N°2
Julho 2019
LUANA FIAMMA KATHË CLARA ANDREA LIRA
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Revista Galeria das Minas
GALERIA DAS
MINAS SHELBY DILLON JUNE 2019 4
ISSUE NO.1
SHELBY DILLON:
I MAKE A CONSCIOUS EFFORT TO POPULATE MY FILM CREWS WITH AS MANY FILMMAKERS WHO IDENTIFY AS FEMALE, INDIGENOUS, BLACK, AND POC. IT IS INCREDIBLY IMPORTANT TO ME AS A FEMALE ARTIST TO SUPPORT AND COLLABORATE WITH FEMALE ARTISTS AND OTHER MARGINALIZED GROUPS.
FORMER GALERIA DAS MINAS INTERVIEWEÉ REVISTA NUMERO 1 - JUNHO 2019
Capa: Luana Gomes, “Where is my mind”, 2018. Ilustração digital.
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FIAMMA VIOLA
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KATHË KOLLWITZ
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CLARA COSTA
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CONHECENDO O BORDADO
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LUANA GOMES
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ANDREA ACKER
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POESIA
72 Revista Galeria das Minas
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Colagem Manual. 42 x 29 cm.
AngĂşstia, 2018.
8 Fiamma Viola
FIAMMA VIOLA A artista faz um relato sobre sua trajetória a partir de experiências de repressão e abuso, utilizando-se da arte para tratar do processo de desabrochar do ser em contrapartida à ideias castradoras vigentes em nossa sociedade. Exaltando conceitos simbólicos, através de uma atmosfera mística, Fiamma aborda temas acerca da libertação da mulher e sobre resistência. POR ELA MESMA
M
ulheres já chegam ao mundo com todo o seu curso de vida
pré-
determinado. São infinitos os desafios que devemos enfrentar diaria-
mente para quebrar esse padrão e sermos protagonistas de nossas vidas, donas de nossos corpos, de nossos desejos e merecedoras de respeito. Cresci na periferia de São Paulo, em uma família evangélica, conservadora e machista que nunca estimulou o desenvolvimento de habilidades criativas. Minha adolescência foi marcada por uma grande curiosidade e busca por desenvolver competências artísticas, além de uma rebeldia latente que tendia inconscientemente para o feminismo como forma de resistência ao contexto conservador onde eu estava inserida.
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.
Crisálida, 2019. Óleo sobre tela. 70 x 85 cm.
Assim teve início minha jornada artística no campo da ilustração e da pintura, sendo prematuramente interrompida por uma série de acontecimentos abusivos que me afastaram da arte e de mim mesma por anos.
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Fiamma Viola
Inserida numa carreira burocrática que nunca me realizou profissionalmente e após anos de distanciamento da minha essência criativa, mas já fortalecida após o envolvimento com o feminismo, em 2011, retomo meu percurso artístico com aulas particulares de desenho e pintura no ateliê de um renomado artista plástico em Brasília, seguido de outros cursos e formações. Desde então, busco juntar os pedaços que ficaram pelo caminho construindo narrativas a partir das poderosas energias do feminino e, desde 2016, intercalo períodos de produção e exposição no Brasil e na Itália, baseada em Bologna.
Abaixo: Lua Mãe, 2018. Óleo sobre tela.
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Na Europa também são grandes as dificuldades de acesso ao circuito das artes pois a atuação de museus, galerias e curadores ainda reflete a lógica de
desvalorização da produção feminina.
Contudo, ho-
je aos 42 anos, sigo resistindo e celebrando cada pequena vitória nessa jornada transformadora de vida e prática artística.
Vida Fértil, 2019. Colagem Digital. 29 x 21 cm. À direita: Yoniverse, 2017. Ilustração. 29 x 21 cm.
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Fiamma Viola
Como sobrevivente, minha expressão reflete as buscas inerentes à condição feminina e minhas vivências são parte importante da poética. Através de um trabalho multidisciplinar, procuro articular idéias sobre cultura, construção de identidade, arquétipos, sexualidade e feminismo em uma atmosfera onírica na qual exploro uma linguagem própria. Uma construção que não se limita a reprodução da figura feminina, mas inclui formas e conceitos mais amplos, além de diferentes técnicas como pintura, ilustração, colagem e bordado.
Busco juntar os pedaços que ficaram pelo caminho construindo narrativas a partir das poderosas energias do feminino.
À esquerda: Oya e o Espelho, 2019. Técnica mista sobre tela (carvão e acrílica). 50 x 70 cm.
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Meu processo criativo é centrado no corpo feminino como território de construção de uma narrativa visual que busca a liberação da carga negativa geralmente associada e propõe uma visão poética livre, voltada para a renovação do imaginário social e cultural acerca do universo feminino por meio de uma postura ética, estética e política de resistência e criação de outras figurações para o corpo, o feminino e a subjetividade.
Descobertas, 2018. Colagem manual. 30 x 30 cm. 16
Fiamma Viola
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Regina, 2016. Colagem Manual. 29 x 21 cm. À direita: Womb Blessing, 2018. Colagem Manual. 42 x 29 cm.
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Fiamma Viola
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Abaixo: Puta, 2019. Bordado em calcinha de algodão. À direita: Inferno Astral, 2017. Óleo sobre tela. 60 x 70 cm.
Utilizando a sexualidade feminina como elemento fundamental de identidade, procuro apontar metáforas ressonantes no corpo da mulher, como o sangue, criando diálogos a partir de arquétipos, sonhos e narrativas eróticas que são um convite a uma visão política para um mundo diverso e com várias possibilidades de existência.
Meu corpo é meu territorio, lugar de arte, política e amor.
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Fiamma Viola
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Kathë Kollwitz Kathe Kollwitz foi uma importante artista gráfica e escultora, que viveu na Alemanha na primeira metade do século XX e revolucionou a arte, devido aos temas abordados em seus trabalhos. No dia 8 de julho completaram-se 152 anos de seu nascimento, evento que marcou o início de uma trajetória que teve papel fundamental no contexto social de sua época, e na emancipação das mulheres dentro do mundo da arte.
POR KAMILA OLIVEIRA Vinda de uma família que incentivava o convício com as artes e a autonomia dos filhos independente de gênero, Kathe Kollwitz (1867 - 1945) cresceu em um
meio prolífico para seu desenvolvimento, porém em seu auge artístico dentro do Expressionismo Alemão teve que enfrentar censuras e boicotes devido ao seu senso de justiça e trabalhos de cunho político e social. Em meio a isto, o trabalho com o autorretrato, juntamente com seus diários fizeram parte de toda sua vida, e era através deles que ela, de certa forma, desabafava e expunha suas insatisfações, tristeza e contentamentos. Houve uma preferência pela arte figurativa em praticamente toda a sua vida; na linha de tempo abordada, diversos movimentos seguiam em paralelo a seus trabalhos e que escapavam ao figurativismo, como o Expressionismo Abstrato e a Arte Conceitual, porém, tais movimentos tinham em sua maioria homens, que detinham ainda grande parte do reconhecimento no mundo das artes, não sendo estranho que por este motivo as mulheres seguissem por uma vertente mais tradicional. Contudo, derrubando várias barreiras do ponto de vista político e social, Kathë Kollwitz promoveu um modelo de trabalho que por vezes se parece solitário, uma espécie de exame minucioso de si mesma.
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Kathë Kollwitz
A Marcha dos Tecelões, 1897. Gravura em água-forte. 21,6 x 29,5 cm.
O uso do autorretrato durante sua vida está intrinsecamente ligado a questões da mulher como artista e indivíduo, a beira dos conflitos entre seu eu mais profundo e suas relações com o domínio externo. Kathë Kollwitz consegue evocar tanto a questão do feminino, como um conceito geral relacionado às mulheres no mundo da arte e em sociedade, quanto o lado emocional e íntimo que ao mesmo tempo que define sua individualidade, as conecta através deste aspecto humano de profunda expressão, vulnerabilidade e entrega.
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Autorretrato com a mão direita erguida. 1924. Xilogravura. 40x30 cm.
Analisando seus retratos, cada imagem parece transmitir um sentimento diferente, e sua busca também estava voltada para a essência da expressão, portanto, havia uma profundidade em suas imagens, mesmo nos poucos traços da xilogravura, ou no esfumado dos desenhos a carvão, técnica utilizada pela artista com afinco em diversos trabalhos, que posteriormente seriam retomados na gravura, principalmente na Litografia.
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Kathë Kollwitz
Morte e a mulher. 1910. Gravura em metal, rolete, água-tinta e raspador. 45 x 45 cm
Em algumas séries, como as que precederam “Morte, Mulher e Criança” (1910), ela retrata a destruição, a dor e a miséria, trazendo cenas de mães abraçadas a seus filhos mortos e, empresta seu rosto solidarizando-se ao sofrimento que
as classes mais pobres viviam naquele período. Seu trabalho foi em grande parte, humanitário e em favor dos menos favorecidos, o que pode ser visto em uma de suas litografias “Guerra nunca mais”, onde a artista faz um apelo contra a eclosão da Segunda Guerra Mundial na Alemanha, e em sua série “A Revolta dos Tecelões”.
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Autorretrato e estudo de nu, 1900. Desenho a lápis e nanquim branco e cinza escuro. 27,8 x 44,5 cm. Gabinete de Gravuras e Desenhos do Museu Estadual de Stuttgart (GSSS).
Existe também em sua obra a ideia de
ativa, a fim de expressar o peso do
um
A
sofrimento humano. “Quero atuar em
percepção apurada de si mesma fica
meu tempo, no qual a humanidade es-
evidente através de elementos que ela
tá tão desorientada e precisando de
passa a inserir em suas obras, e as
ajuda” escreve ela em seu diário em
anotações em seu diário. Quando se
1922, o que demonstra sua vontade
coloca representada em uma cena ela
de participar ativamente da realidade
empresta seu rosto e toda a sua dor,
em que estava inserida.
registro
visual
autobiográfico.
se autorretratando como participante
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Kathë Kollwitz
Quero atuar em meu tempo, no qual a humanidade estĂĄ tĂŁo desorientada e precisando de ajuda.
Trabalho Domiciliar, 1909. Desenho a carvĂŁo. 58,2 x 45 cm. Kunsthalle Bremen. Revista Galeria das Minas
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A força com que seus retratos contam a história de seu tempo e refletem momentos de sua vida, como sua juventude, seu trabalho como artista, a morte do filho, a velhice, a solidão, e sua insatisfação perante a vida, mostram como ela soube trabalhar o sofrimento em favor da arte, tocando pro-
fundamente em questões existenciais. Em quase todos seus autorretratos, ela expressa sua melancolia e seus estados depressivos, mas de alguma forma é possível perceber que ao se retratar ela buscava não somente exteriorizar estes sentimentos, como se enxergar através deles.
Acima: Mulher pensando, 1920. Litografia. À Direita: Guerra nunca mais, 1924. Litografia. 97,5 x 74,1 cm. National Gallery of Art, Washington Coleção Rosenwald.
Referência SIMONE, Eliana de Sá Porto De. Käthe Kollwitz/ Eliana de Sá Porto de Simone – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004. 28
Kathë Kollwitz
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CLARA COSTA Clara Costa, 20 anos, artista visual, vive em Florianópolis e cursa Cinema na Universidade Federal de Santa Catarina. Tende à subversão das artes visuais através do uso excêntrico da fotografia na sua forma mais crua e mutável, sendo suas fotos essencialmente uma tentativa de descontruir o mundo como o vemos.
POR ELA MESMA
SÓ SOU SE SENDO SOU ESCRITA
Q
uando eu era criança eu achava
Eu já quis ser tanta gente e tanta coisa.
que a primeira gota da chuva sem-
Já quis ser cantora, dançarina, violonis-
pre caía no meu nariz. Agora ela não
ta, já quis ser escritora, artista plástica,
cai mais.
bióloga, arquiteta, oceanógrafa, cineasta.
Eu lembro de quando eu era pequena e
Já quis ser goldin, calle, mendieta. Já
eu saía correndo pro meu quarto cho-
quis ser homem, adulta, alta, magra. Já
rando, deitava na cama soluçando e di-
quis ser gato, tartaruga, maçaneta. Hoje
zendo que quando eu crescesse todo mundo ia me levar a sério.
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em dia eu só quero ser nada.
Eu ainda
A gente é a geração mais conectada e
não sou levada a sério. Agora eu nem
eu não quero me conectar com nin-
quero mais ser.
guém.
Clara Costa
Sem título, 2019. 10x15cm. Modelo: Victoria dos Santos Colagem digital a partir de fotografia digital em 50mm. Projeto de retratismo feminino/feminista em 50mm, tendo como objetivo a representação de mulheres em desmonte, em descontrução da imagem que lhes é imposta.
Bocolho, 2019. 10x15cm. À direita: Sem título, 2019. 10x15cm. Modelo: Victoria dos Santos. Colagem digital a partir de fotografia digital em 50mm.
Tô começando a perceber o quanto eu sempre tento registrar tudo. Desde menina, com os mil diários inacabados até agora. As fotos, tudo que eu escrevo, tudo que eu guardo. Eu ainda tenho provas da escola guardadas, guardanapos de lugares em que eu comi, pedrinhas, livros e livros cheios de anotações. Eu sinto saudades de tudo. Saudades da infância, da felicidade, da tristeza, do café da esquina, da professora de biologia, das casas em que eu já morei, das
camas em que já dormi, dos chãos em que já pisei, do segundo que passou. E tô sempre registrando tudo na tentativa de não sentir mais saudade das coisas mas o tiro sai pela culatra porque tudo isso me faz sentir mais saudade ainda. Eu sou viciada em sentir saudades. Eu li que a solidão é um processo fisiológico, tipo fome. Só que fome de gente.
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Clara Costa
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Clara Costa
Sem tĂtulo, 2019. 10x15cm.
TĂ´ sempre registrando tudo na tentativa de nĂŁo sentir mais saudade das coisas mas o tiro sai pela culatra, porque tudo isso me faz sentir mais saudade ainda. Eu sou viciada em sentir saudades.
Escorre, 2019. 10x15cm. Revista Galeria das Minas
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Quando eu era pequena no outono a gente comia tangerina no sol debaixo do cobertor. Tinha aquele sol frio, sol de tangerina. Minha mãe fazia a gente descascar a tangerina com um saquinho mas eu gostava de descascar sem nada mesmo porque a mão ficava com cheirinho de tangerina. É tão estranho o passado ser passado se no passado ele era tão presente. Minha vida está sendo levada embora por areia. Eu fui me curvando e me curvando e me curvando e me curvando e me curvando e me curvando e me curvando e. Abaixo: Bocuda, 2019. 10x15cm. À direita: Sem título, 2019. 10x15cm.
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Clara Costa
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Mas enfim, tudo sempre volta pras tangerinas. Eu não lembro de tudo que eu pensei na vida mas eu lembro que eu sempre pensei muito. Eu pensava que só criança chorava, que gente grande não chorava não. Agora eu sei que gente grande chora baixinho, escondido. Agora eu sei também que o chocolate e o salgadinho que a gente compra quando é adulto não tem o mesmo gosto de quando os nossos pais compravam. Queria poder ter me tido por mais tempo mas o tempo me engoliu e eu não sei bem que lugar é esse que eu tô e não sei se eu gosto muito daqui, na maior parte do tempo me sinto perdida. Eu parei de roer unha também. Eu lembro que eu ia pra frente do espelho toda vez que eu chorava só pra ver meus olhos ficando vermelhos e mais verdinhos e como era lindo e mágico as lágrimas se formando e a água vazando de mim, a mesma água que caía do céu e depois pingava no meu nariz. Em qual nariz será que ela tá pingando agora?
À direita: Sem título, 2019. 10x15cm.
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Clara Costa
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Só's (avesso), 2018.
CONHECENDO O BORDADO POR LORENA ROSA Quando falamos sobre bordado¹, a técnica do ponto de cruz manual é a primeira da qual temos registro. Com fios de fibra natural e tripas naturais aplicados em peles e couros, o bordado era útil como ornamento em objetos e roupas. Segundo o blog do grupo Matizes Dumont², as primeiras evidências de trabalhos manuais, esses feitos com agulhas de ossos e grânulos de sementes e considerados precursores dos trabalhos manuais em agulha que temos hoje, datam do período paleolítico. O fóssil mais antigo com indícios do uso da técnica foi encontrado na Rússia, com datação estimada de 30mil anos a.C., e para termos uma comparação dentro do campo da história da arte, essa estimativa é anterior ate mesmo à Vênus de Willendorf, estatueta esculpida entre 28000 e 25000 anos a.C., considerada a primeira representação de figura feminina encontrada pelo homem. O bordado está relacionado a uma tradição. A técnica pode ser utilizada com uma lupa para interpretar as representações culturais e humanas em praticamente todas as sociedades, se portando como reflexo dos hábitos e costumes de cada povo. Sua prática se insere na cultura material, que aqui entendemos como uma ponte que nos proporciona a aprender sobre a experiência humana através do seu “fazer” manu-
al, entendido por Richard Sennet, na obra “O Artífice”, como um impulso básico ligado à vontade constante do ser humano em fazer algo bem feito. ¹Trabalho, geralmente sobre tecido, feito à mão ou à máquina, por meio de agulha, em que se criam figuras ou ornatos, utilizando-se diferentes tipos de fios. (BORDADO, dicionário online Michaelis, 23 de maio de 2019. Disponível em < http://michaelis.uol.com.br/busca?id=wMj7 >. Acesso em ²O grupo Matizes Dumont é formado por integrantes de uma família de Pirapora, Minas Gerais, que se dedica há mais de trinta anos às artes visuais e gráficas e ao desenvolvimento humano. Usam o bordado espontâneo, feito à mão, como linguagem artística e instrumento de transformação social e cultural. 40
Artigo
Sennet, na obra “O Artífice”, como um impulso básico ligado à vontade constante do ser humano em fazer algo bem feito. Nessa pesquisa, o bordado a ser analisado é o de origem italiana, popularmente conhecido no Brasil como “bordado tradicional”. Estima-se que a técnica tenha chegado ao território brasileiro pelos imigrantes italianos, no século XIX, e se mantido como uma forma de manter e disseminar valores culturais imateriais na nova terra. Neste contexto, as tradições referentes ao artesanato já eram estabelecidas como práticas femininas, como afirma Neusa Maria Roveda Stimamiglio e Fernando Roveda na obra “Bordando Sonhos”: “[...] às tradições trazidas
pelos imigrantes europeus, [italianos] referentes ao artesanato, contribuição mais
específica de uma prática feminina [...]” O status de prática tradicional feminina da técnica se perpetuou geracionalmente através do ensino doméstico, em sua maioria de mãe para filha, na tentativa de manter o que era estabelecido como estética doméstica. Esta, que se estabeleceu sendo valorizada como símbolo de zelo em um ambiente que relacionava a decoração do lar à construção estereotipada do ideal feminino.
Ain-
da hoje, principalmente nas regiões interioranas do Brasil, técnicas de produção manual, sendo principalmente o bordado e o crochê, são amplamente incentivadas para mulheres.
*Texto adaptado de um trecho do meu Trabalho de Conclusão de Curso pela graduação em Artes Visuais da Universidade federal de Uberlândia.
Lorena Rosa é artista Visual e pesquisadora da técnica de bordar no mundo do trabalho sob a ótica do feminismo marxista.
SENNETT, Richard. O Artífice. Tradução de Clóvis Marques. 2. ed. São Paulo: Record,2009. STIMAMIGLIO, Neusa Maria Roveda; ROVEDA, Fernando. Bordando Sonhos.Caxias do Sul, RS: Lorigraf, 2010, p 07) CARVALHO, V. C. D. Gênero e Artefato: O Sistema doméstico na Perspectiva da Cultura Material São Paulo, 1870 - 1920. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/Fapesp, 2008. Revista Galeria das Minas
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Luana Gomes
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Capa
POR KAMILA OLIVEIRA
Luana Gomes é artista visual, nascida em São Paulo, em 1997. Através de suas experiências pessoais onde desde a infância precisou enfrentar o racis mo entre outras formas de preconceito, a artista consegue através de linguagens e técnicas distintas, reproduzir sua percepção e sentimentos originados a partir destas vivências, onde os questionamentos sobre identidade e autovalor foram sempre recorrentes. Intercalando o trabalho com a fotografia, a gravura e a performance, a artista uti-
liza seu próprio corpo como matéria pictórica, numa forma de experiência, mas também se valendo dele como lugar de recordação. Objeto condutor da essência, que transita entre o medo e a liberdade, a força e a vulnerabilidade.
Trabalho da série “Where is my mind”, 2018. Ilustração digital. 30x23 cm.
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Identidade abstrata: a mente depois de uma crise, 2018. Litogravura. 35x50 cm.
Questões como a busca da autovalorização, percepções sobre sua própria identidade, e a resistência perante o racismo agregado ao cotidiano, que comumente não
é visto como um agente associado às doenças mentais pertinentes à atualidade, são os principais temas abordados em sua obra. Sua performance “Infância: os brinquedos que eu brincava”, demonstra uma busca pela libertação, onde a artista, vestida em uma camisa de força chicoteia com as próprias mangas dois biombos de cor branca, numa espécie de catarse, ou uma forma de extravasar toda a carga de sentimentos reprimidos.
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Luana Gomes
”Crianças brancas Pais brancos Paredes brancas Fico cega Papai Noel, quero acordar caucasiana Acordei petróleo Brinco de corda apenas com dois pés As crianças não brincam com ovelha negra E me alimento sozinha no banheiro”¹
Secreto violento II e III. 2018. Fotografia.
¹Texto integrante da performance “Infância: os brinquedos que eu brincava”, 2018. Revista Galeria das Minas
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Identidade, 2018. Litogravura, com decalque direto na pedra. 35x50 cm
A artista utiliza seu próprio corpo como matéria pictórica, numa forma de experiência, mas também se valendo dele como lugar de recordação.
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Luana Gomes
Nascimento da mulher, 2019.
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Acima: Infância: os brinquedos que eu brincava, 2018. Performance. Abaixo: Múltiplas, 2019. Gravura em metal. À direita: “Where is my mind” II, 2019.
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Luana Gomes
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Em sua série de trabalhos “Identidade” Luana utiliza seu corpo como instrumento pictórico. A artista cria um decalque a partir da tinta disposta sobre seus seios, gravando sobre a pedra de litogravura para em seguida realizar a impressão no papel.
Este método evoca o reconhecimento do corpo como terri-
tório, e uma necessidade de se projetar para fora, de enxergar a si mesma sob outra perspectiva: do.
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Luana Gomes
a perspectiva de um corpo que reivindica seu lugar no mun-
À esquerda e acima: trabalhos da série “Que é desumano”, 2018. Gravura em metal.
Na fotografia, mais especificamente na séria “Where is my mind”, Luana trata da autoconsciência acerca das doenças mentais associadas ao nosso tempo, decorrentes de processos traumáticos, principalmente relacionados às suas próprias vivências. A intervenção nas imagens tenta reproduzir a ideia dos ruídos e interferências de uma mente que não
se encontra em seu estado normal ou saudável, levando o indivíduo a um processo de desumanização.
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Sua trajetória artística representa uma busca pela cura, tanto individual, como
coletiva. Luana expõe seu processo pessoal e o coloca à disposição do expectador, como um diário aberto, onde suas memórias e dores são usadas como combustível de transformação.
Kamila Oliveira é artista visual e bacharel em Gravura pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná.
Acima: Secreto violento, 2018. À direita: “Where is my mind” I, 2018.
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Imagem cedida pela artista
ANDREA ACKER 54
Andrea Acker
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Imagem cedida pela artista
“Andrea Acker cria algo que fala com a natureza primal da humanidade. Com seu uso de linhas grossas, cores agressivas e uma fixação na forma humana, as peças de Acker guiam o espectador a um entendimento do corpo feminino, do corpo masculino e dos significados que a sociedade reforça em todos os corpos.” Shelby Dillon, artista entrevistada na edição de número I da Revista Galeria das Minas. POR MARTA DE LA PARRA PRIETO TRADUÇÃO POR VANESSA MÚRIAS
Galeria das Minas: Quando você se coloca no sistema das artes, você se identifica como artivista visual. Nesse sentido, você fala que seu trabalho é para “agir como comentários políticos, históricos, socioeconômicos e ecológicos, com a intenção de chamar a atenção do espectador para questões ignoradas pelo status quo”. O que ser uma artivista visual significa pra você? Porque você acredita que a arte é uma ferramenta efetiva para trazer luz e chamar a atenção do espectador a essas questões? A arte é inerentemente política?
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Andrea Acker
Andréa Acker: Arte e ativismo possuem uma ligação forte: ambos se posicionam no mundo sonhando com outro mundo. Meu artivismo consiste em conscientizar sobre causas que eu julgo importantes para fazer do mundo algo melhor.
Ele Não, 2018. Collage and paint on paper.
Uma imagem tem um impacto mais rápido e profundo do que as palavras, além de ser universal e democrática; até pessoas analfabetas podem entender a mensagem. Para informar e transformar a consciência coletiva você precisa conseguir alcançar as massas (o poder reside nelas) de uma forma simples e forte. Eu não acredito que toda arte é inerentemente política, mas pode ser vital para espalhar mensagens. Comecei a trabalhar com lambe-lambes por isso, porque a mensagem é espalhada pelas ruas. Uma imagem forte com uma mensagem curta e clara. Eu sigo essa artista muito legal no instagram, @ex_miss_febem3, e ela na maioria das vezes faz curadoria de memes engajados socialmente e suas mensagens atravessam todos os tipos de gente, de todas as classes sociais.
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Minha arte não é sempre tão fácil de se relacionar, mas eu trabalho com sinais bem primários para que seja uma mensagem intuitiva, algo inato, um conhecimento com o qual se nasce. Além disso os títulos de minhas peças tornam minhas mensagens bem óbvias, então se você não está em contato com seu lado intuitivo, você pode sempre ler o título.
GdM: Você também fala da sua arte em termos de “prática espiritual”, dizendo que seu objetivo é primeiramente fazer a “espiritualização" da peça, depois a auto-purificação através de trabalho meditativo. Gostaríamos de aprender sobre isso.
A.A.: Eu luto contra depressão/transtorno bipolar por metade da minha vida. Só quando encontrei a meditação transcendental que fui capaz de aprender como lidar com meus altos e baixos. Não coincidentemente na mesma época criei a coragem pra me identificar como artista. Entrei para uma escola de arte onde meditação era parte do currículo; nós meditávamos todos juntos antes e depois das aulas. Minha arte é muito gráfica, provavelmente porque estudei design antes de frequentar a faculdade de arte, e essas linhas que você vê em minhas peças se transformaram numa segunda forma de meditação pra mim. Muito diferente da meditação transcendental, que requer nenhuma concentração, mas ainda assim me alinha comigo mesma. Fazer essas linhas perfeitas repetidamente é provavelmente o único momento em que eu incorporo paciência (sou ariana, tenho absolutamente nenhuma paciência): o mundo lá fora para e eu me sinto completa. Toda peça que eu faço tem minhas melhores qualidades embutidas, então toda criação para por um processo de espiritualização e tem um pouco da minha própria mágica.
Gaia and Tartarus, 2016 Collage and paint on paper.
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Andrea Acker
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Censored, 2018. Ink and paint on book page. 21 x 29,7 cm. 60
Entrevista
GdM: Inquestionavelmente, você é uma feminista. Como mulher artista, como artivista, sua prática vem de e para várias questões feministas. Por um lado, parece que você se apropria de valores antigos que parecem ter sido esquecidos enquanto, ao mesmo tempo, mistura-os com desafios enfrentados por feministas hoje em dia. Por outro lado, você revisita a mitologia grega e expõe seu núcleo patriarcal. Como arte e feminismo trabalham juntos? A força matriarcal do passado ajuda a empoderar mulheres hoje? Desconstruir nossa mitologia capitalista patriarcal ajuda mulheres a se libertarem hoje? A.A.: Eu sempre digo que tenho basicamente dois temas: ou honro as Deusas ou protesto contra o patriarcado. Na faculdade eu fiz uma aula chamada “O Sagrado Feminino na História da Arte”, ensinada por Matthew Beaufort, a coisa mais próxima que tive de um mentor. Durante essa aula eu aprendi sobre Marija Gimbutas, a arqueologia lituana que usou a arqueomitologia para provar a existência de sociedades matriarcais durante a era neolítica. Ao ler seus livros eu me apaixonei pelo simbolismo envolvido em sua pesquisa, parecia ser algo que eu sempre soube como uma verdade profunda dentro do meu coração. A arte que veio depois dessa aula teórica tinha conteúdo sexual mas era bem cartunizado, nada como as coisas mais explícitas que tenho feito recentemente, mas ainda assim foi censurado pelo departamento de arte, e foi aí que o meu lado feminista raivoso desceu pro play. Foi uma experiência muito traumática mas agora que olho pra trás, fico feliz que aconteceu, me fez a artista que sou hoje. Então sim, as vezes tenho raiva, as vezes tenho gratidão, e isso reflete na minha arte. A influência da mitologia grega foi outro capítulo da minha vida. Minha tia, minha pessoa preferida em minha família, é doutora em filosofia grega e eu cresci ouvindo-a falar sobre isso. Quando eu era bem nova, ela foi a Creta e me trouxe uma cerâmica com a imagem da Deusa Serpente que foi encontrada no Palácio Knossos, o berço da civilização Minoica, considerada por muitos uma das sociedades Matriarcais/Igualitárias mais importantes. Eu pendurei a cerâmica bem em frente a minha cama e essa era a primeira imagem que eu via quando acordava (graças as deusas
cresci sem celulares). Sabe quando você vê algo todos os dias e nem nota mais? Anos se passaram e eu podia ouvir Creta chamando meu nome, até escrevi um artigo na faculdade comparando a Deusa Serpente de Minoica com as esculturas de Niki de Saint Phalle (você pode encontrar esse artigo no meu website, na verdade). Ano passado eu finalmente consegui ir a Creta e passei dois meses lá em minha própria peregrinação da Deusa, visitando pontos arqueológicos, viajando de volta no tempo e sendo inspirada pelos valores da alta cultura minoica da Creta Antiga como uma presença viva, e é claro, vi a infame Deusa Serpente Minoica em carne e osso, ou melhor, em argila. Mas uma vez que na Grécia os mitos estão em tudo quanto é lugar, foi impossível ignorar a cultura de estupro que os permeia: 99% das personagens femininas foram estupradas, “raptadas" ou fizeram algo contra suas vontades pelos Deuses. Eu deveria terminar minha pesquisa de cultura minoica em uma residência de arte e exposição solo na ilha de Rodes, mas acabei sendo censurada de novo. Dessa vez por causa de uma foto onde eu mostrava o dedo do meio para a Acrópole (como sinal de protesto contra o que ela representa), tal qual Ai Weiwei. Porque, vamos combinar, por mais que seja o berço da democracia, aquela democracia excluía mulheres e classes mais baixas, então ela que se foda. Mais uma vez fui pisada pelo fantasma da censura, mas me levantei de novo, a cada vez com mais vontade de denunciar e desconstruir o patriarcado, com a intenção de ajudar mulheres a se sentirem mais fortes e mais confiantes sobre si mesmas e seus direitos. Revista Galeria das Minas
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GdM: O Brasil está passando por tempos obscuros: o aprisionamento de Lula, Bolsonaro governando o país, censura de arte, etc. Não apenas como artivista, mas também como brasileira, seus medos, preocupações, inquietações e críticas estão presentes em seu trabalho. Mesmo que seu trabalho fique mais difícil, eu diria que também se torna mais vital e urgente, sim? Como você enfrenta esse desafio? A.A.: LULA LIVRE PORRAAAAA! Todo dia eu acordo com a esperança de que hoje será o dia em que Lula será libertado de sua prisão política. Até fiz uma promessa de que quando isso acontecer, vou correr pelada e toda pintada de vermelho pelas ruas de Santa Teresa (meu amado bairro onde fui nascida e criada, e também onde fica o meu estúdio) como uma arte performática. Desde o início da minha vida política eu votei no PT e sempre vencemos, é a primeira vez que sou parte da oposição. Eu tenho pedigree comunista, meu avô era muito ativo politicamente durante a ditadura militar, trabalhando lado a lado com Prestes, e minha avó, uma juíza na época, teve muitas dificuldades por ser de esquerda e mulher. Ainda assim ela conseguiu apoiar muitas causas feministas; ela chegou atrasada no dia em que eu nasci porque estava falando em um seminário de direitos da mulher.
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Andrea Acker
Bandeira Vermelha, 2019. Paint on dictatorship newspaper.
Minha arte não é sempre tão fácil de se relacionar, mas eu trabalho com sinais bem primários para que seja uma mensagem intuitiva, algo inato, um conhecimento com o qual se nasce.
Tentando olhar pelo lado positivo, muita arte boa aconteceu como subproduto da ditadura, e está acontecendo isso agora. A classe artística brasileira está formando uma frente unida e sendo muito vocal para conscientizar sobre o reavivamento fascista. Ano passado, logo após a eleição do Bozonaro, eu estava exibindo minha série da Peregrinação da Deusa como parte da Ocupação Ovárias, e fui colar lambe-lambes na fachada do prédio; não vou mentir, estava com o cu na mão. Sempre tive mais medo da polícia do que dos bandidos. Mas nenhuma revolução brotará do medo, temos que continuar fazendo nossa parte e indo aos protestos. O povo tem o poder!
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GdM: Você tem falado bastante sobre a questão indígena no Brasil também. Gostaria de ouvir mais sobre como seu trabalho se dirige a um assunto tão fundamental como a descolonização. A.A.: Meu antigo Guru Maharishi Maheshi Yogi diz algo como “Nenhum país será próspero até que os habitantes originais de sua terra sejam respeitados”. Não tenho certeza se ele ainda é o meu guru, o movimento de meditação transcendental é extremamente patriarcal com suas coroas e “meninos de um lado, meninas do outro”, mas essa mensagem grudou em mim. O povo indígena brasileiro tem sido desrespeitado e abusado por mais de 500 anos e algumas pessoas ainda não entendem. Estou em Portugal agora, trabalhando na minha série de descolonização, e dia desses estava conversando com um motorista de Uber português, e ele dizia ao meu namorado que não gosta dos ingleses porque “eles foram para a America e roubaram dos Nativos Americanos, enquanto os portugueses foram maravilhosos porque foram ao Brasil e fizeram trocas ao invés de roubar”. Eu fiquei tipo WTF, as pessoas estão delirando, a conscientização não pode parar!
À direita: Descolonizando, 2019. Acrylic on paper. 29,7 x 42 cm.
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Entrevista
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O desgoverno do Bozonaro tem sido brutal com os povos indígenas, mas eles tem raça e não param de lutar. Eu me coloco ao lado deles, assim como com qualquer grupo oprimido, e eu represento eles em minha arte como forma de respeito e reconhecimento, além do fato de que seus gráficos me fascinam. Ano passado me juntei a eles em um de
seus protestos em frente e ALERJ, a trouxe uma mascara inspirada neles; duas mulheres indígenas gostaram tanto que pediram pra tirar uma foto com ela. Foi lindo ver que eles apreciaram minha singela homenagem e poder dizer a eles que eles não estão sozinhos.
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Andrea Acker
À esquerda: Four-eyes principle, 2017 Collage, acrylic and ink on paper
GdM: Referencias de arte, livros, carnaval, censura, cores, roupas, Lula, movimentos
como Quem Matou Marielle, Me Too, Ele Não, Free the Nipple, Museus, Natureza, Estampas, o mar. Qualquer um que der uma rápida olhada no seu instagram vai notar que arte permeia cada aspecto da sua vida, tanto na estética quando na esfera política. Primeiramente, poderia dizer como você relaciona arte com as coisas básicas do dia-a-dia e o que te inspira, quais são seus processos de criação?
A.A.: Eu vivo arte, inspiração realmente vem de todos os lugares. Minha urgência criativa tem ciclos, não posso dizer que trabalho todos os dias. As vezes não faço arte por semanas e as vezes não faço contato com o mundo lá fora, desapareço e trabalho por semanas.
Primeiramente me inspiro vivendo muito; viajando, vendo arte. Rascunho algumas ideias no caminho, e então “pauso" a vida e produzo no estudio. É quase como se o mundo fosse um rascunho bagunçado e quando entro no estúdio tudo se conecta. Gosto de criar sozinha no silêncio, somente com minha essência e, na maior parte do tempo, no chão.
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GdM.: Deusas, artes indígenas e tribais, Marija Gimbutas, a cultura Minoica, Miró, Mitologia, o período Neolítico, Niki de Saint Phalle, Simbolismo, o movimento Surrealista. Diga mais sobre suas influências. A.A.: Engraçado, falei sobre mais da metade desses elementos em respostas anteriores, então sim, tudo isso definitivamente é parte do meu universo. Alguns teoricamente, outros visualmente, outros, como o Surrealismo e o Simbolismo, estão embutidos na minha alma. Em minha vida passada eu vivi na Europa nos anos 20 e acho que minha primeira vida foi durante o período Neolítico, a essência primal do simbolismo é forte
em mim. GdM: Gostaria de enfatizar suas influências femininas. A.A.: A lista pode ir pra sempre. Posso só nomear algumas de minhas artistas femininas modernas/contemporâneas preferidas? Niki de Saint Phalle, Louise Bourgeois, Penny Slinger, Judy Chicago, Sarah Lucas, Dorothea Tanning, Hanna Hoch, MarieLouise Ekman, Annegret Soltau, Dora Maar, Leonora Carrington, Guerrilla Girls…
GdM: Um programa. A.A.: Antiques Roadshow! Meu sonho é levar alguns dos meus achados em caças ao tesouro para eles avaliarem e mostrarem no programa! Eu amo o processo de achar tesouros antigos por quase nada, remexendo em um monte de lixo e então, bem no meio de tudo: tcharam, um tesouro! Meu coração bate muito rápido quando isso acontece, eu tenho um barato. Eu vou em mercados das pulgas em todo lugar que vou. Acabei de ir em um em Tanger, uma experiência mística. No Rio, eu compro muito no Shopping “Chão da Glória”, e em bazares de igrejas; um dia ainda vou fazer um pequeno livro com todos os mel-
hores endereços e dicas úteis, ilustrado com alguns looks únicos criados somente com as peças que encontrei enquanto caçava tesouros. Na verdade esse é meu segundo trabalho, eu tenho bacharelado em moda. Infelizmente todo artista “emergente" tem que ter uma segundo emprego hoje em dia. Viver exclusivamente da minha arte é um luxo que não posso bancar ainda. Majoritariamente uso peças de roupas vintage e vendo algumas peças cuidadosamente curadas no site enjoei.com e também no meu atelier. Amo encontrar novos amantes para peças especiais.
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Entrevista
Creation of the World, 2016 Paint, ink and sponge on paper.
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Imagem cedida pela artista
GdM: Algo pra ler. A.A.: Qualquer livro da Marija Gimbuta, The Militant Muse de Whitney Chadwick, Delta
of Venus de Anais Nin, e Goddesses, Whores, Wives & Slaves de Sarah B. Pomeroy.
GdM: Algo pra ouvir. A.A.: CAZUZA
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Andrea Acker
Creation of the World, 2016 Paint, ink and sponge on paper
GdM: Algo pra assistir. A.A.: Documentários sobre arte.
GdM: Recentemente tanto sua série Histeria quanto a Venus Antes de Adão foram exibidas no Feminista Presente, Hoje e Sempre na parte EARLYMADE do Festival Feminista do Porto. Conte um pouco sobre isso.
A.A.: Foi minha primeira vez exibindo em
que ouvi falar sobre ele foi pela Bruna Al-
Portugal e infelizmente só estive lá no dia
cantara (@bruncaalcantara.00), outra artis-
da abertura. Muitas das meninas no pro-
ta que conheci pela internet e também es-
grama eram brasileiras, incluindo a Juliana
tava no show esse ano. Amo o trabalho
Naufel (@naufss), que estava na capa da
dela.
edição 1 dessa revista. Eu na verdade trou-
Outra amiga cujo trabalho admiro e tam-
xe o material dela comigo porque ela não
bém está no festival é a Aline Macedo
pode vir. Finalmente estou começando a
(@macedo_aline), que conheci durante a
ter um grupo forte de artistas mulheres e
primeira Ocupação Ovárias no Rio. Ela é
é maravilhoso poder apoiar umas as ou-
uma fotógrafa incrível; fiz até uma pequena
tras, tudo graças a você, Marta de la Parra,
colaboração com ela quando nos conhece-
vulgo @iamanaesthete, que conectou a
mos na abertura em Porto. O resultado foi
todas nós. Amigos que fazemos na internet
de morrer!
são reais! Esse é o quarto ano do festival, dura o mês de maio inteiro e eles tem muitas programações no final de semana. A primeira vez Revista Galeria das Minas
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Hysteria II, 2019 Acrylic on photography. 30 x 40 cm.
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Entrevista
GdM: Por último, conte um projeto secreto que está por vir. A.A.: Tenho duas exibições no horizonte no Brasil, ambas extremamente políticas. Uma é chamada Arte e Resistência, no Rio, e a outra é CONSCIENCIALIZ-ART, em
Imagem cedida pela artista
São Paulo.
Marta de la Parra (Madrid, 1987) é artista visual multidisciplinar, bacharel em Design pela UEM Universidade Européia, Madrid (Espanha) e pela NABA Nuova Accademia di Belle Arti, Milan (Italy).
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Poesia Me chamo Lorena soares, mas Lira é o meu nome de poeta estrelar. Atualmente tenho 18 anos e comecei a escrever aos 12, depois de assistir um filme onde o protagonista escrevia poemas melancólicos. Pode parecer estranho, mas isso me despertou vontade de escrever sobre o que eu estava sentindo. Eu encontrei na poesia a liberdade de escrever meus sentimentos como se fosse um lugar onde eu pudesse gritar, chorar, sentir de verdade, e é por isso que eu digo: "O meu fuzil é minha poesia e cês vão ter que escutar esse barulho".
POR LIRA
Eu tou pior que página de frases depressivas. Talvez eu só seja um clichê. Você me amaria mesmo assim? faz tempo que eu não olho as estrelas, faz tempo que não sou eu mesmo ou talvez o meu eu seja esse que escreve esse tipo de texto. Sabe do que sinto falta? a sensação de sentir o sangue passando pelas minhas veias. Isso é coisa de louco não é? se sentir tão vivo assim? se sentir tão vivo a ponto de sentir o sangue passando por suas veias? será que alguém sente isso? será que você sente isso? e se não? será que você tá fazendo valer a pena? eu vi o teu sorriso e eu espero que as fotos tragam um pouco de verdade. Sabe no que tenho pensado? em como deve ser a sensação de sentir o sangue escorrer por minhas veias, por meus pulsos. E antes eu só queria sentir o sangue passando por minhas veias. Do que se trata isso? [frustração]. E agora começou a tocar sexysong e tudo é tão confuso pois eu queria poder ficar e viver certos momentos de novo e não me leve a mal, é difícil escrever sobre os meus sentimentos quando se tem você vagando por minha cabeça como se me pedisse para ficar [mudo a playlist]. Mas amor, ultimamente eu tenho estado tão triste. Ultimamente a 5 anos talvez? eu tento te dizer isso as vezes e você acha que o problema é você ou qualquer outra coisa e assim eu ando sozinho no caminho escuro. Se eu colocar o dedo no gatilho? você sabe quantas vezes eu planejei colocar o dedo no gatilho? sabe quantas vezes eu pensei em como você ficaria se eu o fizesse? [quero um cigarro por favor] E se eu não for forte o suficiente? e se eu cair? você saberia me segurar? ou você acharia que eu já estava te culpando de qualquer outra merda e iria me deixar pra lá? e se eu não aguentar até o final dessa poesia? será que você perceberia o quanto tentei te dizer? será que faria alguma diferença todas aquelas vezes? eu poderia te escrever versos agora mesmo! mas eu só consigo sentir um abismo entre mim e a vida e o que você poderia fazer? quanto mais o tempo passa mas eu não quero ficar por aqui. Tou aqui a passeio pois me sinto um turista! será que fará diferença todas essas palavras incompletas ditas? Me desculpa amor! mas eu só tenho poesias tristes ultimamente.
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Poesia
[Isqueiro] Fuego. Mi cuerpo se quema como las llamas del encendedor que me has dado pues soy salvaje como el viento. Movimientos - Balanço o meu corpo sobre os destroços que me restaram agora sinto cada parte do meu corpo meu coração, minhas mãos, meu quadril, minha mente ligada com a terra, eu posso sentir tudo ao mesmo tempo ao som de Violeta se fue ou sky is crying. Intensidad - A intensidade sempre me perseguiu "queima minha pele" como bem canta baco. Eu sinto queimar! sinto uma vibração intensa que pode me matar ou me fazer viver ao mesmo tempo. É impressionante o quanto essa luz vibrante pode acabar comigo ou iluminar o meu dia e queimar minha pele ao mesmo tempo. Asfixia - Mãos ao meu pescoço, respiro fundo e estou sem ar a sensação da falta de oxigênio me leva aos céus! meu bem, eu tenho sede dos extremos. Eu vivo para os extremos, eu vivo para vibrar e queimar como aquele Isqueiro azul, laranja, amarelo e assim segue... Eu vivo para queimar como fogo. Preto - preto é a cor dos meu olhos, negro é a minha alma as vezes borrada de café. Preto é tua pele! que brilha, que resplandece, que chama, que grita, que chora. Tudo em uma pele só. Tu é intenso como o sol também e no teu corpo existe marcas que nunca vou ser capaz de ver mas que sei que elas existem também. Noche - A noite é das estrelas, das putas, dos poetas, dos que choram. A noite é estrelada como a pintura do Van Gogh a noite é dos intensos como nós que sente até o último suspiro, que sente até surtar. A noite é de quem sentir que pertence a ela e queria poder olhar as estrelas a céu aberto no teu barco casa, olhar bem firme para aquelas estrelas vadias que queimam e como queimam assim como eu, assim como nós a Espanha fica pequena quando penso que velejar sobre qualquer lugar nunca me pareceu uma ideia tão incrível como parece agora. Liberdade te chama! em chamas assim como eu e assim como você. Pois eu sou a chama! sou o fogo, sou as estrelas que o Van gogh pintou, eu sou tudo! e te encontrarei lá na noite estrelada toda vez que olhar para o céu
Fuego. Mi cuerpo se quema como las llamas del encendedor que me has dado pues soy salvaje como el viento.
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[Sonolência] Você gosta do silêncio? - Depende Minha psicóloga diz que as vezes o silêncio é bom. [Silêncio] A sensação de sono, a sensação de escutar uma música do Nelo Johann, a sensação de balançar o corpo para um lado e para o outro. [Balanço o corpo] Eu me sinto leve, é como poder voar! eu posso voar. Você é como as asas de um passarinho, eu sou o passarinho e você as asas, Eu consigo voar com você por perto, eu consigo voar. A sensação de fechar os olhos, a sensação do vento fraco ao rosto, a sensação do sussurro do teu riso ao meu ouvido, Você é a minha droga, minha droga, minha droga droga! acho que estou chapado. Corre! corre! eu vou te pegar! correr na grama com você, a sensação de correr na grama verde com você, pedaços de vidros pendurados com fitas na árvore. Te vejo entre os cacos espelhados, sua boca, seus olhos de sono, seus curtos cabelos.. Te vejo entre cacos quebrados de espelho e fui eu que os quebrei, achei bonitos e os quebrei. A sensação de ver você deleitar na grama, a sensação de te ver fechar os olhos, a sensação do peso do meu corpo sobre o seu. O cheiro das flores que eu coloquei nos teus cabelos, o toque dos teus dedos sobre os meus cachos para colocar também. [Toque] desliza minhas mãos sobre os seus braços e é como pele de avelã, algodão doce. Te olho de longe, ao longe é real? É como está sonolento e ainda não ter dormindo, como uma dança ao som das músicas do Nelo Johann, Eu me sinto leve, é como poder voar! eu posso voar. Você é a minha droga, e droga! eu acho que estou chapado.
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Poesia
Pitanga africana Existem muitas coisas que encantam. Mas eu posso afirmar que nada encanta mais do que aqueles olhos grandes de pó de estrela. Olhos que só os mais ingênuos são capazes de ter, assim são os olhos das pitangas africanas. Olhos de pó de estrela, joelhos ralados de tanto brincar, cabelos crespos emaranhados, escondem o pente quando a mãe chama para pentear. Sonhos tão grandes quanto o sorriso e mesmo o mundo sendo difícil te digo e me leve a sério! "as pitangas não precisam ter cabelos lisos para serem princesas de um castelo". Pois são majestosas! crespas ou enroladas, soltas ou trançadas, gordinhas ou magras. Pois são coloridas! e 50 tons de marrom superam com toda certeza os 50 tons de cinza. Pois são de raízes! nascidas da terra crescidas e criadas, traços dos seus ancestrais na palma das pequeninas mãos. Fortes e encantadoras como a erva coração. As pitangas podem ser o que quiserem! e nunca duvide disso. São espertas e inteligentes, as pretinhas mais lindas que eu já vi. E só pessoas ruins podem discordar disso, aquelas que não veem o que tem de melhor! não sabem apreciar o mais bonito. Assim são as pitangas africanas, majestosas por vida! Do reino de Wakanda, futuras Lupitas Nyong'o.
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Inconstância
Existem tantas coisas, e ao mesmo tempo todas essas coisas e palavras podem ser vazias. Não consigo saber se é real de mais ou se é uma cópia falsificada de mim mesmo como bem disse Pedro um dia. Girassóis Girassóis são tão bonitos e amarelos vivos. porém nada disso parece com você! não com o que você é por dentro pensei em girassóis mas não consigo fazer uma associação dessas coisas boas com você pois na verdade você é a própria marionete em forma de gente. Manipulada de todas as formas, dependência química não.. dependência física de um ser que é a própria escuridão doentia Maxx.
Caos disfarçado de primavera ou primavera disfarçado de caos? fiz essa pergunta a muito tempo atrás.. porém eu já sabia a resposta, caos disfarçado de primavera com toda certeza. Todo seu conceito, toda a sua inteligência, tudo isso é uma capa para esconder a sua escuridão doentia.. O seu egoísmo foi me matando, porém viva me encontro hoje e viva estarei amanhã.
Amor o amor não é comer quando não se estar com fome, mastigar e engolir e depois quando não aguentar mais vomitar amor por todos os lados. Você entende nada de amor, não consigo ver.. não consigo pegar pois na verdade ele nunca existiu.
Adeus.
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Poesia
Alice Cerqueira, â&#x20AC;&#x153;I need to punchâ&#x20AC;?, 2018. Aquarela, caneta posta e grafite sobre papel. S/m.
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ARTISTAS DESTA EDIÇÃO
Fiamma Viola
@fiamaviola artluv.net/artista/fiamma-viola
Kathë Kollwitz https://www.moma.org/s/ge/collection_ge/artist/artist_id-3201.html
Clara Costa @cla.ra.costa vimeo.com/342181603
Luana Gomes @luanagomesart https://www.behance.net/luanagomes4248
Andrea Acker @andreaacker www.andreaacker.com
Lira @_.liras https://liraasposts.tumblr.com
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COLABORADORAS Edição e Diagramação
Kamila Oliveira @kamioliv
Entrevista e Revisão
Marta de la Parra Prieto @iamanaesthete https://www.madsmilano.com/product-page/marta-de-la-parra-prieto https://cargocollective.com/MartadelaParra
Tradução
Vanessa Múrias @vanessamurias
Textos
Fiamma Viola @fiamaviola artluv.net/artista/fiamma-viola
Clara Costa @cla.ra.costa vimeo.com/342181603
Lorena Rosa @corralolocorra https://lorenarosa.carbonmade.com
Lira @_.liras https://liraasposts.tumblr.com
Ilustração Alice Cerqueira
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