Galeria das minas issue 4 September 2019

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N°4

Setembro 2019

ANA HELENA SUELEN MADU




VITÓRIA

CRIBB AUGUST 2019

24

ISSUE NO.3


VITÓRIA CRIBB:

“TO ME, THE BLACK AND MARGINALIZED BODY IN WESTERN SOCIETIES HAS AN ESSENCE THAT IS IMPOSED BOTH VIRTUALLY AND IN REALITY. I TALK ABOUT THIS RELATION BETWEEN THE BLACK BODY X THE DIGITAL BODY IN MY VIDEO ART COMMAND PROMPT EXHIBITED AT THE EXPO COLONIAL MATRIX WITH THE CURATORSHIP OF GABRIEL HILAIR. IN THIS WORK I WRITE A POEM ABOUT HOW WE LIVE IN A SOCIETY THAT ERASES BLACK, INDIGENOUS AND MARGINALIZED BODIES AND PRAISE DIGITAL AND TECHNOLOGY SHAPED BODIES, IN THE COMMAND PROMPT SCREEN IN MY COMPUTER AND I MERGE IT WITH A FEW IMAGES THAT REPRESENT THE WAY I SEE MYSELF IN THIS PROCESS OF TECHNOLOGICAL FLOOD. I TRY TO UNDERSTAND THE LIMITS AND SIMILARITIES BETWEEN DIGITAL AND WHAT’S CONSIDERED REAL DURING MY CREATIVE PROCESS.”

FORMER GALERIA DAS MINAS INTERVIEWEÉ AGOSTO 2019


Ana Noronha, Formação de uma alma. 2019. Aquarela e lápis de cor sobre papel.

Contracapa: Suelen Macedo, Queima. 2019. Lápis de cor sobre papel. 6


AS RELAÇÕES ENTRE ARTE E GÊNERO

8 CRER NO CRIAR

ANA NORONHA

20

HELENA LACY

32

SUELEN MACEDO

52

POESIA

70

44 A REPRESENTATIVIDADE DA MULHER NA ARTE

64

GALERIA DAS MINAS

7


AS RELAÇÕES ENTRE

arte e gênero POR JULIANA NAUFEL

O

feminismo voltou para vingar-

uma questão visível de meritocracia e

se do mundo da arte (Amelia

uma noção de que a mulher artista seria

Jones).

sempre considerada inferior ao homem,

Quando abordamos gênero e arte, é imprescindível levar em consideração as relações de poder implícitas que regem esse campo, principalmente no que se diz relativo à História da Arte Ocidental. Em qualquer obra de arte existente, sempre há a atribuição de um juízo de valor, classificando-a como digna de ser exposta e/ou reconhecida. E quem é que

culadas

às

qualidades

de

"gênio",

"mestre" e realizadoras de "obras primas". Ainda, essa pergunta traz como

consequência a tentativa de fabricação de mulheres artistas por parte de algumas feministas, já que com uma maior quantidade dessas

artistas,

elevaria

a

chance de pelo menos algumas serem

determina os cânones, grandes mestres

reconhecidas como "Grandes artistas".

e esses juízos de valor das obras? Por

Vale lembrar que quando falamos em

que é que mulheres artistas não são re-

grandes artistas, estamos necessariamen-

conhecidas e diversas vezes ao longo da

te reproduzindo a ideia de arte tradicio-

história

nal, com juízos de valores, cânones, no-

contada

foram

diminuídas

ou

mesmo apagadas?

ções do que é belo, bom e verdadeiro.

Em 1971, Linda Nochlin escreve um en-

Uma das principais contribuições do fe-

saio pioneiro no campo da arte e gênero, intitulado Why have there no been great women artists?, traduzido para o português somente em 2016. Por trás dessa pergunta que intitula o ensaio, há 8

já que mulheres artistas nunca são vin-

ARTIGO

minismo, principalmente a partir da década de 1960, foi a ruptura gerada desse paradigma da "Grande Arte".


Fonte: Royal Collection Trust UK.

Ao Nochlin fazer essa pergunta, a conjuntura socioeconômica não é levada em consideração, uma vez que não havia espaços para a mulher desenvolver a arte. Uma das formas mais básicas de reconhecer a marginalização da mulher no mundo da arte é que para falar de artistas, sempre precisamos nos referir a elas como mulheres artistas ou artistas mulheres, já que sem o adjetivo, muitas vezes pensamos primeiramente em artistas homens. O mesmo ocorre quando utilizamos sobrenomes ao nos referirmos a teóricas e estudiosas, nos levando a pensar no gênero masculino justamente por ser o mais reconhecido nos âmbitos da Academia e das teorias.

GALERIA DAS MINAS

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Essa falta de espaços para a mulher de-

tra e se retratou em uma pose pouco

senvolver arte se deu principalmente pe-

utilizada nas obras da época pela com-

las construções de valores, padrões de

plexidade da angulação de representa-

feminilidade, funções que determinavam

ção. Com sua pele a mostra, critica au-

o que era apropriado para ser desenvol-

tores como Ripa, que descreviam e de-

vido pela mulher e a cultura de que o

terminavam como as alegorias e mulhe-

lugar da mulher é o espaço doméstico,

res deveriam ser representadas.

e não o público.

A obra é seu próprio corpo, e Artemísia

Até o final do século XVIII, as poucas

Gentileschi encontrou uma brecha naqui-

artistas conhecidas por nós na história

lo que nenhum homem jamais conseguiu

da arte provinham principalmente de fa-

fazer: manipular essa alegoria, colocando

mílias de artistas ou eram e ainda são

-se como protagonista em um momento

tratadas meramente como apêndices de

em que artistas começam a buscar a se

homens.

(1593-

diferenciarem dos trabalhadores manuais

1652), filha de um artista da época e

e artesãos, uma vez que a partir de

uma das únicas mulheres artistas reco-

1514 a escultura e a pintura passam a

nhecidas no barroco, foi a primeira mu-

serem consideradas

lher a entrar para a Academia de Arte

invés de Artes Mecânicas.

de Florença. Desenvolveu sua obra com

Para elevarem seus status e fazerem dis-

Artemísia

Gentileschi

rigor no desenho e valores característicos da escola de Caravaggio. Um de seus maiores feitos foi ter desafiado o universo das alegorias, ao fazer o que nenhum homem artista conseguira fazer em sua vida e obra: pintar um autorretrato que ao mesmo tempo representava a Alegoria da Pintura.

do

que

era

considerada

uma

"arte menor", artistas homens transformavam em suas obras o ateliê em um lugar de estudos, utilizavam roupas nobres em seus autorretratos, e na maioria das vezes se retratavam lado a lado da Alegoria da Pintura. Infelizmente, Artemísia Gentileschi ainda é pouco estudada

A obra "La Pittura", 1638-1639, segue a

em salas de aula e cursos de história

descrição da Alegoria da Pintura trazida

da arte, sendo apresentados apenas ar-

na obra Iconologia, de Cesare Ripa. Gen-

tistas homens no movimento do Barroco

tileschi se afastou da descrição de Ripa

para os estudantes.

apenas no que se diz respeito à pose da alegoria nas obras: não pintou seu corpo inteiro, deixou seu decote a mos-

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tinção

Artes Liberais ao

AS RELAÇÕES ENTRE ARTE E GÊNERO


Vale lembrar que quando falamos em grandes artistas, estamos necessariamente reproduzindo a ideia de arte tradicional, com juízos de valores, cânones, noções do que é belo, bom e verdadeiro. Uma das principais contribuições do feminismo, princi-

palmente a partir da década de 1960, foi a ruptura gerada desse paradigma da "Grande Arte".

Outro fator limitante da presença de mulheres artistas na história da arte contada era a proibição das mulheres nas Academias de Belas Artes. Nochlin afirma: “A culpa não está em nossas estrelas, nossos hormônios, ciclos menstruais ou espaços internos vazios, mas em nossas instituições e em nossa educação. Considerando que educação inclui tudo o que nos acontece desde o momento em que entramos no mundo de símbolos, signos e sinais.” (NOCHLIN, 1971: p.28). Até o final do século XIX, além da dificuldade de mulheres estarem no espaço da Academia, mulheres não podiam participar das aulas de nu, tema vangloriado nas Belas Artes pela dificuldade técnica e habilidade necessária para que a considerada boa representação fosse feita. Para as mulheres que conseguiam adentrar esse espaço, restavam apenas os gêneros florais e naturezas mortas, mais condizentes com os padrões de feminilidade que deviam ser alcançados pelas mesmas em seus trabalhos.

GALERIA DAS MINAS

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A abertura oficial dessas instituições para

esses tivessem que usar um tapa-sexo.

as mulheres, isto é, a permissão para

(SIMIONE; DIAS, 2015, p.13)

que elas se matriculassem como alunas

Desde o final do século XIX, a Inglaterra

regulares, foi bastante tardia em vários países do mundo. No México, a Escuela

Nacional de Bellas Artes abre tal possibilidade em 1888; no Brasil em 1892, após a Proclamação da República; em Londres, a Royal Academy of Arts abriu suas portas às mulheres em 1893 (...) Vê-se que o ingresso feminino ocorreu tardiamente, quando tais instituições não tinham mais o prestígio e a centralidade de outrora. (...) durante muito tempo as artistas foram alijadas das competências necessárias para a figuração plena do corpo dentro das Academias. Isso implicava, por exemplo, a impossibilidade de adentrar os cânones da pintura de história, gênero mais valorizado pelo sistema acadêmico, uma vez que não podiam representar de modo pleno os corpos nus e heroicos naturais a essas composições. Somente entre finais do século XIX e inícios do século XX (...), elas puderam oficialmente entrar em contato no ambiente acadêmico com os corpos masculinos e femininos nus, embora, no caso dos homens,

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ARTIGO

e os Estados Unidos da América foram palco dos movimentos sufragistas, que buscavam o poder de voto para mulheres e tiveram uma grande relação de troca com as artistas, participantes do movimento e o papel da arte para a formação da feminilidade e estereótipos sobre o que é ser mulher. Em 10 de março de 1914, o jornal The Times anuncia: “Indignação na National Gallery, o célebre Vélasquez de Rokeby, comumente chama-

do de Vênus ao Espelho, que está na National Gallery desde 1906, foi mutilado ontem de manhã pela sufragista Mary Richardson, notória militante e ativista. Ela atacou o quadro com um pequeno machado com a lâmina longa, parecido com

os

instrumentos

utilizados

pelos

açougueiros, e em alguns segundos, ela causou ferimentos graves e irreparáveis na pintura. Após esse ultraje, as portas

da National Gallery permanecerão fechadas até nova ordem.” Tradução minha.


Fonte : National Gallery, Londres http://www.nationalgallery.org.uk.

Trecho Original: Indignation à la National Gallery, le célèbre Vélasquez de Rokeby, communément appelé La Vénus au miroir, qui est présenté à la National Gallery depuis 1906, a été mutilé hier matin par la suffragette Mary Richardson, militante activiste notoire. Elle a attaqué le tableau avec un petit hachoir à la lame longue et aiguisée semblable à celle des instruments utilisés par les bouchers, et en quelques secondes, elle lui a infligé des blessures aussi graves qu'irréparables. Suite à

cet outrage, les portes de la National Gallery resteront fermées jusqu'à nouvel ordre. (THE TIMES, 10 de março de 1914).

GALERIA DAS MINAS

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Fonte : National Portrait Gallery, Londres http://www.npg.org.uk

Por que será que o "atentado" contra a Vénus au Miror, pintado por Vélazquez em 1647 causa tanta comoção e indignação na população? A obra em questão acabou virando o resultado de uma performance – considerada até hoje como um ato criminoso de vandalismo em diversas fontes como o site Wikipédia, por exemplo, ao ter sido "mutilada" em 7 pontos das costas nuas da Vênus por um machado. Qualquer imagem, principalmente no universo artístico tende a alcançar o cânone, para ser considerada bela, boa e verdadeira, seguindo regras, ordem, proporção e maneira. Todo sistema de arte bem como o mercado estão investidos na ideia do cânone, com interesses teológicos e narcisistas – a ideia do gênio, aquele que se inveja e deve ser alcançado - além de interesses simbólicos e econômicos. A Instituição Museu é responsável pela manutenção e definição do canônico através da seleção das obras que estão ali presentes, já que a noção de cânone por si só é necessariamente excludente. Pensando no cânone como construção de poder, a obra em questão, localizada no principal museu da Inglaterra, afirma e constrói padrões de beleza através da representação da Vênus. A partir do momento em que Mary Richardson interfere na pintura gerando cortes nas costas da considerada mais bela mulher da história mitológica, ela questiona diretamente o cânone, trazendo uma atitude ativa da mulher ao invés da passividade sempre representada nas obras de arte.

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AS RELAÇÕES ENTRE ARTE E GÊNERO


A história destacada acima é apenas

arte é dada como a única possível e

um exemplo de como a relação entre

verdadeira, acabando assim com a ideia

arte e política está presente ao decor-

da neutralidade na arte.

rer da história. Como já dito no primei-

Porém, o que se constituiu como a arte

ro capítulo, a conhecida como 2ª onda do Feminismo aborda ainda mais essas questões no campo da Arte, através de questionamentos e proposições de artes e artistas feministas, na maioria dos casos

tentando

subverter

linguagens

e

imagens em prol da desconstrução e modificação de estereótipos naturalizados do gênero feminino.

feminista propriamente dita? Até que ponto essa arte foi e é subversora? A arte feminista tende a formar espectadores

críticos,

geralmente

levando

a

desconstrução dos modelos normativos de gênero. Luana Tvardovskas aponta em seu livro “Dramatização dos Corpos – Arte Contemporânea e crítica feminista no Brasil e na Argentina”, 2015, que

Ao nos depararmos com as questões

um dos problemas centrais enfrentados

lançadas por teóricas feministas como

pelas artistas é a de não perder toda

Linda Nochlin, Griselda Pollock e Mary

potencialidade política do conceito de

Devereaux, quase que instantaneamente

mulher. Como podemos resolver assim

buscamos soluções para diminuir essa

o problema de representação feminina?

carência de mulheres na arte. Criar sa-

Há duas vertentes possíveis: uma delas

lões, prêmios, cotas – ou seja, a cria-

propõe a ideia de imagens de mulher,

ção de espaços para as mulheres se

em

sentirem cômodas, podem parecer solu-

construção sobre mulheres que não há

ções imediatas, porém, ao separar mu-

como ser subvertida. A segunda verten-

lheres e homens no espaço da arte não

te, da mulher como imagem, mostra

seria criar um nicho particular de mu-

que a própria categoria mulher é a re-

lheres, que querendo ou não acaba

presentação e que pode e deve ser

corroborando para a distinção já exis-

apropriada pelas próprias mulheres, ma-

tente? O primeiro ponto fundamental

nipulando e modificando imagens pelas

quando buscamos entender as relações

artistas

entre arte e gênero é buscar entender

imagens através de sátiras e do humor,

como a história da arte é produzida e

por exemplo, há a possibilidade de des-

concebida, para podermos levantar, dis-

construção de estereótipos da feminili-

cutir, conhecer a arte de mulheres, e

dade, como no caso das obras de Cin-

principalmente questionar e buscar mo-

dy Sherman e Bárbara Kruger.

que

reconhece

e

teóricas.

que

Ao

existe

uma

modificarmos

dificar a maneira como essa história da

GALERIA DAS MINAS

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Fonte: The Broad https://www.thebroad.org/art/barbara-kruger/untitled-your-body-battleground

Na obra Your body is a battleground, 1989, Bárbara Kruger se apropria de imagens e discursos, sobretudo da publicidade, fazendo montagens esvaziando os discursos e construindo uma retórica que rompe a lógica de convencer o espectador, gerando um estranhamento e uma complexificação das obras. Ainda, afirma que o corpo da mulher é sobretudo político. A apropriação e o diálogo entre a palavra e a imagem e a teoria e a prática nas obras de arte de Kruger estão sempre presentes. A artista escreveu inúmeros textos críticos durante a década de 1980 abordando esses pontos. Ainda na década de 1980, o corpo continua sendo importante no trabalho de mulheres artistas, sendo ele vestido ou nu. Porém, nesse momento, a ênfase no essencialismo e no sexo é menor, e há a partir de agora a representação do corpo masculino através da inversão da male gaze, sendo assim um tipo de apropriação. Em 1985, surgem as Guerrilla Girls, feministas ativistas que atacam diretamente as instituições da arte, política e a cultura pop. As Guerrilla Girls chamam atenção sobretudo por utilizarem máscaras de gorilas em todas as suas ações e cartazes. Se apropriando do anonimato, assumem o neutro, gerando incomodo por quebrarem o cânone da beleza pela máscara escolhida.

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ARTIGO


A sua arte é feita na rua, para ser reproduzida e se apropriando de ferramentas do capitalismo, trabalham com um viés feminista. Ainda, as ativistas fogem do que seria um trabalho de artes e das ciências humanas: constroem tabelas selecionando e manipulando informações sobre os museus, as mulheres artistas ali presentes e as

mulheres representadas nas obras de arte. Um dos trabalhos mais conhecidos do grupo é a Imagem 7, Do women have to be naked to get into the Met Museum?, 1989. Na obra em questão apontam que menos do que 5% dos artistas nas seções de Arte Moderna são mulheres no Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque, e que 85% dos nus do museu são femininos.

Fonte: Guerrilla Girls

GALERIA DAS MINAS

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Acima e abaixo: SP-Arte https://www.sp-arte.com/noticias/as-guerrilla-girls-chegaram-exposicao-no-masp-faz-retrospectiva-do-coletivofeminista/

Em 2017, o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, MASP, trouxe uma retrospectiva com 116 trabalhos das ativistas, incluindo dois novos cartazes brasileiros: “As mulheres precisam estar nuas para entrar no MASP?”, 2017 e “As vantagens de ser uma artista mulher”, 1988/2017, mostradas nas imagens acima e abaixo.

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AS RELAÇÕES ENTRE ARTE E GÊNERO


Como foi possível ver, a situação da artista mulher continua sendo extremamente complexa em um mercado de arte muito mais conservador do que a própria história da arte, além da problemática de que se uma artista se considera como feminista ou tem o seu

trabalho considerado como feminista, seu valor de mercado cai. O Museu também serve como uma Instituição de Poder, que normatiza o olhar e o pensamento do público, e que deve ser tratado como um lugar de reflexão, em que devem ser analisados o porquê de determinada seleção de obras e artistas estarem lá representados e geralmente obras e artistas que retratam realidades diversas de gênero, sexualidade e raça diferentes serem marginalizados desse espaço.

Juliana Naufel (naufss) é uma artista visual paulista. Formada em Licenciatura e Bacharelado em Artes Visuais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), desenvolve um trabalho de pesquisa e produção entre as relações de gênero na história da arte, com o foco do protagonismo da mulher na nossa sociedade.

GALERIA DAS MINAS

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18

Formação de uma alma. 2019.


ANA

NORONHA

GALERIA DAS MINAS

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ANA CRISTINA NORONHA RESIDE EM GOAS.

É

NASCEU EM

MARECHAL DEODORO,

MACEIÓ

E ATUALMENTE

NO LITORAL SUL DE

ALA-

UMA ARTISTA VISUAL E ILUSTRADORA QUE, ATUAL-

MENTE, DEDICA-SE PRINCIPALMENTE À PINTURA COM AQUARELA E LÁPIS DE COR.

SUAS

PRODUÇÕES SÃO IMPRESSÕES SIMBÓ-

LICAS DO SEU PRÓPRIO LUGAR NO MUNDO E COSTUMAM TRAZER TEMAS LIGADOS À AUTODESCOBERTA, AO UNIVERSO FEMININO E ÀS INTUIÇÕES.

RECENTEMENTE

MEIRA EXPOSIÇÃO INDIVIDUAL,

EDINIR APRÍGIO, TRO DA

NA

DECIFRA,

GALERIA NISE

CASA AMBROSINA

EM

DA

REALIZOU SUA PRI-

COM CURADORIA DE

SILVEIRA,

ESPAÇO DEN-

MACEIÓ.

POR KAMILA OLIVEIRA

Apresentando sua produção recente, Ana Noronha parece desenvolver seu trabalho a partir de um lugar onde o lúdico e o mitológico se encontram. Seus desenhos combinam uma profusão de cores, que conferem às obras uma riqueza de nuances e detalhes, minuciosamente dispostos sobre tons terrosos. As figuras centrais contrapõem a aura desértica do plano de fundo, parecendo por vezes, suspensas, calorosas, transcendentes. Sugerem alegori-

as alusivas aos ciclos femininos, à existência de uma conexão entre as mulheres e a Terra, as mulheres e a Lua.

À direita: A melhor dançarina. 2019.

22

ANA NORONHA


GALERIA DAS MINAS

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22


Seus trabalhos possuem um viés metafórico e, contemplando o mágico e o simbólico, parecem revelar o inconsciente por meio de imagens oníricas, surreais. A temática do feminino é manifesta: a mãe nutridora e furiosa, a fertilidade, as emoções, os primórdios e os termos, e tudo que permeia as relações femininas, e seus entrelaçamentos.

À esquerda: Contato 2, 2019.

Abaixo: Polvos, 2019.

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À esquerda: Dorso Mutante, 2019. Abaixo: Mãe, 2019.

GALERIA DAS MINAS

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Não era canto de gente, 2019.

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CAPA


A temática do feminino é manifesta: a mãe nutridora e furiosa, a fertilidade, as emoções, os primórdios e os termos, e tudo que permeia as relações femininas, e seus entrelaçamentos.

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Dança invertida, 2019. À direita: Verbo adornado, 2019.

As anatomias quiméricas revelam um universo fantástico, interno e profundo. Sonhos figurados, os quais se tenta decifrar, desvelar suas origens, mergulhando em narrativas intimas e intrigantes.

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ANA NORONHA


Kamila Oliveira (São Paulo, 1987) é Artista Visual e bacharel em Gravura pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná.

GALERIA DAS MINAS

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HELENA LACY “AS ESCULTURAS DE HELENA LACY SÃO HIPNOTIZANTES. AS FORMAS ORGÂNICAS QUE PARECEM IMERGIR EM SI MESMAS E TRANSBORDAR PARA O ESPECTADOR MOSTRAM A POTÊNCIA DA DELICADEZA NO SEU TRABALHO.

A

POTÊNCIA DO FEMININO FICA MUITO CLARA NOS SEUS TRABALHOS COMO

PODEMOS OBSERVAR NA SÉRIE DE VASOS EM CERÂMICA

"POT LADIES" ONDE A

ARTISTA REPRESENTA A FIGURA FEMININA EM VASOS DE CERÂMICA

- OBJETO

DESTINADO A RESGUARDAR A VIDA DAS PLANTAS ALI INSERIDAS

A

-

ESCULTORA TAMBÉM TRABALHA COM FORMAS ORGÂNICAS E ABSTRATAS

COMO PODEMOS VER NA SÉRIE

"LAVA VASES". POR ELE, CONSEGUIMOS

PERCEBER QUE A EXPERIMENTAÇÃO E O FAZER COM AS MÃOS FAZEM PARTE DO REPERTÓRIO DA ARTISTA QUE CRIA VASOS DE LAVA ÚNICOS E COM TEXTURAS BEM DELICADAS QUE PARECEM ESTAR EM CONSTANTE MOVIMENTO, COMO SE A ARGILA ESTIVESSE EM CONSTANTE DERRETIMENTO EM NOSSAS MÃOS.

ALÉM DAS

FORMAS E DETALHES AS TEXTURAS TRABALHADAS PELA ARTISTA NOS REMETEM À PEDRAS E MINEIRAIS ENCONTRADOS NA NATUREZA E É NESSE ENCONTRO ENTRE A POTENCIA FEMININA, ABSTRAÇÃO E NATUREZA QUE ACREDITO QUE NA MULTISENSORIALIDADE DO TRABALHO DE

HELENA QUE ATIVA A NOSSA MEMÓRIA

FEMININA, NATURAL E PRÁTICA.”

VITÓRIA CRIBB,

ARTISTA ENTREVISTADA NA EDIÇÃO DE NÚMERO

GALERIA

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ENTREVISTA

DAS

MINAS.

3

DA


POR MARTA TRADUÇÃO

DE

POR

LA PARRA PRIETO VANESSA MÚRIAS

GdM: Quando você se estabelece no sistema de arte, você se identifica tanto como escultora quanto como ceramista. Onde você estabelece a linha entre os dois? Você sequer os separa? Se sim, é sobre funcionalidade? Me atrevo a dizer que você enquadra ambas da mesma forma. Você diz que seu trabalho “encoraja uma postura brincalhona em relação à cerâmica, lembrando o público da abordagem aberta que temos a arte na nossa infância — aprendendo com nossas mãos e interagindo com objetos”. O que essa abordagem a arte significa pra você? HL: Eu me vejo tanto como escultora quanto como ceramista. Originalmente, eu fui treinada em escultura, e encontrei a cerâmica depois. Tentei incorporar as duas e gosto da forma como as linhas entre funcionalidade e arte podem ser borradas. É através dessa incorporação da funcionalidade da cerâmica ao aspecto estético da escultura que cria um trabalho que pode ser usado e apreciado visualmente. Acredito que é isso que aproxima a arte de nós em nossas vidas e dentro de nossas caGALERIA DAS MINAS

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sas. Eu quero que o espectador toque as peças quando as ver — as texturas estão ali para serem sentidas, não vistas. Eu sinto que quando crianças, usamos todos os nossos sentidos quando somos confrontados com algo novo — embora haja um limite ao chegar no paladar! GdM: Sua arte — desde seu trabalho abstrato mais recorrente, como Skye, as peças mais figurativas, como suas incríveis Pot Ladies — parecem indicar que sua arte é focada no seu processo de trabalho. Se entendi corretamente, parece que você fala sobre seu trabalho nesses termos quando diz “trabalhar com suas mãos, o toque, é uma parte integral do processo criativo”. É também interessan-

te mencionar que enquanto fala do seu processo, você geralmente traz o espectador pra dentro. Adoraria ouvir mais sobre “o toque como uma parte integral do processo”. HL: Fazer uma peça de cerâmica — seja escultura ou vaso — é um processo muito tátil. Usando suas mãos pra criar as curvas você pode sentir quão longe a argila pode ser empurrada antes de romper. Acredito que essa tensão pode ser vista na obra final, que o espectador pode seguir os movimentos que minhas mãos fizeram pra cria-la.

Pot Lady na exposição de 1000 vasos. 34

HELENA LACY


White Skye.

GdM: Seu trabalho não só foca em processos mas também em materiais — es-

pecialmente argila —, ou, como você já disse, “em empurrar os limites da argila e ver quão longe você pode fazer o meio se encurvar e esticar através da técnica de construção com a bobina, ao imitar um desenho e descobrindo ao longo do caminho o que é possível quando você tenta fazer uma escultura em 3D de uma imagem 2D”. Eu gostaria de saber mais sobre isso. Todo o meu trabalho começa com um rascunho em 2D. Quando eu escolho transformar um desenho em escultura, eu sei como a parte da frente é mas não faço ideia como tudo será no final. Quando esculpindo, você pode usar uma armadura na qual você pode dar forma e esculpir pra criar o esqueleto, ao qual você vai acrescentar a argila e construir, o que é um processo mais fácil. Mas quando você tenta criar uma escultura em cerâmica usando a técnica de construção com a bobina, a escultura tem que ser oca, criando paredes e dando forma enquanto cria. Esse processo é bem mais desafiador mas também mais divertido — você nunca pode prever completamente como a peça vai ficar no final. Essa forma de criar minhas esculturar realmente expande os limites da argila.

GALERIA DAS MINAS

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Eu quero que o espectador toque as peças quando as ver — as texturas estão alí para serem sentidas, não vistas.

GdM: Curvas parecem estar continuamente presentes no seu trabalho, por exemplo, seu vaso de Lava ou seu vaso Skye, assim como na sua escultura em Skye ou Blue Skye. Porque curvas? O que elas significam pra você? HL: Eu sou atraída à curvas em todas as artes. E para mim, curvas são instantaneamente sensoriais e evocam uma sensação de prazer e conforto. Eu só quero tocar! Como artista, esse é o tipo de coisa que quero criar. Pra mim, curvas são femininas e familiares. Quando comecei a criar esculturas como Blue Skye, eram baseadas no corpo feminino. Eu gosto de desmontar as partes tradicionalmente femininas do corpo e colocá-las de volta pra criar uma expressão abstrata da forma feminina. Desde então eu continuo usando curvas em todo o meu trabalho, mas encontro mais inspiração nas formas naturais e texturas encontradas na natureza, como a lava — o que me levou a minha variedade de vasos “Lava Vases”.

36

ENTREVISTA


Sulfur, da série “Lava Vases”.

GALERIA DAS MINAS

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Da série “Natura Morta”. À direita: série “Level Vases”.

GdM: Pessoalmente sou fascinada com suas esculturas de cerâmica. Pode me contar mais sobre elas? HL: Minhas esculturas de cerâmica são inspiradas em muitas formas diferentes e em texturas da natureza como formações rochosas e o modo como a lava flui e endurece. A escultura Cumulus foi inspirada na forma das nuvens. Não só sua forma traz a mente imagens de nuvens, o processo de faze-la também me lembrou do modo como uma nuvem se forma e muda. A obra final não se parece nem um pouco com minha ideia original! GdM: Apesar de conhecer bastante seu trabalho, não conhecia Natura Morta. Estou obcecada com ela. Me conte mais sobre ela?

HL: Natura Morta é uma experiencia multissensorial de aprendizado — uma instalação onde sentidos como visão, olfato, audição e tato são usados pra ajudar a educar. Eu criei essa instalação pro meu projeto final quando estudei na Wimbledon College of Art. Tivemos nosso último ano para fazer algo e eu queria criar uma coisa grande com a qual o público pudesse interagir e se divertir. Originalmente a ideia se baseava em crianças com dificuldade de aprendizado e como aprendizado multissensorial é usado pra ensina-las através de seus sentidos, apesar de eu ter adaptado para todas as idades. Eu 38

HELENA LACY


queria criar esculturar que o público pudesse tocar e interagir, e sempre há um limite. O foco das esculturas era parecer com duas pinturas penduradas em uma grande galeria, mas você pode entrar e, de uma forma, se tornar parte da obra. Tentei incorporar e manter a forma clássica, baseada nas pinturas de natureza morta e no trabalho do artista Arcimboldo.

GALERIA DAS MINAS

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GdM: Seu trabalho se inspira em muitas texturas e formas da natureza. Nos conte mais sobre isso. HL: Eu olho em volta e as coisas que tenho prazer de olhar, quero criar a partir delas. As coisas que são agradáveis aos meus olhos, sinto que podem ser agradáveis ao meu público. A natureza é uma grande fonte de inspiração por ser tão vasta e todos tem algum

GdM: Gostaria de saber quais são suas influências femininas: HL: Barbara Hepworth, Betty Woodman, Lynda Benglis, Ruth Asawa, Yayoi Kusama, Figuras de Vênus, Deusa Terra.

Pot Lady. À direita: série “Lava Vase”.

40

ENTREVISTA


GALERIA DAS MINAS

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Blue Skye na exposição de 1000 vasos.

GdM: Um Show HL: O show de Drag “Yummy" no Festival Underbelly em Londres, 2019 — o mais divertido da minha vida! GdM: Algo pra ler: HL: Mythos, de Stephen Fry. GdM: Algo pra ouvir. Doona, Les Amazones d’Afrique, Lost and Lookin’, Sam Cooke, Heartbreak road, Bill Withers, Hurt So Good, Susan Cadogan, Earthquake, This Is The Kit Passionfruit, Benny Sings. GdM: Algo pra assistir HL: Recentemente assisti a série Years and Years e não poderia recomendar mais. Parece assustadoramente acurada sobre o que está por vir, e logo!

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HELENA LACY


GdM: Recentemente você participou do Peckham Craft Show. Nos conte sobre.

HL: Sim, participei do PCS nos últimos 3 anos e espero ele ansiosamente sempre (faz parte da London Craft Week). É produzido por duas mulheres maravilhosas chamadas Rachael e Chloe e elas sabem como organizar um show e apresentar peças! GdM: Por último, nos conte um segredo, alguns projetos que estão por vir. HL: Atualmente estou trabalhando em minha primeira feira de artesanato fora do Reino Unido que se chama Keramisto, na Holanda, no final de setembro.

Marta de la Parra (Madrid, 1987) é artista visual multidisciplinar, bacharel em Design pela UEM Universidade Européia, Madrid (Espanha) e pela NABA Nuova Accademia di Belle Arti, Milan (Italy).

GALERIA DAS MINAS

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POR HILLARY

DA

SILVA

Processos criativos são coisas belíssimas

se chega a lugar nenhum; muitas vezes

de serem observadas independentemente

porque não sentimos a completude de

da função do trabalho depositado. Há

apaixonar-se

aqueles e aquelas que precisam anotar

achar o trabalho suficiente - embora tal-

em papel ou na própria mente a se-

vez seja um mero equívoco nosso por

quência das tarefas para visualizar mais

exigir demais de si ou enganosamente

facilmente onde depositar primeiro sua

comparar ao trabalho de outras pessoas

energia

também

(caso esse que, inclusive, deveria ser

aqueles e aquelas que parecem lança-

proibido por lei para que de fato enxer-

rem-se ao mar no escuro a fim de dei-

guemos nossas capacidades individuais

xar levar onde quer que seja seus méto-

de uma vez por todas). Há também o

dos, num conceito quase cósmico e in-

bombardeamento

tuitivo. Ou ainda uma junção de ambos,

coisas internas e externas que atropelam

um yin e yang funcional que procura

nossa sanidade e acobertam o retiro cri-

formas nem concisas nem incompletas.

acional que tanto desejamos construir

E frustrante mesmo é quando esgotam-

durante o tal processo.

e

concentração.

se as possibilidades alcançáveis e não 44

PENSATA

pelo

resultado

excessivo

por

de

não

outras


À esquerda: Ilha, 2019. Acima: Xá, 2019. Processo de digitalização sobre rolo de filmes.

O que vem agora é um discurso já cansado e batido mas necessário repetir: desanimar faz parte às vezes mas desistir não deveria ser uma opção (dentro, é claro, do possível). Se existe dentro de si uma fome por algo que parece agora inalcançável a chave é a prática, é abrir-se a possibilidade de conhecer a si profundamente e entender o próprio traço, o próprio interesse. Copiar muita gente já faz e francamente, o que o mundo precisa mesmo é de tinta fresca com cores fora do padrão Pantone - que digam algo provocante e dialoguem com quem criou e quem andou observando.

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CRER NO CRIAR


Ignorar a cópia é um tanto difícil, até porque nitidamente vivemos em períodos cíclicos e tendenciosos e quando um padrão estoura todo mundo quer fazer também. Embora a reprodução não seja um problema sério, porque é tão raro deparar-se com algo puramente fresco e verdadeiramente impactante? Pressupõe-se que o motivo seja a maturidade no desenvolvimento do processo como também uma visão já avançada e experiente na escolha dos dispositivos. Mas não seria ético decidir e realmente pouco importa, o que interessa é a fragrância de um trabalho que gerou novas formas.

À esquerda: 84. Abaixo: Óleo, 2019. Processo de digitalização sobre rolo de filmes.

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PENSATA


Embora a reprodução não seja um problema sério, porque é tão raro deparar-se com algo puramente fresco e verdadeiramente impactante?

À esquerda acima: Tag. À esquerda abaixo: Micróbio. Abaixo: Seta. 2019. Processo de digitalização sobre rolo de filmes.

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In vitro. 2019.

Por isso é importante defender a prática de ampliar os sentidos enxergando e questionando o todo ao próprio redor - não é apenas olhar para um objeto

ou dispositivo vivo ou morto e descrevê-lo; é cutucar a potencialidade que aquilo possui e lançar-se desenfreadamente a um percurso criativo e explorador para por fim estimular o conhecimento da própria assinatura sobrepondose, inclusive, aos obstáculos materialistícos e financeiros que assombram muitas almas. Afinal, se Duchamp fez de um vaso sanitário uma obra de arte, por quê um rolo de papel higiênico não poderia tornar-se igualmente um objeto de processo criativo?!

Hillary da Silva é Artista visual e reside em Florianópolis - SC, onde cursa Cinema na Universidade Federal de Santa Catarina. Possui diversos projetos com a fotografia e audiovisual.

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CRER NO CRIAR


CENTRO MUNICIPAL DE ARTE HÉLIO OITICICA RUA LUÍS DE CAMÕES, PRAÇA TIRADENTES, 68, RIO DE JANEIRO - RJ, 20051-020 HORÁRIO: SEG./ QUA. / SEX. - 12H ÀS 18H E TER. / QUI. / SAB. - 11H ÀS 18H

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SUELEN MACEDO

sustentar, 2019. Lรกpis de cor sobre papel.


SUELEN MACEDO POR

ELA MESMA

Quando começo a ilustrar, me coloco consciente ou inconscientemente no papel de intérprete de uma mensagem singular, que emerge devido a uma necessidade minha de comunicação comigo mesma e meu entorno. Sinto em minha infância uma carência do ato de dialogar que acompanha desde então o habito de desenhar. A demanda por conversas salienta a formação de uma estrutura presente no meu contexto familiar. Meus pais que se viam na inevitabilidade de trabalhar para garantir as filhas um ambiente oposto ao vivido por eles, com isso surgia um cansaço por parte deles que afastava maiores atenções a questões emocionais. Um pai que ao ter filhas mulheres se vê distante e com dificuldades de se comunicar e uma mãe que caminhava e continua sua caminhada de encontro a si mesma. Podendo ver nas filhas uma possibilidade de irmandade e amizade, além da pura preservação através de um lema invisível, mas que sutilmente se identificava como: “não conversamos sobre certos assuntos para que esses não sejam incentivados”.

Os assuntos só se cabem a imaginar, assim como as expectativas dos meus jovens pais que em sua maneira de me proteger, me fizeram desenvolver uma presença diante do papel e todo um mar de cores e formas internas, que se quebram em traços. Porém, a paisagem formada desse resultado não é litorânea e sim periférica. Meu cenário é o da região metropolitana de Curitiba, Colombo, onde, em parte de seu território, desenhar se torna privilégio.

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SUELEN MACEDO

estar, 2019. Lรกpis de cor e marcador sobre papel.


EU, 2019. Lápis de cor sobre papel.

Passei a ter um contato sensível com essa questão ao ministrar voluntariamente aulas lúdicas de desenho em uma casa de apoio a crianças, que permeou minhas estadias enquanto criança em Colombo. Senti um grande bloqueio por parte das crianças de se autovalorizarem e de ver beleza em suas produções, como se essa possibilidade lhes tivesse sido tirada. As aulas me trouxeram uma proximidade com os processos íntimos de cada criança e seus símbolos expressados, e os que não eram expressos pela falta de sonharem com a possibilidade de algo além da sua realidade.

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A vivência com crianças que carregavam tantos medos me fez revisitar de que forma eu iria me comunicar através das ilustrações, passando a ouvir minhas inseguranças sobre a validação de estilos gráficos, e como isso não podia mais ter espaço, me levei a recordar da sensação de rabiscar livremente, sem nenhum padrão colonizado no meu imaginário, juntei a isso a falta de acesso a materiais e técnicas considerados caros e adotei o lápis de cor como uma ex-

efêmera, Autorretrato. 2019. Lápis de cor e marcador sobre papel.

tensão necessária da minha comunicação.

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SUELEN MACEDO


queima, 2019. Lápis de cor e marcador sobre papel.

Não me defino com um estilo de traço único, mesmo diante dessa catarse do po-

der de desenhar de forma livre, tão pouco acredito que a maneira que desenho hoje vai me acompanhar por muito tempo. Sendo os desenhos desdobramentos de mim, possuem ciclos e fluxos, que por vezes se estancam. Para mim a liberdade de traçar um desenho, sem um pré-estudo de proporções corretas ou cores padrões de nossa natureza observada, se torna a maneira com que eu respeito a essa ciclicidade, representando a pluralidade que encontro no meu próprio corpo e proporcionar que minha mente crie e explore a diversidade de corpos, sem estabelecer ou acessar um padrão. GALERIA DAS MINAS

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irmãs, 2019. Lápis de cor e marcador sobre papel. À direita: encontros, 2019. Lápis de cor sobre papel.

Meu corpo que desde a infância considerava como um lugar pouco habitado por mim em forma de autenticidade e expressão externa física, foi por um tempo um corpo tímido e quieto, que através do desenho se tornou uma referência para meus traços. Onde nas linhas consigo refletir a

singularidade das narrativas que vivencio. Nesse processo de me transcrever no desenho é onde me encontro como protagonista, sem a cobrança de como isso deve ser performado. Sem relutar sobre minha essência observadora e internalizada, busco no desenho salientar a multiplicidade de um corpo feminino que sente raiva, angustia e frustração.

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SUELEN MACEDO


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SUELEN MACEDO


Vendo nas ilustrações um portal de diálogo entre essa expressão física do ato de desenhar e o lado abstrato desses sentimentos. Me auto possibilitando ver o didatismo da linguagem dos desenhos e me autorizar de forma corporal a se inflar ao querer expressar raiva, me encolher de tristeza, me contorcer em resiliência e de me ampliar em beleza. o desenho como um caminho sem começo e fim, mas um onde me permito caminhar de forma efêmera, e cumplice de mim mesma, sem me fixar a um passado calado e fazer dele uma verdade destrutiva as várias possíveis inquietas mulheres que habitam em mim.

Nesse processo de me transcrever no desenho é onde me encontro como protagonista, sem a cobrança de

como isso deve ser performado. Sem relutar sobre minha essência observadora e internalizada, busco no desenho salientar a multiplicidade de um corpo feminino que sente raiva, angustia e frustração.

À esquerda: A gota d’agua, 2019. Lápis de cor e marcador sobre papel. GALERIA DAS MINAS

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roda de Saberes, 2019. Lรกpis de cor sobre papel.

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SUELEN MACEDO


Me afirmar como artista é me permitir estar em processo de sonhar, com a possibilidade de um oferecer, muito além de um sistema de apenas consumir. Perceber que minha estrutura familiar me possibilitou um refúgio em um lugar periférico, sustentando que a comunicação através do desenho me leve a um corpo sem margens, permeando limites.

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A REPRESENTATIVIDADE DA MULHER NA ARTE POR LUANA GOMES

Notando a necessidade de exemplos de figuras femininas em minha vida profissional, decido escrever sobre artistas que inspiram e representam as artes visuais e plásticas. Serão três aqui listadas, contarei um pouco sobre a história, trajetória e ideologia de cada uma, e suas importâncias no cenário das artes e mudanças no mundo.

FAYGA OSTROWER Nasceu em 1920, na Polônia, e por vir de família judia, emigrou para a Bélgica e, alguns anos depois, para o Brasil, onde cursou artes gráficas na Fundação Getúlio Vargas; estudou principalmente a gravura – tanto a xilogravura quanto a calcogravura -, no qual se dedicou muito ao tema maternidade. Fayga teve fases tanto figurativas quanto abstratas, mas descobriu o abstrato como sua paixão e tornou-se precursora da técnica, suas gravuras apresentam um rigor significativo e uso de cores impactantes, seu processo é esplêndido de ser visto, com uma dedicação enorme e um jogo de mistura de vários artifícios diferentes em uma mesma gravura, levando a arte a uma dimensão maior do que ela

mesma.

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TEXTOS LIVRES


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Sua dedicação a levou a lecionar no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, trabalhar como bolsista na Fulbright Comission, em Nova Iorque, escrever inúmeros livros sobre a arte e o processo criativo, incontáveis exposições no Brasil e no mundo e até mesmo a presidência da Associação Brasileira de Artes Plásticas. LYGIA PAPE Nasceu em 1927, no Rio de Janeiro, foi aluna de Fayga Ostrower, mas se ligou mais ao concretismo, se integrando ao Grupo Frente em 1955, um marco histórico

do movimento construtivo no Brasil, ajudando até mesmo a escrever o Manifesto Neoconcreto. Suas experimentações com a arte foram extremamente abrangentes, trabalhando até mesmo com direção cinematográfica, sua arte grita mudança, é um processo, o que a levou a escrever sobre em sua trilogia Livro da Criação, Livro da Arquitetura e Livro do Tempo. Realizou inúmeras exposições, trabalhou com o corpo da mulher, criticando sua objetificação em trabalhos como “Eat Me: a gula ou a luxúria”, sua arte é sensibilidade e humor, chamando em especial a atenção do público. 66

A REPRESENTATIVIDADE DA MULHER NA ARTE


ROSANA PAULINO Artista visual brasileira nasceu em 1967 em São Paulo e tem como foco principal as questões de etnia e gênero, principalmente a aquilo que diz em conta a mulher negra na nossa sociedade atual. Suas obras possuem uma grande mescla de técnicas, apresentando desde gravuras e fotografias a esculturas e instalações. Cursou artes plásticas na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/ USP), além de ser doutora e curadora de arte, trabalhou com dedicação a sua gravura para o Museu de Arte Contemporânea e para o Museu Lasar Segall.

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Sua arte também se trata de elementos pessoais - por ser ela mesma uma mulher negra e afro-brasileira -, como em “Parede da Memória”, instalação formada por 1500 imagens fotocopiadas em almofadas preenchidas por algodão, objeto comumente chamado de patuá, seu objetivo é de trazer proteção dos ancestrais/orixás, imagens essas de sua infância e retratos de família. Em 1998, Rosana se especializa em gravura pela London Print Studio graças a uma bolsa prestada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, também é bolsista da Fundação Ford e participou de residência artística no Tamarind Institute da University of New Mexico (EUA). A autorrepresentação de Rosana com seu próprio corpo e experiência demonstra de forma nítida a sua forte poética e abordagem, sua compreensão sobre o negro na sociedade brasileira está presente em todas as suas obras, deixando uma proposta para o expectador de refletir e debater a relação histórica do seu próprio país, de sua própria população e de si mesmo.

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TEXTOS LIVRES


Luana Gomes (1997) é Artista Visual, residente em São Paulo, onde cursa Artes Visuais no Centro

Universitário Belas Artes,

desde 2016. Sua produção permeia a fotografia, a gravura e a performance, abordando temas como identidade e o feminino.

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POESIA POR MADU PAIM

Madu, 20 anos, crescida em Tomaz Coelho - Zona Norte do Rio, feminista, escritora e imersa em meus pensamentos desde que me lembro. Sempre foi esquisita essa sensação de que minha mente era um grande ca-

nalizador, algo capaz de sair do lúdico e se confirmar nas minhas tantas realidades. A minha própria luta se confundiu com as lutas de outras e outros, e assim escrevi quem eu sou. Construída em meio a erros cometidos por e contra mim, sigo errante.

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MADU PAIM


Borboleta Voa com mesmo que com próprias pernas, quem foi que disse que somente asas são capazes de voar. Crie o seu próprio entorno, e se torne o seu próprio. Casulo. Volte com as suas próprias asas, ame suas próprias almas e te sinta como eu te sinto. Casulo. Traz o copo e vem, voar.

Conduz, amasse como quem ama. É teu, casulo. Saiba que balançar e somente ser a fará de si mesma, livre. De si própria, amor. Sempre dor, e casulo. Passa e faz, e arde, e fica e dói, e tira, o ar, que dor estar, volta e fica, Pacifica.

passa e vai e

Respira, casulo. Voa e volta, Borboleta.

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De amor, não se trata

Escorreguei, quase deixei o sabonete cair desta vez. Ri comigo mesma e me deixei lembrar que coisas leves da vida não pertecem a ninguém, são só minhas. Escorreguei, mas nunca mais caí em você, nunca mais te ouvi dizer nada que me fizesse tapar umbigos. Palavras que me fizeram tapar umbigos. Nunca foi fácil enxergar pelos meus, meus olhos nunca foram capazes de me tornar sã, talvez porque nunca tenham me visto como tal. Quase deixei cair desta vez, mas em todas as outras, deixei. Simplesmente me parecia impossível tentar impedi-lo de pular. E nunca foi. Talvez eu devesse entender que mais do que ser algo, é preciso se tornar. Somos apenas experiências daquilo que nos enxergaram, não que seja preciso e justamente por sermos aquilo o que nós mesmas não criamos, temos o dever de quebrar. Na mesma fluidez que as palavras escorrem pelas mentes e na mesma fluidez que meus dedos percebem e conduzem, eu quebro e me sou livre, talvez porque eu nunca mais consiga escorregar.

Eu me saí bem e quando você me olha... Veja, não é errado que me veja assim, muito menos que não queira, bem... Nunca foi fácil me enxergar. E isto nunca vai ser sobre amor.

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POESIA


Explosivas

Você me olha e não vê o que eu sou. Sou a construção das minhas memórias, uma a uma me minando, mas elas não me decompõem, e aposto que foi o que pensou.

Minas explodem. E me causaram explosiva por onde quer que eu pudesse passar, causas e causas e causas... A boca seca, não importa com qual som se leia isso, eu já te disse pra não esperar muito mais que nada de mim. Você me olha, vê o que quer, e eu já te disse para não esperar, não por mim, não tente me dar um nó... sou fugida, é que eu amo com falhas catando migalhas, não minhas, das que fiz. Não tente me dizer que não posso falar como de onde vim, nem que talvez seja melhor desapegar daquilo que me construiu. Uma vez me disseram que um bom pensador conecta dois espaços-tempos. Uma boa pensadora conecta um tempo só, aquele único capaz de reerguer.

Minas explodem. Minas são explosivas. E eu já te disse, não espere muito mais que nada de mim.

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Nunca fui nó

Olha só o que você causou por aqui, eu já disse que é terrível que eu me sinta fraca e mais ainda que seja diante de você. Eu sempre me mostrei de uma forma que talvez não seja como sou, não sou forte e destemida e muito menos aguento trancos por já ter experimentado algumas das piores dores da vida. Eu nunca quis que eu mesma me saísse fraca. E é terrível sim que alguém consiga, mas não vou glamorizar o estrago, não foi bonito sentir estas coisas violentas que me colocaram no centro de um turbilhão. Estar com você foi um eterno cair de águas, andar em bancos de areia e... cair. voltar. cair. e voltar. me sentir segura pra mergulhar e ficar. e cair. e voltar. sem ar. Talvez seja necessário, coisa que algumas pessoas insistem em dizer, que se sintam dores que nos recusamos a enfrentar. e eu me recusei. E todo esse tempo não pude me demonstrar melhor, perdi a luta e perdi a mim mesma numa estrada sua, com as suas armadilhas e as formas que só você sabe como desatar. Fui um nó no seu emaranhado de coisas catastróficas, mas você fez questão de me fazer mais solta, de me manter presa apenas pelo o que eu encontrava como era... e era. E hoje eu saio, muito pior do que feliz, dolorida. desgasta, sentida. Mas é sempre bom lembrar que saio. Desnuda e desatada de você. Nunca fui nó, fui laço.

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MADU PAIM


Porcelanas

prateleiras em madeira de lei e quadros a bola de tênis que você pescou, um elefante verde e porcelanas e espaços e mentiras e tudo aquilo que sigo sem entender. o sorvete daqui é melhor, mais barato e foi você mesmo quem disse. mas não disse que caro mesmo seria a falta... porque sua não presença esculpiu um sofrer. e porcelanas. não se sinta mal, as coisas pretendem ir bem por aqui. eu que sempre pretendi. eu e eu. e porcelanas. talvez não tenha sentido que coisas como estas se tornem importantes, muito menos que pessoas como estas se tornem... apenas se tornem. e se entornem... consegue sentir enquanto o tempo passa?

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ARTISTAS DESTA EDIÇÃO

Ana Noronha

https://www.instagram.com/anacnor/

Helena Lacy https://www.instagram.com/h.e.l.e.n.a.l.a.c.y/ http://www.helenalacy.com

Suelen Macedo https://www.instagram.com/su.spira/

Madu Paim https://www.instagram.com/souerrante/

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COLABORADORAS Edição e Diagramação Kamila Oliveira https://www.instagram.com/kamioliv/

Entrevista e Revisão Marta de la Parra Prieto https://www.instagram.com/iamanaesthete/ https://www.madsmilano.com/product-page/marta-de-la-parra-prieto https://cargocollective.com/MartadelaParra

Tradução Vanessa Múrias https://www.instagram.com/vanessamurias/ https://laricanos30.wordpress.com

Textos Hillary da Silva https://www.instagram.com/hillarydaselva/ https://dasilvahillary.tumblr.com

Juliana Naufel https://www.instagram.com/naufss/ https://cargocollective.com/juliananaufel

Luana Gomes https://www.instagram.com/luanagomesart/ https://www.behance.net/luanagomes4248

Madu Paim https://www.instagram.com/souerrante/

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