N°1
Revista Junho 2019
JULIANA HILLARY LORENA SHELBY ALICE CAROLINA
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Revista Galeria das Minas
Capa desta edição: Juliana Naufel. Galeria das minas, 2018.
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Revista Galeria das Minas
Linhas de Conforto, Redes de Confronto
Convidamos você à vernissage da exposição “linhas de conforto redes de confronto” do coletivo Mulheres que Admiro Muito, que acontecerá no dia 18 de junho, terça-feira, das 19:00 às 22:30, na Galeria Alcindo Moreira Filho, localizada no 1º Andar do Instituto de Artes da UNESP. omos um coletivo artístico de mulheres que se admiram muito. Desde nossa primeira reunião, riou-se um espírito de apoio, de rede. Queríamos dar atenção umas às outras, criamos entre nós, uma relação complexa em que amizade, apoio, e expansão se entrelaçam e geram movimento. A exposição dirige nosso olhar para uma de nós: Vitória Azevedo nos emprestou sua imagem, angústias e força como alimento criativo. No futuro, outras de nós farão o mesmo. Sobre nós: Jaq Braum (@jaqbraum). mulher negra. periférica. artista visual. zineira. poeta. desenvolve uma pesquisa na qual busca investigar os espaços do cotidiano através da fotografia pensando o ambiente urbano como um lugar produtor de disparidades que ocasionam traumas sobre os corpos que transitam por eles. Júlia Szabó (@juliaszarte). Pintora, ilustradora. Desenvolve sua pesquisa sobre o corpo pensando na reapropriação do nu feminino pelas mulheres. Suas figuras, livres de contexto social, fazem parte de uma reflexão sobre a agressividade e espíritos femininos, sobre autoimagem e sexualidade. Juliana Naufel (@naufss). Artista Visual e Arte Educadora. Desenvolve um trabalho de pesquisa em relações de gênero na arte e na abordagem dessas relações em sala de aula. Sua poética aborda o protagonismo da mulher na sociedade e a violência de gênero. Através do bordado ressignifica memórias. Laís Matias (@laixxmo). Desenhista, desenhêra. Ilustradora, tecelã amadora e educadora. Tem interesse na produção negra de arte, nas reflexões sobre as relações da negritude com o afeto e a violência, além da retratação do amor e cotidiano lésbico. Sofia Pontieri (@laixxmo). Artista Visual, circense, palhaça, arte educadora. Trabalha com a instabilidade nos papéis de gênero e na construção das identidades corporais, psicológicas, emocionais e históricas sob uma perspectiva de ressignificação libertária e anticolonial, tanto na papietagem/escultura/instalação e desenho quanto em sala de aula e no circo. Stela Martins (@stla_mars). Artista visual, serigrafista, arte-educadora e crianceira. Desenvolve uma pesquisa sobre cultura de massa e internet, abordando como ela se reflete na adolescência, juventude e suas contribuições sobre a construção do feminino. Tóia de Azevedo (@vie_in_rose ). Artista Visual. Poeta. Trabalha com representações do próprio corpo no espaço, tempo e sociedade. Possui uma pesquisa com Deusas, aspectos primordiais do feminino e como se manifestam em nossa era. Tem como principais meios a fotografia, a cerâmica e pintura.
Período expositivo: 18-30 de junho Horário de Visitação: 10:00 às 19:00 Entrada Gratuita Local: Galeria Alcindo Moreira Filho - R. Dr. Bento Teobaldo Ferraz, 271 - 1º Andar
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JULIANA NAUFEL
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HILLARY DA SILVA
LORENA ROSA
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ENTREVISTA: SHELBY DILLON
POESIA
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Juliana Naufel
JULIANA NAUFEL (naufss) Por Kamila Oliveira
"Juliana Naufel (naufss) é uma artista visual, formada em Licenciatura e Bacharelado em Artes Visuais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), e desenvolve um trabalho de pesquisa e produção entre as relações de gênero na história da arte, com o foco do protagonismo da mulher na nossa sociedade. Em sua produção, mergulha em memórias esquecidas em fotografias herdadas, encontradas em feiras de antiguidade e álbuns empoeirados. Naufel reescreve histórias perfurando e bordando poesias, indagações e sutilezas nessas fotografias, criando uma relação íntima com o espectador.
Estereótipos são constantemente questionados. Seu foco é contestar as obrigações sociais e a violência contra a mulher brasileira, colocando as personagens como protagonistas de suas próprias histórias¹."
Determinada, sd. Bordado sobre fotografia, 9x9 cm. ¹currículo cedido pela artista
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Juliana Naufel
Abaixo: Hijas, 2018. À direita: Herstory, 2019.
O resgate de memórias e a reconstrução de narrativas femininas. Em primeira instância, é isto que absorvo do trabalho de Juliana Naufel. As fotografias antigas contam por si só, histórias das mais diversas, e no trabalho de Juliana, parecem vir do fundo de um baú antigo, repleto de recordações, histórias de amor e de luta.
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Juliana Naufel
“A-mar”, 2018.
O bordado é ainda associado a um fazer manual, predominantemente feminino e com fins utilitários. No entanto, este novo desígnio associado às artes plásticas, faz emergir outras questões do feminino, dando ao bordado uma conotação associada ao ato de reescrever histórias, e no trabalho de Juliana, também evocar a força feminina, trazendo um novo olhar para as situações retratadas.
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Abaixo: Um casal como os de filme, 2018 e La Fuerza, 2018
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Juliana Naufel Abaixo: Future, 2018. À direita: Sisterhood, 2018.
A cor da linha abre luz em meio ao cinza e conta histórias sob uma nova perspectiva, evidenciando o valor dos momentos que precederam o que somos hoje. Quantas vieram antes de nós e ajudaram a pavimentar este caminho que estamos trilhando? Delineia de forma sucinta, momentos que retratam alegria, saudade e sonhos, mas sobretudo, a existência.
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Hillary da Silva
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À esquerda: Sem título, 2016. Fotografia analógica. 15x10 cm. Capa 1, série de fotografias em filme, feitas aos arredores do bairro real parque, região periférica de são josé/sc promovendo uma análise visual e ressignificação de espaços banais.
Ás artistas periféricas Por Hillary da Silva
S
ó agor a per cebo onde iniciei meu contato com a ar te: foi por causa dos meus avós por parte de mãe. Meu avô gostava de pintar coisas alucinantes
em materiais que encontrava na rua; desde pedaços de madeira a janelas de banheiros. Antes de morrer ele fez um retrato meu em um pedaço de pape-
lão. Já minha vó sempre gostou de crochê e fazia peças incríveis sozinha mesmo nunca enxergando muito bem e tendo mãos tremulas. Só soube de grande que a relação dos dois era complicada e tóxica, naquele esquema de casamentos de décadas onde o homem faz merda e a mulher aceita. De um jeito muito torto, os dois se completavam – e pode parecer estranho – mas isso era visível na decoração criativa e colorida que os dois produziam nas inúmeras casas que moraram durante suas vidas juntos. Detalhes esses que já desde criança me chamavam atenção – as cores e os objetos criados pelas mãos deles
espalhadas pelos cômodos. Meus avós nasceram e morreram na miséria, mas faziam questão de sobreviver com o que amavam e isso é algo que só hoje depois de quase 10 anos após terem falecido é que percebo, admiro e me identifico incontestavelmente.
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Hillary da Silva
Venho de família pobr e e de sobr enome or dinár io dos dois lados da família. Sou mulher branca, bissexual, periférica e artista graduanda em cinema de universidade pública. Entrei na faculdade através de cotas pra pessoas em situação socioeconômica vulnerável e oriundas de escola pública, não fosse isso não conquistaria meu espaço lá dentro. Dependo de bolsa permanência pra realizar meu sonho de concretizar os estudos e me inserir num mercado de trabalho artístico pouco valorizado, elitizado e difícil numa das capitais mais ricas e conservadoras do país: Florianópolis, Santa Catarina. Mas sigo tentando. Essa conquista foi há quatro anos, antes disso tudo era apenas um “e se...” enquanto assistia filmes na TV e fotografava com minha cybershot. Agora me encontro na reta final do curso e temendo meu futuro diante de um governo que tem como meta destruir os pilares que estavam em processo da construção cultural do país.
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Nascer pobr e e escolher ser ar tista é decidir e aceitar o fato de que vai ser dez vezes mais difícil do que um(a) estudante vindo de família com suporte financeiro garantido. É entender que aprender vai ser um processo redobrado e muitos projetos vão ser quase impossíveis de serem realizados. É contornar os questionamentos familiares quando surgirem “Mas tem trabalho pra isso?” ou “Seja alguém na vida. Arte é coisa de gente rica”. É usar a criatividade quando uma ideia aparece em epifania e não se tem dinheiro pra realiza-la da forma que idealizou. É adquirir o hábito de não se comparar com o processo e a vida daquele(a) colega que tem tempo de se dedicar a um projeto e adquirir meios pra faze-lo bem. É conciliar a vida pessoal conturbada com os horários do dia pra comparecer e dedicar-se integralmente as aulas e projetos paralelos. É conseguir realizar uma obra que fale por si só sobre sua identidade sem fantasias e enfeites como aparecem na arte de gente grande.
“A periferia é meu ateliê, meu cavalete com tela e estúdio audiovisual. Demorei muito pra reconhecer que esse espaço é meu suporte e minha fonte de criação."
Sem titulo, 2016. Fotografia analógica. 15x10 cm. Capa 2, série de fotografias em filme, feitas aos arredores do bairro real parque, região periférica de são josé/sc promovendo uma análise visual e ressignificação de espaços banais.
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Hillary da Silva
À direita: Sem título, 2016. Fotografia analógica. 15x10 cm. Capa 3, série de fotografias em filme, feitas aos arredores do bairro real parque, região periférica de são josé/sc promovendo uma análise visual e ressignificação de espaços banais.
Aqui a per ifer ia é meu ateliê, meu cava-
dentro do afiado olhar sobre o feminino,
lete com tela e estúdio audiovisual. De-
processando-os em minhas criações, mos-
morei muito pra reconhecer que esse espa-
trando que existe um mundo longe do que
ço é meu suporte e minha fonte de cria-
se sabe, mas que se depara ao mesmo
ção. É a vivencia que insiro nas minhas
tempo muito perto do centro. Encontro
aventuradas tentativas de criação, é minha
minha metodologia pessoal através das
identidade, minha torneira de autoconsci-
possibilidades ao meu alcance, exercendo
ência, minha realidade. Só agora sinto
as matérias criativas que aprendi e conti-
vergonha por ter escondido isso de mim e
nuo aprendendo pelas barreiras socioeco-
do mundo por tanto tempo, mas nunca é
nômicas que me ajudaram a reconhecer
tarde pra aprender e valorizar o espaço
meu modo intuitivo de criar. Nada nem
que somos inseridas pela inconsistência
ninguém pode nos impedir de gerar e a
pontual da vida. Meu trabalho agora é
parir a arte. E de nada importa o local de
abraçar meu processo e minhas vivencias
nascimento.
Artista visual, reside em Florianópolis - SC, onde cursa Cinema na Universidade Federal de Santa Catarina.
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Detalhe da obra “L’Origine de la violence”, 2018
22 Lorena Rosa
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Lorena Rosa "Goiana vivendo em Minas, conheci a técnica do bordado aos 5 anos, em um centro comunitário. Graduanda em Artes Visuais na UFU, encontrei na técnica do bordado meu lugar na arte. Produzindo obras e ministrando cursos vejo meu trabalho sendo desenvolvido para tocar mulheres, e entre linhas, agulhas e bastidores, num movimento de idas e vindas, com um tilintar cauteloso, a criação e o empoderamento se dão¹."
Por Kamila Costa
Interferindo em imagens pré-
submetidas. Seus trabalhos
concebidas ou em sua própria
encaixam-se perfeitamente à
pele, a artista Lorena Rosa
realidade atual, e contribuem
traz à discussão, questiona-
para suscitar demandas tais
mentos da contemporaneidade
como, a violência obstétrica,
acerca do papel da mulher em
e a solidão das mulheres dian-
nossa sociedade e as violên-
te de abusos físicos, psicoló-
cias as quais ainda somos
gicos e emocionais. ¹currículo cedido pela artista
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Lorena Rosa
"Por que a raiva não é uma emoção feminina?", 2019. Linha de algodão bordada sobre tecido 100% algodão, s/m.
Em seu trabalho “L’Origine de la Vio-
lheres durante o trabalho de parto. Em
lence”, a artista traz à pauta a violência
“Só’s”, áudio instalação composta pelo
obstétrica, tema muito pertinente em
bordado em peneiras de palha e grava-
tempos de retrocessos, onde questiona
ções de relatos, um olhar (e a escuta)
a necessidade do procedimento denomi-
para as histórias femininas de submis-
nado "episiotomia", realizado em mu-
são extrema nas regiões rurais do país.
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Só's, 2018.
A reflexão é inevitável: até que ponto somos realmente possuidoras de nossas vontades? Até que ponto determinamos o que pode ou não ser feito com nossos corpos e nossa vida?
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Rupestre. 2018. Linha de algodĂŁo sobre pele.
26 Lorena Rosa
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L'Origine de la violence. 2018. Bordado aplicado em impressão sobre canvas, 61x65cm.
O bordado aqui vai além da ressignificação de ideiais femininos. A linha vermelha tem o papel de comunicar a urgência, de causar incômodo, de denunciar e ir através da pele, atraves da superfície. Mas também, representar a vida que pulsa.
Kamila Oliveira é artista visual e bacharel em Gravura pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná.
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Fotografia da sĂŠrie Ritual.
28 Entrevista
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SHELBY DILLON
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Shelby Dillon
Shelby Dillon (Minneapolis, 1994) é uma contadora de histórias firmemente comprometida com arte, feminismo, e narrativas visuais. Constrói histórias através de imagens paradas e em movimento, ou, como ela coloca, sua arte é “ou um frame pausado de um filme ou uma fotografia de movimento, ou os dois”. Como cineasta, possui Bacharelado em Estudos de Cinema pela Wesleyan University,
além de outros estudos (como por exemplo Cinema Francês no Programa Yale Abroad, na França) e experiências (como um estágio para, Naomi Ko). Como fotógrafa, estagiou para o fotógrafo premiado Alec Soth. Junto com isso, ela também trabalhou como fotógrafa de making of para o filme em 3D "Cunningham".
Por Marta de la Parra Prieto Tradução por Vanessa Múrias
GdM: Ao se colocar no mercado das artes, você se identifica tanto como fotógrafa quanto cineasta; no sentido de que você afirma seu trabalho como “imagens paradas e em movimento”, o que define uma e outra, onde convergem, e onde divergem? SD: Acho que meus trabalhos fotográfico e cinematográfico se comunicam entre si, mas ainda são expressões artísticas diferentes. A maior diferença entre esses dois meios é o fato de que o cinema é uma arte baseada em tempo enquanto a fotografia não é. Nesse sentido, eu olho pros meus filmes como uma séries de fotogra-
fias que se prolonga com o tempo, enquanto minhas fotografias são frames pausados de um filme. Algumas das minhas histórias são contadas melhor através da limitação do tempo (fotografia), e outras requerem um alongamento do tempo (cinema).
Revista Galeria das Minas
GdM: Sua fotografia pendula entre urbana e conceitual, e ambas se encontram na cinematografia. Por qual você se apaixonou primeiro e como a outra começou? Como ambas se encontraram? Você se move de uma para a outra ou elas coabitam? E que tipo de dinâmica você articula entre as duas? Vê ambas como algo único ou as entende separadamente?
SD: Cinema foi meu primeiro amor. Sonho em ser cineasta desde que me entendo por gente, literalmente. Não consigo lembrar de uma época em que eu não tenha desejado fazer filmes. Fotografia veio a mim disfarçada de escape criativo enquanto eu estava na faculdade. O programa de cinema da Wesleyan é muito teórico e eu não tive a oportunidade de criar filmes. Então eu fiz algumas aulas de fotografia pra aprender sobre câmeras e ter a chance de criar alguma coisa. No fim das contas, eu amei fotografia. Então mergulhei.
Projeto People and Places, 2015.
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Entrevista
Abaixo: Projeto People and Places, 2015.
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Para mim, meu trabalho com cinema e meu trabalho com fotografia são práticas separadas. Como mencionei anteriormente, histórias diferentes requerem meios diferentes. Eu geralmente trabalho em múltiplos projetos de cinema e fotografia ao mesmo tempo, mas raramente no mesmo dia. A maioria dos dias é focada ou em cinema ou em fotografia, mas em geral os projetos se desenvolvem ao mesmo tempo.
GdM: Parece que narrativas, histórias são vitais para o seu exercício como artista,
tanto em cinema quanto em fotografia. Conte-nos um pouco mais sobre como você aborda narrativas. Quais são suas influências, seus objetivos, e como você formula narrativas e conexões com o público? SD: Eu amo artes movidas a narrativa em todos os meios. Tenho muito respeito por nãonarrativas, mas sempre circulo em volta de histórias. Mas a narrativa toma muitas formas diferentes no meu trabalho. Enquanto meu filme Self Creation é a peça mais avant-guarde que já criei, ainda é muito narrativo — seguimos a personagem principal por um cenário surrealista enquanto ela encontra obstáculos no ambiente. Não há diálogo no filme, mas
há um desenvolvimento claro do seu estado emocional e as mudanças que ocorrem nas suas respostas aos mesmos lugares. É possível traçar um início, um meio e um fim, embora a peça seja construída para tocar em loop. Então ainda é possível dizer que Self Creation é um filme fortemente narrativo, mesmo sendo avant-guarde.
Self-creation.
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Shelby Dillon
Self-creation.
Tenho tantas influências que é difícil
cinema japonês (A Mulher da A reia e
destilar todos em apenas algumas pala-
Yojimbo - O Guarda-Costas são grandes
vras. Se tratando de cinema, eu diria que
fontes de inspiração pra mim) e por al-
sou muito influenciada pela escola euro-
guns filmes americanos contemporâneos
peia de cinema e por filmes clássicos de
(Encontros e Desencontro e A Última
Hollywood. Desde A sas do Desejo e Hi-
Tentação de Cristo são dois de meus fil-
roshima, Meu Amor a Cantando na Chu-
mes preferidos). Há tantos filmes e cine-
va e Gata em Teto de Zinco Quente. Em-
astas que eu amo. Eu poderia continuar
bora eu também seja influenciada pelo
essa lista pra sempre.
Revista Galeria das Minas
GdM: Personagens femininas parecem estar fortemente e continuamente presentes, como em Restock ou Self Creation. Não só personagens femininos mas também narrativas feministas estão presentes em seu repertório, como em sua série de fotografias Ritual. Acho que é certo te chamar de feminista. Primeiramente, gostaria de ouvir mais sobre essas personagens e essas narrativas, e como imagens, narrativas e feminismo são utilizados no seu trabalho.
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Entrevista Abaixo: Fotografia da série Ritual. À direita: Projeto People and Places, 2015.
SD: Minha série de fotografias Ritual na verdade fala diretamente das limitações do olhar masculino ao se colocar no conceito da “musa”. Como a série é feita de autoretratos, eu criei um lugar de poder onde eu poderia desconstruir imagéticas do corpo feminino que tem sido continuamente exploradas na arte (e além) por séculos. Eu subverti imagens tradicionais da forma feminina vistas pelo olhar masculino, especialmente no cânone ocidental de pinturas. Embuti um arco narrativo que é estruturado pela jornada da personagem central através de um ritual esotérico de imagens, para externar a sua transformação interna de “ela” para a versão dela que o mundo valoriza: seu corpo, não seu ser inteiro.
Revista Galeria das Minas
Se tratando de cinema, todas as minhas personagens principais tem sido femininas porque, como diz o velho ditado, escreva sobre o que você conhece. Histórias centradas em mulheres são as histórias que eu quero contar, pelo menos agora. Acho que minha inclinação natural é contar histórias que tenham verdade. Como minhas histórias são direcionadas por personagens femininas, cada história se torna um exame da verdade dessas personagens e da verdade de suas realidades. Ao examinar essas personagens e suas formas de ser de forma complexa e autêntica, eu tento dar voz personagens femininas que anteriormente não tinham nenhuma. Tantas vezes
vemos mulheres representadas de forma unidimensional, ou de forma que se torna uma fantasia masculina. Mulheres são muito mais do que isso, e é por isso que quero contar as histórias que qualquer um pode assistir e se conectar por causa da verdade entranhada na narrativa. Eu não digo verdade como “Ah, isso realmente aconteceu”, digo como o tipo de verdade que se comunica instantaneamente com o espectador. Eu também faço um esforço consciente
porque, de acordo com o relatório anu-
de popular minhas equipes com o má-
al do teto de celuloide, somente 1%
ximo de cineastas negras, indígenas,
dos filmes americanos de maior arreca-
não-brancas, e que se identificam como
damento tem mulheres e pessoas não
mulheres. É incrivelmente importante
brancas em posições de poder nos sets.
pra mim como uma mulher artista
Estamos todas juntas nisso, e eu ativa-
apoiar e colaborar com outras mulheres
mente quero apoiar outras mulheres no
artistas e outras minorias, parcialmente
cinema.
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Shelby Dillon
“Histórias centradas em mulheres são as histórias que eu quero contar” GdM: Enquanto cinema é trabalho em equipe, parece que sua fotografia se alinha mais com práticas na solitude. Estou certa? Como você encara as duas? SD: Acho que posso ser uma pessoa de extremos, e isso se traduz no meu uso de dualidade em cinema e fotografia. Nesse momento, minha fotografia é muito feita em solitude, ou pelo menos anonimato. Cinema é mais inerentemente colaborativo então eu estou cercada de pessoas no set e trabalhando com elas pra criar minha visão.
Acredito que as duas artes me equilibram.
GdM: Pensando na série Ritual, parece que você faz o papel da fotógrafa e da modelo no seu trabalho de fotografia conceitual. Estou errada? SD: Eu modelo uma parte do meu trabalho, incluindo a série Ritual. Eu não diria que meu lugar natural é na frente das cameras, mas como eu estava fotografando, me senti confortável sendo modelo para mim mesma. Essa série era mais sobre experimentação, então pareceu certo eu modelar já que o processo incluía muitas tentativas e erros.
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Ritual.
GdM: Goya, Matisse, Coppola, Dali, Titian, Fellini, Wilder, Caillebotte. Contenos mais sobre as suas influências.
SD: Sempre sim para todos os artistas que você mencionou. Você basicamente listou todos os meus preferidos. Além dos homens listados, vou listar as minhas artistas inspiradoras: P.T. Anderson, John Ford, Akira Kurosawa, Ingmar Bergman, Caravaggio, Brassaï, Henri Cartier Bresson, Luigi Ghirri, François Truffaut, Jean-Luc Godard, Nikos Kazantzakis, John Singer Sargent, John Berger, Joseph Campbell. Eu poderia continuar pra sempre.
GdM: Eu gostaria de enfatizar suas influências femininas. SD: Sem dúvidas. Existem tantas. Agnés Varda, Sofia Coppola, Maya Deren, Stevie Nicks, Madonna, Claire Denis, Jane Campion, Rachel Maclean, Sofonisba Anguissola, Artemisia Gentileschi, Vivane Sassen, Sophie Calle, Es Devlin, Cindy Sherman, Jane Austen, Edith Hamilton, Elizabeth Vigée LeBrun, Louise Brooks, Clarissa Pinkola Estes, Isabel Allende, Patti Smith, Mary Oliver, Tarsila do Amaral, Leonora Carrington, Elizabeth Price. Mais uma vez, eu poderia continuar para sempre.
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Entrevista
GdM: Um programa. SD: Myths & Monsters da Netflix. E Great British Baking Show. GdM: Algo para ler. SD: Comecei a Odisseia de Penelope de Margaret Atwood, ontem a noite, e já estou quase no fim. É incrível. Além disso, Zorba, O Grego. E A Insustentável Leveza do Ser de Milan Kundera. GdM: Algo para escutar. SD: De música, vai de Madman Across the Water, do Elton John. De álbum, vai de How to Be a Human Being, da Glass Animals. GdM: Algo para assistir. SD: A Cor da Romã. É um filme incrível e nem todo mundo conhece.
GdM: Provincetown International Film Festival está chegando. Conte-nos mais sobre ele. SD: Eu amo o PIFF. É um dos meus festivais de cinema preferidos. Meu filme Self Creation na verdade vai estar lá esse ano, o que me deixa muito animada. Provincetown é a colônia de artistas mais antiga dos EUA, e é bem na ponta de Cape Cod. O festival não tem a pretenção que muitos outros festivais conhecidos nos EUA tem. Todos andam de bike pela cidade, John Waters mora lá o ano todo então ele está sempre fazendo festas e indo ver os filmes. O festival também recebe o Women’s Media Summint todo ano, e há uma população gigante de artistas e LGBTQs, então a sensação é de um lugar muito aberto e seguro. Eles expandiram o programa Next Wave Award Program, que é onde o meu filme estará incluso. O programa mostra cineastas com curtas e longas no Festival, e cineastas explorando outras disciplinas como meio para aguçar suas proezas.
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GdM: Por último, nos conte sobre algum projeto secreto que está por vir. SD: Estou gravando um filme no fim desse verão que é sobre a natureza performativa da interação humana. É uma peça que utiliza muitas flores e abstrações visuais contínuas dos corpos dos atores. Estou muito animada!
Sua fotografia foi exibida e publicada internacionalmente, e seus curtas foram mostrados nos EUA e no exterior. Seu trabalho agora está sendo exposto na galeria M.A.D. em Milão, onde ficará até Novembro de 2019. Logo, em Junho, outro de seus curtas será incluído na programação do Festival de Cinema Internacional de Provincetown, Massachusetts.
Marta de la Parra Prieto (Madrid, 1987) é artista visual multidisciplinar, bacharel em Design pela UEM Universidade Européia, Madrid (Espanha) e pela NABA Nuova Accademia di Belle Arti, Milan (Italy).
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Alice Cerqueira. Sem tĂtulo. 2018. Aquarela e caneta Posca sobre papel canson 300 g/m. 29,7x21cm.
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Poesia Tenho esse descontrole Em observar demais Mesmo sabendo que A consequência é sentir E como um treino inconsciente Para me sabotar As lágrimas me exploram Regando dores antigas Mantendo-as vivas Com seus espinhos Penetrando a fundo Piorando a dor A cada inspiração E tudo o que chega depois Bom ou ruim, não importa Pois estarei danificada O suficiente Para já não sentir mais nada
Alice Cerqueira (Fortaleza - Ceará, 1997) é artista visual e ilustradora. Escreve poemas desde 2015.
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Poesia
antes de ser capaz de acreditar de alguma maneira que um pardal é imortal vigésima noite que achei que seria a última, não como uma apêndice de despedida é que escrevo sempre pensando no fim em seu rascunho inicial, o poema terminaria dessa forma "com as mesmas mãos, não terminar de pôr as calças" que olho segurar o susto ou em qual dente retrair as raízes? reclino sobre o ato de iniciar a escrever, como soltar foguetes e espantar os mundos mas penso o céu colore, as pessoas fogem: o bicho solto na rua ninguém ouve o som anterior da explosão escrita, o sobressalto das últimas linhas mas sem corridas. a estátua do tempo em poesia, é como tossir com as poeiras, coçar o nariz, mudar os móveis, limpar a casa, procurar os vestígios e jogar sabão. diferente de iniciar um poema, terminar não possuí pontuação, na inflexibilidade do término e do recomeço, o suor frio de não conseguir comer todas as uvas do cacho, de entregar a figura canina com as orelhas tortas e pelo rubro, você me contradiz nos lugares em que cães não se predispõem em gramados e temperaturas abaixo de vinte. as pausas das colunas pesam como pesam metais estáveis, pesam como toneladas de facas não destruídas ao fogo que pesam como uma mulher carregando a filha nos braços que pesam como a mochila rasgada e vazia que a poesia criou que doía, concretizar o figo que não desgruda dos dedos, a linha mole que se perde em tomadas, estar de pé em cima da cama tocando as veias o milagre de escrever, o garoto balbucia, o sonho que termina sem resposta, tua raiva engole gin com gelo e limão, a língua em careta expressiva se eterniza mas desperta, eu respondo ser poeta é se fingir de morto
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e logo, a pélvis desfraldada fermentando
a princípio, o leão-marinho persegue os fios de pêssego abandonados que fazem seu colo e acariciam os pentelhos cegos como quem fode procurando gelatinas podres quando pensar nas vezes que fui gostosa e com os bicos do peito pra cima estive morta de olhos sepultados e magnéticos h. tem o sêmen preso na panturrilha e gengiva cortada o pênis duro de anteontem amputou meu cóccix, eu pergunto o que foi a boca baratinada encostada em granito há sempre do que fugir com a onda sísmica formigando onde a úlcera seguinte se encontra i) na raiz das coxas vomitadas ii) na baleia deteriorada em taquicardias iii) numa viúva lânguida em telhados redondos h. de orelhas cortadas dissolvendo flâmula te calcifica e deus te permite sangrar antes do almoço, você disse? o maxilar preso em inchaços lambe os ovários no socorro póstumo e chanfrado galopando em duas hipertensões a sua fé bastava em paus circuncidados estrangulando a febre adotiva porque cristo finge que a campainha não toca enquanto suas filhas se masturbam com facas de tomate
não é fácil observar: a casa emoldurando com pingos de chuva ou os mamilos lacrimejando feridas na terra quente
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Poesia
menos que nada de oito morangos colocou na boca o filho do meu estuprador segura as bordas de talco e pomada dentro do ônibus, o corpo desmancha prendendo tentáculos plastificados o filho do meu estuprador mastiga em um tosse amarga me pergunta sobre os bebês como parir os filhos o filho do meu estuprador ainda não sabe como se fazem crianças te dou o nome de semente germinada para quem falece em garras de corvo isto é, as mãos do homem
Carolina Alves é poeta, de 97 e cursa Cinema na Universidade Federal de Santa Catarina.
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ANA GONZALEZ CRISTINA AGOSTINHO DEBORA SANTIAGO ELIANE PROLIK ELIZABETH TITTON ERICA STORER ARAÚJO ISABELLA LANAVE FABIANA DE BARROS GUITA SOIFER
Período expositivo
2019
1 5 MAI 0 4 AGO SALA
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JANETE FERNANDES JULIANA GISI MAINÊS OLIVETTI MARGA PUNTEL MARTA NEVES MAYA WEISHOF CURADORIA: ANA ROCHA
Museu de Arte Contemporânea do Paraná Rua Marechal Hermes, 999 | Centro Cívico, Curitiba/PR | 41 3323-5328
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ARTISTAS Hillary da Silva @hillarydaselva dasilvahillary.tumblr.com Juliana Naufel (naufss) @naufss cargocollective.com/juliananaufel artworkarchive.com/profile/juliana-adcf2def-d865-45f3-a665-40abbc7210c1 Lorena Rosa @corralolocorra lorenarosa.carbonmade.com Shelby Dillon @tellmeitsshelby shelby-dillon.com
Alice Cerqueira @aquarellice Carolina Alves @amesmacarolalves carolalvespacheco.wixsite.com/portfolio quenaocabenagaveta.blogspot.com
Revista Galeria das Minas
COLABORADORAS
Edição e Diagramação Kamila Oliveira @kamioliv Entrevista Marta de la Parra Prieto @iamanaesthete Tradução Vanessa Múrias @vanessamurias Textos Alice Cerqueira @aquarellice Carolina Alves @amesmacarolalves Hillary da Silva @hillarydaselva
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Entre em contato
galeriadasminasart@gmail.com @galeriadasminas galeriasdasminas.com.br