Sept. 2020
Nº 9
LINHAS DE SANTOS NATÁLIA LETÍCIA
JEANNE
CAMILA BRUNA
BÁRBARA
AMANDA
LANÇAMENTO OFICIAL NO YOUTUBE: H T T P: / / B I T. LY / L A B Q U I M E R A H T T P: / / B I T. LY / L E T I C I A M E R C I E R
JOANNA PALMER
DECEMBER 2019
ISSUE NO. 7
JOANNA PALMER: “To create an image of feminine perfection is quite challenging – the mouth is young, wet, receiving, si- lent, and aroused. The viewer wants to indulge in the scopophilic pleasure of viewing this mouth. Making this image of myself felt initially quite embarrassing, but through study and exposure I began to realise I was embarrassed because I was made to feel ashamed of a feminine body that had the potential to feel and show pleasure. These mouths unashamedly indulge in their acts of expulsion, gratification, and speech.” FORMER GALERIA DAS MINAS INTERVIEWEÉ DEZEMBRO 2019
Capa: Natália Marinho. Galeria das Minas, 2020. Colagem sobre papel.
Ficha Técnica Galeria das Minas Edição 9 - Ano II Setembro de 2020 Projeto gráfico e Diagramação: Kamila Oliveira Colaboração: Juliana Naufel Na página 2: Juliana Naufel. Sou resistência, 2020. Bordado sobre fotografia.
Contracapa: Camila Viegas. “tchau patriarcado”, 2019.
LINHAS DE SANTOS
8 BARBARA HARO AMANDA TINTORI
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NATÁLIA MARINHO
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BRUNA MOTTA
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LETÍCIA MERCIER
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JEANNE CALLEGARI
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CAMILA VIEGAS
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coletivo
LINHAS DE SANTOS CRIADO EM JUNHO DE 2019, O COLETIVO REÚNE MULHERES DA CIDADE DE SANTOS – SP, QUE DESENVOLVEM ATRAVÉS DO BORDADO ARTÍSTICO, UM TRABALHO DE CONSCIENTIZAÇÃO POLÍTICA E SOCIAL, COM ATOS E AÇÕES VOLTADAS PARA A COMUNIDADE. POR REDAÇÃO COLABORAÇÃO DE JULIANA NAUFEL Com um trabalho voltado à conscientizaçāo despertar para as situações de opressão e depolítica e social, o Coletivo Linhas de Santos sigualdade que permeiam a nossa sociedade. surgiu em 2019, no mesmo período em que O coletivo conta com um grupo de mulheocorria o “Tsunami da Educação” - ato que res, em sua maioria da área da educação, e mobilizou milhares de pessoas pelo país em possui atualmente pouco mais de 20 intefavor da educação pública -, e desde então grantes. A artista Juliana Naufel, que parvem atuando sobre diversas pautas, como os
ticipa do coletivo desde o início desse ano,
direitos indígenas, defesa da Amazônia, e em partilha um pouco sobre algumas das caracfavor da democracia e contra os retrocessos, terísticas do grupo: “esse grupo que acomfazendo uso de palavras que aspiram a um panha o coletivo é muito militante, sempre 8
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foi, e é um grupo pluripartidário, mas de mulheres de esquerda, que surgiu em uma tentativa de encontrar um lugar seguro para conversar, discutir política e criar em cima de coisas que estão afetando tanto a população como a nossa vida. A maioria das pessoas é da educação, não só, mas tem esse caráter de serem pessoas ou que estão na educação, ou que estão engajadas com política, com governo, ou que são funcionárias públicas.”
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O impulso para criação do coletivo sur- que estão acontecendo”, pontua Juliana. giu a partir do contato de algumas in- O Linhas de Santos foi também um dos tegrantes com outros coletivos como o coletivos que organizou nesse ano o 8M Linhas do Horizonte de Belo Horizonte na Baixada, com ações pelo dia da mulher, e Linhas de SAMPA, de São Paulo, am- com roda de bordados, entre outras ativibos os quais também se utilizam do bor- dades. A cada mês é definida uma pauta dado político como expressão e também em conjunto, onde as participantes conferramenta de denúncia, com atuações versam e bordam sobre o tema em quescomunitárias e promoção de eventos
tão. No ano passado o coletivo participou
de cunho político e social. “Santos já foi de diversos eventos, tais como o “Mil Aguuma cidade bem de esquerda, mas aca- lhas pela Dignidade da América Latina” bou se tornando muito de direita e mui- realizado no MASP em São Paulo, em uma to fascista, então esse espaço foi o que
ação junto a outros coletivos de bordado.→
elas encontraram para criar algo que pudesse respirar e suportar todas as coisas GALERIA DAS MINAS
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CARTA DE PRINCÍPIOS “Linhas de santos é um coletivo de mulheres de esquerda que compreende a “arte como forma máxima de expressão e exercício experimental da liberdade”. (Maria mariguella). Usamos o bordado como uma nova linguagem para expressar os nossos direitos, na liberdade da arte e na cultura, pela diversidade e por justiça social. Bordamos pontos pela Democracia. Com nossos bordados, buscamos novas formas de relação para transformação social. Nosso objetivo é alimentar a esperança de que um mundo melhor é possível, e através da beleza de nossos bordados e palavras libertadoras, vamos tecendo nossas lutas para que a justiça, a democracia, a liberdade, a solidariedade e o respeito se façam presentes em nossa vida. Os pontos que nos unem estão representados nos nossos bordados, cujos traços se entrelaçam com a diversidade de lutas e movimentos sociais por direitos e valores democráticos. Com uma linguagem direta, nós levamos nossos panfletos políticos buscando criar consciência da difícil e complexa realidade que enfrentamos hoje. Nossa história se inicia na simbiose com as Linhas de Sampa, que nos inspiraram e nos ajudaram na construção de nossa proposta e de nosso fazer político. Foi com as companheiras do Linhas de Sampa que nos organizamos como um coletivo em junho de 2019 de forma independente, para principalmente combater o ódio na sociedade. Nos reunimos mensalmente, todas as primeiras quartas-feiras do mês, e nessas reuniões, após
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analisarmos a conjuntura, buscamos coletivamente a definição do tema dos panfletos. Nos organizamos também em Rodas de bordados cuja temática é definida pelas diversas atividades que estamos participando. O que prevalece na arte dos panfletos não é só a estética, mas principalmente as mensagens que queremos divulgar. Nosso coletivo está aberto à participação de todas e todos que comunguem dos nossos princípios e da nossa linha ideológica. Sejam sempre bem-vindas/os! “Por um mundo onde sejamos iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”. (Rosa de Luxemburgo) GALERIA DAS MINAS
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Os pontos que nos unem estรฃo representados nos nossos bordados, cujos traรงos se entrelaรงam com a diversidade de lutas e movimentos sociais por direitos e valores democrรกticos.
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Instagram @linhasdesantos Facebook Linhas de Santos
Imagens cedidas pelas artistas. GALERIA DAS MINAS
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TINTORI
AMANDA
CASCA GROSSA Eu tô sempre à flor da pele mas minha pele é casca grossa a emoção, mesmo gritante, não ultrapassa a superfície, só roça Já nem tento mais manter tudo lá no fundo mas permaneço assim: minha pele linha tênue entre eu e o mundo O que fica sob a carapaça querendo se expressar de um jeito ou de outro, passa seja pelo olhar, pela poesia, ou pelo veneno escorrendo do lábio… Ouvi uma vez de um baiano sábio: não guarda pr’ocê não, fia a mágoa cresce e te corrói o que cê tá alimentando aí não te fortalece, te destrói Eu tô sempre à flor da pele só que em solo seco nada floresce casca grossa é barragem e meu sentimento pede passagem eu vou é deixar infiltrar até que minha pele seja natureza selvagem ✳✳✳
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POESIA
SUCATEIRA ótima em resolver problema sei achar tesouro no lixo e fazer brotar flor de pedra obra-de-arte com as sucatas da vida sou especialista em lamber ferida reação certeira em situação de crise equilibrista profissional em qualquer deslize eu planto minhas sementes na mesma terra que cobre os ossos que sustentavam ilusões numa época diferente faço o que eu posso derreti os meus grilhões com eles forjei amuletos da sorte não tenho mais medo da vida por que me fortaleço em cada morte ✳✳✳
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CAOS CÓSMICO Eu respeito a desordem natural das coisas de que adianta insistir no que o universo não quer que se desenvolva? Do cosmos tudo é bênção nunca é maldição procuro o caminho que se abre depois de cada “não” Toda rejeição se torna dádiva todo fracasso uma lição Não há paz que acabe quando aceito com sabedoria a causa de todo fato não é o plano, a projeção do ato é pura sintonia Nada nunca está sob controle a certeza do caos é calmaria ✳✳✳
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POESIA
Amanda W. Tintori, psicóloga, escritora e artista, natural de Maringá/PR e residente em Curitiba. Assina como blues kozmico as poesias, textos e demais expressões artísticas que põe no mundo através de intervenções com lambe-lambe, em apresentações, em zines e nas redes: medium.com/@
amandatintori - instagram.com/blueskozmico - facebook. com/blueskozmico
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BARBARA HARO A ARTISTA ABORDA SUA VIVÊNCIA COM A PINTURA E DESVELA ASPECTOS PESSOAIS QUE PAUTAM O DESENVOLVIMENTO DE SUA POÉTICA A PARTIR DO RESGATE DE MEMÓRIAS, TRAÇANDO UM PARALELO ENTRE SUA INTIMIDADE E QUESTÕES QUE ATRAVESSAM O ÂMBITO DO FEMININO. POR ELA MESMA
Sempre tive uma relação afetiva com a pintura, associando sua experiência com memórias da minha infância e dos meus avós que como também pintavam, me incentivaram a produzir arte. Eu decidi que queria ser artista em minha primeira aula de pintura, quando tinha sete anos de idade. A sensação de espalhar a tinta lilás sobre o fundo cru da tela parecia algo importante, foi me envolvendo com o cheiro forte da tinta à óleo que hoje mal sinto. Quase não dormi naquela noite, tamanha excitação com a descoberta. No dia seguinte eu já havia decidido o que gostaria de ser e a partir de então comecei a me apresentar a todos como pintora. Pela forma como foi se desenvolvendo, a minha poética sempre partiu de experiências muito particulares, baseada em um trabalho autobiográfico onde a memória surgiu como um denominador comum, ligando minhas inspirações em lembranças íntimas e pessoais. Durante a minha pesquisa para a monografia, me aprofundei no tema da memória me permitindo cavar cada pedacinho intocado da minha mente em busca de inspirações e respostas que pudessem fazer parte da minha produção. A maciez do trinco da porta da minha
À esquerda: Fragmentos de mim, 2019. Óleo sobre tela. 45 x 45 GALERIA DAS MINAS
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Abaixo: Renascer, 2017. Óleo sobre tela 80 x 110 cm. À direita: Autorretrato II, 2018. Óleo sobre tela 34 x 41,5 cm.
casa de infância, o vidro martelado e o chão
usar só moletom nos últimos anos escolares, a
vermelho. Minha mãe se comunicando comi- sensação de inferioridade por não estar saindo go através de batidas na parede enquanto es- com nenhum menino, chorar com medo da tava no banho, meu pai penteando meu cabelo dor da depilação e o conselho absurdo: “Toda antes de eu ir para a escola. Mas também a sex- mulher tem um cheque em branco entre as ualização precoce do meu corpo que me fez
pernas, basta saber preenchê-lo”.
Juntando as minhas próprias inquietações em relação à algumas memórias, surgiu a série Insuficiente: um conjunto de autorretratos enquadrados com uma proximidade desconfortável, tão próximo que o tratamento chega a ficar desfocado. Cada um leva no nome uma frase que me foi dita no decorrer da vida e exemplifica a insuficiência da mulher como ser individual, sem estar atrelada à uma imagem masculina, transformando a representação nostálgica da memória em falas de opressão à mulher. Frases como “Achei que você não se depilada, você não tem namorado” ou “Você não pode me dar conselho, você nunca nem beijou” buscam contrastar com a estética delicada dos retratos que encaram o espectador enquanto este lê as frases absurdas (todas ditas por outras mulheres, vale ressaltar).→ 24
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Abaixo: Um, 2018. Óleo sobre tela 39 x 43 cm. À direita acima: “Sua irmã vai namorar antes que você”, 2019. Óleo sobre tela 45 x 45 cm. À direita abaixo: “ Você não pode me dar conselho, você nunca nem beijou”, 2019. Óleo sobre tela 45 x 45.
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À esquerda acima: “Achei que você não se depilava, você não tem namorado”, 2019. Óleo sobre tela 45 x 45 cm. À esquerda abaixo: “Eu sei que você não sai muito porque não tem namorado”, 2019. Óleo sobre tela 45 x 45 cm. Abaixo: Dois, 2018. Óleo sobre tela 34,5 x 41 cm.
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Abaixo e à direita: Eu, Ofélia, 2018 - 2019. Série fotográfica feita em scanner com flores naturais colhidas do meu jardim, de arranjos de casamento e de canteiros na rua.
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minha poética sempre partiu de experiências muito particulares, baseada em um trabalho autobiográfico onde a memória surgiu como um denominador comum, ligando minhas inspirações em lembranças íntimas e pessoais. Essa visão crítica surgiu no meu trabalho após estivesse escoltada pela presença masculina. a percepção da grande presença feminina O contraste da beleza das flores com o estrannele em representações da minha mãe, irmã
hamento causado pelas deformações em suas
e avós, muitas vezes representadas junto a
pétalas e no rosto, critica essa imposição de
flores. A compreensão destes laços que unem um padrão de conduta feminino a ser seguido, as mulheres de uma família fortaleceu a minha trazendo efeitos desfocados e nítidos que eu forma de representá-los com tramas florais,
já discutia em algumas pinturas. Representar
que mais do que uma autoidentificação são esses efeitos de recortes bruscos, enquadrauma expressão do tempo, como raízes da he- mento distorcido e blur faz parte da influênreditariedade e da trama que liga as gerações cia da fotografia no meu processo criativo, de da presença feminina em relações afetivas. onde sempre começam as minhas pinturas. Buscando continuar essa representação da Desenvolver minha trajetória como arforça e união feminina através das flores,
tista mulher tem cada vez mais força em
desenvolvi a série “Eu, Ofélia” a partir da trazer críticas a partir de experiências pesminha interação com as plantas e o scanner.
soais, onde assim como outras mulheres,
O resultado acabou aludindo a representação
coleciono diversos exemplos do machis-
famosa de John Everett Millais da personagem
mo durante a minha construção subjeti-
de Shakespeare que teve seu comportamento va. O caminho traçado durante este prosubmisso idealizado desde o século XVI. No- cesso é de autodescobrimento, mantendo meei a série pensando em minha autoidenti- unida a memória com a crítica feminista.■ ficação com a personagem, que teve sua liberdade roubada na peça sem possuir fala que não
No Instagram: @barbara.haro
https://barbarasvharo.wixsite.com/barbaraharo
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BARBARA HARO
À direita: Florescer, 2017. Óleo sobre tela 40 x 60 cm.
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MOTTA
BRUNA
ARIEL sentir sentir é o que mais tenho vontade despertar da sensibilidade morna correr descalça pelo deserto de sal sangrar os pés feito uma pequena sereia que fez de tudo pelo seu amor e mesmo assim morreu afogada me encontro aí eu que também faria de toda insanidade atravessaria a montanha iria a outro país mas tudo isso guardando segredos porque faço coisas por amor que só eu mesma sei porque não quero ser brega
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POESIA
e uso algumas falas do tipo: eu nunca trocaria minha liberdade assim me protejo porque na verdade desconheço outros meios de ser livre sem estar completamente sozinha pisando em vidro ao tentar caminhar e ainda assim seria uma escolha destino desejo de sentir a vida fora do mar ✳✳✳
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OLGA sem bloquear o movimento continue empurrando insista até que alguém vai ceder cedo ou tarde alguém há de deixar de empurrar e alguém vai cair como no jogo da corda continue sentindo os ossos os músculos pressionados contra as paredes as vitrines a outros corpos mesmo que vc não queira ter um determinado corpo faz com que se leve uma vida tentando entender um corpo que não se explica apenas sente cheio de molduras impressas mas eu não assinei nada eu não concordei com esses termos continue empurrando apenas um pé depois o outro
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POESIA
Penso que ninguém nunca saberá me amar E que o corpo não responde a nenhum gesto A nenhuma complexidade imposta pelo gênero De repente, é como se tivesse passado o tempo E ninguém soubesse mais como
✳✳✳
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quero fazer as pazes, sérgio. cansei da solidão dormente, quero ser o imenso rio que escorre da tua boca, sugar o perdão que arrancaste de mim. a possibilidade de. a vida de minha filha, sérgio, o que te deu na cabeça? eu não consigo esquecer, mas cansei de deixar secar.
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POESIA
Sobre o trabalho: esse conjunto de poemas é uma prévia de um novo trabalho que está sendo gerido por brupoesia: > fazer uso da palavra-ritual, espada que corta e abre o caminho da consciência> processo de investigação: da sexualidade, dos limites entre amor e morte, da raiva e do perdão, de questões de gênero e da violência. ! uma denúncia do que acontece com uma mulher dentro e fora de casa, sobre quanto um ambiente pode ser hostil e gatilho para o medo> corpos que sofrem com as imposições de um discurso de ódio legitimado pelo atual desgoverno e nós que continuamos a ocupar e ser resistência. //brupoesia brinca com a linguagem, por vezes é pedra, outras tantas, correnteza.Artista que não compreende fronteira. se expressa na voz, na poesia, no movimento. gosta de viajar e se encontrar em lugares, pessoas. Criou o selo de publicação independente a Tripa Publica para circular material impresso de poesia. No instagram: @brupoesia e @tripapublica
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NATÁLIA MARINHO ARTISTA E ANTROPÓLOGA DE 24 ANOS, NORDESTINA DE CAMPINA GRANDE NA PARAÍBA, NATÁLIA VEM DESPONTANDO ATRAVÉS DE SEU TRABALHO COM A COLAGEM MANUAL, E APÓS UM PERÍODO DE PAUSA, TEM RETOMADO SUA PESQUISA DENTRO DAS ARTES VISUAIS, ONDE EXPLORA TEMÁTICAS RELACIONADAS AO FEMININO, AUTO-ESTIMA E SORORIDADE.
POR ELA MESMA
A arte, para mim, é a possibilidade de nós termos acesso a lugares os quais talvez pensemos não existir. E é um pouco disso que enxergo no ato de recortar e colar peças aparentemente desconexas até que criem um “sentido”. Ou não. O ponto de vista é subjetivo e acho isso incrível.
Cíclicas, 2020. Colagem analógica
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Abaixo: Sem título, 2020. À direita: Womens Political Union, 2020. Colagem analógica.
Iniciei no mundo da colagem no ano de 2017, foi uma forma de me permitir iniciar algo novo sem me cobrar, como vinha fazendo devido ao meu bloqueio criativo com o autorretrato na fotografia, e apenas deixei que as ideias viessem, eu me conectasse a elas e que fluíssem. Diga-se de passagem, até hoje, a primeira colagem que fiz é a minha favorita.
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NATÁLIA MARINHO
A arte, para mim, é a possibilidade de nós termos acesso a lugares os quais talvez pensemos não existir.
Questões internas, mais um bloqueio criativo e depois de três anos sem conseguir produzir, retomei minha vida artística em meio a uma pandemia mundial que me isolou completamente dentro de casa e acabou contribuindo para que eu conseguisse transformar o meu isolamento social consideravelmente criativo. Essa nova série de colagens manuais refletem, para mim, meu amadurecimento artístico.
Sem título, 2020. Colagem analógica
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"Nessas alturas dos acontecimentos", 2020. Colagem analรณgica
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Amor prรณprio, 2020. Colagem analรณgica
Apesar de tudo, tenho estado bem com a minha arte. Voltamos a nos entender. Somos processos.
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Foto da artista.
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Abaixo: "Never walk alone", 2020. Colagem analรณgica
No Instagram: @nataliamarinho__
Todas as imagens foram cedidas pela artista. GALERIA DAS MINAS
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LETÍCIA MERCIER COM UMA PRODUÇÃO FOCADA NA REPRESENTATIVIDADE DA MULHER NEGRA, E EM TEMÁTICAS COMO O AFROFUTURISMO, AFRODIASPORIDADE E EMPODERAMENTO, A ARTISTA FALA SOBRE SUA TRAJETÓRIA COMO ARTISTA AUTODIDATA, SEUS PROCESSOS E SEU MAIS RECENTE PROJETO, COMO CURADORA DA EXPOSIÇÃO, PROTAGONISMO FEMININO: SORORIDADE E EMPODERAMENTO, EXPERIÊNCIA QUE SE TRANSFORMOU EM UM DOCUMENTÁRIO, LANÇADO ESSE MÊS.
POR KAMILA OLIVEIRA
Começando a falar um pouco sobre o seu trabalho, no sistema de arte você se estabelece através da pintura, que tem sido desde muito tempo a sua principal forma de expressão e que é algo que permeia toda a sua produção. Gostaria de saber o que isso significa para você e qual é o papel da pintura como linguagem na sua trajetória como artista. E também, como foi essa escolha? Para mim é importante falar sobre a minha origem. Eu sou mineira, na verdade, sou de Três Corações. Minha família na maior parte é mineira mas veio morar no Rio de Janeiro e se estabeleceu aqui em Niterói. Eu tenho uma família multi-racializada no caso, uma parte que é branca e outra parte que é negra e essas questões foram sempre muito delicadas durante a minha existência. Eu sou formada em Artes em Indumentária e tentei antes Design de Moda e não gos50
ENTREVISTA
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tei do curso, porque eu desenhava desde
to não sabia com que eu queria trabalhar e
pequena e não fazia sentido aquele méto- precisei me abrir às novas possibilidades. do para mim. Eu acho que o curso também
Então eu abandonei tudo, fiquei um tempo
não tinha uma parte filosófica e teórica que desempregada e tentando descobrir o que me impulsionasse, aí eu fui para Artes em
eu queria fazer da minha vida. Também
Indumentária. Estudei muita Filosofia, sempre gostei muito de ciências e a arte Semiótica, Estética, Antropologia, Histó- só ficou como um trabalho de autoconheria da Arte em geral, Cinema, etc, várias
cimento enquanto eu estava nessa muta-
coisas, mas não tive aulas de Pintura. Para ção. Fazia algumas coisas com aquarela e fazer os trabalhos a gente usava aquarela e
esse foi o meu momento de autoconheci-
gouache e por isso eu tive contato com es- mento. Eu comecei a refletir sobre mim, ses materiais de artes e sempre tive muita
sobre quem era a Letícia e a arte me trans-
facilidade, o que me destacava porque eu já
formou completamente nesse sentido.
desenhava e já tinha essa visão do espacial. Eu sou formada em Artes, mas eu acho Depois, comecei a trabalhar com moda e
que a necessidade de expressão veio mui-
trabalhei em várias empresas, com figuri- to depois por meio da arte. Então foi no, mas principalmente com moda e de- uma coisa muito interior porque não foi pois de um tempo fui trabalhar em uma
uma escolha mas sim uma necessidade.
grande empresa aqui do Brasil. Eu era
Você me perguntou o porquê dessa esco-
muito nova então me direcionaram para lha, e eu acho que como eu já tinha esse o setor de Cool Hunter onde eu tive con- desenvolvimento desde criança, a gente tato com pesquisa não só de moda mas meio que já vai sendo levada para aquilo. também relacionada ao consumo e com- E depois de adulta eu abandonei essa ideia portamento. Mas aquele sistema não era porque talvez eu achasse que deveria buso adequado para mim e eu não me sentia car algo mais rentável e de mais garantia. feliz alí. Aí eu saí logo depois de alguns
Uma série de ideias e estereótipos relacio-
anos trabalhando e em um dado momen- nados ao que é ser artista são ditados pra
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LETÍCIA MERCIER
nós como por exemplo: “você não vai con- zar a tinta e compreender aquele material. seguir sobreviver” e etc. Mas aí não deu
Eu fiz um curso introdutório de pintura
certo o outro rumo e eu realmente tive que aos 16 anos mas não cheguei a fazer pinvoltar para a arte, o que foi perfeito para
tura, porque eram três meses de desenho
mim e onde eu me senti super realizada. antes. Aí eu fiz os três meses e pensei “Ah, Então se eu puder me intitular de alguma
acho que eu não quero, deixa pra lá”, não
maneira, eu sou Artista Visual Contemporâ- curti tanto (etc) coisas de adolescente. nea e, também, atualmente trabalho como
Sobre o papel da pintura na minha traje-
curadora desta exposição. Então foi uma tória, ela tem um papel fundamental para necessidade da minha trajetória, entende?
entender quem eu sou, os meus anseios,
Foi uma coisa muito mais interior do que
as minhas necessidades que eu identifico
somente uma escolha do que eu iria fazer.
como mulher inserida em uma sociedade
E durante esse período eu acabei me desen- machista, patriarcal e racista. Para mim, volvendo muito como artista autodidata
a pintura é uma linguagem íntima e pri-
e acabei estudando e pesquisando muito.
mordial para eu poder falar sobre ques-
Mas, por eu já ter uma vivência com o dese- tões que perpassam a minha existência. nho, foi bastante fácil entender como utili- Eu acho que é a minha melhor linguagem.
Você comentou sobre ser autodidata. Tenho acompanhado as suas últimas conversas com algumas artistas onde você fala sobre esse tema, e parece que essa questão tem muito a ver com o seu processo ser bem interno, como uma imersão, e um processo mais solitário também, não? Eu acho que por ser uma imersão e por ser solitário eu me abro à possibilidades de descobrir coisas que eu não descobriria de outra maneira, não apenas relacionado a sentimentos. Cada obra que eu crio gera uma série de questões, não só na hora que eu estou elaborando, mas quando estou executando e depois, porque eu estou fazendo um processo de autoconhecimento por meio das pinturas. É muito interessante isso e eu acho que o que você comentou sobre a parte de ser autodidata é muito diferente de quando você fala assim: “Bom, eu sou uma artista formada em Belas Artes em lugar tal”. Nesse caso a pessoa teve contato com todas aquelas linguagens, todas aquelas ferramentas artísticas, professores que passaram certos pontos de vista, e é como se tivesse sido um caminho meio que previsto. O meu é muito mais uma busca, uma forma de experimentar, ver
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até onde eu consigo ir, para conseguir me libertar do medo, medo do julgamento, do que os outros vão pensar, então é muita libertação e muita coragem. Não se frear. Você tem que saber que você pode fazer, que você deve fazer e finalmente fazer. Mas isso é difícil.
Vista da exposição. Imagem cedida pela artista.
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ENTREVISTA
A tua trajetória parece ser muito marcada por essa questão, uma busca por libertação. Parece que você quer construir o seu próprio caminho, e isso está muito ligado também a outra temática que você aborda em seus trabalhos, que é o empoderamento, certo? Totalmente. Eu acho que falando sobre a minha trajetória, eu sempre senti que eu queria ser o mais independente possível das amarras que a gente tem, sociais, nos relacionamentos, na família, na forma como a gente estrutura as nossas relações, e na forma socioeconômica. É uma grande batalha a gente conseguir se sustentar, então tem muito a ver mesmo. E o empoderamento é uma ferramenta que eu descobri através do meu fazer artístico. Quando você se descobre capaz de criar alguma coisa nova no mundo é muito doido, muito doida essa sensação, e então você sente que talvez as coisas façam muito sentido e realmente é uma forma de empoderamento.
Ainda falando a respeito dessa “busca”, como você aconselharia as novas artistas, o pessoal mais jovem que está começando agora? Por que ainda existe uma crença muito forte de que não é possível viver através da arte, que é difícil. De que modo falaria com quem está começando, para que seja possível ajudar de alguma forma quem está iniciando agora, a ter uma visão diferente sobre como é trabalhar com arte, e de que é possível viver fazendo o que se gosta? Eu acho que depende muito da trajetória ço muitas pessoas que estão focadas em de cada um dos artistas e suas vivências. outra profissão e em um dado momento dá Mas eu vejo que o que me impediu desde o aquele “estalo” e sentem que é necessário início foi uma condição social que dizia que
se envolver de alguma maneira com arte.
ser artista era trabalho para gente rica, que
Nem que seja só começando a experimen-
já tinha contatos ou coisas que ouvimos so- tar algumas coisas mais artesanais, e o que bre ser artista independente “você vai viver eu vejo é muita insegurança mesmo das como, vai vender isso onde?”, porque não pessoas que tendem a querer se envolver entendem exatamente como funciona a com arte. Parece que não existe uma conarte. E existe sempre aquela pergunta que
fiança, e acho que esse é o pior problema.
eu acho tão estranha, que é “para que que A questão é assim, viver com arte ainda serve a arte?”. Nunca vou entender muito não é fácil. Nós não temos uma educação bem como tem gente que ainda bate tanto artística, então isso já é um problema esnessa tecla. Mas eu acho o seguinte, conhe- trutural mesmo. No Ensino Fundamental
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e Médio não existe uma valorização e nunca as coisas. Então a gente tem que exigir messe vê a arte como uma opção e por isso tam- mo que além de todos os direitos que são tão bém diminui essa confiança da gente sonhar difíceis de serem conseguidas por algumas com isso. Então eu acho que a gente deveria
parcelas da população, que a gente tenha mais
exigir - claro, nós temos vários problemas es- educação artística, acho que seria um fator truturais - mas falando de uma forma mais bastante transformador. E assim a gente teria educacional, onde Artes está na educação? Por
mais museus sendo valorizados, mas teatro,
que a arte, principalmente nesse momento
mais visitações e poderíamos pensar como as
está sendo tão banalizada, tão deixada de lado,
pessoas poderiam normalizar essa questão de
tão boicotada? Porque a Arte abre os olhos!
estar em um ambiente artístico e não achar
Quem entende o potencial da arte não só a
que é uma coisa apenas para uma elite, ou só
pintura, como a música, teatro e etc, sabe que para quem é da zona sul, ou só para quem é do ela é uma crítica, e uma crítica principalmente
meio artístico. Ver a possibilidade de entrete-
ao autoritarismo, a esse governo antidemo- nimento, de degustação, de deleite, de prazer. crático, então eu acredito que a arte é uma
Então acho que é uma mudança bem profun-
grande saída para a mente humana e para da e isso afeta muito esse nosso pensamenevolução e também uma possibilidade para
to de um dia escolher a arte, não é verdade?
abrir os olhos e ver novas perspectivas sobre
Falando sobre os temas que você aborda em sua produção, a representatividade, protagonismo e sororidade, poderia falar um pouco sobre como tem integrado todas essas temáticas em seu trabalho, e também, a partir de que ponto decidiu trabalhar com esses temas? Acho importante dizer que eu me vejo como uma artista afrocentrada e afrodiaspórica. Nesse caso, eu não só procuro entender a minha vivência no mundo como mulher negra não retinta - que é uma questão que gera certos conflitos sobre o que é ser negro ou não no Brasil - e tento trazer outros relatos para o meu trabalho. Mas não só trazer outros relatos, como também trazer uma forma de cura. Eu acho que é muito mais difícil tratar sobre temáticas de trauma, pois me considero uma pessoa muito empática e sensível com a dor emocional. No caso eu penso muito mais no meu trabalho como uma forma de cura mesmo. Uma forma de transcender a realidade, entende? Então eu estou sempre tentando trazer coisas que estão no campo sutil, que não sejam só estéticas, só visuais. Eu não quero só fazer uma coisinha bonita, sabe? Eu quero fazer algo que realmente gere sentimentos para as pessoas, e sentimentos positivos, que eu acho que é o mais importante para mim. Pode ser que um dia eu trabalhe uma temática mais dolorosa, mais difícil, como um trauma, mas eu não me sinto pronta para isso, porque 56
LETÍCIA MERCIER
Artista com a presidente da Comissão de Direito das Artes, da OAB-SP.
pra mim arte também é um autocura. Então quando eu comecei a pensar nos retratos da série “Ouro Negrx” - foi lá em 2013 - eu mudei totalmente depois disso e comecei a viver uma experiência de me perguntar “quem eu sou nesse mundo, que eu não me encaixo em lugar nenhum?”, “por que eu não me encaixo?”. Eu não entendia, então foi um momento em que eu comecei a me entregar a mim mesma, mas me entregar à história do meu país, à história da Afrodiasporidade, à história contemporânea (que é o que gente faz agora). Se perguntar “nossa, por que isso ainda acontece, isso é um problema sério”, “se acontecia, por que ainda acontece agora? Isso é errado, muito errado”. Então a minha visão de mundo, já estava há GALERIA DAS MINAS
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muitas décadas sofrendo transformações. Eu pudesse trazer potência, e de uma forma bosempre me considerei uma mulher feminis- nita, uma forma de transcendência mesmo, ta mesmo quando eu não sabia o que signi- trazer minha poética para a arte. Então eu ficava o termo, mas já me chamavam de fe- queria, como eu já falei, trazer um sentimenminista e depois que eu fui descobrir (risos),
to positivo sobre o que é ser uma mulher ne-
porque eu já tinha uma postura de pensar gra no Brasil. Mas enfim, o meu trabalho tem nessa questão de igualdade de gênero. Mas também uma outra linha que é o Abstrato, essa questão da afrobrasilidade foi muito que eu estou experimentando muito, então importante para eu me entender e entender eu considero que tudo que eu estiver fazendo minhas raízes, com certeza. E enfim, como está falando de alguma forma sobre ser neprocesso de cura ela foi fundamental para eu gra e afrocentrada, mas nem sempre tocando poder centralizar o meu trabalho em algo que essas temáticas de uma forma muito clara. Ainda falando sobre o seu processo artístico, parece que sempre se espera dos artistas negros, temáticas de dor ou sofrimento. Como você colocou anteriormente, sua produção segue uma linha quase que oposta a isso, porque além de trazer algo que é mais voltado a uma questão de cura e valorização, seus retratos refletem ideais positivos, além do seu trabalho com o abstrato, que aborda aspectos internos e sentimentais. Então realmente parece que sua obra se afasta do que normalmente é esperado, e a questão é se as pessoas compreendem o contexto. Qual a sua visão sobre? Você também percebe isso? O que eu vejo é o seguinte, também tenho encontrado muitos artistas negros e a gente está em um momento no mundo em que as coisas estão borbulhando com muito mais força. Já não dá mais para aguentar certas coisas e uma delas é o Estado genocida com a população negra. É um sofrimento constante e a pessoa negra retinta, principalmente, sofre coisas horríveis apenas por ser um corpo preto. O racismo é muito violento e diário e acaba que a gente fala muito sobre isso porque é necessário falar sobre. Mas ao mesmo tempo, nós não temos obrigação de estar sempre militando sobre isso. Parece que as pessoas já veem o corpo negro atual como se a gente estivesse sempre querendo falar sobre isso. A gente têm um universo enorme de vivências, de coisas que podemos falar, que podemos expor, enfim, e aí é que está. Não dá pra tachar o corpo negro e muito menos o artista negro, como sendo sempre um ativista… pode ser que não se queira falar sobre nada relacionado a isso e fazer um traba-
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ENTREVISTA
lho totalmente desligado da temática, o que não quer dizer que o trabalho dele não seja imporante, entende? A existência dele, do artista, faz parte de ser afrodescendente em alguma parte do mundo, afrodiaspórico né no caso. Então toda a criação de novos artistas negros tem que ser validada mesmo que a gente não fale sobre essa temática de negritude. Por enquanto nunca aconteceu de alguém me perguntar se eu só pinto sobre isso, mas já me perguntaram se eu só pintava pessoas negras, e eu respondi que sim, porque é o que eu faço nesse momento. A Letícia em 2020 pinta retratos de nós pessoas negras e também pinta abstrato. Essa é a minha experiência atual e a gente precisa ter essa liberdade, de um dia se eu quiser mudar minha temática. De ficar só no abstrato ou “ah, não, agora eu só vou pintar montanhas”. Eu pintei montanhas esses dias e achei muito gostoso. Então a gente precisa saber que o artista negro não está fadado a ter que sempre falar sobre a temática, porque a temática é de dor, essa temática é muito dolorosa. É muito difícil e tem uns que conseguem e outros que não, mas não é necessário ficar intrínseco a tratar somente dessa temática porque somos livres, né?
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Falando agora sobre o seu mais recente projeto, Protagonismo feminino: Sororidade e Empoderamento. Poderia nos contar como e quando surgiu a ideia de produzir esse trabalho, e como tem sido a dinâmica de desenvolvimento do projeto? O projeto em si foi realizado em uma data,
manda para o universo um desejo e aí vem
mas eu sonhei com isso muito tempo antes,
uma resposta. Eu fiquei super feliz, aceitei
tanto que no período eu fazia parte de um imediatamente e a gente teve pouco tempo coletivo LGBTQI+, aqui na cidade de Ni- para criar a exposição e foi tudo muito corterói. Era um desejo meu mesmo e eu fala- rido. Para fazer uma exposição bacana preva que eu queria fazer alguma coisa voltada cisa de pelo menos seis meses e eu tive dois, às artes e que conectasse mulheres. Eu já no caso, porque teve férias, natal, ano novo… tinha uma ideia há muitos anos atrás que
então foi muito rápido para poder selecionar
eu tentei mas não foi para frente, com al- as artistas e tudo pela internet mesmo. Aí eu gumas amigas, que era a de criar um blog procurei poéticas que se relacionassem, que sobre sororidade, mas não rolou. Em 2019, pudessem falar sobre formas de existir senano passado, eu já estava com essa ideia, já do mulher e foi muito interessante, porque sabia até o que eu queria fazer porque esta- eu acabei conhecendo pessoas que agora esva muito imersa em artes e pensei “gente, tão muito ligadas a mim, e isso é bem legal. cadê as pessoas parecidas comigo?”. Eu sou E a ideia inicial era trazer uma maior diversempre a mais jovem, a única artista negra, sidade nessa exposição para que nós pudésentão fica sempre aquela coisa assim. Fiquei semos falar das nossas experiências artísticom a ideia uns dois meses na cabeça e que- cas, cada uma com a sua linguagem. Mas eu ria dividir minha experiência com outras também queria criar um networking para artistas, chamar todo mundo, pessoas de
que a gente pudesse formar um grupo, uma
várias partes do país, várias maravilhosas e rede de apoio mesmo, para que fosse possídaí em dezembro eu fui em uma exposição
vel conquistar outros objetivos na arte. Mas
de um amigo meu em São Paulo, na OAB, e
uma coisa importante também que eu não
a diretora me convidou. Eu já tinha feito al- comentei, é que as artistas foram selecionagumas exposições lá e ela disse "Letícia, você
das sem levar em consideração o tempo de
gostaria de fazer uma exposição para o Mês experiência. Eu queria procurar mulheres Internacional da Mulher no ano que vem?". que têm o potencial de se tornarem artistas Eu fiquei bastante chocada né, porque eu e talvez não se sintam ainda, ou não tenham já estava querendo isso; parece que a gente
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confiança, não tenham muita experiência, e
dar essa primeira oportunidade. Então tiveram artistas que já tinham exposto em vários lugares, e teve uma por exemplo, que foi a primeira exposição da vida! Então se ver alí naquele espaço já é um “start”, uma movimentação, um estímulo, aquele empurrãozinho, então foi bem legal, foi uma experiência muito linda. No dia 11 de março nós fizemos o vernissage, que ficou bem cheio. Algumas artistas também saíram de suas cidades e foram até a exposição, e isso foi lindo, porque foi muito emocionante. A gente se encontrou e algumas se conheciam, e algumas eu conheci pessoalmente (…) outras eu já conhecia, então acho que foi um momento de grande conexão e principalmente, pensar na sororidade, que significa "Irmandade". E por eu ter experienciado muitos traumas em ambientes de trabalho entre mulheres que não se ajudavam, muito pelo contrário, como eu posso dizer (...) elas "puxavam o tapete" umas das outras, isso virou um grande trauma. Mas também virou uma forma de começar a pensar como poderia transformar essa palavra em uma prática mais diária, não somente um conceito que fica “lá em cima” e ninguém exerce. Então eu tento ao máximo não só dar suporte, às vezes psicológico, mas também um toque para aquela artista que esteja começando, "eu acho que você pode fazer isso com aquele material ou comprar aquela moldura assim", "vi teu potencial, porque você não escreve tal coisa?" Entende? Dar esse suporte, não com essa competição que é tão "normal" em vários meios. Então pra mim isso veio antes de tudo, é uma forma minha não só de ver o mundo mas de ter atitude em relação às mulheres à minha volta. Mas é claro, a gente nunca vai ser amiga de todas as mulheres que existem no mundo, isso não existe. O
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importante é ter empatia mesmo sabendo de todas essas diferenças. Por exemplo, isso é até uma coisa que eu posso citar, não conseguimos trazer artistas trans e era uma coisa que eu queria muito. Entrei em contato com duas artistas, mas elas me disseram que não tinham trabalhos para expor no momento. Mas uma mulher trans tem vivências diferentes de uma mulher cis, de uma mulher negra, de uma mulher indígena. Então para mim é muito importante falar que houve essa tentativa, mas o período foi bem curto e não conseguimos fechar isso. Mas a gente vai levar esse projeto adiante, e pretende realmente trazer artistas de todo o país, indígenas, LGBTQI+, mulheres negras e outres. Então estamos pensando em trazer uma diversidade e dar oportunidade, claro, com uma seleção para ver realmente o potencial e levar isso pra frente. O projeto está seguindo para crescer. Meu sonho é que a gente consiga fazer no próximo ano, focando em um ponto que eu acho que eu não comentei, que é a profissionalização das artistas. A gente vai tentar criar formas de fazer com que elas se sintam mais profissionais, com mentorias e workshops para haver realmente alí uma forma da pessoa sentir que ela está tendo uma trajetória. O que muitas vezes a gente vê é que a pessoa tem grande potencial, mas não consegue continuar e acaba desistindo. O sucesso está sempre muito relacionado com essa questão monetária, então se a pessoa não consegue fazer o capital girar através do seu trabalho, considera que não obteve sucesso. Mesmo que seu trabalho seja incrível, maravilhoso, você não consegue ver isso, entende? Então a gente está querendo romper com essa barreira, fazer com que as artistas consigam sobreviver com o seu trabalho. É um sonho que estamos construindo e isso é bem importante.
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Fênix, 2018. Acrílica sobre tela.
A palavra sororidade é uma palavra que tem muita força, e cada vez tem mais e mais força quando você descobre que o patriarcado impõe certos sistemas de opressões em minorias, (no caso a mulher negra é “minoria” mas, enfim, odeio esse termo), em parcelas da sociedade. Aí você começa a perceber porque as coisas são do jeito que são. Então quando você percebe mulheres que reproduzem machismo, que reproduzem essa forma de ver as outras mulheres como rivais, acho que alí ela está auxiliando para que esse sistema se perpetue, continue. Quando a gente pára de agir dessa maneira e começa a ver as outras mulheres com pessoas normais, não como “a inimigo”, acho que a gente começa a perceber o porquê que as coisas são dessa forma, e como fazer para mudar. O principal é descobrir alguma coisa sobre si que precisa ser melhorada, como, por exemplo, se descobrir racista. Têm pessoas que
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estão se descobrindo racistas agora, "tá, me descobri racista, e agora o que eu faço? Como eu faço para mudar isso?". Então esse é o ponto: descobrir esses emaranhados sociais e fazer algo pra mudar as coisas. Eu acredito que a "Sororidade" é uma palavra que ainda ninguém conhece muito bem, talvez a gente passe a falar muito mais de "Irmandade". Não sei se essa palavra faz tanto sentido e não sei se ela diz o que deveria, mas eu acho que é uma forma da gente começar a procurar uma mudança de comportamento e dar mais oportunidades para mulheres. Diminuir essa disparidade de gênero entre profissionais de qualquer área, e nas artes, ter oportunidades mais coletivas e não ser uma coisa em benefício de somente uma pessoa. Pensar de uma forma mais coletiva (...) e depois do Covid então, pra gente entender realmente que o mundo é uma coisa coletiva. Algo que acontece na China pode atingir o mundo inteiro. Então a gente tá aí realmente tomando um banho de realidade sobre o que é ser humanidade com tantos erros que a gente já cometeu e ainda comete. Então eu acho que a próxima década vai falar mais sobre coletividade. Vai ser um desafio porque a gente ainda não entende coletividade, a gente só sabe que
Pra gente finalizar, queria saber quais são as suas referências artísticas. Já me perguntaram sobre isso muitas vezes, mas aí é que tá, eu sou apaixonada pelos artistas mas eu tento ao máximo me afastar do trabalho deles. Mas tem a Julie Mehretu, que faz um trabalho onde ela interpreta o mundo através de formas geométricas que é muito diferente do meu trabalho mas me inspira demais. Quando vi o trabalho dela realmente bateu forte e eu senti uma grande conexão. Gosto muito da Bisa Butler também. Tenho me virado muito para a pintura afrodiaspórica e a maioria dos artistas que eu realmente curto ultimamente são dessa linha. Tem o Timo Kamura também, que ele é bem legal, mas o trabalho dele é muito fantástico, então eu nem vejo mais, porque eu não quero que
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Essa questão da afrobrasilidade foi muito importante para eu me entender e entender minhas raízes. Como processo de cura, ela foi fundamental para eu poder centralizar o meu trabalho em algo que pudesse trazer potência, e de uma forma bonita, uma forma de transcendência mesmo, trazer minha poética para a arte.
me influencie tanto (risos), mas eu acho o trabalho dele incrível. Lá no MOMA vi uma obra gigante da Julie Mehretu e fiquei chocada, chorei, ih... Eu vejo muito mais artistas contemporâneos, eu não acompanho mais tanto aqueles artistas clássicos porque já me enjoou. Adoro Van Gogh, Monet também, esses eu adoro, e até mesmo os surrealistas. Eu gosto, mas acho que eles já estão muito distantes das minhas ideias e não me vejo muito neles. A minha questão é, como eu sou autodidata, quando você vê uma obra e acha fantástico (...) por exemplo, quando eu vi a obra da Julie Mehretu na minha frente, quando eu cheguei perto e vi aquelas pinceladas e comecei a analisar, ah nossa! É muito legal ver um trabalho de um artista que você admira e foi um presentão pra mim. E também é legal porque você percebe que é possível. Claro que para você ser semelhante, se espelhar naquele artista, tem que ter uma série de outros acontecimentos na vida, mas o trabalho físico dá aquela esperança, acender aquela chama e você fala "nossa, que incrível, é uma coisa que a pessoa fez mesmo com as próprias mãos!".
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Sobre o documentário que está sendo lançado agora em setembro... A gente criou o documentário com relatos realmente do que estava acontecendo nesse período de pandemia com algumas artistas que participaram do projeto e aí vai ser lançado agora no dia 17/09, nas mídias e plataformas digitais. A gente pretende fazer uma segunda edição em algum momento. É muita coisa né, porque ainda estamos definindo algumas bases do projeto porque não estamos e nem sabemos ainda quando vai ter uma próxima exposição física - porque queremos uma exposição física. Estou participando de várias exposições online mas eu acho que essa experiência do físico, principalmente no sentido desse conceito de união, de experienciar um ambiente diferente de arte que seja realmente de parceria, faz muito sentido com atividades físicas mesmo. Então não estamos com muita pressa para fazer a segunda edição agora e vamos esperar realmente a vacina ser distribuída pra gente poder se aglomerar novamente.
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Artistas participantes da exposição.
No Instagram: @lemerciartes e @protagonismoesororidade/ Link para o Documentário Protagonismo e Sororidade: https://www.youtube.com/watch?v=6QPC6gj3Vq4
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CAMILA VIEGAS COM SEUS MONSTROS, HUMANÓIDES, ZUMBIS E DIVERSAS CRIATURAS A ARTISTA PRODUZ ILUSTRAÇÕES QUE UNEM FANTASIA A TEMAS POLÍTICOS, FEMINISTAS, LGBTQI E DA CULTURA POP , REPRESENTANDO QUE NOSSA LUTA ESTÁ PRESENTE EM TODOS OS LUGARES. POR KAMILA OLIVEIRA Poderia nos contar um pouquinho sobre você, de onde é, sua trajetória, e como iniciou nas Artes Visuais? Eu tenho 29 anos e sou naturalmente do Rio de Janeiro, porém cresci em Santa Catarina. Sempre gostei muito de desenhar e tive sorte de desde cedo ter pais que apoiaram esse meu lado e me inscreveram em aulas, compraram materiais e me incentivara muito. Desde cedo tive contato com tinta óleo, acrílica, técnicas de pintura alemã, porcelana, ceramica, guache, aquarela e lápis de cor. Meu pai costumava dizer que era só me deixar com um lapis e uma folha sulfite que eu não “dava trabalho”. Também com 5 anos fui introduzida ao mundo do artesanato e me apaixonei pelo bordado. Fiquei um pouco longe das artes por um período (nunca parei totalmente, mas produzia menos) e retomei ali pelos 21,22 anos quando tive primeiro episódio depressivo dentro da faculdade de medicina. Achei que seria bom para mim voltar a desenhar e bordar como um processo terapêutico, e a partir disso não parei mais.→ “Atenta”. 2019.
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Atualmente, não sou formada na área, pinto por prazer e cada vez mais (posso fazer isso, pois trabalho como médica) feito menos produtos para vender e tentando encontrar meu real objetivo dentro da arte para mim, fora a expressão do que sinto. Tive e acho que ainda tenho dificuldade em me chamar de artista, mas confesso que consegui desenvolver isso melhor após ler algo como “todo mundo pode ser artista, não quer dizer que a arte vai ser 'boa', mas todo mundo pode fazer arte, a arte é livre” (sic). Acho que isso me ajudou a querer treinar mais para melhorar, e me cobrar e me comparar menos com outros artistas, até como processo para cada Equal love, 2019.
vez mais ir desenvolvendo minha própria linguagem.
Falando sobre a sua produção, suas ilustrações tem uma abordagem política, onde você evoca temas ligados ao feminismo e LGBTQI+ por exemplo. O que te levou a tratar sobre tais assuntos em sua produção, e como foi o processo de escolha da temática? Eu acho que as minhas temáticas vêm muito facilmente e naturalmente. São temas que eu considero relevantes e que precisam ser falados e colocados para fora; acho que isso é uma parte importante de cada artista, cada um "falar" sobre o que é significativo para você e sobre o que te toca e te faz sentir (ás vezes também só queremos sentir alegria e dar risada, por isso também gosto de fazer ilustrações "bobas" e mais leves algumas vezes). Muitas das minhas 70
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Abaixo: “Se educar para resistir”, 2019.
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“ Taca fogo nos fascistas”, 2020.
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“Matriarcado” , 2019.
temáticas têm um processo de construção desde a infância e adolescência, com amigos, livros, filmes, cena punk e hardcore. Vejo que atualmente grande parte dos meus trabalhos têm a ver com o que estou sentindo no momento, e muitos dos sentimentos que expresso no meu processo criativo têm a ver com raiva, indignação e injustiça dentro da sociedade que vivemos. Falando em produção e temática, poderia nos contar um pouco sobre como é o seu processo criativo? Para mim esse á uma pergunta bem difícil, pois meu processo criativo é bem complicado... haha. Eu sou uma pessoa muito ansiosa, me cobro muito para fazer as coisas como eu visualizo na minha mente e às vezes fico mais deprimida e num hiato criativo. Fico longos períodos sem nem conseguir desenhar um boneco palito decentemente, quem dirá mais coisas... Quando estou assim, vou tentando devagarinho rascunhar coisas me policiando para não → GALERIA DAS MINAS
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Vejo que atualmente grande parte dos meus trabalhos têm a ver com o que estou sentindo no momento, e muitos dos sentimentos que expresso no meu processo criativo têm a ver com raiva, indignação e injustiça dentro sociedade que vivemos.
cobrar produtividade e não estar muito acelerada. ( um dos motivos pelos quais parei de aceitar muitas encomendas, pois sabia que a pressão me paralisava). Aí, do nada, quando me sinto inspirada só vem. Tenho que ter um papel ou tablet para rascunhar e colocar minhas ideias para fora e normalmente flui muito, sempre acabo rascunhando mais de uma coisa. E a inspiração pode vir de qualquer lugar, um sonho, filme, série, um azulejo, qualquer coisa mesmo. Acho que um fator importante é sempre ir buscando e trabalhando o olhar para como o nosso cotidiano pode nos inspirar e como tem muita riqueza dentro dele.
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À esquerda: “Irmandade/bruxaria”, 2020. Abaixo: “Censura não”, 2019.
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À esquerda acima: “Educate yoself”, 2020. À esquerda abaixo: “dá um sorrisinho aí”, 2020. Abaixo: "Feliz Natal", 2019.
Poderia listar algumas de suas principais referências artísticas, e qual a influência delas em seu trabalho atual? Quando mais nova amava muito Escher, Arcimboldo, Yerka, Frida e Dali. O que acho que eles têm muito em comum nas suas obras é um contato com um imaginário muito rico e cada um com sua linguaguem louca e própria. Atualmente, estou sempre procurando artistas mulheres para me inspirar. Eu respeito e admiro muito os trabalhos da Camila Rosa e Priscila Barbosa, que são incríveis.
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Quais seus planos e sonhos para os próximos tempos? Algum projeto a caminho? No momento sem nenhum projeto a caminho. Ainda acredito que estou me desenvolvendo como artista e encontrando minha linguagem, então um dos meus planos seria explorar mais esse lado. Apesar de que também consigo entender que gosto de testar coisas diferentes, misturar técnicas diversas e que nós estamos em constante mudança e isso é muito bom. Atualmente estou voltando a ilustrar o que gostava de fazer quando eu tinha meus 13 anos, que são monstros, humanóides, animais e personagems do imaginário, porém agora com temáticas que são muito importantes para mim. (politica, lgbtqi, feministmo, etc) Algo que pretendo fazer no futuro, quando me tornar psiquiatra é poder trabalhar arte com meus pacientes, para trazer essa experiência para mais pessoas que não tiveram tanto contato ou que não conseguiram trabalhar esse lado que traz tanta alegria na minha vida.■
No Instagram: @c.lasviegas e @dracamilaviegas Facebook: https://www.facebook.com/c.lasviegas
À direita: “ The future is female”, 2019.
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JEANNE CALLEGARI
POLIAMOR E ÓLEO DE COCO como uma bailarina a dançar sua última dança era tão graciosa a namorada de meu namorado cachos de acácia brincando em seus olhos amparei suas mãos de papel crepom cicatrizes – como as minhas – de levantes suprimidos estilhaços de esconderijos cerzidos à perfeição pedimos o mesmo suco de gengibre e maçã o mesmo pão de queijo trançamos impressões birras segredos mil noites e seus enredos sindicato sentimental blasfemei contra roberto carlos e a cultura pop ocidental nenhuma página imagem som me ensinou a achar tão bonita a namorada de meu namorado a gostar de amparar nas minhas suas mãos de papel crepom ✳✳✳
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EDUCADA não é que eu não queira são indecentes essas coxas e você sabe o mínimo de tecido que a sociedade aceita alonga as pernas de ginasta ouvindo chet baker e se eu não te mordo é por ter boas maneiras convém não atacar quem nos dá casa mas tome tenência : mais dessa mirada e eu esqueço a etiqueta ✳✳✳
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MIÓZIM e quem não é quebrado, meu bem? a asa mezzo bamba a pata estropiada costas consumidas sob tamanha carga quem não saiu meio torto da forminha arestas inchadas ou mínimas faltando um pedaço ou uma graça quem não olhou o próprio reflexo e pensou pedir aos céus uma nova página deus nenhum caminha entre nós, meu bem então vem : coloca nas minhas as suas mãos quebradas ✳✳✳
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Jeanne Callegari (Uberaba/MG, 1981) é poeta, jornalista e produtora cultural. Publicou os livros Botões (Corsário-Satã, 2018) e Miolos frescos (Patuá, 2015), ambos de poemas, e Caio Fernando Abreu: inventário de um escritor irremediável (Seoman, 2008), perfil biográfico do autor gaúcho. Em suas performances ao vivo, trabalha com os cruzamentos entre palavra, voz, ruídos e paisagens sonoras. É curadora, organizadora e poeta residente da Macrofonia!, noite mensal de poesia e audiovisual ao vivo em São Paulo (SP), realizada desde 2017 No Instagram: .@jeannecallegari GALERIA DAS MINAS
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