PCdoB: UM SÉCULO E MILHARES DE LUTAS
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1922, O ANO MÁGICO
m 1922, os brasileiros eram 32 milhões. Um décimo deles vindo do Velho Mundo. Três quartos moravam na roça. O Rio de Janeiro era a Capital Federal e a maior cidade: 1,2 milhão de moradores. Nos 100 anos do 7 de setembro, sedia uma exposição com stands de 50 países e ocorre a primeira transmissão de rádio no país. Assiste a sufragista Bertha Lutz fundar a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF). Envia a Paris o conjunto de samba Oito Batutas, de Pixinguinha e Donga. Perde seu genial cronista Lima Barreto, 41 anos, defensor da Rússia socialista.
O Congresso vota as 21 condições para ingresso na Internacional Comunista, que constam de seus Estatutos, e elege a Direção. Encerra-se com um viva à “união dos operários sul-americanos integrados na Internacional” e com o hino A Internacional, cantado baixinho para não alertar a repressão. Os fundadores são “na quase totalidade elementos originários do anarquismo”, relatará Astrojildo. Representam 73 comunistas, que militam no Rio, São Paulo, Niterói, Cruzeiro, Recife e Porto Alegre, mais Santos e Juiz de Fora, que não conseguem enviar delegados ao Congresso.
São Paulo, com 600 mil habitantes e forte sotaque italiano, já é a cidade que cresce mais rápido e tem mais indústrias. No Cariri, o padre Cícero recebe a devoção de seus fiéis; no Pajeú, Lampião oferece à tia Jacosa a música Mulher rendeira. O Brasil aplaude dois portugueses que cruzaram pela primeira vez o Atlântico Sul de avião. O presidente eleito, em março, é o carrancudo Artur Bernardes, do Partido Republicano Mineiro (PRM).
São duros os primeiros tempos. Aos dois meses de idade, o Partido é proscrito durante o Estado de Sítio, que tem como alvo a rebeldia tenentista. O punhado de pioneiros comunistas mal chega a 250 no fim de 1922 – embora com adesões do quilate do ex-líder anarquista Octávio Brandão. Em 1927 são 700 militantes. Apenas com o correr do tempo, vem à luz a dimensão histórica do 25 de março de 1922.
Guarde o ano: 1922, o ano mágico das rupturas que fecundaram o Brasil. Em fevereiro, a Semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo, escandaliza e fascina, mas põe nossa arte em compasso com o século 20. A ideia da Semana é do pintor Di Cavalcanti: “para assustar essa burguesia que cochila na glória de seus lucros”. “A nossa estética é guerreira: Queremos luz, ar, aeroplanos, reivindicações obreiras, idealismos, motores, chaminés de fábricas, sangue, velocidade, sonho, na nossa Arte”, provoca o poeta Menotti del Picchia. Em 5 de julho, outra ruptura crucial: a Revolta do Forte de Copacabana e o embate dos 18 revolucionários, cada um com um retalho da Bandeira Nacional, contra três mil soldados legalistas. Metralhados na Avenida Atlântica, só Siqueira Campos e Eduardo Gomes sobreviveram. O tenentismo passa à ação revolucionária. O governo responde com quatro anos de Estado de Sítio. Começava o crepúsculo da República Velha. O terceiro marco histórico desse ano mágico é o Congresso de Fundação do Partido Comunista do Brasil [até a cisão de 1962, o Partido usaria a sigla PCB; depois, o então denominado Partido Comunista Brasileiro fica com a sigla; a corrente que reorganiza o Partido Comunista do Brasil usará PCdoB]. Nove delegados participam do Congresso, de 25 a 27 de março, numa união operária no Rio de Janeiro e, no último dia, por questões de segurança, na casa de duas tias idosas de Astrojildo Pereira em Niterói.
Dois fatores foram decisivos na fundação do Partido Comunista. O fator externo foi a Revolução Russa, sob a direção do Partido Comunista (na época chamado Bolchevique e muitas vezes traduzido aqui como Maximalista) de Vladimir Lênin. Com ela, inicia-se a primeira experiência socialista da humanidade: a União Soviética. A vitória de 1917 tem enorme repercussão mundial. Sinaliza um caminho novo para a classe trabalhadora. Logo, em 1919, leva à criação da III Internacional (a Internacional Comunista, Comintern ou IC) e de dezenas de partidos comunistas, inclusive na América Latina. O da Argentina nasce em 1918 e o do Uruguai em 1920. Porém, o fator decisivo é o interno. Conforme o historiador marxista Nelson Werneck Sodré, o Partido “nasceu e cresceu como consequência necessária do processo de formação da classe operária brasileira e do desenvolvimento de suas lutas e organização. Sua fundação respondeu a uma exigência do movimento operário”. O 25 de março de 1922 é o desaguadouro de toda uma fase heroica do movimento operário brasileiro. Antes, o modo de produção escravocrata entravava o desenvolvimento do capitalismo e, portanto, da classe trabalhadora assalariada. Embora a primeira greve date de 1858, só no fim do século 19 – depois da vitória final da Campanha Abolicionista, em 13 de maio de 1888 –, a nova classe e seu movimento ganhariam destaque na cena social.
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