadora, a qual procurava implantar um Estado mínimo para o povo e um Estado máximo para o rentismo e as oligarquias financeiras. Para isso, o consórcio golpista lançara mão de um grande arsenal de medidas de restrição à democracia – conquistada a duras penas na Constituinte de 1988 –, de acordo com uma nota da presidenta nacional do PCdoB, Luciana Santos, de 11 de novembro de 2016. Eram muitas batalhas que precisavam ser travadas de modo simultâneo, em especial a defesa de direitos elementares como os recursos para a saúde e a educação, a “reforma” política antidemocrática, a restauração da democracia e contra as ameaças ao Estado Democrático de Direito e a defesa do patrimônio nacional. Em março de 2017, a Fundação Maurício Grabois lança o livro Governos Lula e Dilma: o ciclo golpeado. A obra situa os diagnósticos das causas do golpe que interrompeu esse ciclo, apontando as realizações e os avanços do período, além de erros e insuficiências; entre eles, a não realização da reforma democrática do Estado e a falta de visão estratégica de projeto de nação. *** Os efeitos do Golpe logo apareceram. Em 28 de abril de 2017, uma greve geral, convocada por centrais sindicais e movimentos populares, contou com 40 milhões de trabalhadores. Mais de 150 cidades registraram paralisações. Tratava-se de uma grande resposta do povo brasileiro, em relação aos impactos das “reformas” golpistas e à volta da ordem neoliberal que atentavam contra as legislações trabalhista e previdenciária.
A proposta de “reforma” da Previdência Social deflagrou o movimento. Para o presidente nacional da CTB, Adilson Araújo, o movimento refletiu a preocupação do brasileiro diante das “reformas” previdenciária e trabalhista. “Se a gente levar em consideração a expectativa de vida no Norte e Nordeste do país, a maioria da população vai morrer sem se aposentar. A idade para aposentadoria é perversa, o tempo de contribuição é absurdo, além de ser um estímulo à previdência privada, tanto que é a carteira que mais cresce dentro das instituições bancárias privadas”, protestou. Diante da crescente crise econômica e política, o PCdoB divulgou uma nota, em 22 de maio, diagnosticando que o governo Michel Temer precisava de um fim, por meio de eleições diretas. Em 17 de maio, segundo a nota, teve início um agravamento da situação de crise e instabilidade a que o golpe de Estado empurrara o país. “O usurpador da cadeira presidencial, Michel Temer, já ilegítimo, perdeu por completo as condições de governar”, diz o texto. “Impõe-se, para o bem do Brasil, que se coloque fim ao governo golpista, seja pela renúncia, seja pelo impeachment, seja por uma decisão do Poder Judiciário, respaldada pela Constituição”, prossegue. O PCdoB, desde a consumação do golpe, estava empenhado pela realização de eleições diretas para presidente da República, afirma a nota. “Agora, com o paroxismo a que chegou a crise, segue ainda mais empenhado pela vitória do caminho das Diretas Já!”, enfatiza. Nessa conjuntura, a campanha pela saída de Temer se espalhava pelo país. Uma manifestação nacional, em 21 de maio, pedia a renúncia do presidente, seguida de eleições diretas. Em 30 de março, o PCdoB e a Fundação Maurício Grabois promoveram um evento na Universidade Paulista (UNIP), no bairro Paraíso, em São Paulo, comemorativo dos 95 anos do Partido e do centenário da Revolução Russa. Os legados da Revolução, a crise capitalista e a defensiva socialista nortearam os debates com intelectuais e dirigentes políticos. O evento foi transmitido ao vivo pela internet.
Em 3 de outubro, o filósofo italiano Domenico Losurdo esteve no Sindicato dos Engenheiros, a convite do Fundação Maurício Grabois, no centro da capital paulista, para apresentar seu ponto de vista sobre os legados e lições que a Revolução Russa deixara em seu centenário. Para ele, o maior legado é um alerta contra a colonização e a opressão dos povos, por meios econômicos, uma luta que é mais atual do que nunca. A Fundação Maurício Grabois, em parceria com a Editora Anita Garibaldi, havia lançado as obras Lênin – presença da revolução (vários autores) e Lênin, leitor de Marx, de Gianni Fresu, filósofo italiano, que participou de um evento, em 21 de setembro, na sede do PCdoB, em São Paulo, em homenagem aos 80 anos da morte do dirigente comunista Antônio Gramsci. Fresu falou sobre o tema O
pensamento político de Gramsci: hegemonia e luta de classes, comentado pelo vice-presidente do PCdoB, Walter Sorrentino. *** O PCdoB estava na fase preparativa do 14º Congresso, que seria realizado entre 17 e 19 de novembro de 2017, em Brasília (DF). O Congresso analisou caminhos para o Brasil para sair da crise criada com o Golpe de Estado de 2016, enfatizando a importância de se constituir, no curso da luta antigolpista, uma frente ampla, composta por um vasto campo social, político, econômico e cultural, a partir de uma plataforma centrada na democracia, na soberania nacional, no desenvolvimento e no progresso social. Luciana Santos, presidenta nacional do PCdoB, após decisão de instâncias partidárias, informou, em 5 de novembro, que a deputada estadual Manuela d’Ávila seria pré-candidata à Presidência da República. No 14º Congresso, Manuela foi aclamada, em clima de grande entusiasmo pelo plenário. Em seu pronunciamento, como pré-candidata, ela aborda sua trajetória militante e política, além de apontar saídas programáticas para a superação da crise político-econômica.
A candidatura foi oficializada pelo PCdoB em 1º de agosto de 2018. Em discurso, durante a convenção que chancelou a candidatura, Manuela d’Ávila ressaltou as potencialidades e singulares de sua campanha, defendendo a unidade dos candidatos considerados de esquerda. Manuela comentou, também, a prisão de Lula, a mando do então ex-juiz Sérgio Moro, ocorrida em 7 de abril de 2018. “De toda essa perseguição o ponto mais alto é a prisão do presidente Lula. Lula está preso porque lidera as pesquisas. Lula está preso porque, solto, venceria as eleições. Nossa candidatura sempre carregou o Lula Livre, porque não queremos só a liberdade dele, queremos fazer valer a Constituição”, declarou. Na convenção, Manuela d’Ávila afirmou que não seria óbice a uma unidade das forças progressistas e que a defenderia até o último dia. “Nós nunca fomos e nunca seremos óbice à unidade de nosso campo político. Nós precisamos estar o mais unido possível para que vençamos a eleição e interrompamos esse ciclo de destruição do Brasil”, disse. A unidade possível se deu com o lançamento da candidatura do ex-prefeito paulistano Fernando Haddad a presidente da República, lançado pelo PT. Em 5 de agosto, o PCdoB e o PT lançaram a chapa Fernando Haddad-Manuela d’Ávila. Em 2017, Lula havia anunciado que seria o candidato do PT à presidência da República. Em setembro daquele ano, saiu em caravana pelo Brasil. Mesmo após a prisão, o PT o manteve como candidato. Em 16 de agosto, depois que a maioria dos ministros do TSE declarou que a “inelegibilidade (de Lula) é incontroversa”, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou uma impugnação, tendo como base a Lei da Ficha Limpa, que considera inelegíveis candidatos condenados em segunda instância, apesar de o comitê de Direitos Humanos da ONU ter se manifestado a favor da candidatura de Lula.
Em 3 de abril de 2018, véspera do julgamento do Habeas Corpus (HC) pelo STF sobre a prisão de Lula, o comandante do Exército nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer, o general Eduardo Villas Bôas, pronunciou-se no Twitter. “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais”, disse.
Villas Bôas voltaria a postar: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.
No próprio julgamento do HC, o ministro Celso de Mello comparou Villas Bôas a Floriano Peixoto, segundo presidente da República, que ficou conhecido como “marechal de ferro”. Em seu voto, afirmou que as declarações eram “claramente infringentes do princípio da separação de poderes” e “que parecem prenunciar a retomada, de todo inadmissível, de práticas estranhas (e lesivas) à ortodoxia constitucional”.
O julgamento durou quase 11 horas, e o resultado foi proclamado na madrugada do dia 5, através de pronunciamento da presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, que anunciou a rejeição do HC por seis votos a cinco.
*** O primeiro turno das eleições de 2018 ocorreu em 7 de outubro, com Jair Bolsonaro obtendo 46% dos votos válidos e a chapa Haddad-Manuela 29%. Em 9 de outubro, Haddad reuniu-se com os governadores Wellington Dias (PT-PI), Camilo Santana (PT-CE), Rui Costa (PT-BA) e Flávio Dino (PCdoB-MA), em São Paulo, anunciando a ampliação do leque de apoios à sua candidatura. O novo plano de governo foi apresentado ao TSE em 18 de outubro. No segundo turno, realizado em 28 de outubro, a chapa Haddad-Manuela obteve 44,87% dos votos e Bolsonaro 55,13%, sendo eleito presidente da República. O PCdoB elegeu nove deputados federais e 21 estaduais, em dez estados, reelegendo o governador do Maranhão, Flávio Dino. Durante a campanha, Manuela d’Ávila foi alvo de sórdidos e criminosos ataques, com ameaças e manipulações de imagens nas redes sócias. É a primeira vez, desde o fim da ditadura militar, que o país é governado pela extrema-direita, o que se configura uma derrota profunda das forças democráticas e progressistas, fato que atinge a esquerda como um todo, mas em especial os comunistas. O PCdoB, embora tenha eleito nove deputados federais e 21 estaduais, em dez estados, tendo reeleito o governador Flávio Dino, do Maranhão (que desfiliou-se em 2021), não superou a antidemocrática cláusula de barreira. *** O Partido enfrenta, então, na esfera parlamentar-institucional o seu pior revés desde que foi legalizado em 1985. Mas, apesar do baque, não se desespera e procura saídas, encontrando-as com a união que empreende com uma organização revolucionária, patriótica e marxista, o Partido Pátria Livre (PPL). Para tal se constituiu uma Comissão de Enlace que fez sucessivas reuniões de trabalho, no mês de novembro, nas quais foram se esboçando as bases políticas, programáticas e organizativas desse pro-
cesso de união. Ela foi constituída por 12 membros: Luciana Santos, Walter Sorrentino, Ricardo Abreu Alemão, Fábio Tokarski, Neide Freitas e Adalberto Monteiro (pelo PCdoB); e Sérgio Rubens, Márcio Cabreira, Miguel Manso, Carlos Lopes, Uldorico Pinto e João Goulart Filho (pelo PPL). Em 26 de novembro de 2018, um comunicado histórico, assinado pela presidenta do PCdoB, Luciana Santos, e pelo presidente do PPL, Sérgio Rubens Torres, oficializa o caminho comum traçado. Argumenta que a “eleição de Jair Bolsonaro, da extrema-direita, coloca em alto risco a democracia, a soberania nacional e os direitos do povo brasileiro”. E que, diante dessa circunstância, e “visando a cumprir suas responsabilidades com o Brasil e seu povo”, PCdoB e PPL, depois de “frutífero diálogo”, concluíram possuírem uma visão tática convergente e afinidades programáticas. Assim, de comum acordo, decidiram que o caminho para realizar os objetivos propostos “é o da unidade, cujo encaminhamento prático, legal e imediato é a incorporação do PPL ao PCdoB. Esse processo, assentado na legislação e nos estatutos das duas legendas, se efetivará simultaneamente em suas instâncias de decisão e deliberação”. Em 17 de março, uma reunião dos congressos extraordinários do PCdoB e do PPL, realizada no Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, em São Paulo, sob o lema Democracia, soberania e socialismo – somando forças, formalizava a união, por meio da eleição de integrantes dos dois partidos para formar o novo Comitê Central do PCdoB. A resolução aprovada propôs enfrentar o retrocesso – representado pelas forças de extrema-direita que assumiram a condução do país – através da união de amplas forças, tendo a democracia como bandeira central.
A presidenta do PCdoB, Luciana Santos, fez um pronunciamento em que destacou a relevância histórica dos dois congressos. “No dia de hoje, damos um passo a mais na construção de um partido forte, com solidez ideológica, flexibilidade e amplitude tática, que compreenda a natureza e os anseios do nosso povo. Uma força organizada, com ampla militância em distintas esferas da sociedade e com unidade política e de ação”, afirmou. Sérgio Rubens, ex-presidente do PPL que assumiu um dos postos de vice-presidente do PCdoB, ressaltou a importância de concentrar forças para enfrentar os desafios em face da posse do governo Bolsonaro. Para ele, era necessária a construção de uma frente que unisse amplos setores para derrotar a agenda do governo. Luciana Santos, destacou que, com a vitória da extrema-direita, instaurava-se uma realidade adversa que exigiria do Partido “resistência, amplitude e sagacidade”. E explicou: “Resistência para fazer frente a um governo de ruptura, que instala uma nova ordem; amplitude, pois devemos reconhecer que somente com um amplo movimento político poderemos fazer frente a esta nova ordem; e sagacidade para explorar as contradições no seio do inimigo”.
Ao final dos congressos, o Comitê Central, então eleito, reuniu-se para escolher os novos integrantes da Comissão Política Nacional, assim como os da nova Comissão Executiva Nacional.
Em 28 de maio de 2019, os ministros do TSE aprovaram, por una-
nimidade, a incorporação do Partido Pátria Livre (PPL) ao PCdoB. *** O 15º Congresso do PCdoB realizou-se de 15 a 17 de outubro de 2021, com dois focos: desmascarar, isolar e derrotar Bolsonaro e garantir a presença plena do PCdoB na vida parlamentar-institucional do País, posto que mais uma vez o Partido se vê desafiado a superar o bloqueio de leis que mutilam o pluralismo político. O 15º Congresso foi denominado de “Congresso Haroldo Lima” em homenagem à memória e ao legado desse histórico dirigente do Partido, falecido em 2021, vítima da Covid-19.
A plenária final do Congresso, realizada de modo virtual, ocorreu em clima de forte unidade e entusiasmo, principalmente devido à grande vitória democrática representada pela aprovação da lei da Federação de Partidos. O PCdoB conjuntamente com outras forças políticas, através de sua Bancada na Câmara dos Deputados, liderada pelo deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE), foi determinante para essa conquista. A Resolução Política do Congresso reafirmou a tática de Frente Ampla para derrotar Bolsonaro e repelir as investidas golpistas da extrema-direita. E sublinhou a convicção de que as oposições podem sim vencer as eleições presidenciais em 2022. O Congresso debateu também uma Plataforma emergencial de reconstrução nacional a ser aprovada pelo Comitê Central. Quanto à realidade mundial, uma das principais conclusões aponta que “o declínio relativo dos Estados Unidos e a ascensão da China socialista constituem a principal tendência da geopolítica contemporânea”. Essa alteração do quadro de forças, no sistema de poder mundial, relaciona-se com o Brasil e um elenco de países fora do centro capitalista, pois abre uma janela de oportunidade para que se realizem projetos nacionais contra-hegemônicos. O Congresso também espelhou o avanço do processo de integração do PPL ao PCdoB e desencadeou um movimento para revigorar o Partido, sobretudo nas seguintes áreas: comunicação digital, ligação do Partido com as massas e estruturação orgânica. Esse revigoramento visa, entre outros objetivos, a recompor a força e representação parlamentar dos comunistas nas eleições de 2022. Com forte respaldo e grande confiança política, o Comitê Central reelegeu Luciana Santos para presidir e liderar o Partido. Finalmente, o 15º Congresso desencadeou as comemorações do centenário do PCdoB cuja data épica é 25 de março de 2022. ***
Em dezembro de 2021, entre as iniciativas que desencadeiam as comemorações dos 100 anos do Partido Comunista do Brasil, vem a público a edição digital de Imagens da centenária história de lutas do Partido Comunista do Brasil (1922-2022), uma abrangente publicação visual que retrata a presença dos comunistas e de sua quase centenária legenda, a partir dos primórdios da República, nos grandes confrontos que foram determinantes à construção no Brasil. Essa obra, passará por acréscimos e revisões, tendo em vista uma edição definitiva planejada para o centenário em 2022. As imagens dão visibilidade a algo que as classes dominantes sempre ocultaram ou deturparam: o rico legado dos comunistas à nação e à classe trabalhadora.