GLOBAL EXPEDITION #9

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FMM Festival Músicas do Mundo


Oumu SangarĂŠ. 10 Anos depois, a grande Senhora da mĂşsica do mundo, regressou ao FMM. Oumu, muito obrigado.


Música com espírito de aventura

5 Para todos aqueles que rumam a Sines, uma vez por ano, para assistir ao FMM – Festival Músicas do Mundo, os números, as estatísticas e a quantidade de prémios que o festival arrecada todos os anos, são dados irrelevantes. É verdade que entre 1999 e 2017 já passaram por Sines mais de um milhão de espectadores, 2500 músicos de mais de 100 países e regiões autónomas, que proporcionaram mais de 500 concertos. É verdade que o Iberian Festival Awards considerou-o “ O melhor grande festival português”. É verdade que o FMM faz parte da lista dos mais premiados do “Songlines + 25 of the Best International Festivals. Verdades Irrefutáveis. Mas, para a maioria dos milhares de visitantes o importante é a música e o ambiente. Ir ao FMM faz parte de um ritual de passagem, quase místico, como ir a Meca ou ser atraído por uma grande Babilónia de música e cultura. Os peregrinos procuram música do mundo real, como são feitas


BCUC. Explosivos... provaram que a energia de James Brown é eterna. A grande revelação do FMM.

e vividas no nosso tempo: músicas miscigenadas, marcadas pela interação entre artistas de origens geográficas e culturas muito diferentes, fruto dos movimentos de ideias e pessoas que definem a contemporaneidade. Uma “tribo” musicalmente muito exigente que sabe que a boa música está para além da plataforma sonora ocidental, do mundo da música tipo pacote instantâneo de puré de batata, das playlists e do que falsamente intitulam como “gosto corrente da maioria da população”.

Durante o festival, o Castelo de Sines, transforma-se num panelão musical que levanta fervura e extravasa muito para além dos seus muros. Carlos Seixas, mentor e diretor artístico do FMM, premiado pela Aporfest (Associação Portuguesa de Festivais de Música) como “Personalidade do Ano”, sublinha: “o principal objetivo é transcender a

perspectiva etnocêntrica que domina a corrente principal e promover a liberdade e a igualdade na circulação artística”. A edição de 2017 não fugiu à regra. O compromisso com a qualidade, a fidelidade a princípios inalteráveis: artistas de qualidade, cenários únicos, uma

... o FMM proporcionou 56 concertos de qualidade promovendo a igualdade de circulação de artistas de todas as geografia...


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produção excepcional, cumprimento de horários, uma equipa eficiente e um público que se formou com o festival e cuja exigência e entusiasmo parte do que ele é. Repartido entre os centros históricos de Porto Covo e Sines, o FMM proporcionou 56 concertos de qualidade promovendo a igualdade de circulação de artistas de todas as geografias. O que me agrada para além da excelente qualidade musical que passa pelo FMM, é o espírito de utopia que transborda do castelo para as ruas e ruelas de Sines e que se estende, suavemente, até à pracinha pombalina de Porto Covo. Espírito livre sem preconceitos que desafia fronteiras mais no sentido da inclusão do que exclusão, contrariando o que se constata há alguns anos, uma predominância do presente, do instantâneo face a uma relativa depreciação da utopia. Seria exaustivo e até de certa forma incoerente do ponto de vista editorial escrever, numa peça só, sobre cada um dos concertos. Num festival, com nada mais, nada menos, do que 56 concertos não é difícil fazer escolhas; o mais difícil é abstrairmo-nos das nossas preferências pessoais e consolidadas há várias décadas, em contraciclo com a grande maioria de publico jovem do FMM. A idade tem destas coisas...

Waldemar Bastos. A música de Angola levantou todos os telemóveis de Porto Covo.

OS MEUS “SE” Se, António Chainho, a quem a revista Songlines nomeou como um dos 50 músicos mais influente das músicas do mundo e o Fado o consagrou como um dos mestres eternos da guitarra portuguesas, foi uma excelente escolha para a abertura do FMM, a banda chilena “Chico Trujillo” partiu a loiça toda

no palco da praia, já passava das 5 da manhã. São dois concertos incomparáveis; António Chainho acompanhou o jovem fadista André Baptista, ainda à procura de reportório e a banda chilena de cumbia despejou energia junto à praia. Esta diversidade, é o ADN do FMM. Se, o regresso de Mohammad Reza Mortazavi ao FMM percussionista nascido em Isfahan, no Irão, era uma



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Fatoumata Diawara. A melhor música do continente africano, presente em Sines. É um privilégio ouvir esta Senhora.

boa noticia. onde o exímio tocador de tambores tonbak e daf, sem partituras, sem pré-programa, nos ofereceu uma viagem por rítmicos poucas vezes explorados, conduzida por duas mãos incríveis que pareciam muitas mais, a Orquestra “Bareto”, subiu ao palco de Porto Covo, que curiosamente esconde a igreja da Senhora da Soledade, para fechar a noite com a sua música contagiante. Oriundos do

Peru, divertiram-se e divertiram todos à sua volta com o caliente ritmo tropical sem deixar de falar de coisas muito sérias: diferenças sociais, racismo, insegurança urbana, fome, crescimento macroeconómico que não chega às pessoas. Ficamos fãs. Se Nessi Gomes, filha de imigrantes portugueses, com a sua proposta de folk alternativo foi uma agradável surpresa,

...já passaram por Sines mais de um milhão de espectadores, 2500 músicos de mais de 100 países e regiões autónomas, que proporcionaram mais de 500 concertos...


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Leyla McCalla, subiu ao palco para cantar histórias quotidianas de pessoas que tiveram de abandonar a sua terra à procura de uma vida melhor. Um concerto de histórias simples, quase intimista mas com grande carga emocional.

Mário Lúcio partilhou o funaná com o reggae, o rock e o jazz e proporcionou um concerto transcendente.

o trio de jazz galego “Sumrrá” arrasounos com o seu jazz melódico, sem escola, sem regras, com lirismo, swing e humor, já para não falar da fabulosa performance artística do seu baterista A. R. Legido. Quando o concerto acabou fui direitinho comprar o CD (sim, eu sou dos que compram CD’s). Se, Cristina Branco, apesar da excelente voz, ainda não encontrou o seu azimute

musical (ou não quer), Leyla McCalla, norte-americana, filha de pais haitianos, descobriu o sentido da sua música no caos urbanístico de Nova Orleães, subiu ao palco para cantar histórias quotidianas de pessoas que tiveram de abandonar a sua terra à procura de uma vida melhor. Um concerto de histórias simples, quase intimista mas com grande carga emocional.

Se, esperava muito mais das “The Barberettes” trio sul-coreano de doowop, a performance do “Mabang”, banda oriunda de Guangxi, na China, encantou-me. Se, o “Terra de corpo” dos açorianos Carlos Medeiros e Pedro Lucas me surpreendeu pela positiva, a espiritualidade, performance e voz de Parvathy Baul, deu-me por alguns


Tulegur é fã incondicional dos Nirvana, mas à noite houve o galope dos cavalos na estepes da Mongólia, sua terra natal. Folkrock das estepes? Grunge das Estepes? Sobretudo, um grande concerto.

instantes a sensação de “escorregar” por um canal direto para o divino. O canto baul, levitante, da longínqua Índia no seu melhor em Sines. Se, a “Sopa de Pedra”, grupo de senhoras da cidade Invicta que cantam o cancioneiro português, à capella, foram iguais a si mesmas, a performance musical da dupla Benjamim / Barnaby Keen agarrou-me ao palco, surpreendido, rendido.

“O corpo que tem fome, o corpo que precisa de outros corpos, o corpo sem o qual a pura racionalidade nada pode, é quem fala nestas histórias”. Medeiros e lucas são açorianos e a bruma das ilhas sente-se na sua música.

cor este verdadeiro hino à alma, mátria e pátria angolana. Se, “Cantos de Cego da Galiza e de Portugal”, dos músicos César Prata e Ariel Ninas, nos proporcionaram um concerto que a certa altura não queríamos que acabasse, a Orquestra Latinidade subiu ao palco para nos oferecer um concerto

“We may not have fancy cars, but we got soul”

Se, Costa Neto e João Afonso (sobrinho de Zeca Afonso) nos ofereceram um espetáculo muito bonito, tranquilo com substância, um momento de encontro feliz entre dois músicos moçambicanos, o credenciado músico angolano Waldemar Bastos, com a sua “alma acústica” aprisionou o publico desde os primeiros acordes. Cada canção passa por Angola, Cabo verde, Brasil, Portugal, Estados Unidos, do soul ao blues, sem precisar de recorrer a grandes explicações. Com a mesma simplicidade de sempre e sem surpresas, Waldemar Bastos, terminou com o Muxima (que significa coração, em Kuimbundo), música que o acompanha há mais de duas décadas. O auditório reagiu; ergueu os braços com os telemóveis e acompanhou de

Ao jeito dos longínquo “Big Bazar de Michel Fugain”, a Orquestra Latinidade baralhou todas as influencias para proporcionar um grande concerto.


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Tiken Jah Fakoly. Reggae com o misticismo africano. Grande espetรกculo a encerrar o FMM, no Castelo. Que grande fim de festa.


Carlos Seixas, mentor e diretor artístico do FMM, apoiado por uma vasta equipa de profissionais, levou à cena mais uma extraordinária edição do Festival Músicas do Mundo.

cheio de vida e boa disposição. Formado por músicos de várias partes do mundo residentes em Lisboa, este projeto multicultural brilhou intensamente na noite de Porto Covo. Se, Gustavito e a sua banda “a Bicicleta” a banda brasileira belo-horizontina nos proporcionou bons momentos com a mistura improvável (mais uma) de samba e música indiana num autentico ritual candomblé, onde sobressai a nossa conhecida canção Camaleão Borboleta, Mike Love, o músico americano espiritual (mas não religioso) deliciou as correntes com as suas letras muito pessoais e comprometidas com as causas que defende, como o ambiente e os direitos dos animais. Se, Makely Ka, compositor e cantor brasileiro conviveu com índios e nos ofereceu a sua música com ecos do movimento Antropofagia, num espetáculo de nota máxima, o projeto

Lura, superou todas as expectativas. Lindo.

Tó Trips e a guitarra Makaka. A “meia-cara” do “Dead Combo” levou a Sines o seu lado mais africano.

“Jae Sessions” dos amigos Paulo Travassos e Zé Djaló arrebataram os milhares de peregrinos que lotavam o simpático Largo do Poeta Bocage. Se, achasse pouco provável que os sons de África se podiam misturar com os sons de Cuba, tão fortes que são, sem que nenhum ficasse a perder, enganeime redondamente. A banda “Richard Bona Madekan Cubano” provou-me o contrário e eu deliciei-me.

“We may not have fancy cars, but we got soul”


Parvathy Baul. Espiritual e levitante. Um concerto difĂ­cil de esquecer.

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Se, os “Coladera” nos proporcionaram um bom momento de música, a banda sul-africana BCUC que significa Bantu Continua Uhuru Consciousness, na sua própria definição: seres humanos que procuram continuar a liberdade da consciência, proporcionaram um dos grandes momentos do festival. Música afro-psicadélica, isto é, música livre: línguas e tambores tradicionais em comunhão com jazz sul-africano, cantos de igreja, blues, rock, rap. Música do

presente, com que o “homem da rua” de qualquer parte do mundo se pode identificar. Como eu me sinto bem como homem da rua... Zithulele, o vocalista, concentra quase toda a energia em si. É o epicentro poderoso da banda. Não pára um segundo, numa fúria incessante, como que possuído e disposto a provar que James Brown não morreu.

Quando às tantas diz, referindo-se ao país, “We may not have fancy cars, but we got soul” [podemos não ter carros luxuosos, mas temos alma], não é senão a alma (uma alma inesgotável) que lhe vemos. E vemo-nos atropelados por aquela música endiabrada, com carga e movimentos de cerimónia zulu, um tom primário claramente tribal de onde emergem funk, assomos de punk, vislumbres de kwaito mas, sobretudo, uma aparente agressividade, um


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persistente estado de fúria que, a cada momento e de forma exacerbada, celebra estar vivo, ser um sobrevivente, ser livre. Poderoso! Se, a Lura superou as nossas expectativas (que já eram altas) oferecendo um grande concerto, com muitas bandeiras de Cabo Verde a esvoaçar no Castelo de Sines, a banda turca Gaye Su Akyol trouxe-nos o direito à diferença. O artrock com melodias tradicionais, rock da Anatólia dos anos 60 e 70. Uma combinação explosiva que a certa altura

nos faz perguntar: quem é Gaye, esta pintora tornada cantora-compositora que traz a profundidade da Anatólia para o cosmos de Istambul? Não sei a resposta. Provavelmente nunca saberei. Uma coisa é certa: estivemos perante uma artista comprometida com a verdade da sua cultura e com a liberdade de expressão artística. Diferente, com sentimento de irrealidade, psicadélico, a caminho da genialidade? Se, o melancólico e luminoso Tozé Trips, a sua guitarra Makaka e João Doce, o

baterista, nos deram a felicidade de atuarem em Sines, de forma inesperada e brilhante, Mário Lúcio, levou o melhor do funaná a Sines. Pessoalmente, fiquei impressionado com o cocktail explosivo que Mário Lúcio consegue fazer com base no seu funaná, misturando um pouco de reggae, ska, uma pitada de rock e um toque final de jazz. Delicioso. Se, o regresso a Sines de “Orlando Julius”, o grande saxofonista nigeriano, teve honras de acompanhamento da banda brasileira “Bixiga 70”, Fatoumata


19 Fakoly, foi o inverso. O artista reggae francófono mais reconhecido do mundo compensava com uma mensagem de esperança e uma noite memorável de música inspirada no reggae com instrumentos africanos como o ngoni, o kora e o balafon, aliado às guitarras de música mandinga e do Sahel, o que na minha opinião, enriquece de forma substancial o género de música popularizada por Bob Marley. Se, não tenho palavras para descrever Oumou Sangaré; já lhe chamei Diva, Rainha, Deusa...uma coisa é certa: a minha admiração por esta grande Senhora não tem limites. Oumou Sangaré nasceu no Mali. Embaixadora da ONU, voz das mulheres sem voz, comemorou o seu regresso a Sines com um concerto memorável, que certamente ficará na memória de todos aqueles que estiveram, à pinha, no Castelo. Talentosa, poderosa, o seu concerto foi um hino à liberdade, dignidade e tolerância. Oumou Sangaré, muito obrigado. FMM até para o ano!

Sumrrá. Extraordinário trio de jazz livre. Fabuloso.

Diawara foi uma estrela incandescente que iluminou o céu do Castelo. Fatoumata, maliana, nascida na Costa do Marfim surgiu acompanhada de Hindi Zahra, cantora marroquina de origem berbere. Cantoras, guitarristas, compositoras, atrizes, ativistas ofereceram-nos um grande concerto onde partilharam canções, estilos e emoções. Esta parceria entre uma cantora do Norte de África e uma

cantora da África Subsaariana, deixou no Castelo uma mensagem subliminar: “Procuramos a força da união”. Se, “Emicida” é o rosto do melhor hip hop brasileiro e levou o Castelo ao rubro com a sua música e as suas palavras, onde encaixa toda a complexidade de ser jovem e negro no Brasil atual e, por outro lado, deixava uma mensagem muito pesada acompanhada de alguns comentários menos felizes, Tiken Jah


Parceiro Oficial da reportagem: Renault Kadjar | Texto: Glรณria e Manolo | Fotos: Mรกrio Pires, Sofia Costa, Antรณnio Melรฃo e Manolo


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