N°3
Agosto 2019
VITÓRIA DI LUA TÓIA ERO ERE MICHELE
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Revista Galeria das Minas
GALERIA DAS
MINAS SHELBY DILLON JUNE 2019 4
ISSUE NO.1
SHELBY DILLON:
I MAKE A CONSCIOUS EFFORT TO POPULATE MY FILM CREWS WITH AS MANY FILMMAKERS WHO IDENTIFY AS FEMALE, INDIGENOUS, BLACK, AND POC. IT IS INCREDIBLY IMPORTANT TO ME AS A FEMALE ARTIST TO SUPPORT AND COLLABORATE WITH FEMALE ARTISTS AND OTHER MARGINALIZED GROUPS.
FORMER GALERIA DAS MINAS INTERVIEWEÉ REVISTA NUMERO 1 - JUNHO 2019
Capa desta edição: Vitória Cribb, Beau (try) I, 2019. Trabalho da série “Tormento”.
Contracapa: Di Lua, Lunáticas. Acrílica sobre papel
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DI LUA
TÓIA AZEVEDO
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VITÓRIA CRIBB
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COLETIVO ERO ERE
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MICHELE ALVES
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A CONTRIBUIÇÃO DE
UMA ARTISTA PARA A LUTA DE CLASSES
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A contribuição de uma artista para a Luta de Classes POR LORENA ROSA
A
rtista que não reconhece e denuncia ferramentas sociais utilizadas para a opressão de uma classe é conivente e cúmplice do sistema. O
papel da arte é refletir a sociedade. E a nossa sociedade carece — e considerando nosso contexto político brasileiro digo carecer urgentemente — de esclarecimentos sobre as questões de classe e de gênero sobre as quais, até então, poucos tiveram chance ou mesmo interesse em se debruçar. Seguindo a linha do materialismo histórico, afirmo que o artista é um servo da sociedade que tem como dever moral revelar os mecanismos da ideologia apontando a verdade. Ou seja, que direito tenho eu, vinda da roça e conhecedora do sofrimento vivenciado por mulheres que habitam a zona rural e não tem a quem clamar por socorro quando são vítimas de aprisionamento e silenciamento sistêmico baseados em uma tradição paternalista e obsoleta, de não usar minha força de trabalho para denunciar a realidade que conheço intimamente? Que direito tenho eu, mulher branca e com acesso às teorias de desenvolvimento humano e social, de não usar meu lugar dentro da arte para dar vez aos apelos incipientes de uma legião de mulheres que começam a entender seus postos de vítimas de violência obstétrica, de gênero, doméstica? Que tarefa tenho eu, que consigo enxergar a força da esperança e admiração que mulheres artistas ao meu redor me dedicam, senão a de liderar polêmicas e fazer refletir nossa invisibilização, não só como artistas, mas como trabalhadoras, através da minha pesquisa?
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Nessa perspectiva, enquanto artista, minha produção plástica deve refletir minha vivência e minhas experiências absorvidas em conversas com outras mulheres ou em leituras. Enquanto pesquisadora, minha produção persegue os rastros certeiros, ainda que ainda não o bastante explorados, femininos na História da Arte e do desenvolvimento social do mundo do trabalho. Este é o meu trabalho. Refletir e demonstrar o caráter classista de arte que nos é empurrado, em paralelo às divisões de gênero da área que conhecemos, livrando a arte de
uma contemplação desinteressada que não cabe a ela. Até que sejamos livres da verdadeira amarra. Às mulheres artistas: não somos seres abençoados com dons vindos do divino, somos trabalhadoras.
Lorena Rosa é Artista Visual e Pesquisadora da técnica de bordar no mundo do trabalho sob a ótica do feminismo marxista.
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Di Lua
Ya jurema-rezadeiras, 2019. AcrĂlica e guache sobre papel..
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ATRAVÉS DE SEU TRABALHO, A ARTISTA CONCEBE DE FORMA FIGURATIVA, CENAS QUE REPRESENTAM UM RESGATE DA CONEXÃO DO FEMININO COM A NATUREZA, E PRÁTICAS ANCESTRAIS QUE AINDA HOJE SÃO PRESERVADAS, COMO O OFÍCIO DAS BENZEDEIRAS, ABORDANDO QUESTÕES SIMBÓLICAS RELACIONADAS À ANTIGAS TRADIÇÕES POPULARES E AO SAGRADO FEMININO.
POR KAMILA OLIVEIRA
“Filha de Muritiba, uma das cidades que compõem a região do recôncavo baiano, comecei a pintar e desenhar ainda menina e nunca mais parei. Faço da arte, ferramenta de resistência e busco através dela expressar o feminino em
nossa existência subjetiva e social sempre fazendo o cruzamento mulher/ corpo/natureza. Cursei cinco semestres de artes visuais pela UFRB e esse ano realizei minha primeira exposição coletiva junto com mais de 20 artistas, no Festival Feminista de Lisboa. Acredito na arte como ferramenta de transformação social e nasci de lua junto com a maternidade.¹” O trabalho de Di Lua, evoca uma reconexão com raízes profundas. Conheci-
mentos herdados, que são transmitidos não apenas por uma necessidade, mas também, por laços afetivos. Em seu trabalho, o místico e a vida cotidiana se entrelaçam e contam histórias, tais quais ouvíamos de nossas avós.
À direita: Irmandade da boa morte, 2019. Acrílica sobre papel. ¹Biografia cedida pela artista. 12
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O peso da dupla/tripla jornada das trabalhadoras rurais-mulheres rurais.
As heranças familiares, conexão das mulheres com a Lua, ervas e cura. Elementos associados à uma dinâmica de tradições
transmitidas
oralmente
de
mães para filhas, por incontáveis gerações. Com uma importância inegável a
respeito da forma como se constituem os conhecimentos populares, são reconhecidos como base importante de toda uma história.
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À esquerda: Eva Ave Maria, 2019. Acrílica sobre papel. Abaixo: Salobras- quando o mar e o rio se encontram. Acrílica sobre papel.
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Histéricas. Acrílica sobre papel.
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Lunáticas. Acrílica sobre papel
"Reza do vento"- rezadeiras. 2019. Guache e lรกpis de cor sobre papel.
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Aqui a reflexão diz respeito à valorização dos saberes ancestrais, e de toda uma cultura que além de alicerce, permeia tudo o que somos. Por suas raízes tão fortes encontram-se presentes ainda hoje nos lugares mais remotos aos mais populosos. Estão arraigados em nossa sociedade, e apesar de sofrerem certo esquecimento, podemos perceber na atualidade um movimento que busca retomá-los.
Faço da arte, ferramenta de resistência e busco através dela expressar o feminino em nossa existência subjetiva e social sempre fazendo o cruzamento mulher/corpo/ natureza.
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A questão da mulher e seu vínculo com o entorno também é algo encontrado em seu trabalho. Por sua interação cíclica com a natureza, de onde provém a sabedoria para lidar com as adversidades enfrentadas diariamente. Em suas pinturas, Di Lua trata do resgate de suas próprias raízes, representando todas as
mulheres que de alguma forma, estão retornando às suas origens, reconhecendo seus corpos e reverenciando este elo entre a natureza e a humanidade, valorizando suas memórias, e admitindo-as como parte de quem são.
À direita: Quebranto - rezadeiras. Acrílica e guache sobre papel.
Kamila Oliveira é artista visual e bacharel em Gravura pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná.
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Sem título, 2018.
TÓIA AZEVEDO
POR ELA MESMA
O MEU CAMINHO COM O AUTORRETRATO: UM BREVE RELATO
Falar sobre meu trabalho sempre foi um desafio. Talvez pelo fato de que eu me sinta muitas dentro de uma só; talvez pelo desespero em destrinchar coisas que estão enterradas a tanto tempo. De qualquer maneira, meu trabalho é justamente sobre isso: desenterrar. É, a primeiro momento, sobre meu corpo e como ele se coloca no mundo. É sobre meus traumas, meus medos, meus transtornos, minhas alegrias e meu humor. Mais adiante, é como os outros podem se enxergar nas situações que eu retrato, como se estivessem uma sala de espelhos deformados. Espelho. Não é atoa que meus primeiros autorretratos envolveram esse estranho objeto que sempre me chamou atenção. Desde pequena, crescendo como uma mulher numa sociedade patriarcal, fui ensinada que nosso reflexo era a coisa mais importante sobre nós. Eu sempre fui viciada em me olhar, detalhe por detalhe, em qualquer superfície espelhada que encontrasse por aí. O problema é que, junto com a necessidade de explorar o eu, também vinha a pressão estética: fui uma criança magra, mas com a puberdade comecei a engordar. Os parentes notaram, as cobranças se intensificaram, o bullying piorou. Com catorze anos, desenvolvi bulimia, transtorno do qual o trato até hoje, dentre alguns outros. Comecei a me odiar mais e culpar minha aparência por qualquer coisa errada que ocorresse. Só agora, com vinte e dois anos, estou aos poucos desconstruindo essa noção que me acompanhou desde que me entendo por gente. Me retratar está sendo parte fundamental desse processo: é um jeito de eu me tocar, explorar meu corpo e seus limites, de me conhecer. Sinto a ponta dos ossos e estico a pele do braço; amasso meus seios, vejo quantos dedos cabem na minha boca. Vejo as diferentes pessoas que sou, em quantas deformações eu ainda permaneço sendo eu. Eu me reconheço.
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Abaixo: Para o submundo e Nu descendo a escada, 2018.
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Acima: Seio, 2018. À direita: Lascívia, 2018.
Desde que entrei na graduação de Artes Visuais na
da câmera, ser o sujeito e o objeto: eu queria sair na
UNESP, explorei várias mídias. Comecei com a pin-
imagem, mas não queria ser só uma modelo. Queria
tura, depois me apaixonei pela cerâmica e, no quar-
controle criativo. Queria decidir de qual posição,
to ano de faculdade, redescobri a fotografia, após
com qual velocidade, qual abertura, enfim, produzir
ler um estudo sobre a Francesca Woodman. Conhe-
a imagem. A câmera em si me despertava curiosida-
cia o trabalho dela havia já um tempo, e lembrei de
de. Comecei então, timidamente, a me fotografar de
tudo o que eu senti quando vi suas imagens pela
uma maneira diferente da qual havia me fotografado
primeira vez, na exposição do “Made by...Feito por
durante todos esses anos: havia sim uma preocupa-
brasileiros” no antigo Hospital Matarazzo em 2014.
ção com a minha estética, mas, acima de tudo, eu
Eu era encantada pelo jeito melancólico e, ao mes-
queria pesquisar o que meu corpo podia fazer, co-
mo tempo sarcástico de suas fotografias. Da admi-
mo ele podia se deformar, o que ele poderia repre-
ração, veio o impulso criativo, o “e se eu também
sentar e, também, como seria a minha ligação com
fizesse um trampo assim?”. Surgiu então a necessi-
a fotografia a partir desse momento.
dade de se estar ao mesmo tempo na frente e atrás
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TÓIA AZEVEDO
Só agora, com vinte e dois anos, estou aos poucos desconstruindo essa noção que me acompanhou desde que me entendo por gente. Me retratar está sendo parte fundamental desse processo: é um jeito de eu me tocar, explorar meu
corpo e seus limites, de me conhecer.
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Sem título, 2018.
A minha relação com a arte é simbiótica. Eu não produzo apenas por desejo, mas também por necessidade. É uma forma que encontrei de lidar comigo mesma de um jeito positivo, uma maneira de conter meus impulsos mais destrutivos. Por algum tempo me senti confusa, como se tivesse que escolher uma mídia: hoje percebo que tudo o que eu faço é uma grande colcha de retalhos,
da fotografia ao bordado, da cerâmica a poesia, performance e outros. Tudo se complementa. Percebi que a minha maior mídia sou eu mesma.
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Acima e à direita: Série “Há vermelho no mármore”, 2018. Bordado sobre fotografia digital.
Quando eu me fotografo, eu tento explorar quem eu sou, em diversas situações. Gosto especialmente da fotografia insustentável, borrada, fugaz, falhada. Gosto de ruído. Gosto daquilo que os outros definiriam como defeituoso e excluiriam
sem pensar duas vezes. Sou apaixonada por experimentar e sair da zona de conforto. Aprendi - e continuo aprendendo - que a perfeição não é estável e que somos feitos de infinitos momentos. O que eu faço é, às vezes, capturar um desses instantes.
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À esquerda: Série “Há vermelho no mármore”, 2018. Bordado sobre fotografia digital. Abaixo: Meu rosto, 2018.
A muitos anos tenho uma grande
porém com a certeza do renasci-
conexão com espiritualidade, as-
mento. Descer ao submundo é en-
pectos primordiais do feminino, ar-
trar em contato com o seu inconsci-
quétipos, deusas. Me identifico prin-
ente: só assim crescemos, só assim
cipalmente com o mito da descida
nos descobrimos. O mesmo ocorre
de Perséfone/Cora ao submundo.
com o labirinto. Ariadne é abando-
De donzela, filha de Deméter, ela se
nada pelo homem que ama e por
torna esposa de Hades e rainha do
quem fez tudo o que podia e, no fim
mundo inferior. Todo ano, na prima-
descobre que o centro do labirinto é
vera, ela sobe novamente ao mundo
ela mesma. Eu referencio a solidão,
superior para encontrar a mãe que,
o abandono, o luto. Mas também
em sua alegria, cobre a Terra de vi-
represento o encontro, o amor pró-
da. Quando ela se vai, tudo morre,
prio, o prazer.
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Abaixo: Sem título, 2018.
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Com o meu trabalho eu quero me libertar e tomar cada vez mais consciência de que eu existo e ocupo um lugar nesse mundo. Quero que as mulheres gordas vejam que elas podem sim expressar coisas muito além de sofrimento ou tristeza. Podemos ser lindas, podemos ser sensuais, misteriosas. Eu não preciso ser uma mulher magra para meu trabalho ser levado a sério.
Me sinto grata e muito fortalecida as mulheres da minha vida que me ajudaram tanto nessa caminhada, que eu sei, está longe de acabar mas que ainda vai render muitos frutos. Meu corpo foi por mim ignorado durante muito tempo. Hoje, percebo que ele é mais do que eu pensava que fosse. E eu irei explorá-lo e buscar amá-lo como meu lar até o fim dos meus dias.
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Detalhe da obra Tormenta.
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“A ESTÉTICA AFRO FUTURÍSTICA DE VICTORIA CRIBB NOS DÁ A ESPERANÇA DA MUDANÇA, CRIANDO UMA EXPERIÊNCIA DE OUTRO MUNDO, POSICIONANDO AS MULHERES NEGRAS, AS QUAIS SEMPRE FORAM MARGINALIZADAS AO LONGO DA HISTORIA, COMO AS PROTAGONISTAS DE UMA SOCIEDADE IGUALITÁRIA. SUA ARTE FUTURISTA-SURREALISTA HONRA O PODER ANCESTRAL DAS MULHERES NEGRAS, QUEBRANDO ESTEREÓTIPOS E LEVANTANDO QUESTÕES ANTIGAS, USANDO A TECNOLOGIA DIGITAL DE FORMA RITUALÍSTICA. A SINGULARIDADE DO TRABALHO DE CRIBB ENCONTRA-SE NA MANEIRA COM ELA SE CONECTA ÀS SUAS PRÓPRIAS ORIGENS ATRAVÉS DE FERRAMENTAS FUTURÍSTICAS: O CHOQUE ENTRE PASSADO E FUTURO. FICA FÁCIL RECONHECER PORQUE ELA ATRAIU ATÉ MESMO A ATENÇÃO DO TATE MODERN MUSEUM, PARTICIPANDO EM UMA EXPOSIÇÃO PARTE DO “TATE EXCHANGE PROGRAM” NO ANO PASSADO.“
Andrea Acker, artista visual entrevistada na edição de número 2 da Revista Galeria das minas.
POR MARTA DE LA PARRA PRIETO TRADUÇÃO POR VANESSA MÚRIAS
GdM: Quando você se estabelece no sistema de arte, você se identifica como uma artista multidisciplinar, uma artista de novas mídias. Portanto, você enquadra seu trabalho como uma “incorporação de autoexpressão materializada através da experimentação entre digital e real”. Além disso, você afirma que essa autoexperimentação poderia também funcionar como uma “ferramenta para conscientizar o público do abuso e exploração do seu povo”. Gostaríamos de aprender mais sobre como não só seus processos mas também sua própria identidade — que parece ser vital —participam da sua arte.
VC: Para mim o corpo negro e marginalizado nas sociedades ocidentais tem uma es-
sência, imposta, virtual e digital. Falo sobre essa relação do corpo negro x corpo digital na Video Arte Prompt de Comando exibida na exposição Matrix Colonial com curadoria de Gabriel Hilair. Neste trabalho escrevo um poema sobre como vivemos em uma sociedade que anula corpos negros, indígenas e marginalizados e enaltecem os corpos digitais e/ou moldados pela tecnologia, na tela de Prompt de Comando do meu computador e intercalo com algumas imagens que representam a maneira como me enxergo nesse processo de inundação tecnológica.
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ENTREVISTA
Procuro entender os limites e as similaridades entre o digital e o considerado real durante o meu processo criativo. O meu background artístico, apesar de ter começado com técnicas artísticas tradicionais durante a infância e adolescência, é composto em boa parte pelo digital. As experimentações vem desde criança quando meus pais me permitiam usar computador para criar e desenhar enquanto eles não trabalhavam e vão até o fim da adolescência onde comecei a explorar técnicas de modelagem 3D virtual focando na estética e não necessariamente na funcionalidade da forma. Na verdade as experimentações não acabaram, nem acabam. Esse ano entrei em um grupo de estudos chamado Arte e
Transdisciplinaridade ministrado pela artista e curadora Gabriela Maciel onde refletimos, trocamos e experimentamos novas formas e técnicas para criação de obras com viés transdisciplinar, essa experiência me ajuda cada vez mais a relacionar o mundo virtual e digital com o mundo físico e tátil. Desafio-me a mesclar a imaterialidade da obra com a materialidade do espaço ou de materiais e suportes que componham uma determinada série.
Acima: Frames da obra Prompt de Comando. Todas as imagens são cortesia da artista. GALERIA DAS MINAS
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GdM: Evidentemente, seu trabalho é fortemente ligado a visuais digitais em 3D. Quando você entrou em contato com essas ferramentas pela primeira vez? E mais além, como e porque você foi atraída a esses processos e instrumentos? O que esses visuais implicam pra você? VC: Como disse anteriormente, mesmo que minha experiência artística dentro de casa tenha sido tradicional e que eu tenha desenhado, pintado e criado com materiais mais convencionais eu tive a oportunidade
de criar, também no computador dos meus pais desde cedo. Lembro que quando eu era bem pequena os meus pais, nos momentos em que não estavam ocupados no computador, permitiam que eu usasse o programa “Paint” para desenhar e me expressar livremente, o que é até engraçado pensando nos dias de hoje porque eu ficava lá tentando representar coisas que eu via no dia a dia e me fascinavam, como os fogos estourando no céu ou as noites mais estreladas. A partir daí acredito que tenha sido tudo muito natural, a minha geração é bem digital e absorver as informações visuais de jogos virtuais, desenhos e produ-
ções gráficas digitais de fato contribuiu para o aumento da curiosidade em relação às possibilidades de criação com ferramentas imateriais. Essas ferramentas não táteis no início eram extremamente naturais para mim. Os programas, apesar de cada um possuir uma interface própria, são bem similares e intuitivos então a criação a partir do digital sempre foi algo simples e prazeroso para mim. Atualmente eu vejo um potencial muito grande nessas ferramentas, elas nos auxiliam a criar e representar coisas em um universo imaterial e inacessível ao toque em primeira instância o que para mim é muito interessante uma vez que
dialoga com a minha crença de que a arte é profundamente espiritual e emocional. Esses campos são inacessíveis por meios exclusivamente racionais e exigem desprendimento da materialidade para uma cura efetiva. Outra coisa que me fascina muito na arte digital e transdisciplinar é a possibilidade de trabalhar com energia e som diretamente não só trazendo visualidades mas ressignificando e trabalhando os sentidos por completo de forma conjunta com artistas sonoros, por exemplo. 42
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Frame da obra “Conflitos internos”.
GdM: Se estamos falando sobre digitalização, temos que falar sobre a internet.
Sem dúvida, ela tem um papel fundamental pra você. Você acredita que a internet é um lugar efetivo para arte e artistas? Também parece certo agora trazer a conversa o público e o papel que a internet tem de agregar arte e artistas com pessoas de todo o mundo. Gostaríamos de ouvir o que o espaço digital significa pra você e pra sua arte. VC: Eu acho que a internet se mostra potente em diversas áreas principalmente em processos curatoriais e artísticos e, claro, isso tem um lado positivo e negativo mas na maioria das vezes esses lados se complementam. A troca à distância proporciona um intercâmbio de vivências e troca de reflexões sobre sua própria territorialidade a partir do outro. Acho muito rica a possibilidade de trocar artisticamente e criativamente com outros artistas em diáspora ou filhos de povos em diásporas recentes ao redor do mundo seja pela repressão governamental, seja pela pobreza ou seja pela guerra. Me interessa muito nessa troca a sensação de pertencimento e/ou não pertencimento à determinada nação e sua cultura.
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Outro movimento interessante no uso da internet como propagador da arte é a união de artistas, escritores, curadores e entusiastas em plataformas de colaboração onde as trocas conceituais e técnicas são muito potentes e ricas pela diversidade dos participantes. Atualmente participo da plataforma DIGI-GXL liderada por Catherine Taylor onde artistas, curadoras, profissionais de moda e design que trabalham com o digital, especificamente o 3D, se reúnem e além de criarem projetos e trabalhos juntas também se ajudam em questões técnicas. Estar nessa plataforma me possibilitou trocar constantemente com artistas internacionais e até participar do Art Night Festival London 2019.
GdM: Sua própria identidade — como mulher negra e feminista — parece ser um elemento crucial nos seus visuais e ainda mais em suas narrativas. Parece que seu trabalho foca em advogar em prol dos direitos humanos. Certo? VC: Não exatamente. Na verdade, como dito na primeira pergunta, eu associo corpos reais que fogem à normalidade branca e heteronormativa à corpos digitais por serem tão presentes visualmente mas mesmo assim não serem percebidos e permitidos dentro da ordem social discriminatória. Busco trazer esse paralelo de forma recorrente seja visualmente ou metaforicamente pois acredito que as novas mídias têm um papel funda-
mental no combate ao reducionismo existente em nossa sociedade seja ele racial, intelectual ou de gênero. A linguagem visual e estética do digital e do tecnológico é toda pautada ainda em corpos brancos e masculinos então busco ressignificar esse lugar a partir de questões internas que permeiam a minha existência enquanto mulher negra.
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ENTREVISTA
À esquerda: A artista na exposição Noite do Coletivo Trovoa ao lado da obra H+bito. Abaixo: Registro da exposição In.corpo.rar. Foto de Thomas Mariano.
GdM: Você fez parte — com uma video instalação — da exibição In.corpo.rar dento do Festival Interculturalidades. Nos conte um pouco sobre isso. VC: Sim! Essa instalação é bem importante para mim porque foi o primeiro trabalho onde tive a liberdade de pensar a apresentação da obra junto com a curadora, Tatiane Nunes. A video instalação foi pensada para a própria exposição In.corpo.rar. Recebi o convite da Tatiane para expor na In.corpo.rar e ela me explicou que o eixo da exposição era “uma afirmação das potências do corpo marginal enquanto arte.” ela comentou que tinha muita vontade de apresentar um trabalho digital e me sugeriu que usássemos um projetor. Co-
mo eu já tinha uma série pronta onde expresso visualmente não só a solidão da mulher negra retinta como a falta de sensibilidade perante essas mulheres no cotidiado de nossa sociedade através dos corpos solitários flutuantes em um breu infinito que hora estavam intactos e hora se desfaziam decidi utilizar o video e criar a instalação a partir do video pronto. Utilizei um tecido bem frágil e sensível que remetesse à sensibilidade e criei uma forma orgânica com ele na parede reservada para minha obra e depois projetei o video por cima. Foi bem interessante fazer esse trabalho. Sem dúvidas amadureci bastante artisticamente após esse processo. GALERIA DAS MINAS
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Registro da exposição In.corpo.rar. Foto de Thomas Mariano.
GdM: E quanto a sua participação no Art Night Festival London? Nos conte mais sobre isso. VC: Eu participei da Instalação FastLine que foi uma seleção de imagens em movimento, com curadoria de Zaiba Jabbar/Hervisions para o Art Night Festival 2019. A instalação explorava a esperança através do amor não correspondido na era digital. A instalação aconteceu em locações cotidianas como o Café Speed Art Internet e a lojas de reparo de
celulares e eletrônicos Cyber World próximos à uma saída do metrô da cidade o que possibilitou o acesso de um público geral aos trabalhos exibidos e a aproximação de cidadãos não inseridos no dito contexto artístico à essas novas linguagens.
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GdM: Como uma artista multidisciplinar, artista de novas mídias trabalhando com visuais 3D e comprometida com a arte como ferramenta para os coletivos silenciados e vitimizados, conte-nos sobre suas influências.. VC: Não diria que são influências diretas ao meu trabalho mas admiro muito alguns artistas que abordam a tecnologia e suas relações com o ser humano e a sociedade de maneira geral e/ou utilizam dessa ferramenta para trazer reflexão. Dentre esses artistas alguns são: Harun Farocki, Thabata Rezaire, Sondra Perry, CROSSLUCID, Marianna Simnett...
Vista da exposição da série Tormento, no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica. Imagens cedidas pela artista.
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GdM: Gostaríamos que desse ênfase nas suas influências femininas. VC: Ao invés de falar de influências falarei sobre mulheres brasileiras que admiro e que de certa forma as suas carreiras me motivam à continuar desenvolvendo meu trabalho. Dentro do panorama artístico cito algumas como: Rosana Paulino, Yasmin Thayná, Conceição Evaristo...
GdM: Um show. VC: A apresentação / set do RP BOO no último Festival Novas Frequências no Rio de Janeiro foi incrível! GdM: Algo pra ler. VC: Incêndios - Wajdi Mouawad. GdM: Algo pra ouvir. VC: Common Unity - Chaos in The CBD GdM: Algo pra assistir. VC: Black Girl - Ousmane Sembène
GdM: Você tem uma exposição nova a caminho. Em agosto, você fará parte do coletivo Formas no Centro Municipal de Arte Helio Oiticica. Por favor, nos conte mais sobre essa série nova, Tormento, e essa exposição. VC: Em agosto participarei de uma exposição coletiva chamada Formas no Centro Municipal de Arte Helio Oiticica com mais duas artistas, Manuela Leite e Marina de Aguiar. A exposição tem curadoria de Alexandre Silva, onde apresentarei a série Tormento. Essa é uma série onde mais uma vez exploro a mescla de ferramentas digitais com ferramentas e técnicas do plano real e tradicionais. A série reflete sobre o tormento que a beleza pode ser na vida da mulher e como a busca pela imperfeição nos faz ignorar e repudiar o estado natural de perfeição. Deixo aqui um trecho do texto que 48
ENTREVISTA
escrevi como abertura da série “O ideal de beleza, no viés humano. Se mostra da forma
mais crua a coisa mais feia e asquerosa que podemos obter. Mas seguimos buscando imperfeição e negando nossas perfeições exatamente como deve ser.” É uma série onde exploro formas humanas e suas deformidades perante o que é significado como belo na sociedade ocidental e sua fluidez imposta ao longo do tempo. O diferencial dessa série para os meus últimos projetos em exposições é que técnicas do plano físico como pintura e colagem são os pilares centrais na apresentação da representação visual. Foi um projeto bem desafiador para mim, no sentido de mesclar linguagens digitais com linguagens não-digitais e eu particularmente acho que fui bem sucedida nesse quesito. A série possui 6 pinturas
em telas de diferentes tamanhos e 6 peças de madeira com impressões de representações “perfeitas” e “imperfeitas” da figura humana feminina.
Acima: Detalhes das obras da série Tormento.
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Retrato da artista multidisciplinar e new media Vitรณria Cribb (1996, Rio de Janeiro, Brasil). Imagem cortesia da artista.
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VITร RIA CRIBB
GdM: Por último, nos conte um segredo, algum projeto que está por vir.
VC: Sim! No início de dezembro participarei de uma exposição coletiva junto com os integrantes do grupo de estudo Arte e Transdisciplinaridade ministrado pela curadora Gabriela Maciel onde iremos apresentar trabalhos desenvolvidos a partir de nossas
discussões ao longo do semestre. Há também um próximo projeto DIGI-GXL com cocuradoria de Polina Zinziver que consiste em duas exibições de trabalhos artísticos de integrantes internacionais as quais ocorrerão na Rússia. A primeira exibição será em uma tela 360º e acontecerá no Lumiere Hall em São Petersburgo com data a confirmar e a segunda exibição acontecerá em em Outubro no Planetarium One onde as nossas obras serão exibidas por todo o domo do planetário.
Marta de la Parra Prieto (Madrid, 1987) é artista visual multidisciplinar, bacharel em Design pela UEM Universidade Européia, Madrid (Espanha) e pela NABA Nuova Accademia di Belle Arti, Milan (Italy).
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COLETIVO ERO ERE POR KAMILA OLIVEIRA
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Ancestralidade e resistência são representadas
um caminho que trata do resgate de conheci-
em um conjunto de obras que se entrelaçam e
mentos anteriores ao estabelecimento de seus
constroem narrativas acerca de trajetórias
antepassados no Brasil, recuperando antigas
pessoais. Questões que são partilhadas pelo
práticas que estes trouxeram, como uma for-
Coletivo Ero Ere, grupo de artistas negras, for-
ma de reconhecimento e identificação de suas
mado em Curitiba em 2018, que têm buscado
raízes. Além disto, propõem uma reflexão so-
com a união de suas histórias, a visibilidade e
bre a valorização da arte produzida por artis-
o reconhecimento de um trabalho que desvela
tas negras, diante de toda uma estrutura que
passado e presente, por intermédio de uma
ainda privilegia artistas homens, sobretudo
poética que trata da relação entre o fazer coti-
brancos. Diante disto, expõe a necessidade de
diano, e o fazer artístico como expressão de
uma discussão sobre o alcance da arte produ-
suas vivências.
zida por estas artistas, e a distância de oportu-
Em exposição no MON, por meio da mostra
nidades as quais estão muitas vezes condicio-
ERO ERE: negras conexões, com curadoria de
nadas, o que é feito promovendo-se uma lon-
Emanuel Monteiro, seus trabalhos percorrem
ga observação sobre a desigualdade latente.
COLETIVO ERO ERE
À esquerda: Detalhe da série Ancestralidade Africana da artista Fernanda Castro. Abaixo: Detalhe da obra “Lua da Cura” da artista Cláudia Lara e “Ciclo contínuo” de Eliana Brasil. Fotos: Kamila Oliveira.
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A exposição traz o foco também sobre as relações e o sentido de pertencimento, apresentando uma diversidade de linguagens, em uma teia intrincada que revisita tradições e recordações e as materializa, projetando força e sensibilidade.
Vista da exposição. Acima: detalhe da obra “Corpo de barro branco”, livro de artista II, da artista Lourdes Duarte. 54
RESENHA
Walkyria Novais , "No fundo da gaveta" 2019. Livro de Artista em criado mudo de imbuia. Abaixo: Vista da exposição com obra “COQUEIRAS” da artista Kênia Coqueiro.
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Detalhe: obra da série “Abstrata”, da artista Lana Furtado, fotografia digital.
Constituída de diversas manifestações artísti-
grafia imagens abstratas com suas texturas que
cas, que abarcam desde a performance, como
remetem a um sentido de pertencimento à na-
no trabalho da artista Eliana Brasil, com seu
tureza, de interligação. Lourdes Duarte tam-
trabalho Carne Nobre, até a arte têxtil, com seu
bém nos remete às texturas, em seus livros de
trabalho “Quando o gesto vira poesia” com fo-
artista, e alude ao corpo se utilizando de frag-
tografias antigas bordadas sobre crochê, evo-
mentos, tanto na cerâmica quanto em imagens
cando memórias afetivas. Os estandartes da
impressas. Também com a fotografia, Fernanda
artista Cláudia Lara, como uma homenagem,
Castro nos apresenta registros de mulheres pa-
onde cada um deles faz referência a uma das
ranaenses quilombolas, num panorama que
fases da lua e sua relação com os ciclos das mu-
busca retratar a ancestralidade em uma coexis-
lheres ao longo da vida. A artista Walkiria No-
tência de gerações. Kênia Coqueiro com sua
vais com a instalação da série “Memórias in-
instalação “COQUEIRAS” aborda também a an-
ventadas ou uma caixa imaginária” fala sobre a
cestralidade e as memórias, representando sua
construção de memórias e identidade, no que
ascendência, as mulheres que vieram antes e
parece um processo de reconhecimento e res-
são o pilar de toda uma vida.
gate de quem se é. Lana Furtado traz na foto-
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COLETIVO ERO ERE
Vistas da exposição. Fotos: Kamila Oliveira.
Percorremos várias histórias sendo contadas. Histórias que se entrelaçam de modo a exaltar suas próprias raízes, honrar e desvendar suas origens em um percurso de reconhecimento de si mesmas, de resistência e amor.
A mostra ERO ERE: negras conexões, realizada pelo MAC-PR, que iniciou no dia 18 de julho, foi prorrogada e permanece em exposição no Museu Oscar Niemeyer, sala 8, até 29 de setembro de 2019, na cidade de Curitiba.
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MICHELE ALVES
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POESIA
A ESCRITORA E COLAGISTA COMPARTILHA ALGUNS DE SEUS TEXTOS, JUNTO A SEU TRABALHO VISUAL, QUE MOSTRAM UM OLHAR SENSÍVEL SOBRE O AMOR, AS RELAÇÕES E A DOR, QUESTÕES QUE PERMEIAM A VIDA E A EXISTÊNCIA.
POR ELA MESMA
AOS OLHOS DE MENINA TUDO É INVARIAVELMENTE TRISTE
Ao que tudo indica, meus olhos de menina se perderam lá no começo da adolescência. Junto com as roupas encardidas de tanto me sujar na rua. Olhos de menina que digo é essa inocência que o mundo simplesmente não nos permite ter. A nós, mulheres, quer dizer. Uma inocência… Eu quero dizer, uma ausência da noção de que tudo pode acontecer comigo. A noção de vulnerabilidade; e vulnerabilidade é uma palavra grande demais que a gente só aprende quando precisa de fato. Olhos de menina que se esvaem com o tempo, feito letras impressas em um cartão postal, onde a tinta padece ao passar dos anos, onde a inocência padece, junto a pressão dos dias. Eu quero dizer, olhos de menina! Roupas encardidas no varal, cujas estampas são aqueles desenhos que a gente assistia de manhã, sujas das brincadeiras lá fora são esquecidas no quintal. O mundo nos apresenta com um novo padrão comportamental, padrão quase impossível de seguir, mas tentamos porque a tal vulnerabilidade segue em nosso encalço como um carrasco prestes a levantar a alavanca da guilhotina. Os olhos de menina seguem assassinados pelo carrasco e aparecem nos jornais. Algumas vezes tão sutil, que a gente se surpreende quando nota isso numa conversa com as amigas da faculdade, em uma roda enquanto partilha um beck.
Às ve-
zes, a gente nota cedo. Aí quer dizer que a vulnerabilidade já nos alcançou. Al-
gumas vezes até aparecemos nos jornais, onde a perda desse olhar estampa a capa principal. Não dura muito, nunca dura muito. A dor é particularmente nossa, apenas nossa. Tão nossa quanto nossas roupas de brincar na rua. Tão nossa quanto a pele que veste-nos como um manto sagrado. Sagrado-profano? Melhor assim, soa mais correto. A dor é ainda nossa, não dá pra passar pra frente. Tem algo meio encardido em nosso emocional, das sujeiras do mundo lá fora. Até soa poético, mas é deveras triste. GALERIA DAS MINAS
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Olhos de menina que se foram talvez na adolescência, quando a gente aprende a palavra consentimento, consentimento porque aprende o que é assédio. As roupas da infância todas encardidas no varal. A bermuda rasgada, camiseta larga e o tênis sujo, o chinelo estourado. Quarando no tempo, levando embora bons momentos arrancados de nós. Arrancados, a gente não cresce feito os outros. Os outros, sabe? Eles. Quarando no varal, as roupas que nunca mais irei usar. Eu me olhando na infância, pensando na dor depositada ao longo dos anos. Vulnerabilidade e outras palavras muito feias, adicionadas no vocabulário de forma empírica. A gente vive mil vidas em uma só, a gente vive meia infância quando deveria ter uma inteira. Nos olhos de menina… a matemática nunca bate. A nossa dor é a única coisa que possuímos, quando nem o corpo é da gente mais. A gente cultiva essa dor, e a nutre, em algum canteiro do cérebro, se esforçando o máximo para não florir em ódio. Depois a gente aprende que um pouco de ódio é necessário, depois que as roupas estão no varal, qualquer inocência pode atrapalhar. É por isso que usamos nossas chaves de soco inglês tarde da noite, entende?
É por isso que na bolsa tem um spray de pimenta. É por isso que não confiamos nem nos homens de nossa família. Alguma dor cultivada aqui dentro, plantada como erva daninha, no lugar de uma flor nativa da infância. A infância encardida quarando no varal. Os olhos perdem-se no cotidiano, a tal da inocência. Talvez tenha sido espantada, quando um homem buzina para você, aos onze anos de idade. Quero dizer… toda mulher tem algum trauma desses dentro de si. Olhos de menina… Jamais poderiam lidar com isso. A gente encascora o espírito, que é para não chorar muito ao abrir os jornais, ao ver as notícias. Eu
quero dizer… É dor demais. Parece que é a única coisa que é nossa por direito. O resto a gente tem que tomar. O que eu quero dizer mesmo? Foram-nos arrancados esses olhos de menina, talvez por isso, esse sentimento de luta entre em seu lugar.
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MICHELE ALVES
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VOCÊ NÃO GOSTA DE PESSOAS COM PROBLEMAS MENTAIS “Vamos falar a real, ninguém suporta pessoas depressivas. Você pode falar que compreende, que é empático, que quer ajudar, mas ninguém gosta. Pessoas depressivas são as frutas podres da árvore. Elas chegam e trazem aquele climão no ar. Ninguém sabe o que dizer, o que fazer. Todos ficam estáticos. Não existe conselho, piada ou dança. Você o observa, rezando para que ele não surte na festa. Você sente que ele é um estorvo. No fundo, desejava que ele tivesse ficado em casa. Puta que pariu! E se ele chorar e te alugar contando os problemas dele? Bom a cara de bunda dele diz tudo. Ninguém gosta de pessoas depressivas, parece que algo fétido entrou no recinto. Você não sabe se menciona a vez que ele tentou se matar, você não sabe se age com naturalidade. Ninguém gosta de gente louca, depressiva, esquizofrênica, bipolar. A gente gosta da loucura boa, aquela que te faz dançar no balcão do bar e gritar no meio da rua, rodopiar no meio da rua, porque a alegria é sua por direito. Essa loucura sim, você gosta, todos gostam, essa é um charme. Mas os olhos opacos de alguém que vai mensalmente ao psiquiatra, você não suporta. Então você pensa: fazer o que, ele é meu amigo. Ele quebra sua ideia de alegria que é tão derradeira quanto essa noite. Você detesta pessoas depressivas. Por que ele não pode ser normal? O que diabos quebrou nesse pequeno cérebro? Bom, você sabe que ele se esforça, mas todos sabem que ele está sobrando na conversa, na festa. Você já tentou ajudar, dar conselhos, mas ele é uma muralha onde conselhos são impenetrá-
veis, ele é o vírus que fazem todos os anticorpos caírem fora. E ele sabe que você está dando conselhos que não adiantam de nada. Ninguém gosta de gente louca. Louca mesmo, do tipo que arranca os próprios cabelos e chora sem motivo. Que não toma banho e fede a tristeza, fede a sujeira. Você acha um saco, você não assinou para isso.
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POESIA
‘Sério, cara, procura uma religião, um hobbie’ Você não gosta de nada que ameace sua frágil felicidade. Que ameace a festa cujas músicas e bebidas são ruins. Ele poderia ter potencial, mas o potencial se esvaiu de si, como suor de quem está nervoso demais, vazou pelos poros e olhos. Talvez, foi embora na última cagada que ele deu. Ninguém gosta de gente louca, que olha a realidade por outro ângulo. Talvez ele esteja enxergando algo que você não vê, talvez ele esteja mais próximo de algo como total claridade. Talvez você se assuste. Talvez a verdade da vida esteja nas pessoas loucas, e sejamos todos nós os iludidos procurando essa liberdade e alegria, nos agarrando a coisas finitas como quem tenta pegar um soslaio de luz. Ele toma remédios, ele tem finais de semana ruins. Ele até te inveja, mas você olha ele com um misto de nojo e dó. Ele sente, ele é louco, não burro. Bom,
desde que ele não surte aqui tudo bem. Você não entende, mas ele também não. Sua mente é um filme complexo. No fundo, você acha que ele deveria ter ficado em casa. Ninguém gosta de gente louca, as pessoas têm medo, e têm medo porque não entendem. Nessa festa, ele fica no canto. Ele jura que vai se comportar, e você jura que está feliz de tê-lo aqui. Vocês juram que acreditam um no outro. Ele te lembra a verdadeira faceta das coisas. A vida é isso, chorar no banheiro e arrancar cabelos sem motivo algum. A vida é uma bosta e como ele ousa te lembrar disso. Ele toma uma copo de cerveja e fuma um cigarro.
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“Sério, cara, sorri um pouco, essa festa é boa.” “Não é não.” Gente louca não precisa mentir. “Tente não me envergonhar.” “Se eu surtar, você filma e coloca no youtube.” Você pensa que talvez ele nem deveria ter saído da clínica. Que é insuportável essa tensão no ar, mas ele sorri para você com escárnio. Ele sabe que ninguém gosta de gente louca. Ninguém gosta do desconhecido, nem do anormal. E todas as pessoas vestidas diferentes, dizendo coisas aparentemen-
te profundas, jamais sobreviveriam um dia em sua mente. Ele gosta dessa sensação de desconforto que causa, ele gosta dessa realidade alternativa em sua mente. Ele gosta de causar esse climão no ar. Você está de saco cheio, mas ele sorri quando ouve que a loucura é poética. Não tem poesia nenhuma, é só doença. Vocês e essa mania de romantizar tudo. No fundo é só uma merda, nada mais. Ele está tentando, e se diverte. Ninguém suporta pessoas depressivas, ninguém suporta que se estrague a festa. Se ele se matasse ali, porra, todo mundo teria que parar para chamar ambulância, e todo esse rolê de enterro é um saco. Triste mesmo é só o barman que obrigado a ouvir tanta merda. Barmans não acha pessoas depressivas um saco. Elas bebem, pagam a conta e isso já é o suficiente.”
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SALVE-SE QUEM PUDER
Você vem até mim com machucados profundos, enraizados e enroscados, cravados no fundo de sua mente, feridas infeccionadas da infância, uma fratura exposta do seu último relacionamento, um vírus de algum transtorno mental que você não conseguiu sanar. Você se deita ao meu lado, esperando cura, esperando uma epifania que transbordaria entre nossos corpos, pelo afeto, carinho ou cuidado. Então eu passo minhas mãos por seu rosto, suas bochechas e maxilar, seus olhos carregados de dor, suas mãos calejadas pelo trabalho de ser quem é. Num momento de silêncio, me pego afogada em suas dores, mergulhada em um lago espesso e sujo, tentando procurar a raiz do problema. Eu quero te segurar as mãos e te levar para esse lugar que você pensou que eu vivesse, essa paz desconhecida por nós dois, essa terra livre de pesadelos e arrependimentos de mil vidas atrás. Enquanto eu me olho no reflexo da taça de vinho em sua mão e me lembro que sou construída por experiências desagradáveis, e meu senso de liberdade, minhas qualidades e falhas em minha personalidade dispostas em um gigantesco mosaico, sempre prestes a desabar. Ora forte e cheia de rachaduras, roendo as unhas e
chegando atrasada, fumando mais um cigarro e rindo na hora errada. Você espera um quadro branco em mim, um livro a ser escrito e a coisa certa a ser dita. Alguém que endosse seus atos e te segure a mão. Alguém cuja pele é sempre macia e quente, cujas pernas enlaçam e te levam para outra realidade, onde seus problemas não mais te alcançam, onde o doce e o agradável te encontram a cada esquina. Onde o sexo e o orgasmo te livram de cada sentença. Mas eu não posso te salvar. Lembro de ter chorado na manhã passada, senti essa tristeza profunda, pensei nos meus problemas e eu juro que queria conversar. Mas minhas páginas não estão mais em branco, e meu cérebro pulsa em insegurança e dias ruins, das noites insones, e minha falta de direção, essa procrastinação crônica de deixar absolutamente tudo para depois. Ah, fosse eu essa estátua perfeita, mármore minuciosamente esculpido cujos detalhes perfeitos resistiram ao tempo e a chuva ácida e as garras dessa cidade. Algo em mim também queria falar sobre as histórias de minhas cicatrizes.
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Você toma seu café amargo, bola um cigarro lentamente e olha para o nada, emerso demais em seus próprios problemas, demais até para me notar, esterilizando as feridas, limpando o sangue do carpete que agora está estragado. Respiro fundo, tentando entender porque eu sempre acabo nessa posição: lavando os pés de um falso messias, limpando o sangue de um anti-herói de si mesmo. Mas eu digo isso, eu não posso te salvar. Uma vez arruinei meu próprio carpete, sozinha, fiz uma bagunça tentando costurar as feridas, tentando estancar o sangramento, eu chorei naquele sofá, arrumando minhas mazelas, em alguma outra péssima noite. Não, não que não existam coisas boas em mim também, eu só quero lembrar dessas rachaduras inevitáveis do tempo, esses buracos aqui e ali que arruínam a ideia de perfeição. Em meus bolsos não há milagres, em meu sorriso, não há nada transcendental. Tropeço nas calçadas e cometo erros, passo da conta e digo a coisa errada. Talvez a coisa mais sincera, a pior verdade, o golpe final. Talvez você me julgaria cruel se me conhecesse de verdade, mas em meu colo não há nada que te cure do seu velho trauma de infância e dos erros que você insiste em cometer. Eu não posso te salvar enquanto vou improvisando pelos dias fazendo o melhor que eu posso e ainda sim me deitando em uma cama de ressentimentos, quase que reabrindo as feridas, antes
de adormecer. Mas eu juro, eu gostaria de ouvir você, talvez eu não teria o conselho certo, e o olhar cheio de doçura, meus lábios já não têm o gosto doce, nem meus olhos carregam aquele brilho romântico que você esperava desde a época da adolescência. Você fuma um último cigarro antes de dormir, relembrando todas as coisas que poderia ter dito, as vezes que deveria ter ficado quieto e diz para si mesmo que não há mais jeito para você. Depois, deita a cabeça em minha barriga como uma criança perdida esperando a aprovação dos pais, e um cafuné na cabeça, como um prêmio por apenas aguentar até aqui. Seus olhos se fecham e seu corpo se abre tentando absorver toda a doçura do momento, convertendo-a em energia apenas para aguentar o amanhã. Meu bem, eu não conseguiria te salvar...
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Eu sinto o peso de seu corpo e o peso do momento, tentando lembrar que eu ainda existo no meio de tudo. Eu não conseguiria te salvar, nem me moldar atrás das cortinas, amputar meus defeitos e me livrar de todas as partes mais fodidas da minha personalidade que eu juro, eu odeio, mas não poderia viver sem apenas para dizer as palavras certas, a frase bonita, o gesto inspirador. A grande mulher atrás do grande homem. Eu não nasci para essa merda. Você espera a mulher dos grandes romances, dos filmes do Oscar, aquela que vai arrancar a dor de você com as próprias mãos, a que vai te botar na linha e vai te fazer sentir pela primeira vez em anos o que você achou que significaria estar vivo. Mas eu não poderia te salvar.... Enquanto perco a conta de meus defeitos, meus olhos passeiam pelo quarto me lembrando a mim
mesma que eu não sou um altar. Meu corpo jamais foi um templo para que os pecadores pudessem aqui se ajoelhar e se aliviar da culpa. Meu bem, quando a manhã chega e o Sol ilumina a realidade, as marcas na pele e os problemas que jamais foram embora, quando os sonhos evaporam e a claridade chega abrupta pela janela, despertando o sono e despachando o romance, as rezas acabam, os templos se fecham. Com alguma sorte, ainda estamos vivos. E a salvação é um conceito abstrato demais que queima junto do calor da manhã.
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UM ENSAIO SOBRE O AMOR
Existe uma folha branca em minha frente. Eu não consigo escrever o que eu quero, eu queria falar de amor, algo idealizado na mente que não consegue achar o caminho para a realidade. Algo que mora mais na vontade, comendo pelas beiradas, procurando achar o caminho até a saída. Algo que quer manifestar-se em meus dedos e cavar sua saída até o papel mais próximo, o próximo texto. Eu queria falar de amor, mas talvez eu apenas chegue nas camadas superficiais, um roçar de pernas nas mesas do bar. Quando a pele esquenta e arrepia, algo que nunca é dito, um pequeno segundo eterno. Um pequeno segundo eterno na pele tocada, onde as células que constituem sua pequena parte, deixam de ser as mesmas. Eu queria falar de amor, mas eu não tenho palavras, como lábios adormecidos depois de um beijo longo. Eu queria falar de amor, sim, mas eu evito, assim como fujo de olhares por demasiado intensos, e rio desconcertada, porque eu não consigo olhar no olho por muito tempo. Quando a gente se afunda em um mar castanho, ou azul, e o tom da íris nos colore por inteiro, pintando nosso próprio cérebro, castanho, e nos jogando à deriva de um mar espesso. Existe algo querendo sair para fora, mastigando seu caminho até a margem. Existem impressões digitais deixadas no corpo, inexoráveis ao decorrer do tempo. Existe um tempo diferente, destinado aos afetos que na mente brotaram, mas eu queria falar de amor… de outra forma. Existe um outro tempo, se arrastando por minha pele como um carinho lento, e piadas particulares que me fizeram dar uma risada, mesmo tomando um café sozinha pela manhã. Queria mesmo falar de amor, e a folha urge. Uma dança da caneta, tentando desenhar sonhos esquecidos pelo despertar. Uma dança da caneta, movendo-se ao som da música favorita, da pessoa favorita. Da cor favorita, centrada nos olhos preguiçosos. Na saudade que quase me come viva, do calor entre as pernas e no calor do abraço. Eu queria falar de amor, mas eu não posso, não consigo. Algo não me deixa, algo esquecido em conversas onde meu cérebro se fez relaxado. Onde minha mente deitou-se ao seu lado, sem aquela velha tensão nos músculos, e a velha dor dos dias. Eu não consigo falar de amor, nem das ondas sonoras que ecoaram de minha garganta, em uma gargalhada, que seguem revoando o meu redor, feito pássaros que não conseguem migrar mesmo no inverno. Existe algo abraçando as horas, e o tempo. Algo invisível que me segura as mãos, algo que o inconsciente falha em manter em segredo. Não existe nenhum segredo, exceto que eu gostaria de falar sobre o amor e não consigo. Falar sobre outro tipo de sexo, outro tipo de companhia. Algo que caminha pela memória, tão sutilmente, colorindo certas lembranças no tom dos olhos e da palma da mão. Tocando de forma intensa, o que a pele entende por saudade. Mas eu queria falar sobre amor, embora o papel não colabore, nem as ideias se organizem para tornar texto certas vontades irracionais, que não condizem com esta realidade. Um mar espesso de uma determinada cor, uma tinta que encontra seu caminho para debaixo da pele. Caminhando pelos braços até acariciar o pescoço, entrando no crânio e tatuando a mente. Em meu sistema límbico, seu nome aqui jaz.
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Minha mãe veio lá da Bahia, do sertão interior do Estado, quase divisa com Minas Gerais entre ela e suas irmãs, existe um gosto pelo café preto forte. café preto e chiringas, (é um bolinho da região.) a gente conhece como polvilho, mas ninguém fala esse nome. você joga o bolinho dentro do café, até amolecer depois espeta-o com a faca e o leva a boca. em seguida, um gole de café. elas encostam no balcão da cozinha e quase todas leva na pele os raios impiedosos do Sol. café forte com chiringa me lembra Caculé café forte me lembra a terra laranja, tão forte e saturada os coqueiros solitários, e os bois levemente magros a seca que engole o rio, revela as areias
brancas. dunas macias, que colorem ainda mais a roça. o café forte lembra o Sol a pino e as ruas lapidadas em milhares de paralelepipedos minha tia carrega as rugas intensas da idade entre os olhos os cabelos brancos e o olhar gentil, caminha quase de madrugada até a feira: queijo fresco, chiringa e feijão fradinho linguiça apimentada, carne seca e doce de leite; cafézinho, até o almoço ficar pronto o Sol testemunha a força de mulheres algumas insistiram em permanecer por lá.
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mulheres que caminharam quilômetros para pegar água cuidaram dos filhos, enfrentaram seus maridos. café forte me lembra de um olhar gentil que persiste o pé rachado e a pele manchada as gargalhadas que vem da cozinha, inundam a casa Caculé parece perdida no mapa, quem não veio de lá nunca ouviu falar. da casa da minha tia, no alto do morro, toda a roça parece jamais ter fim laranja é a cor, que pinta seu mundo, laranja é a cor de sua imensidão. laranja como o tom da pele de todas, tatuada pelo Sol, como sua história colorindo de laranja a memória de quem conseguiu aprender com a roça a coragem de prosseguir nesta seca. a maioria veio pra São Paulo, o acinzentado asfalto, é tão quente como o barro seco a cidade grande tem suas secas também as cores não disfarçam a crueldade, mas não assassina a resiliência da pele encascorada da seca.
o café forte com chiringa no fim da tarde me faz lembrar de Caculé, me faz pensar em minha história em minha mãe, e minhas tias forjadas com resiliência no alaranjado da roça.
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CENTRO MUNICIPAL DE ARTE HÉLIO OITICICA RUA LUÍS DE CAMÕES, PRAÇA TIRADENTES, 68, RIO DE JANEIRO - RJ, 20051-020 HORÁRIO: SEG./ QUA. / SEX. - 12H ÀS 18H E TER. / QUI. / SAB. - 11H ÀS 18H
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ARTISTAS DESTA EDIÇÃO
Vitória Cribb
@louquai https://www.piscina-art.com/vitoria-cribb https://lightbox.io/2019/07/09/interview-in-conversation-with-vitoria -cribb/
Di Lua @dilua_virada
Tóia Azevedo @vie_in_rose
Coletivo Ero Ere @coletivo_ero_ere
Michele Alves @garotanicotina https://your-garotanicotina.tumblr.com
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COLABORADORAS Edição e Diagramação
Kamila Oliveira @kamioliv
Entrevista e Revisão
Marta de la Parra Prieto @iamanaesthete https://www.madsmilano.com/product-page/marta-de-la-parra-prieto https://cargocollective.com/MartadelaParra
Redação Lorena Rosa @corralolocorra https://lorenarosa.carbonmade.com
Tradução
Vanessa Múrias @vanessamurias
Textos
Tóia Azevedo @vie_in_rose
Michele Alves @garotanicotina
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